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GESTÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E AS REPERCUSSÕES PARA OTRABALHO DOCENTE
Alda Maria Duarte Araújo Castro1
A discussão acerca da gestão das políticas educacionais na atualidade e a
forma como as elas têm influenciado e modificado o trabalho docente não pode ser
realizada de forma descontextualizada. Os estudos mostram que a política educacional
brasileira, na sua evolução, tem-se articulado com o modelo econômico vigente em cada
época fato esse que tem repercutido nos sistemas educacionais e, consequentemente, nas
formas de organização escolar. Neste capítulo, parte-se do pressuposto de que as
organizações educacionais são conduzidas e orientadas por um processo que se
consubstancia em um determinado momento histórico e contemplam vários elementos,
por vezes, contraditórios, mas que, de modo geral, respondem ao ritmo e à direção
impostos pelo processo produtivo. Na atualidade, esse cenário tem sido influenciado por
diferentes fatores, entre eles, os processos de globalização, da reestruturação produtiva e
do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação.
O texto discute, em primeiro plano, o redimensionamento do papel do estado,
enquanto instituição responsável pela organização da sociedade em todas as suas
dimensões, evidenciando o modelo de gestão gerencial adotado na atualidade para a
condução das políticas sociais; em segundo plano, o texto aborda a incorporação das
diretrizes gerenciais na política educacional brasileira, ressaltando os principais
programas implementados a partir da década de 1990, com características do modelo
gerencial. Por fim, analisa as repercussões que o modelo gerencial traz para o o trabalho
docente, acentuando características da intensificação, da precarização e da flexibilização
do trabalho.
1 Professora Doutora do Departamento de Fundamentos e Política Educacional do Centro de Educação eCoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande doNorte.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401005
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1. O papel do Estado na condução das atuais políticas públicas: A gestão
gerencial em foco
No atual debate sobre o processo de globalização na sociedade contemporânea,
emerge uma discussão que busca caracterizar a complexa relação existente entre as
transformações econômicas, sociais, culturais e políticas ocorridas em âmbito mundial e
seus desdobramentos no plano da educação em todos os seus níveis. A ideia de
globalização, eventualmente também denominada de mundialização, vem tornando-se
uma evidência axiomática, já que é considerada, via de regra, um processo político
hegemônico e que não pode ser revertido. Para essa defesa, têm contribuído,
substancialmente, o desenvolvimento das tecnologias e da informação em nível global,
modificando as relações de afiliação, de identidade e interação dentro e através dos
cenários culturais locais.
A readequação das sociedades contemporâneas às novas exigências do mundo
globalizado e a opção política pelo ideário neoliberal de reorganização do estado
impuseram a adoção de reformas que implicaram a reestruturação do Estado e a
redefinição de seu papel em relação ao mercado, às políticas sociais, bem como
alteraram a lógica até então prevalecente na administração pública, no sentido de
articular um novo padrão das relações público-privado tomando como referência os
critérios de mercado.
No que se refere ao papel do estado é válido demarcar que, ao longo da sua
evolução histórica, o estado Liberal tem sofrido transformações e assumido diferentes
funções, isso porque o Estado não é um ente monolítico, mas, uma organização que
existe em função de prioridades e interesses de grupos sociais que compõem a
sociedade. O Estado capitalista exerce um papel organizativo, na medida em que
representa e materializa os interesses de classe e da acumulação do capital, sem,
contudo, aparentar compromissos com interesses particulares, tampouco com grupos
específicos, deixando transparecer uma noção de neutralidade. Sua função, portanto,
vem se modificando articulada às necessidades do capital, ora desempenhando um papel
de interventor, ora se retraindo para uma função mais controladora e avaliadora do que
executora. Em quaisquer circunstâncias, é importante entender que o estado permanece
como categoria analítica para uma melhor compreensão das políticas educacionais.
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Na atualidade, o papel do estado baseado em uma ideologia neoliberal, de corte
nos gastos sociais e na redução do seu papel adota uma posição mais privatista e uma
concepção gerencial na organização do aparelho administrativo do estado, que passa a
desempenhar a função de coordenar, controlar e avaliar as políticas públicas, em
detrimento de seu papel de executor. Nesse sentido, o Estado – enquanto instituição
responsável pelo controle e pela regulamentação das políticas públicas – deverá assumir
um novo perfil: tornar-se uma instituição mais ágil, mais enxuta e flexível no
gerenciamento das políticas públicas, voltada, essencialmente, para promover o
desenvolvimento econômico. Para isso, se faz necessário utilizar mais o controle do
mercado do que os administrativos reforçando assim, a ideia de que era preciso reformar
o contexto institucional, melhorar a qualidade da administração, o sistema judicial e
político. Essas reformas visavam reformar a legislação, a administração pública e a
estrutura do governo central para imprimir maior governabilidade ao Estado.
O modelo gerencial para o serviço público foi importado da iniciativa privada e
a Grã-Bretanha pode ser considerada o laboratório das técnicas gerenciais aplicadas ao
setor público. Esse novo modelo de administração caracterizado pela busca da
eficiência, da qualidade, da produtividade, da avaliação de desempenho, pela
flexibilidade gerencial e pelo planejamento estratégico, vem configurar a nova gestão
pública. Exigem-se dos gerentes habilidades e criatividade para encontrar novas
soluções, sobretudo para aumentar a eficiência, utilizando, (entre outras estratégias), a
avaliação do desempenho. Há preocupação, portanto, com o produto em detrimento dos
processos.
Na visão de Gete (2001), a Nova Gestão Pública não é um conjunto sistemático
e ordenado de propostas que deve ser utilizado de acordo com problemas específicos ou
com os objetivos a serem alcançados; ela atuaria sobretudo como um depósito de
orientações, métodos e técnicas. Algumas características permitem uma melhor
compreensão da reforma gerencial, tais como: a) a descentralização/desconcentração
das atividades centrais para as unidades subnacionais; b) a separação dos órgãos
formuladores e executores de políticas públicas; c) o controle gerencial das agências
autônomas, que passa a ser realizado levando em consideração quatro tipos de controle:
controle dos resultados, a partir de indicadores de desempenhos estabelecidos nos
contratos de gestão, controle contábil de custos, controle por quase-mercados ou
competição administrada, e controle social; d) a distinção de dois tipos de unidades
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descentralizadas ou desconcentradas: as agências que realizam atividades exclusivas do
estado, e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo; e) a terceirização dos
serviços; f) e o fortalecimento da alta burocracia.
Segundo Gete (2001), a gestão gerencial trouxe uma nova visão dos usuários
do serviço público, o que significa uma mudança radical nas orientações desses
serviços, ou a ideia de que o cliente não é alguém sobre quem se exerce um determinado
poder; pelo contrário, é alguém a quem se serve. Assim, a mudança do conceito de
usuário para o conceito de cliente significa converter o serviço público em serviço ao
público. Dessa forma, cada cidadão pode transmitir sua própria visão da prestação dos
serviços que recebe, de sua utilidade e sua preferência. A autora questiona essa visão
pelas suas conotações instrumentais e mercantis.
Analisando as características da Nova Gestão Pública, Lima (2002) entende
que ela se apresenta, de modo geral, como politicamente neutra, privilegia a lógica de
ações do tipo empresarial, as quais promovem o privado como política pública e
subordinam a educação a objetivos econômicos, de empregabilidade, produtividade e
competitividade, por meio dos discursos de qualidade e da excelência. Esse também é o
entendimento de Gete (2001) para quem essa neutralidade é baseada no pressuposto de
que a sua hegemonia, sua ampla difusão deve-se à sua capacidade de responder aos
dilemas do mundo atual. Essa é uma visão asséptica e técnica; na verdade, a adoção do
novo modelo de gestão pública está associada a uma inspiração do pensamento
neoliberal com vistas à redimensão do papel do estado nos serviços públicos.
No entanto, o Documento do Centro Latino-Americano para o
Desenvolvimento - CLAD (1998), ao discutir sobre a necessidade de uma mudança na
gestão dos serviços públicos na América Latina, apresenta o modelo gerencial como
altamente positivo, ressaltando as inúmeras possibilidade de formas de
responsabilização que ele permite, destacando: a) a responsabilização pelos controles
clássicos; b) a responsabilização pelo controle parlamentar; c) a responsabilização pelo
controle social; d) a responsabilização pela introdução da lógica dos resultados; e e) a
responsabilização pela competição administrada. As três últimas se inserem no
contexto mais atual, e, combinada com as anteriores, complementam-se em busca das
transformações necessárias ao capital.
O uso do modelo de gestão gerencial, segundo Lima ( 2002) estaria induzindo
a uma hiperburocratização das instituições e a um excessivo controle do processo de
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trabalho. Concordando com Lima (2002) é fundamental ressaltar neste capítulo duas
formas de responsabilização, por entender que elas demonstram de forma mais
consistente as idéias do autor e favorecem o processo de hiperburocratização das
instituições: a responsabilização pela introdução da lógica dos resultados e a
responsabilização pela competição administrada,
Concernente à responsabilização pela introdução da lógica dos resultados,
orienta-se pelo constante monitoramento e controle desses resultados, sendo necessário,
torná-los quantificáveis para assim auferir os ganhos de eficiência e efetividade das
políticas. Isso permite que essas normas sejam elevadas e controladas ao extremo o que,
na prática, torna-se excessivo o controle, as normas e as regras. Como parte da
estratégia para promover a modernização do Estado, pressupõe a comparação entre
“metas” e “resultados” o que implica uma organização hierárquica que cria uma cadeia
de responsabilização desde o Governo Central até os diretores, gerentes e funcionários
públicos nos diferentes níveis subnacionais e locais conduzidos pela busca da
adequação entre as metas e os resultados. A profissionalização desses gerentes se
constitui numa das principais medidas para as capacidades institucionais do Estado não
mais executor, mas regulador das políticas. A função da alta e profissionalizada
burocracia reside em elaborar as grandes linhas da política nacional; supervisionar o
processo de descentralização e fiscalizar os vários provedores dos serviços públicos,
ajudando a montar as redes de cooperação entre os diversos agentes sociais envolvidos
nas políticas.
Os gerentes ou gestores atuam dentro de um sistema descentralizado, flexível,
com liberdade para tomar decisões e administrar recursos, em contrapartida, com maior
responsabilidade pessoal em relação aos resultados, podendo inclusive ter sua
remuneração (por meio de gratificações e premiações) e a remuneração dos demais
funcionários, condicionado aos resultados. Essa forma de autocontrole por parte dos
gestores públicos, faz com que eles assumam para si o ônus do sucesso da sua missão.
Outra forma de verificar o excessivo controle do atual modelo de gestão é a
incorporação da avaliação como forma de promover a consciência tanto por parte dos
avaliadores quanto dos avaliados, em relação aos critérios e às metas que servem de
referência para medir o desempenho em cada instituição. A avaliação implica em
mecanismo de formação constante de todos os envolvidos na gestão, de tal forma que,
em um processo de prestação de contas, os gerentes responsáveis pela execução dos
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programas devem ser capazes não, apenas, de reconhecer os acertos e desacertos da sua
gestão, mas também de prestar explicações conscientes e racionais sobre os fatores que
determinaram o sucesso ou o fracasso .
De igual modo, desempenham papel preponderante os mecanismos de
acompanhamento da execução como indutor do ajuste entre metas e resultados, em
oposição ao modelo anterior cuja preocupação central voltava-se para a fiscalização da
legalidade e cumprimento de horários, rotinas, sem a preocupação com a satisfação dos
usuários. Por meio do acompanhamento, os gerentes responsáveis procuram manter o
controle dos programas e dos recursos, incorporando a autoavaliação como prática
interna de cada órgão executor, e estabelecendo controles seletivos e estratégicos para
garantir o uso racional dos recursos.
No que se refere à responsabilização pela competição administrada, essa
provocou as transformações mais significativas, quanto à redefinição do Estado e à
relação deste com a sociedade. Essa forma de responsabilização parte do princípio de
que a falta de concorrência no interior do serviço público é um fator impeditivo da
eficácia, eficiência e qualidade deste, apontando, como solução, formas de diversificar
os provedores dos serviços e ações públicas, para que em meio à pluralidade de atores,
se instaurem diferentes formas de competição. Se a competição acontece entre órgãos
governamentais, o Estado deve se fortalecer para acompanhar e avaliar a execução das
ações descentralizadas. Se ocorrer entre empresas privadas que prestem serviço público
por meio de concessões, é necessária a criação de agências reguladoras independentes
do Executivo e Legislativo, cuja tarefa é fiscalizar os setores privados. E ainda, no caso
da prestação de serviços pelo terceiro-setor (entidades públicas não-estatais), deve haver
uma constante fiscalização por meio do acompanhamento dos contratos obedecendo à
lógica dos resultados.
A implementação e o sucesso dos métodos gerenciais de controle, a posteriori,
propiciaram os parâmetros para que se estabelecessem as primeiras formas de
competição administrada; dentre as principais, destacam-se: adoção de índices e
avaliações de resultados como parâmetros básicos para a ação administrativa; a
flexibilização na gestão de pessoal, inclusive em termos de pagamento; o repasse de
poderes de órgãos centrais às unidades descentralizadas e do topo da organização às
gerências intermediárias; a introdução de uma cultura mais voltada à satisfação de metas
públicas que à observância de regras ensimesmadas; e, especialmente, a
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contratualização da administração pública, definida pela autonomia e pelo aumento da
responsabilidade de cada agência segundo objetivos claramente definidos (ABRÚCIO,
2003, p. 231).
No discurso, a obtenção desses objetivos, estaria condicionada à
desburocratização e flexibilização das regras; e à fiscalização e acompanhamentos dos
contratos, incluindo-se, no segundo condicionante, a transparência e publicização das
informações para possibilitar o controle social. Na prática, o que se verifica é um
controle exarcebado, permitido pelas tecnologias da comunicação e da informação que
possibilitam acompanhar a vida de todos e em todos os momentos. Dessa forma, se está
de acordo com o que Weber (1994) concebia como burocracia: um sistema racional em
que a divisão de trabalho ocorre, racionalmente, visando a um determinado fim. Isso
implica o predomínio do formalismo da existência de normas escritas, estrutura
hierárquica, divisão horizontal e vertical do trabalho e impessoalidade no recrutamento
dos quadros. A ação é orientada para um forte planejamento e controle. É o que Licínio
Lima defende como uma hiperburocratização dos processos com sérias repercussões
para a gestão dos sistemas educacionais e para o trabalho dos docentes.
2. A política educacional brasileira e a operacionalização da gestão gerencial
Com as mudanças advindas da reestruturação produtiva e da adoção do ideário
neoliberal, o modelo burocrático de gestão sinaliza esgotamento a partir da década de
1970. Dessa forma, o campo das organizações é impelido a adotar uma nova concepção de
gestão mais flexível próprio das empresas privadas. Nesse sentido, a nova Gestão pública
foi adotada enquanto modelo administrativo para todas as vertentes sociais, contemplando
também o sistema educacional. Com as reformas educacionais, a gestão descentralizada
passa a ser o eixo da política educacional brasileira, redesenhada pela influência das
estratégias neoliberais que imprimem o reordenamento das relações entre o Estado e
sociedade. Nesse cenário, ganha destaque a descentralização das responsabilidades
materiais, com incentivo a parcerias com as empresas, organizações não-governamentais.
Dois conceitos sobressaem nesse modelo de gestão, ainda que de forma ressignificada: a
descentralização e autonomia.
Ainda no que se refere ao conceito de descentralização, essa passou a ser a
estratégia de gestão utilizada, segundo o discurso oficial para propiciar a democratização
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do Estado e a busca de maior justiça social. Apesar de as propostas de descentralização
não serem novidades na administração pública, no contexto atual ela é indicada como uma
das alternativas de solução para o impasse em que se encontra o sistema educacional
verificada pela incapacidade do Estado em responder às mais urgentes demandas da
população, principalmente no que diz respeito ao atendimento de necessidades sociais
básicas.
Quanto à autonomia da escola, essa é bastante questionada por Lima (2011), para
quem o conceito de autonomia, nessa forma de gestão, assume um significado
instrumental e técnico, apenas devolvendo alguns encargos e responsabilidades de
execução das políticas educativas, definidas em nível central e regional. Assim, o autor
infere que essa forma de entender a autonomia se articula com políticas mais amplas de
redefinição do aparelho de Estado. A autonomia é decidida por meio de conjunto de
normas definidas por órgãos da administração pública que reconhece a autonomia das
escolas de forma restrita, dentro dos limites estabelecidos, de decidir sobre o planejamento
pedagógico, disciplinar, estatutário e financeiro, o que a caracteriza como “autonomia
decretada”. Dessa forma, a autonomia não passa de retórica oficial e é insuficiente para
instituir formas de autogoverno das escolas, uma vez que a autonomia não se dá por
outorga, mas por processo de construção na relação entre os atores.
No campo educacional brasileiro, uma das primeiras iniciativas de implantação da
gestão gerencial nas escolas foi a implantação do Plano de Desenvolvimento da Escola
– (PDE-Escola), que visava à modernização da gestão e ao fortalecimento da autonomia
da escola, mediante a adoção do modelo de planejamento estratégico, apoiado na
racionalização e na eficiência administrativa. Ao aderir ao PDE, as escolas firmam um
contrato com a União responsabilizando-se a cumprir as metas que foram estabelecidas.
A gestão gerencial é fortemente induzida pela lógica do controle dos resultados, em
detrimento do controle dos processos organizacionais. Para a sua operacionalização, foi
instituída uma nova lógica na cultura organizativa das escolas brasileiras, entre elas: a
reformulação no sistema de avaliação nacional e o uso da tecnologia a favor da
informatização/centralização das informações referente ao desempenho de todas as
redes e escolas.
Concernente ao uso das tecnologias da comunicação e da informação, que
permitem à gestão armazenar grandes quantidades de informações, de naturezas
diversas, pode-se dizer que elas propiciaram uma mudança profunda nas formas de
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gestão e controle dos órgãos centrais com repercussão na cultura organizacional das
unidades escolares. A esse respeito, Lima (2011, p. 16) destaca que,
As próprias relações estabelecidas entre a administração central e adesconcentrada do Ministério da Educação e as escolas, em termos deinformação, de processos de gestão diversos e de disseminação de circularese diretivas são atualmente mediadas por complexos processos de informaçãoe comunicação e por plataformas informáticas de diversos tipo, amplificando,sem precedentes a capacidade de controlo do centro sobre as periferias esobre o trabalho, pedagógico e administrativo dos professores. Este tende aser subordinado a uma vigilância sistemática, sob categorias tipificadas apriori e que modelam a representação das realidades escolares, controlam ostempos e os espaços, generalizam metodologias e processos de trabalho,favorecem a padronização e permitem a mensuração detalhada e acomparação automática.
No campo da avaliação educacional, foram criados sistemas de avaliação
educacional em todos os níveis da educação nacional. Quanto à educação básica,
merece destaque o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb)
implementado, em 1990 e aperfeiçoado a partir de 2005, com a aplicação da Prova
Brasil. O Governo Federal utiliza os dados do Ideb para estimular a competição entre as
redes e escolas; para distribuir os recursos dos vários programas da União,
principalmente os que têm um caráter (re) distributivo e complementar, evidenciando
assim, o controle dos resultados pela competição administrada, própria da gestão
gerencial. Para a educação superior como política de sistematização de avaliação desse
nível de ensino, merece destaque o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes), visando assegurar o processo nacional de avaliação das instituições
de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus
estudantes, nos termos do art. 9º, da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(BRASIL, 2004). Esse Sistema defende o uso dos recursos metodológicos de forma
combinada, ou seja, as ações da avaliação interna e externa combinadas e
complementares.
No entanto, é com o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação –
PDE (2007) que o governo brasileiro sedimenta o modelo de gestão gerencial
fundamenta na eficiência e na aferição de resultados baseados em cumprimento de
metas estabelecidas em contratos de desempenho. Segundo Castro e Pereira (2014, p
290), o contrato de gestão é o instrumento de planejamento que permite o
acompanhamento das metas acordadas entre as instituições. Para os autores,
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O contrato de gestão constitui um instrumento que permite tanto umaaferição mais rigorosa da eficiência, da eficácia e da efetividade, bem comoum aumento considerável, bem como um aumento da transparência daadministração pública [...]. É um instrumento normativo, uma ferramenta queauxilia o planejamento e pode ser utilizado na administração pública comomeio para formalizar o compromisso das partes contratantes com a obtençãodos resultados.
No processo de implementação das estratégias gerenciais merece destaque a
institucionalização do Plano de Desenvolvimento de Educação (2007) que tinha como
objetivo integrar um conjunto de Programas e Ações, que já vinham sendo
desenvolvidos pelo Ministério da Educação de forma fragmentada, objetivando a uma
melhor organicidade ao sistema educacional. Como estratégia para implementar o PDE
(2007) nos sistemas municipais o governo criou o Plano de Ações Articuladas (PAR)
pelo qual os municípios aderiram voluntariamente ao Programa por meio do Contrato
de Gestão no qual estabeleciam as metas a serem atingidas no seu Planejamento Anual
sempre atreladas ao financiamento a ser recebido. O PAR, no entendimento de Ferreira
e Fonseca (2013, p. 289), é,
uma ferramento de planejamento, de operacionalização e avaliação daspolíticas educacionais criada dentro dos moldes de um Estado Federativo.Opelanejamento é centralizado pelo Ministério de Educação, que, oferecendoapoio técnico e financeiro, induz os entes federados a assumiremresponsabilidades na gestão da educação.
No campo da educação superior e integrando as ações do PDE, merece destaque
a instituição do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –
Reuni ( Decreto nº 6.096/2007). Com esse programa, o governo brasileiro reestruturou
as universidades públicas e instituiu a gestão gerencial. O programa procurou estimular
a eficácia e a eficiência das instituições de ensino superior públicas federais como forma
de expandir o acesso às universidades federais brasileiras.
Verifica-se, dessa forma, que a gestão gerencial predomina na atualidade na
condução da gestão das políticas educacionais, no discurso, objetivando a modernização
da gestão das instituições, no entanto, é possível evidenciar que, nesse processo, o que
se estabelece é a busca pela racionalização dos serviços públicos, impregnando uma
lógica que subordina a educação a conceitos econômicos, realçando as noções de
empregabilidade, produtividade e competitividade transvestidos pelo discurso da
qualidade e da excelência. É uma lógica que introduz o sentido da mercadorização dos
direitos no interior da sociedade de forma sutil e gradativa, mudando o foco das
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políticas sociais universalistas fundamentadas no princípio da igualdade, para políticas
focalizadas baseadas na competitividade, na meritocracia, na diferença.
3. Gestão Gerencial e repercussões no trabalho docente
As mudanças ocorridas, principalmente, a partir dos anos de 1990 nas políticas
públicas educacionais brasileiras privilegiam a transformação produtiva com equidade e
trouxeram uma nova organização para as instituições, referenciadas em critérios de
flexibilidade, eficiência e eficácia, próprias de uma gestão empresarial. No campo
educacional as orientações do modelo gerencial com novas características – como
responsabilização, transparência e critérios mais rígidos de acompanhamento, avaliação
e controle – intensificaram a atividade do trabalhador docente, passando, pois, a exigir
um trabalhador com características multifacetadas e polivalentes, capaz de se adaptar a
diferentes tipos de ocupação.
Ao discutir as especificidades do trabalho docente, é necessário compreender
que a docência é uma profissão com características próprias e faz parte de um processo
histórico, cultural que se organiza dentro da lógica do sistema capitalista. No entender
de Flores e Tirado (2010), toda profissão é um trabalho que implica modalidades,
particularidades e especificidades e, nessa perspectiva, a natureza do trabalho docente
encontra-se vinculada à divisão social do trabalho, sem contudo, deixar de se organizar
de modo fragmentado, própria da divisão do trabalho, no sistema capitalista, devendo
portanto, ser analisado como qualquer outro tipo de trabalho.
Para Kuenzer (2009, p. 240), há uma estreita articulação entre a divisão social
do trabalho e a divisão do trabalho. Para a autora, “essas duas concepções não se
opõem, e sim guardam uma relação dialética entre si, em que ao mesmo tempo, se
negam, se afirmam, configurando a dupla face do trabalho: qualificador, prazeroso e,
simultaneamente, desqualificador, explorador, causador de sofrimento”. Segundo a
autora, para se discutir as questões do trabalho no sistema capitalista, deve-se considerar
a sua dupla face, enquanto produtor de valores de uso e de valores de troca; essa é uma
relação dialética que compõe uma totalidade. No caso do trabalho docente, essa
característica é acentuada, devido à natureza não-material2 do seu trabalho.
2 A definição de trabalho imaterial não é algo simples. Trabalho imaterial pode ser entendido, segundo, Camargo (2013) como aquelas atividades quepossuem como conteúdo principal a comunicação, a cooperação, o conhecimento e o saber. São as qualificações subjetivas que passam a ter um papel
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Corroborando o pensamento de Kuenzer (2009), Flores e Tirado (2010)
assinalam que a força do trabalho dos mestres é considerada uma mercadoria e que
facilita a continuidade do processo de acumulação. Essa constatação tem permitido
afirmar que, por um lado, o trabalho do docente incide sobre o processo de valorização
do capital; por outro lado, cria as condições para a capacitação de mão-de-obra que é
consumida pelo capital e pelo Estado. Nessa mesma linha de raciocínio, o trabalho
efetivado pelos docentes, forma e instrui tanto ideologicamente como em
conhecimentos a mão de obra para que ela adquira habilidades e destrezas necessárias
ao capital, convertendo-a em uma mão de obra, qualificada com possibilidades de
aumentar a sua capacidade produtiva o que contribui para perpetuar a sociedade
burguesa.
Isso significa dizer que a análise do trabalho docente ultrapassa a análise de
técnicas e procedimentos pedagógicos, do conhecimento como fonte do trabalho e da
relação professor-aluno. Na sua configuração, deve levar em consideração as relações
sociais capitalistas e sua lógica organizativa que se estendem a todas as atividades
sociais existentes, inclusive à escola, embora essa instituição não produza mercadorias,
e, por isso, não seja possível falar em paridade entre escola e produção. Por isso, para se
compreender o trabalho docente, é, necessário ter a clareza de que ele se institucionaliza
com base em várias dimensões, ou seja, a organização, os sujeitos, os objetos, os
processos os conhecimentos, as tecnologias e os seus resultados.
Nesse sentido, o trabalho docente apresenta-se, apenas como mais uma
especificidade no contexto do trabalho no sistema capitalista. Isso porque, para ambos,
são exigidos determinados padrões de comportamento compatíveis com a
racionalização crescente do processo produtivo e da vida social (KUENZER, 2009). Em
consonância a esse pensamento (TARDIF; LESSARD, p. 24, 2008), destacam ainda que
“o conjunto de tarefas cumpridas pelos agentes escolares, inclusive os alunos é, ele
próprio, padronizado, dividido, planificado e controlado”, assim a ligação da
organização do trabalho no sistema produtivo acaba se estendendo até a forma de
organização das escolas e do trabalho docente. Para Kuenzer (2009), o trabalho docente
é complexo e não consiste, apenas, em cumprir ou executar uma ação, mas também
central no processo de valorização das mercadorias. Uma mercadoria, cuja produção resulta de trabalho imaterial, pode ser quanto a sua forma física, materialou imaterial; mas a questão principal está no tipo de trabalho, ou de ação, empregado para sua produção. A noção de “saber” é provavelmente o que melhordefine, em um sentido quase didático, o trabalho imaterial, pois diz respeito ao fato de que o valor de uma mercadoria não resulta necessariamente dodispêndio de tempo de trabalho empregado na sua produção (trabalho abstrato), mas sim dos saberes mobilizados por aqueles que a produzem.
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numa atividade que envolve pessoas o que vai exigir que esse trabalhador atribua
sentido a sua ação o que determina uma especificidade própria.
Assim, pode-se considerar que o trabalho docente é parte da totalidade
constituída pelo trabalho no capitalismo sendo, portanto, inerente a esse e estando
submetido, à sua lógica e às suas contradições. Nessa perspectiva, a docência pode ser
analisada como qualquer outro tipo de trabalho humano.
No contexto das atuais reformas educacionais e da implementação de um
modelo de gestão no seio das instituições escolares, as reformas passaram a atribuir à
escola múltiplos e diferenciados papéis além das suas funções normais, contribuindo,
assim, para ampliar o raio de atuação docente, consequentemente, provocando
modificando na realização do trabalho. Como bem destaca Oliveira (2004, p. 19), “[...]
el modelo de gestión escolar adoptado combina formas de planejamento y controle
central em la formulación de políticas com la descentralización administrativa en la
ejecución de lãs mismas (p. 19). Tais consequências ocorrem pela flexibilidade
administrativa presente no modelo de gestão vigente que se deriva da descentralização
administrativa, modificando a organização do trabalho, que passa a ser realizado
pautado em um modelo mais flexível.
Segundo Brito e Castro (2013), com as reformas implementadas nos sistemas de
ensino a partir de 1990, o trabalho docente foi reconfigurado. Nos últimos anos, têm
sido observadas novas formas de organização do trabalho docente, associadas também
a uma nova forma de reorganização do sistema escolar, que passou a incorporar um
modelo de regulação educativa, com base nas demandas contextuais do mundo
globalizado. A regulação das políticas educacionais repercute diretamente no trabalho
docente, haja vista que modifica a estrutura e composição da organização escolar
influenciando no seu funcionamento, que segundo Oliveira (2004), se dá em função,
[...] da centralidade atribuída à administração escolar nos programas dereforma, elegendo a escola como núcleo do planejamento e da gestão;financiamento per capita, com a criação do Fundo de Manutenção eDesenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério(FUNDEF), por meio da Lei n. 9.424/96; a regularidade e a ampliação dosexames nacionais de avaliação (SAEB, ENEM, ENC), bem como a avaliaçãoinstitucional e os mecanismos de gestão escolares que insistem naparticipação da comunidade (OLIVEIRA, 2004, P.1130).
Tais mudanças modificam o trabalho escolar já que passam a implementar
medidas que alteram a configuração das redes públicas de ensino. Com isso, é possível
observar que as orientações norteadoras das políticas educacionais ocasionam uma
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maior autonomia para as escolas, principalmente no que se refere à gestão e realização
do trabalho docente; em contrapartida, estes acabam intensificando seu trabalho para
atender às exigências e obrigações postas.
Segundo Oliveira (2004), o professor, em face das variadas funções que a
escola pública assume na atualidade deve responder às exigências que ultrapassam a sua
formação. Para a autora, o trabalho docente não é definido mais apenas como atividade
em sala de aula; ele compreende a gestão da escola no que se refere à dedicação ao
planejamento e à elaboração de projetos específicos, bem como à discussão coletiva
sobre o currículo e da avaliação em geral e específica do ensino. Semelhante às novas
exigências do processo produtivo, o professor passa agora a ser responsável por
múltiplas funções que deve desempenhar de forma mais efetiva, participativa e flexível.
Pesquisas realizadas pelo Gestrado (2007), intitulada Trabalho docente na
educação básica no Brasil3 e posteriormente comprovada no Rio Grande do Norte por
Brito e Castro (2013), indicam que a nova forma de organização escolar tem repercutido
no trabalho docente, principalmente na intensificação, na precarização e flexibilização
do trabalho docente.
No Dicionário do Trabalho Docente, Duarte (2010) utiliza-se da ideia de Apple(1995) para explicitar o que seja o conceito de intensificação do trabalho. Para esseautor,
[...] a intensificação do trabalho docente representa uma das formas pelasquais os privilégios de trabalho dos(as) trabalhadores(as) da educação sãodeteriorados. Isso ocorre de forma trivial e mais complexa, pois inclui desdea falta de tempo de tomar um cafezinho e relaxar, ou seja, a falta de tempopara o descanso, que cada vez mais se comprime, até uma ausência total detempo para se manter em dia com o próprio campo profissional, comoatualizar-se (Apple, 1995, p. 48).
A intensificação do trabalho docente pode ser comprovada por diversos fatores;
dentre eles, merecem destaque: o aumento da jornada de trabalho em mais de uma
escola, em geral para complementar o salário; a extensão da jornada de trabalho no
próprio estabelecimento de ensino, sem remuneração extra e pela incorporação de novas
funções no interior do próprio trabalho. Para Brito e Castro (2013), o fato de o docente
ter que distribuir o seu tempo de trabalho em mais de uma unidade, compromete o
trabalho escolar e traz consequência para o trabalhador que tem de se deslocar para mais
de uma unidade, com perda de tempo e horas que deveriam ser dedicadas ao lazer ou ao
3 Pesquisa desenvolvida pelo GESTRADO/UFMG. A pesquisa do tipo survey foi realizada em seteestados brasileiros: Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Norte, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo eGoiás.
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descanso para a recomposição da sua força de trabalho. Discutindo essa tendência,
também comprovada por Tardif e Lessard, (2008, p. 25), os autores apontam que uma
das consequências da intensificação do trabalho escolar reside no fato de que,
[...] os governos, pressionados por contextos econômicos, consideram mais emais a educação escolar como um investimento que deve ser rentável, o quese traduz por uma racionalização das organizações escolares e enxugamentossubstanciais nos orçamentos. Eles visam simultaneamente a aumentar suaeficácia e sua “imputabilidade” através de práticas e normas de gestão e deorganização do trabalho provenientes diretamente do ambiente industrial eadministrativo.
Assim, as exigências e as responsabilidades direcionadas aos sistemas de ensino
público principalmente a partir da década de 1990, acabam por repercutir diretamente
no trabalho efetivado pelos gestores, professores, supervisores entre outros que
integram o processo de ensino de aprendizagem. Esse novo contexto leva a um modelo
de organização pautado na descentralização administrativa, acarretando
consequentemente, responsabilização por parte dos docentes e uma participação mais
efetiva da comunidade nas instituições por meio de Conselhos e incentivos ao
voluntariado, reconfigurando, dessa forma, o trabalho docente.
Quanto à precarização do trabalho docente, esta ocorre nas relações de
emprego como decorrência de sua flexibilização e do contrato provisório, da ausência
de um piso salarial e de um plano de cargos e salários e as perdas de garantias de
trabalho. Para autores, como Antunes (2006), Pochamann (2011), as mutações no
mundo do trabalho, provenientes da reestruturação na base de produção, em vez de
proporcionar a melhoria qualitativa do trabalho, complexificou as relações trabalhistas,
reduzindo os direitos conquistados pelos trabalhadores no período do estado de bem
estar e estabelecendo relações mais fragilizadas que têm levado à precarização do
trabalho em todas as profissões. Para Ricardo Antunes (2006), a precarização do
trabalho significa o desmonte dos direitos trabalhistas, ou seja, é o conjunto de
mudanças econômicas e sociais no mundo do trabalho, geralmente caracterizado pela
desqualificação nas relações de contrato trabalhista. Nesse entendimento, a precarização
do trabalho docente, e também do trabalhar escolar, não se constituem em algo recente,
mas se apresentam de forma histórica e constante, pois, acompanham as profundas
mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas no âmbito internacional e nacional.
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Outros motivos também podem causar precarização a exemplo das condições de
formação e de trabalho dos professores, a organização do ensino e as condições
materiais do atendimento escolar.
No que se refere à flexibilidade do trabalho docente, esse fator está associado à
exigência de um novo perfil do trabalhador para atender à transversalidade dos
currículos, às avaliações formativas, as exigências pedagógicas e administrativas em um
ambiente sem condições de trabalho adequadas (OLIVEIRA, 2004). Isto implica que a
profissão docente mal estruturada e, em condições de formação precária, contribuirá
para o desenvolvimento intelectual e consciente deficitário das pessoas na sociedade.
Vale ressaltar, também, que a ação docente formal tem, como característica, o trabalho
flexível e codificado, autônomo e controlado, composto de uma combinação variada de
elementos contraditórios e diversificados .
Na atualidade, o contexto sócio-histórico e cultural acaba por suscitar muitas
incertezas aos educadores e educandos: aos professores, que cumprem ordens advindas
de instâncias superiores, cumprindo tarefas, muitas vezes, sem muita segurança.
Chegam a se sentir desvalorizados profissionalmente, sendo encarados como pessoas
que estão em salas de aulas para testar o que foi simplesmente mudado. Os alunos,
também são submetidos a incertezas, pois, o processo de formação educacional não está
sintonizado com as demandas da vida social, tampouco com a formação de espírito
crítico, necessário a uma vida cidadã autônoma e ativa.
Em um movimento dialético, autores, como (Libânio 1984), (Melo, 2010),
(Freire 1996), definem a prática docente para além da formação e da reprodução da
força de trabalho e apresentam conceitos que comprovam a complexidade do trabalho
docente, mas apontam para uma possibilidade de transformação e de mudança. Entre
essas concepções, destacamos a de Libânio (1984, p.137) que define e ressalta que o
trabalho docente “é um processo simultâneo de transmissão/assimilação ativa, onde o
professor intervém trazendo um conhecimento sistematizado onde o aluno é capaz de
reelaborá-lo criticamente com os recursos que traz para a situação de aprendizagem”.
Esse fazer deve pautar-se na realidade do aluno e na contextualização histórica e social
a que estão inseridos.
Melo (2010, p.2) descreve a atividade docente como “uma prática social
concreta, dinâmica, multidimensional, interativa, invariavelmente inédita e imprevisível.
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Um processo atravessado por influências de múltiplos aspectos – políticos, econômicos,
sociais, entre outros”.
Freire (1996, p.98) destaca, ainda, que “[...] a educação é uma forma de
intervenção no mundo. Intervenção que, além do conhecimento dos conteúdos bem ou
mal ensinados e/ou aprendidos, implica tanto o esforço de reprodução da ideologia
dominante quanto o seu desmascaramento”. Isso implica que a profissão docente mal
estruturada e formada poderá contribuir para um desenvolvimento deficitário da
sociedade.
O trabalho docente se enaltece quando deixa de ser, apenas, cumpridor e ou
executor de ações, e passa a ser uma atividade de interação com outras pessoas,
imprimindo, assim, sentido ao que fazem. No atual contexto das reformas educacionais,
essa dimensão tem sido secundarizada; a ação docente formal tem adquirido
características do trabalho flexível e codificado, autônomos e controlados, composto de
uma combinação variada de elementos contraditórios e diversificados entre si. Essas
características do trabalho, em geral, estão presentes no trabalho docente, quer seja no
cenário educacional em âmbito nacional, quer seja no âmbito internacional.
Considerações finais
As reformas que se processaram no final do século XX, no campo da educação
em âmbito mundial, vinculam-se às mudanças impostas pelo processo de globalização
econômica que caracterizam o mundo contemporâneo. Essas transformações
provocaram uma ampla reestruturação e reorganização da economia e das relações
políticas mundiais. É nesse contexto, que adquire centralidade a redefinição do papel do
estado, induzido por uma nova agenda econômica global veiculada e ampliada pelas
tecnologias da comunicação e da informação. O antigo modelo de organização social, o
Estado do Bem-Estar-Social, passou a ser visto como um impedimento ao
desenvolvimento das nações por ser considerado como ineficiente e ineficaz, ganhando
destaque as teses do Estado-mínimo, e do mercado como instituição eficiente, ágil e
capaz de oferecer produtos e serviços de qualidade. Em função desses fatores, há uma
nova reorganização da vida social, com base na revalorização da racionalidade
econômica e empresarial, na procura de vantagens competitivas, no protagonismo das
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organizações produtivas e dos seus respectivos critérios de gestão tais como a eficácia e
a eficiência, tornando-se prioridade a substituição do modelo de gestão burocrático por
uma gestão gerencial.
Os sistemas educacionais, para se ajustarem às novas diretrizes da reforma do
estado, necessitaram ser reformulados e regulamentados; e contou para isso, com a
orientação de organismos internacionais, que, nas suas diretrizes, apontavam para a
necessidade de tornar os sistemas de ensino mais flexíveis e modernos, com uma gestão
mais eficiente e baseadas em resultados. Dessa forma, a gestão da educação sofreu
profundas modificações, de um modelo patrimonialista e burocrático para uma gestão
democrática definida em Lei ou para uma gestão gerencial imposta pela necessidade de
reformar o estado, tornando-o mais ágil e flexível. Assim, se evidencia uma grande
distância entre a gestão democrática que é definida na Constituição Federal de 1988,
referendada na Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 e os programas que são gestados
no Ministério da Educação que apostam no modelo gerencial, como forma de
modernizar a gestão da educação e da escola, permitindo o estabelecimento de um
modelo híbrido de gestão que não tem contribuído para a sistematização de uma prática
democrática nas instituições escolares.
Ademais, o trabalho docente vem sendo reconfigurado no interior das
unidades escolares. As mudanças ocorridas com a gestão, as novas formas de
acompanhar e avaliar o trabalho docente, bem como novas exigências para os
trabalhadores da educação, têm alterado a formação dos trabalhadores da educação,
flexibilizando a sua forma de contratação, aumentando a carga horária de trabalho e
suas atribuições, contribuindo, sobremaneira, para a precarização e a intensificação do
trabalho.
Esse novo modelo de organização educacional tem evidenciado, cada vez
mais, o docente como um trabalhador que presta um serviço técnico e instrumental,
muito associado a questões burocráticas o que tem impedido as chances de realização
do real objetivo da escola: a produção e sistematização do conhecimento e a formação
de indivíduos mais conscientes, atuantes e críticos.
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XVII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino11 a 14 de novembro de 2014, Fortaleza
SIMPOSIO- Eixo: A Didática e a Prática de Ensino na Relação com a SociedadeSubeixo: Impactos das políticas na gestão e no trabalho docente
Tema: GESTÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E TRABALHO DOCENTE
INTERVENÇÃO: POLÍTICAS EDUCACIONAIS E TRABALHO DOCENTE:ANALISE PRELIMINAR DOS MESTRADOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE
EDUCAÇÃOFlávia Obino Corrêa Werle
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – [email protected]
O tema central deste XVII Endipe são as relações entre a Escola, a Formação de
Professores e a Sociedade. Convergente com esta temática o subeixo Impactos das
políticas na gestão e no trabalho docente bem como o simpósio Gestão das políticas
educacionais e trabalho docente reavivam o debate com questões relacionadas à
Sociedade, em especial às políticas e à gestão educacional.
Inicio com um ponto de vista a respeito do trabalho docente e da sociedade para
depois discutir as políticas e analisar uma determinada política relacionada à formação
do professor em nível de pós-graduação.
Trato de começo do trabalho docente e a respeito dele estabeleço alguns
pressupostos que podem, talvez, ser percebidos na linha do que S. Ball designou de
“recursos para desviar a atenção do imediatismo e do "real" de aflição e tormenta”
(BALL, 2005, p. 541) pelo qual os professores estão passando. Ball refere-se ao
colapso, à erradicação do profissionalismo frente ao qual, argumentos em contrário,
encobririam o caos desencadeado pelas políticas educacionais e os novos processos de
gestão. O trabalho do professor como prática contextualizada, como diálogo com as
circunstancias locais, como compromisso, como prática ético-cultural, como
interlocução constante dentro das instituições e entre elas e a sociedade, para ele,
não tem futuro. O profissionalismo para Ball, que fala num contexto europeu acerca do
pós-estado de bem estar, não tem espaço, tendo em vista “efeitos combinados de
tecnologias de performatividade e gerencialismo” (BALL, 2005, p. 542). Não me
proponho a discutir conceitualmente profissionalismo mas a refletir acerca da prática
docente, considerando que dela não foi totalmente erradicado o profissionalismo, que
dela não foram totalmente eliminados os espaços de diálogo e de sensibilidade para com
as circunstancias locais, de compromisso consigo mesmo, com os alunos e com a
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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comunidade local, pois que, na prática, ocorrem apropriações, releituras, movimentos
que resistem, modificam, acolhem as políticas de acordo com os contextos. Isto,
considerando o contexto brasileiro com sua diversidade e desigualdades.
Lima (2001, p.62) auxilia no adensamento teórico do contexto de prática ao
reconhecer um longo percurso e o complexo processo de comunicação entre a
concepção normativa das políticas e sua execução em espaços escolares, aspecto em que
converge com as concepções de S. Ball.. Destaca que há uma certa invulnerabilidade
dos professores a regras, a procedimentos burocráticos, a imposições. Os professores
como atores em espaços escolares têm capacidade para ignorar ou redefinir regras e a
possibilidade de, em grupo ou individualmente, fazer uso estratégico do espaço de
interpretação de regras que não produziram. Embora ele não esteja discutindo
profissionalismo, está de alguma forma indicando que existe espaço para práticas que
não sejam apenas e sempre respostas a regras impostas de fora. A distância social e de
poder entre os atores dos sistemas de ensino (hierarquia e escolas) pode ser favorável a
uma mais intensa interpretação e reinterpretação de regras e de políticas, podendo
inclusive substituí-las por normas alternativas.
Licínio Lima tem discutido a escola como lócus de resistência à reprodução
normativa, destacando a importância dos atores, suas negociações e insurgências. Sua
argumentação questiona o fato da ação organizacional ocorrer por referencia direta a
regras formais-legais, produzidas supra-organizacionalmente. De seu ponto de vista há
uma simultaneidade entre a imposição normativa externa – normativismo – e o que ele
chama de infidelidade normativa ou fuga do normativismo. Sua posição é de que os
atores produzem regras hetero e auto-produzidas, o que põe em cheque a produção
externa e a reprodução externa perfilada estritamente às normas.
Inicia Lima afirmando que numa administração centralizada do sistema de
ensino a produção de regras formais, de instruções e normas é realizada fora da escola.
Essa miríade de regras é chamada de forma generalizada de “legislação” incluindo
desde leis, decretos e portarias até circulares, ordens de serviço. Todas elas têm em
comum o seu caráter normativo e impositivo.
Os graus de aplicação e entusiasmo local, a infidelidade normativa, a
invulnerabilidade de certos professores a regras e a capacidade dos atores de ignorar e
redefinir normas se reforçam e possibilitam o exercício da autonomia dos
estabelecimentos de ensino. A autonomia encaminha para a produção de regras
próprias, conforme condições locais e valores compartilhados.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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Certeau é um autor importante que nos auxilia na compreensão mais ampliada
desse contexto de prática embora sua discussão não seja focalizada em políticas mas em
questões de cultura, práticas, sentidos que os atores atribuem a seus fazeres. Ele
interroga as operações das pessoas comuns, dos usuários aos quais ele se nega a tomar
como entregues à passividade e à disciplina (CERTEAU, 2011, p. 37). No dizer de seu
apresentador Luce Giard, Certeau “manifesta a recusa da uniformidade que um poder
administrativo gostaria de impor em nome de um saber superior e do interesse comum”
(Giard, apud CERTEAU, 2011, p. 13).
Certeau manifesta-se contrário a um ser humano afeito à uniformidade, por isto
sua abordagem teórico-metodologica volta-se para a percepção dos usos, das operações
de apropriação, de reapropriação, de subversão, de consumo, de recepção, das
microresistencias, e das inércias, todas estas variantes encaradas como modos de
praticar. Refere esses modos de praticar como uma metaforização da ordem dominante,
como uma equivalente às regras e imposições externas. Ou seja, ao mesmo tempo uma
ordem é exercida e burlada (Giard, p.19). Entretanto o próprio Certeau alerta “o exame
das práticas não implica um regresso aos indivíduos” pois “a questão tratada se refere a
modos de operação ou esquemas de ação e não diretamente ao sujeito que é o seu autor
ou seu veículo” (CERTEAU, 2011, p.37-38).
Em A invenção do cotidiano, artes de fazer, afirma que as práticas são “arte”,
melhor dizendo, “técnicas a espera de um saber esclarecido que lhes falta” (CERTEAU,
2011, p. 128). “A arte é portanto um saber que opera de fora do discurso esclarecido e
que lhe falta “(p.129). As práticas são mudadas pouco a pouco em ações de discurso.
Para isso o método1 é importante pois sistematiza, pelo discurso um saber fazer. O saber
fazer encontra-se em um espaço não-discursivo, “essencialmente sem escritura” (p.128).
“A arte constitui em relação à ciência, um saber em si mesmo essencial, mas ilegivel
sem ela” (p.131). “Nas práticas o conhecimento acha-se recolhido “trata-se de um saber
não sabido” (p.134).
Na perspectiva de prevalência e domínio do gerencialismo e da
performatividade, o profissionalismo e a formação de professores se tornam obsoletos,
desnecessários. Criar novas modalidades de curso, rearticulá-los frente às demandas
especificas dos sistemas de ensino, aperfeiçoá-los ou não é, igualmente, indiferente. Se
entretanto, entendermos que formação de professores implica num processo de
1 Destaca-se neste aspecto a importância do pesquisador como alguém que registra, reflete, ajuda a narraro saber fazer.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401028
autoformação, de crescimento e desenvolvimento pessoal e cultural, de reflexão, de
implicação dos professores para com seu desenvolvimento profissional e de realização
de trabalhos em colaboração, então, teremos o fazer como arte, teremos a possibilidade
de, reflexivamente, construir infidelidades, perceber os contextos e suas necessidades. O
debate entre teoria e pratica resulta empobrecido se considerarmos o gerencialismo e a
performatividade como dominantes. Descartar, mediante o gerencialismo, as
possibilidades de reflexão na ação, é negar que os professores, a partir de suas vivências
pessoais e experiências, possam desenvolver um conhecimento.
Este texto parte de um quadro teórico em que o profissionalismo se desenvolve
em contextos de prática, um quadro teórico que considera o trabalho do professor e a
formação de professores como prática contextualizada, como diálogo com as
circunstancias locais, como compromisso, como prática ético-cultural, como
interlocução constante dentro das instituições e entre elas e a sociedade. Um quadro
teórico que considera possível o exercício da autonomia nos estabelecimentos de
ensino, um exercício que encaminha para a produção de regras próprias, conforme
condições locais e valores compartilhados. Um quadro teórico que considera a formação
de professores vinculada a um processo de autoformação, de crescimento e
desenvolvimento pessoal e cultural, de reflexão, de implicação dos estudantes para
com seu desenvolvimento profissional e de realização de trabalhos em colaboração.
As políticas educacionais constituem um conjunto de decisões tomadas
antecipadamente, para indicar as expectativas e orientações da sociedade em relação à
escola. Elas visam assegurar a adequação entre as necessidades sociais de educação e os
serviços prestados pelos sistemas educacionais por meio do estabelecimento de normas
e controles, pelo incentivo à inovação, pela gestão e apoio financeiro. Ora, as
expectativas da sociedade não são uníssonas e congruentes entre si e, portanto, entre
elas há possibilidades de políticas de cunho gerencialista e produtivista alem das de
inspiração ético-cultural, mais voltadas para a reflexão e o profissionalismo.
Mestrado Profissional
Abordarei o tema discutindo os Mestrados Profissionais como política
educacional que se propõe a formar um tipo de profissional específico em sua relação
com o conhecimento e com a prática.
Abordarei também os impactos deste novo tipo de formação stricto sensu na
gestão e no trabalho docente dos próprios MP.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401029
No contexto da pós-graduação stricto sensu brasileira, os mestrados
profissionais são experiências recentes. No total de todas as áreas de conhecimento,
conforme dados do Fórum Nacional de Mestrados Profissionais, dados coletados em
novembro de 2013, há 568 cursos em todo o país, dos quais 65,7% são oferecidos por
IES publicas e 34,3% por instituições privadas. Do total, 76,6% estão com conceito 3,
17,9% com conceito 4 e 5,5% com conceito 5 na avaliação da Capes. Do total de cursos
a metade está situada na região sudeste, 20,6% na região sul, 17,1% na região nordeste,
6,5% na região centro-oeste e 5,8% na região norte. Considerando a distribuição entre
as Grandes Áreas (classificação Capes), a Multidisciplinar concentra maior número de
mestrados profissionais 30,6% (somando a multidisciplinar ensino e a multidisciplinar
em geral). Em segundo lugar a área de Ciências da Saúde conta com 18,5% deste tipo
de mestrado, seguida da de Ciências Sociais Aplicadas com 17,1% e Engenharias com
11,8%. As outras cinco grandes áreas (Linguística, Letras e Artes; Ciências Humanas;
Ciências Exatas e da Terra; Ciências Biológicas; Ciências Agrárias) não alcançam cada
uma nem 10% do total dos mestrados profissionais. Há, portanto assimetrias
quantitativas entre as diversas regiões do país também em termos de mestrado
profissional.
Na área de Educação os mestrados profissionais receberam resistências fortes
quando da sua proposição. Hoje entretanto, há 32 destes cursos. Informações oficiais da
Capes indicam que na Área de Educação há 14 cursos de mestrado profissional
aguardando Homologação pelo CNE, o que corresponde a 44%; nove Homologados1
pelo CNE, totalizando 28% - ver tabelas 1 e 2. Portanto 72% dos cursos que já
submeteram o seu APCN ainda não estão implantados, ou estão em fase de implantação
(ano de 2013 em diante) frente ao que constata-se uma ampliação progressiva dos
mestrados profissionais na área de educação, em especial considerando que o primeiro
MP da Área de Educação começou a funcionar em 2009.
Observa-se também conforme tabela 3, que os cursos que se encontram na
condição de já homologados e aguardando homologação apresentam tendência a maior
diversidade temática do que os já em funcionamento, o que pode ser um indicativo de
que a área está desenvolvendo estratégias de articulação frente a esta modalidade
considerando as competências acadêmicas desenvolvidas e as necessidades sociais
percebidas. Ou seja afigura-se que a comunidade acadêmico-institucional da Área está
atenta e em interlocução com o contexto e com as necessidades sócio-educacionais de
forma a propor cursos de mestrado profissional adequados a eles.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401030
Para analisar o MP como política educacional desenvolve-se neste texto uma
abordagem por dois eixos: o da formulação das políticas - texto legal, considerando
aspectos normativos, expressos em Portarias, e o contexto da prática, discutido a partir
da análise de propostas de mestrados profissionais da área de Educação. Para este
segundo eixo utilizou-se “Proposta do Programa” do ano de 2012, de nove Cursos de
Mestrado Profissional, disponíveis na página da Capes, o que corresponde a 28% dos
cursos desta modalidade e desta Área aprovados na Capes. Em alguns casos também foi
consultado o site dos cursos na internet.
Normativas dos Mestrados Profissionais – eixo da formulação política
A Portaria 47/95 destacava que os cursos de mestrado dirigidos à formação
profissional deveriam ter seus docentes e orientadores com produção intelectual de alto
nível, divulgada de acordo com padrões reconhecidos. Os requisitos necessários para a
aprovação do curso eram a existência de pesquisa de boa qualidade, os projetos em
parceria com o setor produtivo e a oferta de atividades de extensão. Quanto aos
trabalhos de conclusão de curso poderiam assumir formas de dissertação, projeto,
analise de casos, performance, desenvolvimento de protótipos, equipamentos e
instrumentos. Esta Portaria era um documento breve e inicial com algumas diretivas
para orientar os cursos de mestrado profissional – MP.
Em 16 de dezembro de 1998 foi exarada a Portaria 80/98 designando a nova
modalidade de “mestrado profissionalizante” e relacionando-a diretamente à formação
de profissionais para elaborar novas técnicas e processos. Foi dado destaque ao caráter
de terminalidade ao mestrado, então designado de profissionalizante, mediante estrutura
curricular que articulasse ensino com aplicação profissional, e se relacionasse com a
formação profissional obtida em nível de graduação. Quanto ao trabalho final o
documento repete a normatização da Portaria de 1995, sem avançar na concepção de
trabalho final. Em 1998, entretanto, é dada maior amplitude às instituições proponentes
que poderiam não apenas ter cursos de pós-graduação stricto sensu, mas agora também
alargando para as que tivessem curso lato sensu, realizassem pesquisa e prestação de
serviços e revelassem qualificação científica, tecnológica e/ou artística no campo
específico do curso. A Portaria 80/98 destaca-se pelo anuncio da ênfase tecnológica, de
inovação de processos e pelo caráter de terminalidade atribuído ao curso.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401031
Em 2003 a Câmara de Educação Superior do CNE emite o Parecer 81/2003,
pronunciando-se que os mestrados profissionalizantes são de oferta regular e levam à
obtenção de diploma e grau acadêmico. A oferta regular frente a cursos de edição única
são noções que se alternam nos documentos relativos ao MP, sem que tenham uma
justificativa mais consistente para tal. Especialmente a oferta única assemelha-se mais
com a modalidade de curso de especialização que não exige pesquisa e inserção social
constante e cumulativa, e um debate mais aprofundado entre teoria e prática.
Já em 2009, a Portaria 7/09 da Capes delimita com maior detalhe as
características do mestrado profissional (agora não mais designado de mestrado
profissionalizante) reafirmando sua validade nacional e aos titulados os mesmos direitos
concedidos aos portadores de mestrado acadêmico. O mestrado profissional foi então
definido como curso que possibilita capacitação para a prática profissional avançada e
transformadora, voltado para a inovação pela incorporação do método científico e rigor
metodológico na gestão, produção e aperfeiçoamentos tecnológicos. O artigo 4º.
especifica os objetivos do mestrado profissional nos quais se evidencia o compromisso
com a competitividade e produtividade das empresas e organizações publicas e
privadas. São objetivos do mestrado profissional:
I - capacitar profissionais qualificados para o exercício da prática profissionalavançada e transformadora de procedimentos, visando atender demandassociais, organizacionais ou profissionais e do mercado de trabalho;II - transferir conhecimento para a sociedade, atendendo demandas específicas ede arranjos produtivos com vistas ao desenvolvimento nacional, regional oulocal;III - promover a articulação integrada da formação profissional com entidadesdemandantes de naturezas diversas, visando melhorar a eficácia e a eficiênciadas organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas egeração e aplicação de processos de inovação apropriados;IV - contribuir para agregar competitividade e aumentar a produtividade emempresas, organizações públicas e privadas.
O parágrafo único do artigo 5º. desta Portaria é fundamental ao reiterar a ênfase
em princípios orientadores do mestrado profissional quais sejam: aplicabilidade técnica,
flexibilidade operacional e organicidade do conhecimento técnico científico,
valorização da experiência profissional, os quais deverão estar consistentemente
expressos na estrutura curricular. As especificações a respeito do corpo docente
apresentam-se um pouco mais descoladas das exigências feitas para os do mestrado
acadêmico– “apresentar de forma equilibrada, corpo docente integrado por doutores,
profissionais e técnicos com experiência em pesquisa aplicada ao desenvolvimento e à
inovação; apresentar normas bem definidas de seleção de docentes que serão
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401032
responsáveis pela orientação dos alunos” (incisos V e VI, art.7º. da Portaria Normativa
7/09) - e menos rígida em termos de carga horária uma vez que é admitida a dedicação
parcial ao curso. A qualificação do corpo docente é objeto de controle, devendo ser
demonstrada pela produção intelectual ou reconhecida experiência profissional. Os
formatos e tipos de trabalho de conclusão de curso foram mais longamente
especificados, apresentando maior diversificação, podendo apresentar-se em forma de:
artigos, patentes, revisão sistemática e aprofundada da literatura, projetos técnicos,
publicações tecnológicas, registros de propriedade intelectual, desenvolvimento de
aplicativos, de materiais instrucionais, didáticos e de produtos, estudos de caso, relatório
técnico com regras de sigilo, dentre outros. Mantém a possibilidade de cursos com
duração determinada – edição única - e a excepcionalidade em termos de concessão de
bolsas de estudos pela Capes.
A Portaria 7/09 abre alternativas diferenciadas, antes não aventadas nos
documentos normativos, possibilitando para a estruturação dos mestrados profissionais,
a forma de consórcios, ou a oferta em instituições como Universidades, centros de
pesquisa, entidades públicas ou privadas.
Os documentos que normatizam o mestrado profissional avançaram em
especificação do formato do trabalho de conclusão de curso e em termos da composição
do corpo docente. Este avanço, entretanto, não parece suficiente para configurar uma
nova forma para esta modalidade de curso em termos de sua estrutura e funcionamento.
A concepção de mestrado profissional no âmbito das normatizações não está clara ao
ponto de configurar um instrumento de avaliação coerente com a especificidade
pretendida. Há declarações gerais como o objetivo de “contribuir para agregar
competitividade e aumentar a produtividade em empresas, organizações públicas e
privadas” mas não está acompanhada de como tal objetivo se expressa em termos
formativos. Neste aspecto a definição de resultados pretendidos não auxilia na
configuração de novas configurações de curso – de funcionamento, de produção
cientifica, curriculares, ... -, afigurando-se a predominância e persistência do formato
dos pós-graduações acadêmicos.
Por outro lado, a ênfase na capacitação profissional voltada a procedimentos
técnicos e demandas do mercado de trabalho, a urgência de atender a demandas de
desenvolvimento, o foco na melhoria da eficácia e da eficiência das organizações e na
solução de problemas, o compromisso com a competitividade e aumento da
produtividade, situa as normativas com relação aos mestrados profissionais numa
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401033
perspectiva instrumental, objetivista, produtivista e voltada para resultados. Há,
entretanto que considerar como as instituições estão se apropriando destas normas e
configurando suas práticas.
Análise dos cursos de mestrado profissional em funcionamento: uma forma de
abordar o eixo da prática
Os cursos em funcionamento e que já participaram de uma avaliação, tendo
portanto preenchido o Coleta do Programa2, somam nove, sendo três da região sudeste,
três da região nordeste, dois da região sul e um da região centro-oeste.
Considerando as Linhas de Pesquisa e Inserção Social – LPIS - identifica-se que
o tema gestão é o mais frequente, seja relacionado à educação básica, à educação
superior, à educação profissional, à avaliação da educação pública, à redes sociais, à
EAD.
O segundo tema mais frequente é tecnologias, articulado a linguagens verbais e
visuais, a ferramentas e conteúdos para EAD, a linguagens e letramento.
Figuram como temas em linhas de pesquisa e inserção social de três IES quatro
temas: políticas, em geral, associadas a focos como financiamento, a práticas de
formação, a práticas sociais. Como tema presente em Linhas de pesquisa e inserção
social – LPIS – de três mestrados profissionais está o de práticas relacionadas a
formação, a aspectos sociais, políticos e pedagógicos. Igualmente com presença em três
MP o tema linguagens relacionada a letramento digital, a diversidade cultural e
inovação pedagógica, e a tecnologias. Com presença em dois MP o tema diversidade,
cultural e territorial, assim como o tema inovação, articulado a desenvolvimento
regional e a aspectos pedagógicos. O tema ferramentas/modelos aparece em dois MP
seja relacionado a instrumentos de medidas, como a EAD.
Em termos de localização regional o tema gestão é o mais distribuído e presente
em MP de todo o país, o que não acontece com tema relacionado a tecnologias que
parece predominar em MP da região nordeste.
A seguir os nove MP já em funcionamento serão analisados considerando três
aspectos: contextualização, inovação e formação com base na experiência profissional
(esta última será desenvolvida em outro estudo). Entende-se que estas categorias não
são fechadas, mas porosas entre si. Ou seja, a configuração de cada uma se desenvolve e
avança em articulações com as demais A analise não designará a condição específica de
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401034
cada MP mas refere-se a uma situação geral inferida do conjunto dos MP, embora
algumas transcrições sejam de relatórios específicos.
Contextualização é uma categoria que leva em conta as estratégias de diálogo
dos MP com as circunstâncias locais e a interlocução com a sociedade de diferentes
maneiras (produção científica, convênios, estratégias curriculares, processo seletivo,
candidaturas).
A contextualização é uma dimensão, que se situa, inclusive em período anterior
à criação do MP, implicando em prévia colaboração com redes de ensino locais,
regionais e em alguns casos, redes públicas de vários estados brasileiros. Há IES com
pesquisa junto a redes de ensino há mais de 10 anos, com estruturas que desenvolvem
instrumentos para gestão de sistemas de ensino, ou ofertam cursos de extensão e de
especialização nas origens do MP. Muitos MP referem que a procura dos cursos
acadêmicos da IES tem demonstrado o interesse de professores das redes publicas pela
formação stricto sensu. Outros MP no início de seu funcionamento declaram o
ajustamento das pesquisas que já vinham sendo desenvolvidas a aspectos mais aplicados
das temáticas que os constituem. Há também o caso de realização de “experiência
piloto” para várias turmas do governo federal (professores e técnico-administrativos), o
que foi importante, dentre outros aspectos por demonstrar o quanto o perfil de um MP
seria adequado para este tipo de demanda.
A destinação das vagas ou o perfil almejado para os candidatos indica
preferência por profissionais em exercício, diretores de escolas públicas, técnicos de
órgãos de gestão da educação básica pública, bem como de órgãos do Ministério de
Educação do Brasil e, inclusive, um caso de técnicos do Ministério de Educação de
outro país – Moçambique. A composição de turmas muitas vezes é demandada por
secretarias estaduais e municipais de educação, o que, proporciona uma positiva
condição de apoio aos matriculados, oferecendo sustentabilidade ao curso. Há casos em
que se trata de uma demanda institucional quando os problemas de pesquisa passam a
focar temáticas sociais e institucionais relevantes. Esta vinculação com o contexto
consolida o caráter aplicado do curso. Ademais como o MP é realizado em serviço, a
prática dos alunos passa a ser discutida nos seminários e objeto a ser problematizado
nos trabalhos de finalização do curso.
Os processos seletivos, de maneira geral se assemelham aos dos programas
acadêmicos em termos de etapas e documentação (curriculum vitae, prova escrita,
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401035
proficiência). Alguns casos apresentam especificidade como uma instituição privada
que criou “fator público no processo seletivo” atribuindo um “bônus de 20% de pontos”
na média final de classificação no processo seletivo a profissionais dos sistemas
públicos de ensino, caso que resultou em 85% dos matriculados terem este perfil
(professores, supervisores, coordenadores, dirigentes de ensino).
Há cursos que visualizam sua condição de futuro dependente da constituição de
um sistema de incentivos que sirvam de articulação para o docente como pesquisador de
forma a produzir material didático e conhecimentos com base em tradições e em
resultados de pesquisa de diferentes áreas de especialidade (administração, ciência
política, ... variável conforme as LPIS) e com isto avançar no enfrentamento de
problemas da prática da educação.
Aspectos relacionados à proposta formativa indicam também contextualização,
dando condições de estudo e manutenção no ambiente de trabalho de profissionais de
carreira em instituições privadas e órgãos públicos. São exemplificativos os cursos
híbridos com algumas ofertas na modalidade á distância, e semi-presenciais, a
realização de cursos presenciais em certos meses do ano civil, não coincidentes com os
regulares períodos do calendário escolar e, equipes docentes interdisciplinares
constituídas de pesquisadores de diversos institutos, diversas áreas de conhecimento e
PPGs da IES. A realização de pesquisa direcionada à intervenção em problemas
concretos da educação relacionados às linhas de pesquisa é também seguidamente
declarada pelos MP. O trabalho final é outro indicativo de contextualização no mais das
vezes relacionado à área profissional do mestrando na forma de plano de ação
educacional relacionado à sua experiência e área de atuação.
Os objetivos dos MP explicitam o eixo de contextualização forte, como por
exemplo: - preparar quadros para a atuação estratégica na educação; ampliar a
capacidade de contribuição qualificada à formação de professores pesquisadores da
educação básica da região; desenvolver uma proposta formativa que ofereça condições
de construir projetos de intervenção na rede escolar; produzir conhecimentos que
possam subsidiar políticas, programas, planos e projetos em sistemas educacionais;
contribuir para a formação de profissionais qualificados para resolver problemas
práticos, garantindo uma atuação de qualidade no mercado de trabalho; atender às
demandas da sociedade por formação e qualificação profissional.
O sucesso da proposta formativa do MP é referida em alguns relatórios, como
por exemplo: projetos desenvolvidos pelos alunos tem contribuído para atrair parceiros
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401036
dispostos a financiar novos projetos. Ademais os MP tem sido procurados por
instituições publicas e privadas para a oferta de turmas exclusivas especialmente
Institutos Federais de Tecnologia e prefeituras.
As LPIS evidenciam também aspectos de contextualização, como por exemplo a
indicação que o fio condutor do curso é a “formação de professores considerando
aspectos relacionados às identidades e diferenças advindas da diversidade cultural, das
inovações pedagógicas, e das subjetividades docentes e discentes, produzidas com as
diferentes linguagens da sociedade contemporânea”.
Outro indicativo de contextualização é a participação em iniciativas e programas
do Ministério da Educação como Observatórios da Educação, PIBID e Rede Nacional
de Educação Continuada.
Inovação é uma categoria que emerge dos relatórios dos MP relacionada a
interdisciplinaridade e a processos de colaboração, indicando autonomia institucional.
Inovação figura também como subtema em LPIS – Sistemas de inovação, cultura e
desenvolvimento regional e Linguagens, diversidade e inovações pedagógicas, estas,
tratadas do ponto de vista de inovações tecnológicas e metodológicas incorporáveis à
prática docente.
Observa-se inovação seja nas alterações e novos formatos curriculares para
atender às especificidades dos públicos, seja nas articulações institucionais e entre áreas
de conhecimento. Da mesma forma o esforço de alinhar o processo formativo e as
pesquisas e projetos de inserção social com as necessidades da região resultam em
numerosas inscrições nos processos seletivos o que demonstra uma face do significado
social do MP e o quanto tal curso traz de contribuições para a qualificação de recursos
humanos.
Assim, cursos fortemente direcionados à gestão educacional fortalecem-se
mediante a soma de esforços de departamentos de diferentes Áreas de conhecimento
como Administração, Economia, Ciências Sociais, Artes, Design, Ciências Contábeis e
Estatística, o que demonstra um substrato interdisciplinar e colaborativo em sua
organização e funcionamento. Um dos relatórios registra: “A união de professores de
várias unidades acadêmicas da IES e outras Universidades e Instituições de ensino
superior também demonstrou a capacidade de aglutinar trabalho desses pesquisadores
em torno dos temas da educação”. O nível de ação declarado apresenta convergência
com as demandas do PNPG 2011- 2020 que recomenda fortemente a interlocução entre
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401037
a pós-graduação em diferentes áreas de conhecimento e a educação básica, bem como a
importância da interdisciplinaridade.
Assim, vínculos intrainstitucionais e interdisciplinares afiguram-se como
práticas e como possibilidades promissoras a serem aprofundadas nos MP, além dos
desenvolvidos com outras IES nacionais e internacionais. Por serem muito recentes os
MP não expressam em seus relatórios articulações com outros MP, o que ainda está para
ser construído e talvez seja um mecanismo positivo na construção da identidade deste
tipo de curso.
A utilização de metodologias variadas no processo formativo (momentos on line
e presenciais, calendário ajustado às condições de trabalho dos estudantes,...), a
utilização de “estudos de caso”, vídeo-aulas, debates com representantes das redes de
ensino conveniadas acerca de políticas educacionais, são alguns exemplos de inovação e
relações colaborativas que perpassam o desenvolvimento do MP e convergem para os
objetivos de preparação qualificada de recursos humanos. Outro elemento que demanda
uma proposta formativa interdisciplinar decorre da diferenciação das áreas de graduação
dos candidatos que acorrem ao MP.
Vários MP relatam convênios com IES nacionais e estrangeiras para o
desenvolvimento de pesquisas e produção de conhecimento.
Observa-se, entretanto, que a ficha e os quesitos de avaliação formatam em
demasia o desenvolvimento de práticas mais inovadoras e mesmo situações
experimentais.
A formação relacionada à experiência profissional é uma categoria que
evidencia a importância da reflexão na articulação entre teoria e prática. Os relatórios
sugerem que os cursos de MP têm, em sua constituição esta categoria como inspiração
na forma como são estruturados, como seu corpo docente é captado, como o processo
formativo é construído. Por outro lado a valorização da contextualização, da articulação
teoria-prática e da experiência profissional dos estudantes pode também ser identificada
nos objetivos dos cursos e na perspectiva de autoavaliação que muitos MP, embora de
implantação recente, já manifestam.
Como os ambientes profissionais são diversificados e complexos, bem como as
problemáticas a enfrentar mediante uma abordagem científica e teorizada, os cursos de
MP são, em geral, constituídos por equipes interdisciplinares e, não raras vezes, com
docentes de diversas instituições que se associam.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401038
Os trabalhos de conclusão do MP são uma evidencia importante que se
configura como atividade de produção de conhecimento, estreitamente comprometida
com a prática profissional. Pode assumir, por exemplo a forma de “plano de ação
educacional estruturado a partir do estudo de um caso de gestão”, um plano de ação que
objetiva, paralelamente, a aprimorar a educação públicas em seus diferentes níveis de
gestão.
Os objetivos de vários cursos de MP expressam o compromisso com
conhecimentos, o desenvolvimento de qualidades profissionais e, ao mesmo tempo,
atenção para com as políticas e o desenvolvimento da educação em diferentes contextos
nacionais. Há objetivos que declaram o desenvolvimento da criatividade, do espírito
crítico, da autonomia intelectual, da capacidade de desenvolvimento da cidadania ativa;
outros propõem-se a refletir acerca de “políticas educacionais relacionando-as,
dialogicamente com as outras áreas de saber e com os projetos de intervenção na rede
escolar’. Vários cursos apresentam objetivos que sugerem a idéia de profissionalismo e
formação reflexiva, como por exemplo: “incrementar processos de autonomia, reflexão,
criticidade e criação”, “contribuir para a formação de profissionais qualificados para
resolver problemas práticos” no mercado de trabalho nas suas diferentes esferas de
atuação. Ou ainda, MP tem por objetivo “a qualificação de professores para a atuação
profissional avançada, transformadora de procedimentos e processos presentes na
atuação docente, realizada por meio da reflexão sobre a prática pedagógica, da
incorporação de metodologia científica e da utilização de recursos tecnológicos
aplicáveis ao processo de ensino-aprendizagem”; formar para a análise e interpretação
de diferentes contextos de atuação com vistas ao planejamento de ações que atendam a
demandas especificas; utilizar a reflexão critica e a pesquisa cientifica para a produção
de novas estratégias e ações.
Há, entretanto, MP que transcrevem objetivos expressos em documentos
orientadores do MP (portaria Capes), como por exemplo: “Promover a articulação
integrada da formação profissional com entidades demandantes, visando melhorar a
eficácia e a eficiência das organizações públicas e privadas por meio da solução de
problemas e geração e aplicação de processos de inovação; Contribuir para agregar
competitividade e aumentar a produtividade em empresas, organizações publicas e
privadas”. Neste caso pode-se supor uma maior identificação com o perfil gerencialista
criticado por S.Ball que foi referido no inicio desta análise.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401039
Ou seja, de certo ponto de vista pode-se também identificar nos relatórios dos
MP traços de uma cultura performativa e voltada para a obediência a regras exógenas e
para a valorização do que pode ser medido, classificado, controlado, comparado.
Encaminhando para conclusões
Os MP sugerem que no âmbito da pós-graduação há um esforço de
profissionalismo e da busca de caminhos alternativos, diferenciados, inovadores para
oferecer uma formação continuada aos que se dedicam á Área de Educação, em
diferentes funções e níveis de atuação.
Os MP demonstram focos possíveis de formação pós-graduada, no que se
diferenciam dos Programas Acadêmicos que, em grande parte, designam-se de
“Educação”, sem uma especificação temática mais comprometida, clara e focalizada.
A alteração de um modelo de pós-graduação de perfil acadêmico que vem há
muito sendo praticada e constituída é uma tarefa árdua. A declaração de um novo
formato de pós-graduação não é suficiente para alterar as práticas na pós-graduação,
especialmente devido a um formato de avaliação mantido para ambos os cursos –
acadêmico e profissional. Submeter os MP ao preenchimento de critérios que foram
construídos para os cursos acadêmicos não os ajuda a encontram/construir sua
identidade e respeitabilidade.
Referências:
BALL, Stephen. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa,São Paulo, v.35, n.126, São Paulo,set./dez.2005, p. 539 – 564.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Volume 1: Artes de Fazer. Petrópolis, RJ:Vozes, 2011
LIMA, Licínio. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. SãoPaulo: Cortez, 2001.
Notas de rodapé:
1 - Conforme Portaria Normativa 194, de 4 de outubro de 2011 após a data de publicação dahomologação do resultado pelo Ministro da Educação a Instituição proponente do mestrado profissionalterá 12 meses para dar efetivo início ao funcionamento de seu curso, ou seja ofertar disciplinas paraatendimento dos alunos matriculados. Após a data de inicio o curso passará de “curso em projeto” para
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401040
“curso em funcionamento”. O reconhecimento de um curso de mestrado profissional ocorre a partir doParecer do CNE/MEC homologado por Portaria Ministerial publicada no Diário Oficial da União.
2 - Tem-se presente que o relatório “Proposta do Programa”é uma narrativa “oficial” do que cada MPtraça (aceita/imagina/registra) para expressar o que realizou no período. Outros tantos relatos a respeitodo mesmo percurso poderiam ser propostos e até se sobrepor, ao que poderia ser chamado de “oficial”.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401041
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401042
Tabela 1 - Instituição e designação dos cursos de Mestrado Profissional da área de Educação por situação de funcionamento – 2014
Coleta Disponível Aguardando Homologação pelo CNE Homologado pelo CNE
UNIPAMPA-Educação UNINTER- Educação e Novas TecnologiasUFPR - Educação: teoria e Práticade Ensino
IFSul - Educação e Tecnologia UNISINOS- Gestão EducacionalUFBA - Currículo, Linguagens eInovações Pedagógicas
UNB - Educação UNIR - Educação EscolarUESC - Formação de professoresda Educação Básica
UEPB - Formação de Professores UEMS - EducaçãoUNEB - Educação de Jovens eAdultos
UFRPE - Tecnologia e Gestão emEducação a Distânica FESP/UPE - Educação UFSCAR - EducaçãoUFLA - Educação UFPB/J.P - Políticas públicas, gestão e avaliação UNESP/ARAR - Educação SexualUFJF - Gestão e Avaliação daEducação Pública UNEB - Educação e Diversidade
UFVJM - Gestão de InstituiçõesEducacionais
UNEB - Gestão e Tecnologiasapliucadas às Educação UFRB - Educação do campo USP - Ensino de AstronomiaUNINOVE - Gestão e praticasEducacionais UNITAU - Educação
PUC/SP - Educação: Formação deFormadores
CEETEPS - Gestão e Desenvolvimento da educação profissionalIFTM - Educação TecnológicaUERJ - Telemedicina e Telesaúde (eliminado embora na pagina daCapes esteja situado na área de Educação)UFU- Tecnologias, comunicação e educaçãoUNIARA -Processo de Ensino, Gestão e InovaçãoUFMG - Educação e Docência
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401043
Tabela 2 - Quantitativo de Mestrados Profissionais da Área de Educação por situação de funcionamento – 2014
Nº PorcentagemColeta Disponível 9 28,00%Aguardando Homologação pelo CNE 14 44%Homologado pelo CNE 9 28,00%
32
Tabela 3 - Mestrados profissionais da Área de Educação por condição de reconhecimento conforme temas prevalentes, 2014
Temas ImplantadosAguardandohomologação
Jáhomologados
Educação 3 4 1Gestão e ... 4 3 1Formação de professores 1 1 2Tecnologia/educaçãotecnológica 1 3Curriculo/inovações 1 1Diversidade/educ. campo 2EJA 1Educação sexual 1Prática de ensino 1Ensino de ... 1
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401044
Tabela 4 - Mestrados Profissionais da Área de Educação, por título, área de concentração e linhas de pesquisa e intervenção social 2014
ColetaDisponível -
IES Área Básica Área de concentração Linhas de Pesquisa e Intervenção SocialUNIPAMPA-(SUL) Planejamento educacional
1) Política e gestão da educação; 2) Gestão das práticas docentes nadiversidade cultural e territorial.
UFLA -(SUDESTE) Educação
Formação deprofessores 1) Linguagens, diversidade cultural e inovações pedagógicas.
UNB - (C-ESTE) Educação
A- Gestão de políticas eSistemas educacionais;b) Políticas públicas egestão da educaçãoprofissional etecnológica.
A - 1) Políticas públicas e gestão da educação básica; A - 2) Políticas públicase gestão da educação superior. B - 1) Sistema de inovação, cultura edesenvolvimento regional; B - 2) Políticas e gestão da educação profissional etecnológica.
UEPB -(NORD) Educação
Formação deProfessores da educaçãobásica 1) Linguagens e letramento digital; 2) Práticas de leitura e produção textual.
UNINOVE -(SUDESTE)
Gestão e praticasEducacionais 1) Gestão educacional; 2) Práticas pedagógicas; 3) Práticas político-sociais.
UFJF -(SUDESTE) Educação
Gestão e Avaliação daEducação Pública
1) Modelos, instrumentos e medidas educacionais; 2) Gestão, avaliação ereforma da educação pública; 3) Equidade, políticas e financiamento daeducação pública; 4) Avaliação, currículos e desenvolvimento profissional degestores e professores de educação básica.
UNEB -(NORD)
Educação - Gestão eTecnologias Aplicadas àsEducação
A - Gestão da educaçãoe redes sociais; B)Processos tecnológicose redes sociais
A - 1) Gestão da educação e redes sociais; B - 1) Educação, processostecnológicos e redes sociais.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401045
UFRPE -(NORD) Tecnologia Educacional
Tecnologia e Gestão emEducação a Distânica
1) Ferramentas tecnologicas para EAD; 2) gestao e produção de conteudopara EAD.
IFSul - (SUL) Educação e Tecnologia Educação1) Políticas e práticas de formação; 2) Linguagens verbo-visuais etecnologias.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401046
Gestão das políticas educacionais e trabalho docente em tempos de Ideb 1
Sem preconceitoOu mania de passado
Sem querer ficar do ladoDe quem não quer navegar
Faça como o velho marinheiroQue durante o nevoeiro
Leva o barco devagar
(Paulinho da Viola, 1975)
Sofia Lerche Vieira 2
RESUMO
O trabalho reflete sobre as políticas, a gestão e o trabalho docente, buscando nexos entre
uns e outros. A análise discute a educação e a gestão como empreendimentos cuja
produção envolve processo e produto. Para compreender a gestão das políticas
educacionais, toma-se como objeto de estudo a avaliação de larga escala. Situando seu
contexto e trajetória, procura-se identificar elementos de sua gestão, bem como suas
repercussões sobre a escola e o trabalho do professor. Como percurso metodológico se
analisa os termos em separado para, depois, retomar a questão proposta. A reflexão é
finalizada por considerações em torno dos desafios ao trabalho docente em tempos de
Ideb.
Palavras chaves: Política Educacional. Gestão Educacional. Gestão Escolar. TrabalhoDocente. Avaliação de Larga Escala. IDEB.
1. Esclarecendo os termos
O tema proposto para este simpósio encerra um complexo jogo de palavras. De
um lado, seu título aponta no sentido da “gestão das políticas educacionais e trabalho
docente”. De outro, o sub-eixo ao qual está vinculado sugere tratar dos “impactos das
políticas na gestão e no trabalho docente”.
Se falamos em “impactos das políticas na gestão e no trabalho docente”, o foco
está nas ações de governo e seus reflexos sobre a gestão e o trabalho do professor. Se
1 Texto apresentado no Simpósio: “Gestão das políticas educacionais e trabalho docente”. Eixo: ADidática e a Prática de Ensino na relação com a Sociedade, Subeixo: Impactos das políticas na gestão e notrabalho docente. XVII ENDIPE. Fortaleza, 11 a 14 de novembro de 2014.2 Da Universidade Estadual do Ceará e da UNINOVE.
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optamos por focalizar a “gestão das políticas educacionais e trabalho docente”, a ênfase
está no gerenciamento dessas mesmas políticas. Como se vê, não é difícil incorrer no
risco de nos perdermos em um desafiante e complexo mar de palavras.
Buscando uma rota para responder ao desafio, pensei ser oportuno começar por
refletir sobre o significado dos termos “essenciais” (substantivos e adjetivos) para
depois, cuidar dos “acessórios” (preposições que fazem diferença). Como percurso
metodológico, começo por esclarecer o significado e as implicações de cada um dos
termos em separado para, depois, num movimento de análise voltar à questão inicial.
Ao final, concentro a reflexão sobre o trabalho docente no que, como outros, denomino
de tempos de Ideb (MACEDO, 2011, CARDOSO, 2011 e VIDAL & VIEIRA, 2014).
A expressão “tempos de” não é original. Foi adotada por Schwartzman, Bomeny
& Costa (2000) e venho utilizando-a há mais de dez anos em estudos com foco no
caráter histórico das políticas educacionais (VIEIRA, 2008a e 2010). Sob o signo da
avaliação de larga escala, vimos nascer o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica), sobre o qual esta reflexão se detém. Neste ensaio procuro desenvolver o
argumento de que este índice tem se transformado em um grande motor do trabalho na
escola, daí porque, como síntese toma-se o momento vivido pela política educacional e
pela escola como tempos de Ideb.
Além de trazerem uma nova lógica para a organização e a gestão da escola, esses
tempos têm contribuído para novas configurações e ritmos no trabalho docente.
Inspirando-me nas palavras de Paulinho da Viola (1975), em “Argumento”, diria que é
preciso examinar esta questão “Sem preconceito / Ou mania de passado / Sem querer
ficar do lado / De quem não quer navegar”. Entendo que em vez de tão somente criticar
esses tempos é necessário examiná-los com a isenção possível. Compreendê-los, por
assim dizer, para neles poder navegar.
Feitas essas observações em torno do rumo e da rota, passemos aos
esclarecimentos.
Políticas
Quando falamos em políticas estamos nos referindo basicamente a o que se faz
ou o que está sendo feito, a propostas e iniciativas desenvolvidas pelo Poder Público
ou por este financiadas. As políticas educacionais em geral são financiadas com
recursos públicos e executadas por instituições públicas. Este é o caso da maioria dos
programas de formação continuada de educadores patrocinados pelo governo federal a
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partir do governo Lula com o objetivo de “o objetivo de suprir deficiências na formação
dos profissionais das referidas etapas da Educação Básica” (VIEIRA & VIDAL, 2013,
p. 23), a saber: o Programa de Formação Continuada de Professores das séries iniciais
do Ensino Fundamental (Pró-Letramento), o Programa de Formação Inicial para
Professores em exercício no Ensino Fundamental e no Ensino Médio (Pró-Licenciatura)
e o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil
(Proinfantil).
Não é incomum, porém, que ações de governo sejam realizadas por instituições
que, embora não sejam governamentais, recebem recursos para executar serviços
públicos. As instituições de educação superior que operam com bolsas do ProUni
(Programa Universidade para Todos) e créditos do Fies (Fundo de Financiamento
Estudantil)3 participam de ação em que o Estado financia a iniciativa privada para a
realização de um serviço. A matrícula desses alunos é vinculada à instituição particular
que frequentam. Uma organização pública como uma secretaria de educação estadual ou
municipal pode contratar instituições privadas de diferentes tipos para realizar serviços
diversos, inclusive iniciativas de formação. Para tanto, precisa apenas percorrer os
trâmites legais que orientam a correta aplicação dos recursos públicos.
Há situações intermediárias, em que alunos têm suas matrículas em instituições
públicas, podem ou não ser contemplados com bolsas e uma instituição receber recursos
para executar serviços no todo ou em parte a eles destinados. Há muitas organizações da
sociedade civil que prestam serviços ao Poder Público através de práticas de tal
natureza. O Progestão (Programa de Capacitação a Distancia para Gestores Escolares),
por exemplo, é uma iniciativa de formação de gestores escolares que foi desenvolvida e
financiada com recursos públicos com tais características. Os estados arcaram com seus
custos e o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) contratou a
Fundação Roberto Marinho para realizar a produção de módulos e vídeos do curso. A
oferta do serviço foi executada pelas próprias secretarias de educação dos estados que o
patrocinaram, com apoio de universidades. No momento o programa passa por
restruturação encomendada a uma organização não governamental (ONG) – o Cenpec
(Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ação Comunitária).
3 O ProUni e o Fies são programas Ministério da Educação (MEC) destinados ao financiamento deestudos de alunos de graduação matriculados em instituições “não gratuitas com avaliação positiva nosprocessos conduzidos pelo MEC” (Brasil. MEC. <sisfiesportal.mec.gov.br>). O primeiro consiste naoferta de bolsas em instituições privadas e o segundo é uma modalidade de empréstimo utilizada duranteo curso e paga depois de sua conclusão com juros de 3,4% ao ano.
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A contratação de instituições de direito público ou privado para a execução de
serviços é um processo de gestão das políticas. Nele estão envolvidas pessoas físicas e
jurídicas diversas que mediante dispositivos contratuais transformam as intenções de
políticas em ações.
Gestão
Quando falamos em gestão recorremos a um termo impregnado de significado no
campo da política educacional brasileira, sobre o qual muito já se discorreu. Segundo
Cury,
A gestão implica um ou mais interlocutores com os quais se dialoga pela artede interrogar e pela paciência em buscar respostas que possam auxiliar nogoverno da educação, segundo a justiça.Nesta perspectiva, a gestão implica o diálogo como forma superior deencontro das pessoas e solução dos conflitos (...)A gestão, dentro de tais parâmetros, é a geração de um novo modo deadministrar uma realidade e é, em si mesma, democrática, já que se traduzpela comunicação, pelo envolvimento coletivo e pelo diálogo (2005, p. 14-15)
Como outros autores também já se pronunciaram sobre o tema, não cabe aqui
aprofundá-lo (OLIVEIRA, MORAES & DOURADO, s.d.; DRABACH &
MOUSQUER, 2009). Para fins da presente discussão, basta lembrar que no Brasil a
palavra gestão praticamente substituiu o termo administração. Aqui, também, para além
das palavras há muito conteúdo e reflexão.
A gestão relaciona-se à administração na medida em que trata do como se faz,
ou do como está sendo feito. Ao mesmo tempo, expressa um sentido de ação para o
desenvolvimento de algo e está sempre associada à execução.
Esclarecido algo sobre os termos de parte da equação, é hora de retomar a
relação entre estes e o trabalho docente. Que implicações a política e sua gestão têm
para e sobre o trabalho docente? Qual o movimento da reflexão aqui para entender este
terceiro termo da proposição?
Trabalho Docente
O trabalho docente envolve distintas dimensões, tais como formação,
desenvolvimento profissional, salário, carreira e condições de trabalho. Ao se
combinarem entre si constituem a matéria prima do “ser professor(a)” e, de diferentes
modos, interferem sobre suas ações e reações às políticas e à gestão educacional.
A docência é componente intrínseco do processo educativo. Ainda que a
aprendizagem extrapole a sala de aula, hoje, como ontem, sua importância nos sistemas
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educativos é indiscutível. Como atores desse processo, os docentes estão sob o foco da
“gestão das políticas educacionais” que interfere sobre seu trabalho de distintas
maneiras. Os docentes são, ao mesmo tempo, destinatários e executores de políticas. As
iniciativas voltadas para a melhoria de suas condições de trabalho docente representam
um exemplo de como os docentes podem ser destinatários de políticas. Uma iniciativa
mediada pelo trabalho dos professores em sala de aula, a exemplo de obter bons
resultados no IDEB os envolve como executores e, portanto, sujeitos de políticas. De
fato é um jogo complexo.
Feitos esses esclarecimentos em torno dos termos, é oportuno ir um tanto além
antes de voltar à proposição inicial. Tratemos, agora, de noções que melhor esclarecem
os termos política e gestão e os nexos que se estabelecem entre uma e outra.
2. Outros termos esclarecedores
A política e a gestão costumam ser analisadas a partir de seus resultados. Tão
importante quanto estes é seu processo de construção. Para entender a gestão das
políticas é necessário ir além. A compreensão sobre a diferença entre esses dois
momentos, requer um aprofundamento sobre a educação como empreendimento
essencialmente humano que envolve tanto processos como produtos.
O ensino e a aprendizagem são situações permeadas por processos e por
produtos. Enquanto o(a) professor(a) e o(a)s aluno(a)s estão interagindo entre si,
vivenciam processos diversos – momentos de troca, de explicações, de argumentos, de
perguntas e respostas. Esta interação, por sua vez, pode ou não se transformar em
produto. O texto de uma obra científica, artística ou técnica é um exemplo nesse
sentido. Processo e produto estão na base da transmissão do saber socialmente útil e
acumulado que é veiculado pela escola.
A relação entre processo e produto é intrínseca ao ato de elaboração mesma das
coisas, refere-se ao fazer e ao já feito. De um lado está a própria elaboração das coisas;
de outro, o resultado desta elaboração, consistindo em momentos inseparáveis da
produção material e imaterial (MARX, 1978). Como o próprio nome sugere, a
produção material refere-se a todos os bens disponíveis na natureza transformados
através do trabalho de modo a atender a alguma necessidade humana. A maioria dos
bens de consumo faz parte desta categoria, das roupas que vestimos, aos carros que
utilizamos – tudo passa por um processo de produção material nem sempre visível.
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A produção imaterial, por sua vez diz respeito a elaboração humana onde o ato
de produção e o produto são inseparáveis. Este é o caso dos serviços de saúde, de
educação e de muitas manifestações artísticas. Uma show ao vivo, uma consulta médica
e uma aula presencial são exemplos de produção imaterial.
O conceito de produção tem sua origem no pensamento de Marx que, em sua
vasta obra contribuiu para a análise das relações econômicas e sociais. A passagem a
seguir é ilustrativa desta posição.
Na produção social de sua existência, os homens estabelecem relaçõesdeterminadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações deprodução que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento dasforças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constituia estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se elevauma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadasformas de consciência social. O modo de produção da vida materialcondiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral(MARX, 1989, p. 28-29)
Nessa perspectiva, a educação é uma das “formas de consciência social” e,
portanto, intrinsecamente associada à produção imaterial.
Embora representem momentos distintos da produção da existência, processo e
produto são inseparáveis. Se isto é verdade nas diferentes dimensões da vida e na
produção de bens de consumo, também é nas relações de convivência em sociedade.
Assim ocorre com a gestão – enquanto processo, diz respeito à forma como as pessoas
se relacionam entre si; enquanto produto refere-se àquilo que se obtém como fruto desta
relação.
A imagem de círculos sequenciados, tal como aparece na figura abaixo, é uma
ilustração da intrínseca relação entre esses dois componentes da gestão.
Gestão: processo & produto
Como processo, a gestão refere-se ao ato de fazer, envolve relações entre
pessoas e práticas visando atingir determinados fins. A dimensão de produto, por sua
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vez, está associada a efeitos e resultados. Quando se vê o produto de um processo de
gestão nem sempre é possível dimensionar os caminhos trilhados para se chegar onde se
chegou.
A gestão interessa mais à política educacional enquanto resultado; embora o
processo ou a execução de uma política seja igualmente importante. A observação do
desempenho dos alunos na Prova Brasil, por exemplo, é uma questão de política
educacional. A esta interessa saber a que resultados chegaram; o processo de construção
do trabalho no interior dos sistemas e das escolas é uma questão de gestão de políticas.
Feitas essas considerações, é momento de retomar sob novas bases a proposição inicial.
Esclarecidos os termos, tratemos, agora, de dar substancia à reflexão sobre gestão das
políticas e trabalho docente.
3. Aprofundando a proposição
Muitas das políticas que circulam nas diferentes esferas do Poder Público dizem
respeito ao trabalho docente. Em geral são concebidas no âmbito do Ministério da
Educação, passam pelas secretarias estaduais e municipais de educação e aportam no
chão da escola. A concepção e implementação de políticas docentes é um capítulo a
parte, sobre o qual já refleti em trabalho anterior, ao debruçar-me sobre a noção de
gerações e ciclos de políticas (VIEIRA, 2012). Procurando avançar noutra direção, em
decorrência do desafio proposto por este Simpósio do ENDIPE, optei por tomar um
caso de política, mais especificamente a avaliação de larga escala. Porque chegou para
ficar e por sua relevância para o trabalho docente esta merece ser examinada em suas
íntimas conexões com os termos da proposição. Assim, iniciarei por uma breve
retrospectiva das iniciativas de avaliação de larga escala, para depois discutir sua gestão
e articulação com o trabalho docente.
Avaliação de larga escala, política e gestão
A avaliação de larga escala começa a chegar ao Brasil pelo final dos anos 1980,
quando o governo federal e alguns governos estaduais (BROOKE & CUNHA, 2010)
deflagram iniciativas diversas visando aferir resultados de estudantes em provas
aplicadas em escolas da rede pública. Foi neste contexto que surgiu o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), desenvolvido pelo Ministério da Educação, que
por seu alcance e abrangência nacional será aqui focalizado por atingir todas as
unidades da federação.
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Tal como concebido originalmente o Saeb constituía-se em “um sistema de
avaliação amostral, operacionalizado a cada dois anos com a finalidade principal de
avaliar a qualidade, equidade e eficiência do ensino e da aprendizagem no âmbito do
Ensino Fundamental e do Médio” (VIEIRA, 2008b, p. 115).
Tendo sido gradativamente ampliado, em 2005 (Portaria Ministerial nº 931 de 21
de março de 2005) passou a configurar-se como um sistema composto por duas
avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do
Rendimento no Ensino Escolar (Anresc), também conhecida como Prova Brasil4, cuja
primeira edição foi realizada naquele mesmo ano.
A Prova Brasil permitiu que estados, municípios e escolas públicas de ensino
fundamental pudessem acompanhar seus resultados. Na prática, tal medida contribuiu
para uma significativa mudança no percurso das políticas de avaliação de larga escala
no país. A divulgação dos indicadores de desempenho cria um ambiente propício ao
surgimento de uma cultura de responsabilização, conforme discuto adiante.
A esta mudança veio a somar-se a criação do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), em 2007, instituído com o objetivo de “medir a qualidade do
aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino” (BRASIL. MEC.
INEP. http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=336> Acesso em: 10 ago. 2014)
É oportuno examinar o que diz o portal do MEC sobre o assunto:
O Ideb funciona como um indicador nacional que possibilita omonitoramento da qualidade da Educação pela população por meio de dadosconcretos, com o qual a sociedade pode se mobilizar em busca de melhorias.Para tanto, o Ideb é calculado a partir de dois componentes: a taxa derendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos examesaplicados pelo Inep. Os índices de aprovação são obtidos a partir do CensoEscolar, realizado anualmente.
As médias de desempenho utilizadas são as da Prova Brasil, para escolase municípios, e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), para osestados e o País, realizados a cada dois anos. As metas estabelecidas peloIdeb são diferenciadas para cada escola e rede de ensino, com o objetivoúnico de alcançar 6 pontos até 2022, média correspondente ao sistemaeducacional dos países desenvolvidos (IDEM).
Como observamos em estudo anterior,
4 Com alcance distinto, as duas avaliações se complementam mutuamente. “A ANEB mantém os objetivos,características e procedimentos das avaliações, anteriormente, realizadas pelo SAEB, ou seja, por meio de amostrasda população, garantindo a continuidade da série histórica dos dados de proficiência dos alunos das redes públicas eprivadas brasileiras. Seus resultados não identificam municípios, escolas, turmas, alunos, professores e diretores. AAnresc, por sua vez, levanta informações sobre o desempenho de cada uma das escolas urbanas, com mais de 30alunos de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental da rede pública brasileira. Seu objetivo principal é oferecer aosgovernos estaduais e prefeituras municipais uma avaliação das escolas de suas redes para um planejamento eaplicação mais preciso de suas políticas” (VIEIRA&VIDAL, 2013, p. 21).
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A aplicação da fórmula do Ideb a estados, municípios e escolasincorpora dados de rendimento escolar (taxa de aprovação) e resultadosda Prova Brasil. Desde então, sua divulgação tem sido acompanhada cominteresse por parte de formuladores e executores de políticaseducacionais, o que constitui evidência de sua relevância para a aferiçãodo desempenho escolar de estudantes da Educação Básica e seu caráterestratégico na definição de políticas de melhoria da qualidade daeducação. A mobilização e destaque que os meios de comunicação têmoferecido à divulgação dos resultados do Ideb tem desempenhado papelrelevante junto à opinião pública e contribuído, de forma expressiva, paraa popularização da agenda educacional junto a sociedade em geral(VIEIRA & VIDAL, 2013, p. 22)
O Ideb tem facilitado a implantação daquilo que vem sendo chamado de política
de responsabilização ou accountability. Segundo Cerdeira & Almeida
“Na lógica da responsabilização educacional, os profissionais da educaçãosão considerados corresponsáveis pelo desempenho dos alunos (BROOKE,2006). Neste modelo, os resultados escolares passaram a ser divulgadospublicamente, o que gerou o rankeamento das escolas e maior exposição deprofessores, gestores escolares e gestores de redes de ensino” (2013, p. 1)
Com efeito este é um tema polêmico tanto no âmbito governamental, quanto
sindical e acadêmico. Conforme as autoras destacam há posições divergentes a respeito
da matéria. Enquanto uns se manifestam a favor “do aprimoramento das políticas e da
criação de uma cultura avaliativa” (BROOKE, 2006 e 2008; SOUZA, 2007); outros,
como Souza & Oliveira (2003), Freitas (2007), Coelho (2008), Barriga (2009) e
Cassassus (2009) são críticos desta posição.
Os argumentos favoráveis defendem “que os sistemas de avaliação possibilitam
o desenvolvimento de políticas públicas e ações pedagógicas que contribuem para o
monitoramento da aprendizagem e a elevação da qualidade do ensino”, conforme
Vianna (2003) e Munhoz Alavarse, Machado & Bravo (2012) e Do mesmo modo, por
“permitirem a identificação e análise das consequências das políticas já implementadas
e seus efeitos no desempenho discente” (FRANCO, ALVES & BONAMINO, 2007).
Os argumentos contrários às políticas de responsabilização, por sua vez,
destacam
os efeitos negativos como a imposição dessas políticas pelo governo, semmaiores esclarecimentos; o estabelecimento de rankings escolares; o fato dasavaliações não medirem o real trabalho feito na sala de aula; o engessamentodo currículo e das práticas docentes, sobretudo nas disciplinas de português ematemática; e a responsabilização do professor, pois não se sentemamparados pelas secretarias e coordenadorias de educação, além deenfrentarem sérios problemas sociais e de violência nas escolas. As críticastambém evidenciam a padronização das provas e os usos inadequados dosresultados pelos gestores educacionais.
Segundo as autoras, há de se destacar ainda, os “efeitos perversos” das políticas
de responsabilização Ravitch (2010), em particular
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as que estabelecem prêmios e punições e que podem provocar o aumento dadesigualdade intraescolar, a saber: foco no treinamento para responder asquestões da prova em detrimento da aprendizagem; exagero de provas esimulados que causam a perda de aulas; professores e diretores podemdeliberadamente investir nos alunos que tem chance de alcançar as metas(notas) estipuladas, “abandonando” os grupos extremos (os melhores e ospiores); estímulo aos piores alunos para faltarem à prova; etc” (IDEM)
Qual o interesse desse debate para o tema de nossa reflexão? A gestão das
políticas de avaliação de larga escala é feita pelo que poderia ser denominado de “cadeia
produtiva” da educação, envolvendo em cada etapa atribuições e especificidades, desde
o Ministério da Educação (MEC), passando pelas secretarias estaduais e municipais, até
chegar às escolas. Cada uma dessas etapas envolve um imenso contingente de
instituições e sujeitos que se dedicam ao seu processo de produção.
As iniciativas de avaliação de larga escala feita pelo MEC são desenvolvidas
pelo INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) o qual, por
sua vez, recorre a contratações de instituições e pessoas diversas, não apenas
especialistas nos conteúdos das diferentes provas, como também nos artefatos
científicos e técnicos associados à sua aplicação.
As Secretarias de Educação também participam deste processo de diferentes
formas. Aquelas que possuem seus próprios sistemas de avaliação necessitam de uma
estrutura semelhante àquela montada pelo MEC – setores especializados, contratação de
empresas que realizam o processo de construção e aplicação de provas, etc. Tanto estas
secretarias como as demais participam das avaliações nacionais como parte de um
esforço integrado entre as instancias federadas (União, Estados e Municípios) para
cumprir e assegurar que o processo seja cumprido com o necessário sigilo e lisura. Esta
é um empreitada complexa que envolve indivíduos, instituições e recursos de grande
porte.
Como nas demais instancias pelas quais circula, a avaliação de larga escala
aporta na escola sob a forma de produto e de processo. Enquanto produto a avaliação
assume o formato de provas – que a escola não pediu ou sequer foi consultada para
aplicar – e de resultados obtidos por seus alunos, os quais por sua vez impactam de
diversas maneiras o cotidiano escolar. Enquanto processo, em maior ou menor grau, a
avaliação de larga escala passa a ser incorporada à vida da escola de inúmeras maneiras
e em diferentes dimensões do currículo.
Algumas escolas elegem as avaliações de larga escala como fonte permanente de
inspiração para o seu trabalho; outras preferem prosseguir fazendo o que sempre
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fizeram ou até mesmo ignorá-las. Fato é que ano a ano e passo a passo tem se tornado
mais difícil fazer de conta que as avaliações externas não existem. Isto porque a escola e
seus docentes não apenas são cobrados, como também premiados (e cada vez mais!) e
mesmo punidos por seu desempenho.
Avaliação de larga escala e trabalho docente
Tendo examinado a política de avaliação de larga escala e as respectivas etapas
de sua gestão, chegamos, por fim, ao tema central da análise – o trabalho docente.
Algumas perguntas aqui se colocam: como todos esses componentes da política e de sua
gestão se combinam e atingem os professores? Seus impactos sobre os docentes são
semelhantes para todos ou diferenciados por segmentos? Seu trabalho permanece o
mesmo, ou é alterado pelas novas circunstancias que passam a se fazer presentes na
dinâmica da escola? Que novos desafios se colocam para seu trabalho?
Começando pelo começo e observando alguns elementos do contexto sob os
quais as políticas de avaliação de larga são geradas. Em um ambiente cada vez mais
propício à transparência pública, sob o advento de legislação específica (Lei nº
12.527/11) e de portais que se disseminam por todo país (Ver, a propósito:
<portaldatransparencia.gov.br>), “prestar contas” passa a ser um valor cada vez mais
presente na dinâmica político-social e, consequentemente, nos sistemas de ensino e suas
respectivas redes escolares.
A prestação de contas em si não é um valor negativo; ao contrário. A escola
enquanto um bem público precisa dizer a que veio à sociedade que a criou e a mantém, ,
que via de regra, deve se expressar pelo sucesso na aprendizagem dos alunos. O
problema reside nos usos correlatos que vem se fazendo das avaliações. Refere-se ao
modo como se dá o entendimento acerca das políticas de prestações de contas, e como
elas prestando contas dos recursos a ela destinados. O problema reside nos usos que
dela se fazem. Refere-se ao modo como as políticas de prestações de contas são
veiculadas pelos sistemas de ensino. Cria-se toda uma parafernália gerencial e política
em torno das provas, aí incluindo o ranqueamento (ranking) entre sistemas e
instituições.
Neste contexto, aquilo que deveria representar mera radiografia de um momento
da vida escolar (a avaliação externa), passa a ser vivido como se fosse sua essência.
Sistemas e escolas passam a viver sob o signo da avaliação de larga escala sob uma
lógica imposta de fora para dentro. De instituição comprometida com a formação para a
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cidadania, veiculação e transmissão do saber, passa a se configurar como uma pequena
linha de montagem onde gestores, professores e estudantes passam a valer pelos bens
que produzem sob a forma de resultados.
E, agora, respondendo às questões acima referidas; a primeira delas: como todos
esses componentes da política e de sua gestão se combinam e atingem os professores?
As políticas de avaliação de larga escala têm efeitos diretos sobre a escola e o trabalho
docente. Se antes era possível manter uma lógica de funcionamento gerida
internamente, onde gestores e professores podiam se contentar em fazer o que sempre
fizeram; hoje, não mais. O trabalho escolar, ainda que mantenha muitos elementos de
seu modo de fazer anterior, foi profundamente alterado pelas orientações advindas de
tais políticas.
A segunda indagação diz respeito aos impactos das políticas de avaliação sobre
os docentes. Seus efeitos são semelhantes para todos ou diferenciados por segmentos? A
resposta a esta questão poderia ser resumida nos seguintes termos: se a escola é
impactada como um todo, os docentes são atingidos de forma diferenciada, a depender
das áreas de conteúdo e das séries onde atuam. Aqui muitas questões se colocam, a
começar pelo gerenciamento do currículo.
Se antes a distribuição de conteúdos era relativamente equilibrada entre as
grandes áreas do conhecimento, hoje há maior destaque para as disciplinas que se
constituem em objetos por excelência das provas, Língua Portuguesa e de Matemática e
consequente esvaziamento das demais disciplinas. Tal tendência, detectada por alguns
estudos no campo há alguns anos (VIDAL & VIEIRA, 2011 e 2014), tem se acentuado
com o passar do tempo e com o processo de entranhamento da avaliação de larga escala
no chão da escola. Assim como ocorre um privilégio das áreas de conteúdo, do mesmo
modo, as séries selecionadas para aplicação das provas tendem a receber maior atenção
que as demais. Embora não seja uma regra e não ocorra em todas as escolas, passamos a
conviver com uma situação onde há docentes de primeira e segunda linha, a depender
de suas áreas de formação e atuação e das séries onde trabalham.
A gestão desta política no âmbito interno da escola nem sempre é visível aos
olhos de um observador externo. Em nossas pesquisas junto a gestores, observarmos
que quando indagados sobre a emergência dessa nova ordem das coisas os mesmos, em
geral, preferem silenciar. Raros são aqueles que dão existência à presença de uma nova
dinâmica trazida a reboque das políticas de avaliação de larga escala. Reconhecendo-a,
ou não, ela está lá. E aqui, é preciso interpretar o significado do silencio, pois este
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“pressupõe um conhecimento exato daquilo que não se diz. Como na prática não se
emudece para sempre, faz-se uma opção entre o que se pode dizer e o que não se diz.
Silencia-se o que melhor se conhece” (CANETTI, 1986, p. 327).
Em tese, a escola permanece a mesma; na prática, porém, há sinais de mudanças
evidentes em seu cotidiano. Deveria a escola permanecer a mesma face à avalanche de
transformações que tem invadido a vida contemporânea? Certamente que não.
Entretanto, aqui, vale lembrar o velho dito popular que sugere “nem tanto ao mar, nem
tanto à terra”. Mudanças são inevitáveis e necessárias e, portanto, o equilíbrio parece
estar em fazer “como o velho marinheiro que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”
(DA VIOLA, 1975). Num mundo em permanente estado de mudança a escola está
fadada a mudar. Entretanto, há que se manter fiel à sua essência de casa de saber, ensino
e aprendizagem. Qualquer semelhança com uma linha de montagem ameaça o que tem
de melhor que é o desenvolvimento humano contemplando a igualdade na diversidade.
A resposta à terceira pergunta foi parcialmente dada e não deixa de ser um tanto
óbvia. De uma maneira geral, o trabalho docente foi, está e, ao que tudo indica,
continuará sendo alterado pelas políticas de avaliação de larga escala. Viver sob os
tempos de Ideb implica em uma regulação da escola e da sala de aula induzida por
fatores externos onde uma nova ordem se impõe. O calendário antes marcado pelas
datas comemorativas, agora, é pautado por novas rotinas: a preparação para as provas, a
execução, a divulgação dos resultados e, por fim, a premiação. Satisfeitos, ou não, os
docentes se movimentam neste cenário onde a pressão por bons resultados é a palavra
de ordem e onde o processo e o produto de seu trabalho passam a orientar-se para o
cumprimento de metas estabelecidas para e pela escola.
Em um cenário de mudanças profundas no ethos escolar e de alterações sem
precedentes na rotina do trabalho docente, impõe-se refletir sobre a última indagação,
qual seja a dos novos desafios a serem enfrentados pelo(s) professor(es). Aqui ousaria
sugerir que o desafio maior estaria em algo que, que na falta de melhor expressão,
resumiria como buscar um equilíbrio para além das provas. O que quero dizer com
isto?
Se a lógica da avaliação de larga escala é inevitável, é preciso aprender a
conviver com ela. Isto não significa mera aceitação alienada de uma nova ordem e, sim,
enfrentar o novo com conhecimento. Em vez de temer a nova ordem, é necessário
dominá-la para, aí então, poder criticá-la. O que sabem os docentes sobre todo este
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aparato de avaliação, seus fundamentos e aplicações para o ensino e a aprendizagem?
Esta questão não requer resposta imediata, aqui e agora, mas é preciso aprofundá-la.
Ao lado do conhecimento sobre o significado e o sentido pedagógico da
avaliação de larga escala, é necessário manter vivo o espírito da docência cuja essência
está associada a fazer a mediação entre o conhecido e o por conhecer,
independentemente da área de conteúdo, da série, da escola de baixo ou alto Ideb. Se
não há alternativa a esses novos tempos, é possível, entretanto, optar pela lucidez.
Noutras palavras, só existe um desafio: viver ou viver.
Fortaleza, 24 de agosto de 2014
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