ghedin - questoes de metodo - 2008 - ocr

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WÊÈÊÊÊÊ a pnie-essos .mvcsri^arivos que teimam possíveis c . U(.I1UI k INK Ills ' lllslos os soillkslllls lllns pnulu'lilos ui iis i sdiis Kionil Refletir sobre essas ejuestões Mi,mli>. i uiomii o puisiiiK iro sobre o modo de operai do conbecimenro. L importante twumin.í-las a medida cjue o método constitui um pretexto para lc puis || is l V . t >I I is ssills K loll lls i|i|i (U u. ill nil i) pi(kv.sso Ills ((u|( >li »” k <> sl( > s oil I Is s Mils 111o i. Ill s sills Is HI DOCÊNCIA^' FORMAÇÃO • Educação Escolar: políticas, estrutura e organização • Estágio e Docência • Questões de método na construção da pesq CIRC Tombo: 62811 DOCÊNCIAX^ FORMAÇAO Questões de m é to d o na construção da pesquisa em educação E vandro G hedin NI aria A mélia S antoro F ranco 3T ikl EDITORR 2- edição

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Ghedin - Questoes de Metodo - 2008 - OCR

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  • W apnie-essos .mvcsri^arivos que teimam possveis c .

    U ( . I 1 U I k I N K I l l s ' l l l s l o s o s s o i l l k s l l l l s l l l n s p n u l u ' l i l o s

    u i iis i sdiis Kioni l Refletir sobre essas ejuestes

    Mi,mli>. i u i o m i i o pui s i i iK iro sobre o m odo de

    operai do conbecimenro. L im portante twumin.-las

    a medida cjue o m todo constitui um pretexto para

    l c p u i s || i s l V. t > I I i s s s i l l s K l o l l l l s i | i | i (U u. i l l n i l i)

    p i ( k v . s s o I l l s ( ( u|( >li k < > sl( > s o i l I Is s Mils 111o i. Ill s s i l l s Is HI

    D O C N C IA ^' FORMAO

    Educao Escolar: polticas, estrutura e organizao Estgio e Docncia

    Questes de mtodo na construo da pesqCIRC

    Tombo: 62811

    D O C N C IA X ^ F O R M A A O

    Questes de mtodo

    na construo da pesquisaem educao

    E v a n d r o G h e d i n

    N Ia r ia A m l ia S a n t o r o F r a n c o

    3T

    ik l

    EDITORR 2- edio

  • Srie: Educao Infantil

    Educao Infantil: fundamentos e mtodosZ ilm tt Ritmos de O liveira

    Educao Infantil e registro de prticasA m anda Cristina Teagno Lopes

    Eormao de professores na Educao InfantilM arineide de O liveira Gomes

    Srie: Ensino Fundamental

    Ensino de Cincias: fundamentos e mtodosD em trio D elizoicov Jos A ndr A ngotti

    M arta M aria Pernambuco

    Ensino de Histria: fundamentos e mtodosCirce M aria Fernandes B ittencourt

    Ensino Religioso no Ensino FundamentalLilian B lanck de O liveira

    Srgio Rogrio Azevedo Junqueira L u iz Alberto Sousa Alves Ernesto Jacob Keim

    Filosofia: fundamentos e mtodosMarcos A ntonio Lorieri

    Para ensinar e aprender Geografia N tdia Nacib Pontuscbka Tonioko Iyda Paganelli

    N iiria H anglei Cacete

    Srie: Ensino M dio

    Ensino de Biologia: histrias e prticasem diferentes espaos educativos

    M artha M arandino Sandra Escovedo Selles

    M areia Serra Ferreira

    Ensino de Filosofia no Ensino MdioEvandro Ghedin

    DO CNCIA

    Coordenao: Antnio Joaquim Severino

    Selma Garrido Pimenta

    EDITOBA AFILIADA

  • 2008 by Evandro Ghedin - Maria Amlia Santoro Franco

    Direitos de publicaoCORTEZ EDITORA

    Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes 05014-000 - So Paulo - SP

    Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 [email protected] www.cortezeditora.com.br

    DireoJos Xavier Cortez

    EditorAm ir Piedade

    PreparaoAlexandre Soares Santana

    RevisoAlexandre Ricardo da Cunha

    Fbio Justino de Souza

    Edio de Arte Mauricio Rindeika Seolin

    Assistente de Arte Carolina Regonha Suster

    Papis da capaAtelier Luiz Fernando Machado

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Ghedin, EvandroQuestes de mtodo na construo da pesquisa em educao

    / Evandro Ghedin, Maria Amlia Santoro Franco - 2. ed. - So Paulo: Cortez, 2011. - (Coleo docncia em formao. Srie saberes pedaggicos / coordenao Antnio Joaquim Severino, Selma Garrido Pimenta)

    Bibliografia

    ISBN 978-85-249-1395-2

    1. Pedagogia 2. Pesquisa educacional - Metodologia 3. Professores - Formao Profissional I. Franco, Maria Amlia Santoro. II. Severino, Antnio Joaquim. III.Pimenta, Selma Garrido. IV. Ttulo. V. Srie.

    08-03246 CDD-370.7201

    Indices para catlogo sistemtico:1. Pesquisa em educao: Metodologia 370.7201

    IA?

    Impresso no Brasil - maro de 20113

    Evandro Ghedin Maria Amlia Santoro Franco

    Questes de mtodo

    na construo da pesquisa em

    educao2a edio

    2011

    DITORP

  • S u m r i oAOS PROFESSORES .............................................................. 9

    A p r e se n t a o d a c o l e o .............................................................................11

    In t r o d u o ...................................................................... 21

    C a p t u l o I Novos se n t id o s para a c i n c i a ........................... 35

    1. A especificidade da educao ........................402. Elementos para uma epistemologia

    da cincia contempornea.............................463. Da necessidade de ressignificao

    do sentido de validade cientfica....................514. Novos sentidos para a compreenso

    do fenmeno educativo: caminhosde transio ....................................................55

    C a p t u l o II A c o n st r u o d o o l h a r d o p e sq u isa d o r .... 69

    ^ 1. Educar o olhar para ler o mundo em suasmltiplas representaes................................73

    2. Do olhar que v ao pensamento que explica e compreende por meio da interpretao ............................................... 82

    C a p t u l o III A r eflex o c o m o f u n d a m e n t o d o p r o c e ssoINVESTIGATWO ....................................................... 101

    1. Metodologias de pesquisa em educao ... 1062. Algumas consideraes sobre a questo

    da coerncia epistemolgica .......................122

  • C a p t u l o IV P r e ssu p o st o s e p ist e m o l g ic o s eMETODOLGICOS DA PESQUISA EM EDUCAO

    NUMA PERSPECTIVA HERMENUTICA..... ...... 127

    1. As relaes entre poltica e metodologia dapesquisa em educao .............. 130

    2. O ato de conhecer eseu sentido pedaggico...............................141

    3. O conhecimento e a construodo objeto ...................................... 148

    4. A reflexo hermenutica como paradigmaepistemolgico de pesquisa......................... 1334.1. A problemtica do discurso

    no interior da lngua comoforma de sign ificar............................ 153

    4.2. A construo do discurso como potencial de sentido significativo para a compreensono processo investigativo..................158

    4.3. Uma compreenso da hermenuticae o desvelamento interpretativo ... 163

    4.4. A hermenutica como processode investigao nas cincias humanas e na educao ................... 171

    C a p t u l o V A e t n o g r a f ia c o m o pa ra d ig m a d eCONSTRUO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO

    EM EDUCAO....................................................... 177

    1. A abordagem etnogrfica eseus pressupostos.......................................... 182

    2. O trabalho de campo como especificidadeda pesquisa etnogrfica.............................. 1932.1. A observao participante como

    estratgia de apreenso do objeto da pesquisa etnogrfica............................ 194

    3. A abordagem etnogrfica e seu usona pesquisa em educao.............................201

    A PEDAGOGIA DA PESQUISA-AO.........................2091. De que pesquisa se est falando

    ao referir-se pesquisa-ao?...................... 212

    2. De que ao se est falandoao referir-se pesquisa-ao?...................... 224

    3. Como pesquisa e ao se integramna pesquisa-ao? ........................................ 235

    4. Estruturao de um processopedaggico para a pesquisa-ao............... 2384.1. Construo da dinmica do coletivo.. 2394.2. Ressignificao das espirais cclicas . 241

    4.3. Produo de conhecimento esocializao dos saberes.....................243

    4.4. Anlise/redireo e avaliaodas prticas......................................... 245

    4.5. Conscientizao sobre as novasdinmicas compreensivas................... 246

    C o n sid e r a e s f in a is ........................................ 249B ib l io g r a f ia .......................................................... 255

  • AOS PROFESSORES

    A Cortez Editora tem a satisfao de trazer ao pblico brasileiro, particularmente aos estudantes e profissionais da rea educacional, a Coleo Docncia em Formao, destinada a subsidiar a formao inicial de professores e a form ao contnua daqueles que se encontram no exerccio da docncia.

    Resultado de reflexes, pesquisas e experincias de vrios professores especialistas de todo o Brasil, a coleo prope uma integrao entre a produo acadmica e o trabalho nas escolas. Configura um projeto indito no mercado editorial brasileiro por abarcar a formao de professores para todos os nveis de escolaridade: educao bsica (incluindo a educao infantil, o ensino fundam ental e o ensino mdio) e a educao superior; a educao de jovens e adultos e a educao profissional. Com pleta essa formao com as problem ticas transversais e com os saberes pedaggicos.

    Com mais de 30 anos de experincia e reconhecimento, a Cortez uma referncia no Brasil, nos demais pases latino-americanos e em Portugal pela coerncia de sua linha editorial e atualidade dos temas que publica, especialmente na rea da educao, entre outras. com orgulho e satisfao que lanamos esta coleo, pois estamos convencidos de que representa novo e valioso impulso e colaborao ao pensamento pedaggico e valorizao do trabalho dos professores na direo de uma melhoria da qualidade social da escolaridade.

    Jos Xavier Cortez Diretor

  • A presen ta o d a c o le o

    A C oleo D ocncia em Form ao tem por objetivo oferecer aos professores em processo de formao, e aos que j atuam como profissionais da educao, subsdios formativos que levem em conta as novas diretrizes curriculares, buscando atender, de modo criativo e crtico, s transformaes introduzidas no sistema nacional de ensino pela Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cao Nacional de 1996. Sem desconhecer a importncia desse documento como referncia legal, a proposta desta coleo identifica seus avanos e seus recuos e assume como compromisso maior buscar uma efetiva interferncia na realidade educacional por meio do processo de ensino e de aprendizagem, ncleo bsico do trabalho docente social. Seu propsito , pois, fornecer aos docentes e alunos das diversas modalidades dos cursos de formao de professores e aos docentes em exerccio textos de referncia para sua preparao cientfica, tcnica e pedaggica. Esses textos contm subsdios formativos relacionados ao campo dos saberes pedaggicos, bem como ao dos saberes ligados aos conhecimentos especializados das reas de formao profissional.

    A proposta da coleo parte de um a concepo orgnica e intencionada da educao e da form ao de seus profissionais, tendo bem claro que professores se pretendem formar para atuar no contexto da sociedade brasileira contempornea, marcada por determinaes histricas especficas.

    Com o bem o mostram estudos e pesquisas recentes na rea, os professores so profissionais essenciais nos processos de mudana das sociedades. Se forem deixados margem, as decises pedaggicas e curriculares alheias, por mais interessantes que possam parecer, no

    Trata-se da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB). Essa ei aplica ao campo da educao os dispositivos constitucionais, constituindo, assim, a referncia fundamental da organizao do sistema educacional do pas.

    Os professores exercem papel imprescindvel e insubstituvel no processo de mudana social.

    11

  • A p r e s e n t a o d a c o l e o

    As escolas precisam passar por profundas transformaes

    em suas prticas e culturas para enfrentar os desafios

    do mundo contemporneo.

    Na complexa tarefa de aprimoramento da qualidade

    do trabalho escolar, os professores contribuem

    com seus saberes, seus valores e suas experincias.

    A formao docente um processo permanente

    e envolve a valorizao identitria e profissional

    dos professores.

    se efetivam, no geram efeitos sobre a sociedade. Por isso preciso investir na formao e no desenvolvimento profissional dos professores.

    Na sociedade contempornea, as rpidas transformaes no mundo do trabalho, o avano tecnolgico configurando a sociedade virtual e os meios de informao e comunicao incidem fortemente na escola, aumentando os desafios para torn-la uma conquista democrtica efetiva. Transformar prticas e culturas tradicionais e burocrticas das escolas que, por meio da reteno e da evaso, acentuam a excluso social no tarefa simples nem para poucos. O desafio educar as crianas e os jovens, propiciando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, cientfico e tecnolgico, de modo que adquiram condies para enfrentar as exigncias do mundo contemporneo. Tal objetivo exige esforo constante de diretores, professores, funcionrios e pais de alunos e de sindicatos, governantes e outros grupos sociais organizados.

    No ignoramos que esse desafio precisa ser prioritariamente enfrentado pelas polticas de governo. Todavia, os professores so profissionais essenciais na construo dessa nova escola. N os anos 1980-90, diferentes pases realizaram grandes investimentos na rea da formao e desenvolvimento profissional de professores para essa finalidade. Os professores contri- buem com seus saberes, seus valores, suas experincias nessa complexa tarefa de melhorar a qualidade social da escolarizao.

    Entendendo que a democratizao do ensino passa pelos professores, por sua formao, por sua valorizao profissional e por suas condies de trabalho, pesquisadores tm defendido a importncia do investimento no seu desenvolvimento profissional. Esse processo de valorizao envolve formao inicial e continuada,

    1 2

    A p r e s e n t a o d a c o l e o

    articulada, identitria e profissional. Essa formao identitria epistemolgica, ou seja, reconhece a docncia como um campo de conhecimentos especficos configurados em quatro grandes conjuntos, a saber: 1) contedos das diversas reas do saber e do ensino, ou seja, das cincias humanas e naturais, da cultura e das artes; 2) contedos didtico-pedaggicos, diretamente relacionados ao campo da prtica profissional; 3) contedos ligados a saberes pedaggicos mais amplos do campo terico da prtica educacional; 4) contedos ligados explicitao do sentido da existncia hum ana individual, com sensibilidade pessoal e social. E essa formao identitria tam bm profissional, ou seja, a docncia constitui um campo especfico de interveno profissional na prtica social.

    O desenvolvimento profissional dos professores objetivo de propostas educacionais que valorizam a sua formao no mais baseada na racionalidade tcnica, que os considera meros executores de decises alheias, m as em uma perspectiva que reconhece sua capacidade de decidir. Ao confrontar suas aes cotidianas com as produes tericas, necessrio rever as prticas e as teorias que as informam, pesquisar a prtica e produzir novos conhecimentos para a teoria e a prtica de ensinar. Assim, as transformaes das prticas docentes s se efetivaro se o professor ampliar sua conscincia sobre a prpria prtica, a de sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupe os conhecimentos tericos e crticos sobre a realidade. Tais propostas enfatizam que os professores colaboram para transformar a gesto, os currculos, a organizao, os projetos educacionais e as formas de trabalho pedaggico das escolas. Assim, reform as produzidas nas instituies sem tom ar os

    A identidade do professor simultaneamente epistemolgica e profissional, realizando-se no campo terico do conhecimento e no mbito da prtica social.

    A transformao da prtica do professor decorre da ampliao de sua conscincia crtica sobre essa mesma prtica.

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  • A p r e s e n t a o d a c o l e o

    Tm-se cobrado dos professores

    responsabilidades que ultrapassam suas

    atribuies no plano individual. Cabe-lhes, sim,

    apontar coletivamente caminhos institucionais

    para enfrentar essas novas demandas.

    Para enfrentar os desafios das situaes de ensino, o

    profissional da educao precisa da competncia do

    conhecimento, de sensibilidade tica e de

    conscincia poltica.

    professores como parceiros/autores no transformam a qualidade social da escola. Em consequncia, valorizar o trabalho docente significa dar aos professores condies para analisar e compreender os contextos histrico, social, cultural e organizacional que fazem parte de sua atividade docente.

    Na sociedade brasileira contempornea novas exi- gncias so acrescentadas ao trabalho dos professores. Com o colapso das velhas certezas morais, cobra-se deles que cumpram funes da famlia e de outras instncias sociais; que respondam necessidade de afeto dos alunos; que resolvam os problemas da violncia, da droga e da indisciplina; que preparem melhor os alunos para as reas de matemtica, de cincias e tecnologia para coloc-los em melhores condies de enfrentar a competitividade; que restaurem a importncia dos conhecimentos e a perda da credibilidade das certezas cientficas; que sejam os regeneradores das cultu- ras/identidades perdidas com as desigualdades/diferenas culturais; que gerenciem as escolas com parcimnia; que trabalhem coletivamente em escolas com horrios cada vez mais reduzidos. Em que pese a importncia dessas demandas, no se pode exigir que os professores individualmente as atendam. Espera-se, pois, que, coletivamente, apontem caminhos para o enfrenta- mento dessas exigncias.

    E nesse contexto complexo que se faz necessrio ressignificar a identidade do professor. O ensino, atividade caracterstica dele, um a prtica social complexa, carregada de conflitos de valor e que exige posturas ticas e polticas. Ser professor requer saberes e conhecimentos cientficos, pedaggicos, educacionais, sensibilidade, indagao terica e criatividade para encarar as

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    A p r e s e n t a o d a c o i t o

    situaes ambguas, incertas, conflituosas e, por vezes, violentas, presentes nos contextos escolares e no escolares. da natureza da atividade docente proceder m ediao reflexiva e crtica entre as transform aes sociais concretas e a form ao hum ana dos alunos, questionando os m odos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecimentos.

    Problematizando e analisando as situaes da prtica social de ensinar, o professor utiliza o conhecim ento elaborado das cincias, das artes, da filosofia, da pedagogia e das cincias da educao com o ferram enta para a compreenso e a proposio do real.

    Esta coleo investe na valorizao da capacidade de deciso dos professores. Assim, discutir os temas que permeiam o cotidiano das atividades escolares como projeto pedaggico, autonomia, identidade e profissionalismo dos professores, violncia, cultura, religiosidade, importncia do conhecimento e da informao na sociedade contempornea, a ao coletiva e interdis- ciplinar, as questes de gnero, o papel do sindicato na form ao, entre outros, articulados aos contextos institucionais, s polticas pblicas e confrontados com experincias de outros contextos escolares e com teorias o caminho que esta coleo prope.

    Os livros que a compem apresentam um tratamento terico-metodolgico relacionado a trs premissas: 1. H estreita vinculao entre os contedos cientficos e pedaggicos. 2. Produz-se conhecimento de forma construtiva. 3. Existe estrita ligao entre teoria e prtica.

    Assim, de um lado, preciso considerar que a atividade profissional de todo professor possui uma natureza pedaggica, isto , vincula-se a objetivos educativos

    Valorizar o trabalho docente implica dar aos professores condies para anlise critica do contexto em que se realiza sua prtica educativa.

    O caminho proposto por esta coleo o da discusso dos temas do cotidiano escolar, ligados aos contextos institucionais e s polticas pblicas e confrontados com as teorias e a experincia.

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  • A p r e s e n t a o d a c o l e o

    de form ao humana e a processos metodolgicos e organizacionais de transm isso e apropriao de saberes e modos de ao. O trabalho docente est impregnado de intencionalidade, pois visa form ao hum ana por meio de contedos e habilidades, de pensam ento e ao, o que implica escolhas, valores, compromissos ticos. Isso significa introduzir objetivos de natureza conceituai, procedimental e.valorati- va, em relao aos contedos da matria que ensina; transformar o saber cientfico ou tecnolgico em contedos form ativos; selecionar e organizar contedos de acordo com critrios lgicos e psicolgicos, em funo das caractersticas dos alunos e das finalidades do ensino; utilizar m todos e procedimentos de ensino especficos, inserindo-os em uma estrutura organizacional em que participe de decises e aes coletivas. Por isso, para ensinar, o professor necessita de conhecimentos e prticas que ultrapassem o cam po de sua especialidade.

    De outro lado, preciso levar em conta que todo contedo de saber resultado de um processo de construo de conhecimento. Por isso, dominar conhecimentos no quer dizer apenas apropriao de dados objetivos pr-ela- borados, produtos prontos do saber acumulado. Mais do que dominar os produtos, interessa aos alunos compreender que estes so resultantes de um processo de investigao humana. Assim trabalhar o conhecimento no processo formativo dos alunos significa proceder mediao entre os significados do saber no mundo atual e aqueles dos contextos nos quais foram produzidos. Significa explicitar os nexos entre a atividade de pesquisa e seus resultados; portanto, instrumentalizar os alunos no prprio processo de pesquisar.

    A p r e s e n t a o d a c o l e o

    N a formao de professores, os currculos devem considerar a pesquisa como princpio cognitivo, ; investigando com os alunos a realidade escolar, desenvolvendo neles essa atitude investigativa em suas atividades profissionais e assim tornando a pesquisa tam bm princpio form ativo na docncia.

    Alm disso, no mbito do processo educativo que mais ntima se afirma a relao entre a teoria e a prtica. Essencialmente, a educao uma prtica, mas uma prtica intencionada pela teoria. Disso decorre atribuirmos importncia ao estgio no processo de formao do professor. Entendendo que ele faz parte de todas as disciplinas, percorrendo o processo formativo desde o incio, os livros desta coleo sugerem vrias modalidades de articulao direta com as escolas e demais instncias, nas quais os professores atuaro, apresentando formas de estudo, anlise e problematizao dos saberes nelas praticados. O estgio tambm pode servir de espao de projetos interdisciplinares, ampliando a compreenso e o conhecimento da realidade profissional de ensinar. As experincias docentes dos alunos que j atuam no magistrio, como tambm daqueles que participam da formao continuada, devem ser valorizadas como referncias importantes para serem discutidas e refletidas nas aulas.

    Considerando que a relao entre as instituies formadoras e as escolas pode representar a continuidade da

    ' formao para os professores das escolas, assim como para os formadores, os livros sugerem a realizao de projetos conjuntos. Essa relao poder propiciar ao aluno em formao oportunidade para rever e aprimorar sua escolha pelo magistrio.

    A construo do conhecimento se d atravs da prtica da pesquisa. Ensinar e apreender s ocorrem significativamente quando decorrem de uma postura investigativa de trabalho.

    No processo educativo, teoria e prtica se associam e a educao sempre prtica intencionalizada pela teoria.

    O estgio e as experincias docentes acumuladas assumem papel relevante na formao do professor.

    Formar o profissional da educao exige um investimento competente e crtico nas esferas do conhecimento, da tica e da poltica.

    17

  • A p r e s e n t a o d a c o l e o

    Para subsidiar a formao inicial e continuada dos professores onde quer que se realize, nas faculdades isoladas, nos centros universitrios e no ensino mdio, esta coleo est assim estruturada:

    Educao Infantilprofissionais de creche e pr-escola

    Ensino Fundamentalprofessores do Is ao 5S ano e do 6S ao 92,ano

    Ensino Mdioprofessores do ensino mdio

    Ensino Superiorprofessores do ensino superior

    Educao Profissionalprofessores do ensino profissional

    Educao de Jovens e Adultosprofessores de jovens e adultos em cursos especiais

    Saberes Pedaggicos e Formao de Professores

    Problemticas Transversais e Formao de Professores

    Em sntese, a elaborao dos livros desta coleo baseia-se nos seguintes pontos:

    Investir no conceito de desenvolvimento profissional, superando a viso dicotmica de formao inicial e de formao continuada.

    18

    A p r e s e n t a o d a c o l e o

    Investir em slida formao terica nos campos que constituem os saberes da docncia.

    Considerar a form ao voltada para o profissio- nalism o docente e para a construo da identidade de professor.

    Tomar a pesquisa como componente essencial da/na formao.

    Considerar a prtica social concreta da educao como objeto de reflexo/form ao ao longo do processo formativo.

    Investir em uma concepo orgnica de formao de professores mediante um tratamento metodolgico que vincula os campos dos saberes da docncia: o propsito dos livros desta coleo.

    Assumir a viso de totalidade do processo escolar/educacional em sua insero no contexto sociocultural.

    Valorizar a docncia como atividade intelectual, crtica e reflexiva.

    Considerar a tica como fundamental formao e atuao docente.

    Antnio Joaquim Severino . Selma Garrido Pimenta

    coordenadores

    19

  • Introduo

    'W

    (

  • Introduo

    A destruio do sujeito pelo pensamento ps-moderno resultou na impossibilidade de pensar uma sada

    poltica para a crise vigente.A reduo dele sua linguagem condicionou-o

    ontologicamente ao significado, comprimindo-o no no sentido.

    Tal movimento no comeou na Filosofia contempornea. Longo processo histrico tem

    reproduzido essa reduo ou tem-na feito migrar ora para a realidade, ora para o sujeito, ora para sua linguagem. O essencialismo platnico predominou at

    o Renascimento, fundando uma leitura metafsica do mundo, rompida com o advento

    do pensamento heideggeriano.

    O reducionismo, acima aludido, subtraiu do sujeito a possibilidade de emancipao pelo conhecimento. Em Plato, Aristteles e Toms de Aquino h a construo de um saber essencialista centrado no objeto, como se cada coisa tivesse uma essncia que deveria ser descoberta . A modernidade desloca esse essencialismo para o sujeito e deixa de buscar a causa primeira das coisas a fim de concentrar o processo do conhecimento naquele que conhece os fatos. A cincia moderna, com uma pretenso exatido, embasa-se numa perspectiva matemtica, muitas vezes submetendo todo o processo ao mtodo.

    O evento da reflexo filosfica centrada na linguagem desloca o processo de conhecimento para seu

  • I n t r o d u o

    resultado, isto , o conceito. A partir da a epistemo- logia, to celebrada na modernidade, perde espao, porque, ao deslocar-se o centro da reflexo do sujeito para o conceito, se retira daquele o primado da verdade. O que importa conhecer j no nem o objeto nem o sujeito como essncia, mas o mtodo que torna possvel o conhecimento pela evidncia da linguagem expressa no conceito.

    Semelhante deslocamento funda o movimento reflexivo que vai ser nomeado de ps-modernidade por romper com a centralidade do conhecimento baseado numa essencialidade. Sobre esse deslocamento convm estar, em linhas gerais, de acordo, ao se conceber o conhecimento como um processo de mltiplas relaes que no se concentra em um de seus elementos.

    O pensamento ps-moderno reduziu a possibilidade do conhecimento a um de seus polos, o conceito. Nesse sentido, apesar de opor-se s leituras metafsicas, gera uma verso sua fundamentada na linguagem. Desloca a essncia do sujeito para o conceito e no muda a interpretao dela, apenas desvia seu fundamento. Ao fixar-se na expresso sob forma de conceito, e no nas relaes em processo, a ps-modernidade reproduz a mesma lgica do pensamento metafsico.

    As filosofias ps-modernas, ao efetuarem o deslocamento do sujeito para sua expresso na linguagem mais do que um deslocamento para o conceito , eliminam a historicidade e nela o papel poltico que o sujeito cumpria como agente portador da emancipao coletiva pretendida pelo Iluminismo. Esse parece ser o grande problema exposto na contemporaneidade que tais filosofias no permitem superar de imediato. A lacuna aberta na filosofia lingustico-pragmtica afastou o humano de sua histria e retirou-lhe o

    24

    cho poltico como espao de emancipao e das lutas coletivas por meio do conhecimento.

    A reduo do sujeito ao conceito desenvolveu-se mediante a desconsiderao das complexas relaes estabelecidas entre os componentes das possibilidades do conhecer. Foi ocasionada pelo esquecimento, na dinmica de construo do saber, de que o conhecimento s possvel quando h permanentes e integradas relaes entre seus elementos: o sujeito, o objeto, o mtodo e o conceito. Neste trabalho de pesquisa e reflexo, as questes de mtodo surgem como condio de retomada dos processos investigativos que tornam possveis e cientificamente vlidos os conhecimentos produzidos na rea educacional. Refletir sobre essas questes significa retomar o pensamento sobre o modo de operar do conhecimento. E importante examin-las medida que o mtodo constitui um pretexto para repensar as teorias educacionais que orientam o processo metodolgico do conhecimento em educao.

    O mtodo aquilo que possibilita a interpretao, mediante algum instrumento, do objeto que possui mais de um significado. Parte-se aqui dessa ideia geral de mtodo por entender que cada objeto investigado est carregado de sentidos, passveis de estruturao e organizao. O pesquisador organiza esses sentidos do objeto por meio do discurso, que o interpreta e expressa o que ele . O discurso que possibilita a constituio da cincia.

    Por um lado, o mtodo tem uma dimenso mais filosfica, de carter epistemolgico (como Filosofia da Cincia e Teoria do Conhecimento), na qual est situada a reflexo sistemtica sobre o conhecimento e tomam corpo as correntes filosficas e cientficas que

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    se debruam sobre o problema metodolgico. Por outro lado, ele conta com uma dimenso operativa, instituda pelas prticas e aes que permitem o acesso da pesquisa e do pesquisador ao objeto de estudo. E justamente nesse contexto que se situam as abordagens de pesquisa. Delas decorre uma parte mais operacional, que consiste no uso de tcnicas que facultam a execuo da atividade de pesquisa. Entre essas tcnicas se incluem, por exemplo, as entrevistas, como forma de abordar o objeto estudado ou de ter-lhe acesso.

    Pode-se dizer que o mtodo, em sua perspectiva filosfico-epistemolgica, prope os fundamentos para o exerccio de uma investigao. Aquilo que se convencionou chamar de correntes de pensamento ou formas de expressar o mtodo ou ainda, aquilo que se chama mais propriamente de mtodo nada menos que a dimenso filosfica do processo de construo do saber. Na maioria das vezes, no h clareza suficiente para distinguir o mtodo das abordagens e estas das tcnicas. E preciso ter clara essa distino para lograr aprofundar o processo investigativo e a compreenso a respeito dele. Antes de mais nada, cabe dizer que a palavra mtodo um conceito de origem grega cujo significado caminho que se faz caminhando enquanto se caminha. Portanto, o mtodo, conforme seu significado original, algo que s pode ser visto plenamente quando se chega ao fim do processo.

    Nesse sentido, quando algum prope um projeto de pesquisa, apenas antecipa a direo do caminho. O caminho percorrido s poder ser descrito ao fim da trajetria. O mtodo, embora seja uma exigncia de antecipao, s pode ser descrito plenamente aps

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    L

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    a realizao da trajetria investigativa. O mtodo de um projeto de pesquisa indica a direo por onde ela caminhar, mas somente depois do trajeto que se pode ter uma descrio mais rica e detalhada do processo de investigao.

    O mtodo sempre uma perspectiva de onde se parte que permite pressentir a chegada a algum lugar. Ele propicia o vislumbre de um percurso antes de chegar aos detalhamentos do caminho. Enseja a caminhada em determinada rota. Portanto, embora no possa ser exclusivamente definido antes do caminho, ele aponta sua direo. E isso que torna a pesquisa e o conhecimento cientfico possveis. Nesse sentido, o mtodo constitui o fundamento de toda e qualquer teoria. Esta resulta de um mtodo que tornou sua elaborao possvel. E certo considerar que a mudana de perspectiva metodolgica interfere no processo e no resultado da investigao.

    Questes de mtodo trabalha em um recorte filosfico e surge como uma reflexo a respeito do conhecimento e de seus modos de produo. A sistemtica da reflexo sobre o'mtodo e sua influncia na investigao dos objetos possibilitaram, ao longo da histria, a construo de vrias perspectivas episte- molgicas, tais como a dialtica, a fenomenologia e o positivismo.

    Essas correntes de pensamento influenciam o modo pelo qual se compreende o conhecimento. Pode-se dizer que elas constituem teorias orientadoras dos procedimentos metodolgicos, medida que se vo disseminando pelas mais diversas cincias, favorecendo a criao de novas teorias interpretativas e possibilitando a inveno de novas abordagens de pesquisa, ao mesmo tempo que permitem ao

    No se vai entrar aqui na discusso dessas correntes filosficas sobre o mtodo. Mais frente, elas sero tratadas brevemente. Para uma anlise mais apurada, interessante a abordagem deTrivinos (1987).

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    conhecimento avanar em cada rea e, com isso, dar origem a novos saberes e novas cincias.

    As correntes epistemolgicas so sempre reflexes sobre o mtodo. Mas qual o sentido do mtodo? E possibilitar um conhecimento verdadeiro, ou seja, em que haja coincidncia com o prprio objeto em suas relaes, proporo que seja possvel afirmar e manter a verdade. No conhecimento cientfico, a verdade no est nem pronta nem acabada, mas consiste sempre num processo de desconstruo, construo e reconstruo porque os problemas, ao passo que so resolvidos, trazem novas problemticas e novas possibilidades de aprofundamento.

    Portanto, uma dimenso do mtodo essa de carter epistemolgico-filosfico. N o prisma da educao, porm, ele no visto simplesmente luz da reflexo filosfica, mas tambm de sua contribuio pesquisa educacional. Os trabalhos desta natureza vo ter sempre um cunho terico-prtico e menos abstrativo que a reflexo filosfica. O mtodo, na qualidade de caminho que possibilita o conhecimento na rea educacional, compreendido como abordagem dos objetos e da realidade. Nesse caso, na educao, essa reflexo terico-metodolgica de orientao filosfica inclui-se mais naquilo que comumente se chama de abordagens de pesquisa.

    Uma abordagem no constitui, de pronto, o mtodo. Com o diz o termo, consiste na ao de atingir a borda, a extremidade, e no propriamente o objeto em si. Abordar um olhar que se detm na borda para, a partir dela, atingir o centro do objeto como um todo. E uma forma de, desde a borda, olhar aquilo que compe o objeto em sua totalidade. Quando se fala em abordagem de pesquisa, est-se fazendo

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    uma reflexo sobre como se deve conduzir o olhar na direo de determinados objetos. As abordagens fundamentalmente duas: quantitativas e qualitativas no so estanques em si mesmas, mas devem ser conjugadas numa abordagem quantiqualitativa para que os objetos de estudo na rea educacional sejam mais bem conhecidos.

    A ttulo de exemplo, pode-se mencionar a etnografia, a pesquisa-ao, a histria de vida e a pesquisa documental como formas de expresso das abordagens qualitativas. Todavia, como se ver ao longo deste trabalho, essas formas conjugam elementos quantitativos e qualitativos. Cada abordagem de pesquisa exige fundam entalm ente determinadas tcnicas (por exemplo, a etnografia implica tcnicas de entrevistas, de observao participante e de estudo de caso forma de apresentao de uma comunicao cientfica de carter etnogrfico). As tcnicas de cada abordagem exigem determinadas estratgias (que se do pelas aes do sujeito/objeto de pesquisa), as quais, em decorrncia, envolvem procedimentos tticos (as aes do pesquisador no processo) como forma de acesso ao objeto de investigao. As tcnicas, as estratgias e os procedimentos constituem a base dos dados essenciais para a anlise do objeto.

    A anlise preferencialmente realizada com base em categorias de anlise, que emergem da teoria que orienta a pesquisa, da opo metodolgica e do prprio campo da investigao. As categorias de anlise ensejam a construo de um esquema de trabalho que possibilitar o registro da pesquisa com base na elaborao conceituai, retornando dimenso filosfica do mtodo. E esse ciclo de produo do conhecimento que permite ao pesquisador avanar na anlise e na

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    compreenso da realidade. Uma pesquisa realmente significativa quando consegue fechar o ciclo do processo investigativo.

    A anlise dos dados ocorre, normalmente, em um momento posterior realizao da coleta de dados da pesquisa, mas pode ocorrer simultaneamente a ela, dependendo da abordagem escolhida. N a pesquisa- -ao, por exemplo, a anlise inicia-se simultaneamente prpria atividade investigativa, havendo, ao final, uma metanlise, ou seja, uma reflexo sobre a reflexo em torno da ao pesquisada.

    O presente livro, parte integrante da Coleo Docncia em Formao, que oferece subsdios para a formao inicial e contnua dos professores desde a educao infantil at o ensino superior, compe a Srie Saberes Pedaggicos e Formao Docente. Ele nasce da necessidade de estabelecer uma reflexo sistemtica acerca das questes de mtodo que envolvem o processo de pesquisa em educao. O que moveu as escolhas das temticas propostas foi justamente a convenincia de repensar epistemologicamente os problemas da investigao nessa rea. Busca-se aqui a reflexo sobre as teorias que embasam e fundamentam os processos educativos e suas perspectivas luz do entendimento de que a epistemologia e a metodologia decorrem de uma ontologia. Assim se justificam as escolhas por determinadas abordagens investigativas por exemplo, pela pesquisa-ao e pela etnografia, considerando que esta tem seu foco na compreenso da cultura do grupo e aquela, nas transformaes da realidade grupai. nesse ponto que se fundem ontologia, epistemologia e metodologia, como a apreenso de um processo totalizante do ser, do fazer e do compreender as

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    dinmicas de elaborao do conhecimento, fundamental para a construo tica do ser humano.

    Com base na noo de que docncia e pesquisa se desenvolvem como processos mutuamente engajados, este livro prope-se redimensionar os pressupostos da pesquisa cientfica luz da especificidade do ato pedaggico. No sua inteno oferecer aos docentes um pacote de informaes sobre mtodos e tcnicas de pesquisa em educao; pretende, ao contrrio, refletir sobre a inerncia e a necessidade dos processos de pesquisa como construtores do conhecimento, de sorte que sejam percebidos e requeridos como condio para o exerccio crtico e reflexivo da profisso.

    A obra est dividida em seis captulos.O primeiro, Novos sentidos para a cincia, pro

    cura desmistificar o sentido de cincia tradicional e, luz dos novos contextos em que a sociedade contempornea est mergulhada, apresentar o ato educativo como uma de suas demandas mais complexas, a qual requer uma concepo ampliada do sentido de cincia. Prope aos docentes e futuros docentes uma reflexo sobre a especificidade do ato educativo, que requer novas condies para a investigao educacional.

    O segundo captulo busca fazer uma anlise sobre a construo do olhar do pesquisador como forma de ler o mundo em suas mltiplas representaes. O leitor convidado a verificar que nenhum olhar neutro; os olhares constroem-se pela significao do mundo. Assim, revela-se necessrio aprender a olhar o mundo como condio para pens-lo num contexto explicativo, compreensivo e interpretative.

    O terceiro captulo considera a reflexo como fun damento do processo investigativo e busca, com foco na

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    metodologia da pesquisa em educao, algumas luzes sobre a questo. Faz uma anlise sobre a objetividade e a subjetividade das pesquisas educacionais, avaliando os modelos objetivista, subjetivista e dialtico, ao mesmo tempo que indica alguns cuidados necessrios ao pesquisador no exerccio de sua atividade. Esse captulo reala a importncia da reflexo como substrato para a ao docente.

    O quarto captulo analisa os pressupostos epistemo- lgicos e metodolgicos da pesquisa em educao numa perspectiva hermenutica. Aborda a qesto da relao entre conhecimento e poltica, procurando compreender em que medida essa relao interfere nas metodologias da pesquisa em educao. Analisa o ato de conhecer e seu sentido pedaggico na construo do conhecimento e do objeto de investigao, ao mesmo tempo que prope a reflexo hermenutica como paradigma epistemolgico de pesquisa.

    O quinto captulo trata da etnografia como p aradigma de construo do processo de conhecimento em educao. Procura compreender a abordagem etnogrfica e seus pressupostos. Analisa e prope o trabalho de campo como especificidade da pesquisa etnogrfica. Apresenta a observao participante como estratgia de apreenso do objeto da pesquisa etnogrfica e estabelece as relaes entre a abordagem etnogrfica e seu uso na pesquisa em educao.

    O sexto captulo discorre sobre a pedagogia da pes- quisa-ao. Busca uma definio de direo da pes- quisa-ao e reflete seriamente sobre os conceitos centrais dessa modalidade de investigao. Reala a importncia de pesquisadores e sujeitos que compem o grupo pesquisado construrem, em colaborao, processos de transformao das condies de suas prticas.

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    Encerra a reflexo com a estruturao de um processo pedaggico para a pesquisa-ao, evidenciando a construo da dinmica coletiva, a ressignificao das espirais cclicas, a produo dos conhecimentos, a socializao dos saberes e a conscientizao sobre as novas dinmicas compreensivas.

    As questes de mtodo trazidas reflexo esto preocupadas com uma epistemologia que conjuga elementos da dialtica, da fenomenologia e da hermenutica. Tal movimento reflexivo tem sua razo de ser na convico de que essas perspectivas complementam um modo especial de compreenso e permitem o avano no conhecimento em educao.

    O livro propugna por uma mudana de atitude com relao a esse conhecimento e exige novas formas de interpretao dos objetos de pesquisa em educao. Destina-se formao docente nos cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas, aos cursos de formao vinculados aos programas de ps-graduao lato e stricto sensu e preparao pedaggica de professores em exerccio nas universidades, centros universitrios e faculdades isoladas.

    Desejamos uma boa leitura e um mergulho nas Questes de mtodo na construo da pesquisa em educao como possibilidade de refletir juntos sobre o sentido da produo do conhecimento na esfera educativa.

    Os autores

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  • Captulo

    N O V O S SENTIDOS PARA A CINCIA

    /

  • Novos sentidos para a cincia

    A construo da cincia talvez tenha sido a maior aventura do homem no que diz respeito sua

    realidade existencial. O conhecimento cientfico foi, aos poucos, permitindo-lhe descobrir as estruturas e o

    funcionamento do universo em suas diferentes manifestaes de vida, propiciando enormes progressos nas formas de medir, avaliar e controlar a existncia humana. E sabido que a cincia, ao mesmo tempo

    que proporcionou ao homem esclarecimento, libertao de antigos mitos, alargamento dos saberes e

    domnio sobre o ambiente, produziu condies de aniquilamento e de opresso da humanidade.

    A aventura cientfica esteve sempre permeada de contradies e de ambiguidades. Se, de um lado, caminhou muito na quantificao do mundo, originando verdades com auras de infalibilidade, de outro, caminhou pouco na dimenso reflexiva de seu saber; se, de um lado, muito caminhou nas cincias denominadas duras, de outro, caminhou bem menos nas cincias humanas.

    Quando este livro pe em questo a cientificidade da pesquisa em educao, pretende adentrar nos sentidos da prtica cientfica construdos historicamente, que no consideraram as especificidades das prticas sociais de educao. Dessa forma, estas foram tratadas e

  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    analisadas segundo os aportes da cincia clssica, os quais nem sempre deram conta de produzir saberes atinentes ao objeto de estudo dela.

    A cincia moderna sempre pretendeu arvorar-se em portadora da verdade, aspirando a ser a guardi do caminho da salvao humana, a redentora do homem como senhor do universo. As cincias humanas, por sua vez, estiveram sempre impregnadas da racionalidade que serviu de base aos fundadores da cincia moderna, os quais, apoiados em mtodos e lgicas decorrentes das cincias da natureza, avalizaram epistemologias que pressupem a crena na realidade exterior, separada do olhar e sentir humanos, acessvel pelo bom uso da razo, pela neutralidade cientfica, pela objetividade, pelos clculos e anlises quantitativos, na busca de postulados verificveis, de relaes causais previsveis. Assim, a cincia teria o poder de, com maior ou menor rigor, dotar o homem da possibilidade de descobrir a verdade do mundo.

    Por conseguinte, foi-se estabelecendo a noo de que apenas aquilo comprovado cientificamente, testado empiricamente, verdadeiro, atitude epistemolgica

    _^________decorrente da herana histrica da tradio positivista.

    A iraili.ui povilivi.sia v aqui vista, umlormc Scverim ( l l>lWj, anno unia doutrina .iiitivalvnic: s formulaes de (,'oinre. Neverino earaeteriza-.i eomo postura bsica de s admitir rumo ntido o roubei iwrnlo do< fenmenos obtido a trai'tf do mtodo experimenta! matemtico - - da acuda. b.ssa postura tmplha a rejct.io radicai dc todo conhecimento de nature*! metafisica e a afirmaro de um sujeito raciona! capar apenas dc configurar a fenomcnaUdade do objeto. sendo-lhe vedada qualquer pretenso de chegar a um eventual ncleo

    F.ss.1 tradio ex press,i-se soh dileienies per.speclisa.x epislemoleieas. dependendo do "diferentes modos de interveno da nuo na construo tio tdqcro" i, l l>9). p. S-tj. Kl a vai as.sumindo dierenres feies, denominada pelo autor de neopositivismo, positivismo lgico ou empirismo lgiVo. euj.i estruturao se d.t a partir elos trabalhos desenvolvido pelo Crculo de Viena, desde l >22. e iem por objeto ltimo "dar um golpe final na |

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C IN CIA

    IU Jvdid : dando contitiutdade aos empreendimentos eptstemolgteoi de Hume e Kant

    O uua' direo, mais eontemporanca deeorrenie das transformaes t o positivismo bdoxo:, eonstituindo, alis, quase que um movimento antipositivista, ? denominada pelo ror "di irnsposirivisino. t que earaereri/.a essa rendeneia r o fato de nao caiu a r a nblemtiea da detida apenas s questes lgico-episiemolgicas. julgando ncce.mirio mimai mbm questes de ordem hhtnnca e de ordem tica e polttica. A eieiieta nao e vnta so sob a rspectiva do logos, mas tambm sob aqucL, dt praxis" P. Hl. Lsxa sorreme enaltece

    a ariva partiJpaso do sujeito na construo do objeto invesiigadtc

    O interesse fundamental desta obra na discusso das possibilidades cientficas de investigao educacional pressupe interrogar-se sobre as aptides de seu discurso para dar conta de seu objeto (Japiassu, 1997, p. 40). Este autor argumenta que, mais do que a questo da cientificidade, a preocupao da cincia que investiga a educao dever ser o seguinte problema: em que condies as produes de seus pesquisadores so capazes de inventar um mundo, de tornar-se parceiras da humanidade e de pensar no somente o que verdadeiro, mas o que justo e desejvel?

    As afirmaes do autor ressaltam a questo da am biguidade cienjfica, em que os critrios de verdade, historicamente construdos, nem sempre se fizeram acompanhar dos sentidos de construo de justia, de solidariedade e de transformao da sociedade na direo de mais humanidade entre os seres humanos.

    No se pode, pois, deixar de concordar com Morin (1982, p. 13), ao dizer que, apesar de todo o avano tecnolgico obtido pela revoluo cientfica, esta no produziu avanos no progresso humano e pode mais consolidar os poderes do que favorecer as emancipaes. Semelhante direo da cincia incompatvel com os princpios fundadores da cincia da educao.

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    Percebe-se, portanto, que o paradigma tradicional positivista no oferece suporte para a absoro das especificidades deste complexo objeto de estudo, a saber, a educao e, especialmente, as prticas educativas.

    1. A especificidade da educao

    Mialaret (1998), Chariot (1995), Pimenta (1996,

    1997, 1999), Hess (1997), Prez-Gmez (1998),

    Libneo (1996, 1998), Estrela (1980), Estrela e

    Falco (1990), Schimied-Kowarzik

    (1983), entre outros.

    C onforme Franco (2001b).

    A educao, segundo muitos autores, possui certa especificidade que lhe outorga o carter de atividade complexa, carter esse que precisa ser contemplado nas investigaes cientficas sobre o objeto em questo.

    Assim, numa viso ampliada, possvel tentar organizar uma srie de constataes, quase consen * suais, a respeito do fenmeno educativo, a saber:

    A educao uma prtica social humana; um processo histrico, inconcluso, que emerge da dialtica entre homem, mundo, histria e circunstncias. Sendo um processo histrico, no poder ser apreendida por meio de estudos metodolgicos que congelam alguns momentos dessa prtica. Dever o mtodo dar conta de apreend-la em sua natureza dialtica, captando no apenas as objetivaes de uma prtica real concreta, mas tambm a potencialidade latente de seu processo de transformao.

    A educao, como prtica social histrica, transfor- ma-se pela ao humana e produz transformaes nos que dela participa. Dessa forma, cabe cincia da educao reconhecer que, ao lado das caractersticas observveis do fenmeno, existe um processo de transformao subjetivo, que no apenas modifica as representaes dos envolvidos, mas tambm engendra uma ressignificao na interpretao do fenmeno

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    vivido, o que ocasionar uma reorientaao nas aes futuras. Ser fundamental que o mtodo abra espao para que os sujeitos envolvidos tomem conscincia do significado das transformaes.

    A educao um objeto de estudo que se modifica parcialmente quando se tenta conhec-la, assim como, medida que apreendida, provoca alteraes naquele que dela se apropriou. Aqui se reala a necessidade do carter dialtico dessa cincia, no sentido de considerar como prioritria a incorporao da subjetividade na construo da realidade da educao na perspectiva da interpretao coletiva. Ser fundamental que o mtodo dessa cincia permita a captao dos significados que os sujeitos vo construindo em processo.

    A educao permite sempre uma polissemia em sua funo semitica, ou seja, nunca existe uma relao direta entre o significante observvel e o significado. Assim, a cincia da educao deve considerar necessrio adentrar o suposto concreto, caminhar na explorao de sua representao abstrata e buscar o novo concreto, expresso mais fiel da sntese de mltiplas determinaes .

    A educao carrega sempre a esfera da intencionalidade, o que ressalta sua complexidade axiolgica. Esta requer uma atitude de multirreferencialidade (Ardoino) e exige que o mtodo dessa cincia tenha a possibilidade de adentrar na esfera de valores e que seus dados, quer quantitativos, quer qualitativos, sejam analisados luz dos valores implcitos, dos valores declarados e dos valores no explcitos, mas presentes nas concepes sociais, ideolgicas e culturais.

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    As situaes educativas esto sempre sujeitas a circunstncias imprevistas, no planejadas, e dessa forma os imprevistos acabam redirecionando o processo e muitas vezes provocam uma reconfigurao da situao. Portanto, um mtodo cientfico, ao estudar a educao, precisa reservar espao de ao e de anlise ao no planejado, ao imprevisto, desordem aparente, e isso deve pressupor a ao coletiva, dialgica e comprometida com a emancipao empreendida pelos sujeitos da prtica, entre os quais se inclui tambm o pesquisador.

    A educao, tendo por finalidade a humanizao do homem, integra sempre um sentido de emancipao s suas aes. Por conseguinte, o mtodo cientfico que a estudar dever ter como pressuposto a possibilidade de oferecer aos sujeitos do grupo pesquisado condies formadoras e incentivadoras dessa emancipao, o que poder facilitar a transformao democrtica das condies de vida e existncia dos sujeitos.

    Toda ao educativa carrega uma carga de intencionalidade que integra e organiza sua prxis, fazendo confluir para a esfera do fazer as caractersticas do contexto sociocultural, as necessidades e possibilidades do momento, as concepes tericas e a conscincia das aes cotidianas, num amlgama provisrio que no permite uma parte ser analisada sem referncia ao todo nem este ser analisado sem ser visto como sntese transitria das circunstncias parciais do momento. Assim, para ser estudada cientificamente, a educao requer procedimentos que facultem ao pesquisador adentrar na dinmica e no significado da prxis, de sorte que possa compreender as teorias implcitas que permeiam as aes do coletivo.

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C IN C IA

    Percebe-se na educao um objeto complexo que, ao ser apreendido cientificamente, no pode sofrer redues nem fragmentaes, que produziram sua descaracterizao. Percebe-se tambm que os critrios de cientificidade da cincia tradicional no podem dar conta como no deram de estudar a educao. Esta, como objeto de estudo, sofreu prejuzos em sua interpretao no decurso da histria e hoje requer procedimentos e aes conformes a uma racionalidade que lhe sirva de pressuposto.

    Essa nova racionalidade dever dar conta de absorver toda a especificidade do fenmeno educativo, delineando os aspectos atribuidores de novo significado noo de cincia. Para tanto, ser necessrio empenhar-se na reconstruo e ressignificao dos pressupostos que fundamentam a cincia clssica, especialmente:

    na superao do princpio da exterioridade da realidade, incorporando a subjetividade construtora do real;

    na transformao da viso de uma realidade composta de fatos ilhados, atmicos, caminhando para uma concepo que incorpore a complexidade e a dialtica da realidade social;

    na recomposio do pressuposto de que a razo cientfica deve pautar-se pela busca de relaes causais entre os fatos e na assuno da necessria considerao da multirreferendalidade das configuraes que organizam o fenmeno humano;

    na superao da busca da neutralidade cientfica que, alm de isolar o sujeito do objeto, se abstm de envolvimentos e compromissos com o social e o coletivo , tendo em vista a assuno da subjetividade como fato inerente composio da realidade social;

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    na incorporao do no quantificvel incluindo aspectos qualitativos e variveis no observveis, mas presentes em todo ser humano, tais como vontade, desejo, impulsos, emoes, valores , de sorte que seja suplantada a desnecessria associao entre verdade e comprovao emprica;

    no abandono da noo de que tanto os fenmenos da natureza quanto os sociais so regidos por leis invariveis, a fim de assumir como componente da realidade social o aleatrio, o imprevisvel, o desconhecido;

    na superao da crena de que os fatos sociais s podero ser conhecidos se forem diludos em variveis, as quais podero ser observadas, classificadas e medidas depois de operacionalizadas, assim como na adequao de pressupostos que consideram a realidade social luz da totalidade e da contradio;

    na reviso da alegao de que h apenas duas formas de conhecimento consideradas vlidas: o conhecimento emprico e o lgico;

    na reviso do conceito de rigor cientfico e da compreenso de que o rigor se d somente pelo controle das medies e que conhecer significa apenas quantificar, assim como em reflexes sobre novas formas de conceber a prtica como critrio de cientificidade;

    na reviso da concepo de que o todo se compe da somatria de partes e que basta dividi-lo para entender a totalidade, a fim de abrir-se relao dialtica e complexa entre totalidade e partes;

    na reconsiderao do privilgio dedicado ao funcionamento das coisas em detrimento de sua finalidade, com base no juzo de que a determinao da causa

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    form al obtm-se com a expulso da inteno (Santos, 1996, p. 16), incorporando, ao contrrio, a intencionalidade como fator fundamental para a compreenso do fenmeno educativo;

    no reconhecimento e esclarecimento da dimenso tica da cincia;

    na compreenso de que a cincia pode assumir um domnio ideolgico da sociedade por meio de sua transformao em tcnica. medida que os conhecimentos das diversas reas

    do saber se foram desenvolvendo de acordo com o rigor cientfico peculiar aos pressupostos da cincia clssica, foram surgindo verdades at ento insuspeitas, que vieram a demonstrar a fragilidade dos fundamentos iniciais.

    Parece ser grande paradoxo o fato de que o exerccio cientfico, com base em uma racionalidade de cunho positivista, coopere para o surgimento de produes que sero as razes da destruio dos pressupostos que a geraram. No entanto, um paradoxo que se encontra frequentemente , presente na histria das ideias; conforme Morin (1982, p. 96): no momento que uma tese atinge a provncia mais afastada do ponto de partida, neste momento que se opera uma revoluo, precisamente no ponto de partida, que invalida a tese Ou, ainda, como afirma o autor mais adiante: no momento em que as cincias humanas se moldam segundo um esquema mecanicista, estatstico e causalista, proveniente da fsica, neste momento que a prpria fisica se transforma radicalmente e pe o problema da histriae do acontecimento. _____________________________

    E certo que, para funcionarem os pressupostos da cincia clssica, era necessria a ideia da imutabilidade

    Na realidade, trata-se de um suposto paradoxo, pois o espanto s surge quando se assume um raciocnio

    positivista. A lei da dinmica da vida e do

    mundo, a dialtica dos processos sociais

    demonstram que o exerccio racionai facilita o aparecimento de uma

    razo que, a princpio vista como discrepante, funciona

    como complementar na configurao de

    novas totalidades.

    ________________O sentido deacontecimento, para Morin,

    relaciona-se a um dos pressupostos de sua teoria da

    complexidade, a saber, o carter singular e fenomenal da

    realidade o qual no pode ser visto isoladamente, mas

    convive em constante dilogo com o carter singular e

    repetitivo da realidade. A natureza singular e evolutiva do

    mundo inseparvel de sua natureza acidental

    e acontecimental. Acontecimento significa,

    enfim, o que improvvel, o aleatrio, o singular,

    o histrico...

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C IN C IA

    do mundo, da rejeio do imprevisto, do aleatrio, reduzindo o real esfera do aparente, do superficial, do previsvel. Mas o acaso, a necessidade, a relatividade vo-se impondo estatstica, microfsica, biologia e passam a ser reconhecidos como uma possibilidade na constituio da realidade, gerando novas formas de conhecimento e permitindo um salto qualitativo na compreenso do mundo. Assim, gradativamente, os princpios de imponderabilidade, singularidade, improbabilidade e desordem vo sendo incorporados na prtica das pesquisas cientficas. Primeiro nas cincias biofsico-matemticas e s tardiamente nas cincias sociais e humanas. Outro paradoxo!

    2. Elementos para uma epistemologia da cincia contempornea

    Cf. Franco (2001b).

    Importa por certo que a cincia hoje incorpore em seu fazer, que valide em seu exerccio poltico, os princpios da teoria da complexidade proposta por Morin (1982, 1999); a existencialidade do conhecimento propugnada por Vieira Pinto (1985) e Morin (1999); os estudos de Habermas (1988, 1990) sobre a autorreflexividade da cincia; a questo do paradigma emergente estudada por Santos (1989); a validade da cincia proposta por Mialaret (1998), entre outros, sem desconhecer que o conhecimento cientfico, metdico, ser sempre o nico caminho na busca da validade do saber: No eliminando o pressuposto fundam ental de que a cincia mantm sua hegemonia epistmica, nica detentora do saber realmente vlido (Severino, 1999, p. 54).

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    luz dos princpios decorrentes das teorias supracitadas, podem-se fazer algumas observaes sobre a epistemologia da cincia contempornea.

    a) Ela dever levar em conta a relao dialtica entre sujeito e objeto, que faz o homem ser, de forma cada vez mais ampla, o criador das condies que o criam, indicando a necessidade de considerar sempre o objeto associado a seu ambiente, num processo contnuo de autoeco-organizao .

    Tanto Mialaret (1996a) quanto Santos (1996) e Morin (1982) afirmam que o abandono da fsica clssica, da mecnica newtoniana, e a incorporao dos conhecimentos decorrentes da mecnica quntica, da biologia molecular, da astrofsica, entre outros, impem novo ponto de vista sobre a realidade: esta, como hoje se sabe, sofre interferncias estruturais do sujeito, em sua relao com o objeto observado; comprova-se que a totalidade do real no se compe da soma das partes, e, sendo assim, a relao sujeito-objeto considerada complexa, integrativa, holstica, j no comportando a fragilidade da dicotomia que separa, para medir, sujeito de objeto, pensamento de ao, teoria de prtica procedimento, alis, to essencial cincia moderna.

    As palavras de Santos (1996, p. 28) sobre essa incompatibilidade entre os pressupostos da cincia clssica e as novas descobertas e compreenses do mundo contemporneo so contundentes: Em vez da eternidade, a histria; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetrao, a espontaneidade, a auto-organizao; em vez da reversibilidade, a irre- versibilidade e a evoluo; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    b) Decorre do exposto que o todo sempre mais e menos que a soma de suas partes, que a dinmica da integrao parte-todo sempre emergencial, circunstancial, e que agir pela complexidade significa enfrentar as contradies, as incertezas, superar o conhecimento simplificador e encontrar caminhos para compreender as relaes entre contnuo e descontnuo, entre ordem-desordem e organizao.

    Ser preciso que a cincia mantend, como diz Morin, a coerncia estabelea npvas formas de convvio com a contradio, sem deixar de enfrent- -la, uma vez que o real enorme, fora das normas... E no dilogo com o inconcebvel e o indizvel, no jogo entre claro e escuro que h pensamento: o pensamento, como a vida, s pode viver temperatura da prpria destruio (Morin, 1982, p. 239).

    c) Para absorver a contradio, inerente ao processo de conhecimento, ser necessrio admitir a lgica dialtica como elemento constitutivo do mtodo cientfico, de sorte que se permita a apreenso de toda manifestao da realidade, e ento no apenas acolher a contradio, mas criar meios de dialogar com ela, utilizando-a, compreendendo-a e aplicando-a.

    Vieira Pinto (1985, p. 45) afirma que a lgica dialtica o sistema de pensamento racional que reflete fidedignamente o movimento real das transformaes que se passam no mundo exterior, fsico e sociaT. Ademais, apenas mediante a dialtica ser possvel superar o histrico fosso que se foi constituindo entre teoria e prtica, uma vez que ela parte do pressuposto de que o pensamento terico no existe desligado do plano objetivo, da prtica, ou sem ter uma

    . n_

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    utilidade para esta, assim como no h trabalho nem ao prtica sobre o mundo que no d em resultado uma representao terica e no determine o aparecimento de novas ideias ou a descoberta de relaes inditas entre estas.

    d) Essa cincia precisa assumir a incumbncia de integrao e disponibilizao dos saberes produzidos, promovendo a situao comunicativa proposta por Habermas, de sorte que seu papel social englobe um carter de emancipao.

    Habermas (1988), sempre interessado nos processos de emancipao, pretende conferir cincia um carter de autorreflexo, que inclui a crtica por princpio e a intersubjetividade como pontos de partida na compreenso da subjetividade, com a finalidade de emancipar o sujeito da opresso da racionalidade.

    Santos (1989), ao comentar a configurao de um novo paradigma para as cincias, denominado por ele de paradigma emergente, reala seu carter social, construindo um conhecimento prudente para uma vida decente. Prudente ser, para o autor, o conhecimento que emerge da precariedade de sentido da existncia humana e busca novos significados para ela. Uma vida decente dever ser buscada em nova compreenso de mundo, que parte do valor do humano e incorpora os conceitos de historicidade, processo, liberdade e conscincia, de acordo com nova lgica existencial que promova a situao comunicativa proposta por Habermas.

    O sentido social e reflexivo dever ser assumido pela cincia, e com essa compreenso Mialaret (1996b) sustenta que a pesquisa cientfica dever examinar o saber e produzir conhecimentos novos que

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    fomentem melhores condies de vida, mas sejam suscetveis de discusso, crtica e aceitao, ao menos provisoriamente, por parte do conjunto da comunidade cientfica de uma poca.

    Diante desses posicionamentos, h que pensar em outras formas de estabelecimento de critrios de validade da cincia: no mais a experimentao emprica nem apenas o raciocnio lgico; preciso caminhar para formas mais coerentes, ampliadas, adequadas epistemologia da cincia contempornea.

    Como se sabe, o sentido de validade epistemolo- gicamente inerente ao sentido de cincia. Tanto que, em uma clssica definio de dicionrio, um termo definido pelo outro: Abbagnano (1998) conceitualiza cincia como o conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma garantia da prpria validade .

    A noo de qualquer forma ou medida vem, no entanto, relativizar e recompor a de verdade absoluta que por muitos sculos esteve associada ideia de cincia. Incorpora, por certo, as conquistas epistemolgicas da cincia moderna e as perspectivas j aludidas nos pressupostos da cincia ps-moderna.

    Apesar de toda a evoluo, o carter de validade precisa estar presente, oferecendo suporte de certeza mxima do conhecimento, de acordo com as condies dadas, e garantindo sua universalidade subjetiva. Nesse sentido, ainda conforme Abbagnano, vlido o conhecimento reconhecido por todos como verdadeiro, bom, belo, justo... Parece uma afirmao bvia, simples, clara. No entanto, surgem imediatamente dificuldades:

    Quem so todos?

    Em tempo de tamanha diversidade cultural, em um mundo de amplas divergncias de valores, de

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C IN CIA

    interesses conflitantes, como reconhecer o verdadeiro, o justo?

    Analisar essas e outras questes revela-se uma tarefa importante para a pesquisa em educao. A ela caber constituir um estatuto cientfico pautado em pressupostos ticos, que devero impregnar toda e qualquer atividade cientfica: no apenas as atinentes esfera da educao, mas tambm as relacionadas a

    todas as reas do saber.

    3. Da necessidade de ressignificao do sentido de validade cientfica

    Discutir a cientificidade de um objeto de estudo significa buscar um modo especial de legitimar o conhecimento. Gellner (1974) afirma que todo conhecimento uma crena apoiada em alguma forma de legitimao e considera duas atitudes intelectuais na busca da justificao de um sistema de crena: a primeira, ^ denomina-a de teorias de endosso, que visam legitimao apoiada no sistema de crenas existentes no sistema estabelecido; a segunda, denomina-a de teorias de seleo, em que a legitimao se d com base em critrios de validade independentes do conjunto de crenas locais, dotados deautoridade exterior a esse conjunto.

    Dessa forma, a discusso da cientificidade remete-se discusso da racionalidade que preside o conheci

    mento cientfico.Para especificar o sentido de cincia com base

    em critrios de validade do conhecimento, pode-se acompanhar o enriquecedor estudo de um professor

    Apud Rocha (1990)-

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    da Universidade de Lyon, Develay (1998), que enfatiza que todo conhecimento cientfico, para ser considerado vlido, deve carregar forte interesse social. N o entanto, que interesse social esse? Para o autor, apenas a reflexo coletiva pode dar conta de determinar essa questo. Assim, sugere a criao de um Parlamento de Educao, uma espcie de conselho de atores sociais envolvidos na situao em estudo, que seria responsvel pela produo coletiva da subjetividade, chamada por alguns de conhecimento (1998, p. 78). Develay explica que essa ideia foi originalmente criada por Bruno Latour como Parlement de chose, ao pensar em constituir um lugar capaz de reconciliar a poltica, a cincia, o bem e a verdade. Sua finalidade seria propiciar que o logos (razo, verdade) no seja subordinado ao thos (o bem), nem que o bem seja subordinado verdade (Develay, 1998, p. 76).

    Tal parlamento agregaria os responsveis cientficos (pesquisadores), os representantes da sociedade poltica, representantes das famlias, professores, talvez alunos, e poderia compor, no a utopia da intersubjetividade, mas aquilo que Flix Guattari denominou de produo coletiva da subjetividade.

    Por certo, a ideia desse conselho, desse parlamento, precisa ser aprofundada, no entanto deve-se realar essa importante atitude epistemolgica, que agrega ao ato de pesquisar os direta e indiretamente envolvidos, resgatando o carter eminentemente poltico e emancipa- trio da pesquisa.

    O autor considera ainda que os novos paradigmas de pesquisa que incorporam em seu fazer a inevitabilidade da subjetividade acabam devendo aos epistemlogos

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C IN C IA

    positivistas respostas sobre a questo da prova, da certificao de que aquilo que se produziu realmente ofereceu resultados relevantes.

    Dessa forma, com o parlamento pode-se conferir de modo mais palpvel a extenso dos resultados da pesquisa, mediante a anlise da subjetividade coletiva, o que facilitaria a construo do estatuto cientfico da educao, alm de propiciar o certificado social de sua validade. Tal situao confere pesquisa o fundamento cientfico de emancipao ou, como diz Develay, favorece que a verdade seja emancipatria.

    Essa posio aproxima-se muito dos estudos de Habermas, que prope uma teoria consensual da verdade, segundo a qual uma comunidade examina, em uma discusso racional, as pretenses de validade de um conhecimento, na busca de um consenso verdadeiro mediante a comunicao intersubjetiva, em que os argumentos sejam racionalmente imperativos. A legitimidade tem seu sentido relacionado ao comportamento coletivo.

    Rocha (1990) afirma que a questo da cientificidade, de acordo com uma epistemologia consensualista, requer a discusso acerca dos critrios efetivamente utilizados na prtica cotidiana da pesquisa para aceitar os argumentos cogentes, de modo que o consenso formado em consequncia dessa argumentao se aproxime do consenso verdadeiro.

    Revela-se pertinente a assero de Vieira Pinto (1985) de que o critrio de validade da cincia ser expresso pela prtica social intencionada, fruto do engajamento do homem em seu processo produtivo, como ao coletiva para a coletividade. Assim, a pesquisa cientfica s se faz vlida medida que se realiza

    Para o autor, cogentes so argumentos substanciais

    que se revelem eficazes (Rocha, 1990).

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    para produzir bens indispensveis existncia e adquirir instrumentos de transformao do mundo em proveito humano.

    Nesse sentido, fica realado o carter essencialmente ideolgico de toda produo cientfica e o fundamento social que deve prefigur-la. Com base nessa reflexo, considera-se que, se o produto da cincia no puder ser apropriado pelo homem, a tarefa cientifica passa a ser alienada e alienante e com isso perde as condies de sua validade.

    Enfim, uma cincia que passa a Incorporar, em sua epistemologia, a complexidade, a reflexividade, a intercomunicao de significados, a humanidade, h de necessitar de uma maneira complexa, interativa, etica, humana e comunicativa de agir. E, como a cincia s pode ser vista num processo histrico, evolutivo, coletivo e consciente, deve buscar alternativas que respeitem as novas conquistas cientficas e a necessidade de emancipao do homem por meio da obteno de condies mais dignas de sobrevivncia, realizando a articulao crtica entre tica, poltica e cincia e ressignificando os sentidos de progresso e desenvolvimento cientfico.

    A cincia no mundo outra, e, como afirma Mialaret (1996b), a pesquisa cientfica em educao ja no pode contentar-se em estudar a dupla profes- sor/aluno nem os grupos apenas, muito menos separar teoria e pratica. Sera preciso que a metodologia em educao incorpore as condies de vida, a complexidade das variaveis que compem um meio ambiente, sempre em constante evoluo e em interdependncia com os sujeitos.

    Para a discusso dos procedimentos cientficos que deem conta do novo universo epistemolgico, criando

    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    alternativas de novas e significativas compreenses do real que organiza o fnomeno educativo, revela-se fundamental a considerao da cincia como um instrumento poltico, como uma ao intencionada, no sentido da construo de mais humanidade entre os seres humanos, e exercida na perspectiva de organizar instrumentos e construir conhecimentos que sejam elementos de transformao do mundo e das pessoas, na direo do bem coletivo e da justia entre os povos.

    4. Novos sentidos para acompreenso do fenmeno educativo: caminhos de transio

    A cincia, como fenmeno social e poltico, carrega em seu bojo as marcas de um tempo histrico, reflete os valores sociais de uma poca e incorpora em seu fazer as representaes e concepes da cultura coletiva do momento.

    A evoluo da compreenso dos fenmenos educacionais bem coipo as configuraes complexas e variadas que o prprio processo educativo vai assumindo para atender s novas demandas socioculturais vo exigindo que novas formas de pesquisa sejam incorporadas ao fazer cientifico.

    Assim a prtica educativa, vista como uma sntese provisria da intencionalidade educacional de uma poca, num contexto especfico, vai tomando sucessivamente diferentes contornos.

    Foi grande o impacto das metodologias qualitativas sobre a compreenso do fenmeno educacional. Elas permitiram vislumbrar novas perspectivas, recompondo o corpo de conhecimentos em educaao

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  • Novos SENTIDOS PARA A C INCIA

    Martins (1984 e 1989), Ldke (1984), Ldke e

    Andr (1986), Andr (1978) , Snchez

    Gamboa (1989), Fazenda (1989), Demo (1984),

    Cunha (1989) e Espsito (1996), entre outros.

    e organizando nova textura, que acabou favorecendo novas compreenses do fenmeno e exigindo novas atitudes metodolgicas que decerto ampliaro uma vez mais as dimenses do objeto de estudo em questo.

    A seguir, ser apresentada breve anlise dessa trajetria da pesquisa educacional, que, passando a incorporar os procedimentos qualitativos, configurou uma mudana no s na concepo epistemolgica da educao, como tambm no potencial transformador do mtodo na considerao da realidade investigada. Longe de aprofundar todas as nuanas desse processo histrico, o objetivo apenas especificar uma proposta metodolgica para a cincia da educao, na pressuposio de que o mtodo indicado a essa cincia dever ser integrador de diversas abordagens qualitativas, o que lhe conferir um carter formativo-emancipatrio.

    Em relao pesquisa educacional no Brasil, as duas ltimas dcadas viram a preocupao com as abordagens qualitativas, compreensivas, dialticas, emergir e caminhar paralelamente s abordagens de cunho positivista, quantitativo, analtico. Snchez Gamboa (1989) constata que 66% das pesquisas em educao realizadas nos cursos de ps-graduao do Estado de So Paulo, no perodo de 1971 a 1984, foram emprico-analticas e as pesquisas qualitativas (fenomenolgico-hermenuticas e crtico-dialticas) passaram de 28%, entre 1971 e 1976, para 32% na dcada seguinte. Estrela (1999, p. 220) demonstra que, numa consulta s edies do Handbook o f research on teaching publicadas em 1973 e 1986, se pode notar ntida diferena entre os enfoques metodolgicos: a primeira reflete uma investigao feita sob o signo da objetividade e da medida quantitativa; j a segunda traz diversas contribuies, realizadas

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    Novos SENTIDOS PARA A C INCIA

    sob diversas inspiraes e diferentes metodologias, de acordo com a abordagem qualitativa.

    Certamente a porcentagem de pesquisas qualitativas em educao, na ltima dcada, deve j ser bem superior constatada nas pocas aqui referidas. Em um estudo ainda preliminar com base nas dissertaes de mestrado e teses de doutoramento produzidas nos ltimos cinco anos cujo tema central seja a prtica docente, observa-se que a quase totalidade delas j emprega pesquisas de abordagem qualitativa, fazendo uso de uma diversidade de tcnicas pouco ortodoxas, mltiplas, de acordo com uma mesma intencionalidade metodolgica. Acima de tudo, demonstram forte preocupao em procurar a participao dos sujeitos pesquisados na anlise dos processos e dos resultados da pesquisa.

    A emergncia da abordagem qualitativa em educao indica que novas necessidades e outras percepes se impuseram aos pesquisadores.

    Ldke e Andr (1986), bem como Fazenda (1989 e 1991), claramente ressaltam que, medida que se compreendeu a educao como fenmeno integral e complexo, ela foi requisitando nova forma de pesquisa que j no pretendesse estudar o fenmeno educativo de maneira descontextualizada, decompondo seu todo em variveis observveis e descaracterizando a prpria essncia do processo. Sustentam as autoras que, aos poucos, se percebeu que a to requerida neutralidade do pesquisador, exigncia do paradigma positivista, consistia em uma exigncia no s impossvel, como tambm deturpadora da essncia do objeto educativo. Conforme Ldke e Andr (1986, p. 4), 'os fatos, os dados, no se revelam deforma gratuita aos olhos do pesquisador'. E preciso lembrar, com Santos

    Franco (2003).

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  • Novos SENTIDOS PARA A C INCIA

    (1996, p. 26), a ideia de que no conhecemos do real seno o que nele introduzimos, reafirmando que a subjetividade fator inerente pesquisa em educao.

    Os novos entendimentos sobre a realidade social, que deixa de ser vista como mecnica, linear, previsvel para ser considerada dinmica, histrica e complexa, fazem que se supere a concepo de causalidade, de previsibilidade, em direo a uma atitude que percebe a realidade como um todo dinmico, com. mltiplas e variadas configuraes.

    Neste ponto, ser importante realar a interdependncia entre a mudana de percepo da realidade e a prpria, que, percebida de modo diferente, muda a percepo dos sujeitos, num jogo contnuo da realidade existencial. E, ainda, propor como reflexo a afirmao de Evangelista (1990, p. 216), segundo a qual no horizonte do conflito entre positivismo e no positivismo [...] que a conflituosidade se radicaliza e se toma condio de novas figuras de cientificidade.

    O importante, de todo modo, considerar que a cincia se constri gradativamente por meio da descoberta de novas e provisrias verdades, num processo contnuo de retificaes constantes tal como descrito por Bachelard (1996), e que esse fato lhe confere a perene misso de refletir sobre si mesma, de adequar-se aos novos movimentos do real, apreendendo e elaborando as crticas, que, quanto mais consensuais e coletivas, maiores possibilidades oferecero prpria cincia.

    A pesquisa qualitativa surge, por volta da dcada de 70 do sculo passado, acompanhando o interesse crescente, em muitos pases da Amrica Latina, na discusso da necessria qualidade dos processos educacionais para o enfrentamento e superao das condies de subdesenvolvimento. Em termos de

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    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    pressupostos tericos, a abordagem qualitativa carrega em suas razes os estudos das correntes filosficas da fenomenologia e do marxismo, pautadas no desafio de trazer para o plano do conhecimento, da cincia, a dialtica da realidade. A pesquisa qualitativa tambm se fez com base nos estudos antropolgicos, decorrentes especialmente dos estudos etnogrficos iniciados por Malinowski, com fortes vnculos estruturais funcionalistas.

    A pesquisa qualitativa emerge, inicialmente, no mbito de uma viso dicotmica entre quantidade e qualidade, ainda hoje presente na concepo de muitos pesquisadores. J se reconhece atualmente que quantidade e qualidade so propriedades interdependentes de um fenmeno.

    H uma dificuldade muito grande na delimitao da conceituao de pesquisa qualitativa e na determinao de percursos investigativos caractersticos dessa abordagem. De modo geral, costuma-se enfocar dois tipos de pesquisas qualitativas: a pesquisa subjetivis- ta-compreensiva e a crtico-participativa, utilizando a denominao deTfivinos (1987), ou a pesquisa feno- menolgico-hermenutica e a crtico-dialtica, fazendo uso da nomenclatura proposta por Snchez Gamboa (1989). Franco (2003) tem utilizado a proposta de Snchez Gamboa, incluindo, no entanto, uma terceira perspectiva, que denomina de pesquisa formativo-emancipatria.

    Segundo Vieira Pinto (1983), h apenas duas concepes possveis sobre o mundo, sobre a realidade: uma a metafsica, outra a dialtica. Assim, ambos os enfoques da pesquisa qualitativa assumem uma concepo dialtica da realidade, opondo-se, portanto, aos mtodos decorrentes da posio metafsica,

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    A limitao metodolgica decorre da coerncia do

    mtodo com os pressupostos

    epistemolgicos que subsidiam a

    pesquisa emprica.

    estruturados de forma linear, aistrica, mecanicista, pressupondo a neutralidade cientfica, buscando a objetividade e dela partindo, perseguindo relaes de causalidade, separando sujeito de objeto, fatos de valores, ideologia de cincia.

    O importante a considerar que, se a pesquisa emprica limitou a possibilidade de percepo de toda a amplitude do fenmeno educativo, este extrapolando o foco limitado por essa metodologia - deixa-se apreender, em um grau ampliado de complexidade, pela pesquisa qualitativa. Essa retificao, gadativamente, permitiu cincia da educao a utilizao de novos referenciais para a pesquisa e fez emergir outros focos de percepo na compreenso do fenmeno educativo.

    O apontamento de algumas dessas constataes aqui realizado visa suscitar reflexes sobre as possibilidades de que novos estudos e pesquisas cientficas venham a referendar novas e frutferas formas de pesquisa em educao.

    Aps alguns anos de prtica da pesquisa qualitativa, estudos nela baseados demonstram, de modo nem consensual nem exclusivo, que novas compreenses vo sendo incorporadas ao conhecimento educacional. Dentre elas, ressaltem-se as seguintes:

    O professor vem cena. Sua pessoa, sua fala, sua interpretao do vivido, suas representaes, seu olhar, a dimenso de suas necessidades e expectativas trazem novo panorama: o professor como pessoa, como profissional, como construtor de inteligibilidade, como ser reflexivo, como algum que pensa, decide, se angustia.

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    Antes da utilizao de referenciais qualitativos na pesquisa educacional, o professor nunca estava visvel.

    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    Nas pesquisas empricas, era retratado, muitas vezes, com um perfil mdio; era tratado como um replicador de procedimentos, e podia tambm ser visto como um aplicador de normas disciplinares ou mesmo como um organizador do ambiente de ensino. Era igualmente bastante comum ser compreendido como um dos polos da interao social ou ainda como o transmissor de informaes.

    O professor vai passando gradativamente, na evoluo das pesquisas, de objeto a sujeito, pois a pesquisa qualitativa centrar seu foco na descoberta desse sujeito, em sua compreenso; vai buscar sua colaborao, fazer-se parceira dele, preocupar-se com sua formao, com suas histrias. E, alm do professor como sujeito, surgem tambm os alunos, os pais, a comunidade e reafirma-se a questo essencial do sujeito.

    Estando presente esse sujeito, no caso o professor, a pesquisa passa a incorpor-lo. Nessa nova dimenso, possvel olhar a realidade na perspectiva do professor, e no apenas a realidade sobre ele; ao conceber a subjetividade como um fator inevitvel na pesquisa entre seres humanos em ao, passa a ser possvel estabelecer contatos mais profundos, adentrar nas esferas do desejo, das emoes, das frustraes do sujeito, de suas representaes, dos questionamentos de sua identidade.

    O cotidiano entra em destaque. A pesquisa qualitativa vai permitir a compreenso do cotidiano como possibilidade de vivncias nicas, impregnadas de sentido, realando a esfera do intersubjetivo, da interao, da comunicao e proclamando-o como o espao onde as mudanas podem ser pressentidas e anunciadas. Antes da emergncia das pesquisas qualitativas em

    educao, o cotidiano das prticas educacionais era61

  • Novos SENTIDOS PARA A C INCIA

    descrito como contingncia, roteiro de atividades dirias, conjunto de variveis ambientais, sucesso de eventos que deveriam ocorrer de forma linear, previsvel, programada. O imprevisto, o acidental, aquilo que fugia da rotina era, normalmente, um dado a ser includo em observaes.

    Enfim, o cotidiano passa a ser percebido como o espao significativo, cultural, em que os seres humanos constroem sua existncia e se fazem transformadores das circunstncias. O homem, em sua ctidianidade, passa a ser visto, conforme Lukcs, corho homem inteiro, em sua inteira individualidade.

    medida que a pesquisa qualitativa favorece que a ctidianidade seja percebida, valorizada, mostre-se como gestadora e germinadora dos valores e papis sociais, vai possibilitando aos pesquisadores a apropriao das relaes entre particularidade e totalidade, entre o indivduo e o ser humano genrico, entre cultura e histria. O olhar srio, comprometido, constante dos pesquisadores sobre o cotidiano das prticas educacionais permitiu-lhes, por certo, liberar seu pensamento de muitos raciocnios supostos e defrontar-se com realidades jamais suspeitadas, embora sempre presentes. Com efeito, no existe pesquisador que, ao adentrar a ctidianidade de qualquer prtica educacional, no tenha realizado descobertas fascinantes e, primeira vista, no imaginadas. A descoberta do cotidiano veio referendar a no linearidade, a no objetividade, a no previsibilidade dos fenmenos que compem a realidade social.

    Dos estudos baseados no sujeito inserido em um cotidiano significativo vo surgindo novas categorias de conhecimento que passam a ser investigadas e facultam novas e ampliadas compreenses do

    N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    fenmeno educativo. A participao de novos atores na cena investigada gera neles prprios um efeito transformador. Assim, um professor, ao ter lugar em uma pesquisa de cunho participativo, passa a receber novas informaes sobre sua prpria prtica, passa a refletir com maior profundidade sobre algum aspecto da pesquisa, mesmo que de interesse do pesquisador. Ele vai sendo compelido a acompanhar o olhar do pesquisador...

    Despontam, em consequncia, novas reflexes sobre o retorno dos produtos dessas pesquisas na formao dos sujeitos da prtica. Em tal processo, o cotidiano descoberto propiciou novas compreenses ao pesquisador. No entanto, ainda parece ser preciso que surjam novas compreenses nos sujeitos pesquisados, no como concesses circunstanciais, num momento formal de comunicao de resultados, mas num processo genuinamente pedaggico de envolvimento processual desses sujeitos.

    A realidade social passa a ser dotada de sentido. O exerccio de prticas qualitativas de pesquisa em educao possibilitou perceber a realidade social de modo diferente: ela passou a ser compreendida como algo composto de mltiplas significaes, de representaes que carregam o sentido da intencionalidade. Em decorrncia, ampliaram-se os estudos sobre as representaes sociais, sobre o discurso e a fala dos sujeitos. Esses discursos e falas precisam ser examinados com base na simbologia, nas metforas, nas entrelinhas e requerem uma busca de sentido, anlises de contedo, anlise do discurso. Assim, novas formas de anlise da coleta de dados so requeridas e novas atitudes vo sendo incorporadas a esse fazer cientfico.A medida que se necessita de uma anlise do discurso

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  • N O V O S SENTIDOS PARA A C INCIA

    ou de contedo, percebe-se a distncia entre o mundo de quem proferiu o discurso e o daquele qu