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UFFUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEINSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
ULISSES DA SILVA GOMES
() REMEDIADO EST: IMPLICAES DO PROCESSO DE SIGNIFICAODE GREVE NA RELAO ENTRE O PODER LEGISLATIVO E O PODER
JUDICIRIO A PARTIR DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988.
NITERI2015
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UFFUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEINSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS DALINGUAGEM
ULISSES DA SILVA GOMES
() REMEDIADO EST: IMPLICAES DO PROCESSO DE SIGNIFICAODE GREVE NA RELAO ENTRE O PODER LEGISLATIVO E O PODER
JUDICIRIO A PARTIR DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos da Linguagem daUniversidade Federal Fluminense comorequisito parcial para obteno do grau deMestre. rea de Concentrao: Lingustica.
ORIENTADORA: Prof. Dr. Bethania Mariani
NiteriMaro/2015
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Universidade Federal FluminenseSuperintendncia de Documentao
Biblioteca Central do Gragoat
G633 Gomes, Ulisses da Silva() Remediado est: implicaes do processo de significao de greve
na relao entre o Poder Legislativo e o Poder Judicirio a partir daConstituio Federal de 1988./ Ulisses da Silva GomesNiteri, 2015.
133f.
Dissertao (Programa De Ps-Graduao em Estudos da Linguagem) Universidade Federal Fluminense, 2015.
1.Lingustica. 2. Direito de greve. 3. Mandado de injuno. 4. Servidorpblico. 5. Categorizao. I. Universidade Federal Fluminense. Instituto deLetras, Instituio responsvel II. Ttulo.
CDD 418
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ULISSES DA SILVA GOMES
() REMEDIADO EST: IMPLICAES DO PROCESSO DE SIGNIFICAODE GREVE NA RELAO ENTRE O PODER LEGISLATIVO E O PODERJUDICIRIO A PARTIR DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988.
Aprovada em 13/03/2015.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________Prof Dr Bethania Sampaio Correa MarianiUFF
Orientadora
___________________________________________Prof Dr Suzy Maria LagazziUNICAMP
___________________________________________Prof. Dr. Jos Simo da Silva SobrinhoUFU
Suplentes
___________________________________________Prof Dr Silmara Cristina Dela SilvaUFF
___________________________________________Prof Dr Eliana de AlmeidaUNEMAT
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memria sempre presente do meu pai, AntonioGomes.
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Agradecimentos
Pela concluso de mais esta etapa, agradeo minha famlia, que tem meacompanhado e incentivado desde sempre. Agradeo especialmente Arlete, minhame; ao meu irmo, Renato; Rafaela; Alice e ao Daniel.
Agradeo professora Bethania Mariani, por ter aceito me orientar, por terproporcionado um caminhar repleto de descobertas, felizes encontros e profundasmudanas que suplantaram as dificuldades do caminho.
Agradeo a todos aqueles que, de alguma forma, colaboraram com odesenvolvimento desta pesquisa. Agradeo especialmente professora SandraBernardo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, aos professores Suzy Lagazzi,Jos Simo, Silmara Dela Silva e Carla Barbosa, pela leitura atenta do texto e peloauxlio na minha incurso na Anlise do Discurso.
Agradeo aos meus colegas, especialmente Rap(hael) Trajano, Alexandre Zanella,Marcos Costa, Juciele Dias e Frederico Sidney, por tornarem mais leve o trajeto e pelossrios papos descontrados.
Agradeo, finalmente, a todos os que, por no reconhecerem ainterdisciplinaridade do Direito, s me fazem acreditar mais.
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SUMRIO
LISTA DE ILUSTRAES ............................................................................................... vii
APRESENTAO ............................................................................................................. viii
RESUMO ............................................................................................................................ xii
1. INTRODUO ............................................................................................................... 13
2. DIREITO DE GREVE E MANDADO DE INJUNO. ............................................... 25
2.1. Greve e movimento operrio ............................................................................... 25
2.2. Mandado de Injuno .......................................................................................... 34
3. TEORIA DO DISCURSO ............................................................................................... 39
3.1. Discurso: fundamentos e dispositivo terico ..................................................... 41
3.2. Branco, preto. Silncio, sentido. ......................................................................... 484. ENTREMEIO .................................................................................................................. 52
5. CAPTULO 5. AQUELE QUE NO O 2... ................................................................ 57
5.1. E o sujeito entra na cultura. ................................................................................. 58
5.2. Reao do sujeito s urgncias de significao................................................... 66
5.3. Na busca da felicidade, o discurso. ..................................................................... 67
5.4. Processo discursivo de categorizao ................................................................. 72
a) No incio o silncio..................................................................................... 74
b) Denominar e nomear. ........................................................................................ 74
c) Sob(re) o efeito de referencialidade. ................................................................. 77
d) Processo discursivo de categorizao. .............................................................. 78
5.5. Cidadania, democracia e direitos humanos. ........................................................ 82
6. UM CAMINHO POSSVEL PARA O PROCESSO DE CATEGORIZAO DEGREVE NO BRASIL. ......................................................................................................... 92
6.1. A categoria greve na Constituio de 1988....................................................... 100
6.2. Processo discursivo de significao de greve do servidor pbico a partir desua categorizao. .................................................................................................... 101
6.3. A memria da categoria greve nas denominaes de greve. ............................ 104
7. O IMAGINRIO DE LEGISLATIVO E DE JUDICIRIO A PARTIR DACATEGORIZAO DE GREVE..................................................................................... 107
7.1. Implicaes da significao de mandado de injuno na relao entre ospoderes constitudos. ................................................................................................ 113
8. OUTRA CONCLUSO ................................................................................................ 116
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ANEXOS ........................................................................................................................... 119
Anexo 1 .................................................................................................................... 119
Anexo 2. ................................................................................................................... 120
Anexo 3 .................................................................................................................... 121
Anexo 4 .................................................................................................................... 125
REFERNCIAS ................................................................................................................ 126
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Processo discursivo de categorizao. Representao grfica................ 73Figura 2 - Silncio. Representao grfica.............................................................. 74Figura 3 - Nomeao/denominao. Representao grfica. .................................. 76Figura 4 - Referencialidade. Repetibilidade. Representao grfica. ..................... 78Figura 5 - Categorizao. Representao grfica.................................................... 80
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APRESENTAO
O trabalho que me proponho a desenvolver fruto de um estranhamento
frente s notcias de uma possvel tenso entre o Poder Legislativo e o Poder Judicirio.
Mesmo diante do mandamento constitucional de uma convivncia harmnica entre os
poderes (teoria da separao dos poderes), essa tenso se materializa, por exemplo, na
Proposta de Emenda Constituio n 33/2011 (BRASIL, 2011) que submete ao
Legislativo o efeito vinculante das smulas do Supremo Tribunal Federal (STF) e
tambm as decises de inconstitucionalidade de emendas Constituio sob a
justificativa de uma hipertrofia e de um ativismo exacerbado do Judicirio. Por meio
dos dispositivos da Anlise do Discurso (PCHEUX, 2010[1969]) foi possvel
transformar o incmodo inicial nas questes que desenvolvo na presente pesquisa.Com a promulgao, em 1988, da Constituio da Repblica Federativa
do Brasil (CRFB/88), denominada Constituio Cidad1, instaurou-se legalmente o
Estado Providncia(SOUSA SANTOS, 1996) no Brasil. As alteraes scio-polticas
percebidas neste perodo, com fortes reflexos jurdicos, so o colapso da teoria da
separao dos poderes, com predominncia do Executivo sobre os demais poderes; a
instrumentalizao do direito por meio de grande produo legislativa e que resulta
naquilo que Souza Santos (1996) denomina sobre-juridificao da realidade social,provocando um caos normativo e o aumento do nmero de atores na busca por direitos
(atores coletivos, ao lado dos individuais). Alm disso, o autor destaca o componente
repressivo que o Estado-Providncia traz ao lado da promoo do bem-estar. A
proteo jurdica dos direitos sociais, como o direito ao trabalho, deixa de ter vnculo
negativo atuao do Estado quando lesado o direito e passa a ter um vnculo
positivoo direito somente se concretiza por prestaes do Estado:
Trata-se, em suma, de uma liberdade que, longe de ser exercidacontra o Estado, deve ser exercida pelo Estado. O Estadoassume assim a gesto da tenso, que ele prprio cria, entrejustia social e igualdade formal; dessa gesto so incumbidos,ainda que de modo diferente, todos os rgos e poderes doEstado. (SOUSA SANTOS, 1996, s.p.)
1 Nome dado Constituio pelo Presidente da Assembleia Constituinte de 1987, Deputado UlyssesGuimares, e pelo qual vem sendo conhecida desde ento. Pelas palavras do Presidente da Constituinte:
essa ser a Constituio cidad, porque recuperar como cidados milhes de brasileiros, vtimas da piordas discriminaes: a misria (GUIMARES, 1988).
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O Poder Judicirio, neste Estado-Providncia, deixou de ter um carter
exclusivamente punitivo e passou a ter tambm atribuies constitucionais de defesa do
Estado e de garantia de um bem-estar do cidado. Por isso, alm aplicar sanesqueles que tenham desrespeitado direito alheio e de responsabiliz-los, o Judicirio
recebeu a atribuio de evitar a violao de tais direitos agindo, portanto, diante da
simples ameaa ao direito; e, mais significativo, passou a atuar de modo a garantir o
exerccio, pelos cidados, dos direitos previstos na Constituio.
Autnomos e independentes aos olhos da norma, (BRASIL, 1988, art.
2,) Legislativo, Executivo e Judicirio, os Trs Poderes da Unio, tm seus papeis
definidos pela Constituio. Assim, atribudo ao Judicirio um papel: os cidados
que entendam desrespeitados seus direitos fundamentais podem requerer judicialmente
providncias no sentido de afastar ou reparar a ofensa, leso ou ameaa ao direito.
Trata-se de uma ampliao do controle normativo pelo Poder Judicirio, configurando-
se o que se passou a denominar judicializao da poltica (WERNECK VIANNA,
RESENDE DE CARVALHO, et al., 1999, p. 47) oujurisdio constitucional, que seria
um mecanismo de defesa da Constituio e de concretizao das suas normas
asseguradoras de direitos (CITTADINO, 2002, p. 18).
As normas constitucionais, de acordo com sua aplicabilidade, podem ser
classificadas como normas de eficcia plena, contida ou limitada. Consideram-se de
eficcia plena aquelas que no necessitam de regulamentao; as normas de eficcia
contida, apesar de dotadas de eficcia imediata, podem ser restringidas pelo legislador
infraconstitucional (membro do Poder Legislativo Federal, Estadual ou Municipal); as
normas constitucionais de eficcia limitada, as que me interessam nesse estudo, so
aquelas para as quais imprescindvel a edio de lei regulamentadora para que
produzam efeitos (ver SILVA, 2012[1982]).
Aquelas novas atribuies do Judicirio, erigidas ao lado do mandamento
da separao dos poderes, so os motivos que permitem pensar a mencionada tenso
entre Legislativo e Judicirio: o mandado de injuno (BRASIL, 1988, art. 5, LXXI)
um mecanismo judicial criado pelo legislador constituinte para garantir ao cidado o
exerccio de um direito quando no h a edio de uma norma (pelo Legislativo) que
regulamente uma norma constitucional de eficcia limitada. Com a garantia do
exerccio do direito, ento, transferida subsidiariamente ao Judicirio, h incerteza
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quanto ao ponto em que a atuao do Judicirio naquela hiptese pode ser considerada
invaso atribuio do Legislativo.
Pelo menos dois aspectos da nova configurao de poder so
considerados nesse projeto: o primeiro diz respeito a como a incluso do instrumento
do mandado de injuno no corpo normativo brasileiro um exemplo de alargamento
da funo do Judicirio. O segundo aspecto se e como o Judicirio tem sido re-
significado sob a regra da CRFB/88.
Do lugar de onde falo, de profissional do Direito, afirmo que o primeiro
dos aspectos apresentados acima no seria estranho nem mesmo a um estudante.
Tomando o mandado de injuno como uma ao constitucional pela primeira vez
presente no ordenamento brasileiro, poder-se-ia propor, por exemplo, um estudo
comparativo entre as Constituies de 1824, 1969 e de 1988, listando-se os poderes
constitucionalmente previstos em cada um dos textos. Alm disso, a leitura de textos
doutrinrios, artigos cientficos, jurisprudncia, tornaria possvel identificar o
posicionamento dos tribunais em cada poca e o modo de interpretao da Constituio,
atentando-se para aspectos hermenuticos, para as normas em vigor e para a
composio das Cortes. Alm disso, seria possvel levantar aspectos processuais do
mandado de injuno, como as condies da ao, competncia de julgamento e os
efeitos da deciso judicial.
Esse aspecto do estudo de inquestionvel importncia, j que permite
uma sistematicidade dos mecanismos judiciais, evitando certas arbitrariedades
justifica afirmativas do tipo o Direito capaz (por si mesmo) de resolver as suas
prprias questes, das quais procuro me afastar. possvel que este ponto de vista
advenha de uma averso ou de uma importncia menor dada interdisciplinaridade por
parte de setores mais conservadores de membros do Judicirio, profissionais e mesmo
de estudantes de Direito.Entendo, todavia, que a lei, o Direito, o sistema legal e jurdico no
podem ser compreendidos ou estudados apartados de sua exterioridade, j que se trata
de fenmenos sociais. A forma como concebo o Direito no considera, contudo, que ele
advm da relao social como elemento imprescindvel e natural, mas, em movimento
contrrio, que seus mecanismos se direcionam obrigatoriamente a um grupo social,
variando, assim, no tempo e no espao (ver REALE, 2014[1973], p. 2).
A interpretao hermenutica das normas barra o sentido do segundoaspecto apontado mais acima, levando, por um lado, a um apego ao texto e, por outro,
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a um apego ao princpio constitucional da diviso dos poderes (REALE, 2014[1973],
pp. 262-263).
Quanto ao seu aspecto lingustico, a hermenutica aproxima-se do
mtodo de anlise de textos conhecido como Anlise de Contedo: um conjunto de
tcnicas calcada em um modelo rgido e na ideia de que h um sentido escondido no
texto e que deve ser resgatado. Tal metodologia pretende se afastar de um carter
subjetivo da anlise e, por outro lado, apresentar critrios objetivos de busca cientfica
do sentido do texto (ROCHA; DEUSDAR, 2005).
J no aspecto poltico-jurdico, mesmo a Escola Histrica de Savigny2e a
Escola dos Pandectistas alemes3, que consideraram a mutabilidade dos sentidos das
normasque acompanhariam, portanto, as vicissitudes sociaispromoviam estudo das
fontes para buscar a dita inteno do legislador com a finalidade de se afastar de uma
ilegalidade provocada por uma interveno do julgador na mens legis,transpondo uma
fronteira que separaria a atuao do Legislativo e do Judicirio fronteira de limites
imprecisos, ressalte-se.
Abrindo-se a possibilidade de leitura do Direito a partir de uma viso
interdisciplinar, busco dar sentido investigao do processo de significao do
Judicirio e da sua projeo na relao com outros poderes constitudos. Acredito ser
possvel e necessrio que as regras e procedimentos legais e judiciais sejam lidos sob o
ponto de vista discursivo a partir da anlise do processo de produo de efeitos de
sentidos na relao entre lngua, sujeito e sociedade.
2De grande influncia nos estudos jurdicos, a escola histrica alem teve seu programa preparado pelojurista e historiador Friedrich Carl von Savigny. Tem forte influncia do romantismo do sculo XIX,rejeita a teoria naturalista e se apega teoria da separao dos poderes. Defende que ao Judicirio cabesomente aplicar as leis produzidas pelo Legislativo, tratando a atividade judicial como meramentecognitiva, independente de qualquer valorao (v. REALE, op cit).
3Escola jurdica alem com base nos Digesta ou Pandecta do Direito Romano, de onde advm seu nome. uma das escolas de exegese e pensa a interpretao da norma a partir de uma possvel inteno dolegislador, no se admitindo uma interpretao criadora do julgador (v. REALE, op cit).
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Resumo
Debruando-nos sobre a contribuio dos estudos do discurso ao contexto discursivojurdico e pela anlise de textos jurdicos que leva em conta a Anlise de Discursotalcomo apresentada por Pcheux (2010[1969]) e desenvolvida no Brasil principalmentepor Orlandi (1987) buscamos compreender o processo de construo da imagem dePoder Judicirio e a sua inscrio das relaes de poder, principalmente nas relaescom o Poder Legislativo. Julgamos ser possvel analisar, a partir de uma leiturasintomtica dos textos jurdicos (mandados de injuno cujo objeto o direito de grevedo servidor pblico), o processo de construo de uma imagem do Poder Judiciriobrasileiro e de seu posicionamento poltico a partir da Constituio de 1988 normaque estabelece os caminhos a serem seguidos para a construo de um Estadodemocrtico e social. A partir da anlise de dois movimentosmandado de injunocomo meio de reivindicao de direitos no regulamentados, e ressignificao degreve como direito de greve verificamos que a Constituio inscreve o modo de
proceder da sociedade civil e do Estado em um jogo (contraditrio) em que a liberdade(democrtica) oculta a constrio (autoritria). A previso do mandado de injunocomo remdio a ser utilizado na falta de norma regulamentadora do agora direito degreve; o movimento de transformao de greveem direito de grevee sua incorporaopela legislao, ressignificando aquele instrumento de luta como direito concedido peloEstado, tudo isso tem consequncias que justificam a anlise. O processo designificao da categoria direito de greve do servidor pblico traz elementos da relaode poderes no discurso jurdico e as marcas de uma relao mais ou menos harmnicaentre os poderes inscrita nas discusses sobre o direito de greve dos servidores pblicos.
Palavras-Chave: Anlise do Discurso Francesa. Direito de greve do servidor pblico.
Mandado de injuno.
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1. INTRODUO
Em junho de 2013, a revista Caros Amigos (Anexo 1) chegou s bancas
trazendo em sua capa uma charge na qual, sobre um fundo branco, em um octgonocercado tipicamente palco dos confrontos entre lutadores de artes marciais variadas,
popularmente conhecidos como vale-tudo posicionam-se trs contendores, todos com
as mos vestidas em luvas de combate: direita, o Presidente do Senado Federal, Renan
Calheiros, de calo azul, com as mos sobre o peito em posio de defesa, lanando um
chute no ar; ao seu lado, mais ao centro, o Presidente da Cmara dos Deputados, Henrique
Eduardo Alves, de calo verde, desferindo um direto de direita. esquerda, o oponente
daqueles dois lutadores. De calo preto, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, de peito
aberto, com a planta de seu p esquerdo apara o soco de Eduardo Alves enquanto ergue o
brao direito sobre a cabea. Atenta a tudo, observando o combate com um sorriso,
sentada em um banco posicionado dentro do octgono, est a Presidente Dilma Rousseff.
Acima da imagem a manchete da reportagem principal daquela edio: Poderes em p de
guerra.
A cena traz os elementos que devem ser considerados na anlise da luta
entre os poderes: Legislativo e Judicirio como adversrios no combate principal; alm
disso, como a imagem s mostra parte do octgono, o sujeito leitor no colocado como
mero espectador do conflito, do lado de fora do ringue. Assim como a Presidente da
Repblica, o leitor posicionado dentro do octgono, sendo tomado como participante do
processo.
Apesar de no referida explicitamente no conjunto acima, a Constituio de
1988, ao dar existncia institucional e poltica Repblica Federativa Brasileira a partir de
5 de outubro daquele ano, cria o contexto normativo no qual se estabelecem as condies
de relao entre os poderes e a partir das quais possvel aquela representao.
O constituinte de 1987 se orgulhava de haver produzido um texto no qual o
foco a democracia. O destaque era dado, dentre outros, primazia do cidado em relao
ao Estado verificada, por exemplo, na alterao topogrfica1 dos chamados direitos
fundamentais, que passaram a ocupar o artigo 5 da CRFB/88, diferentemente de textos
anteriores onde eram os dispositivos que tratavam da organizao do Estado que ocupavam
aqueles artigos iniciais.
1 Ou seria mera alterao tipogrfica, como foi registrado no discurso do Presidente da AssembleiaConstituinte no dia da promulgao da CRFB/88 (GUIMARES, 1991[1988])?
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A nova feio dada aos poderes constitudos tambm objeto de destaque
pelos legisladores constituintes.
Costurando a primazia dos diretos do cidado e os novos contornos dos
poderes Legislativo e Judicirio, apresenta-se o mandado de injuno como mecanismo
pelo qual o cidado ingressa naquele cenrio poltico.
O discurso do presidente da Constituinte, Deputado Ulysses Guimares,
proferido na data da promulgao da Constituio corrobora esses destaques:
A Constituio mudou na sua elaborao, mudou na definio dospoderes, mudou restaurando a federao, mudou quando quermudar o homem em cidado ().Tipograficamente hierarquizada a precedncia e a preeminncia
do homem, colocando-o no umbral da Constituio e catalogando-lhe o nmero no superado, s no Artigo 5, de 77 incisos e 104dispositivos.No lhe bastou, porm, defend-lo contra os abusos originrios doEstado e de outras procedncias. Introduziu o homem no Estado,fazendo-o credor de direitos e servios, cobrveis inclusive com omandado de injuno.()Ns, os legisladores, ampliamos nossos deveres. Teremos dehonr-los. A nao repudia a preguia, a negligncia, a inpcia.Soma-se nossa atividade ordinria, bastante delimitada, a ediode 56 leis complementares e 314 ordinrias. No esqueamos que,na ausncia de lei complementar, os cidados podero ter oprovimento suplementar pelo mandado de injuno.(GUIMARES, 1991[1988], p. 921-923, grifos nossos)
E dirigindo-se ao ento Presidente do STF, Ministro Rafael Mayer, trata do
Poder Judicirio:
O imperativo Muda Brasil2, desafio da nossa gerao no seprocessar sem o consequente Muda Justia, que seinstrumentalizou na Carta Magna com a valiosa contribuio do
Poder chefiado por Vossa Excelncia (GUIMARES, 1991[1988],p. 924, grifos nossos).
E continua: A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inrcia ou
antagonismo do Estado (GUIMARES, 1991[1988], p. 925).
2 Referncia ao slogan Muda Brasil, Tancredo j!, da campanha de Tancredo Neves Presidncia daRepblica nas eleies indiretas de 1985. A palavra de ordem de Tancredo, por sua vez, fazia referncia
campanha pelas eleies diretas (Diretas j!) e foi repetida por aqueles que simpatizavam com a eleio deTancredo ainda que no tivessem direito a votoem resposta frustrao pela rejeio, em abril de 1984,da emenda Dante de Oliveira (Emenda das Eleies Diretas).
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Cidado como credor de direitos, uso do mandado de injuno para a
garantia de seu exerccio e a separao entre os poderes so os dispositivos que apresentam
as condies de produo que devem ser levadas em considerao na problematizao da
tenso da relao entre Legislativo e Judicirio.
Considerando o objetivo deste trabalho, analisar se h e como se realiza
inscrio da relao de poderes no discurso jurdico, tomamos como corpus peas
processuais de dois mandados de injuno, o n 20-4, de 1994, proposto pela Confederao
dos Servidores Pblicos do Brasil, e o n 712-8, de 2007, proposto pelo Sindicato dos
Trabalhadores do Poder Judicirio do Estado do Par. Dentre as peas, selecionamos as
peties iniciais (documento que d incio ao processo judicial, no qual o requerente ou
autor apresenta sua demanda e a enderea ao rgo competente para seu julgamento3) e osacrdos (nome dado ao julgamento proferido pelos tribunais4).
Optamos pelos mandados de injuno que tratam do direito de greve dos
servidores pblicos, tema que, devido ausncia de regulamentao legal exigida
constitucionalmente, tem sido objeto de reiterados procedimentos com decises que, em
princpio, demonstram posicionamento diverso do tribunal sobre a questo. Alm disso,
procuramos naquele corpus, o processo de significao do Poder Judiciriono contexto de
significao de direito de greveou de (res)significao de greve.Trata-se de analisar o discurso jurdico a partir dos conceitos oriundos dos
desdobramentos, no Brasil, da Anlise do Discurso proposta por Pcheux (2010[1969]), e
buscar, no funcionamento dos textos que formam o corpus, compreender como na relao
entre os poderes se apresenta o processo de significao. Em outras palavras, como a
significao de Poder Judicirioe de Poder Legislativose materializa discursivamente na
relao mais ou menos harmnica entre aqueles poderes.
Conforme esclarecido por Orlandi (2009), a Anlise do Discurso leva emconsiderao o homem em sua histria, buscando de-centrar a noo de sujeito e relativizar
a autonomia da linguagem, relacionando a lngua com os sujeitos que a falam e com as
situaes em que produzem o dizer. Como j mencionado, o corpus ser formado pelas
peties iniciais e pelos acrdos dos mandados de injuno n 20-4 de 1994 e 712-8 de
2007ambos tratando do exerccio do direito de greve pelos servidores pblicos civis.
3Sobre petio inicial, v. art. 282 e seguintes do Cdigo de Processo Civil (BRASIL, 1973).4Sobre decises judiciais, v. art. 162 e seguintes do Cdigo de Processo Civil (BRASIL, 1973).
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Apesar da diferena cronolgica das decises, dos artigos da Constituio
Federal afetos ao tema separao entre os poderes (BRASIL, 1988, art. 2), direito de
greve do servidor pblico (BRASIL, 1988, art. 37, VII), mandado de injuno (BRASIL,
1988, art. 5 LXXI) o nico que sofreu alterao, desde a promulgao da Carta, foi o
inciso VII do art. 37 que originariamente previa edio de Lei Complementar para
regulamentao daquele dispositivo, o que no representa alterao significativa que
fundamente a mudana de entendimento. a instabilidade do texto instabilidade da
lnguaque permite que a norma tenha diferentes interpretaes.
Pela perspectiva da Anlise do Discurso, da forma como apresentada na
Frana por Pcheux (2010[1969]) e desenvolvida no Brasil por Orlandi (1987c),
entendemos ser possvel a anlise de textos produzidos no campo do Direito sob este outroolhar, permitindo levantar pistas (GINZBURG, 1989[1986]) que levem a uma
compreenso do funcionamento discursivo, ou apreenso dos seus processos de
significao em sua determinao histrica (ORLANDI, 2013[1992], p. 50). Por essa
leitura, no se parte do pressuposto da Anlise de Contedo, de que o sentido esteja
presente no texto (legal, judicial), e que fora ali depositado pelo seu autor (legislador,
julgador) a partir de uma inteno lgica e observvel. O sentido determinado
historicamente, o que faz considerar o sentido literal como efeito discursivo e umproduto da histria (ORLANDI, 1987b, pp. 144-145). Importa compreender o
funcionamento daquilo que passamos a chamar discurso jurdico, ou seja, considerar a
historicidade que marca o texto da lei ou de uma deciso judicial qualquer e que
comparece como memria, constituindo sentidos que se mostram como evidentes para um
sujeito que se supe origem de seu dizer.
Falamos em autoria porque, como salienta Orlandi (2013[2007]), diferente do sujeito, o
autor reconhece a presena do interlocutor e, por isso, tem um compromisso com aclareza e a coerncia, responsvel pelos sentidos que sustenta (ORLANDI, op cit, p.
102). A proposta da Anlise do Discurso observar o modo de significao pela sua
ligao com a funo-autor. Ainda segundo a autora:
a funo-autor uma funo do sujeito concebido na linguagem ena histria, e no o autor (...). A diferena corresponde justamente maneira como considero as condies de exerccio da linguageme sua possibilidade de anlise por sua forma lingustico-histrica,sua descrio pendularmente alternada com a interpretao (...). A
funo-autor (...) realiza o imaginrio da unidade e a iluso dosujeito como origem e a que est mais exposta s injunes
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sociais e histricas, normatividade institucional. (ORLANDI,2012[2001], p. 91)
Esse modo de ver a linguagem traz certas consequncias que se apresentam
tanto nos aspectos terico e analtico j que os processos semnticos so consideradoscomo determinados historicamente quanto no mtodo busca-se identificar a
dominncia de (um) sentido dentre vrios possveis partindo-se da materialidade
linguageira como monumento discursivo (ORLANDI, 1987b, p. 145). Analisa-se o
funcionamento, o uso da lngua.
A Anlise do Discurso possibilita que um texto de lei ou de uma deciso
judicial qualquer seja lido de forma a se considerar a noo de significao e afastar a ideia
de mera mudana de entendimento. Assim, as decises dos mandados de injuno 20-4/1994 e 712-8/2007 no so tomadas como estanques e excludentes (A ou B); interessa-
nos o processo de produo de sentidos que leva a um deslizamento, a um movimento de
sentidos analisado a partir de um recorte do processo constante de significao
(...ABC ...).
Por isso, discursivamente entendemos que o sentido no est em A nem em
B, mas na leitura do processo de constituio de sentidos que (re)significa A e B e que
produz certos efeitos de sentido no sujeito em determinadas condies de produo. Naanlise do funcionamento discursivo, devem ser consideradas, como dissemos, as
condies de produo do discurso, ou seja, a relao entre memria, as circunstncias
histrico-sociais e seu processo de produo; as relaes de fora no interior do campo de
onde fala o sujeito; e a imagem daquele lugar ocupado pelo sujeito para falar como fala
(PCHEUX, 2010[1969]).
Ao mencionar produo, Pcheux (2011[1973], citando Althusser,
considera a produo de um efeito ou, mais especificamente:
um elemento que intervm na reproduo das relaes de produono nvel poltico ou ideolgico, e suscetvel de ser em seguida elemesmo a causa de outro fenmeno, de outra transformao naconfigurao, seja no nvel econmico ou no nvel dassuperestruturas (PCHEUX, op cit, p. 215)
O autor ressalta que tais condies de produo esto ligadas natureza dos
lugares sustentados pelos interlocutores em relao a um referente. No se trata aqui das
propriedades individuais de cada locutor, mas da posio a ele atribuda em dada estrutura
social. Distingue, dessa forma, lugar e posio: o modo de produo dominante
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(capitalista) distribui os sujeitos em lugares que reproduzem e mantm a relao de
produo (econmica). As conjunturas institucionais dessa estrutura social permitem ao
sujeito tomar diferentes posies discursivas em relao ao lugar que ocupa.
Considerando a historicidade dos textos e os processos de constituio de
efeitos de sentidos, do ponto de vista da Anlise do Discurso histria e linguagem se
constituem mutuamente, inscrevem-se na materialidade do texto e auxiliam na
compreenso dos sentidos de greve, direito de greve, servidor publico e grevista, por
exemplo, alm de permitir que se percebam efeitos outros produzidos pelo discurso do
sujeito no lugar de Ministro do STF e inscritos nas decises em mandados de injuno. A
mudana de posicionamento do STF passa a ser lida como marca da historicidade
envolvida em um processo discursivo e de instabilidade de sentidos. A marca de uma faltaque constitui os sentidos e que permite sua movncia, um movimento constante que
escapa a toda tentativa de estabilizao de sentidos. importante que tanto o texto
constitucional quanto os textos judiciais (decises e peties) que dizem respeito greve
do servidor pblico sejam analisados sob a tica da Anlise do Discurso tornando assim
possvel perceber seus efeitos polticos ao lado dos efeitos jurdicos , dentre eles o
mecanismo que permite ao julgador no lugar de ministro do STF reler, reinterpretar o
texto constitucional, atribuindo-lhe outro(s) sentido(s). So as condies histricas deproduo, ento, o entorno do texto que permite compreender a movncia de sentidos
identificada nas decises judiciais relacionada a um sentido de Poder Judicirio. Tal
leitura s pode ser feita a partir dos procedimentos especficos da Anlise do Discurso.
O que torna possvel a leitura do texto constitucional e das decises judiciais
em mandado de injuno pela Anlise do Discurso justamente o seu aspecto poltico. A
lei, ou seja, uma materialidade do discurso jurdico, em virtude de seu carter geral e
obrigatrio no pode ser no-conhecida, isto , produz efeitos, exigvel ainda que noconhecida, da o mandamento segundo o qual o desconhecimento da lei inescusvel
(BRASIL, 1940, art. 21) ou ainda ningum se escusa de cumprir a lei, alegando que no a
conhece (BRASIL, 1942a, art. 3). O impositivo legal , portanto, constitutivo das
relaes do sujeito da atualidade, o sujeito-de-direito.
A CRFB/88 inclui o direito de greve do servidor pblico e tambm dos
trabalhadores em geral em seu texto.
No mbito da Sociologia, Bourdieu (1983) entende greve como estrutura
objetiva das relaes de fora definida pela luta entre trabalhadores, de quem ela constitui
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a principal arma, e empregadores, juntamente com um terceiro ator que talvez no seja
um o Estado (BOURDIEU, 1983, p. 195). Explicita o autor seu posicionamento
segundo o qual a greve s tem sentido quando re-situada no campo as lutas do trabalho.
Para a Cincia Poltica, [d]iferentemente de outras formas de conflito de
trabalho ou, mais em geral, de luta operria, a Greve consiste na absteno organizada do
trabalho de um grupo mais ou menos extenso de trabalhadores (REGINI, 1998, p. 560).
Segundo esta definio, a greve sempre uma ao coletiva dos trabalhadores
representados pelo sindicato ou encabeados por um lder informal. Essa diferena de
liderana e representao permite que sejam reconhecidas as grandes greves organizadas
pelos sindicatos e as microconflitualidades que podem se apresentar como greves de
protesto at mesmo contra o representao sindical. Alm dos sujeitos, a interrupo dotrabalho elemento caracterizador da greve. Com relao aos seus objetivos, movimento
importante no processo de contratao coletiva e arma essencial na luta de classe.
tambm recurso importante no conflito poltico, impondo exigncias ao Estado. Regini (op
cit) reconhece que uma das dificuldades encontradas nos estudos da greve est na prpria
conceituao daquilo que denomina fenmeno Greve.
A transformao da greve em direito de greve e sua incorporao pela
legislao um movimento de ressignificao da greve. Ou seja, apesar de a greve serainda uma forma de luta e principal arma do trabalhador, ressignificada como direito
concedido pelo Estado quando erigida categoria direito de greve. Cabe apontar quais os
efeitos dessa ressignificao.
A Constituio prev o mandado de injuno como procedimento a ser
adotado pelos servidores pblicos para que vejam garantido seu (agora) direito de greve na
ausncia de regulamentao do dispositivo constitucional, na hiptese, o mencionado
inciso VII do art. 37.Orlandi (1987a) traz a noo de injuno do dizer, j que s relaes de
poder interessa menos calar o interlocutor do que obrig-lo a dizer o que se quer ouvir
(ORLANDI, 1987a, pp. 263-264). E, ainda sobre as prticas do silncio:
a fala sempre silenciadora enquanto domnio do mesmo () esteno-dizer pode ter a natureza do implcito tratado, por exemplo,pela psicanlise (operando com o conceito de inconsciente), pelaretrica (nas teorias da argumentao) ou pela Anlise do Discurso(refletindo a noo de ideologia) (ORLANDI, 1987a, p. 264).
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Diante disso, cabe questionar: como significa o silncio na edio de lei
que regulamente o exerccio desse direito de greve? A injuno direcionada a quem? O
mandado injuntivo a quem deve ou deveria editar a norma regulamentadora ou ao
trabalhador, que deve se dirigir ao Estado para ver garantido o seu (agora) direito de se
manifestar por meio de greve? Ao silenciamento corresponde a resistncia? Ou melhor, o
que silenciado significa por outros processos?
Ao lado das recomendaes da Conveno da OIT n 151 e de meno aos
modelos normativos concernentes ao exerccio do direito de greveno servio pblico, a
deciso do mandado de injuno 20-4/1994 ilustrada com um trecho da Encclica
Laborem Exercens, editada pelo Papa Joo Paulo II:
O prprio Pontfice romano, na Encclica Laborem Exercens, apsadvertir que as exigncias sindicais no podem transformar-senuma espcie de egosmo de grupo ou de classe, salientou que aatividade desenvolvida pelas entidades representativas dosprestadores de servios deve ser entendida como uma prudentesolicitude pelo bem comum (BRASIL, 1994, pp.9-10, grifos nooriginal)
Por que mencionar esse documento, produzido pela Igreja Catlica e no
outro, como textos das leis que tratam da greve na Frana (prevista como direito na
Constituio de 1946 e regulamentado por diversas leis a partir de 19505)?
Como esses elementos contribuem para significar o direito de greve e/ou re-
significar a greve dos servidores pblicos civis?
Alm disso, no MI 20-4/1994, o Poder Legislativo aparece personificado:
Inrcia do Congresso Nacional impede a prtica de liberdade.(BRASIL, 1994, p. 24, grifo nosso)A inrcia estatal compromete a aplicabilidade da norma.( idem, p.28, grifo nosso)O Congresso Nacional deixou de adimplir prestao legislativa.(BRASIL, 1994, p. 31, grifo nosso).A inrcia estatal opera o agravamento da situao subjetiva devantagem. (BRASIL, 1994, p. 28, grifo nosso)
Por que o foco na ao ou omisso do Legislativo e no nas aes do
Judicirio?
Preleciona o inciso LXXI da Constituio de 1988:
5http://www.vie-publique.fr/chronologie/chronos-thematiques/evolution-du-droit-greve.html
http://www.vie-publique.fr/chronologie/chronos-thematiques/evolution-du-droit-greve.htmlhttp://www.vie-publique.fr/chronologie/chronos-thematiques/evolution-du-droit-greve.htmlhttp://www.vie-publique.fr/chronologie/chronos-thematiques/evolution-du-droit-greve.htmlhttp://www.vie-publique.fr/chronologie/chronos-thematiques/evolution-du-droit-greve.htmlhttp://www.vie-publique.fr/chronologie/chronos-thematiques/evolution-du-droit-greve.html -
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conceder-se- mandado de injuno sempre que a falta de normaregulamentadora torne invivel o exerccio dos direitos eliberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e cidadania (BRASIL, 1988, art. 5grifo nosso);
O dispositivo constitucional que insere no corpo normativo brasileiro o
mandado de injuno toma o Poder Judicirio como tampo de uma falta, logo, efeito de
uma injuno completude. Podemos pr em questo este sentido de falta. Entender a
falta como lacuna a ser preenchida supor a existncia de um sentido adequado que
deflagraria um efeito desejvel, tencionado, funcionando como um sistema chave-
fechadura. Este entendimento pe o sujeito no lugar de senhor dos sentidos e pensa a
polissemia como a recursividade em um mtodo de tentativa-erro no qual a meta osentido correto. Todavia, neste jogo de tentativa e erro, cada um dos elementos que
comparecem para suprir a lacuna produz efeitos de sentido e a polissemia um
movimento sem fim. Por isso, entendemos a falta como constitutiva do sujeito e,
consequentemente, dos discursos e da Histria. No ao nomear a falta que o texto
constitucional a inscreve, ela anterior e constitutiva.
Se, pela Constituio, o Judicirio tem atribuio de suprir uma falta e se,
por outro lado, como dissemos, a teoria da Anlise do Discurso considera a falta como
constitutiva, espao de movncia de sujeito e sentidos, que leitura discursiva possvel do
batimento da norma (lingustica, legal) e da deciso do STF em mandado de injuno? H
o lugar de um tampode uma falta que a Constituio cria e pretende ver ocupado pelo
Judicirio? Uma leitura discursiva das decises judiciais do STF em mandados de
injuno permite encontrar marcas da identificao do Judicirio a esse lugar que lhe
destinado?
Quais os efeitos de sentido do discurso jurdico produzido por quem que se
coloca na posio de um tampo de uma falta?
A falta que a Constituio pretende que o Judicirio supra falta de lei que
impede que o cidado, credor de direitos e liberdades, exera sua cidadania. O mandado
de injuno , como vimos, a soluo constitucional para que o cidado, por intermdio do
Judicirio, veja suprida a falta impeditiva. Assim, o mandado de injuno reconhecido
como um dos remdios constitucionais, como declarado pelo STF no acrdo do
mandado de injuno 712-8/2007:
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Preliminarmente, sublinho a especial relevncia do pleito sobexame, porquanto, neste julgamento, encontra-se em causaprecisamente a prpria conformao que o Supremo TribunalFederal emprestar a este inovador remdio constitucional.(BRASIL, 2007, p. 472, grifo nosso)
Tratar o procedimento judicial do mandado de injuno como um remdio
significaria tomar o aparelho de Estado como matria orgnica, equiparar seus efeitos ao
de um processo de medicalizao e, como ressalta Pcheux, caminhar em direo a uma
verdade biolgica cnica da histria (PCHEUX e GADET, 2011[1991], p. 117), que
aponta para uma estabilidade lgica da lngua, afastando-se de seu aspecto material?
Lagazzi (1988), citando Pcheux, esclarece que a relao do sujeito com o
mundo se d pelo imaginrio que se mostra pelo simblico. Palavras, lngua, direitos sosmbolos que carregam as imagens formadas pelos sujeitos. Delimitar direitos e deveres
o modo pelo qual o Estado traz o sujeito para a ordem do simblico, da lei, regulando a
tenso constitutiva gerada por esse movimento.
Segundo a autora, deve haver certa mobilidade entre esses direitos e deveres
de modo a evitar que a tenso (constitutiva e implcita) se torne conflito que, por ser forma
explcita de opresso, pode ser fonte de violncia. A desestabilizao na tenso da relao
entre direitos e deveres no interessa ao Estado.
O poder se legitima, ento, a partir de uma tenso e contradio inscritas no
jogo de imagens entre autoridade e cidado, entre aquele que exerce e aqueles sobre os
quais se exerce o poder. Trata-se das Formaes Imaginrias (PCHEUX, 2010[1969]),
conceito que ser retomado mais adiante, nas anlises.
Na concepo da Anlise do Discurso, o imaginrio e o ideolgicoencontram-se na mesma ordem, enquanto que o simblico est naordem das palavras, do lingustico. O discursivo , assim, a
ligao entre as duas ordens, a instncia que nos possibilita ter, nalinguagem, o simblico e o imaginrio, juntos (LAGAZZI, 1988, p.38).
Na imagem, que representao dos lugares sociais, se inscrevem, na
materialidade da lngua, processos de produo de sentidos que, ao longo das tenses
histricas, podem ou no produzir um tecido simblico de evidncias. Cabe definir
ideologia sob ponto de vista da Anlise do Discurso.
H, portanto, um jogo de foras inscrito nas relaes imaginrias que se
institui, por exemplo, sobre o objeto greve.
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No mesmo movimento em que nomeia uma falta, a Constituio estabelece
um jogo imaginrio ao inscrever o lugar de um tampo para esta falta e o lugar de um
sujeito credor de direitos. No texto da Constituio tambm se encontra o instrumento
necessrio ao cidado para apresentar sua demanda por direitos, o mandado de injuno.
A falta, tal como nomeada pelo texto constitucional, no constitutiva, traz
consigo a evidncia de temporariedade, de transitoriedade, de uma lacuna a ser preenchida
a partir da atuao do Judicirio quando provocado pelo cidado a se manifestar.
Entendemos que a falta no um nada. Ao contrrio, um significante que
inscreve um imaginrio de Judicirio, de cidado, e inscreve tambm uma tenso entre o
Judicirio e o Legislativo, j que falta de (lei), falta para (o cidado) e falta a (suprir).
Por meio do procedimento de anlise, pretendemos, ento, identificar nasdecises judiciais, as imagens que o Judicirio (representado pelo STF) tem dos servidores,
da greve, do Legislativo e do prprio Judicirio.
A Anlise do Discurso jurdico, portanto, valendo-se da Constituio
Federal Brasileira de 1988 como condio de produo, permitir, parafraseando Orlandi
(2009), compreender melhor o que est sendo dito a partir da explicitao do modo como
os sentidos esto sendo produzidos, atravessando-se o imaginrio que condiciona os
sujeitos em suas discursividades. Busca-se o sentido alm de uma suposta estabilidade; ouseja, justamente onde ocorre a falha, o equvoco, onde irrompe o inesperado, que se
encontram as pistas do sentido. Tal movimento importante para a compreenso de como
o processo de significao est atrelado se materializa na ou materializa a relao
entre os poderes constitudos.
A partir da hiptese de que a movncia dos sentidos na instabilidade da
lngua o que permite que o STF produza duas decises diferentes (BRASIL, 1994 e
BRASIL, 2007) sobre o mesmo objeto (direito de greve dos servidores pblicos civis) ecom base nos mesmos dispositivos legais (BRASIL, 1988, arts. 5, LXXI; 9 e 1 e 2 e
37, VII,), por intermdio da Anlise do Discurso pretendemos deslinearizar o processo
discursivo e identificar na materialidade discursiva as marcas no discurso das
identificaes imaginrias do Poder Judicirio e do processo de construo de sentidos
que, diante de certas condies de produo, acreditamos se mostrar na relao entre os
poderes. Nas palavras de Pcheux, acreditamos que
Atravs das descries regulares de montagens discursivas, sepossa detectar os momentos de interpretaes enquanto atos que
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surgem como tomadas de posio, reconhecidas como tais, isto ,como efeitos de identificao assumidos e no negados(PCHEUX, 2002[1988], p. 57).
A previso do mandado de injuno como remdio a ser utilizado na
falta de norma regulamentadora do (agora) direito de greve enquadra-se em um modo de
ver a histria sob ponto de vista biolgico, ponto de vista que ser abordado com mais
detalhes ao longo do trabalho. Alm disso, cabe analisar se a previso da greve como
direito, alm de ressignificao do objeto greve, representa tambm uma injuno ao
dizer do trabalhador. Ser que o trabalhador, enquadrado nas representaes do sujeito-de-
direito (subordinado ao Estado), por meio de seu discurso legitima a sua imagem
construda pela Constituio e contribui para a formao da imagem (I) que o Judicirio (a)
tem dele mesmo ([Ia(a)])?
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2. DIREITO DE GREVE E MANDADO DE INJUNO.
Mendigo, malandro, moleque, molambo, bem ou malEscravo fugido ou louco varrido
Vou fazer meu festivalChico Buarque. Mambembe.
Mencionamos at aqui o quadro atual do sistema normativo brasileiro no
qual a Constituio prev a greve como direito e o mandado de injuno como instrumento
jurdico a ser utilizado pelos servidores pblicos para ver garantido o exerccio do direito
de greve. Todavia, consideramos ser necessria uma exposio, ainda que breve, de como
a legislao brasileira tem tratado, ao longo dos tempos, o ato de reivindicao (por
melhoria de salrios e de condies de trabalho, por exemplo) dos trabalhadores por meio
de interrupo do trabalho. Pretendemos assim buscar a memria poltica do Estado, ou
seja, como o Estado vem tratando o que hoje representa o acontecimento direito de greve.
Em um segundo momento, trataremos das condies de produo do mandado de injuno
na legislao brasileira.
2.1. Greve e movimento operrio
Suspender ou interromper atividades laborativas com a finalidade de
reivindicao significa de modos diferentes, consideradas as condies de produo
(histricas e socioeconmicas) da relao entre o homem e o trabalho.
Quando entra em vigor a primeira legislao brasileira codificada que trata
dos crimes e das penasLei de 16 de dezembro de 1830, Cdigo Criminal do Imprio a
sociedade convive com a legitimidade do regime de explorao do trabalho escravo. A lei
prev, entre os crimes contra a segurana do Imprio, a insurreio, definida como o fato
de vinte ou mais escravos fazerem ressoar o desejo de liberdade por meio da fora
(BRASIL, 1830, arts. 113-115).
Apesar de a Constituio do Imprio, outorgada em 18246, garantir a
liberdade de exerccio de trabalho e comrcio (BRASIL, 1824, art. 179, XXIV), no h
regulao do trabalho livre. Por outro lado, no tomar ocupao honesta e til
considerado pela lei penal crime de vadiagem, ao lado da mendicncia, ambas punidas
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Inspirada no constitucionalismo ingls, segundo o qual constitucional apenas aquilo que diz respeito aospoderes.
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com priso e trabalho (BRASIL, 1830, arts. 295 e 296). Trabalho est discursivizado
pelos discursos econmico, legal (criminal) e moral.
No Brasil Imperial, o regime escravocrata sustentculo da economia. A
interveno do Estado na escravido garante a propriedade do senhor. Todo ato julgado
como resistncia a esta ordem que se estabelece est sujeito lei penal, seja pela caa aos
escravos insurrectos, seja pela perseguio aos desocupados e vadios. No basta, todavia,
que o indivduo esteja ocupado, necessrio que a ocupao seja til e honesta, que se
enquadre nas expectativas sociais e econmicas do Estado que se estabelece. O trabalho
mostra ento sua outra face, moral, difundida de forma a justificar sua face econmica. O
trabalho serve, neste sentido, como pena, e ao lado da priso funciona de modo a retificar
quem se desvia.O Cdigo Penal de 1890 o primeiro da Repblica, publicado ainda na
vigncia da Constituio de 1824, Constituio do Imprio passa a prever a vadiagem
(por sustento pelo jogo) e a mendicncia como contravenes penais (delitos de menor
potencial ofensivo) e no mais como crimes. Ao lado delas, prev tambm como
contraveno a embriaguez habitual. Todavia, como vimos defendendo, os sentidos so
moventes, esto sempre em relao com outros sentidos, com a memria e com a historia,
por isso, no buscamos o sentido, buscamos compreender o processo de produo desentidos inscrito na materialidade da lngua. Assim, se na legislao do Imprio vadiagem
e mendicncia eram criminalizadas por serem condutas que no se enquadravam na
expectativa de manuteno de certa ordem urbana e de garantia da civilidade, as mesmas
condutas, quando tipificadas no Cdigo Penal de 1890 (BRASIL, 1890) apresentam outras
condies de produo.
O Cdigo Penal de 1890, publicado num momento de transformaes
polticas (passagem do Imprio para a Repblica e busca do monoplio punitivo doEstado) e socioeconmicas (fim da escravido), ao tipificar as condutas de vadiagem e de
mendicncia o faz, segundo Neder (2012[1986]) em meio ao processo de constituio do
mercado de trabalho capitalista no Brasil. Na Repblica, portanto, a tipificao das
condutas de vadiagem e mendicncia relaciona-se valorizao das relaes de trabalho,
essencial no processo de formao do mercado de trabalho capitalista e de construo do
imaginrio de Nao. A inscrio dos ociososem oposio aos trabalhadores.
Busca-se, com aquela norma, a individualizao por meio da criminalizao
e, nestas condies, ao lado da previso da vadiagem, do jogo, da mendicncia e da
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capoeiragem como contravenes penais, h previso dos crimes contra a liberdade de
trabalho, dos quais apresentamos os dispositivos legais e uma srie de sequncias
discursivas7(SD) :
TITULO IVDos crimes contra o livro gozo e exercicio dos direitos individuaes
CAPITULO VIDOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE DE TRABALHO
SD1 Constranger, ou impedir alguem de exercer a sua industria,commercio ou officio; de abrir ou fechar os seus estabelecimentose officinas de trabalho ou negocio; de trabalhar ou deixar detrabalhar em certos e determinados dias (BRASIL, 1890a, art.204,grifo nosso)
SD2Seduzir, ou alliciar, operarios e trabalhadores para deixaremos estabelecimentos em que forem empregados, sob promessa derecompensa, ou ameaa de algum mal (BRASIL, 1890a, art.205,grifos nosso)
SD3Causar, ou provocar, cessao ou suspenso de trabalho, paraimpor aos operarios ou patres augmento ou diminuio de servioou salario:
Penade priso cellular por um a trs mezes.
1 Si para esse fim se colligarem os interessados:
Pena aos chefes ou cabeas da colligao, de priso cellular pordous a seis mezes. 2 Si usarem de violencia:
Penade priso cellular por seis mezes a um anno, alm das maisem que incorrerem pela violencia. (BRASIL, 1890a, art.206, grifosnossos)
Com a publicao do Decreto 1162 de 12 de dezembro de 1890, os artigos
205 e 206 do Cdigo Penal foram derrogados ainda antes que a redao original entrasse
em vigor:
Art. 1 Os arts. 205 e 206 do Codigo Penal e seus paragraphosficam assim redigidos:SD4 Desviar operarios e trabalhadores dos estabelecimentos emque forem empregados, por meio de ameaas e constrangimento(BRASIL, 1890b, art.1, 1, grifo nosso)SD5 Causar ou provocar cessao ou suspenso de trabalho pormeio de ameaas ou violencias, para impr aos operarios oupatres augmento ou diminuio de servio ou salario:Penas - de priso cellular por um a tres mezes. (BRASIL, 1890b,art.1, 2, grifo nosso)
7Trataremos com vagar do conceito de sequncia discursiva no item 4. Por ora, diremos que uma sequnciadiscursiva a relao da memria com o dizer (ver MARIANI, 1996, p. 44).
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Na anlise destes recortes8, verifica-se que a punio est prevista para
aqueles que levem algum a no gozar do seu direito ao trabalho.
Quando tratamos dos direitos sobre a coisa, gozar direito parcial que se
restringe fruio dos frutos que a coisa possa produzir. Se acompanhado do uso (fruio
das utilidades) e da disposio (consumo da substncia), o gozo garante a propriedade
plena sobre a coisa (jus utendi, jus fruendi, jus abutendi). Gozar fruir em sentido restrito,
fruir os frutos. Usar fruir as utilidades, gozo restrito porque no vai alm da utilizao.
No gozo, como direito parcial sobre a coisa, est contido o dever de preserv-la do
consumo e da deteriorao (exceto a deteriorao pelo prprio gozo). Por sua vez, quando
se fala em gozar de direito, preciso que se estabeleam dois momentos: a verificao das
condies previstas em lei para o exerccio do direito (o que leva noo de direitoadquirido) e a verificao das condies previstas em lei para o gozo do direito. Nesse
sentido, o exerccio do direito seu desempenho, relacionado ao uso. O gozo est
relacionado fruio dos frutos do direito. O gozo de direito, assim como o gozo da coisa,
pode ser interrompido, todavia, o gozo de direito no pode ser transmitido. Assim, em
1890, o exerccio do direito ao trabalho segue o dispositivo constitucional segundo o qual
nenhum trabalho pode ser proibido, desde que no se oponha aos costumes, segurana e
sade (BRASIL, 1824, art. 179, XXIV), j seu gozo, quela poca, considerava o gozo dosalrio.
O fato punvel nos dispositivos que compem as sequncias discursivas 1 a
5 no interromper a atividade, mas provocar algum a tal interrupo. O sujeito do
delito, portanto, pode ser qualquer um. Sua conduta pode recair sobre trabalhadores
(operrios) ou proprietrios de estabelecimentos (patres) desde que provoque a
interrupo ou suspenso do trabalho. Em SD2 esto presentes os verbos seduzir e aliciar,
que produzem o efeito de sentidos de um trabalhador incapaz, de atitudes e juzo sujeitos influncia e persuaso de outrem.
No texto substitutivo, as condutas do tipo so descritas por verbos que
apontam para uma interferncia maldosa, fraudulenta do agente no nimo de um sujeito
passivo que estaria na direo certa. Assim, o agente desvia, ameaa, constrange, impe
(SD4 , SD5). Com a derrogao, portanto, a criminalizao no mbito da liberdade do
8A noo discursiva de recorte no considera somente o texto, mas a sua situao discursiva. O recorte
uma unidade discursiva. Por unidade discursiva, entendemos fragmentos correlacionados de linguagem esituao. Assim, o recorte um fragmento de situao discursiva. (...) Pretendemos que a ideia de recorteremeta polissemia e no de informao (ORLANDI, 1984, p. 14)
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trabalho fica restrita s condutas de violncia (fsica ou no) que levem limitao do
exerccio daquela liberdade.
O discurso da Repblica nascente, materializado no Cdigo de 1890,
portanto, de valorizao e de proteo do exerccio do trabalho (no do trabalhador) e de
punio de quem no se enquadre no novo modo de produo: sejam os que resistem
incluso no mercado (vadios, jogadores, capoeiras), sejam os que induzem outros a resistir,
a desviar do caminho certo.
Em 1891 foi promulgada a primeira Constituio da Repblica. Com o fim
da escravido e o ingresso de trabalhadores europeus para a lavoura de caf e para a
incipiente indstria brasileira, o texto daquela Constituio prev o direito liberdade,
segurana e propriedade a brasileiros e estrangeiros residentes (BRASIL, 1891, art. 72).Quanto a estes ltimos, trata da possibilidade de expulso daqueles considerados
perigosos ordem publica ou nocivos aos interesses da Republica (BRASIL, 1891, art.
72, 33).
O que destacamos do texto da Constituio de 1891 com relao ao
estrangeiro que a partir da inscrio de estrangeiro surge o sujeito estrangeiro e,
consequentemente, a definio do seu par dicotmico: o brasileiro. Este movimento traa
uma fronteira imaginria no territorial e contribui para a construo do imaginrio deNao brasileira (BRASIL, 1891, art. 1) e de nacional (BRASIL, 1891, arts. 69 e ss) a
partir da definio de direitos e deveres. Define-se assim o espao do que se pretende a
Nao brasileira. Erguem-se as bordas do recipiente em cujo interior esto os brasileiros
e no qual podem ingressarvindos de fora daquele espaoos estrangeiros.
Se mencionamos que a primeira marca, presente na lei, da constituio do
mercado de trabalho a diferenciao entre trabalhadores e ociosos processo de
significao de carter econmico, j que estabelece a medida de maior ou menorvalorizao do trabalho pelo sujeito , a diferenciao entre brasileiros e estrangeiros
essa, de carter poltico e social tambm necessria na medida em que, como vimos,
naquele momento, com a economia cafeeira, a classe de trabalhadores inclui um grande
nmero de imigrantes estrangeiros.
Se procedermos a uma leitura discursiva, podemos pensar em:
Trabalhador brasileiro
Trabalhador estrangeiro
Estrangeiro ocioso
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Brasileiro ocioso
Pela definio que apresentamos acima, brasileiro ocioso e estrangeiro
ocioso no se referem somente queles que no exercem atividades laborativas, mas sim
aos que so enquadrados pela lei (significados de forma homogeneizada no discurso da lei)
como aqueles que no valorizam o trabalho, resistem ao novo modelo e, por isso, esto
sujeitos disciplina e controle do Estado. Da, brasileiro ociosoabriga, dentre outros, os
vadios, os mendigos, os brios e aqueles queprovocam a cessao do trabalho por meio de
ameaas. Em estrangeiro ocioso, os anarquistas.
Para Pcheux (2002[1988]), as formas o que... e aquele que... que, em
princpio, seriam processos sintticos de construo de nomes prprios compostos, no
garantem a unicidade do objeto podendo, ao contrrio, levar ao ponto de extino destaunicidade.
Em outros termos, o prprio da estrutura sinttica aquele que.../ oque... autorizar, em certas condies lexicais e gramaticais(modos, tempos, artigos, etc.) uma espcie de esvaziamento doobjeto a partir da funo, o que faz com que a forma sinttica deconstruo do nome prprio (aquele que VN, o que VN), quepoderia, por sua prpria natureza, passar por geradora dedeterminao, aparea, na realidade, como sendo igualmente
suscetvel de remeter ao indeterminado, caso no qual aquele que setorna o equivalente de qualquer um que, e o que se tornaequivalente de o que ou qualquer coisa que (PCHEUX,2002[1988], p. 97, grifos do autor).
Trata-se do fenmeno de indeterminao, que est presente no s no
discurso jurdico, mas nas noes gerais do quotidiano e na determinao de conceitos pelo
discurso cientfico. Trata-se de uma forma do discurso jurdico de esvaziamento do objeto
e de produo do sujeito-de-direito no lugar deixado vazio.
Mariani (1996) mostra como o discurso sobre os comunistas brasileiros tem
razes na forma de representao dos comunistas e dos anarquistas estrangeiros e
construindo seu entendimento sobre a tica dos direitos humanos, de Badiou
(1995[1993])analisa tambm como h uma valorao negativa que remete o sentido de
comunista a uma regio de sentidos outra a qual corresponde o Mal, concluindo que o
comunista (relacionado ao sentido de anarquista) o outro que no o brasileiro.
Tal disjuno Bem-Mal se marca naquelas categorias jurdicas que
apresentamos acima com a diferena de que no consideramos somente o critrio poltico
(ser brasileiro ou estrangeiro) mas tambm o econmico (valorizar ou no o trabalho): ao
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Bem correspondem trabalhador brasileiroe trabalhador estrangeiro; ao Mal, estrangeiro
ociosoe brasileiro ocioso. a esses ltimos que, nestas condies de produo, se dirige a
disciplina estatal por meio do Direito Penal.
A partir do trabalho de Neder (2012[1986]) podemos perceber como outras
aes do Estado, alm da tipificao de condutas, acompanham a construo da ordem
burguesa, dentre elas o trato que se d s crianas abandonadas e aos alienados, ao
alcoolismo, aos acidentes de trabalho e, principalmente, ao malandro que, no final do
sculo XIX e incio do XX apresenta as mesmas caractersticas do capoeira do sculo
anterior. Destacamos tambm a perseguio aos estrangeiros que representavam a
principal fora na nascente indstria brasileira e que eram relacionados aos anarquistas
europeus e responsveis por incitar as greves e liderar os movimentos operrios.Werneck Vianna (1999), ao tratar da regulao do mercado de trabalho no
perodo Vargas, mostra como era significativa a participao dos estrangeiros nas
lideranas do movimento operrio brasileiro. A presena aguerrida e consciente dos
estrangeiros era temida a ponto de, em 1931, ser editado o Decreto 19.770 (BRASIL,
1931). Por meio dessa norma, h a limitao do nmero de estrangeiros associados aos
sindicatos. O decreto exige que 2/3 dos associados sejam brasileiros natos ou
naturalizados. Alm disso, a norma dificulta a indicao de estrangeiros e naturalizadosaos cargos de chefia sindicais.
Essa medida encontra-se, de acordo com Werneck Vianna (1999), no trip
da sistemtica sindical adotada pelo governo: desmobilizao, despolitizao e
desprivatizao.
Tal norma, ao regulamentar o sindicalismo no Brasil com a estratgia de
trnsito para a estrutura corporativa, alm de adotar o sindicato nico e de tom-lo como
rgo de colaborao do poder poltico, objetiva impedir os conflitos classistas,direcionando as reivindicaes para o aparelho estatal. Introduz uma poltica de vigilncia,
investigao e controle dos sindicatos pelo Estado, proibindo-os de qualquer envolvimento
poltico.
Nessa esteira de controle e represso do movimento operrio, a instigao
paralisao de servios pblicos ou de abastecimento passa a ser prevista como crime
contra a ordem poltica e social pela lei n 38 de 4 de abril de 1935. A lei no prev como
crime a paralisao que tenha por finalidade questionar as condies do trabalho. Punem-
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se, portanto, as reivindicaes de carter poltico, as que ultrapassem conforme a
significao jurdicaas questes da situao de trabalho (BRASIL, 1935, arts. 18-20).
A lei de segurana do Estado e da Ordem Social de 1938 (Decreto-Lei n
431 de 18 de maio de 1938) aumenta a pena de priso do crime de instigao paralisao
de servios pblicos e de abastecimento (BRASIL, 1938, art. 2, 12). Alm disso,
prevista pena de morte aos lderes de movimentos que tentem, por meios violentos,
subverter a ordem poltica e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o
estabelecimento da ditadura de uma classe social (BRASIL, 1938, art. 2, 5). No esprito
da Constituio de 1937 que previa a greve e o lockout como recursos antissociais,
nocivos ao trabalho e ao capital e incompatveis com os superiores interesses da produo
nacional (BRASIL, 1937, art. 139, 2 parte) editada a lei de segurana de 1942(Decreto-Lei n 4766 de 1 de outubro de 1942) que tambm pune a suspenso do trabalho
que tenha como intuito causar embaraos defesa nacional, prejudicar o bem estar da
populao ou que tenha fins econmicos (BRASIL, 1942b, arts. 32, 33 e 42).
O Decreto-lei n 1.237, de 2 de maio de 1939, que institui a Justia do
Trabalho, prev punies em caso de greve, desde a suspenso e a despedida por justa
causa at a pena de deteno. O Cdigo Penal 1940 (BRASIL, 1940, arts. 200 e 201),
ainda em vigor, considera crime a paralisao do trabalho na hiptese de perturbao daordem pblica ou se o movimento for contrrio aos interesses pblicos.
Em 1943, ao ser promulgada a CLT, lembra Martins (1998):
estabelecia-se pena de suspenso ou dispensa do emprego, perdado cargo do representante profissional que estivesse em gozo demandato sindical, suspenso pelo prazo de dois a cinco anos dodireito de ser eleito como representante sindical, nos casos desuspenso coletiva do trabalho sem prvia autorizao do tribunaltrabalhista (art. 723). O art. 724 da CLT ainda estabelecia multa
para o sindicato que ordenasse a suspenso do servio, alm decancelamento do registro da associao ou perda do cargo, se o atofosse exclusivo dos administradores do sindicato.(op cit, p. 695)
O Decreto-lei n 9.070, de 15 de maro de 1946, passa a tolerar a greve nas
atividades acessrias, no obstante a proibio prevista na Constituio de 1937. Nas
atividades fundamentais, contudo, permanecia a vedao.
Com a Carta de 1946 a greve passa a ser reconhecida como direito dos
trabalhadores, embora condicionando o seu exerccio edio de lei posterior (BRASIL,
1946a, art. 158). importante assinalar, com Martins (1998), que o STF entendeu que o
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_34/artigos/Art_carlos.htm#/h -
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Decreto-Lei n 9.070/46 no havia sido revogado pois no era incompatvel com a
Constituio de 1946, que determinava que a greve deveria ser regulada por lei ordinria,
inclusive quanto s suas restries.
O dispositivo constitucional s foi regulamentado dezoito anos mais tarde
com a edio da Lei n 4330/1964. A lei somente considerava como greve lcita aquela
exercida por trabalhadores celetistas, proibindo expressamente esse tipo de manifestao
pelos servidores pblicos, ressalvados poucos casos dos quais trataremos posteriormente
(BRASIL, 1964, art. 4).
A lei n 1.802 de 5 de janeiro de 1953 (define os crimes contra o Estado e a
Ordem Poltica e Social) segue o entendimento segundo o qual proibida a paralisao de
servios pblicos. Isto se verifica com a previso de dois crimes: incitar as classes sociais luta pela violncia (BRASIL, 1953, art. 12) e instigar a paralisao de servios pblicos e
de abastecimento (BRASIL, 1953, art. 13). Prev causas especiais de aumento de pena aos
crimes contra a organizao do trabalho (BRASIL, 1940, arts. 197-207, BRASIL, 1953,
art. 31) em que haja ameaa ou subverso da ordem social. Em seu art. 37, a lei esclarece
que nenhuma das suas disposies ser aplicada de modo a embaraar ou frustrar o
exerccio, na forma da lei, do direito de greve (BRASIL, 1953, art. 37).
quela poca, o direito de greve era garantido, como mencionado, no art.158 da Constituio de 1946includo tambm em decorrncia da adeso do Brasil Ata
de Chapultepec (resultado da Conferncia Interamericana sobre Problemas de Guerra e
Paz, de 8 de maro de 1945), que recomendava o reconhecimento do direito de associao
dos trabalhadores, do contrato coletivo e do direito de greve.
O Decreto-Lei 314, de 1967, tambm prev como crimes a greve e o lockout
que tenham por finalidade coagir qualquer dos Poderes da Repblica (BRASIL, 1967,
art. 32) e a greve dos servidores pblicos (BRASIL, 1967, art. 34). A greve proibida e asolidariedade a ela so tratadas como propaganda subversiva (BRASIL, 1967, art. 38, V e
VII). Este dispositivo foi retomado na Lei de Segurana Nacional publicada em 1969
(BRASIL, 1969) e na lei que a revogou em 1978 (BRASIL,1978).
Neste brevssimo percurso, pudemos perceber que trabalho e trabalhador
tm sido significados de diferentes maneiras pela legislao brasileira. Os efeitos desta
significao so tambm relevantes na reproduo, nas relaes sociais, do modo de
produo capitalista e relevantes tambm na sua legitimao.
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No regime escravista, o trabalhador e o produto de seu trabalho so ambos
parte da riqueza senhorial. A norma no regulamenta as relaes de trabalho, legitima a
explorao e protege o direito de propriedade do senhor de escravo.
Em outras condies de produo, so definidos outros elementos a serem
protegidos, como o interesse nacional, a ordem pblica e a organizao do trabalho. A
relao patro-trabalhador (empregador-empregado) passa a ser mediada pelo Estadono
s responsvel pela punio dos ociosos, mas tambm regulador das relaes de trabalho
e, mais recentemente, passa a prever a interferncia da representaodo empregado pelo
seu sindicato nas negociaes trabalhistas.
2.2. Mandado de Injuno
Bonavides (1991) entende que o mandado de injuno teria herdado seu
nome do direito anglo-saxo (injunction), mas dele se desatou, por inteiro, do ponto de
vista material ou de contedo, de seu smile predecessor (BONAVIDES, 1991, p. 501),
com ele identificando-se somente quanto ao objetivo de proteo dos direitos subjetivos.
Defende o autor que as razes do instituto jurdico esto no direito romano, onde a
equidade e o direito elaborado pelo juiz tiveram razes consuetudinrias de antecipao.
Entende o autor que o mandato de injuno aproximar-se-ia do interditoromano. Na Inglaterra, todavia, o papel do magistrado, de intrprete das regras jurdicas,
diverge da tradio do resto do continente, em especial de Roma. O common law anglo-
saxnico, apesar de abrir ao magistrado margem criativa na esfera do direito, no presume
um common law preventivo.
Com a finalidade de suprir esse aspecto negativo, o rei delegou ao
Chanceler o poder de expedir ordens especiais (writs) como remdios preventivos em
substituio de penalidades contra atos j consumados, eram esses writs as chamadasinjunes, nascidas portanto da equidade e da busca mesma da justia (BONAVIDES,
1991, p. 503).
Tal medida poderia ter carter ordenatrio ou proibitrio. Por meio dela
poder-se-ia ordenar algum a fazer ou a deixar de fazer algo; ou proibir que algum se
recusasse a fazer ou a deixar de fazer algo. Poderia, pois, ser mandatria ou preventiva.
Poderia ainda ter carter preliminar ou permanente, conforme a injuno se desse no
decorrer do processo ou ao seu final.
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Ainda quanto s origens histricas do mandado de injuno, Bonavides
menciona que, no direito americano do sculo XIX, apresentava-se como um mandado
proibitrio com a finalidade de evitar que o ru fizesse ou consentisse que qualquer um que
estivesse sob sua ordem executasse ato reputado injusto ou ofensivo equidade, na
medida em que atinge direitos de alguma outra parte ou partes, em tal processo ou
procedimento em jurisdio de equidade (BONAVIDES, 1991, p. 501).
Tal procedimento, aliado ao entendimento de que o direito de comrcio
inerente ao direito de propriedade levou os empresrios americanos a questionarem em
juzo os movimentos que levavam paralisao do trabalho. Tratava-se de uma ordem
proibitiva do ato, uma injuno repressiva que passou a ser expedida em grande nmero
sempre a favor dos empregadores impedindo os trabalhadores de convocar greves,conduzir campanhas de publicidade do movimento e de organizar piquetes pacficos.
A partir de fins do sculo XIX, a injuno passou a ser mecanismo
disposio dos empregadores para coibir qualquer manifestao grevista, uma verdadeira
poltica de intimidao.
Diante do inconformismo da classe operria frente ao que ficou conhecido
como governo por injuno, em 1914 foi editado o Clayton Act, limitando o poder das
cortes em expedir mandados de injuno. A injuno limitava-se a reprimir danosirreparveis propriedade, ou ao direito de propriedade, mas no foi suficiente para alterar
o quadro vigente.
Somente em 1932, com a edio da Lei Norris-la Guardia, houve maior
rigor na concesso de injunes em matria trabalhista. A partir da, para a concesso da
injuno, necessrio audincia de comprovao de ameaa de atos ilegais e do perigo de
dano irreparvel, comprovao de violncia iminente e tambm comprovao de tentativa
de negociao prvia.No Brasil, a adoo do mandado de injuno tem aspectos diversos do
americano. Por aqui, aparece j como instituto de direito pblico, inscrito na CRFB/88
de direito constitucional, portanto.
A adoo do mandado de injuno no Brasil segue os dispositivos
constitucionais que tratam da sua hiptese de aplicao (BRASIL, 1988, art. 5, LXXI) e
da competncia para julgamento (BRASIL, 1988, arts. 102, I, qe II, a; 105, I, h). Alm
disso, a cada caso concreto julgado principalmente pelo STF seu procedimento vem
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sendo delineado e consolidado. Procuraremos apontar aqui alguns aspectos controversos
da natureza jurdica e, consequentemente, da sua aplicao e efeitos no direito brasileiro.
Nas discusses da Assembleia Constituinte de 1987, o Senador Virglio
Tvora apresentou a Sugesto 155-4, que inclua no captulo dos direitos e garantias
constitucionais o seguinte artigo Sempre que se caracterizar a inconstitucionalidade por
omisso, conceder-se- mandado de injuno, observado o rito processual estabelecido
para o mandado de segurana (BONAVIDES, 1991, p. 512). No entanto, como este no
foi o texto aprovado, deu azo a questionamentos quanto auto aplicabilidade do instituto.
Alguns grupos entendiam ser necessria a regulamentao do instituto processual, o que
acabou por no vingar, j que o entendimento do STF pugnava pela aplicabilidade do
instituto.Tambm com relao ao projeto de Constituio, Continentino (2013)
lembra que o atual 2 do art. 103 da CRFB/88, que trata dos efeitos da deciso da ao de
inconstitucionalidade por omisso, foi fruto da fuso de dois pargrafos do projeto
apresentado pelo Senado. No original, previa-se, alm da declarao de omisso e da
fixao de prazo para suprimento, a possibilidade de edio de resoluo, pelo STF, com
fora de lei com vigncia supletiva. Critica o autor o fato de os debates constituintes no
serem objeto de discusso nas decises do STF em mandados de injuno, tendo-se optadopor construir o instituto jurdico a partir da mencionada ao direta por omisso.
Mendes (2013) aponta como principais controvrsias do mandado de
injuno brasileiro, alm do condicionamento ou no regulamentao processual:
a) quanto ao contedo da deciso: a doutrina se divide entre os que
entendem que a deciso deve conter regras concretas para o exerccio do direito subjetivo
em questo e os que defendem que o mandado de injuno destina-se somente a aferir a
existncia de omisso que impea o exerccio de direito constitucionalmente assegurado;b) quanto extenso da deciso: tratar-se-ia de regra geral aplicvel no
somente ao caso concreto, mas a todos os casos semelhantes. Tal entendimento daria ao
tribunal poder de editar normas abstratas, semelhante atividade legislativa. Parte da
doutrina se insurge contra o contedo normativo das sentenas, pugnando por uma deciso
de carter mandatrio, mandamental;
c) admissibilidade do mandado de injuno: h entendimentos no sentido
de que no seria admissvel nos casos em que h necessidade e organizao de determinada
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atividade ou servio pelo poder pblico e/ou disponibilidade de recursos pblicos
(atribuies do poder Executivo).
Mendes (2013) defende a necessidade de edio de norma que regulamente
o processamento do mandado de injuno, tratando dessas questes controversas que vm
sendo construdas pela jurisprudncia do STF. Segundo o jurista, a ausncia de disciplina
processual
acabou por obrigar o supremo tribunal, num curto espao detempo, no s a apreciar a questo relativa imediata aplicaodesse instituto, independentemente de regras processuais prpriascomo tambm decidir sobre o significado e a natureza do mandadode injuno na ordem constitucional brasileira (MENDES, op cit,p. 23)
O sentido dicionarizado de mandado (HOUAISS, 2001) ao ou efeito
de mandar. o ato pelo qual uma autoridade exige o cumprimento de algo ou emite
ordens para que algum faa ou deixe de fazer algo. Injuno uma imposio (idem), ato
de impor obrigao em decorrncia de lei ou de outra causa de exigncia.
No Brasil, mandado de injuno ento a ordem de uma autoridade que
impe uma obrigao em decorrncia de normativo constitucional.
O mandado de injuno, no direito brasileiro, apesar das tentativasdoutrinrias de equipar-lo a outros institutos com o mesmo nome em vigor em outros
sistemas legais, possui caractersticas especficas.
Nas condies de produo em que surgiu nos Estados Unidos, o mandado
de injuno foi significado de modo a proibir aos trabalhadores, em favor do direito de
propriedade, o exerccio do direito de greve.
No Brasil, previsto na CRFB/88 como mecanismo de defesa dos preceitos
constitucionais, o mandado de injuno tem sido significado de modo diverso. No sopostos em questo dois direitos fundamentais, como o direito propriedade e o direito ao
exerccio do trabalho ou de greve. Pe-se em questo a impossibilidade do exerccio de
um direito fundamental em virtude da ausncia de regulamentao. A tenso no se
estabelece entre os sujeitos, mas entre sociedade civil e Estado. O Judicirio atua diante da
omisso do Legislativo que impede ao cidado o exerccio de um direito.
Previsto para suprir a falta de uma lei, o prprio mandado de injuno ainda
carece de regulamentao e seus limites tm sido definidos a cada deciso judicial.
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Por isso, a cada mandado de injuno julgado pelo STF tm sido definidos
os critrios de legitimao ativa (capacidade das partes e interesse de agir) e passiva do
procedimento, a competncia para julgamento, a possibilidade e os efeitos de uma deciso
liminar, qualidade e efeitos das decises (se meramente declaratrias, se mandatrias, ou
mistas), a possibilidade de aplicao temporria de lei enquanto no editada lei especfica,
se o efeito da deciso final restringe-se s partes do processo ( inter partes) ou se
aplicvel a todos em situao anloga (erga omnes). Alm disso, discute-se a
possibilidade de reviso posterior da deciso judicial (clusula rebus sic standibus) e os
limites dos seus efeitos (ex nunc ouex tunc).
Em linhas gerais, apresentamos neste captulo como a interrupo
reivindicatria do trabalho tem sido tratada pela norma (nomeando, regulando, proibindo,permitindo). Ao lado disso, apresentamos como o mandado de injuno ingressou no
ordenamento jurdico brasileiro.
O ato de interromper o trabalho recebe diferentes nomes e sentidos diversos
assim como variam as suas condies de produo. Da mesma forma, o nome mandado de
injuno, quando ingressa na legislao brasileira, no nomeia o mesmo que o injunction
anglo-saxo. Essa constatao importa para tratarmos da relao entre a norma jurdica e a
norma lingustica. A determinao de direitos e obrigaes e a fixao de sentidos.
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3. TEORIA DO DISCURSO
A Anlise do Discurso, da forma como foi pensada por Pcheux
(2010[1969]) na Frana dos fins dos anos 1960, apresenta-se como crtica chamadaAnlise de Contedo, metodologia das cincias humanas e sociais. Neste captulo,
delinearemos as noes iniciais da disciplina e apresentaremos a noo peculiar de silncio
que ela permite.
Henry (2010[1969]), com a finalidade de estabelecer os fundamentos
tericos da Anlise Automtica do Discurso, ressalta que entre 1966 e 1968 Pcheux
publicou em seu nome ou sob pseudnimo de Thomas Herbert, artigos cujos temas
variavam entre a apresentao do sistema de Anlise Automtica do Discurso e
apresentao dos problemas tericos, filosficos e polticos que o levaram a construir o
sistema.
Segundo Henry (2010[1969], p. 12), era ambio de Pcheux abrir uma
fissura terica e cientfica no campo das cincias sociais, e, em particular, da psicologia
social. Fazia isso com base no movimento que tomava lugar naquele perodo, no qual
figuravam Jacques Lacan e sua releitura dos estudos freudianos; o materialismo histrico
renovado por Louis Althusser a partir da sua releitura de Marx, e tambm os efeitos do
movimento estruturalista, interessando a Pcheux, principalmente, aspectos que
supunham uma atitude no reducionista no que se refere linguagem.
Pcheux objetivava ao desenvolver a anlise automtica dodiscurso: fornecer s cincias sociais um instrumento cientficodeque elas tinham necessidade, um instrumento que seria acontrapartida de uma abertura terica em seu campo (HENRY,2010[1969], p. 13)
Pcheux tambm acrescenta viso no positivista e antiempiricista em
epistemologia, histria e filosofia da cincia, a anlise marxista sobre as
consequncias da diviso do trabalho (em particular, da separaoentre o trabalho manual e o trabalho intelectual), e sobre asconsequncias do carter contraditrio da combinao das forasprodutivas e das relaes sociais de produo em uma sociedadedividida em classes (HENRY, 2010[1969], p. 1