hermenÊutica constitucional e pÓs-positivismo
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João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
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JOINVILLE – SANTA CATARINA
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E PÓS-POSITIVISMO:
NOTAS SOBRE A METÓDICA ESTRUTURANTE E SOBRE
A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO
CONSTITUTIONAL HERMENEUTICS AND POST-POSITIVISM: NOTES ON THE STRUCTURING METHODIST AND WEIGHTING TECHNIQUE
João Fábio Silva da Fontoura1
Diego dos Santos Lima2
Alice Cardozo da Silva3
Antônio Carvalho Martins Filho4
Jayson Cícero de Souza5
Rosângela Victório Eugenio6
Resumo
O objetivo do presente trabalho consiste em definir os elementos caracterizadores do pós-positivismo, e, a partir disso, expor e discutir as propostas de Friedrich Müller e Robert Alexy acerca do método jurídico. As proposições desses autores no plano da teoria do direito determinarão a pertinência de suas proposições sobre o método no âmbito do pós-positivismo. Neste ponto, a posição de Müller parece mais satisfatória a uma efetiva superação do positivismo do que a posição de Alexy.
Palavras-chave: Positivismo Jurídico, Pós-positivismo, Metódica Jurídica, Friedrich Müller, Robert Alexy.
1 Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional –
ABDCONST, Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina,
professor de Direito Constitucional da Faculdade Cenecista de Joinville – FCJ. 2 Acadêmico do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville, monitor do grupo de estudos 2009 da
ABDCONST-FCJ. 3 Acadêmica do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.
4 Acadêmico do 5º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.
5 Acadêmico do 5º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.
6 Acadêmica do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
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Abstract
The purpose of this study is to define the elements that characterize the post-positivism, and thus describe and discuss the views of Friedrich Müller and Robert Alexy on the matter of the legal method. The propositions of these authors in terms of theory of law will determine the relevance of their statements about the method in the context of post-positivism. In this regard, the position of Müller seems more satisfactory to effective overcoming of legal positivism than the position of Alexy.
Keywords: Legal Positivism, Post-positivism, Legal Method, Friedrich Müller, Robert Alexy.
Sumário: Introdução. 1. Positivismo jurídico e pós-positivismo. 1.1. Gênese do Positivismo
Jurídico. 1.2. O Conceito de Positivismo Jurídico. 1.2.1. Proposta de definição
positivismo jurídico. 1.3. Pós-positivismo: Sentido e Limites. 2. A proposta de
Friedrich Müller. 2.1. Aspectos de Teoria da Norma. 2.1.1. Norma e texto de norma.
2.1.2. Estrutura da norma e normatividade. 2.2. Aspectos da Metódica Estruturante.
2.2.1. Concretização e interpretação. 2.2.2. Processo de concretização e regras de
preferência. 3. A proposta de Robert Alexy. 3.1. Contextualização do Pensamento de
Alexy. 3.2. Teoria da Norma Jurídica na Teoria dos Direitos Fundamentais. 3.2.1.
Normas e disposições . 3.2.2. Regras e princípios e a técnica da ponderação. 3.2.3.
Ábaco representativo da relação espacial entre regra e princípio. 4. Considerações
finais. Referências Bibliográgicas.
INTRODUÇÃO
Tornou-se lugar comum no constitucionalismo brasileiro a assunção de um
posicionamento em termos de método — o que é tratado na literatura pátria
majoritariamente sob a rubrica de hermenêutica7 — que se intitula pós-positivista. De
uma forma geral, se pode dizer que os posicionamentos dos pós-positivistas do
Brasil, por fragmentada e indefinida que tal corrente se mostre, levam em conta para
suas conclusões uma entre duas perspectivas oriundas do direito alemão: Ora a de
Robert Alexy, ora a de Friedrich Müller8.
Contudo, parece-nos que, à luz da metódica estruturante de Müller, o termo
pós-positivismo não possa ser aplicado à perspectiva hermenêutica de Robert Alexy,
por razões adjacentes ao conceito de norma jurídica exposto por este autor,
7 Filiamo-nos à terminologia de Müller, que engloba a hermenêutica na sua metódica jurídica, que é
bem mais ampla, como se verá na seção 3 deste artigo. 8 Embora, como assinala Dimitri Dimoulis, o pós-positivismo brasileiro não se identifique com o pós-
positivismo germânico, redutível ao pensamento de Müller. (Vide DIMOULIS, 2006).
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nomeadamente em sua monumental Teoria dos Direitos Fundamentais. De toda
sorte, não é totalmente correto dizer que Alexy se intitula como “pós-positivista”,
postura que, aliás, é mais comum entre os autores. Não se encontra em sua obra
uma preocupação capital em definir o que seja o positivismo jurídico, e muito menos
em contrapor sistematicamente as conclusões desta corrente. Deste prisma, o termo
pós-positivismo é vinculado mais propriamente à obra de Friedrich Müller, para
quem, ao contrário, a negação do positivismo jurídico representa uma questão
fulcral9.
O objetivo do presente artigo consiste na identificação das coordenadas
caracterizadoras do positivismo jurídico, bem como das ideias centrais da teoria da
norma de Alexy e Müller, para propor que a obra de Alexy não pode ser considerada
como pós-positivista. Como o pós-positivismo brasileiro é em sua maioria de matriz
alexyana, o artigo demonstrará que a sua discussão hermenêutica precisa tomar, no
mínimo, uma revisão terminológica. Na realidade, questionam-se aqui as condições
da própria existência de um autêntico pós-positivismo no quadro dos pressupostos
teóricos que informam a maior parte dos autores envolvidos no debate brasileiro.
O artigo parte de uma seção dedicada ao positivismo jurídico e ao pós-
positivismo, chegando-se a uma proposta de definição destes termos. A terceira
seção concentra as questões relativas à Teoria Estruturante do Direito. A quarta
seção concentra-se no pensamento de Robert Alexy. Na quinta seção, por fim,
avaliam-se comparativamente as perspectivas de Alexy e de Müller.
1 POSITIVISMO JURÍDICO E PÓS-POSITIVISMO
1.1 Gênese do Positivismo Jurídico
O positivismo, como é cediço, surgiu também como superação do
jusnaturalismo, embora atribuir ao positivismo a condição de mera antítese do direito
9 Uma abordagem que se assume pós-positivista e se embasa declaradamente em Alexy pode ser
encontrada em Bustamante (2005). Sobre o pós-positivismo na abordagem de Müller, vide as
seções seguintes do presente artigo.
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natural não seja adequado. Nas palavras de Dimitri Dimoulis “o positivismo jurídico
se relaciona causalmente com o processo histórico de derrota do direito natural” e,
igualmente, com “a substituição das normas de origem religiosa pelas leis estatais
nas sociedades europeias da Idade Moderna (...)” (DIMOULIS, 2006, p. 68).
Para uma correta compreensão de seu sentido, o positivismo deve ser
tratado dentro de sua historicidade específica. A transição de uma normatividade
jusnaturalista para o direito positivo guarda relações com a recriação das funções do
direito, de seus modos de operação e, muito especialmente, de sua base de
legitimidade e validade. Justamente por esta razão, uma digressão histórica se
mostra salutar.
Como assinala Fernando José Bronze, o positivismo jurídico foi uma
verdadeira inovação no que tange à concepção de direito. O direito até seu advento
“identificava antes uma normatividade muito complexa, que provinha de vários
fatores que os próprios juristas iam constituindo à medida que a realizavam.”
(BRONZE, 2002, p. 283). Muito diferentemente, o Positivismo representou a
identificação (ou redução) do direito com as leis previamente postas por uma
autoridade, radicada no soberano.
Assim, na era que Bronze alcunha de “pré-positivista”, o direito era
construído na medida em que surgia a necessidade de solução para os problemas
concretos. Pode-se dizer, portanto, que o direito pré-positivista era estritamente
ligado à filosófica prática. A filosofia prática constituía o próprio direito, ou melhor,
revelava o próprio direito na medida em que ele se realizava nas relações humanas.
Os juristas daquele período histórico compreendiam-se como “hermeneutas de uma
ordem pré-suposta e nunca como criadores dela” (BRONZE, 2002, p. 284). O
positivismo, em oposição, passou a considerar o direito como objeto de
conhecimento do pensamento jurídico. A lei era, portanto, aquela posta pelo
soberano e somente aquela.
Em sua sistematização da época pré-positivista, Bronze distingue três fases:
a fase clássica romana, a fase medieval e a fase do pensamento jurídico da era
moderna. No período clássico romano, nos termos do que foi dito acima, o direito
advinha do tratamento das situações concretas. Nesta fase as fontes legais eram
escassas, porque se entendia que não havia necessidade delas, uma vez que os
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juristas cumpriam a sua tarefa mediante a solução de casos análogos, comparando-
os uns aos outros e utilizando-se dos precedentes. Os juristas, portanto, entendiam
que não constituíam o direito, mas apenas o revelavam.
No período medieval, o direito continuava sendo extraído da iuris-prudentia,
mas passou-se a considerar a hermenêutica com base no método escolástico, o
qual, conforme assevera Bronze, “é no fundo uma dialética problemática”. Esse
método consistia na apresentação de uma decisão provisória para um fato. Em
seguida discutiam-se os pontos a favor e os contra, e, através da dialética chegava-
se a uma conclusão definitiva10.
Por fim, o pensamento moderno consagrou a terceira fase da época pré-
positivista. A este ponto, passou-se a compreender o direito como uma “construção
dedutiva feita a partir de uma racionalidade axiomaticamente afirmada.” (BRONZE,
2002, p. 287). Esse pensamento rompeu com a anterior concentração jurisprudencial
por três razões fundamentais: (i) a leitura antropocêntrica, visto que o “homem
moderno libertou-se da transcendência teológica medieval e passou a pretender
constituir uma nova ordem a partir de si mesmo” (BRONZE, 2002, p. 287); (ii) o
aparecimento da racionalidade sistemática de Descartes, vinculada à filosofia
prática; e, (iii) o aproveitamento dessa racionalidade dedutiva para afirmar a ciência
moderna, pois “enquanto o homem pré-moderno lia a verdade na ordem
pressuposta, para o homem moderno a verdade estava na própria estrutura racional
do sujeito pensante.” (BRONZE, 2002, p. 288).
O autor conclui que “até a época moderna (inclusive) o direito se não
distingue da filosofia prática.” E é justamente neste ponto que o juspositivismo surge,
rompendo com esta visão das coisas e afirmando que a constituição do direito está
sujeita à vontade política do poder legislativo, ou seja, à vontade humana.
Essas novas construções do positivismo se deram em razão de alguns
fatores determinantes. O primeiro deles diz respeito ao fator filosófico-cultural geral,
sobretudo ao pensamento iluminista. Enquanto na época pré-moderna o homem
encontrava seu sentido fora de si (extraponência), na Idade Moderna o homem
10
Nota-se que nesta época utilizava-se o direito a partir dos textos, mas a estes textos não se
reduzia o direito. A solução do caso concreto, portanto, ainda se encontrava e se fundamentava
nos valores da filosofia prática.
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passou a compreender-se a partir de si mesmo. Ou seja, passou a existir uma nova
concepção de homem, livre e racional (BRONZE, 2002, p. 292)11.
O segundo fator determinante foi o fator cultural (assim denominado, embora
ligado à religião). O secularismo moderno passou a entender que o responsável
pelos valores do mundo era o próprio homem e não mais projeções da vontade ou
da razão divina. Apesar de afirmar que é o homem que constrói sua própria história,
o secularismo não deixou de ser exotérico, na medida em que não negava o “diálogo
do homem com a transcendência”. Todavia, esse estado de coisas reforçou o papel
da legislação, que era o único instrumento restante de que o homem dispunha para
regular a vida prática.
Tendo chegado a este ponto o pensamento jurídico, no quadro de um
“pensamento moderno-iluminista”12, o direito passou paulatinamente a ganhar a
forma paradigmática que nos foi legada no século XX, a forma de um direito
desvinculado da filosofia prática, e já imbuído da marca da criação humana pura
(tese social, como se verá a seguir), predominantemente positivado através de
textos legais. Já se tornam presentes, assim, alguns dos pressupostos histórico-
sociais que permitiram o surgimento do positivismo jurídico enquanto uma teoria de
explicação do fenômeno jurídico e uma metódica específica.
1.2 O Conceito de Positivismo Jurídico
No presente artigo o positivismo jurídico e o pós-positivismo serão
considerados especialmente em suas relações com a metódica jurídica. Cuida-se,
portanto, mais do chamado “positivismo da interpretação” ou “positivismo do
tratamento da norma”, do que do “positivismo da vigência do direito”. Contudo,
apesar de tal distinção conceitual, uma perspectiva metódica estará sempre ligada
aos pressupostos que lhe embasam em termos de teoria da norma13.
11
O autor destaca que o pensamento moderno tende a hipertrofiar o que vai afirmando, desse modo
a autonomia dará lugar ao individualismo, a secularização ao secularismo, etc.. 12
Bronze, (2002, p. 291), utilizando este corte histórico como a referência principal entre os
elementos genéticos do positivismo jurídico. 13
Adota-se, portanto, a distinção entre o positivismo da validade do direito – no qual os autores
“dedicam sua energia intelectual” em definir o que seja direito e traçar os parâmetros de sua
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A exposição da gênese do positivismo jurídico, a partir do pensamento
clássico, desembocou no direito pré-posto e im-posto do pensamento moderno-
iluminista14. E a conclusão a que se pode chegar é a de que sob esta perspectiva do
direito abrigaram-se tendências variadas, que tornaram tanto mais complexo o
conceito de positivismo jurídico, e tanto maior seu arcabouço de ideias e postulados.
Neste norte, diante do escorço histórico que foi levado a efeito alhures, o positivismo
jurídico de que esta exposição mais se servirá será aquele situado entre os séculos
XIX e XX, nos quais já se possa referir um positivismo legalista. Do ponto de vista
jurídico-sociológico, o direito que segue à época moderno-iluminista foi impulsionado
pela necessidade de segurança e calculabilidade da sociedade burguesa em
desenvolvimento (KAUFMANN, 2002, p. 114-115). Do ponto de vista jurídico-
filosófico, descendeu da prevalência do direito posto pela autoridade soberana, ou,
com Bobbio, de um “impulso histórico para a legislação” (BOBBIO, 1995, p. 119).
Com arrimo em Castanheira Neves, pode-se dizer que o positivismo legalista
que chegou aos séculos XIX e XX é caracterizado, do ponto de vista metodológico:
a) por entender o direito como “entidade racional subsistente em si”, como sistema
estruturado considerável em termos absolutos e difusor de sua própria existência
concreta; b) pela compreensão do sistema jurídico como “sistema normativo
unitariamente consistente (sem contradições), pleno (sem lacunas) e fechado
(autossuficiente)”; c) pela concepção do concreto ato da decisão jurídico-normativa
como resultante da análise do texto da norma complementada por uma operação
lógico-silogística com os fatos; d) pela tomada de quaisquer valorações normativas
validade – e o positivismo no tratamento da norma – no qual são tratados propriamente dos meios
e formas de interpretação do direito e de sua realização. O que interessa especificamente ao
estudo é a segunda espécie mencionada, não se excluindo desde logo a possibilidade de invasão
de um campo pelo outro, como se verá adiante — a perspectiva do positivismo da vigência do
direito pode motivar, através principalmente da teoria da norma que lhe é própria, conclusões
relevantes do ponto de vista do tratamento da norma (p. ex., uma teoria da norma que a imagine
como texto legal dificilmente abrirá caminhos para uma visão que considere a realidade co-
constitutiva da prescrição jurídica). Cf. Müller (2008, p. 115-116). Cf., também, Dimoulis (2006, p.
209). O autor refere à distinção feita por F. Müller, embora não no trabalho que aqui indicamos, e
sim no livro Juristiche Methodik (edição de 1997, p. 74). Igualmente condicionando os destinos do
método jurídico à concepção de norma que se adote, vide Alexy (2001, p. 52). 14
Bronze (2002, p. 292): “O positivismo assentava na ideia geral de que o direito era posto (no duplo
sentido de im-posto e pré-posto) pelo poder legislativo. Para os juristas – tal como, de resto, para
os cidadãos – o direito era um dado pré-suposto, de modo que nada mais lhes restava do que
submeterem-se a ele.”
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ou intenções sócio-políticas acopladas ao Direito como inaplicáveis à análise da
correção de uma decisão jurídica, que deveria ser feita apenas sobre o prisma de
uma “coerência sistemática num quadro dogmático-conceitual”, ou seja, por critérios
essencialmente formais (CASTANHEIRA NEVES, 1995, p. 307-308)15.
Os elementos até aqui arrolados já permitem uma caracterização dos
postulados centrais do positivismo jurídico. Contudo, antes de partir à definição aqui
proposta, cumpre referir a exposição de Dimitri Dimoulis acerca do positivismo
jurídico, emblemática no pensamento brasileiro. Em primeiro lugar, porque o próprio
autor declara-se um positivista, e é interessante que este ponto de vista seja aqui
levado em conta; em segundo lugar, porque o autor se fundamenta partir da
bibliografia positivista mais moderna, abordando especificamente o positivismo
jurídico atualmente defendido16. Na obra aqui consultada, em uma definição
preliminar do autor, o positivismo jurídico se classifica como o reconhecimento de
que o único objeto possível da ciência jurídica sejam as normas postas por um ente
dotado de autoridade legítima e que, por isso, possuem validade17. Entretanto,
Dimoulis estabelecerá a distinção entre positivismo jurídico lato sensu (oposto ao
jusnaturalismo) e positivismo jurídico stricto sensu (oposto ao moralismo jurídico); e,
neste último, distinguirá o positivismo jurídico inclusivo (que aceita a influência moral
na existência e no conteúdo do direito), o positivismo jurídico exclusivo (que defende
que o direito resulta exclusivamente de fatos sociais), e as “abordagens específicas”
no quadro do positivismo jurídico stricto sensu — a jurisprudência dos interesses
(que aqui poderia ser colocada ao lado de todas as escolas do século XIX e XX), o
realismo jurídico, a teoria autopoíética de Luhmann e, ainda, o pragmatismo jurídico-
político (corrente na qual se insere o autor).
O positivismo jurídico lato sensu encerra a oposição entre juspositivismo e
jusnaturalismo, porquanto opera a partir da “tese social”, ou “tese dos fatos sociais”.
15
Todo o parágrafo, incluindo os trechos entre aspas, é devido às ponderações do autor. 16
No qual se encontrarão, todavia, as características essenciais que servirão à proposta que
seguirá, cf. seção 2.2.1, infra. Na verdade, a utilização da obra de Dimoulis cumprirá o objetivo de
demonstrar que as teses centrais do positivismo jurídico permaneceram relativamente inalteradas
e que, a partir delas, o pós-positivismo encontra suas verdadeiras (e ainda atuais) motivações. 17
Dimoulis (2006, p. 68): “Isso indica que ser positivista no âmbito jurídico significa escolher como
único objeto de estudo o direito que é posto por uma autoridade e, em virtude disso, possui
validade.”
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Alojada no plano das fontes do direito, esta proposta considera fundamentalmente o
direito como uma criação humana — não necessariamente legislativa, no sentido do
direito estatal —, negando a possibilidade do dualismo entre direito natural e direito
positivo (o jusnaturalismo, diz Dimoulis, é negado mesmo “enquanto teoria do
direito”). A expressão “social”, que ilustra a tese principal da corrente, decorre do fato
de que a autoridade necessária à criação de normas (que, na modernidade, tem sido
atribuída majoritariamente ao Estado) não se confunde com o complexo de fatores
que autorizam a atribuição desta autoridade a algum ente (DIMOULIS, 2006, p. 132).
18. Estes fatores podem variar de um contexto a outro, e outorgar às mais diversas
instâncias as autoridades criativas do direito, mas serão sempre resultado de
aspectos sociais da comunidade em questão. Neste sentido, o pluralismo jurídico,
que combate o monismo estatal, mas não o monismo social, pode ser caracterizado
como parte da abordagem positivista (lato sensu) (DIMOULIS, 2006, p. 78-85), na
medida em que vê também em fatos sociais (e não em aspectos da natureza, da
razão ou da graça divina) os fundamentos da autoridade a quem incumbe o
regramento das condutas humanas19.
Especificando sua análise, Dimoulis explica que o positivismo jurídico stricto
sensu, embora pertencendo àquele positivismo genérico que se opõe ao
jusnaturalismo, irá além da negação do jusnaturalismo e da postulação pelas fontes
sociais do direito (embora as mantenha). Cuida-se, mais que isso, de uma postura
teórica que admite a separação entre (i) o direito e a moral e (ii) o direito e a política
— proposições que, esclarece o autor, são conhecidas como “teses da separação”
18
Entre os fatores sociais que a doutrina positivista reconhece como possíveis fontes do direito
posto, encontram-se (i) a vontade do legislador; (ii) a vontade do aplicador; (iii) a eficácia social
das normas; (iv) o reconhecimento pelas autoridades e/ou para os cidadãos; e (v) a existência de
uma norma suprema e pressuposta que indica qual conjunto de normas possui validade jurídica. A
questão será objeto de nossa crítica na definição das tarefas do pós-positivismo. 19
Cf. Wolkmer, (2003, p. 216). Segundo nosso professor, o mais rigoroso e expressivo pensador da
corrente no Brasil, o pluralismo jurídico se define como “visão antidogmática e interdisciplinar que
advoga a supremacia de fundamentos ético-sociológicos sobre critérios tecnoformais. Assim,
minimiza-se ou exclui-se da legislação formal do Estado e prioriza-se a produção normativa
multiforme de conteúdo concreto gerada por instâncias, corpos ou movimentos organizados semi-
autônomos que compõem a vida social” (p. 183). Adiante, esclarecendo as dificuldades de uma
definição do termo, diante da variedade de abordagens, o professor Wolkmer averba: “Isso não
invalida a consensualidade comum entre todos de que, de um lado, em qualquer sociedade, antiga
ou moderna, ocorrem múltiplas formas de juridicidade conflitantes ou consensuais, formais ou
informais; de outro, de que o Direito não se identifica e não resulta exclusivamente do Estado”.
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(DIMOULIS, 2006, p. 99 e ss.; 105 e ss.). A separação entre o direito e a moral
operará em dois planos distintos, pois não será possível que esta última seja levada
em conta nem no plano teórico e metódico (“estudo e compreensão”) e nem no
plano da validade do direito. A moral não deverá ser necessariamente vinculada aos
elementos criativos do sistema jurídico — porque as prescrições, para serem
válidas, não têm de ser justas ou corretas, rectius avaliadas sob um ponto de vista
moral, posto que o direito seja “historicamente contingente”. De outro lado, o jurista
deve proceder, na ciência e na práxis, sem tentar impor ao direito positivo as suas
concepções morais, que serão sempre de natureza pessoal (o trabalho jurídico
deverá ser realizado com impessoalidade)20. A separação entre direito e política,
cumpre ainda referir, operará em nível conceitual, e não genético. Para o autor em
comento, o direito é resultado da atividade política (p. ex., vazada no parlamento),
mas distingue-se dela a partir daí, de sorte que “o conceito de direito não inclui em
sua definição referências à política” (DIMOULIS, 2006, p. 107). Disto decorre, em
primeiro lugar — dentro “modelo dos dois planos”, em que o espaço próprio da
política jurídica é outorgado à instância legislativa (ELLSCHIED, 2002, p. 214) —,
que a valoração política do operador jurídico, se é que pode existir, não pode jamais
ser diferente da valoração já realizada pelo legislador. Em segundo lugar, decorre
que o intérprete deva “entender e implementar a vontade dos criadores de normas,
distanciando-se de suas convicções morais e políticas” (DIMOULIS, 2006, p. 107-
20
Dimoulis (2006, p. 99-105). O autor relata a tese ontológica e a tese metodológica (p. 102),
perguntando a primeira “o que é direito”, e a segunda “como deve ser estudado o direito”. Deste
ponto de vista, quando o autor utiliza os termos “o estudo e a compreensão do direito” (p. 100),
sentimo-nos autorizados a pensar que se estava querendo referir a teoria e a metódica. Isto
porque a pergunta da tese ontológica, segundo o professor Dimoulis, é respondida
compreendendo o direito como uma realidade historicamente contingente (de acordo, inclusive,
com a tese social do positivismo jurídico lato sensu); e a pergunta da tese metodológica, por sua
vez, é respondida com a impessoalidade do “intérprete (que seguramente não é legislador)” e do
“estudioso do direito (que tampouco pode legislar)”. Após a explicação da tese metodológica, o
autor refere (p. 102, nota n. 120) que a impessoalidade do intérprete remete à questão relativa ao
tratamento científico do direito, que depende da possibilidade de demonstrar o caráter científico do
saber jurídico. O autor diz estar “convencido” da impossibilidade de levar-se tal demonstração a
efeito, e remete o assunto a uma obra futura. Julgamos importante esclarecer, a partir desta
afirmação, que na concepção do trabalho jurídico assente no pós-positivismo de Müller a
cientificidade do saber jurídico é irrenunciável. Esta cientificidade pode conviver com a tensão
entre direito e intérprete na medida em que a concepção de norma como ordem estruturada de
direito positivo e realidade assim o permite, já que toda esta tensão é documentada, é
fundamentada e publicada, de forma a tornar discutíveis os resultados — coisa que diz a
objetividade realizável pela ciência jurídica, identificada com a objetvidade dos seus métodos de
trabalho. Cf. Müller, (2004, p. 65).
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108). Os critérios a que o jurista deve se utilizar para reconhecer a norma como
jurídica (na linguagem da corrente, positiva) devem ser apenas os relativos à
competência, ao procedimento, aos limites temporais e espaciais de validade e,
genericamente, às regras que permitem verificar a compatibilidade sistemática das
prescrições (como a especificidade) (DIMOULIS, 2006, p. 114)21, até o limite de um
eventual juízo de constitucionalidade.
Dimoulis refere ainda a diferença, no âmbito do positivismo stricto sensu,
entre o positivismo jurídico inclusivo e o positivismo jurídico exclusivo. Apesar de as
teses da separação funcionarem em termos gerais, uma corrente entre os autores
positivistas aceita que a moral possa, em determinadas circunstâncias, exercer
influência sobre a validade e a interpretação do direito. A esta vertente chama-se
positivismo jurídico inclusivo, por admitir a possibilidade de que um dado sistema
jurídico possa incluir a moral entre seus critérios de juridicidade (DIMOULIS, 2006, p.
137). Ao lado deste encontra-se o positivismo jurídico exclusivo, que refuta qualquer
possibilidade de influência da moral sobre o direito — aceita rigidamente a tese da
separação entre direito e moral (DIMOULIS, 2006, p. 135).
No plano da interpretação do direito, por fim, Dimoulis esclarece que o
positivismo se caracteriza pela ausência de uma teoria da interpretação unitária,
para além do consenso de que a autoridade decisória decide seus métodos de
trabalho, critério que o autor considera demasiadamente abrangente — e situação
esta que, tendo-se em vista que o positivismo é a principal corrente do direito atual,
reflete o estado fragmentário e irrefletido (a própria falta de consenso assim o
demonstra) em que se encontra a metódica jurídica de uma forma geral. Diante
disso, o autor defende seu “pragmatismo jurídico-político”, e abertamente propõe, na
esteira do já mencionado pensamento de Savigny, que o objetivo da interpretação é
“constatar a vontade do autor da norma, tal como esta foi fixada em dispositivos
jurídicos”. Reflete-se aqui, uma vez mais, o caráter de imposição e preposição que
marca a concepção positivista da norma jurídica.
21
O autor, como o positivismo em geral, persiste na confusão entre validade e normatividade, pois
está a avaliar os critérios de identificação do texto da norma, e não da norma. Adiante, Dimoulis
(2006, p. 131) atesta a “absoluta identidade entre o conceito de direito e o direito efetivamente
posto pelas autoridades competentes”, ao tempo em que perde toda a dimensão problemática da
normatividade.
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O autor refere, ainda antes de sua exposição da interpretação, algumas
abordagens específicas no plano do positivismo jurídico stricto sensu, as quais deixa
claro figurarem a título de exemplo, não portando a sua exposição qualquer
pretensão de exaustividade. Assim como se fará aqui, a partir das teses que foram
consideradas características do positivismo jurídico — no plano do positivismo
jurídico lato sensu, a tese de que o direito é posto por ato humano (social thesis); no
plano do positivismo jurídico stricto sensu, a prevalência das teses da separação
(com as diferenças no plano do positivismo jurídico inclusivo e do positivismo jurídico
exclusivo) — são apresentadas algumas propostas que podem ser classificadas
como integrantes do positivismo jurídico stricto sensu, uma vez que absorvem as
duas teses da separação (DIMOULIS, 2006, p. 132-165)22.
1.2.1 Proposta de definição positivismo jurídico
Do que foi dito até aqui resulta que o positivismo jurídico tem como
postulados básicos23:
a) No plano da validade do direito, o positivismo pergunta pela
positividade do direito, pois crê que somente o direito positivo é
direito. O direito positivo, por sua vez, encerra no conjunto de
normas dadas por uma autoridade constituída (pelos mais diversos
fatores sociais), de sorte que não possa haver direito que não seja
uma criação humana. As normas jurídicas constituintes do sistema
22
Nesta exposição, inclusive, está o pragmatismo jurídico-político defendido pelo próprio autor.
Deixamos de mencioná-la, entretanto, porque a crítica específica à sua obra não faz parte dos
objetivos do estudo; e, de outro lado, porque ele mesmo considera sua posição como sendo
integrante do positivismo jurídico (na modalidade stricto sensu). 23
Além da citada obra do professor Dimoulis (2006), que sintetiza rigorosamente as posições anglo-
americanas do século XX, as características aqui propostas podem ser encontradas, com algumas
variações, em: Castanheira Neves (1995, p. 307-308); Ellschied, (2002 p. 215); Hespanha (2005,
p. 375); Wieacker (1993, p. 499 e ss.); Bobbio (1995, p. 233-238); Goyard-Fabre (2002, p. 76);
Bronze (2002, p. 278 e ss.); Maynez (2002, p. 49 e ss.); Kelsen (1984, p. 14-17, 64 e 217); Höffe
(2001, p. 98 e ss.); Kaufmann (2004, p. 45); Kaufmann (2002, p. 123 e ss.); Hart (1996, p. 307 e
ss.); Barzotto (2007, p. 20 e ss.); Batiffol (1974, p. 11 e ss.); ATIENZA (2001, p. 101 e ss.); Coing
(2002, p. 109-110); Calsamiglia (1998, p. 209-210); Müller (2008, p. 16 e ss.); e, Müller (1996, p.
100-108).
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
322
são juízos hipotéticos que manifestam a vontade da autoridade que
as cria;
b) O positivismo estriba-se na separação entre ser e dever ser. Assim,
a moral e a política, bem como quaisquer outros elementos da
realidade, não devem orientar o reconhecimento ou a interpretação
do direito, salvo quando o próprio sistema jurídico adote
expressamente critérios desta natureza — que, de resto, os
realocam para o domínio do direito positivo, e não mais da
moralidade ou da política;
c) No plano da interpretação — e em decorrência de “a” e “b” —, a
norma deve ser compreendida e aplicada ao caso, em um processo
lógico-subsuntivo, deduzindo-se a solução do sistema jurídico
completo e coerente através da interpretação (mormente de textos).
As valorações do intérprete não devem influenciar a interpretação,
uma vez que tal atividade valorativa é realizada no seio da
autoridade criadora da norma. Disto denota-se uma exigência de
objetividade da interpretação.
1.3 Pós-positivismo: Sentido e Limites
Como dito, as posições do positivismo elencadas na seção anterior não
foram compreendidas por larga medida dos estudiosos do assunto no Brasil, que
acabaram identificando no positivismo jurídico características que a análise
empreendida demonstrou não lhe serem pertencentes. De outro lado, uma parcela
igualmente grande dos juristas dedicados à matéria — muitos deles pertencentes a
dissidências dentro da própria corrente positivista, como no caso do realismo jurídico
— cuidou de problematizar estes postulados, mas não logrou romper com o
“background teórico” que os sustenta (nomeadamente, a teoria da norma jurídica
que lhe subjaz).
Há respostas variadas para os problemas levantados nas teses centrais do
positivismo jurídico, mas as perguntas não parecem mudar. O eixo das
investigações continua partindo da positividade do direito (nos sistemas jurídicos de
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
323
matriz romano-germânica, a positividade dos textos legais), tendo sido ignorada a
questão da normatividade própria do direito — que só pode ser percebida em uma
dimensão problemática do ser e do dever ser — a partir de uma separação entre o
direito e a realidade. Este estado de coisas encontra razão na teoria da norma
jurídica adotada pelo positivismo, ainda não substituída global e adequadamente.
De acordo com o que já se expôs, embora interesse mais ao estudo o já
referido “positivismo do tratamento da norma”, a crítica deverá se dirigir ao plano da
teoria da norma, captando a partir dela os reflexos para a metódica. A referida crítica
será por agora limitada a uma exposição de pontos centrais da tarefa do pós-
positivismo, tendo sua explicação e justificação aprofundadas na próxima seção,
onde será tratada a Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller. Cuida-se
mais, neste momento, de pautar corretamente a discussão do que de efetivamente
levá-la a efeito.
Neste sentido, a divisão entre “positivismo da validade” e “positivismo da
interpretação” não deverá ocultar, recorde-se, o fato de que o positivismo da
interpretação, em sua abordagem “clássica” — leia-se, nos termos de uma
interpretação totalmente objetiva e científica do direito —, (quase) não é mais uma
postura unitariamente defendida (MÜLLER, 2008, p. 119), sendo atualmente
representada apenas por meio de reflexos da concepção de norma jurídica do
positivismo. De resto, recorde-se ainda que o positivismo jurídico é uma corrente
menos consensual (e refletida) no plano da interpretação do direito do que no plano
da teoria da norma jurídica (DIMOULIS, 2006, p. 218), onde ocupa, aliás, o centro do
debate no direito ocidental.
Como ensina Müller, a revisão do positivismo deverá estar ancorada numa
teoria do direito, e não em uma teoria sobre o direito. Não importará, prossegue o
autor, qual seja a inspiração desta teoria sobre o direito (sociológica, psicológica,
filosófica etc.). É mais produtiva para uma efetiva crítica ao positivismo uma teoria
que revise suas bases no que tange à norma jurídica. Assim como os postulados do
positivismo jurídico da interpretação decorrem diretamente da concepção de norma
jurídica que se enraizou entre as correntes positivistas, o pós-positivismo deverá
partir de sua revisão, desembocando, por consequência disso, em uma metódica
própria. A metódica pós-positivista, diz Müller, “circunscreve a peculiaridade
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
324
fundamental da estrutura normativa, diante de cujo pano de fundo devemos ver o
trabalho prático da metódica jurídica” (MÜLLER, 2004, p. 49).
Segundo Müller, no plano da teoria da norma, o positivismo, ao perguntar
pela positividade (descolada da realidade), acaba por perder a dimensão
estruturante do direito, de onde brota a sua normatividade. O preço a pagar por este
equívoco, além da contraposição entre a norma e realidade (i.é., entre ser e dever
ser), é a confusão da norma com o texto da norma. A concepção pós-positivista,
calcada na Teoria Estruturante do Direito, deverá reconhecer os nexos materiais que
unem direito e realidade, ao mesmo tempo em que deverá fornecer uma reflexão
sobre a práxis que possa torná-los fundamentáveis e discutíveis. Nesta direção, a
validade (positividade), que só pode pertencer ao texto da norma (dado de
conformidade aos padrões aceitos do Estado Democrático de Direito), será
diferenciada da normatividade, esta sim característica das normas jurídicas
(MÜLLER, 2008, p. 209 e ss.).
A concepção que se opõe ao positivismo, assim, deverá ser essencialmente
uma espécie de normativismo, que rejeita a separação entre ser e dever ser e
permite que o jurista apreenda o processo estruturado de formação da norma
jurídica diante de casos concretos (reais ou fictícios). A positividade do texto
continua sendo um imperativo do Estado de Direito24, devendo ser respeitada como
limite material da atividade jurídica não legiferante — e nisso o positivismo está
correto em insistir —, mas não bastará para a efetiva existência de uma norma
jurídica25.
Já no plano da realização prática do direito, consequentemente, o pós-
positivismo se pautará pela concretização das normas, e não por sua interpretação e
aplicação. O ideal de tecnicidade (isto é, a busca da neutralidade e da objetividade
24
“O Estado feudal mais antigo e ainda o Estado absolutista fundamentavam a sua legitimidade no
supramundano. O Estado Constitucional burguês funda-a na legalidade e com isso, por um lado,
na imanência, por outro, agora mais fortemente, na linguagem: em textos de normas (...)”.
(MÜLLER, 2000, p. 105). 25
Assim, além de Müller, em Luhmann (1983, p. 10 e 17). Para este autor, inclusive, esta positivação
textual a ser complementada (sem negar a função da positividade) seria a única capaz de dar
conta da complexidade da sociedade atual. Também na obra do professor de Heidelberg, a
“textificação”, embora fundamental, não basta, sendo que a legitimação do poder político não deve
ser transferida simplesmente aos textos, mas somente ao fato de o Estado atuar conforme estes
textos. Cf. Müller (1998, p. 103-104).
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
325
que se exige do titular da decisão jurídica) do positivismo não deve ser abandonado,
em prol do retorno a padrões decisórios que se podem dizer pré-modernos. Uma
superação do positivismo não deve renunciar à busca pela objetividade na aplicação
do direito, mas apenas promover a adequação desta busca às consequências da
natureza estruturante da norma jurídica e às condicionantes específicas que o
Estado Democrático de Direito impõe ao trabalho jurídico em todos os níveis (da
ciência jurídica, que é uma ciência normativa, à jurisprudência). Trata-se aqui, na
realidade, de “retomar o que foi reprimido pelo positivismo e elaborá-lo de forma
generalizável na dogmática, metódica e teoria” (MÜLLER, 2008, p. 119-120).
A metódica estruturante de Müller não é capaz — como não o é nenhuma
outra — de fornecer um catálogo de soluções prontas que sejam
“inquestionavelmente confiáveis” (MÜLLER, 2004, p. 21) (até porque isso seria uma
contradição, já que Müller compreende a normatividade como processo estruturado).
Contudo, pode tornar substancialmente mais coerente e defensável o trabalho dos
juristas. Como ela procede diretamente dos imperativos do Estado de Direito, visa à
exposição suficiente dos resultados do trabalho jurídico. Isto permite que se faça a
“vigilância política” (DIMOULIS, 2006, p. 204)26 — para que os textos de normas
possam ser criticados —, por um lado, e que se denuncie as decisões cuja
fundamentação seja materialmente discutível, de outro lado — a partir de sua
decomposição em momentos (suficientemente pequenos) de formação da norma, a
partir dos textos. O telos do pós-positivismo, assim, será a “controlabilidade” dos
processos decisórios, que, “dentro dos limites de rendimento efetivo da língua
natural”, só pode ser referida ao método de trabalho dos juristas, e não a um
resultado ou a um significado prefixado (MÜLLER, 2000, p. 104)27.
A metódica estruturante permite que toda a atividade jurídica — e não mais
somente a construção da “moldura”, como quis Kelsen — seja devidamente exposta.
Se o operador “acerta” ou não, faz parte do jogo democrático e dos riscos que nele
(vazado a partir de uma língua natural que não basta para significar tudo) são
pressupostos, mas sua decisão não esconde nada e se orienta por uma maior
honestidade quanto aos dados de realidade (para além do texto), que sempre fazem
26
A expressão é de Niklas Luhmann. 27
Cf. tb. Müller (2008, p. 12).
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
326
parte de qualquer decisão jurídica. E, que não se olvide, a decisão jurídica é sempre
um ato de poder-violência, embora o Estado Moderno de corte liberal tenha tratado
de discipliná-la e racionalizá-la o máximo possível (MÜLLER, 1995, p. 9).
Na realidade brasileira esta questão merece especial atenção. Não é aí, na
busca de discutibilidade e legitimidade (leia-se, objetividade e racionalidade) nas
decisões jurídicas que o positivismo deve ser superado. A impossibilidade de uma
total objetividade da decisão não pode servir de escusa para uma perspectiva
totalmente subjetiva do tratamento da norma, a promover um regresso a padrões
menos aceitáveis de trabalho jurídico do que os legados pelo positivismo. As
premissas do Estado de Direito, decorrentes da concepção da juridicidade como
limite permissivo da existência comum, com a consideração controlável (com as
reservas já mencionadas) de uma ordem pública e previamente acordada, seguem
dignas de proteção.
No Brasil, ademais, a história político-constitucional da república não é
capaz de documentar um autêntico positivismo (legalista) — e, como o que se disse
aqui, é totalmente fora de propósito qualquer tentativa de ligação do positivismo com
algum dos regimes autoritários a que o país esteve submetido. O sentido do pós-
positivismo deverá ser visto diante da realidade brasileira com maior atenção, uma
vez que a tradição político-institucional que se infere de nossa história ainda não foi
capaz de permitir a total implantação dos postulados do Estado Moderno. Há
consenso sobre a necessidade, alardeada pela bibliografia brasileira, de uma teoria
e uma metódica jurídicas que possam dar maior efetividade à Constituição, mas esta
teoria e esta metódica devem estar ainda orientadas pelas garantias da democracia
quanto ao método de trabalho dos juristas, sob pena de uma troca no mínimo
arriscada.
2 A PROPOSTA DE FRIEDRICH MÜLLER
2.1 Aspectos de Teoria da Norma
A história jurídico-filosófica clássica sacramentou que entre realidade fática
(ser) e as disposições emanadas pelo Estado com pretensão normativa (dever ser)
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
327
resta um campo de tensão. Na seara da prática jurídica não raras vezes, fruto de tal
hiato, emergem questões problemáticas a respeito da incidência do texto normativo
no locus a ele destinado pelo legislador. O ator jurídico, enquanto municiado pelo
aparato legal, incumbido de trabalhar com a realidade, encontra-se no centro deste
turbilhão, sendo tentado a “brincar de pretor romano”, a tornar-se o “Juiz Hércules”,
de forma a olhar a realidade de um pedestal, procedendo a uma arriscada cisão
entre interpretatio e applicatio. Diferenciação anacrônica, pois como menciona
Streck (p. 438), tal ato é cindir o incidível. Compreender é aplicar.
Conforme averba Konrad Hesse (1998, p. 13), o significado da ordenação
jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas –
ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável
contexto, e no seu condicionamento recíproco. Face a tal assertiva do professor de
Freiburg, caminhando nos mesmos passos da teoria de Friedrich Müller, nota-se que
é imprescindível uma análise pormenorizada da estrutura da norma proposta por
Müller, no intento de flanquear o processo dialético de interpretação/aplicação em
prol de uma contribuição em nível factível, mormente pela proposta de concretização
das normas.
Em sua metódica, Friedrich Müller além de contestar a estrita contraposição
de matriz kantiana entre ser e dever ser, traz ao estudo também elementos de
validade da norma à medida que, conforme Larenz (1997, p. 155), questiona em vez
de norma e fato, a estrutura da normatividade jurídica, tal como se apresenta na
aplicação prática do Direito.
Mas o que é, portanto, a norma jurídica? (MÜLLER, 2008, p. 10) Neste
questionamento elementar tem-se a introdução ao substrato da teoria de Friedrich
Müller, onde a ideia fundamental é a de que a norma jurídica não equivale ao seu
texto, mas é resultado da interação entre direito e realidade. Tal operação deve ser
desenvolvida na própria aplicação do direito, na law in action, onde o texto da lei,
contendo apenas positividade, por meio da metódica estruturante torna-se de fato
norma capaz de produzir efeitos, a possuir normatividade.
Admitindo que os estudos que gravitam ao redor da teoria da norma
trataram-na até agora como uma questão própria da filosofia do direito, mas não
como um problema de aplicação prática do direito (MÜLLER, 2008, p. 17), Müller
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328
arquiteta uma teoria que enfoque a norma jurídica como um modelo de ordenamento
materialmente determinado e determinante, ou seja, um elemento com pretensão
normativa que não possui existência autônoma; pelo contrário, uma norma que só se
justifica enquanto cabível à realidade de sua aplicação e que ao mesmo tempo fica
sempre condicionada por esta. Trata-se, pois de uma teoria da práxis (MÜLLER,
2008, p. 290) que concebe o texto legal como pré-formas legislatórias da norma
jurídica, que por sua vez está por ser produzida no decurso temporal da decisão.
Isso quer dizer que a norma jurídica não existe ante casum: o caso da decisão é co-
constitutivo (MÜLLER, 2008, p. 11).
Para situar a norma no campo fático, Müller projeta uma sua estruturação,
de forma a identificar o texto da norma como um dado de entrada no processo de
concretização, o input no trabalho de produção da norma. Neste escalonamento a
norma jurídica compõe-se de programa da norma e âmbito da norma (MÜLLER,
2008, p. 11), onde não seria apenas o programa da norma (resultado das inferências
linguísticas) o fator produtor de efeitos, mas igualmente os dados conformes ao
âmbito da norma, ou seja, a parcela de realidade social destinada a ser regulada.
Apesar da pretensão de transcendência da dogmática clássica, tal
perspectiva não abandona determinados legados positivistas, trata-se não de um
anti-positivismo, mas de uma teoria pós-positivista do direito. A partir do aceite de
uma reciprocidade complementar entre norma jurídica e realidade — que, por isso
mesmo, intenta superar a redução da norma ao texto de norma — Müller demonstra
a impossibilidade de uma concepção redutora do método jurídico às subsunções
silogísticas — coisa que, aliás, sequer o próprio positivismo defendeu de forma
unitária.
Passemos então a análise pormenorizada da estruturação normativa
proposta por Müller e o meio pelo qual seus elementos são operados na metódica
estruturante com vistas à obtenção da normatividade.
2.1.1 Norma e texto de norma
Conforme mencionado, a fim de estabelecer um substrato seguro ao
exercício da metódica estruturante, rompendo com a matriz positivo-legalista
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
329
baluarte da tradição jurídica romano-germânica, Müller dissocia a norma de seu
texto normativo.
O abandono da clássica teoria ontológica do direito representa o caráter pós-
positivista aqui referido, na medida em que caracteriza o teor literal das disposições
normativas como apenas um dos elementos no processo de concretização, um
elemento de importância notável que deverá nortear as inferências do intérprete,
mas que não possui, porém, uma correspondência absoluta com os objetos a que se
refere. Os dados linguísticos promulgados possuem apenas positividade, elemento
distinto da normatividade, esta sendo a qualidade máxima objetivada pela teoria e
pela metódica estruturante, pois o caráter de normatividade de uma norma outorga-
lhe validade, vez que logrou êxito ao produzir efeitos perceptíveis na realidade. Daí
infere-se um problema de aplicabilidade, pois toda e qualquer norma somente faz
sentido com vistas a um caso a ser (co)solucionado por ela (MÜLLER, 2004, p. 63).
Forma de comprovar a não identificação entre a norma e o texto normativo é
o fenômeno do direito consuetudinário, do qual não se duvida da sua qualidade
jurídica, embora ele não apresente nenhum [ou pouquíssimos] texto definido com
autoridade (MÜLLER, 2004, p. 54). E ainda mesmo onde o sistema jurídico seja
fundado na norma positiva, é inegável a existência de influências sociais tão
determinantes na direção das decisões práticas quanto àquelas das disposições
propriamente textuais28.
Portanto, a norma não é um comando pronto, pois a lei não é a medida
exata do sentido, como afirmou até agora o positivismo clássico ao tratar o texto da
norma como premissa maior e subsumir as circunstâncias reais a serem avaliadas
aparentemente de forma lógica ao caminho do silogismo (MÜLLER, 2008, p. 192).
Para caracterização da norma se exige, muito mais, uma gama de elementos não
inerentes ao texto normativo, pois não é o texto o regulador do caso concreto, mas o
órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pública, o
tribunal que elaboram, publicam e fundamentam a decisão regulamentadora do caso
(MÜLLER, Friedrich. 2004, p. 54), sendo, pois, um trabalho ligado umbilicalmente à
realidade.
28
Cf. Konrad Hesse fala de uma “Constituição real”, fruto da convergência de forças sociais,
exercendo papel dominante ao lado da “Constituição jurídica”.
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330
O simples texto da norma é elemento volátil, carente de sentido e eivado de
indeterminações, porquanto pode facilmente ser manipulado pelo intérprete. Neste
ponto a teoria de Müller é pragmática ao buscar segurança nas decisões concretas
(e isso não apenas nos atos judiciários) por meio de um feedback, unicamente
possível dentro de um cenário que evidencie a norma como um conjunto de
elementos dispostos de forma estruturada e racionalmente aferível.
Se a norma só encontra seu sentido último quando aplicada a um
determinado caso concreto, é então neste momento em que obtém normatividade.
Presumir que a normatividade pudesse ser produzida pelo texto normativo seria
próprio de um pensamento anacrônico e insuficiente frente ao cenário social que
coloca cada vez mais à prova as respostas do direito. O teor de validade de uma
norma decorre então dos dados extralingüísticos de tipo estatal-social: de um
funcionamento efetivo, de um reconhecimento efetivo e de uma atualidade efetiva
(MÜLLER, 2004, p. 53-54).
É claramente perceptível, assim, a vinculação da norma ao substrato fático.
Acordado o fato de que o texto não é suficiente à configuração da normatividade,
temos o âmbito normativo, ou seja, o conjunto dos dados reais que gravitam acerca
das disposições textuais e fazem parte do processo de produção da norma, de sua
concretização. A finalidade desta integração entre dados reais e letra da lei, consiste
em averiguar que por meio desta concepção criadora e construtiva da norma, os
aspectos da realidade (dados reais) são sugeridos como integrantes da estrutura
normativa, e não simplesmente referidos externamente à norma (MAGALHÃES,
2006, p. 563).
Este conjunto de elementos da realidade que integram a norma são
condições para a verificação da normatividade, uma normatividade materialmente
determinada que torna o sentido dos dados linguísticos inferidos pela linguagem
enquanto práxis em determinados nichos. Enquanto ato humano, a linguagem é o
meio pelo qual a positividade produz efeitos ao integrar-se ao ambiente externo. Os
jogos de linguagem de Wittgenstein entram em cena no processo de realização da
norma, pois abandona-se uma teoria semântica tradicional, baseada num modelo
estruturalista, que via o significado como uma entidade rígida, em prol de uma virada
pragmática, que concilia interpretação e ação (BORNHOLDT, 2005, p. 39).
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
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331
A teoria de Müller propõe justamente uma racionalização desta relação entre
texto de norma e dados reais, mas diferencia-se da nova (que já não é assim tão
nova) hermenêutica destinada a criticar os pressupostos positivistas, pois além de
reconhecer a ausência de semântica inerente ao texto filiando-se também à Filosofia
da Linguagem, propõe soluções ao problema da concretização das normas,
mormente constitucionais.
A ponta do iceberg (MÜLLER, 2004, p. 53) não é pois suficiente à fruição da
normatividade na realidade. O texto fornece unicamente a moldura dentro da qual
deve operar o processo de concretização. Destarte, tal processo é orientado por
uma estratégia que partirá sem dúvida do texto da norma, que é condição de
possibilidade da normatividade. Contudo, não há um pré-dado, a norma não existe
isoladamente circunscrita objetivamente ao texto como pretendeu a dogmática
tradicional. Ao contrário só é verificável na parcela social que fornece o âmbito
normativo, no cotidiano forense onde o cidadão comum experimenta na pele o teor
dos atos normativos, em sentenças de ação [Handlungssätze] (MÜLLER apud
BORNHOLDT, 2005, p. 38).
Não há uma mens legis a ser incorporada pelo ator jurídico, pois concretizar
não é (re)produzir valorações legislativas. A bem da verdade, a aplicação de
disposições legais convoca o jurista a manejar um denso leque de possibilidades de
forma alguma pré-solucionadas pelo texto normativo. O próprio conceito tradicional
de interpretação cai por terra na teoria proposta por Müller, pois agora a distinção
fundamental entre texto normativo e norma impede o intérprete de limitar-se à
interpretação, assim como ao desdobramento puramente filológico do texto
(MÜLLER, 2008, p. 201). O processo de integração entre texto normativo e dados
reais reclama ao jurista uma completa integração com dados sociais e políticos, bem
como demanda não raras vezes o uso de manuais de orientação [Leitfäden]
(MÜLLER, 2004, p. 93).
Em que pese o atributo de validade ter sido retirado do texto da norma, este
possui ainda suma importância no processo de produção da normatividade. Guiado
pelos dados da linguagem o operador deve delinear o programa da norma
paralelamente ao caso concreto. Aqui o texto exerce o dever de impulsionar o ato
judicativo, de estabelecer a ordem jurídica buscada no processo metódico
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
332
concretizador, sendo ponto de partida deste processo — dir-se-á esta a eficácia de
determinação do texto da norma [Bestimmungswirkung]. Em paralelo, o texto deve
servir de limite às várias alternativas que são politicamente, filosoficamente e
metodologicamente aceitáveis, mas não juridicamente admissíveis — dir-se-á esta a
eficácia de limitação do texto da norma [Grenzwirkung] (MÜLLER apud SILVA J., p.
97).
No Brasil, a proposta de Müller é extremamente promissora, pois seu avanço
é buscar concretamente, ao integrar dados reais na estrutura normativa, alcançar
uma norma de decisão, quer dizer, fazer valer a relação norma-realidade
(MAGALHÃES, 2006, p. 565), em prol de um devir pós-moderno onde a sociedade
brasileira não mais viva sob a égide de uma Constituição com eficácia
marcadamente simbólica.
2.1.2 Estrutura da norma e normatividade
Estabelecida a distinção entre texto normativo e norma, cabe agora
pormenorizar o processo pelo qual a norma propriamente dita é gerada na teoria de
Müller, e como se perfaz a normatividade.
Conforme referido, tendo como lastro o programa da norma, contido no texto
normativo, o trabalho jurídico dirige-se então ao âmbito da norma, a porção da
realidade social referida pela norma.
Impende aqui um questionamento acerca da forma pela qual a
normatividade é observada no caso concreto, ou seja, como de fato o trabalho
jurídico deve ser orientado através da estrutura da norma de forma a efetivar e
justificar a normatividade, na direção de um além positivismo legalista, que abrange,
ao lado de elementos dogmáticos e metodológicos também a hermenêutica
(MÜLLER, 2004, p. 57).
Na estruturação proposta pelo professor Müller, a norma é um modelo
materialmente estruturado em programa da norma e âmbito da norma. O teor literal
expressa o programa da norma, a ordem jurídica, conforme tradicionalmente
compreendida, dotada de validade (positividade), o que não implica dizer que esteja
garantida sua normatividade (SILVA DA FONTOURA, p. 99). E, em mesmo nível
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
333
hierárquico pertence também à norma o âmbito da norma, ou seja, o recorte da
realidade social que o programa da norma “escolheu” para si ou em parte criou
(MÜLLER, 2004, p. 57).
Há que se ressaltar que estes elementos propostos por Müller carecem de
uma devida mediação. O programa normativo só possui sentido, e, de certa forma,
só é criado, em face do caso particular. Contudo, não se deve entender o âmbito
normativo e o programa normativo como peças com encaixe perfeito. Nas palavras
do próprio Müller, âmbito normativo e programa normativo não são meios para
encontrar, à maneira do direito natural, verdadeiros enunciados ônticos de validade
geral (MÜLLER, 2008, p. 245).
A delimitação do programa da norma passa inevitavelmente pela escolha
dos dados reais ou fictícios que farão com que a análise do âmbito normativo, como
parte integrante da concretização jurídica, fortaleça a normatividade da disposição
legal (MÜLLER, 2008, p. 245). Note-se que a realidade se faz presente já na
delimitação do próprio programa da norma, visto que posteriormente não haverá um
simples jogo autônomo entre os elementos textuais de interpretação, que não os
refira ao contexto, representado pelo caso (BORNHOLDT, 2005, p. 41).
Se o âmbito da norma é fator constitutivo desta, temos então que a parcela
da realidade não apenas vincularia o texto da norma, mas constituiria também
elementos de um questionamento que de antemão não estaria baseado nessas
abstrações. Nestes casos, diz Müller que o âmbito normativo não é gerado pelo
direito.
Há, no entanto, âmbitos normativos gerados pelo próprio direito (MÜLLER,
2005, p. 57), onde a realidade destinada ao programa da norma é ela própria gerada
por um programa de norma, e as formulações podem conter certo teor de
segurança, conforme exemplifica Silva da Fontoura (p. 101)
O preceito constitucional de que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”, apresenta um âmbito normativo totalmente gerado pelo direito e, assim, admite uma precisa formulação no texto da norma. Isto porque o programa normativo diz dever ser admitida uma “ação privada” em lugar de uma “ação pública” (figuras oriundas do direito processual penal), em certos “crimes” (em que também se deva já considerar a compreensão de elementos criados pelo direito penal), quando a ação pública não for intentada no “prazo legal” (e, portanto, no prazo estabelecido pelo direito).
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
334
Há, contudo, outros tipos de disposições, com maior grau de abstração, que
submetem o intérprete a caminhar por polos indefinidos, tal como ocorre com a
“função social” da propriedade29. O exemplo acima citado oferece maior facilidade à
formulação do âmbito normativo, vez que o programa normativo não lida com
realidades autônomas ao direito, tornando o âmbito normativo mais precisamente
formulado no texto.
Contudo, mesmo que o âmbito normativo seja passível de ser deduzido do
texto da norma, isto não exclui a análise do caso concreto, que é por excelência o
dado elementar do âmbito normativo. Nas normas onde o âmbito seja materialmente
criado, o texto da norma oferece ainda menos segurança ao ator jurídico, servindo
unicamente para fixar os limites de estabelecimento do programa da norma, também
com base em recursos advindos do exterior do sistema constitucional, e muitas
vezes, da própria ciência jurídica estritamente entendida.
A normatividade está intimamente ligada ao potencial do âmbito da norma e
do âmbito do caso, ao passar pelo programa normativo, transformar-se em âmbito
normativo e gerar a norma de decisão, algo como energia potencial transformando-
se em energia cinética, em termos físicos. A qualidade de normatividade reside na
realidade. Com isso demonstra-se ser a norma jurídica um modelo de ordem
materialmente caracterizado (MÜLLER, 2005, p. 59).
2.2 Aspectos da Metódica Estruturante
Se, de fato, a norma não é suficientemente dada no texto da norma; se o
intérprete efetivamente constrói um sentido (e não meramente o declara); se o texto
e a realidade se interpenetram; então parece claro que a própria existência concreta
da norma será umbilicalmente ligada ao contexto histórico e social de sua
compreensão e, por consequência, de sua concretização A normatividade, perdoe-
se a insistência, não é uma propriedade do texto da norma, mas apenas da norma
jurídica e da norma de decisão. A norma jurídica e a norma de decisão, por sua vez,
29
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. art. 5º, XXIII.
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
335
surgem apenas no processo de concretização. Evidencia-se, assim, a inerente
temporalidade da normatividade.
Muller evidencia a necessidade da metódica jurídica estruturante no
argumento de que a concretização da constituição está diretamente ligada ao
trabalho — e, portanto, à metódica — de titulares de funções. Justifica esta
afirmação quando explica que cada prescrição constitucional motiva de modo
específico o comportamento de titulares de funções e outros destinatários (MÜLLER,
2005, p. 51). Quer dizer, também a postura dos trabalhadores do direito
[Rechtsarbeiter] é, ao menos no Estado de Direito, normativamente orientada.
Nas palavras de Muller a metódica deve permitir representar e verificar
racionalmente a relevância de critérios normativos de aferição para a decisão, a
relevância dos elementos do caso afetados por esses critérios de aferição e, de
forma geral, a sustentabilidade da decisão. Em outras palavras, a metódica deve
permitir que a norma de decisão seja reexaminada com perfeição à medida que
todos os elementos de concretização da norma possam ser definidos e
recapitulados, tornando a decisão mais democraticamente conformada (MÜLLER,
2005, p. 52).
Neste sentido, existe o processo dinâmico entre normatividade, norma e
texto da norma, conforme anteriormente discutido, de onde Muller parte para definir
a Metódica Estruturante, em cujo conceito encerram elementos puramente
hermenêuticos — no sentido de estarem referidos a dados textuais —, mas
igualmente elementos advindos da realidade a ser normatizada.
2.2.1 Concretização e interpretação
O processo de concretização, na metódica estruturante de Müller, é
composto de elementos de concretização. Os elementos de concretização da norma
são divididos em dois grupos. Um primeiro grupo corresponde ao trabalho com o
teor literal da prescrição, ou, simplesmente, aos textos envolvidos (mesmo que
sejam de textos de não normas). O segundo grupo corresponde aos passos de
concretização na análise do âmbito da norma, ou seja, dos elementos do conjunto
de fatos relevantes no processo de concretização.
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
336
Demonstra-se com isto a maior adequação do termo concretização do que
do termo interpretação para designar a tarefa prática do jurista. Note-se que, sob o
prisma filosófico, o “conteúdo” de uma norma não reside somente em seu texto.
Note-se também que, sob o prisma juspolítico, as competências delineadas nas
constituições “não são competências para a “explicação” [Auslegung, Interpretation],
“recapitulação” [Nachvollzug] de textos de normas” (MÜLLER, 2005, p. 66-67), mas
sim competências para a efetiva concretização jurídica, para a resolução do caso
concreto e, por consequência, para o vazamento da violência estatal. A
interpretação do texto possui uma função restrita. A norma não é formada apenas
por “dados linguísticos”, de sorte que não se pode simplesmente falar em
“interpretação”, ou em “interpretação aplicadora”.
Ademais, é justamente no quadro de uma recíproca complementação com o
caso que emerge a conclusividade ou inconclusividade de uma prescrição jurídica, e
não no grau de clareza do texto (MÜLLER, 2005, p. 61). Müller ressalta que a maior
ou menor dificuldade de concretização não resulta da vagueza do texto, mas da
estrutura da norma jurídica, sobretudo da diferença entre os âmbitos normativos –
gerados ou não pelo direito. Assim vistas as coisas, o objeto do ato judicativo,
resultante na norma de decisão, é dizer de forma normativamente orientada o que
prescreve o direito para o caso concreto. O problema a ser resolvido é o de se
comprovar e embasar a conexão material que se construirá entre os textos de norma
pertinentes e os elementos seletos no conjunto de fatos, devendo fundamentá-la,
para que seja inserida num processo de verificação e conformação social, atendente
dos ditames elementares do Estado Democrático de Direito. Este processo deve
partir dos dados linguísticos pertinentes e desembocar na norma de decisão
individual e concreta30, como se passa a ver pormenorizadamente.
30
Cf. Adeodato (2002, p. 249). O professor da Faculdade do Recife sintetiza o percurso sugerido por
Müller da seguinte forma “Sprachdaten, Realdaten, Normtexte, Fallerzählung, Sachverhalt,
Sachbereich, Fallbereich, Normprogramm, Normbereich, Rechtsnorm e Entscheidungsnorm”. Cf.
também Müller (1996, p. 226).
Traduzindo os termos para o português, temos: dados linguísticos, dados reais, textos de norma,
relato (leigo) do caso, circunstâncias (juridicamente relevantes) da espécie, âmbito da matéria,
âmbito do caso, programa da norma, âmbito da norma, norma jurídica e norma de decisão.
Cumpre referir duas coisas a respeito. Em primeiro lugar, os dois primeiros elementos (os dados
reais e os dados linguísticos) são “dados de entrada”, não propriamente jurídicos, para o processo
de concretização. Eles fazem parte da pré-compreensão do trabalhador jurídico, e não dos
elementos próprios da metódica estruturante. Em segundo lugar, a tradução do termo Sachverhalt
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
337
2.2.2 Processo de concretização e regras de preferência
O percurso pelos elementos principais da concretização foi exemplificado
por Müller por meio de um fluxograma (MÜLLER, 1996, p. 228)31, que parte já dos
elementos propriamente componentes da metódica jurídica. Antes deles, contudo,
há que se considerar a pré-compreensão do jurista, formada a partir de dados brutos
de origem linguística e não linguística, i.é., de dados reais [Realdaten] e de dados
linguísticos [Sprachdaten]. Estes são os chamados “dados de entrada” no processo
de concretização. Sob estes dados de entrada, o jurista confronta a “massa dos
textos de normas” [Normtextmenge], que são crivados por sua pré-compreensão,
que leva em conta dados reais e dados linguísticos relevantes. De outro lado, o
“relato leigo do caso” [Fallerzählung], permeado também pela atividade profissional
do jurista e pelos mesmos dados reais e linguísticos, resultará nas “circunstâncias da
espécie” [Sachverhalt]. Esta fase preliminar — de mobilização dos dados reais, dos
dados linguísticos, da massa dos textos de normas e do relato leigo do caso —
permite que o processo efetivo de concretização possa ter início.
A fase subsequente — a primeira marcadamente integrante da metódica —
é concentrada na análise e na complementação recíproca entre as “circunstâncias
da espécie” e a “massa dos textos de normas”. Müller designa esta fase como
“formação e rejeição de hipóteses relativas aos textos de normas e aos fatos”
(MÜLLER, 1996, p. 228). De um lado, o jurista selecionará as prescrições jurídicas
efetivamente pertinentes ao caso, diante da constelação de prescrições jurídicas
existentes (massa de textos de norma em vigor), chegando a um ponto de partida no
apresenta variações no Brasil. Adotou-se aqui a tradução proposta por Olivier Jouanjan para a
tradução francesa da Juristische Methodik, ou seja, “circunstâncias da espécie” [circosntances de
l´espèce]. O professor Adeodato, no trecho que citamos, traduz o termo como “conjunto de
matérias”. Peter Naumann ( p. 53) propõe a tradução do termo como “conjunto de fatos”. Rodrigo
Meyer Bornholdt (p. 27) opera já a tradução de Sachverhalt como “estado de coisas”. Nossa opção
deve-se ao fato de que o Sachverhalt representa a composição da pré-compreensão do jurista
(vazada nos Realdaten e nos Sprachdaten) com o relato leigo do caso [Fallerzählung], resultando
nas circunstâncias gerais do caso por ele visto, sem ainda a seletividade do que, de alguma forma,
é juridicamente relevante (a ocorrer no Sachbereich), nem do que é relevante para a configuração
do caso concreto (a ocorrer no Fallbereich), e nem do que foi in concreto recortado, a partir da
concretização, pelo programa da norma (a formar, in fine, o Normbereich). 31
O elemento gráfico, segundo nota que o acompanha, é de autoria de Lothar H. Fohmann. O
procedimento está descrito por Müller nas p. 345-347. Os parágrafos seguintes, em que se
esboçam as fases do processo de concretização, são inspirados por estes trechos.
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
338
que se refere ao(s) texto(s) de norma [Normtexte] a trabalhar. De outro lado,
paralelamente à seleção do texto(s) de norma pertinente(s) — e em virtude destas
hipóteses textuais —, o jurista deverá depurar as “circunstâncias da espécie” até
aquilo que juridicamente interessa (aos textos de norma selecionados), pelo que
formará o “âmbito da matéria” [Sachbereich], isto é, o conjunto de fatos
diferentemente afetados pelas prescrições jurídicas.
A segunda fase da concretização, estando já o operador do direito seguro
em relação aos textos de norma e ao âmbito da matéria, é chamada de fase da
“interpretação (formação e rejeição), de hipóteses relativas ao programa normativo”.
Reduzindo os elementos principais do âmbito da matéria até aqueles que estão
efetivamente em jogo no caso concreto, o jurista chega ao “âmbito do caso”
[Fallbereich]. A partir disso, tem lugar a análise dos textos de norma com os
elementos sistemáticos, genéticos, históricos e teleológicos, além dos elementos
metodológicos, dogmáticos, teóricos e de política jurídica. Esta análise deverá
conduzir ao “programa da norma” [Normprogramm].
A terceira fase do processo de concretização tem lugar com a formação do
programa da norma e do âmbito do caso, quando o jurista já pode recorrer ao
primeiro para “recortar” do segundo os elementos que “escolheu para si ou em parte
criou para si” como seu espaço de regulamentação — esta terceira fase é, portanto,
dedicada à análise do “âmbito da norma” [Normbereich]. Como já se disse, os fatos
são selecionados sob o critério do programa da norma que os refere, formando o
âmbito da norma, devendo a conexão entre ambos, formada nesta fase, ser
devidamente fundamentada na decisão. O âmbito do caso não será
necessariamente pertinente em todos os seus elementos, e a “seleção” deverá
incluir ou excluir o conhecimento de elementos de fato — o que frisa a necessidade
de uma devida fundamentação.
Chegando a este ponto, partirá o operador do direito para as duas fases
finais da concretização. Em primeiro lugar, ele levará a efeito uma “síntese da norma
jurídica”, em que operará com a complementação recíproca entre “âmbito da norma”
e “programa da norma”, disso resultando uma “norma jurídica” [Rechtsnorm] geral e
abstrata. Logo após, ele partirá para a fase de “decisão do caso”, na qual se forma a
“norma de decisão” [Entscheidungsnorm] individual e concreta, e em que se
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
339
transforma o caso jurídico em caso decidido, a partir do confronto e da
complementação finais entre os dados provenientes do sistema jurídico e os dados
provenientes da realidade.
Como visto, a fase do processo relativa à formação do programa da norma é
a única entre os passos da metódica estruturante que pode ser de alguma maneira
cotejada com a hermenêutica tradicional, uma vez que esta última desconhece ou
nega o papel do “âmbito da norma” (e dos elementos que concorrem em sua
composição), e, com isso, os demais momentos da concretização. Todavia, no
estabelecimento da norma de decisão concorrem diversos elementos de
concretização — não mais métodos, mas elementos (MÜLLER, 2004, p. 69): (i)
metodológicos (cânones savignyanos, interpretação teleológica, princípios de
interpretação constitucional, concordância prática, interpretação conforme a
constituição e, por fim, unidade da constituição), (ii) do âmbito da norma e do âmbito
do caso (seja ele gerado ou não pelo direito), (iii) dogmáticos, (iv) teóricos, (v) de
técnica de solução, e, ainda, (vi) de política jurídica e de política constitucional.
Müller propõe a diferenciação dos elementos de concretização em dois
grupos distintos (MÜLLER, 2004, p. 70). Num primeiro grupo, estão os elementos de
tratamento do texto da norma — que são relacionados, todavia, com a interpretação
de textos de não normas. Por isso, em formulação mais precisa, trata-se dos
elementos que lidam com os componentes linguísticos de uma norma jurídica. Num
segundo grupo, alojam-se os elementos que lidam com o percurso que vai das
circunstâncias da espécie até o âmbito da norma, ou seja, os elementos que não
são referidos ao tratamento de textos (sejam eles normativos ou não). Cuida-se da
parte da concretização referida à parcela da realidade que é também constitutiva da
normatividade jurídica, do trabalho jurídico a partir da matéria de fato (sem jamais
reconhecer-lhe valor autônomo). Segundo Müller, o positivismo não seria capaz de
compreender nem uma dimensão nem outra. A dimensão problemática, já se viu,
seria uma pergunta respondida pela sua negação. Já a dimensão de interpretação
do texto, por sua vez, teria sido analisada de forma igualmente simplificada.
Entre os elementos de análise linguística, Müller inicia pelas regras
tradicionais da interpretação, que são os elementos gramatical, sistemático,
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
340
genético, histórico e teleológico de análise da prescrição jurídica. O ponto de partida
contumaz da concretização, diz Müller, é o sentido literal [Wortsinn] da prescrição,
de sorte que o elemento gramatical entra em jogo de plano, sendo mais fecundo,
como se viu, de acordo com a conclusividade do texto de norma (e, portanto, do tipo
de norma) (MÜLLER, 2004, p. 74-75). O elemento gramatical preside a formação
dos limites da eficácia de determinação e da eficácia de limitação do texto da norma,
mas não o faz de forma isolada. Os demais elementos são indissociáveis entre si e
do elemento gramatical. De um lado, eles também são referidos quase
invariavelmente a textos (embora às vezes a textos de não normas ou textos de
normas não vigentes), de sorte que a necessidade de interpretação gramatical
persiste. De outro lado, a prática da utilização dos cânones demonstra que eles
estão entrelaçados. Para que o operador do direito possa valer-se de critérios
sistemáticos, por exemplo, deverá aplicar às prescrições trazidas à baila os mesmos
elementos aplicáveis à prescrição principal. Já o elemento teleológico só seria
admissível na medida em que pudesse ser comprovado e documentado com a
concordância dos demais elementos (MÜLLER, 2004, p. 77-78). Ainda no plano dos
elementos de análise linguística, e referindo os elementos metodológicos strictiore
sensu, Müller menciona as outras regras tradicionais de interpretação (in claris
cessat intepretatio, interpretação restritiva de normas de exceção etc.) (MÜLLER,
2004, p. 80) e os princípios da interpretação constitucional (MÜLLER, 2004, p. 81 e
ss). O professor de Heidelberg conclui, no caso das primeiras, que são totalmente
dependentes dos demais elementos de análise de textos — até porque é necessário
saber se é caso de uma prescrição “clara” ou “de exceção” —; e, no caso dos
segundos, que se cuidariam de subcasos dos cânones de interpretação dos textos,
vazados na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal.
Em complemento, Müller refere os elementos do âmbito do caso e do âmbito
da norma. Estes elementos são relativos à reformulação pretendida pela apreensão
da estrutura da norma jurídica, e são produzidos pela diferenciação, fundamentação
e exposição do âmbito da matéria, do âmbito do caso e do âmbito da norma. Ao
contrário do que apregoa o positivismo jurídico, a análise dos elementos do âmbito
da norma reclamará a incessante interveniência de pontos de vista oriundos de
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
341
outros domínios do saber. Os elementos que Kelsen classificou como “impurezas”, e
que foram classificados pelos positivistas mais modernos de “não jurídicos”, serão
aqui muito bem vindos, auxiliando o jurista a construir, desde um relato leigo do
caso, o âmbito da norma (MÜLLER, 2004, p. 90).
Cumpre referir, ainda, os elementos dogmáticos, de técnica de solução, de
teoria e de política do direito e da constituição. Estes elementos têm em comum,
aforada a sua comprovada utilização na práxis decisória, duas características.
Partilham, em primeiro lugar, o destino de todos os demais elementos do processo,
na medida em que precisam de trabalho jurídico [Rechtsarbeit] para sua
operacionalidade, não estando prontos para utilização. E, em segundo lugar, eles
não se apresentam enquanto posturas vinculantes, uma vez que carecem de
normatividade própria, e, em sua maioria, referem-se somente de maneira parcial
aos textos de norma democraticamente dados (MÜLLER, 2004, p. 91-97).
Esta estruturação da norma jurídica e de seu processo de concretização
pressupõe necessariamente algum critério de prioridade entre os elementos de
tratamento do texto da norma e os elementos de análise do âmbito da norma. Trata-
se aqui de resolver os conflitos32 que possam surgir entre estas duas espécies de
elementos. O pensamento de Müller é estruturado, neste tópico, basicamente em
“regras de preferência”. Pautam-se estas últimas em dois argumentos básicos: (i)
deve-se levar em conta que os limites da metódica do direito constitucional são em
grande parte decorrentes da própria Constituição (devido processo legal, garantia do
direito adquirido, princípio da legalidade etc.); (ii) os elementos da concretização não
referidos diretamente aos textos de normas não têm necessária e irrefutável força
vinculante, devendo ceder aos elementos imediatamente referidos ao texto da
norma. Isto encontra justificativa nos próprios imperativos do Estado de Direito
contemporâneo.
Assim, em caso de conflito, postula Müller que devam prevalecer os
elementos normativamente orientados em relação aos demais (MÜLLER, 2004, p.
99 e ss. e 112). Logo, entre os elementos strictiore sensu, os elementos gramaticais
32
Müller (2004, p. 99) definirá o conflito como “oposição frontal entre aspectos fecundos no caso
individual”.
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
342
e sistemáticos (diretamente referidos a textos de normas) devem ter precedência
sobre os demais (não referidos a textos de normas). Em caso, por outro lado, de
conflito entre os elementos sistemáticos e gramaticais, ou entre estes e os
elementos do âmbito da norma, a função limitadora do texto da norma impende que
os elementos gramaticais tenham precedência — mesmo no caso dos elementos do
âmbito da norma, que estão em pé de igualdade com os do programa da norma, a
eficácia de limitação é sempre uma decorrência do caráter textual do Estado de
Direito.
Em linhas gerais, os elementos de política jurídica e constitucional, e bem
assim os elementos dogmáticos, os princípios de interpretação constitucional e os
elementos de técnica de solução são produto da racionalidade jurídica: de nenhuma
forma, como dito, podem ser vetores efetivamente vinculantes do processo de
concretização, especialmente se confrontados com a eficácia de limitação do texto
da norma. Os conflitos entre elementos não normativos não têm solução
normativamente orientada, exigindo-se a devida fundamentação e exposição por
parte do jurista — até porque, como ocorre nos casos de falta de força enunciativa
das prescrições, a solução pode estar no reconhecimento de que não há texto de
norma no sentido que o caso reclama (como na doutrina americana da political
question) (MÜLLER, 2004, p. 107)33.
3 A PROPOSTA DE ROBERT ALEXY
3.1 Contextualização do Pensamento de Alexy
Antes do estabelecimento da plataforma teórica de Robert Alexy é mister
anteciparmos, ainda que de forma transversal, a inserção da teoria de Robert Alexy
dentro da polêmica hodierna da metódica jurídica constitucional, em especial dos
direitos fundamentais. A teoria da norma jurídica de Robert Alexy povoará este
33
O autor refere-se ao posicionamento, também visto sob a denominação de “judicial self-restraint”,
no qual as cortes reservam certas questões para o plano do debate político, excluindo
possibilidade de decisão jurídica sobre o tema.
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
343
cenário, contribuindo para uma conexão lógica entre a norma, o direito fundamental,
a ponderação nos conflitos entre princípios e regras e subsunção desta norma presa
à validade ética e social plasmada no texto constitucional.
Há um ícone da teoria de Robert Alexy, no que toca à aplicação da
dogmática jurídica, que impõe seja ela vista como uma disciplina pluri-dimensional.
Esta assertiva é fundamental para entender o conceito de “proposições abertas”
talhadas do núcleo da teoria de Robert Alexy e que segundo Fernando José Bronze,
em sua Metodonomologia entre a semelhança e a diferença, traduz em boa medida
o pensamento de Alexy:
numa acepção ampla, a dogmática especificamente jurídica é uma “disciplina pluri-dimensional” que apresenta uma face “empírico-descritiva”, uma outra “lógico-analítica” (...) esta dogmática se traduz num conjunto de “proposições” abertas – porque experimentalmente reconstituíveis –, intencionalmente conectadas com os princípios, as normas legais e as decisões jurisdicionais (BRONZE, 1994, p. 523).
Para incursões, portanto, no ideário de Robert Alexy, é necessário absorver,
de plano, suas motivações, que resultaram no conceito de “norma”. Uma vez que
tenhamos claro que o conceito de “norma”, juridicamente posto, não se prende
unicamente a um conceito adstrito à ciência jurídica, Robert Alexy revela certa
transcendência axiológica deste conceito, sem a pretensão de encapsulá-lo ao
objeto de uma única ciência. Posto não ser conduta, uma “norma” não poderia
justificar-se sozinha como garantidora de sua eficácia, ou, nas palavras do autor, o
modelo de norma deve ser, de um lado, “solido o suficiente para constituir a base
das análises que seguirão” e, de outro lado, “suficientemente frágil para que seja
compatível com o maior número possível de decisões no campo dos problemas
mencionados” (ALEXY, 2008, p. 52).
O que garante a transcendência abstraída do conceito de norma no
pensamento do professor de Kiel é o caráter semântico que dito conceito assume.
Neste sentido o autor sugere um ponto de partida indispensável à formação de sua
teoria, qual seja a necessária distinção daquilo que seja norma e enunciado
normativo. Como diz o Autor, “uma norma é o significado de um enunciado
normativo”. Trata-se, essencialmente, de “algo que deve ser” (ALEXY, 2008, p. 54).
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
344
Será possível identificar em Robert Alexy a importância da separação entre
questões semânticas de questões de validade, muito embora o autor nos previna do
risco que esta separação provocará com a inevitável expansão do universo das
normas. A validade de uma norma está associada à sua funcionalidade, quer se dê
pela linguagem coloquial ou quer se manifeste pela linguagem técnica. Aquilo que se
propõe válido sê-lo-á por determinados critérios, porque “tem que ter algo a partir do
que esta afirmação seja possível” (ALEXY, 2008, p. 62). Esta é a prevalência que
Robert Alexy impõe ao caráter semântico: a sua funcionalidade. Adiante será
evidenciado que a base da teoria da argumentação jurídica proposta por Robert
Alexy resulta na busca de um critério cingido no conceito da razão prática, tendo
Habermas como fonte inspiradora.
A ligação entre Alexy e Habermas prende-se, em um primeiro momento, à
semelhança da teoria de Habermas na busca de um discurso com razão prática,
cujo conteúdo lhe conferira procedimento comunicativo e um relativo grau de
satisfação e racionalidade, citando a lição de Bustamante. A influência de Habermas
em Robert Alexy verifica-se pela assunção do conceito de “verdade”:
um dos aspectos da teoria habermasiana que foram mais marcantes para o pensamento de Alexy é o conceito de verdade, que, para o professor de Frankfurt, está muito mais próximo da idéia de consenso do que da mera correspondência entre enunciados e fatos. Para Habermas, só “posso atribuir um predicado a um objeto se, também, qualquer um pudesse entrar em discussão comigo atribuísse o mesmo predicado ao mesmo objeto” (BUSTAMANTE, 2005, p. 69).
Na esteira do pensamento de Karl Larenz, Robert Alexy deduzirá a
dependência da subsunção lógica das normas derivadas de premissas formadas
abstratamente. Para defender este enunciado Bustamante acrescenta quatro
motivos através dos quais Alexy remedia tal dependência: “i) a imprecisão da
linguagem; ii) a possibilidade de conflitos entre normas; iii) a existência de lacunas; e
iv) a possibilidade de decisões que contrariem um dispositivo legal” (BUSTAMANTE,
2005, p. 60).
Alexy comporá o esteio de sua teoria criando, igualmente, uma Teoria da
Argumentação Jurídica, cujos elementos componentes serão apresentados na
Hermenêutica constitucional e pós-positivismo
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
345
medida da construção sistêmica desta teoria, e, como já antecipados, lastrear-se-ão
por um conceito de razão prática e por um discurso racional.
3.2 Teoria da Norma Jurídica na Teoria dos Direitos Fundamentais
Robert Alexy pondera que as normas de direitos fundamentais podem ser
compreendidas sob seu aspecto concreto ou abstrato. A abstração na criação de
uma pretensa norma dar-se-á se sua abrangência (eficácia) atingir ou pertencer a
um determinado ordenamento jurídico. O caráter concreto da formação de uma
norma prende-se à constatação se de fato esta norma está relacionando-se a um
direito fundamental posto, positivado.
Para Robert Alexy, assim, o conceito de norma está praticamente reduzido
aos textos do direito positivo, uma vez que os direitos fundamentais devem ser
considerados “nas normas que são expressas por disposições de direitos
fundamentais; e disposições de direitos fundamentais são enunciados presentes no
texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados” (ALEXY, 2008, p. 66).
Há, portanto dois problemas lançados por Robert Alexy que devem ser sopesados: o
primeiro diz respeito à falta de critérios, tendo como referência a Constituição Alemã,
para identificar e segregar o conceito das normas que têm substância de direitos
fundamentais e as que não dispõem desta substância. O segundo problema posto é
saber se de fato existem “todos” os direitos fundamentais explicitados na
constituição e de que forma, ainda que subliminar, o Estado complementará o hiato
destes direitos ditos ausentes. Esta questão final Robert Alexy parece não ter
aprofundado na medida da consecução do que poderíamos chamar “direitos
fundamentais ausentes”.
É compreensível que a formação argumentativa do filósofo alemão utilize o
princípio dedutivo para, gerando a exceção (direitos fundamentais não pertencem
somente à Constituição), induzir à constatação de que de fato o conceito de norma
de direito fundamental precisa “confrontar” o texto constitucional para saber-se
“exauriente”.
João Fábio Silva da Fontoura et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
346
3.2.1 Normas e disposições
O autor dirá que se um enunciado expressa uma norma será este um
enunciado normativo, e, concomitantemente, conforme antecipado, se esta norma
expressa tiver aderência ao texto constitucional e fizer referência a um direito
fundamental, ressalvadas as condições de hiatos expostas no item anterior, esta
norma será uma “norma de direito fundamental”.
Por outro lado, a diferenciação entre norma e disposição restará, segundo
Alexy, ainda com uma definição muito “estreita”, porquanto as normas de direitos
fundamentais apresentam complexidades específicas tanto do ponto de vista
semântico quanto do ponto de vista estrutural. No plano semântico, uma norma pode
ser aberta pela indefinição dos termos que utiliza. Do ponto de vista estrutural, uma
norma pode ser aberta na medida em que não deixe claro qual é o tipo de conduta
que a norma exige (a liberdade de pesquisa e ensino, diz o autor, não deixa claro se
ela deve ser realizada mediante ações ou abstenções estatais). Para por termo a
tais indefinições o Autor propõe a criação de regras semânticas, no caso da abertura
semântica, e de normas atribuídas, no caso da abertura estrutural (ALEXY, 2008, p.
70-72).
Para aferir a pertinência e a validade de uma destas normas atribuídas,
deve-se levar em conta se é possível uma correta fundamentação referida a direitos
fundamentais. Terão papel preponderante nesta aferição os “argumentos práticos
gerais na fundamentação referida a direitos fundamentais”, no que diz respeito a
consensos dogmáticos, precedentes, textos de norma e elementos genéticos das
disposições (ALEXY, 2008, p. 74). Com isso, Alexy opõe-se diretamente a Müller,
porquanto não aceita que os argumentos decisórios possam integrar o conceito de
norma jurídica, uma vez que está decorrerá exclusivamente da disposição de direito
fundamental.
3.2.2 Regras e princípios e a técnica da ponderação
Alexy confere extraordinária importância à necessidade da distinção entre
regras e princípios, cuja relevância garantirá a “mobilidade” e a “elasticidade”
necessárias ao conceito de norma. Adianta-nos o filósofo alemão que “a distinção
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
347
(entre princípio e regra) é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos
fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos
direitos fundamentais” (ALEXY, 2008, p. 85).
Segundo o autor, “tanto regras quanto princípios são normas e estão
reunidos sob o mesmo conceito de norma” (ALEXY, 2008, p. 87). Diante desta
“verdade”, no sentido de Habermas, é forçoso reconhecer, de plano, que ambos os
conceitos compõem lados opostos de “uma mesma moeda”. No dizer do próprio
Alexy, regras e princípios são normas de “dever-ser”, portanto podem ser formuladas
por regras deônticas da permissão, proibição e do dever, que são, a rigor,
estereótipos conceituais de valor e validade propostos por Alexy para a
fundamentação de sua teoria. São paradigmas valorativos que servirão de
“estímulos” para gerar a força necessária à produção de normas de decisões,
respeitando a lógica de sobreposição de normas antecipadamente anunciadas.
Para a distinção entre regras e princípios, o autor utiliza-se inicialmente do
critério da generalidade, que é o mais comumente adotado e que aduz que os
princípios contêm elevado grau de generalidade, ao contrário das regras. Desta
generalidade resulta a “abertura” do sistema jurídico, diríamos sua “elasticidade”, a
representar o caráter fluídico intrínseco ao conceito de princípio. E outro lado, Alexy
expõe que os princípios são mandamentos de otimização, podendo ser satisfeitos
em “graus variados”, ao passo que as regras “são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas” (ALEXY, 2008, p. 91)34. Ao antecipar o conceito de regras e princípios, o
autor demonstra a opção do critério segundo o qual regras e princípios podem ser
definidos por um critério de qualidade, ou diferença qualitativa. Desta forma a
distinção entre regra e princípio dar-se-á qualitativamente e não pelo grau ou peso,
pois as regras contêm somente determinações daquilo que é fática e juridicamente
possível.
Para Alexy, existem duas formas básicas de operação com as normas
jurídicas, a ponderação e a subsunção. A subsunção é o modelo adequado ao
tratamento das regras, ao passo que a ponderação é a técnica pertinente aos
princípios, uma vez que tal espécie normativa, como dito, pode ser operacionalizada
34
Vide também Alexy (2007, p. 64).
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348
em níveis diversos, requerendo sopesamento (ALEXY, 2007, p. 130-132).
O parâmetro que definirá conflito entre regras se fará através de exceção,
seguidas da pertinente subsunção. Neste sentido, Alexy assume a necessidade de
geração de uma lógica (ou decisão) de validade a que a regra deve submeter-se. A
colisão entre duas regras gera a necessária condição de que uma delas seja
inválida, ou de que uma das regras comporte exceção, de modo a autoexcluir sua
incidência, eliminando assim o conflito.
Como assevera Bustamante, “o conflito entre regras se opera no nível da
validade jurídica, que não é gradual (...) uma norma só pode valer ou não valer
juridicamente” (BUSTAMANTE, 2005, p. 189). Esta assertiva dará ao entendimento
justaposto entre regras e princípios uma possibilidade de análise sob a ótica da
“elasticidade” talhada aqui como modelo elucidativo de compreensão da lógica
estrutural sugerida por Alexy.
Colisões de princípios, por outro lado, têm dinâmicas e movimentos próprios,
diferentemente do que ocorre com as regras. Não se propõe supor que um princípio
em colisão deva ser “extirpado” do ordenamento jurídico através da exceção, em
detrimento a uma eventual “preponderância” de um sobre o outro. Alexy
empreendeu uma lógica segundo a qual haverá a necessidade de inserir nova
dimensão (ponderação ou sopesamento) que preponderará entre os espaços de
validade jurídica contingenciados entre dois princípios em colisão.
Como o autor evidencia, os princípios não se sobrepõem uns sobre os
outros como precedência da mesma mecânica empreendida no tratamento das
colisões de regras, cuja “eliminação” se dá pela exceção. O caráter “elástico” dos
princípios não permitirá, em função de sua vinculação a marcos históricos
constituídos politicamente, que se rompam pelo simples fato de serem pertinentes,
numa dimensão tempo/espaço, ao mesmo caso jurídico.
A contribuição da teoria de Robert Alexy repousa em permitir, através da
ponderação de um princípio em relação (e não um sobre o outro) ao outro, que o
momento de decisão de uma determinada norma (válida juridicamente) não gere um
hiato pela ausência de algum dos princípios que, por sua própria eficácia elástica,
sopesarão um em relação ao outro. Dirá o autor que “na verdade, o que ocorre é
que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
349
condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de
forma oposta”. E, prossegue Alexy, “isso é o que quer dizer quando se afirma que,
nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que o princípio com maior
peso tem precedência” (ALEXY, 2001, p. 94).
É importante ressaltar que a ponderação de que trata Robert Alexy não é,
exatamente, aquela intrínseca ao princípio. O princípio não é objeto, mas causa do
sopesamento. O que alimentará este mecanismo é o caso concreto em análise. É o
conflito que deve ser resolvido entre os interesses antagônicos. Princípios têm em si
sua prioridade que só será revelada quando relativizada através do sopesamento
motivado pela relevância (interesse) no caso concreto.
3.2.3 Ábaco representativo da relação espacial entre regra e princípio
O que está posto na teoria de Alexy acerca das colisões de princípios e de
regras pode ser sumariamente interpretado no ábaco acima, ao menos na ratificação
de seus principais fundamentos.
Princípios têm entre si tensões antagônicas com sentidos opostos (restrição
x realização), que pelo seu caráter “elástico” não romperão diante de uma situação
concreta, posto que a conclusão resulte numa ação de “dever”, de “realização”,
retornando ao equilíbrio anterior com todo vigor de antes.
As regras têm limites (R’ – R”) cujos esforços em ultrapassá-los serão
remediados somente pela aplicação da regra de exceção. Robert Alexy dirá que “as
regras exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, elas têm uma
determinação da extensão de seu conteúdo nos âmbito das possibilidades jurídicas
e fáticas” (ALEXY, 2001, p. 104).
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350
Sucede que as regras sinalizam interface com os princípios (P). No ábaco, a
reta resultante da limitação natural desta regra irradia no sentido de atingir
(transpassar) determinado conflito que, como já dito, mantém sua “energia elástica”
que permitirá ser sopesado em relação a outro princípio, diante, sempre, de um caso
concreto que envolva interesses conflitantes. A resultante deste processo de
“condensação de energia” atingirá os limites da validade jurídica (representado na
barra superior), imprescindível para a estabilidade do ordenamento jurídico.
Insta ressaltar, por fim, que após atingir e definir os limites da validade, a
“reta resultante” da relação regra x princípio demandará um limite de plena aplicação
da decisão da norma que é representada pela “prima facie”. Robert Alexy elenca a
aplicação do caráter “prima facie” entre regras e princípios, quando afirma que “os
princípios têm sempre um mesmo caráter prima facie, e as regras um mesmo caráter
definitivo”. Daí a área replicada pela “prima facie” no ábaco acima.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do que se expôs, nota-se que a concepção de Alexy permanece tributária de
alguns dos pressupostos centrais do positivismo jurídico, desde que este último seja
tomado em conta como realmente existiu e existe, e não na forma “caricaturada”
com que é frequentemente tratado. O problema persiste ainda que se considere a
ponderação realizada em concreto, e não no que Alexy chamou de “modelo
decisionista”.
Por sofisticada que possa se apresentar, a proposta de Alexy vincula o
conceito de norma ao de enunciado linguístico, sem a devida atenção ao mundo da
vida, ao mesmo tempo em que relega boa parte do trabalho jurídico à subsunção
(todo o trabalho com as regras é dado por meio do silogismo). Mais importante,
contudo, é o fato de que Alexy, pelo só fato de reconhecer a possibilidade de uma
subsunção, ou pela possibilidade de propositura da uma “ordem hierárquica de
valores”, concebe a norma jurídica como algo pré-dado, ontologicamente
estabelecido.
Assim, o principal equívoco do pós-positivismo defendido majoritariamente
no Brasil — que é baseado na obra de Alexy — é o de imaginar que a aporia
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
351
fundamental do positivismo jurídico seja o “apego à letra da lei”. Mas o desrespeito
ao texto da norma é algo que não rompe unicamente com o juspositivismo, e sim
com o próprio Estado de Direito. O que deve ser rediscutido pelo pós-positivismo,
como já adverte Müller há quatro décadas, é a concepção ontológica da norma
jurídica, como algo previamente dado e cujo processo de implementação prática seja
de caráter puramente hermenêutico.
O presente estudo, nos limites estritos em que se delineou, não traz a
resposta para todas as indagações que decorrem da visão da norma jurídica aqui
defendida. Contudo, o intento que reuniu o grupo de estudos em Joinville foi o e uma
contribuição para que a discussão do pós-positivismo possa ser amadurecida e
aperfeiçoada na ciência jurídica brasileira.
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