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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MATHEUS TAGÉ VERISSIMO RIBEIRO HERÓIS EM CONVERGÊNCIA: A dinâmica de dispersão e convergência na narrativa transmídia do Universo Cinemático Marvel SÃO PAULO 2016

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MATHEUS TAGÉ VERISSIMO RIBEIRO

HERÓIS EM CONVERGÊNCIA:

A dinâmica de dispersão e convergência na narrativa transmídia do Universo Cinemático Marvel

SÃO PAULO

2016

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MATHEUS TAGÉ VERISSIMO RIBEIRO

HERÓIS EM CONVERGÊNCIA:

A dinâmica de dispersão e convergência na narrativa transmídia do Universo Cinemático Marvel

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola.

SÃO PAULO

2016

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MATHEUS TAGÉ VERISSIMO RIBEIRO

HERÓIS EM CONVERGÊNCIA:

A dinâmica de dispersão e convergência na narrativa transmídia do Universo Cinemático Marvel

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola.

Aprovado em ----/-----/-----

____________________________________________

Prof. Dr. Vicente Gosciola

______________________________

Profª. Drª. Maria Ignês Carlos Magno

______________________________

Prof. Dr. Thiago Pereira Falcão

________________________________________

Prof. Dr. Fábio Fernandes

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AGRADECIMENTOS

Eu devo agradecer e dedicar este trabalho e esta conquista a todos que

contribuíram para que eu chegasse até aqui. Em primeiro lugar, agradeço à Deus

por tudo, sempre. Aos meus pais, José Hamilton e Nadir, que sempre

acreditaram e me apoiaram em todos os momentos de todas as formas. À minha

esposa, Michelle, e meus irmãos, Marcos e Mariana, por todo o apoio e

compreensão. Agradeço de maneira especial ao meu super-herói favorito, meu

filho e melhor amigo Manoel, por sempre esperar o melhor de mim, e por me

inspirar a alcançar e superar meus desafios.

Agradeço ainda ao meu orientador e amigo, professor Vicente Gosciola, por toda

a motivação e incentivo que me deu ao longo do curso. À minha banca,

professora Maria Ignês Carlos Magno, professor Thiago Falcão, e professor

Fábio Fernandes por terem contribuído tão generosamente com meu trabalho.

Aos professores das disciplinas que cursei durante o Mestrado, e tiveram grande

influência na minha pesquisa, professor Gelson Santana e professor Rogério

Ferraraz, obrigado por tudo.

Por fim, agradeço e dedico in memoriam este trabalho aos meus avós Manoel

José Verissimo e Nadir Tagé Verissimo, por sempre terem acreditado em mim.

Obrigado.

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“I, I will be king,

And you, you will be queen

Though nothing will drive us away

We can be heroes, just for one day

We can be us, just for one day…”

(David Bowie)

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é analisar a influência que a narrativa transmídia exerce como fator determinante para a geração de presença cultural. O objeto estudado, no caso, trata-se do Universo Cinemático Marvel (UCM), e toda a fragmentação narrativa que conta a história de Vingadores. Para entender o UCM, foi necessário mapear e compreender como acontece o desenrolar das produções. Neste ponto, contextualizado pelo conceito de cultura da convergência, apresentamos nesta dissertação a denominação “Dinâmica da Dispersão e Convergência Narrativa”. A ideia trata da fragmentação de textos complementares que conduzem o espectador a um texto principal, ou ponto de convergência, e novamente se dispersam em novos pontos, repetindo o movimento inúmeras vezes. A partir de então, analisamos graficamente a franquia cinematográfica da Marvel em comparação com a rival DC Comics, e mostramos dois tipos de universos narrativos diferentes, o primeiro totalmente em convergência, e o segundo dividido por diversificação de mídias, onde TV e cinema não possuem qualquer relação. Outra parte importante deste trabalho, é a contextualização histórica em que este universo narrativo está conformado. A hipermodernidade, com todas suas peculiaridades, é o campo onde este projeto transmídia atua. O hiperconsumo e a hiperconectividade fazem com que o espectador esteja a todo momento a espera de novidades da franquia. Através do celular, Tablet, ou mesmo o computador, as redes sociais ampliam a oferta de conteúdo e a rede de fãs alimenta o fluxo de informações. Assim, criam-se mecanismos de incentivo ao constante engajamento. A simulação e dissimulação de Vingadores também é discutida neste trabalho, pois o comparativo entre o real e o hiper-real são marcantes na produção. Após uma análise histórica dos super-heróis, estabelecemos a relação entre o herói antigo e o novo herói. O personagem hoje é muito mais humano em suas ações e ao mesmo tempo midiaticamente onipresente. Por fim, tratamos do conceito de presença cultural e presentificação dos personagens. Chegamos à conclusão de que o efeito de presença e sentido de Vingadores, se dá, pela formatação de seu universo narrativo. Concluímos então que a narrativa transmídia é o fator que desencadeia a presença cultural da franquia.

Palavras-chave: Narrativa transmídia. Presença cultural. Vingadores. Super-heróis.

Cinema mainstream.

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ABSTRACT

This research objective is analyzing the transmedia storytelling influence as a

determinant factor of presence cultural creation. The studied object, in this case,

is the Marvel Cinematic Universe (MCU), and all its narrative fragmentation that

tells the Avengers history. For understanding MCU, it was necessary to map how

the production development happens. In this point, from the concept of

convergence culture, we introduce in this work the denomination of “Dispersion

and Convergence Narrative Dynamics”. The idea discuss the fragmentation of

complementary texts that lead the spectator to a main text, or convergence point,

and again it spreads in new points, repeating the movement over and over again.

For now on, we analyzed Marvel Cinematograph franchising with graphics, in

comparison with the rival DC Comics, and we demonstrated two types of different

narrative universes, the first in complete convergence, and the other, divided by

media diversification, where TV and cinema have no relation. Another important

part of this research is the historic contextualization that conforms this universe.

The hypermodernity, and all its peculiarities, it´s where this transmedia project

works. The hyper consumption and hyper connectivity make the spectators in a

constant waiting for new materials of the franchise. Through the cellphones,

tablets and computers, the social networks increase the content offer and fans

feed the information flow. This way, there´s incentive mechanisms that support

the constant commitment. The simulation and dissimulation on the Avengers will

be discussed in this work, because the comparison between reality and hyper-

reality is notable in the production. After a super-heroes historic analyses, we

established a relation with the old hero and the new hero. The new character is

more human in its actions, and on the same time, omnipresent in media. Finally,

we treat the cultural presence concept and the characters presentification. We

get the conclusion that the semantic and presence effect in Avengers happens

because of its narrative universe layout. We have concluded that transmedia

storytelling is responsible for the cultural presence of the brand.

Key-words: Transmedia storytelling. Cultural presence. Avengers. Super-

heroes. Mainstream movies.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. VINGADORES: O NOVO HERÓI E O SIMULACRO DO UNIVERSO...............4

1.1 Origem e adaptações...................................................................................5

1.2 Simulação e Dissimulação em Vingadores.................................................10

1.3 Os super-heróis hoje...................................................................................15

2. A PRESENÇA DOS HERÓIS...........................................................................20

2.1 A presentificação dos heróis.......................................................................23

2.2 Homem de Ferro, herói entretenimento......................................................29

2.3 Um herói midiatizado..................................................................................30

2.4 Um herói produto........................................................................................31

3. DINÂMICA DE DISPERSÃO E CONVERGÊNCIA NARRATIVA.....................38

3.1 Os Vingadores transmídia...........................................................................39

3.2 Conceito de Dinâmica da Dispersão e Convergência Narrativa.................41

3.3 Marvel vs DC Comics..................................................................................46

3.4 Do entretenimento ao consumo hipermoderno...........................................54

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................64

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Tarzan, the Jesse Marsh Years, 1947……………………………………........7

Figura 2 - Super-homem, Christopher Reeve, 1978......................................................8

Figura 3 - O Incrível Hulk, Lou Ferrigno, 1978................................................................9

Figura 4 - Atentado terrorista ao World Trade Center, 11 de setembro de 2001..........11

Figura 5 - Nave Chitauri, Vingadores, 2012...................................................................12

Figura 6 - Batalha de Nova York, Vingadores, 2012......................................................13

Figura 7 - Homem de Ferro em Vingadores, 2012.........................................................15

Figura 8 - Camisa com fusão de Darth Vader com o Capitão América.........................20

Figura 9 - Cena do personagem Mandarim, do curta All Hail de King, 2014.................22

Figura 10 - Steve Rogers antes do procedimento que o

transformou em Capitão América, em seu primeiro filme.............................................25

Figura 11 - Nick Fury mostra a coleção de figurinhas do Capitão América..................26

Figura 12 - Cena da luta entre Thor e o Destruidor......................................................27

Figura 13 - Cena de O incrível Hulk, 2008....................................................................28

Figura 14 - Cena do filme Homem de Ferro, 2008........................................................32

Figura 15 - Cena do filme Homem de Ferro 2, 2010.....................................................33

Figura 16 - Homem de Ferro, em Vingadores, 2012.....................................................34

Figura 17 - Cena do filme Homem de Ferro 3, 2013.....................................................35

Figura 18 - Dispersão e Convergência Narrativa do Universo de Vingadores .............43

Figura 19 - O jornalista Ben Urich e ao fundo a capa do

jornal New York Bulletin com a manchete “Battle of NY”………………………………….44

Figura 20 – Foto de divulgação da série Agente Carter................................................45

Figura 21 - Foto de divulgação do crossover das séries Arrow e Flash..........................47

Figura 22 – Foto de divulgação de Capitão América: Guerra Civil.................................48

Figura 23 – Foto de divulgação de Batman vs Superman...............................................49

Figura 24 - Gráfico da Dinâmica de Dispersão e Convergência

Narrativa, estruturado a partir da análise do universo Marvel.......................................50

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Figura 25 - Gráfico estrutural da DC Comics.................................................................53

Figura 26 - Comentários na página do facebook Marvel

Brasil sobre trailer de Vingadores: Era de Ultron...........................................................61

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Introdução

Esta pesquisa tem como objeto de análise o Universo Cinemático Marvel,

mais especificamente, o processo midiático que envolve a franquia Vingadores

e todos os produtos que complementam e desenvolvem a narrativa. Também

pretende fazer uma relação entre a narrativa transmídia e a presença cultural de

Vingadores, abrangendo também o olhar sobre os impactos socioculturais da

produção de super-heróis no contexto contemporâneo.

Os super-heróis são figuras que sempre me fascinaram. Lembro que meu

primeiro contato com o gênero foi quando criança através da televisão, assistindo

a desenhos animados do Homem-aranha.

Lembro também dos filmes do Batman, do Tim Burton, e o Bruce Wayne

de Michael Keaton, e a série de TV do Superman, Lois & Clark, que passava aos

domingos na Globo, na década de 90.

Mas devo destacar, que o ponto mais marcante para mim foi quando

assisti no cinema o filme Homem-aranha em 2002. Me recordo, ainda

adolescente, de como me identifiquei com o Peter Parker de Tobey Maguire, e

como aquilo me fascinou. Como fã de desenhos animados, foi impressionante o

fato de que julgava ser praticamente impossível reproduzir o Homem-aranha em

vídeo, com efeitos especiais e atores de verdade.

Creio que a inspiração para ser fotojornalista, profissão que exerço, tenha

surgido primeiramente pela influência de Peter Parker, que conheci muito antes

de Sebastião Salgado, Henri Cartier Bresson ou Robert Capa.

Com o início das produções da Marvel que culminaram em Vingadores

(2012), creio que foi uma reviravolta. Desta vez, já como pai, me senti tão

fascinado quanto meu filho Manoel, que nasceu no mês de abril de 2012, mesmo

mês de estreia do filme Vingadores, e pouco menos de um ano depois, já assistia

aos filmes da franquia, com seu martelo do Thor, luva do Hulk, escudo do

Capitão América e máscara do Homem de Ferro.

Neste contexto, entendi que a franquia foi desenvolvida para que tanto eu

quanto ele, pudéssemos fazer parte e pertencer a esse universo. Duas gerações

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relativamente distantes, assistindo aos mesmos filmes, comprando os

brinquedos, e fazendo parte de um mesmo grupo de consumo cultural.

Desse momento em diante, passei a pesquisar como proposta de

dissertação, como era possível, que esse efeito de presença fosse capaz de

envolver gerações muito anteriores a minha, e ao mesmo tempo a geração do

meu filho.

Neste trabalho, procurei relacionar a forma de produção transmídia como

fator principal para o efeito de presença cultural, e a partir daí entender como a

multiplicação de narrativas pode interpelar públicos diferentes e gerar

engajamento à franquia.

O primeiro capítulo deste trabalho trata do conceito de transmedia

storyteling e faço um mapeamento do universo de Vingadores. Através do

embasamento teórico de autores como Henry Jenkins e Gilles Lipovetsky traço

um paralelo à teoria da cultura da distração de Siegfried Krakauer, adaptando

essa ideia à contemporaneidade, tendo o consumo hipermoderno como

contexto.

A partir destas premissas teóricas, apresento o conceito de dinâmica da

dispersão e convergência narrativa. Esta ideia surgiu a partir das representações

gráficas feitas para esta dissertação, com o intuito de mapear o universo

narrativo, mas que acabaram revelando um padrão geométrico que torna o

movimento de produções da Marvel bastante característico. Este conceito será

trabalhado através de gráficos e analisado comparativamente com produções da

concorrente direta DC Comics.

No segundo capítulo será tratado como tema central o conceito de super-

herói. Através de um levantamento sobre a origem e as principais adaptações

dos personagens dos quadrinhos para o audiovisual, será possível compreender

o perfil original e compará-los aos heróis que temos hoje no cinema.

Ainda neste capítulo será discutido o conceito de simulação e

dissimulação dentro do universo de Vingadores, embasado pela ideia do

Simulacro de Jean Baudrillard. Também será apresentado o contexto de hiper-

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real, como plano de fundo dessas produções. Por fim, o capítulo vislumbra definir

o que é a figura do super-herói hoje.

O terceiro capítulo trará a argumentação de como foi possível que a

franquia Vingadores atingisse um nível tão alto de presença cultural. Será

debatida também a influência da narrativa transmídia como ponto de ignição

deste processo. Este trabalho também analisará os efeitos de presença e de

sentido da produção, embasados por Hans Ulrich Gumbrecht. E explicará o

conceito de presentificação dos personagens e adaptação das histórias,

entendendo o que foi capaz de equilibrar o repertório de um novo espectador

com um fã antigo leitor de quadrinhos.

Por fim, esta pesquisa constata que a narrativa transmídia é responsável

direta pela presença cultural de Vingadores. E é possível entender como esta

dinâmica narrativa é capaz de gerar o efeito de presença necessário para criar

uma franquia de sucesso.

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1. Vingadores: o novo herói e o Simulacro do Universo

O escopo deste trabalho é analisar como funciona a dinâmica narrativa do

Universo Cinemático Marvel e a maneira pela qual este fator foi essencial para

que a franquia conseguisse êxito mercadológico e presença cultural. Contudo,

avalio que seja de extrema importância uma apresentação prévia sobre as

questões que permeiam o contexto do super-herói no contemporâneo.

Considero interessante a observação que este primeiro capítulo explicita, no

sentido de estudar a origem dos super-heróis, a evolução destes personagens

nas diversas produções criadas ao longo das últimas décadas, e o contexto

sociocultural como forma de influência no perfil do herói. Estes são pontos

decisivos para que possamos compreender quem é o herói hoje, ou ainda, qual

o significado do herói contemporâneo, para que assim cheguemos às

conclusões finais deste trabalho

Dos quadrinhos às telas de cinema, o contexto histórico e as questões

socioculturais contemporâneas sempre tiveram papel importante e influência

sobre a estética da narrativa e sobre o perfil de seus personagens. Neste capítulo

será articulada uma comparação a partir dos anseios dos criadores dos primeiros

super-heróis, entre eles o Super-homem, na década de 30, até a interface atual

da narrativa transmídia criada para o Universo Cinemático Marvel, a fim de

contextualizar a saga Vingadores e entender como esta forma de construção

narrativa permite uma nova caracterização dos super-heróis.

Esta análise evidencia uma sociedade inserida nos padrões estéticos

americanos, e por consequência, espectadora em um espaço global de

produções culturais que visam satisfazer esses padrões, mantendo esse

conceito no imaginário popular.

A partir deste comparativo, será possível observar e identificar quem são

os super-heróis hoje, ou ainda, o que é ser um super-herói na

contemporaneidade. Através da análise e comparação entre personagens do

passado e do presente, identificar como são apresentados estes heróis, e de que

maneira a realidade interfere no perfil destes personagens.

Os Vingadores são um exemplo interessante, quando se discute o

conceito de super-herói no contexto contemporâneo. Sua narrativa fragmentada

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é capaz de seduzir os novos fãs hiperconectados que nunca sequer passaram

pelos quadrinhos, e ao mesmo tempo, tirar o fôlego dos ávidos leitores das

longínquas histórias das revistas dos anos 60.

No nosso ponto de vista, os Vingadores refletem uma tendência global do

modelo de super-herói. Evidentemente, um tiro certeiro para o sucesso na

contabilidade das bilheterias de Hollywood. Mas essa história não começa

necessariamente em 2012 – ano de estreia do filme Vingadores. Para se

entender essa nova tendência é interessante fazer uma análise do contexto

histórico da origem dos super-heróis e observar em paralelo às características

socioculturais de hoje.

Os heróis mudaram. Mas essa mudança está intrinsecamente ligada às

novidades nas questões sociais que permeiam a cultura global. Aspectos

econômicos, políticos e socioculturais, tiveram muita influência na formatação de

um super-herói atualizado com seu tempo e capaz de transitar entre os espaços

reais – a cidade de Nova York, por exemplo, e suas representações no

imaginário coletivo.

Nota-se ainda a evolução da narrativa do herói, que passa de um

personagem autossuficiente e indestrutível para um herói que sangra e sofre por

ter dúvidas humanas. Hollywood acertou nesse conceito, vide bilheteria de 1

bilhão e 500 milhões de dólares de Vingadores (2012), e os números

astronômicos dos filmes solo da série. Cabe a este capítulo vislumbrar os pontos

diferenciados deste ambicioso projeto mainstream.

1.1 Origem e adaptações

Estados Unidos da América, início do século XX. A imigração dos judeus

europeus no Novo Mundo foi essencial para que nomes como Stan Lee, Joe

Shuster e Jerry Siegel, tivessem seu primeiro contato e influência com as revistas

de ficção para começarem a desenvolver seus trabalhos.

A esperança dos imigrantes é a mesma na maioria das histórias.

Ascensão social, ou ainda mais especificamente, o sucesso. Esse era o sonho

dos jovens que chegaram à América. Nas escolas, nos guetos, nas bancas de

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jornal, o conceito de luta de classes era visível, e o objetivo de alcançar um lugar

de destaque, uma inspiração.

As revistas de ficção pulp1 formavam a cultura que os primeiros geeks

consumiam. Essas publicações exaltavam o personagem fictício Tarzan, criado

pelo escritor Edgar Rice Burroughs, e as propagandas do método de exercícios

físicos do fisiculturista italiano Ângelo Siciliano, mais conhecido como Charles

Atlas - com corpos hipermasculinos e musculosos - como padrão estético da

época. Os jovens eram bombardeados com estas revistas, e de alguma maneira,

esse era o padrão que se mostrava ser o ideal. Na verdade, esses corpos

significavam mais do que boa saúde, eles eram sinônimo do sucesso que tanto

se almejava.

Após a primeira Guerra, o mundo observa a Alemanha se reestruturar

tanto física quanto psicologicamente. No período que antecedeu a Segunda

Guerra Mundial, o conceito de eugenia tomava forma com a ascensão do

nazismo. Começa desse ponto, a ideia de se purificar uma raça, e criar a partir

de então uma civilização de humanos fora do comum, seres especiais. Um país

de super-homens.

De certa forma, isso já estava colocado em prática na indústria de

entretenimento. O Tarzan já representava uma espécie de ser humano especial,

ele não podia voar, mas contextualizava bem o conceito de superioridade. Um

homem europeu criado na floresta que fora capaz de dominar toda a natureza e

os animais. Tarzan é um primórdio do conceito de super-humano.

1 Pulp é um termo usado desde o início do século XX, para caracterizar revistas de ficção e fantasia, publicadas em papel de polpa de celulose.

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Figura 1: Tarzan, the Jesse Marsh Years, 1947.

Fonte:http://ecx.imagesamazon.com/images/I/619xFofK7wL._SX325_BO1,204,203,200_.jpg.

O mercado de revistas crescia, até o dia em que um garoto geek, que vivia

rodeado por todos esses estímulos, teve uma boa ideia. Baseado em suas

próprias experiências pessoais, desilusões e desejos, começou a desenvolver

sua própria publicação.

Eu era um garoto inibido, disse Jerry. Me apaixonei por garotas atraentes que nem sabiam que eu existia, ou, se sabiam, não davam bola. Na verdade, acho que algumas delas gostariam que eu não existisse. Então começou a fantasiar sobre formas de chamar a atenção das garotas. E se eu fizesse algo especial, como saltar por cima de prédios ou sair arremessando carros por aí...? Talvez assim elas me notassem. Em vez disso começou a escrever sobre caras que tinham essas habilidades. (JONES, 2007, p. 89)

Esse jovem era Jerry Siegel, que junto com o colega de escola, Joe

Shuster, criou o Super-homem. O fato de poder voar e ter uma força

extraordinária caracterizava o personagem como uma espécie de valentão

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bonzinho. E essa ideia pioneira veio a originar centenas de outros personagens

com poderes especiais.

É interessante observar no Clark Kent de Siegel, a capacidade hercúlea

de se antecipar a catástrofes, acidentes e principalmente sempre vencer o

inimigo, que, naturalmente, sempre era inferior aos poderes e a sua força. O

próprio cenário e as histórias do super-herói simulavam a realidade do século

XX. Porém o Super-homem em si, era uma criação que habitava apenas o

imaginário dos fãs. Ele era apenas uma simulação da realidade.

No decorrer das décadas de 1960 e 1970, tanto a DC Comics quanto a

Marvel já haviam consolidado inúmeros personagens de sucesso. O interesse

em transitar de uma mídia para outra era uma tendência, como foi o caso do

sucesso da série de TV The Adventures of Superman, de 1952 a 1958, com o

ator George Reeves e o seriado Batman (1966) com Adam West. Algumas

adaptações foram notáveis. Dentre elas, cabe citar o Super-homem de

Christopher Reeve, que estrelou Superman (1978), sob a direção de Richard

Donner, e as continuações Superman II (1980), Superman III (1983) e Superman

IV (1987).

Figura 2: Super-homem, Christopher Reeve, 1978.

Fonte: http://www.tumbaabierta.com/wp-content/uploads/2012/10/tumbaabiertra_superman-Christopher_Reeve.jpg

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Além do homem de aço, outro super-herói também teve destaque na

época, interpretado pelo fisiculturista Lou Ferrigno, a série The incredible Hulk,

estreou em 1978 e durou até 1983.

O fato é que os recursos da época eram relativamente pequenos em

relação às possibilidades tecnológicas do cinema hoje. Deve-se considerar o fato

de que nem todos os poderes dos heróis nos quadrinhos podiam ser

reproduzidos no vídeo. Mas apesar disso, tanto o Super-homem quanto o Hulk

tiveram importância histórica no sentido de se representar e adaptar os

personagens dos quadrinhos com atores e cenários reais.

Figura 3: O Incrível Hulk, Lou Ferigno, 1978.

Fonte: http://img.poptower.com/pic-79388/lou-ferrigno.jpg?d=600.

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Esteticamente, o protagonista Lou Ferrigno não era tão parecido com o

gigante esmeralda dos quadrinhos, mas para o público na época, apesar da

precariedade tecnológica da adaptação, essa tentativa de realismo provocava

relativa suspensão de descrença, tornando o personagem aceitável. Seu

destaque se dava por sua importância narrativa, sua subjetiva semelhança física

com o personagem, e pelo fato de que para o espetáculo, a transformação era

mais importante do que o cientista.

Fazendo uma comparação, na verdade o Hulk, hoje, é secundário na

história de Vingadores, 2012, se limitando a ter apenas algumas aparições

pontuais, e por vezes cômicas, por conta da força exacerbada do personagem -

fato que é bastante explorado pela produção. Durante o filme passa-se certo

tempo falando do Hulk, porém sem ele estar presente. Bruce Banner é muito

mais protagonista do que sua transformação monstruosa, assim, torna-se

aceitável entender o Hulk como um ser digital contracenando com atores de

verdade.

1.2 Simulação e Dissimulação em Vingadores

Em meados de 2000, a Marvel começa a construção de um simulacro: o

Universo Marvel. Neste caso, o conceito de simulacro (Baudrillard, 2002)

consiste na pura representação simbólica do universo real, que funciona como

base em que se conforma todo o universo narrativo do filme.

O universo narrativo da Marvel começa em 2008 com Homem de Ferro.

O filme conta com o contexto tecnológico contemporâneo como forma de

viabilizar o domínio do homem sobre a máquina e, propositalmente, tornar o

personagem real ao lutar contra terroristas. A saga continua com O incrível Hulk,

também de 2008, com um filme didático, apresentando o personagem, e

mostrando a contaminação química que resultou na monstruosa transformação

de Bruce Banner. Os filmes Capitão América, 2011, e Thor, 2011, mostram de

forma realista como é possível se fazer a criação de um supersoldado através

de um experimento científico, e a possibilidade de se haver um portal

intergaláctico que ligue o planeta Terra à Asgard.

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A linha tênue entre ficção e aspectos da realidade torna o contexto hiper-

real. Enquanto o Capitão Steve Rogers luta contra nazistas reais, durante a

Segunda Guerra Mundial, o espectador força-se a lembrar de que ele é apenas

um personagem fictício, misturado ao caos real da guerra. Essa mistura de

nazistas, terroristas, cenários reais com os super-heróis é, na verdade, uma

ferramenta de dissimulação da realidade.

A Disneylândia é colocada como imaginário, a fim de fazer crer que o resto é real, quando toda a Los Angeles e a América que a rodeiam já não são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata da simulação falsa da realidade (a ideologia), trata-se de esconder que o real já não é o real e, portanto, salvaguardar o princípio da realidade. (BAUDRILLARD, 2002, p. 21)

O ponto que destaco é a semelhança visual entre as imagens do atentado

de 11 de setembro de 2001, captadas pelas câmeras das emissoras do mundo

todo, o fogo, a fumaça, a destruição televisionada ao vivo, e as imagens da

destruição de Nova York pelos Chitauris em Vingadores (2012). A imagem é

extremamente semelhante.

Figura 4: Atentado terrorista ao World Trade Center, 11 de setembro de 2001.

Fonte:http://ultimosegundo.ig.com.br/11desetembro/perguntas+sem+respostas+ainda+rondam+o+11+de+setembro/n1597197211446.html

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Essa dissimulação do real tem por objetivo a preservação da realidade. O

contexto hiper-real funciona como um anestésico dentro do inconsciente coletivo

ao afirmar que as explosões e a destruição da cidade inteira não passam de

ficção. Quando na verdade, a matéria-prima para isso está na própria realidade

retratada nos jornais, sites, rádios e televisões.

Figura 5: Nave Chitauri, Vingadores, 2012.

Fonte: http://photos1.iorbix.com/00/00/00/00/00/48/04/17/Thanos-God-Of-Death-Galactic-Abyss-Clan-tGymTJI4O-b.jpg

Nota-se na narrativa uma intensidade maior do ponto de vista do

sentimento dos protagonistas. Diferentemente da linha clássica de pensamento

dos super-heróis, estes personagens não conseguem mais se antecipar às

catástrofes, eles sofrem, sangram, e têm dúvidas. Na verdade, eles são

diferentes, eles são mais humanos do que super-heróis. Seu valor não é medido

necessariamente pelo seu poder, mas por sua função dentro do grupo.

Essa humanização dos heróis pode ser contextualizada em Thor: O

mundo sombrio (2013), quando o próprio Odin, discute com o personagem Loki,

acerca da sua suposta imortalidade. “Nós não somos deuses, nós podemos

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morrer como os humanos” afirma Odin, então Loki rebate “Sim, mas com a

diferença de cinco mil anos”.

O fato é que alguns personagens sempre foram representados como

imortais no imaginário coletivo. Se até mesmo os habitantes de Asgard podem

morrer, os heróis terráqueos estão ainda mais próximos dessa possibilidade.

Esse contexto traz a proximidade desses super-heróis com a realidade humana.

Eles são exatamente como nós. E a ideia é mostrar que sua existência é

supostamente viável.

A mistura entre super-heróis e heróis humanos é evidente, e mostra a

importância que se dá a personagens como o Gavião Arqueiro e a Viúva Negra.

Apesar de não possuírem nenhum tipo de poder especial ou resistência física

acima do normal, eles ajudam, guiam e colaboram efetivamente na missão dos

personagens principais.

Essa sinergia entre personagens humanos e super-heróis faz com que se

entenda uma noção de sociedade entre eles, onde cada um contribui de acordo

com suas funções e possibilidades. Tirando a responsabilidade única e

exclusivamente dos super-heróis, o filme mostra o elemento humano contra o

exército Chitauri, indicando que todos podem ser heróis.

Figura 6: Batalha de Nova York, Vingadores, 2012

Fonte: http://whosthanny.com/wp-content/uploads/2012/04/Os-Vingadores-26Abr2012.jpg

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“We could be heroes, just for one day...” A música Heroes, de 1977, de

David Bowie, ilustra essa condição dos personagens. A ideia de super-herói no

filme torna-se aceitável pelo fato dos protagonistas representarem

características humanas. Dentro desse fato, o espectador acaba conseguindo se

identificar com os heróis do filme.

Isso é possível também pelo fato de que a produção mostra certa

influência do mundo dos games, onde qualquer um pode ser o personagem que

quiser dentro de um cenário extremamente realista e interativo, tendo sua

capacidade de agir ampliada.

O cenário do filme, tipicamente americano, simula todo o resto do mundo,

ao passo que os heróis parecem não pertencer a lugar nenhum. São

personagens desterritorializados e retrofuturistas. Embora tenham sido criados

em meados da década de 60, eles se encaixam bem no contexto atual, e pouco

trazem de características da época.

Os Vingadores resgatam um sentimento americano de autoestima e

preservação. O fato de os heróis terem sido apresentados no cinema a partir de

sua origem é um dos motivos pelos quais a identificação é tão forte, por parte do

público. Para o novo fã, não é necessário ter nenhum conhecimento prévio dos

quadrinhos, pois os heróis foram reapresentados a partir de sua concepção, a

fim de fazer parecer mais próximos ao público. E quanto mais esse personagem

parecer humano, melhor. Nessa linha de pensamento, a bilheteria de Homem de

Ferro 3 reforça essa cultura.

Tony Stark2 é um bilionário, filantropo e playboy. Um típico estereótipo do

capitalista americano. Seu poder é o domínio sobre a máquina, e o contexto

tecnológico atual o torna o mais plausível do grupo. Com 1 bilhão e 200 milhões

de dólares de bilheteria, as características humanas e habilidades tecnologias

do personagem, em Homem de Ferro 3, fazem do filme um super blockbuster.

Mas, além disso, Stark é o que mais corre riscos e arrisca a própria vida.

É importante lembrar que ele não sofreu mutações e tão pouco é um deus, sendo

assim, quando despenca do céu em direção ao solo, desacordado, ao conseguir

2 O Homem de Ferro será tratado mais detalhadamente no próximo capítulo deste trabalho.

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fechar o portal aberto através do poder do Tesseract, seu sacrifício vale muito

mais aos olhos do espectador.

Por alguma razão, fala-se mais de Ícaro do que de Dédalo, como se as asas, em si, fossem responsáveis pela queda do jovem astronauta. O pobre Ícaro despencou nas águas; mas Dédalo, que voou moderadamente, conseguiu atingir a outra margem. (CAMPBELL, 2007, p. 140)

Figura 7: Homem de Ferro em Vingadores, 2012.

Fonte: http://static.comicvine.com/uploads/scale_super/3/39001/3276515-ironman.png.

Concluindo, a ideia que o filme traz é a de um super-herói possível, que

pode errar, pode duvidar, mas que no final consegue superar o inimigo – muitas

vezes com poderes superiores aos do herói. Uma analogia à realidade humana

com todos os seus desafios e oportunidades de êxito. A indústria cria heróis

semelhantes aos homens, para que os homens queiram ser como eles.

1.3 Os super-heróis hoje

O contexto é parecido: EUA, início do século XXI. Com a globalização

cultural, a América colonizou – desde metade do século XX - o resto do mundo

com seus produtos midiáticos. Através do cinema, das séries de TV, e do

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noticiário, impôs uma padronização de comportamento global, e uma tendência

constante a aceitação do padrão de vida americano.

A América é a concepção de mundo civilizado. Qualquer ameaça a esse

exemplo de civilização pode atingir também o resto do planeta. Creio que nada

mais tenha sido tão marcante até então, do que o atentado terrorista às torres

gêmeas, World Trade Center, em Nova York.

Nada afetou tanto o pensamento ocidental – a partir de então - do que o

dia 11 de setembro de 2001. Considerando Nova York como a capital do mundo

– ao menos do ponto de vista cultural – nota-se que a partir desse fatídico dia, o

mundo entra em colapso.

Assim como os mapas-múndi já foram cor-de-rosa com as colônias do Império Britânico, hoje são cor-de-rosa como o milk shake americano, pois globalização cultural, costuma ser apenas um sinônimo de americanização. (TOYNBEE, 2004, p. 269)

Se para manter a liberdade é preciso vigiá-la, então, os EUA o fazem. E

isso não é apenas no território americano, o mundo inteiro se sensibiliza pelo

atentado e começa a se preocupar com as ameaças do terrorismo. A tragédia

americana é, hoje, uma tragédia global.

No contexto da indústria cultural a consequência pode ser vista como um

reforço do sentimento nacionalista americano. No cinema e na televisão, os

temas passam a ser sombrios e mostram certa reflexão existencial da própria

cultura americana. Além das homenagens às vítimas, a imagem heroica dos

bombeiros começa a inspirar filmes e séries de tv.

No cinema, essa tendência toma forma quando a Marvel começa a buscar

nos seus quadrinhos os personagens capazes de reforçar essa autoafirmação

da grandeza dos EUA. O filme de Sam Raimi, Homem aranha (2002) – que não

compõe o universo de Vingadores - preparava o terreno para que outros

personagens como Thor, Capitão América, Hulk e Homem de Ferro também

saíssem dos quadrinhos, e iniciassem a saga dos Vingadores no cinema.

O conceito de herói se mostra a partir da observação dessas narrativas.

Em Vingadores, nota-se que nem os deuses são imortais, visto que até mesmo

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Thor pode morrer. A dúvida e a insegurança estão presentes até mesmo para o

incrível Hulk, pelo fato de Bruce Banner preferir não se transformar.

Percebe-se que há uma extrema valorização do lado humano dos

personagens. Com a ideia de demonstrar sacrifício e superação, a franquia

acaba trazendo o herói para o espaço da realidade humana, e assim possibilita

que haja uma identificação mais forte entre o fã e o filme, que ao se identificar,

consome ainda mais a marca. De alguma maneira os problemas e as dúvidas

que os personagens enfrentam são exemplos e servem de incentivo para o

público, que também pode possuir situações problemáticas. A forma como esse

herói é construído, através de uma mistura de ficção e realidade, funciona como

uma injeção de autoestima para o espectador.

No filme O espetacular Homem Aranha 2, 2014, da Sony, fica evidente

essa significativa mudança na trajetória do herói. Ele possui inimigos superiores

que consegue superar, porém, não consegue evitar a morte de sua amada,

Gwen Stacy. A partir dessa tragédia pessoal, o super-herói busca novas razões

para continuar sua missão, e descobre sua importância como símbolo de

esperança no imaginário coletivo.

Por outro lado, a evolução tecnológica e a possibilidade de se trabalhar a

narrativa através de diversos aparatos midiáticos transforma a imagem destes

personagens. Através da dinâmica da cultura da convergência, da fragmentação

das histórias desses personagens, da interação constante com os fãs e

crescente geração de novas informações, cria-se para os super-heróis um status

de onipresença, algo efetivamente novo para os super-heróis, no cinema

mainstream.

Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo em uma única mídia. O universo é maior do que o filme, maior, até, do que a franquia – já que as especulações e elaborações dos fãs expandem o universo em várias direções (JENKINS, 2008, p. 161)

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Essa expansão narrativa ocorre por conta da interação do público e seu

interesse constante em fazer parte desse universo ficcional. Até então, os

Vingadores não eram exatamente os personagens mais famosos das histórias

de super-heróis, porém a fragmentação coesa da narrativa que se cruza e

expande por meio de informações e histórias complementares, tornou os

personagens tão familiares quanto heróis consagrados tradicionais como

Batman, Super-homem ou Homem-aranha.

É natural pensarmos que esses personagens poderiam conviver conosco,

dada a possibilidade tecnológica e científica contemporânea e o caráter hiper-

real das produções. Porém, a transmidiação é o fator predominante para que

esta sensação de constante presença tome forma.

As histórias feitas para outras mídias, que não o cinema, como a série

Demolidor (2015), feita pelo Netflix, e os curtas-metragens trazem ao consumidor

uma nova perspectiva da franquia.

A seriedade com que a coesão de Vingadores é desenvolvida cria uma

mitologia própria deste universo. “A absoluta abundância de alusões torna quase

impossível a qualquer consumidor dominar a franquia totalmente” (JENKINS,

2008, 142). Isto torna as comunidades e páginas de discussão sobre os produtos

Marvel tão interessante. O compartilhamento de informações e conclusões faz

com que o Universo Marvel seja sempre dinâmico, e esteja constantemente em

pauta. Assim contribuindo para a onipresença dos personagens.

O perfil do super-herói tem mudado de acordo com a necessidade imposta

pelo contexto histórico e econômico contemporâneo. Hoje, tanto a possibilidade

de se criar personagens que poderiam realmente existir, aliado a necessidade

sociocultural de se criar parâmetros para a sociedade, trabalham em conjunto

com a evolução tecnológica da narrativa transmídia. Hoje o super-herói se

assemelha ao herói grego Hércules, por conta de suas características humanas,

suas dúvidas, seus medos, suas falhas e suas potencialidades. Mas ao mesmo

tempo, o herói se passa por Zeus por conta da sua onipresença midiática. Para

ser herói, hoje, é necessário, primeiro, ser também humano, sentir e arriscar, e

simultaneamente estar em toda parte através de uma onipresença cultural, para

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finalmente demonstrar sua função no âmbito social. Assim o super-herói

realmente exerce seu pleno sentido no contemporâneo.

Concluindo, este capítulo analisou a origem dos personagens e de seus

criadores, e a forma de dissimulação e simulação nas narrativas de herói, que

desenvolvem o efeito de realidade na ficção. Através de comparações a partir

das produções audiovisuais de diferentes épocas, chegamos à conclusão de um

perfil diferenciado de super-herói. As relações entre o herói clássico e o herói

contemporâneo apontam para um aumento do realismo do personagem, ao

passo que a onipresença midiática é extremamente trabalhada ao longo das

produções, no sentido de se fixar a marca do personagem e da franquia. No

próximo capítulo, discutiremos a questão da presença cultural desencadeada

através da narrativa transmídia e analisaremos como os personagens foram

presentificados para favorecer o consumo e a identificação do público com o

produto.

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2. A Presença dos heróis

A motivação desta pesquisa se iniciou pela percepção de que havia algo

acontecendo no âmbito das histórias de super-heróis em projetos audiovisuais.

Na verdade, algo muito diferente do que já havia acontecido antes em outros

lançamentos.

A grande diferença entre a construção narrativa do universo de

Vingadores com relação a produções anteriores da Marvel como a trilogia do

Homem-aranha, de Sam Raimi, ou mesmo os dois filmes da sequência O

Espetacular Homem-aranha, as produções de X-men, ou o Quarteto-fantástico,

é o fato de que em nenhuma destas produções anteriores se criou uma cultura

da marca, uma mitologia palpável, algo que fosse capaz de criar presença

cultural.

Figura 8: Camisa com fusão de Darth Vader com o Capitão América.

Fonte: http://nerderia.com.br/filmes/camiseta-basica-vader-capitao-america.html

Por presença cultural me refiro a forma como a narrativa e todos os seus

desdobramentos foram capazes de invadir o espaço cotidiano e fazer parte da

cultura das pessoas. O fato de que hoje é possível comprar uma camisa do

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Capitão América, por exemplo, em uma loja qualquer, ou ainda, se esta camisa

estiver ao lado de outras estampadas, como dos Beatles ou do personagem de

Star Wars, Darth Vader – ícone pop consolidado há décadas – mostra um pouco

da presença cultural que a marca Vingadores conquistou.

Hoje, fãs de todas as idades ostentam orgulhosamente camisas, canecas,

bonés, brinquedos, e qualquer produto que os faça pertencer à marca de

Vingadores. A marca passou a agregar valor ao indivíduo que a consome, desde

objetos até produtos audiovisuais, revistas em quadrinhos, desenhos, ou

qualquer outra forma de consumo.

Isso é um grande sinal de que os personagens, e toda a franquia, tenham

sido definitivamente absorvidos pela cultura pop. Esta constatação, trata-se de

uma análise a partir do comportamento do indivíduo que consome a marca.

Para entender mais como foi possível levar os Vingadores a este ponto, a

este nível de presença, é importante observar como a franquia se comporta. Para

isso, é preciso entender o conceito que Han Ulrich Gumbrecht chama de

auferlegte relevans, ou na tradução literal, relevância imposta.

Aplicando o conceito à realidade desta pesquisa, trata-se da criação de

histórias, produtos, ou qualquer objeto de percepção que seja capaz de criar uma

sensação de insularidade para o espectador. Esta sensação é a possibilidade

de, por algum momento, permitir que as pessoas se descolem da realidade, ao

dedicar sua atenção ao estímulo oferecido pela franquia.

De acordo com Gumbrecht (2010, p. 132) “o súbito aparecimento de

certos objetos de percepção desvia nossa atenção das rotinas diárias em que

estamos envolvidos, e, de fato, por um momento, nos separa delas”. Creio que

uma das principais características da convergência do universo de Vingadores

está na possibilidade de criar cada vez mais novos produtos, na tentativa de

expandir o máximo possível o universo ficcional.

Esta realidade que está em constante formação e desenvolvimento,

oferece ao espectador o espaço necessário para que ele dedique sua atenção,

e cria a possibilidade de sair um pouco da sua própria realidade.

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A geração deste fenômeno de insularidade ao espectador é uma

característica que é desenvolvida pela franquia. A convergência narrativa

funciona gerando duas forças distintas, que Gumbrecht chama de efeito de

presença e efeito de sentido.

A oscilação constante entre estes dois efeitos é um dos fatores que causa

a eficácia na convergência narrativa. Creio que para se entender melhor, é

necessário contextualizar o significado de cada efeito em si.

O primeiro efeito, o efeito de presença – não confundir com o termo

presença cultural, que abre este capítulo - pode ser explicado a partir da

materialidade das produções. Isto é, para efeito de presença, cada história e

cada personagem foi dividido, fragmentado e distribuído no tipo de produto

audiovisual mais propício que pudesse lhe acomodar.

O resultado disso podemos ver na prática, produções com efeitos

especiais de alto nível no cinema, como Vingadores (2012), Capitão América: o

soldado invernal (2014) ou Vingadores: Era de Ultron (2015). Também como

textos complementares, os curtas-metragens muito bem produzidos como Item

47 (2012) ou All Hail the king (2014) são capazes de provocar o espectador para

consumo rápido via computador, tablet ou celular.

Figura 9: Cena do personagem Mandarim, do curta All Hail de King (2014).

Fonte:http://vignette2.wikia.nocookie.net/marvelmovies/images/6/66/Marvel_One-shot_All-Hail-the-King_001.jpg/revision/latest?cb=20140111012044

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Ainda seguindo esta lógica, as séries criadas com visual noir, como

Agente Carter (2015) e Jessica Jones (2015), e produções violentas e realistas

como Demolidor (2015) que estimulam a linguagem audiovisual da franquia, e

impactam o espectador em formato seriado.

Paralelo a isso, existe o efeito de sentido, que para Gumbrecht, trata-se

da complexidade semântica que o universo de Vingadores é capaz de construir.

Ou seja, a capacidade de criar conteúdo convergente que seja capaz de gerar

sentido para o espectador que consome a marca.

Como consequência, o fã pode ser capaz de entender as ligações e

contextualizar o significado dos produtos ao mesmo tempo em que é anestesiado

pela estética das produções.

2.1 A presentificação dos heróis

Por presentificação me refiro ao fato de que heróis criados na década de

60 tenham sido trazidos ao período contemporâneo através de um processo de

relativização histórica da formação e da origem de cada personagem.

Entendo o termo “presentificação” como um processo capaz de trazer ao

presente o histórico intangível do sujeito. “Um presente assim amplo, acabaria

por acumular diferentes mundos passados e seus artefatos numa esfera de

simultaneidade” (Gumbrecht, 2010, p. 152).

Na franquia Vingadores, a relação dos super-heróis do cinema com seus

personagens históricos dos quadrinhos foi estabelecida. Desta forma, foi

possível trazer ao público do cinema a experiência relativa ao do público dos

quadrinhos. Numa tentativa de se nivelar o repertório dos fãs sobre o universo

de Vingadores.

Há ainda que se entender neste contexto o apelo estético que a produção

exalta. Os super-heróis hoje, somados à tecnologia que os estúdios têm à

disposição, provocam e instigam cada vez mais a estetização da violência. As

novas tecnologias permitem hoje este flerte com o realismo através da

sobreposição entre ficção e violência.

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A experiência estética das produções e o realismo que envolve a criação

dos personagens traz ao público um novo herói. Como resultado, nasce este

personagem que pode ser explicado, um super-herói que faz sentido

cientificamente.

Para Fábio Fernandes (2006, p. 101) “hoje, mais do que nunca, as novas

tecnologias estão permitindo que o que antes era ficção científica se torne

realidade”. Do ponto de vista tecnológico, hoje, a própria realidade fornece ao

espectador a sensação de plausividade e fundamentação para a assimilação de

histórias e personagens como os super-heróis.

Com a realidade da violência e todas as possibilidades tecnológicas

atuais, há de se considerar que o conceito de super-herói faça ainda mais sentido

hoje – e faça sucesso também – por estar, de certa forma, no imaginário coletivo,

como um anseio.

Sem entrar em pormenores, minha hipótese inicial é que aquilo que chamamos ‘experiência estética’ promove sensações de intensidade que não encontramos nos mundos histórica e culturalmente específicos do cotidiano em que vivemos. Essa é a razão por que, vista de uma perspectiva histórica ou sociológica, a experiência estética pode funcionar como sintoma das necessidades e dos desejos pré-conscientes que existem em determinadas sociedades (GUMBRECHT, 2010, p. 128)

Podemos entender então que o herói presentificado é um conceito

lançado ao público espectador. Nele o personagem é apresentado no presente

trazendo toda sua carga e origem histórica, porém, com aspectos de realismo

que o tornem plausível no contexto contemporâneo de sua produção. Para

entender melhor, vamos analisar a introdução dos personagens Capitão

América, Thor e Hulk no universo de Vingadores. O Homem de ferro será tratado

de maneira mais ampla no próximo subcapítulo.

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Figura 10: Steve Rogers antes do procedimento que o transformou em Capitão América, em seu primeiro filme.

Fonte:http://ci.i.uol.com.br/album/capitao_america_o_primeiro_vingador.jpg

Em Capitão América: O Primeiro Vingador (2011), o espectador pode

entender a origem do supersoldado a partir da história do jovem Steve Rogers.

O personagem franzino expõe antes mesmo de sua transformação,

características como caráter, coragem, liderança e poder de superação.

A partir dos percalços que ocorrem em sua vida, é possível entender a

índole do futuro Capitão América. Ao ser escolhido como voluntário de um

experimento científico do exército, Steve passa por um processo artificial em se

torna um super-humano. O contexto histórico da origem do Capitão América é a

Segunda Guerra Mundial, o que justifica toda a história do personagem.

Dentro deste cenário hiper-real, o Capitão América passa a combater os

alemães e a organização secreta Hydra, chefiada pelo antagonista Caveira

Vermelha. Porém, antes de toda essa ação acontecer, o Capitão passa a ser

usado pela propaganda americana como símbolo da luta contra os nazistas.

O herói, antes mesmo de entrar em ação, vira produto de consumo.

Passando a ser mediado por televisão, rádio, revistas e até mesmo figurinhas

dentro do filme. Ele divide a função de soldado com a de ídolo nacional. O que

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é evidenciado posteriormente em Vingadores (2012), quando Nick Fury mostra

a Steve as figurinhas do Capitão América que o Agente Coulson colecionava.

Figura 11: Nick Fury mostra a coleção de figurinhas do Capitão América.

Fonte: http://nearplaceblog1.blogspot.com.br/2013/11/coulson-e-voce.html

O personagem, passa a fazer parte da cultura americana dentro do filme,

tanto como celebridade quanto como herói de guerra. Steve então alcança

definitivamente o status de lenda ao se sacrificar para vencer a ameaça do

Caveira Vermelha. Ao final do filme, o Capitão América – que era dado como

morto – é descoberto décadas depois congelado. Essa introdução permite que

o espectador entenda o significado do personagem do Capitão América e a

importância que ele tem no universo narrativo.

Para que o personagem Thor fosse introduzido em seu filme de 2011,

também foi criado um contexto hiper-real. No passado, os países de cultura

nórdica cultuavam os deuses asgardianos, e dentro deste espaço temporal,

Thor, Odin, Loki e outros personagens de Asgard são apresentados para que se

entenda sua importância e sua mitologia.

Dentro da narrativa, devido à sua arrogância, Odin expulsa Thor do reino

de Asgard, e o envia à Terra, a fim de que prove ser merecedor de seus poderes.

O personagem então tem que passar por provações para que restabeleça sua

honra e função de herói.

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Figura 12: Cena da luta entre Thor e o Destruidor.

Fonte:http://cinematvseries.blogspot.com.br/2014/11/especial-wiki-thor-2011-universo.html

A equipe de cientistas que acompanham Thor descobre quem ele é

através da pesquisa em livros de mitologia nórdica. Deste ponto em diante, o

personagem é explicado e compreendido dentro da narrativa.

Assim como o Capitão América, Thor arrisca sua vida ao lutar contra o

robô asgardiano Destruidor. Através deste sacrifício ele prova ser merecedor, e

o personagem tem seus poderes restabelecidos vencendo a batalha. Assim,

para o espectador, ele está devidamente apresentado.

O Hulk também possui um filme de introdução no universo narrativo de

Vingadores. Em 2008, o filme O Incrivel Hulk apresenta um homem instável.

Temendo sua transformação, ele tenta lutar contra si mesmo, após ser exposto

aos raios gama.

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Figura 13: Cena de O incrível Hulk (2008)

Fonte: http://cinescopiotv.com/2015/04/20/maratona-rumo-vingadores-era-de-ultron-incrivel-hulk-2008

Nesta introdução, entende-se um pouco do aspecto psicológico de Bruce

Banner, e pode-se compreender também a visão do exército e de toda a

sociedade com relação ao Hulk. Por ser considerado uma ameaça o personagem

é perseguido durante todo o filme, ao final, acaba se tornando herói ao salvar a

cidade, vencendo o vilão Abominável.

Desta maneira, os personagens são apresentados em todos os aspectos

necessários para que o espectador compreenda quem são, quais seus poderes,

sua origem e sua importância no desenrolar da narrativa de Vingadores.

Fazendo com que a medida em que se desenvolve o universo, o espectador

tenha base para compreender as interações e participações dos personagens.

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2.2 Homem de Ferro, herói entretenimento

O Homem de ferro é um herói diferenciado. Do ponto de vista existencial

e da materialidade de seus poderes, sua participação no decorrer da trama se

dá pela constante noção de que é apenas um homem atrás de uma armadura.

Os riscos que corre durante a ação, são potencialmente mais

significativos do que a atuação dos outros Vingadores. Isso se dá pelo fato de

que o Homem de Ferro lida a todo instante com a morte. Ainda assim, atua com

a confiança do homem que controla a tecnologia com as próprias mãos, e conta

que ela seja infalível, tal qual os poderes de Thor, Hulk ou o Capitão América.

Embora não tenha nascido herói e não tenha sofrido nenhuma mutação

ou algo do gênero, Tony Stark divide em sua condição humana a insegurança,

a ambição, a vaidade, mas principalmente um espírito de heroísmo que é

intrínseco a ele. Bastando, assim, somente a armadura para se transformar

provisoriamente em super-herói. Sendo assim, entendo a tecnologia como sua

prótese de herói.

Podemos entender a prótese de herói através do pensamento de Marshall

McLuhan (1964, p. 385) “os armamentos são extensões das mãos, unhas e

dentes e surgem como ferramentas necessárias para a aceleração do

processamento da matéria”. Por meio da armadura, ele pode desempenhar e se

igualar aos outros super-heróis. Assim, desempenha um papel mais importante

do que poderia realizar sendo apenas humano. Esta prótese representa uma

extensão de sua humanidade e capacidade heróica, lhe trazendo as condições

físicas e inclusive psicológicas para resolver conflitos e encarar ameaças

proporcionalmente maiores e mais fortes. Sendo esta tecnologia, o fator

responsável pela criação de uma espécie de herói pós-humano, com

capacidades que vão infinitamente além do homem normal.

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2.3 Um herói midiatizado

Uma característica interessante do personagem é o fato de que todo o

seu sucesso se deve também ao fato de que toda a construção do Homem de

Ferro é movida a partir do entretenimento. Ele domina uma tecnologia que

supera infinitamente as necessidades primárias humanas. Sua percepção de se

ver “em imagem” é tão evidente que sua trilha sonora muitas vezes é diegética,

ou seja, ele mesmo escolhe a música que o motiva para entrar em ação. Nesse

sentido, o Homem de Ferro se assemelha a uma pessoa normal que escolhe

uma música em seu iPod para ouvir enquanto faz exercícios físicos.

Esse fato leva a espetacularização de sua própria ação. O herói em si,

datado de março de 1963 nos quadrinhos, carrega uma espécie de resumo deste

modelo original e sua aparência, porém adaptado para a realidade de hoje. Sua

história é presentificada e reiniciada em 2008 com o primeiro longa. A própria

trilha sonora, escolhida por Tony Stark, é composta por nomes como Led

Zeppelin, ACDC, Audioslave e artistas que são posteriores ao lançamento do

Homem de Ferro dos quadrinhos. Dessa forma, o herói é atualizado para o

consumo contemporâneo, carregando características que foram selecionadas

cuidadosamente de seu passado dos quadrinhos, em um processo de

simplificação do personagem.

O personagem serve ao capitalismo, seu trabalho é defender a atual

organização da sociedade. Originalmente, das criações da Marvel, Tony Stark é

um dos heróis mais reacionários e ricos. E ele usa de suas potencialidades

intelectuais e condições financeiras para criar a armadura que utiliza em suas

ações. Sua alta capacidade de consumo de tecnologia, faz com que ele mesmo

se torne um produto técnico, que passa a agir por puro entretenimento.

É interessante observar o personagem zerado, que nos é apresentado no

cinema, desde 2008, através de uma ótica contemporânea, de quem utiliza a

tecnologia vigente. O personagem passa mais tempo no laboratório trabalhando

no aperfeiçoamento de seu aparato tecnológico do que necessariamente em

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ação. Isso evidencia que o Homem de Ferro passa por uma necessidade

bastante comum do mundo globalizado, a necessidade de constante

atualização.

Vivendo em constante upgrade - que acontece a cada filme – a produção

mostra ao espectador um personagem que se caracteriza como um herói em

construção, e que fatalmente precisa correr contra o tempo, para se atualizar e

melhorar a eficácia de sua armadura. Evidentemente, isso lembra nossa

condição humana de constante amadurecimento tecnológico e protético. E

ainda, com relação à indústria de tecnologia, lembra o curto tempo de um

lançamento ao outro, seja nos computadores, aplicativos, smartphones, tablets

e outros aparatos.

Essa eterna busca por superação e evolução que motiva Stark a trabalhar

diuturnamente em seu laboratório, e esse desespero em não saber se será

capaz ou não, deixa claro que o personagem é também o mais humano do

universo de Vingadores.

Deve-se considerar ainda, que esse processo constante de atualização,

eliminou qualquer vestígio ritual da origem do herói. Seu aperfeiçoamento

constante neutraliza nele próprio as conformações anteriores, apresentadas nos

filmes que antecedem cada nova transformação. Esse processo cria uma

espetacularização do personagem e de suas constantes novidades tecnológicas.

2.4 Um herói-produto

Diferentemente de seus companheiros Capitão América e Thor, ele não

possui uma história ou origem temporal dos quadrinhos, que necessite ser

introduzida em filme, para compreender quem ele é. Na verdade, ele é

perfeitamente compreensível no presente, no espaço contemporâneo. Creio

que, talvez, isso explique a identificação do público com o personagem.

Sua única razão de ser depende exclusivamente da possibilidade de ser

midiatizado. Um showman, um popstar, ou simplesmente um super-herói da

mídia. O Homem de Ferro é fruto do capitalismo exacerbado e um produto que

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representa todas as características mercadológicas e socioculturais que regem

o capital.

Ele existe justamente para que a americanização cultural seja levada

adiante. A televisão, a internet, e todos os veículos que captam sua ação, fazem

dele um super-herói. Sua função é o entretenimento, e isto é bastante claro no

decorrer dos filmes da Marvel.

Para introduzir um personagem que fosse completamente presentificado,

isto é, tendo seu passado dos quadrinhos adaptado, a Marvel iniciou um

processo que constitui em reiniciar o personagem e torná-lo completamente

contemporâneo. Para entender esta dinâmica é necessário analisar sua

trajetória narrativa, iniciada em 2008.

Figura 14: Cena do filme Homem de Ferro (2008).

Fonte: http://cf.badassdigest.com/_uploads/images/mark-1-c.jpg

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A primeira fase acontece em Homem de Ferro, 2008. Neste primeiro filme

a apresentação do herói é feita em um cenário contemporâneo, o personagem é

zerado. A personalidade e o aspecto capitalista do personagem são trabalhados

de forma a torná-lo atual. Embora sua origem nos quadrinhos seja datada na

década de 60, o personagem é introduzido em um conflito americano

contemporâneo, criando um antagonismo narrativo com terroristas árabes.

Nesse primeiro momento, é apresentada a forma primária da armadura

criada por Tony Stark, seu domínio tecnológico e como ele pode utilizá-la contra

seus inimigos.

Figura 15: Cena do filme Homem de Ferro 2 (2010).

Fonte: http://ergotriade.com.br/wp-content/uploads/2013/09/iron-man-the-movie-wallpapers-hd-115.jpg

A segunda fase do personagem acontece em Homem de Ferro 2, de 2010.

Neste contexto, e eficácia da armadura de Stark passa a ser testada contra robôs

de armaduras semelhantes à sua, porém inferiores tecnologicamente. Nesse

cenário, a ‘concorrência’ – característica do capitalismo – é colocada em

evidência. As armaduras são desenvolvidas por uma empresa produtora de

material bélico, concorrente de Tony Stark. O personagem vence e resolve o

problema pulverizando os inimigos tecnológicos.

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A terceira fase acontece em 2012, com o lançamento do filme Vingadores.

Neste momento, o herói é testado ao seu limite. Diferente dos outros membros

da equipe Vingadores, Stark não possui superpoderes, muito menos possui a

imortalidade. Ele deixa evidente sua condição de insegurança humana,

disfarçada apenas por sua prótese tecnológica: a armadura. A conclusão do filme

mostra o Ironman se sacrificando para salvar o planeta. Esse fato dá a ele o

caráter mais clássico do herói, o homem capaz de superar seus limites e se

sacrificar por uma causa.

Figura 16: Homem de Ferro, em Vingadores (2012).

Fonte:http://cdn1.thisisinfamous.com/wpcontent/uploads/2013/05/Avengers_Iron_Man.jpg

O sacrifício do herói, ainda assim, nunca é por acaso, embora pronto para

dar a vida por uma causa impossível, o personagem sabe que seu esforço não

será inútil. Ao se sacrificar, o Homem de Ferro se afirma definitivamente

enquanto herói.

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O melhor que os mártires poderiam esperar em termos de ganho seria a derradeira prova de sua integridade moral, do arrependimento dos seus pecados, da redenção de sua alma. Os heróis, por outro lado, são modernos – calculam perdas e ganhos, querem que seu sacrifício seja recompensado. Não existe, e nem pode existir algo como um martírio inútil. (BAUMAN, 2007, p. 59)

A próxima fase acontece em Homem de Ferro 3, lançado em 2014. O

herói aparece completamente midiatizado nesta fase pós-Vingadores. Stark

passa a conviver com o medo e a ansiedade da próxima batalha da equipe.

Evidenciando sua fragilidade humana, ele passa a tratar o Homem de Ferro

como um equipamento de produção em escala industrial. Já destacando o

esvaziamento de sentido original de sua armadura, Stark passa a tratar sua

tecnologia como peça descartável e passível de defeitos. Neste contexto, sua

inteligência – seu principal superpoder – passa a ditar sua atuação enquanto

herói, ao ver suas armaduras falharem uma a uma. No final, após vencer e

destruir toda a sua coleção de armaduras, Stark se separa do objeto inserido em

seu peito, que o tornava capaz de controlar sua armadura.

Figura 17: Cena do filme Homem de Ferro 3 (2013).

Fonte: http://www.cinemarcado.com.br/wp-content/uploads/2012/10/iron-man-3-poster.jpg

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Esse esvaziamento de sentido é explicável pela cultura pop através de um

dos seus maiores personagens: Andy Wharhol. De acordo com Svendsen

(2010), a indústria cultural, no contexto da produção industrial de suas obras,

serve como forma de esvaziamento da função e sentido dos objetos. Para

Wharhol, suas representações imagéticas serviam para transformar a arte em

produto de consumo, e Stark passa por isso ao tratar sua própria armadura como

um produto consumível.

Toda essa construção do personagem é fruto da americanização do

mundo, e um herói que é montado, filme a filme, com o intuito de promover a

partir de si mesmo o entretenimento e o espetáculo, favorecendo assim a prática

do consumo.

O personagem Homem de Ferro é um exemplo de como a presentificação

torna um produto consumível. O entretenimento criado pela indústria do cinema

trabalha diretamente esta questão. Para que o público consumisse os filmes e

os produtos da franquia de Vingadores, seria necessário que estes personagens

fossem reiniciados. Cada personagem do universo narrativo foi explicado desta

maneira, para que o produto Vingadores fosse capaz de preencher o espaço do

contemporâneo e criar uma possibilidade plausível para sua própria existência.

Esses heróis existem, ou melhor, poderiam perfeitamente existir.

Tony Stark é um caso interessante. A forma como ele lida com a câmera

e com o entretenimento que o rodeia, faz dele um homem do nosso tempo. Hoje,

quem consome entretenimento convive com a possibilidade da midiatização do

próprio cotidiano nas mídias disponíveis, como através das redes sociais, por

exemplo. A auto espetacularização é uma característica da sociedade atual, e o

Homem de Ferro é um reflexo dessa condição contemporânea.

Como conclusão deste capítulo, devemos ressaltar a contribuição da

narrativa transmídia para a geração de presença cultural do universo narrativo

de Vingadores. Através dos efeitos de sentido e de presença pode-se considerar

que a estrutura narrativa do UCM é diretamente responsável pelo sucesso da

franquia. Analisamos também de maneira pontual o efeito de presentificação

criado para trazer ao contemporâneo personagens antigos e atualizar suas

histórias de maneira a torná-los plausíveis do ponto de vista existencial, e ainda

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mais consumíveis por carregarem a partir das informações contidas nos filmes,

toda a carga histórica que trazem da sua origem nos quadrinhos. No próximo e

último capítulo traremos o mapeamento do universo narrativo de Vingadores, em

comparação com o universo da DC Comics, uma análise comparativa entre as

teorias de Kracauer, Lipovetsky e Jenkins, e trataremos do ponto principal deste

estudo, a Dinâmica de Dispersão e Convergência Narrativa.

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3. Dinâmica de Dispersão e Convergência Narrativa

O filme Vingadores, 2012, é um marco na história do cinema por conta de

sua grande repercussão e sucesso de bilheteria. Mas, além disso, a forma como

a obra foi construída e o engajamento dos fãs com relação ao tema, trazem à

tona a questão de como e por qual motivo esse entretenimento planejado

funcionou. Este capítulo visa entender como a narrativa transmídia – a partir da

qual se criou o Universo Cinemático Marvel (UCM) – tornou possível

efetivamente esse sucesso.

Os lançamentos de filmes de super-heróis sempre causaram certa

expectativa e tiveram espaço de destaque na história do Cinema. Porém, alguns

desses personagens fizeram mais do que isso. O filme Vingadores, de 2012, é

uma mostra de como um universo ficcional adaptado a partir da narrativa

transmídia foi capaz de gerar presença cultural suficiente para alcançar tamanho

sucesso e engajamento.

Embora os super-heróis do filme tenham sido criados na década de 1960

- para os quadrinhos - o jovem espectador, hoje, já tem um imaginário construído

em torno desses personagens, como se tivesse a mesma afinidade que os mais

antigos fãs dos quadrinhos de 50 anos atrás. Com a estratégia de narrativa

transmídia construída em torno do filme Vingadores, foi possível recriar essa

experiência dos mais antigos e adaptá-la ao consumo de bens culturais dos

jovens fãs, que se identificaram automaticamente com o tema. O trabalho

fragmentado através da narrativa transmídia multiplicou a capacidade

mercadológica da marca e da imagem de Vingadores.

O conceito que trato neste último capítulo, é o fato de que uma articulação

diferente da narrativa transmídia foi gerada para o UCM. Caracterizo esta nova

configuração com o termo que intitulo Dinâmica de Dispersão e Convergência

Narrativa. Trata-se de uma nova maneira de aplicar a narrativa transmídia,

roteirizando e multiplicando infinitamente as possibilidades de geração de

conteúdo, o que possibilita uma maior presença cultural e uma capacidade quase

que infinita de continuidade do universo ficcional. Trataremos deste assunto a

seguir.

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3.1 Os Vingadores Transmídia

Quem assiste ao filme Vingadores (2012) deve lembrar que a história não

começa exatamente no primeiro minuto do longa. Os Vingadores estrearam em

1963, pela Marvel. Podemos especular que, na época, o objetivo tenha sido criar

nos quadrinhos, uma concorrência à altura da Liga da Justiça, da DC Comics.

Um objetivo primordial ao se adaptar o clássico para o cinema, era manter

os antigos fãs de quadrinhos e conquistar novos fãs que acompanhassem a

história sem que se sentissem por fora do tema. Para isso, foram criados filmes

de apresentação de cada herói Vingador: O Incrível Hulk (2008), Homem de

Ferro (2008), Homem de Ferro 2 (2011), Capitão América: o primeiro vingador

(2011) e Thor (2011).

Dessa maneira, com as histórias começando exatamente do zero, os

novos espectadores conseguiam subsídios e embasamento suficiente para

entender quem são os personagens. É importante ressaltar ainda, que as

narrativas se completam e que, no decorrer dos filmes, existem personagens

comuns que transitam no Universo Marvel, dando a coesão necessária ao

conjunto da obra, como no caso do personagem Nick Fury (Samuel L. Jackson).

Toda esta construção narrativa tem seu primeiro ponto central no filme

Vingadores (2012).

Paralelo a isso, a Marvel lançou em 2011, a edição número 1 da série em

quadrinhos Capitão América e os Vingadores Secretos, aproveitando o sucesso

do herói americano no cinema e aumentando a expectativa em torno do

lançamento de Vingadores (2012). Deve-se levar em consideração também que

a narrativa acompanha o espectador em outras mídias. Com o sucesso da rede

social Facebook, a Marvel ainda lançou o game interativo Avengers Alliance

(2012), onde os usuários poderiam interagir com outros fãs da série e ainda

explorar missões com os personagens. Para as crianças e colecionadores

aficionados, foi licenciada uma série de brinquedos dos Vingadores, com

bonecos de todos os tamanhos, além de objetos como o martelo do Thor, escudo

do Capitão América, máscara do Homem de Ferro, ou ainda o punho do Hulk,

esses objetos mesmo sem contribuir diretamente para a narrativa, tiveram

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importante papel no sentido de fixar a marca Vingadores para os fãs através de

produtos, preenchendo o espaço entre um lançamento audiovisual e outro.

O Universo Marvel tem seu ápice no lançamento do filme Vingadores

(2012). E não por coincidência, o blockbuster chegou a alcançar a terceira maior

bilheteria da história do cinema, hoje permanece em quinto lugar, levando mais

de um bilhão e meio de dólares3 em sua exibição. A mistura de quatro

personagens principais com características e personalidades distintas, recria

uma espécie de combo de entretenimento e de gêneros, em que o fã vai ao

cinema para assistir seu personagem favorito, entender a continuação da

narrativa, e ainda de brinde, ver os outros três super-heróis juntos em um mesmo

filme de ação, comédia, drama, ficção e romance.

O fato é que a história não conclui e nem fecha a narrativa dos

Vingadores. Pelo contrário, ela abre um novo capítulo, e a possibilidade de criar

novas histórias utilizando a mesma fórmula de sucesso. Na televisão, por

exemplo, a série Marvel: Agents of Shield (2012), conta a história de outra equipe

de heróis da organização. Eles não são tão famosos, mas sua ligação com os

Vingadores vem do fato de que o Agente Coulson (Clark Gregg), líder da equipe,

é um personagem que supostamente havia morrido durante a batalha de Nova

York - que acontece no cinema - e reaparece na televisão, onde a história se

passa após os eventos do filme, dando continuidade à produção de conteúdo

transmídia da série.

Nas telas de cinema, Thor, Capitão América e Homem de Ferro já tiveram

suas continuações pós-Vingadores e mantiveram o padrão de bilheterias

astronômicas, com destaque para Homem de Ferro 3 que ultrapassou a faixa de

1 bilhão e 200 milhões de dólares4.

A construção do Universo Cinemático de Vingadores continua com

lançamentos programados pelo menos até 2019, incluindo entre eles o filme

Vingadores 2 – A Era de Ultron e Homem Formiga, lançados em abril e julho de

2015, Capitão América: Guerra Civil, lançado em abril de 2016, e ainda um

3 Fonte: http://www.boxofficemojo.com/alltime/world/ 4 Homem de Ferro 3, hoje, ocupa a décima posição no ranking de maiores bilheterias da História do Cinema. Fonte: http://www.boxofficemojo.com/alltime/world/

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terceiro filme de Vingadores, dividido em duas partes, que concluirá mais uma

fase da franquia, porém com possibilidade de abertura de novas fragmentações

narrativas. Além disso, já estão anunciadas também diversas produções para

cinema e televisão, com heróis que expandirão ainda mais o Universo Marvel,

como o Homem-aranha, Doutor Estranho, Pantera Negra, a continuação de

Guardiões da Galáxia entre outros.

3.2 Conceito de Dinâmica de Dispersão e Convergência Narrativa

A popularização do Universo Cinemático Marvel se deve, em grande

parte, à forma como ele foi fragmentado para o público. O fato é que a

fragmentação do conteúdo através de filmes e séries tornou possível que cada

personagem e história fossem explorados da melhor maneira possível, utilizando

como recurso a própria vocação e materialidade de cada suporte midiático que

compõe o universo narrativo.

Um exemplo dessa utilização estratégica do aparato midiático está no

sucesso da série Demolidor (2015), feita pelo Netflix, que compõe o universo

narrativo da Marvel. O personagem provou certa vocação no formato televisivo

e seriado, onde é possível acompanhar a evolução gradativa do herói e de seus

vilões. A história se passa em uma espécie de microambiente do universo

Marvel, em uma linha complementar da narrativa cinematográfica: a TV.

Paralelamente a isso, no cinema, os super-heróis Vingadores atuam em uma

escala maior, ou algo como um macroambiente, como uma linha principal da

narrativa, que acaba influenciando diretamente questões nas mídias

secundárias.

O multiverso5 da Marvel é extremamente complexo e o que se lê nas

revistas em quadrinhos dificilmente pode ser adaptado fielmente nas telas de

cinema. A necessidade de adaptação se deve principalmente por conta de

5 O conceito de multiverso Marvel se dá, pois, a produtora divide os mundos ficcionais em diversas realidades alternativas. O que possibilita explorar personagens já conhecidos ou ainda introduzir novos heróis criando trajetórias improváveis, sem interferir diretamente nos acontecimentos do universo principal, que é a Terra 616.

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direitos de imagem. Hoje os direitos autorais dos personagens da Marvel se

encontram divididos entre três grandes empresas: Sony, Fox e Disney.

A Fox possui os direitos do Quarteto Fantástico e X-Men e a Sony detém

os direitos do Homem-Aranha. A Disney, por sua vez, possui os Vingadores, e

recentemente fechou um acordo com a Sony para contar com o Homem-Aranha6

em sua franquia, a partir de Capitão América: Guerra Civil (2016). O mais

interessante deste caso, é o fato justamente de que os Vingadores não são, nem

nunca foram, os heróis mais famosos do mundo.

Entendemos assim, que o padrão de construção narrativa de seu

Universo foi essencial para que a ausência no mainstream fosse rapidamente

substituída por uma presença cultural constante. É como se os Vingadores

sempre tivessem estado presentes midiaticamente, e fossem heróis

extremamente populares, como Batman ou Super-homem, personagens da

concorrente DC Comics. Podemos imaginar que esta configuração do UCM,

pode dar origem a uma nova formatação e construção transmídia do cinema de

herói. O sucesso deste formato pode vir a consolidar e influenciar diretamente

no perfil do personagem, o que forçaria as produções a pensarem o herói como

algo adaptável à estrutura transmídia, e não o contrário, a uma adaptação

sistêmica da estrutura para conformar a narrativa do herói.

O conceito que este capítulo explicita é um padrão de construção narrativa

que pode ser percebido na construção do Universo de Vingadores. A Dinâmica

da Dispersão e Convergência Narrativa é uma prática que tende a criar produtos

midiáticos diversos capazes de atrair simultaneamente públicos diferentes e

encaminhá-los a uma congruência entre essas narrativas – no caso, o filme

Vingadores (2012) ou Vingadores: Era de Ultron (2015) - em que todos os

públicos de todos os produtos da franquia obrigatoriamente terão como ponto de

encontro.

6 O herói possui ao todo 5 filmes produzidos pela Sony. Na primeira trilogia, é representado pelo ator Tobey Maguire, e a sequência Espetacular Homem-aranha com Andrew Garfield como Peter Parker. Em tempo, para o Universo de Vingadores, o personagem passará por um reboot e será interpretado pelo ator Tom Holland.

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A partir deste ponto de convergência, a narrativa novamente voltará a se

expandir e dispersar em infinitas possibilidades de fragmentação. Filmes, séries,

spin-offs, curtas-metragens, games e diversos outros produtos.

Em um movimento semelhante ao prisma, dentro da óptica geométrica, o

feixe de luz ao passar por um cristal, se fragmentará em novos e diferentes raios

luminosos. Assim acontece com a narrativa. Ao adentrar o ponto de

convergência, ela se agrupa, afunilando-se, em seguida, volta a se dispersar e

fragmentar. E desta maneira, o público passa também a seguir a essa dinâmica

de consumo.

Podemos considerar no gráfico a seguir dois espaços importantes: os

pontos prismáticos e os espaços de dispersão. Por ponto prismático, refiro-me

aos pontos de convergência do UCM, sendo eles os filmes principais do

universo. Os espaços de dispersão representam as narrativas fragmentadas que

ocorrem entre os pontos centrais da dinâmica.

Figura 18: Dispersão e Convergência Narrativa do Universo de Vingadores.

Fonte: Elaboração do autor.

A dinâmica funciona, pois segue alguns conceitos de propagabilidade

(JENKINS, 2014, 246). Em primeiro lugar o conteúdo está disponível quando e

onde o público quiser. A qualquer momento, o espectador pode assistir a um

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episódio novo de uma série Marvel, no Netflix, por exemplo, onde a produção é

lançada de uma única vez, com todos os episódios liberados.

Um exemplo é a série Demolidor (2015) lançada pelo Netflix. O cenário

da história é a cidade de Nova York após os acontecimentos do filme Vingadores

(2012). A narrativa mostra o advogado Matt Murdock, um herói urbano,

combatendo o crime dentro de seu bairro, Hell´s Kitchen.

No decorrer da série percebe-se diversas referências à franquia. Entre

elas, destaca-se uma cena em que um personagem, o jornalista Ben Urich

(Vondie Curtis-Hall), trabalha em sua sala, e ao fundo, capas de jornal retratando

a batalha de Nova York (Vingadores, 2012) estão enquadradas na parede.

Figura 19: O jornalista Ben Urich e ao fundo a capa do jornal New York Bulletin com a manchete “Battle of NY”.

Fonte: http://netflixlife.com/files/2015/04/ben-urich-daredevil.png

Em segundo lugar, o conteúdo está em constante movimento, devido ao

fato da construção narrativa do universo de Vingadores estar sempre em

expansão. A partir das novas produções lançadas, cria-se a possibilidade de

reinterpretar acontecimentos e eventos de produções anteriores. Como é o caso

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do curta-metragem Agent Carter (2013), embora lançada após Vingadores

(2012), a história se passa na década de 1940, após os acontecimentos de

Capitão América: o primeiro vingador (2011). A personagem Peggy Carter,

interpretada por Hayley Atwell, expandiu o contexto pré-Vingadores, e Agent

Carter virou uma série. Com aspecto noir, a serie trabalha personagens antigos

do universo Marvel, como Howard Stark (pai de Tony Stark), Edwin Jarvis

(mordomo de Stark), Thimothy Dum Dum Dugan (parceiro do Capitão América,

durante a Segunda Guerra Mundial), o vilão Arnim Zola e a organização

criminosa Hydra. Assim, a Marvel cria a possibilidade de se desenvolver novos

pontos de vista sobre o universo narrativo, gerando mais conteúdo e

embasamento para o espectador.

Figura 20: Foto de divulgação da série Agente Carter.

Fonte: http://d.ibtimes.co.uk/en/full/1422998/agent-carter-finale.jpg

Outra questão interessante, em terceiro lugar, é o fato de que a

fragmentação e diversificação de produções, no período da dispersão narrativa,

tornam o Universo relevante para vários públicos. Atraindo assim mais do que

um único tipo de público, a narrativa de Vingadores torna-se mais propagável.

Isso acontece pelo fato de que qualquer produção pode servir como ponto de

entrada para a franquia.

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A dinâmica de dispersão e convergência narrativa traz ao público uma

presença cultural constante que é capaz de gerar significado, não apenas

diegético, mas também agregando valor social ao consumidor que interage com

a franquia.

As pessoas avaliam o conteúdo que encontram de acordo com seus padrões pessoais e o conteúdo que compartilham com base no valor percebido por seu círculo social. Em outras palavras, algo que seja interessante para os indivíduos pode não ser material que queiram propagar através de suas comunidades, e alguns textos de mídia que eles espalham podem se tornar mais interessantes por causa da percepção do seu valor social (JENKINS, 2014, p.247).

A franquia funciona por começar de maneira didática, e à medida que a

trama se desenvolve e novos produtos midiáticos são lançados, é possível contar

com o interesse do público em consumir e entender um universo em constante

processo de complexidade. E é essa complexidade que provoca o fã a se engajar

e se especializar cada vez mais no universo narrativo.

A Marvel foi capaz de criar um produto de grande adesão e

propagabilidade através dessa dinâmica narrativa. Personagens que até então

não eram tão conhecidos do público em geral, como o Homem de Ferro, por

exemplo, passaram a reproduzir significado e conteúdo. Os heróis sempre foram

produtos, e se tornaram o sentido mais fino de mercadoria. Antes eles apenas

entretinham, porém hoje, compartilhar essas informações passou a agregar uma

imagem social para o próprio espectador.

3.3 Marvel vs. DC Comics

Paralelo à produção transmídia da Marvel, sua principal concorrente, a

DC Comics também vem investindo na produção audiovisual, porém de maneira

diferente. Trata-se da oposição entre um universo coeso, no caso da Marvel, e

a diversificação de universos, da DC.

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A produção da DC focou em criar universos narrativos distintos que não

necessariamente coexistem. É o caso das séries Arrow, Flash, Gotham e

Supergirl. Estas produções dividem espaço na televisão, e por vezes promovem

crossovers entre si – como acontece com os personagens de Flash e Arrow.

Porém, não compartilham seu conteúdo com o universo cinematográfico de

Batman vs Superman (2016), nem tampouco seus atores serão utilizados para

a formação da Liga da Justiça7 no cinema.

Figura 21: Foto de divulgação do crossover das séries Arrow e Flash.

Fonte: http://greenarrow.com.br/wp-content/uploads/2015/03/flashvsarrow.jpg

Em resumo, o espectador assistirá o super-herói Flash, interpretado pelo

ator Grant Gustin da série de TV da produtora CW, e ao mesmo tempo um outro

Flash no cinema, com o ator Ezra Miller, em Liga da Justiça (previsto para 2017).

Ambas as formas de produção vêm dando certo, visto o sucesso que as

séries fazem e a expectativa criada em torno do lançamento de Batman vs

7 Nos quadrinhos, a Liga da justiça foi lançada pela DC Comics em 1960, provocando a reação da concorrente Marvel, que lançou os Vingadores em 1963. As duas produções reúnem os principais super-heróis das produtoras para enfrentar juntos inimigos que um herói sozinho não pudesse enfrentar. Especula-se que, na época, foi uma jogada de marketing para alavancar as vendas de revistas em quadrinhos.

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Superman (2016). Porém, esta pesquisa defende que a geração de presença

cultural é muito mais massiva na produção transmídia da Marvel.

Deve-se analisar que os personagens da Marvel não tiveram a mesma

construção prévia que os personagens da DC no imaginário popular. O Batman,

Super-homem e Flash são heróis que já possuem conteúdo trabalhado ao longo

de décadas na cultura audiovisual.

Sendo assim, com a ferramenta da construção transmídia, a Marvel foi

capaz de elevar a popularidade do Capitão América ou Homem de Ferro ao

mesmo nível do Batman e Super-homem.

Figura 22: Foto de Divulgação do filme Capitão América: Guerra Civil.

Fonte: http://cinema10.com.br/upload/filmes/filmes_9053_capitaoamerica3banner.jpg.

É interessante observar também a maneira como as duas produtoras irão

concorrer em 2016. Ambos os universos chegaram ao significativo ponto de

encontro. Agora, os principais heróis entrarão em conflito. Na Marvel, o filme

Capitão América: Guerra Civil, colocará frente a frente Capitão América e

Homem de Ferro, um ápice da saga Vingadores.

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Pela DC, com apenas um filme de apresentação da franquia – Homem de

Aço, 2013 – a produtora lançará Batman vs Superman. Os dois super-heróis

mais famoso de todos os tempos se enfrentarão, oferecendo uma ignição para

a Liga da Justiça, com participação especial da Mulher-Maravilha e referências

ao Aquaman, Flash e Ciborgue.

Figura 23: Foto de Divulgação do filme Batman vs Superman.

Fonte: https://i.ytimg.com/vi/IHDgrNxO-5I/maxresdefault.jpg.

De uma forma ou de outra, os dois filmes representam pontos altos da

produção dos universos narrativos, e serão o clímax para o desenvolvimento e

continuidade das franquias. Aplicando graficamente o conceito de dinâmica da

dispersão e convergência narrativa, que esta tratamos no capítulo anterior,

podemos analisar estruturalmente este conceito a partir da concepção dos

distintos universos Marvel e DC.

Sendo o universo Marvel totalmente fragmentado com períodos de

dispersão e convergência bem definidos. Os produtos que compõem a narrativa

seguem divididos de acordo com a materialidade de cada mídia, e o suporte que

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cada tipo de veículo pode comportar segue a vocação de cada personagem ou

história, fato que possibilita o desenvolvimento do universo narrativo.

Figura 24: Gráfico da Dinâmica de Dispersão e Convergência Narrativa, estruturado a partir da análise do universo Marvel.

Fonte: Elaboração do autor.

Neste primeiro gráfico, nota-se no primeiro período de dispersão a

presença de mídias diversificadas que conduzem fragmentos de narrativa até

um ponto de convergência, onde as experiências acumuladas anteriormente são

alinhadas de forma coesa. A partir de então, o ponto de convergência dá

continuidade à narrativa abrindo novas possibilidades de fragmentação para o

próximo período de dispersão.

É interessante analisarmos separadamente cada período desta dinâmica,

para que assim, seja possível compreender qual a função da fragmentação

narrativa, e como ela funciona.

A dispersão é o primeiro período do gráfico, e também foi o momento

inicial da franquia de Vingadores, pensado e roteirizado pela Marvel. Nota-se

que nesta primeira fase existem diversas narrativas que não fazem referência de

qual é o ponto inicial. Elas simplesmente surgem causando uma sensação de

certa aleatoriedade - propositadamente.

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Desta maneira, o espectador poderia se sentir à vontade para consumir

os quadrinhos, o game, ou um filme de um personagem de sua preferência, não

sendo obrigatoriamente explicado que se trata de um universo fragmentado, e

que a percepção completa da narrativa só será possível caso ele assista a todos

os filmes, series e produtos.

A partir daí, consumindo este primeiro produto do universo narrativo, o

enredo do filme, que intencionalmente remeterá à uma conclusão aberta, traria

uma sensação de que a história não está concluída. Um exemplo disso, são as

cenas que ocorrem após os créditos finais dos filmes da Marvel.

Aparentemente, a produtora criou um método de prender seus

espectadores até o final dos créditos, na expectativa de se obter uma nova

informação ou uma nova possibilidade de continuidade da narrativa dentro do

universo Marvel. Deixando assim, a história aberta e acenando para o próximo

produto narrativo.

O interessante deste período de dispersão é o fato de atrair

simultaneamente diferentes públicos para diferentes produtos. Um período

amplo que tenta atrair para a franquia todas as possibilidades de espectadores

possíveis. Talvez até atrair aqueles que não são fãs de blockbusters como

Vingadores, 2012, mas um público que pode se sentir atraído por uma série mais

realista e urbana como Demolidor, 2015. Mesmo se tratando de um produto mais

adulto, a série pertence ao universo Marvel e fatalmente instigará o espectador

a entender a narrativa completa, encaminhando para o ponto de convergência.

O ponto de convergência, ou prismático, por sua vez, é um produto

narrativo mais dinâmico que estabelece novas consequências para o universo

cinematográfico. Este período, que pode ser caracterizado como os filmes

centrais do UCM, é o ponto mais importante da dinâmica.

Uma característica desta fase é a superexposição dos personagens, a

exacerbação das técnicas de ação e efeitos especiais, e o ponto central que faz

com que toda a fragmentação do período anterior faça sentido e tenha coesão,

chegando a uma pré-conclusão narrativa. A finalização de uma fase do universo,

como o filme Vingadores, 2012, não significa que seja um produto ou um enredo

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conclusivo, mas um produto responsável por fechar pontos previamente

iniciados, deixando abertura para novas possibilidades de fragmentação.

Um exemplo é o aparecimento do personagem Thanos, vilão da fase 3 do

universo, nas cenas pós-créditos de Vingadores, 2012, e Vingadores: Era de

Ultron, 2015. Nestes filmes, os heróis completam suas missões, porém a

narrativa se encaminha para uma abertura da história que criará novas formas

de fragmentação.

O período de convergência tem suma importância dentro da dinâmica,

pois constitui conclusões para premissas anteriores, vindas dos produtos criados

no período de dispersão, e cria possibilidades infinitas de se roteirizar novas

histórias e produtos que aparecerão no próximo período de dispersão.

O movimento cíclico entre estes dois períodos é o que intitulo Dinâmica

de Dispersão e Convergência Narrativa. Usamos o termo dinâmica, pelo fato de

que esta forma de narrativa transmídia aponta para uma capacidade infinita de

se criar histórias, caracterizando o UCM como um espaço aberto e contínuo, que

não precisa desencadear necessariamente em uma conclusão final.

Podemos chegar a esta expectativa de narrativas e universo infinito, pois

a Marvel já anuncia uma fase 4 de seu Universo Cinemático. Conclui-se então

que, enquanto for possível investir capital na produção, e continuamente, a

franquia se mostrar relevante, não existe uma previsão de término. Podemos

especular que, mesmo que o universo de Vingadores perca bilheteria no cinema,

sua história, por ser transmídia, poderia continuar nos quadrinhos ou em series

do Netflix. Em suma, a dinâmica da dispersão e convergência narrativa é uma

ferramenta estratégica que possibilita contar histórias infinitamente.

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Figura 25: Gráfico estrutural criado a partir da análise do universo da DC Comics.

Fonte: Elaboração do autor.

Neste gráfico, nota-se a ausência de relação entre os universos

narrativos. A diversificação destes espaços evidencia a tendência de

linearidade narrativa, ou seja, os filmes funcionarão como sequências

autoexplicativas. Por sua vez, as séries não poderão contribuir diretamente

para o desenvolvimento do universo cinematográfico ou expandir seus

personagens e histórias com novos fatos ou spin-offs.

Podemos entender a diferença entre as duas produções pelo fato de que

uma sequência fílmica, como a DC Comics faz, pode ser finita. Do ponto de vista

da franquia, creio que não utilizar series, ou outras mídias, para expandir o

universo cinematográfico é uma maneira muito superficial de explorar a

capacidade narrativa das histórias de super-heróis.

Com a possibilidade de se trabalhar temas diversos de forma seriada, a

Marvel teve a oportunidade de explorar personagens mais humanos, e encaixar

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estes produtos no cotidiano do expectador. Desta maneira, é possível fixar a

marca e acompanhar incessantemente o consumidor.

A próxima década será decisiva para se observar a diferença entre o

universo fragmentado transmidía da Marvel em comparação com um universo

linear como o que está sendo criado pela DC Comics.

3.4 Do entretenimento ao consumo hipermoderno

O filme Vingadores (2012) ou Vingadores: Era de Ultron (2015), dirigidos

por Joss Whedon, são dois capítulos muito importantes na história dos filmes de

super-heróis. As histórias - que se situam no meio de um grande universo

narrativo – são pontes prismáticas responsáveis por interligar novos produtos

audiovisuais e personagens que expandem o universo.

Isto acontece pelo fato de que as histórias estão fragmentadas e

conformadas dentro de um espaço narrativo com infinitas possibilidades de

desenvolvimento. De forma extremamente coesa, do ponto de vista temporal, a

Marvel fragmentou a história dos Vingadores, criando uma série de produtos com

narrativas complementares a fim de contar uma única história por meio de várias

plataformas. Desta maneira, a produtora evitou que o filme Vingadores tivesse

sua capacidade de expansão mercadológica abreviada pelo efêmero período de

exibição nas telas do cinema e, posteriormente, ter de limitar-se apenas à venda

de DVDs. A franquia evitou isso, através da criação de uma cultura da marca.

A história contada através da narrativa transmídia constrói o Universo

Marvel, e com isso, conquista o público, promovendo o engajamento necessário

para que a franquia alcance o sucesso esperado. O conceito de narrativa

transmídia é caracterizado pela introdução de uma história por um ou mais

meios, que é complementada através de suportes diferentes de mídia, tornando

o conteúdo convergente. A hiperfragmentação das superfícies midiáticas amplia

o universo narrativo, promovendo novas possibilidades de consumo e

interatividade com o público. Uma característica interessante da cultura da

convergência é a flexibilização do espaço-tempo. A partir da proliferação de telas

e conteúdos complementares, o espectador pode transitar por esse universo

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narrativo sem necessidade de respeitar uma sequência cronológica, pois ele tem

a possibilidade de explorar o conteúdo a partir da plataforma que quiser e

trafegar livremente através das demais.

A ideia que enfatizo, é precisamente a questão de que os conceitos de

Siegfried Kracauer, em Ornamento da Massa (KRACAUER, 2009), e Henry

Jenkins, em Cultura da Convergência (JENKINS, 2008), de alguma forma falam

de um fenômeno parecido, porém com nuances completamente diferentes por

conta das características socioculturais dos períodos em que estão

conformados. O teórico alemão, que escreveu sobre os cineteatros na década

de 1920, e sobre a influência do cinema na formação da classe média urbana de

Berlim, talvez ainda não imaginasse que – metaforicamente - a tecnologia e o

efeito transmídia viriam a explodir este mesmo cineteatro, fragmentando

infinitamente sua tela. A cultura da distração, tratada por Kracauer, conversa com

a questão da narrativa transmídia de Jenkins, quando ambos concluem que há

de se criar plataformas que estimulem o público incessantemente, um processo

denominado arte total.

Os aparatos dos cineteatros têm um único fim: manter o público amarrado ao que é periférico para que não se precipite no vazio. Nestes espetáculos a excitação dos sentidos se sucede sem interrupção, de modo que não haja espaço para a mínima reflexão. Como os salva-vidas, as luzes difundidas pelos refletores servem para se manter à superfície. A tendência à distração, que exige uma resposta, encontra-se na exibição da pura exterioridade. Daí, precisamente em Berlim, a incontestável intenção de transformar em revista todos os espetáculos; daí, como fenômeno paralelo, o acúmulo de material ilustrativo na imprensa diária e nas publicações periódicas (KRACAUER, 2009, p.346)

É interessante analisar que esta citação é originalmente um trecho de um

texto que foi publicado no jornal Frankfurter Zeitung, um dos poucos jornais que

resistiram na Alemanha nazista. Nota-se no autor, um crítico que convivia com a

realidade da propaganda do estado e escrevia dentro deste contexto em um

periódico que circulava no mesmo âmbito social. A escrita de Kracauer reflete

uma análise de um indivíduo que flertava com seu objeto no calor do momento.

O cineteatro que Kracauer descreve, é um espaço que representava um

alívio de realidade para o público que o frequentava. A classe média urbana, os

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trabalhadores das fábricas, as famílias, tinham no momento de consumo do

cinema, algo que possibilitava uma fuga da rotina de trabalho e vida cotidiana.

Kracauer se preocupa com a forma como este espaço de representação

é criado e controlado pelo estado alemão, como forma de inebriar e anestesiar

a realidade da população que o consumia. Este público, com todos os estímulos

se encontrava em profunda distração. E durante este estado de distração, a

propaganda ideológica do estado passava a interagir e se fazer presente em

meio ao imaginário coletivo.

Assim como Kracauer, Benjamin (1994) também atentava para a questão

do cinema enquanto anestésico social e arte voltada para as massas. O

pensador analisava a impacto do conteúdo que era exibido e até mesmo a

relevância que o intérprete tinha enquanto representante da figura humana na

tela. Para ele, o espectador anulava sua humanidade durante o dia nas linhas

de montagem das fábricas, a serviço do capital, porém a noite, ao frequentar o

cinema, sua condição servil era recompensada pela atuação do ator em cena,

que representava, enfim, a vitória do humano sobre a máquina. A partir desta

análise verificamos então uma importância simbólica do personagem e da

narrativa, enquanto representação e modelo para o espectador.

Representar à luz dos refletores e ao mesmo tempo atender às exigências do microfone é uma prova extremamente rigorosa. Ser aprovado nela significa para o ator conservar sua dignidade humana diante do aparelho. O interesse nesse desempenho é imenso. Porque é diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos citadinos precisa alienar-se de sua humanidade, nos balcões e nas fábricas, durante o dia de trabalho. À noite, as mesmas massas enchem os cinemas para assistirem à vingança que o intérprete executa em nome delas, na medida em que o ator não somente afirma sua humanidade (ou o que aparece como tal aos olhos do espectador), como coloca esse aparelho a serviço do seu próprio triunfo. (BENJAMIN, 1994, p.179)

Assim como na Berlim da década de 1920, a indústria hoje precisa criar

formas de manter o público à superfície e pensar em maneiras de se desenvolver

um relacionamento duradouro entre a produção cultural e o espectador. Em

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resumo, é necessário produzir conteúdo distribuído em plataformas

complementares, que podem ser consultadas antes ou depois do filme, e assim

criar fãs engajados o tempo todo. Assim, penso que o entretenimento passa a

transitar no espaço do consumo hipermoderno. Entendo que este conceito é

caracterizado pelo trânsito contínuo de conteúdo que se desdobra (evolui,

amplia, associa) entre as diversas plataformas midiáticas que conformam a

narrativa, com o objetivo de manter constantemente o público engajado – e

interessado - no processo, sempre à espera de um novo lançamento.

A partir do momento em que o público passa a aumentar o fluxo de

conteúdo buscando referências em outras mídias e gerando novas informações

e análises sobre o filme – tornando o tempo de consumo flexível - nota-se que o

hiperconsumo passa a fazer parte do cotidiano.

Consome-se em toda parte, em todo lugar e a todo momento: nos hipermercados e nas galerias comerciais, nos cinemas, nas estações, nos aeroportos; nas horas habituais de funcionamento, mas também, e cada vez mais, no domingo, de noite, de madrugada; sendo servido por vendedores ou servindo-se sozinho, utilizando máquinas automáticas, encomendando pela internet. E as festas, antes religiosas, tornaram-se convites à fruição, uma espécie de orgia do consumo (LIPOVETSKY, 2008, p. 57)

A comparação entre o universo de Kracauer e Lipovetsky se faz

necessária por duas questões principais: a disparidade temporal entre eles – um

no período moderno, e outro no hipermoderno - e a semelhança do método de

distração usado por agentes diferentes em cada caso.

Para Kracauer, a questão da distração era pontual e preocupante, pois

era uma rotina natural para a classe média urbana frequentar os cineteatros. Ali,

o estado se fazia presente por meio da propaganda ideológica a partir das

narrativas apresentadas. A idéia poderia permear o pensamento coletivo. A

sociedade, enquanto massa, recebia e se associava à propaganda.

No contexto específico de Lipovetsky, nota-se uma sociedade

estruturalmente desorientada e esquizofrênica. A questão que provoca o olhar

do autor no contemporâneo já não se trata mais do estado controlador, mas sim

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do capital. A diferença hoje, é o fato de que o capital atua de maneira a não

respeitar mais o antigo espaço do cineteatro, mas expandindo as narrativas e a

representação da imagem das marcas através de todos os aparatos tecnológicos

possíveis.

O conceito de arte total de Kracauer tratava justamente de consolidar em

um único espaço de consumo – o cineteatro – todo o tipo de produção cultural.

O cinema, a música, a pintura e até mesmo a arquitetura, serviam como objeto

de apreciação ao espectador, e se situavam como ferramenta de formação e

alienação da massa, na Alemanha da década de 1920.

Kracauer observava a produção cultural contemporânea através de seu

próprio engajamento ideológico, e entendia que a utilização política desse

espaço tinha como principal objetivo conseguir a total alienação popular, pois era

justamente ali que a classe operária passava seus momentos de lazer e

consumia todos aqueles estímulos de forma passiva. Neste momento se

conformava culturalmente enquanto classe média urbana.

Para Anita Simis, as produções voltadas para a massa, e o olhar atento

de Kracauer para esse processo, se intensificou pelo fato de que o espetáculo

era uma maneira de trabalhar a própria consciência cultural do público. E para o

público, era a oportunidade de se ver na produção artística.

O comportamento das multidões nos espetáculos esportivos, o fascínio pelas imagens, a busca da diversão são aspectos da transformação do indivíduo no processo promovido pelo capitalismo. Mas também são veículos em que as massas se oferecem como espetáculo para si mesmas, são seu principal ornamento. Pela primeira vez possibilitam que as massas se vejam como tais, isto é, como virtuais sujeitos da história. Elas adquirem o poder de ver o seu próprio rosto e mostrarem-se como sujeitos sociais e isso é de um grau de realidade maior que aquelas produções artísticas burguesas que só cultivavam sentimentos nobres e fora de moda. (SIMIS, 2005, p. 137)

O fato é que o espaço temporal que pertencia ao momento de consumir a

arte dentro do cineteatro já não existe. Para Lipovetsky, o contexto

contemporâneo corresponde a uma nova era histórica do consumo, marcada ao

mesmo tempo por processos de individualização e desregulamentação. Trata-

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se da hipermodernidade8. O que antes era destinado ao consumo familiar e

coletivo, como a televisão, o carro, os equipamentos domésticos, hoje, já não

fazem tanto sentido. A era hipermoderna se caracteriza pelo consumo

essencialmente voltado para o indivíduo. O smartphone e outros aparelhos

individuais tornaram o momento de consumo midiático solitário e individualista.

Hoje, esse tempo de consumo de entretenimento está completamente

fragmentado no cotidiano do espectador. Seja qual for o aparato tecnológico, a

sociedade está permanentemente conectada aos celulares, notebooks, tablets,

acessando e trocando conteúdo através de redes sociais, e-mail ou WhatsApp.

Segundo Lipovetsky “se é preciso falar de cultura de hiperconsumo, é também

porque a esfera mercantil tornou-se uma esfera onipresente, tentacular,

ilimitada” (2008, p.57). Sendo assim, a indústria produz visando suprir esse ritmo

de consumo, fazendo com que o conteúdo seja expandido muito além do limitado

espaço do cineteatro.

A mutação hipermoderna se caracteriza por envolver, num movimento sincrônico e global, as tecnologias e os meios de comunicação, a economia e a cultura, o consumo e a estética. O cinema obedece a mesma dinâmica. É no momento em que se afirmam o hipercapitalismo, a hipermídia e o hiperconsumo globalizados, que o cinema inicia precisamente sua carreira de tela global. (LIPOVETSKY, 2009, p. 23)

É interessante comparar que Kracauer tratava a distração como

ferramenta do Estado em função da alienação da população para fins políticos.

Este conceito hoje é aplicado justamente pelo mercado capitalista, pelas

empresas e pelas marcas, com o objetivo único de desenvolver ferramentas para

fomentar uma cultura de consumo. O engajamento com relação à marca

Vingadores tem como função, simplesmente, o consumo. Convivemos com a

fragmentação do tempo, do consumo e das telas, e a forma mais eficaz de

acompanhar o espectador neste contexto é a fragmentação também do produto.

8 Hipermodernidade é um conceito criado por Lipovetsky que ilustra as transformações das relações humanas características do período contemporâneo. O termo “hiper” caracteriza o exagero, ou ainda, a elevação exponencial dos valores criados no período da Modernidade. Fonte: http://www3.eca.usp.br/noticias/gilles-lipovetsky-discute-hipermodernidade-na-eca

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O conceito transmedia storytelling, de Jenkins (2008), tem por cerne o

acompanhamento sistemático do espectador por todas as mídias que ele

transita. Isso acontece através da distribuição da narrativa por diferentes

plataformas, criando assim um universo propício ao consumo de determinado

produto cultural. Com o conteúdo fragmentado, a produtora dá ao espectador a

possibilidade de fazer a ligação entre as narrativas e compreender a história

completa por conta própria, à medida que tem acesso ao conteúdo.

Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando. (JENKINS, 2008, p. 27)

Em suma, as produções culturais são envolvidas na questão do consumo

e, hoje, para potencializar o sucesso de um produto, há que fragmentá-lo. Com

a multiplicação das plataformas, cria-se todo um universo narrativo próprio, onde

o fã pode pesquisar curiosidades sobre os personagens, entender o histórico dos

heróis, discutir com outros fãs - vide grupos de discussão nas redes sociais - ou

ainda criar teorias próprias acerca da história como um todo.

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos a vida cotidiana. Por haver mais informações sobre determinado assunto do que alguém possa guardar na cabeça, há um incentivo extra para que conversemos entre nós sobre a mídia que consumimos. Essas conversas geram um burburinho cada vez mais valorizado pelo mercado das mídias. O consumo tornou-se um processo coletivo. (JENKINS, 2008, p. 28)

Quando se observa a reação dos fãs que acompanham a Marvel, nas

redes sociais, por exemplo, entende-se na prática o hiperconsumo atuando no

contexto contemporâneo. A Página de facebook Marvel Brasil lançou o trailer

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estendido de Vingadores: Era de Ultron, no final de 2014, e os comentários dos

fãs são bastante esclarecedores.

Neste caso, com a exibição do trailer, os fãs passam a interpretar trechos

e fazer associações de sentido a partir de seu próprio repertório sobre a série.

Há ainda aqueles que buscam em todo lugar, e a qualquer hora, novas

informações simplesmente para ampliar o debate, construindo para si um status

de fã-especialista na série.

Figura 26: Comentários na página do facebook Marvel Brasil sobre trailer de Vingadores: Era de Ultron

Fonte: Facebook

A história de Vingadores ilustra o conceito de Cultura da Convergência,

em que se constrói uma grande história contada através de fragmentos

estruturados em mídias que se complementam, cercando o espectador de

estímulos contínuos. Trata-se de um caminho natural para a Indústria Cultural,

levando em consideração o contexto contemporâneo da proliferação das telas -

imposto pela evolução tecnológica - onde o indivíduo permanece conectado a

todo o momento em diferentes plataformas de mídia, tendo as produções

culturais transformadas em bens de consumo (LIPOVETSKY, 2008,70).

A ideia da Narrativa Transmídia é um reflexo da realidade sociocultural

contemporânea. A tecnologia – principal fator de combustão dessa evolução –

acabou por desenvolver plataformas de mídia que transformaram a dinâmica da

produção e do consumo de bens culturais. Hoje é quase impossível dedicar

atenção exclusiva a uma única mídia por muito tempo. Mesmo quando

assistimos a um filme no cinema, dificilmente nos permitimos uma total imersão,

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pois ficamos atentos ao celular que pode receber uma mensagem, email, ou

ligação a qualquer momento. Do lado de fora da sala escura, essa realidade é

ainda mais intensa.

A indústria do cinema, ao entender essa lógica do Capitalismo Cultural

(LIPOVETSKY, 2008, 68), passa a trabalhar de forma a alimentar esses

estímulos transmidiáticos através de conteúdo convergente. Assim, o espectador

ligado a várias mídias, pode consumir esses produtos complementares, e se

sentir muito mais informado em relação ao filme.

Através da fragmentação, a indústria passa a ter a possibilidade de gerar

formas transmidiáticas de espetacularização de personagens, potencializando o

sucesso do filme. Hoje vemos em ação, uma espécie de Character System9, em

que se constrói um glamour em torno do personagem, antes mesmo dele ser

lançado no cinema. Os Vingadores passaram por esse processo, quando os

brinquedos, os games, os filmes-solo, e os quadrinhos contando características

de seus superpoderes, chegaram às mãos dos fãs antes da estreia do filme de

2012.

“A narrativa transmidiática é a arte da criação de um universo” (JENKINS:

2008,47). O espectador, convertido em fã, conquista uma possibilidade ímpar de

obter novas informações a todo o momento por meio do conteúdo presente nas

diversas mídias. Dessa forma, cria uma concepção própria da história dos

Vingadores.

Em suma, o último capítulo deste trabalho visa apresentar o conceito que

intitulo Dinâmica de Dispersão e Convergência Narrativa. Este conceito foi

definido a partir da análise e mapeamento do UCM, e representa uma

contribuição substancial para as futuras análises dentro do campo da narrativa

transmídia. Através da análise da conjuntura sociocultural debatida por Kracauer

e Lipovetsky, concluímos a questão da formatação do contemporâneo e a

maneira como o hiperconsumo age no sentido de propiciar o ambiente para que

a dinâmica de dispersão e convergência narrativa faça sentido mercadológico, e

9 Character System é uma analogia ao termo Star System. Em livre tradução “sistema das estrelas”, era o processo pelo qual os estúdios de Hollywood gerenciavam a carreira e a vida pessoal dos artistas, com o objetivo de desenvolver ao máximo sua imagem, criando astros do cinema.

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a forma como a Marvel identifica esta questão como crucial para que o universo

narrativo se desenvolva e gere constantemente produtos para o expectador em

constante estado de distração.

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Considerações Finais

Esta pesquisa teve por objetivo principal identificar como os mecanismos

de produção transmídia influenciaram de maneira objetiva a geração de

presença cultural. A franquia Vingadores, seu universo narrativo e a forma como

todo esse conteúdo se fragmentou, gerando efeito de presença, foram os pontos

principais deste trabalho.

Entre os capítulos e temas explorados por esta pesquisa, creio que o

conceito da dinâmica da dispersão e convergência narrativa ofereça um olhar

interessante com relação também à outras produções transmídia

contemporâneas. A ideia gráfica deste processo – que é apresentada no último

capítulo - poderá servir como modelo para outras análises futuras. Podendo ser

aplicada em outros exemplos e estudos de convergência narrativa.

O consumo hipermoderno, também tratado neste trabalho, e a

comparação entre as teorias de Kracauer, Lipovetsky e Jenkins, foram

essenciais para se entender o contexto sociocultural em que as narrativas estão

construídas. Ainda neste ponto, pode-se observar e compreender também o

motivo das produções serem pensadas para entreter a todo momento.

Esta pesquisa dedicou um capítulo para tentar, de maneira resumida,

organizar a história dos super-heróis a partir de sua origem, relembrar momentos

marcantes das adaptações e por fim, vislumbrar o significado de super-herói no

contexto contemporâneo.

Os conceitos de efeito presença e presentificação foram explicitados e

exemplificados dentro do universo de Vingadores, e creio que este trabalho

tenha esclarecido a ligação entre a convergência narrativa e presença cultural.

Assim, chegamos à conclusão de que a narrativa transmídia, no caso de

Vingadores, foi o principal fator responsável pela geração de presença da

franquia.

Concluindo, creio que este trabalho serviu de apoio para o entendimento

do UCM e de toda a estrutura que hoje é criada para compor as histórias dos

super-heróis. Creio também que esta contribuição é o primeiro passo para um

entendimento amplo de uma nova forma de aplicação da narrativa transmídia.

Também vislumbro continuar a pesquisa deste universo narrativo que se

desdobra infinitamente, conforme previa a teoria que intitulo de dinâmica de

dispersão e convergência narrativa, e seguir decodificando, em pesquisas

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futuras, o perfil do personagem super-herói, suas funções, os impactos

socioculturais das produções, e a maneira pela qual esta nova formatação

narrativa influenciará os novos filmes e personagens que surgirão no universo

Marvel.

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