histÓria e a cultura dos povos indÍgenas na educaÇÃo ... · brasileiras, a lei n. 11.645/2008...
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História e Cultura dos Povos Indígenas... – Bezerra & Almeida
Revista Diálogos – set. / out. 2018 – N.º 20 474
HISTÓRIA E A CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: A EMERGÊNCIA DA DISCUSSÃO
Ricardo José Lima Bezerra
Tatiane Lima de Almeida
d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p474
Resumo
O presente texto almeja fazer uma discussão introdutória e bibliográfica
sobre a importância da inserção do ensino sobre a História e a Cultura
Indígenas, a partir da reflexão da formação inicial e continuada de
professores e da abordagem dos Livros Didáticos de História para a
educação escolar básica. Justifica-se essa discussão pelo aniversário de
10 anos da Lei 11.645 de 2008 como política pública para a superação
dos preconceitos étnicos e sociais ainda existentes sobre os povos
originários brasileiros.
Palavras-chave: Ensino da Temática Indígena; Educação Básica;
Educação Étnico-Racial
HISTORY AND CULTURE OF INDIGENOUS PEOPLES IN BASIC
EDUCATION: THE EMERGENCY OF DISCUSSION
Abstract
The present text aims to make an introductory and bibliographical
discussion about the importance of insertion of teaching about
Indigenous History and Culture, starting with the reflection of the initial
and continued formation of teachers and the approach of Didactic
History Books for basic school education. This discussion is justified by
the 10-year anniversary of Law 11.645 of 2008 as a public policy for
overcoming ethnic and social prejudices that still prevail over Brazilian
native peoples.
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Key words: Teaching of the Indigenous Theme; Basic Education;
Ethnic and Racial Education
Considerações iniciais
Neste texto procuramos apresentar, de forma introdutória,
algumas considerações a respeito do ensino História e Cultura
Indígenas no Brasil, que emergem a partir da reflexão sobre a legislação
educacional que aborda essa temática e o entendimento de alguns
autores e algumas autoras sobre como professores, notadamente de
história, inserem esse conteúdo em suas sequências didáticas no
processo de ensino e aprendizagem nas escolas da educação básica
brasileira.
A importância, neste momento, em se discutir a abordagem
escolar desta temática está relacionada a dois aspectos fundamentais:
primeiramente, em 2018, completam dez anos a Lei Federal n. 11.645,
de 10 de março de 2008 que alterou o artigo 26 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, ao determinar a obrigatoriedade da
inclusão do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e indígena nos
ensinos fundamental e médio, em escolas públicas e privadas no Brasil.
Dessa forma, ao inserir essas discussões na educação básica, há um
reconhecimento da necessidade de inserir nas práticas e políticas
curriculares a contribuição histórica e cultural dos povos indígenas para
a formação e constituição da sociodiversidade brasileira, dando
visibilidade nos espaços escolares, a essas minorias étnicas.
Contudo, a emergência da discussão sobre questões étnico-
raciais na educação básica brasileira é parte de um processo de
valorização e reconhecimento das identidades étnicas como estratégia
de superação dos preconceitos e estereótipos sociais que representam os
indígenas brasileiros como atrasados, preguiçosos e em vias de
extinção. Busca-se, através dessas práticas advindas das políticas
públicas estatais, caminhos para a superação da colonialidade interna
(CASANOVA, 2007) sofrida por grupos étnicos minoritários a partir
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dos discursos e das ações emanados pelas elites raciais que detém o
controle dos meios de produção e das melhores oportunidades
socioeconômicas, se constituindo, assim, nos grupos sociais
dominantes.
A educação básica convive cada vez mais com as exigências
sobre os currículos, as novas leis educacionais, diretrizes e propostas
pedagógicas. A lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, ao introduzir na
educação básica brasileira o estudo da História e Cultura Africana,
Afro-Brasileira e dos Povos Indígenas, estabeleceu a necessidade de o
sistema educacional nacional (re)pensar a história e a organização social
do Brasil, a formação étnica da nossa sociedade e as práticas e
representações pedagógicas sobre a temática indígena na educação
básica.
Resultante de discussões e debates advindos das reivindicações e
mobilizações dos povos indígenas, de pesquisadores e dos movimentos
sociais engajados na defesa dos direitos das comunidades indígenas
brasileiras, a lei n. 11.645/2008 alterou o artigo 26-A da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, acrescentando neste artigo a
necessidade de se inserir o estudo da história e cultura das populações
indígenas, como estratégia de superação de estereótipos e
invisibilidades sobre essas sociedades. Dessa forma, esperava-se
intensificar a valorização e o conhecimento sobre a sociodiversidade
étnica brasileira, atendendo para as demandas dos indígenas brasileiros
por respeito e reconhecimento social.
No entanto, no momento em que essa legislação educacional
completa dez anos de vigência, e refletindo sobre seu papel, ainda
podemos encontrar a temática indígena tratada no âmbito escolar
carregada de preconceitos, estereótipos e invisibilidades, tanto por parte
dos professores quanto dos estudantes.
A esse respeito, apontam Funari e Piñon (2011, p. 8) que
A escola, ao longo da história do Brasil, tem
cristalizado determinadas imagens sobre os índios
que fazem a cabeça dos cidadãos presentes e futuros.
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Com isso, muitas vezes acabam favorecendo a
exclusão ou, pelo menos, o esmaecimento da
presença indígena na sociedade e na cultura
brasileiras.
Embora a lei n. 11.645/2008 busque instigar na educação básica
práticas pedagógicas de valorização e promoção da diversidade étnico-
racial brasileira, como forma de superação dos preconceitos e
subvalorização sobre os índios brasileiros, o que ainda encontramos é a
maioria dos docentes, em especial da área disciplinar da História, não
está preparado para abordarem e desenvolverem a temática da
diversidade étnica brasileira e, em especial, a história e cultura
indígenas, com os estudantes nas escolas brasileiras. Deficiências na
formação inicial durante a licenciatura e a falta de orientações e
programas de qualificação docente, aliadas a ausência de discussões
sobre essas temáticas pelas redes públicas e privadas de educação são
alguns dos entraves encontrados, e das razões apontadas pelos
especialistas, que vêm contribuindo para dificultar o estudo das
questões étnico-raciais na escola.
Ou seja, mesmo com a existência desta legislação promotora do
respeito e da valorização da diversidade étnico-racial, professores e
estudantes da educação básica têm se questionado sobre o que pode ser
feito para trabalhar melhor a temática indígena na escola, alegando
tanto falta de recursos didáticos adequados como fragilidades na
formação docente da maioria dos professores de História e das demais
disciplinas escolares, visto que
As dificuldades de professores e demais
profissionais da Educação Básica consistem,
particularmente, em responder à questão de como
caracterizar com clareza e correção as sociedades
indígenas em seus aspectos comum (comum a todas,
por serem os que as distinguem de outras
sociedades), ressaltando, entretanto, a singularidade
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de cada uma delas, sem reforçar estereótipos e
preconceitos (SILVA, 2012, p. 135).
Ainda hoje, a concepção presente sobre história e cultura
indígenas na educação básica ressaltam os povos originários de forma
“folclórica” e anacrônica, aspectos pejorativos sobre as práticas de
antigos rituais com os indígenas adornados com cocares, penas e outros
adereços, reforçando a ideia do senso comum deturpada sobre o índio
brasileiro, em geral a partir da representação construída pela grande
mídia, sobre os indígenas.
A partir da década de 1990, inúmeros livros didáticos
procuraram trazer informações mais atualizadas e coerentes a respeito
das sociedades indígenas. Contudo, ainda em muitas obras, os índios
continuam sendo representados de forma estereotipada e restrita a uma
presença na temporalidade histórica brasileira, sobremaneira, apenas
durante o período e colonial, restritos aos séculos XV e XVI, como as
populações que foram subjugadas pelo europeu, reflexo da sua
ingenuidade, desorganização social e fragilidade militar em resistir a
esse processo de colonização. Isso tem demonstrado em pesquisas
recentes sobre o papel do livro didático no ensino de história, a
defasagem entre a produção acadêmica e a escolar, representando que
muitos autores de livros didáticos desconhecem as recentes produções
historiográficas. A esse respeito, Coelho (2009), ao analisar a produção
didática e sua relação com a recente discussão da historiografia sobre os
índios na história brasileira, percebe que persiste
Uma gritante ambiguidade: enquanto, por um lado,
se percebe um processo de redimensionamento do
lugar das populações indígenas na composição dos
conteúdos, em todo atento às pesquisas mais
recentes, por outro, nota-se a permanência de aportes
que se aproximam daquela antiga vocação: as
populações indígenas são representadas conforme
aquela cultura histórica que as via como ingênuas,
vítimas dos colonizadores, cujo traço cultural
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fundamental era, fora a preguiça, a relação com a
natureza (COELHO, 2009, p. 274).
A escola como espaço de possibilidades da superação de visões
estereotipadas
As contribuições sobre a reflexão dos desafios e as
possibilidades do ensino da História e Cultura Indígenas na educação
básica, tem como intuito possibilitar que professores e estudantes
possam pensar sobre as diversas sociedades indígenas que vivem no
Brasil, sua historicidade e atualidade e que conheçam não apenas a
sociodiversidade dos grupos aqui existentes, mas que também se
apropriem dessa história indígena, reconhecendo sua contribuição na
formação da realidade sociocultural brasileira na contemporaneidade.
Pois, já é bem estudado que os sujeitos escolares, em sua maioria,
desconhecem a rica diversidade étnica no território brasileiro, visto que
A escolha da abordagem sobre de História Indígena
na escola regular apresenta um grande desafio, uma
vez que cabe ao educador não índio fazer escolhas
das metodologias que serão empregadas para
desenvolver tal temática. As escolhas, nesse sentido,
podem se situar entre prestar uma “homenagem” aos
índios, no dia 19 de abril, fazendo um cocar de
cartolina e pintando o rosto dos alunos com guache,
ou apresentar, a cosmogonia de alguns povos
indígenas às crianças, através da leitura de lendas
que revelem sua visão de mundo e o seu estar com a
natureza. Trabalhar com a temática indígena apenas
nas datas comemorativas resulta em reproduzir
visões distorcidas e estereotipadas, o que não
corresponde às necessidades dos educandos nos dias
atuais e implica desrespeito para com as
comunidades indígenas (ALVES, 2015, p. 47)
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A escola tem o papel de superar ideias equivocadas a respeito
dos povos indígenas, veiculando informações que permitam conhecer,
respeitar e valorizar sua diversidade e identidades. Torna-se necessário
identificar os problemas de modo a perceber onde estão as lacunas que
prejudicam a abordagem da temática indígena no cotidiano escolar, e
isso pode ser realizado através da observação e análise das práticas
desenvolvidas em sala de aula.
A necessidade de rever a temática indígena nas escolas, tem sido
uma preocupação de vários setores da sociedade, governos, educadores
e intelectuais. No entanto, preocupação ainda limitada e de efeitos,
apesar de legalistas, ainda pouco efetivos sobre a prática escolar
cotidiana. É imprescindível o esforço para que visões estereotipadas do
“índio” deixem de ser realidade nas escolas brasileiras, e na
mentalidade dos próprios educadores. Apesar dos avanços nas
pesquisas sobre o ensino de história da cultura indígena - e do eventual
impacto dessas pesquisas e reflexões sobre a escola, o “índio” continua
sendo visto como único e o mesmo que existia em 1500, uma espécie de
entidade genérica.
Se, por um lado, a obrigatoriedade do estudo da
história e cultura indígena na escola, forjada por uma
lei, pode produzir certo desconforto, por outro oferece
possibilidade alentadora de que um tema tão
importante e necessário se faça presente no curso
básico e nos currículos de formação docente,
favorecendo o diálogo étnico-cultural e modos de vida
próprios dos povos originários e, contribuindo, assim,
para superar o silêncio e os estereótipos que, em geral,
acompanham a temática indígena nos espaços
escolares. (BITTENCOURT, 2012, p.14)
Portanto, percebemos que a educação escolar é um espaço para
superar os preconceitos, ideias equivocadas sofridas pelos povos
indígenas. Nesse sentido, torna-se necessário identificar os problemas
no modo como o ensino de história trata essas comunidades. Tendo
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papel importante na promoção do reconhecimento e respeito dos grupos
étnico-culturais e no combate aos estereótipos e preconceitos raciais,
defendemos que essa seja a perspectiva adotada na educação escolar
básica.
Deve-se ressaltar, que a educação é responsável por promover a
inclusão desses povos, e não mais ser um instrumento de dominação
que durante o período colonial, por exemplo, teve o papel salvacionista
e civilizatório do ponto de vista do colonizador. A participação dos
povos indígenas na história do Brasil trabalhada em sala de aula vincula
sempre o “índio” ao passado, no processo de colonização, e fomenta
uma negligência para com as lutas indígenas, historicamente
construídas, por território, abandono de suas terras originais por pressão
social e tantos outros fenômenos sociais e políticos complexos que
integram essa história.
A história construída sobre a formação da sociedade brasileira
sobre o olhar do colonizador privilegiou por muito tempo os heróis,
valores, patrimônios e a cultura europeia em detrimento daquilo que
estava se desenvolvendo aqui, promovendo com isso um silenciamento
da participação dos povos indígenas na construção da história do nosso
país, sem mencionar todas as outras categorias inseridas também de
forma genérica na categoria de comunidades tradicionais.
Esse indígena visto apenas como coadjuvantes da história dos
colonizadores deve ser repensado com urgência e a história indígena
reescrita e recontada. A sala de aula é sem dúvida o principal lugar para
que haja essa modificação. No decorrer dos estudos historiográficos a
população indígena não aparece em outros momentos, fora da
colonização, mesmo quando se discuti os movimentos sociais e as lutas
por territórios rurais o indígena é “escondido” dentro da categoria de
“militante rural”, algo que não agrega valor às discussões e limita tanto
aos educadores quanto aos estudantes uma visão por assim dizer,
complexa dos fenômenos sociais.
Esse cenário, no entanto, vem se transformando a algum tempo
na academia, ao refletir acerca do próprio conceito de cultura, que
percebe a transformação social que os grupos tradicionais, dentre eles
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os indígenas passaram ao longo de nossa história. Ter condições de
perceber essas transformações sociais é crucial para de fato caminhar na
direção de um processo de ensino aprendizagem que vise realmente o
respeito e o reconhecimento das várias identidades existentes no Brasil. A escola é um espaço privilegiado para as várias
manifestações de diferentes grupos, para onde
convergem normas, valores, tradições, rebeldias,
resistências e novas perspectivas, bem como dela
procedem ressignificações, indignações,
comportamentos e reelaborações que são possíveis
graças à convivência entre as diferenças posta em
jogo. (LIMA, 2016, p. 102)
As leis n. 10.639/2003 e a n. 11.645/2008 promoveram, sem
sombra dúvida, um grande avanço nas últimas décadas, somando as
experiências dos movimentos sociais que favoreceram o
reconhecimento de direitos e identidades de povos e comunidades
negligenciadas ao longo da história. No âmbito educacional, a
possibilidade de reconhecer e discutir a sociodiversidade brasileira
atuou como um lugar de resistência para dar suporte as manifestações
sociais e fundamentar as leis que apoiam esses grupos. A
obrigatoriedade do ensino da história e da cultura indígena é sem
dúvida o maior marco desse processo. A implementação das leis tem
possibilitado fortalecer o estudo, o conhecimento, a compreensão da
temática indígena, buscando a superação, assim, dos equívocos,
preconceitos, estereótipos construídos até hoje na realidade educacional
brasileira. Lei nº 11.645/2008 nos coloca: estabelecer um
diálogo intercultural respeitoso com os povos
indígenas. A referida lei além de favorecer novos
olhares para a História e para esses grupos, também
servira para mudar antigas práticas pedagógicas
preconceituosas. Em uma análise superficial,
percebe-se que existem vários desafios para
efetivação de que determinou a Lei, no que se refere
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aos conteúdos mencionados, dando ênfase aos
aspectos simbólicos e representativos, como ao
preparo dos professores, estes que em muitos casos
não tiveram formação adequada ou capacitação para
a efetivação da mesma (MEDEIROS, 2012, p. 61)
Como nos coloca Souza e Santos (2016), a escola cumpre papel
preponderante nesse processo, pois,
Uma análise mais profunda a respeito das informações
que chegam ao público de modo geral, sobre a questão
indígena e ainda faz com que possamos perceber
como tem sido o papel dos educadores e do material
utilizado em sala de aula no reforço de noções
preconceituosas e estereotipadas.” (SOUZA;
SANTOS, 2016, p. 188)
A escolha das abordagens sobre a metodologia e temática
indígena utilizadas nas escolas são um grande desafio para os
educadores, que, em muitos casos, se reduzem a homenagear os índios
apenas no dia 19 de abril, fazendo cocar, pintando os estudantes ou
através de leituras de lendas folclóricas, mas sem problematizar essas
atividades ou discutir como essas representações sobre os índios se
perpetuam, o que acaba por não alterar em nada o quadro sobre o
respeito e a valorização da formação étnico-racial brasileira. Trabalhar a
temática apenas em datas comemorativas, resulta em reproduzir visões
distorcidas e estereotipadas, deixando uma sensação de “fazer por que
se manda”, mas sem criticidade, sem contextualização e de afastamento
das discussões historiográficas recentes e da importância social de que
essas populações indígenas são merecedoras.
As autoras Souza e Santos (2016), afirmam que enquanto
deixarmos uma perspectiva eurocêntrica e etnocêntrica obscurecer
nosso olhar sobre a diversidade cultural brasileira, nosso material
didático produzido, nossos discursos, nossas práticas pedagógicas
continuarão a produzir ideologias preconceituosas de negação do outro.
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Anteriormente ao afirmado por Souza e Santos (2016), Collet.
Paladino e Russo (2013, p. 8), já defendiam que Cabe chamar a atenção para a importância da
abordagem da tentativa indígena na sala de aula não
apenas porque ela é uma questão ‘politicamente
correta’ ou porque ‘os índios são nossas raízes’, mas
também pelo fato de que existem hoje graves
situações de conflitos, discriminação e violência
sofrida pelos ‘povos indígenas’. É preciso educar as
crianças e os jovens para a construção de um olhar
crítico sobre a relação de desigualdades existentes
entre os diversos grupos étnicos.
Na efetivação da lei n. 11.645/2008 o maior desafio talvez seja a
qualificação dos professores para a abordagem dessa temática, tanto na
formação inicial nas universidades, quanto nas formações continuadas,
muitas vezes oferecidas no âmbito das secretarias municipais e
estaduais de educação. Raramente disciplinas que atendam a temática
exigida pela lei são ofertadas nestes cursos de licenciatura e quando são
falta formação daqueles que estão ministrando tais disciplinas. A
experiência prática e o contato com a realidade indígena também se faz
necessária, mas é totalmente negligenciada pelas instituições
formadoras.
Silva (2012, p. 220) coloca que: É preciso que as secretarias estaduais e municipais de
educação incluam ainda a temática indígena nos
estudos, nas capacitações periódicas e na formação
continuada, e a abordagem deve se dar na perspectiva
da sociodiversidade historicamente existente no
Brasil. (SILVA, 2012, p. 220)
Fica evidente nas diversas pesquisas realizadas e divulgadas que
a maioria dos educadores não está preparada para trabalhar a temática
indígena em sala de aula. Vale destacar que esse problema não está
restrito à temática indígena, mas também a vários outros temas
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relacionados ao contexto contemporâneo, o que expõe a fragilidade em
conduzir uma educação contextualizada e presente.
A prática educativa no processo de ensino aprendizagem
A inserção e o aprimoramento do estudo da História e da
Cultura indígena na educação básica são parte de um processo de
reconhecimento e valorização da educação para as relações étnico-
raciais. Com isso, promove-se o respeito a diversidade cultural
brasileira, mostrando que a história do nosso país foi construída por
diferentes grupos humanos conviventes do mesmo espaço social.
Conforme orientam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais, lançadas em 2004 pelo
Ministério da Educação-MEC, a prática pedagógica pautada por uma
educação para as relações étnico-raciais propõe superar preconceitos
através de ações afirmativas de Estado, apresentando outros pontos de
vistas históricos e sociais, aproximando as pessoas do conhecimento
sobre a formação do nosso país em uma perspectiva múltipla e diversa
(WITTMANN, 2015).
Tendo em vista que infelizmente ainda hoje em muitas escolas
brasileiras a história é contada a partir de um único ponto de vista - do
colonizador - e que ainda traz um eurocentrismo nos materiais
didáticos, desde a escolha dos conteúdos, até a percepção daqueles que
são priorizados em detrimento de outros quase esquecidos. “História
essa que desde os tempos coloniais vê os não-brancos como gente
“incivilizada”, sem cultura, sem estado e como pagãos, que, portanto,
poderia ser explorada tal e qual um animal de carga ou de curral”.
(CARVALHO; NOGUERA; SALES 2013, p.18).
É importante lembrar que o ensino de história não se limita
apenas a apresentar fatos no tempo e no espaço, não é somente o
conteúdo proposto em sua sequência, excluindo a realidade do aluno
desprezando qualquer experiência da história por ele vivida,
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[...] além do desafio de saber como introduzir e
encaminhar as tarefas de aprendizagem para os
alunos de diferentes idades e condições culturais.
História é estudar as ações dos homens, procurando
explicar as relações entre seus diferentes grupos
(BITTENCOURT, 2009, p. 192).
Ensinar passa a ser então, a mediação de conceitos para a
construção do conhecimento histórico e dar condições para que o aluno
possa participar do processo do fazer, do construir e perceber a história.
E que a sala de aula não é apenas um espaço onde se transmite
informações, mas trata-se de uma relação teoria e prática, ensino e
pesquisa. A distância que há entre a formação acadêmica e a realidade
da prática escolar é um grande desafio atualmente no ensino, esse
aspecto no ensino de história tem sido alvo de várias pesquisas.
Fonseca (2009) aponta que deve haver uma necessidade urgente
de revisão das práticas pedagógicas de formação docente, formação
continuada e na valorização dos docentes, pois para ela é necessário que
o profissional em história que escolhe a docência, tenha o objetivo de
reconstruir a complexidade dos saberes escolares no cotidiano da
prática escolar.
No dia a dia escolar as dificuldades encontradas pelos
educadores nas salas de aula são para acompanhar as discussões
empreendidas pela educação das relações étnico-raciais e sua relação
com os processos pedagógicos de ensino-aprendizagem. A prática
educativa é um campo amplo e complexo, que não existe uma receita
para determinar o que é correto ou não, o respeito a diversidade étnica e
aos saberes dos discentes impõem mais essa complexidade. Destarte é
de extrema importância que o docente construa uma prática docente
consciente e responsável não só de trabalhar o que determina a
legislação educacional, mas que, sobretudo, transforme a sua prática em
caminho para construção de uma escola ética e socioculturalmente
diversa.
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Para Tardif (2012), a prática educativa mobiliza diversos saberes
para por sua vez buscar atingir os objetivos da educação escolar. Seria a
prática educativa uma arte? É o professor um artista, que tem a
habilidade de esculpir seu aluno? A prática é uma ciência objetiva? Ou
mesmo a prática educativa como uma interação?
É preciso pensar, neste momento, em uma perspectiva pós-
estrutural no sentido de entender que aquilo que se concebe enquanto
“conhecimento” acadêmico, “artístico”, “filosófico” e “mítico” e aquele
que convencionamos chamar de “senso comum”, são de fato formas de
perceber a realidade plenamente e todos perpassam os espaços
escolares, as vivências dos educadores e educandos e dos mais diversos
grupos étnicos, inclusive conversando entre si em determinados
seguimentos sociais.
Supõe-se que a prática docente é uma arte, uma técnica, uma
interação, que é muito mais que tudo isso. E que como professor em sua
prática o objetivo seja de formar pessoas que não precisem mais de
professores. Zabala (1998, p. 9) afirma que
De fato, quer mostrar que a resolução dos problemas
que a prática educativa coloca exigem o uso de
alguns referenciais que permitam interrogá-la,
questioná-la ao mesmo tempo que proporcionem os
parâmetros para as decisões que devam ser tomadas.
Sendo assim, a relação dos currículos, leis, diretrizes e propostas
pedagógicas com o ensino de história não estabelece apenas um
conjunto de conhecimentos escolares a serem ensinados, aprendidos e
avaliados, mas uma construção, um processo, um campo de
construções, ressignificações e disputas. Nesse contexto, Fonseca
(2009, p. 49), coloca que; “O currículo é entendido como um campo de
relações e intenções sociais, políticas, econômicas e culturais, é parte
constitutiva do contexto produzido e produtor de relações, de saberes e
práticas”.
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O conjunto desses elementos orientam os docentes nas
atividades escolares, mas são também objetos sociais e culturais nas
práticas pedagógicas. Além disso, quando observamos as práticas
educativas, no dia a dia da sala de aula, verificamos que esses
elementos divergem do que é previsto. Sendo as políticas
governamentais que orientam o que se deve ensinar, porém a prática
vivenciada pelos docentes tende a ser diversa. Para Sacristán (2000), o
que importa não é o que se diz que se faz, mas, o que verdadeiramente
se faz; o significado real do currículo não é o plano ordenado,
sequenciado, nem que se definam as intenções, os objetivos concretos,
os tópicos, as habilidades, valores, etc., que dizemos que os estudantes
aprenderão, mas a prática pedagógica de fato vivenciada que determina
a experiência de aprendizagem dos educandos na educação escolar
básica.
Os currículos oficiais são produtos de concepções,
interpretações e escolhas de pessoas ocupantes de postos de poder
político e social, os quais determinam o que deve e como deve ser
ensinado. A imposição por parte dessas políticas educacionais, em
geral, não respeitam ou consideram a autonomia e o exercício
profissional de quem realmente está vivenciando o cotidiano escolar:
estudantes e professores. O próprio livro didático – pela sua
centralidade nas práticas pedagógicas - é uma ferramenta
importantíssima no processo ensino-aprendizagem, no entanto, o
mesmo é oriundo dessas políticas educacionais, eivado também do
projeto econômico do mercado editorial sujeito ao lucro e à
produtividade. Todavia, precisamos reafirmar que como produto
educacional, comercial e editorial, dissemina uma concepção de
identidade e nação. Necessário se faz, então, que, nós, enquanto
professores possamos refletir sobre o papel do livro didático como
instrumento essencial das nossas práticas pedagógicas, não esquecendo
que este livro didático é um recurso, dentre vários possíveis, para uma
educação escolar que contribua para, adequadamente, abordar a
diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira, representando as
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identidades indígenas e brasileiras como parte integrante de um país
multiétnico e com grandes diferenças sociais, econômicas e regionais.
De acordo com Maria Auxiliadora Schmdit (2010) as relações
do professor de história, como as de outros, com os livros didáticos
articulam-se, fundamentalmente, por meio de suas concepções de
educação escolar e de ensino-aprendizagem, ou seja, estão permeadas
pelas concepções que ele tem de escola, bem como pelas que tem das
finalidades do ensino em geral e do ensino da História em particular.
A lei n. 11.645 de março de 2008 aponta que muitos esforços
deverão ser feitos para que os livros didáticos ofereçam uma justa
apresentação e uma significativa contribuição sobre a história e cultura
dos povos indígenas. Porém em geral, os livros didáticos de história
empregados nas escolas, na atualidade, não valorizam as questões
relacionadas aos indígenas, representando os "índios" de maneira
estereotipada e folclórica. Mesmo com as atuais produções acadêmicas
a respeito dos indígenas, os autores de livros didáticos permanecem
abordando uma visão evolucionista e eurocêntrica dos povos indígenas
brasileiros.
[...] essa produção didática sobre os povos indígenas
na história ensinada nas escolas tem, sobremaneira,
dificultado o cumprimento da Lei nº. 11.645 de
2008, que tornou obrigatório o estudo da história da
cultura afro-brasileira e indígena nos
estabelecimentos escolares do país, sobretudo pela
dificuldade em introduzir e desenvolver as
contribuições históricas e sociais dos povos
indígenas a partir de discussões sobre questões
etnicorraciais sob as perspectivas e abordagens
historiográficas e acadêmicas. (BEZERRA, 2017, p.
279)
É importante que os professores ao utilizar os livros didáticos no
processo de aprendizagem, tenham a sensibilidade e o olhar crítico para
não beber na fonte da aculturação e permanecer propagando uma visão
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estereotipada dos povos indígenas. Segundo afirma Maria da Penha
Silva (2010), o livro didático é um dos subsídios básicos mais utilizados
em sala de aula, e por isso nos preocupam as formas de abordagem da
história e culturas indígenas nestes livros.
Os livros didáticos de História adotados nas escolas brasileiras
geralmente protagonizam sempre o europeu, como de conquistador de
terras e povos que se tornaram escravos “vítimas”. Não aparecendo
esses grupos em conflitos, mobilização e resistência, sendo protagonista
de suas histórias. De acordo com Maria da Penha da Silva (2010, p. 44)
“Que apesar das pesquisas acadêmicas afirmarem avanços significativos
no olhar sobre o índio, atualmente muitos livros continuam
reproduzindo as imagens de tempos passados...”. Essa produção do
livro didático tem dificultado a efetivação da lei 11.645/2008 nas
escolas em todo território brasileiro, sobretudo no que diz respeito as
dificuldades encontradas em introduzir as contribuições acadêmicas,
nas discussões sobre as questões étnico-raciais dos povos indígenas.
Concluindo... mas não tanto...
Pela importância que tem o ensino sobre a História e a Cultura
dos povos indígenas brasileiros nas escolas, e considerando a distorção
que existe no que é prescrito nos currículos escolares e o que é vivido
na prática pedagógica cotidiana em sala de aula, refletimos que há uma
necessidade urgente de se investir na formação inicial e continuada de
professores da educação básica, assim como na produção de recursos
didáticos condizentes com a legislação para práticas afirmativas da
sociodiversidade étnica nas escolas brasileiras.
Dessa forma, transformar a escola em um ambiente mais ético e
adequado ao reconhecimento dessa diversidade e pluralidade brasileira,
é sem dúvida urgente, para que essa ações afirmativas se realizem no
fazer pedagógico cotidiano. Essa reflexão, por meio deste texto
introdutório para potenciais itinerários de pesquisa em construção, estar
contribuindo para refletir sobre a importância do ensino de História e
Cultura Indígenas como um dos caminhos possíveis para superar visões
parciais, anacrônicas, estereotipadas e discriminatórias acerca dos povos
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originários deste vasto país. Busca-se a construção de uma consciência
histórica em nossos educando que reconheça e se conscientize dessas
visões acima elencadas sobre as populações indígenas como
mecanismos exploratórios, expressos em discursos e práticas sociais, da
colonialidade interna ainda tão presente na formação social do nosso
país.
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