imprensa piauiense atuação política no século xix
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Imprensa Piauienseatuação política no século XIX
Ana Regina Barros Rego Leal - [email protected] em Comunicação e CulturaUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
ResumoEstudo da conjuntura social e política do Piauí no período do Segundo Reinado, mediante
análise dos jornais vinculados aos partidos políticos, o que permite uma restauração do
panorama conjuntural do Piauí no período referenciado. Tal restauração resulta na montagem
de um “quebra-cabeça” da estruturação familiar oligárquica.
Abstract
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This work is of the social and political conjuncture of Piauí in the Second Reign, through the
analysis of the newspapers connected to the political parties, from restoration of the cultural
conjunction in Piauí during the referred period, which was done through the assembling of a
“Jigsaw Puzzle”of he oligarchic familiar structure.
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1 Introdução período do Segundo Reinado é um dos mais interessantes e pesquisados na
historiografia brasileira. Inúmeras são as obras de teor histórico e sociológico que
exploram este tema. No Piauí , há também concorrência entre os historiadores, e
estes, em sua maioria, utilizam os jornais da época como fontes históricas coadjuvantes e
relatadoras do processo de desenvolvimento que marca os anos do governo de D. Pedro II.
Sendo, também, este o corte cronológico do presente estudo, investigamos não somente o
passado a partir dos impressos, e a relação destes com a conjuntura sociopolítica e
econômica do Piauí, no século XIX.
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O nosso objetivo é, pois, compreender o ambíguo relacionamento entre política e
imprensa na província do Piauí, no período que abrange o governo de D. Pedro II, ressaltando
a intrínseca ligação entre as duas instituições, seus limites e suas contradições, recorrendo-se
à análise do discurso dos jornais políticos atrelados aos partidos monarquistas e à elite, e ao
Partido Republicano.
O Piauí, assim como o Brasil, assiste ao nascimento de sua imprensa já com “lentes”
políticas. O Piauiense, cujo primeiro exemplar circula em 15 de agosto de 1832, surge em
Oeiras, no governo de Sousa Martins, futuro Visconde da Parnaíba, e destina-se a publicar
atos oficiais. Entretanto, é em 1839, que o caráter político assume, definitivamente, a sua
posição dentro do jornalismo, com a publicação de O Telégrafo, ainda no governo de Sousa
Martins, com o intuito de manter a opinião pública ao seu lado, na questão da Balaiada.
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A partir de então, e ao longo de toda a sua trajetória, a imprensa piauiense se relaciona,
de forma íntima com a política e o poder, o que perdura, na atualidade. No período que
compreende o Segundo Reinado, de 1840 a 1889, o jornalismo praticado nesta Província, e
em todo o País, é, predominantemente, influenciado pelos partidos políticos que atuam na
época, quais sejam, o Conservador, o Liberal e mais tarde, o Republicano.
Os políticos, quase sempre atrelados a um grupo familiar, possuem não apenas
afinidades intelectuais, mas, sobretudo, laços de parentesco e interesses econômicos. Assim,
organizam-se em torno de um partido e fundam um jornal, para exercer a função de porta-voz
de suas idéias e dos anseios de suas famílias.
Estudamos a composição dos partidos, que acompanha o modelo nacional, com a
ressalva de que, no Piauí, os proprietários ligam-se mais ao Partido Liberal e os burocratas ao
Conservador. A identificação dos grupos familiares e seu alcance no poder provincial vem a
seguir, tomando-se como referência os espaços ocupados por seus membros nas posições
formais de poder, tanto no Executivo quanto no Legislativo. O cruzamento dos sobrenomes
pertencentes aos grupos familiares predominantes com o quadro de atuação política permite
mapear e localizar onde está situado o poder. Verificamos, ainda, a influência da educação
formal na ascensão das carreiras políticas e a gradativa ocupação dos letrados em cargos
públicos e na imprensa.
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2 O Segundo Reinado e Suas Peculiaridades formação do Estado Imperial brasileiro remete à colonização portuguesa, que,
diferentemente da colonização de seu vizinho ibérico, une numa só nação todas as
capitanias gerais. Em 1825, o Brasil, não mais colônia, conta com 18 províncias, as
quais, após o desfecho da Confederação do Equador, compõem um único país. Em oposição,
a colônia espanhola possui, à época, quatro vice-reinados e quatro capitanias gerais, que se
transformam, ainda no século XIX, em 17 países independentes entre si. O delineamento final
do perfil do Brasil só é concluído no início do Segundo Reinado, embora o Estado-Nação já
esteja predefinido nos anos que sucedem a independência, após uma confluência de fatores
que, processualmente, levam o Brasil a uma Monarquia representativa. A vinda da Corte, em
1808, por exemplo, provoca não apenas mudança geográfica no espaço de execução do
poder político do Reino português, mas provoca transformações econômicas no incipiente
mercado colonial brasileiro. Com a abertura dos portos e a criação de instituições
administrativas, econômicas e culturais, o Brasil-Reino começa a se relacionar com o mundo,
ou seja, com o mundo inglês. O modelo de administração centralizadora substitui o modelo de
capitanias, e se faz mais forte no governo do Príncipe Regente D. João VI, impulsionando o
desenvolvimento econômico da antiga colônia, que passa a gozar de privilégios antes restritos
à metrópole, cuja nobreza, passado o perigo francês, revolta-se com a transferência
administrativa, tenha sido ela causada por Napoleão ou influenciada pelos ingleses. As cortes
portuguesas exigem o retorno imediato da família imperial, sob pena de perder a Coroa, assim
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como o fim das concessões feitas ao Brasil, que deve retornar à condição de colônia. No
Brasil, os movimentos pró-independência ganham mais força, e a elite ameaçada opta pela
Monarquia representativa com príncipes portugueses, que mantém a unidade da ex-colônia,
possibilitando a construção de um governo civil.
Entretanto, nenhum desses pré-requisitos é forte o suficiente, para, por si só, definir a
unicidade das capitanias portuguesas. A formação do Estado segue um curso, de certo modo,
definido pelas classes dirigentes da colônia, que almejam a manutenção do domínio nos
moldes burocráticos dos portugueses, com o controle da terra e do dinheiro. Um aspecto
observável e determinante na trajetória da composição do Estado brasileiro é a visível
homogeneidade das elites, derivada, sobretudo, da herança portuguesa, composta,
principalmente, de ramos colaterais da nobreza ibérica, que ao virem para a colônia, trazem
consigo a predominância da burocracia, como se dá na Corte Portuguesa, na qual a elite
confunde-se, em parte ou totalmente, com a elite política, povoando ministérios e, até mesmo,
o Parlamento.
A formação jurídica, o treinamento direcionado para a centralização e, especificamente,
para o exercício de cargos públicos, assim como, a preponderância de empregos dependentes
do Estado termina por compor o panorama brasileiro como “um carbono” português. A
identidade igualitária da camada burguesa e burocrática é mais ideológica do que social, e a
dependência financeira desta em relação ao Estado é perceptível e gritante. Em conformidade
com Carvalho (1996, p.33),
[...] a homogeneidade ideológica e o treinamento forma características marcantes da elite política portuguesa, criatura e criadora do Estado absolutista. Uma das políticas desta elite foi reproduzir na colônia uma outra elite feita à sua imagem e semelhança. A elite brasileira, sobretudo na primeira metade do século XIX, teve treinamento em Coimbra, concentrado na formação jurídica, e foi, em sua grande maioria, parte do funcionalismo público, sobretudo da magistratura e do Exército. Essa transposição de um grupo dirigente teve talvez maior importância que a transposição da própria Corte portuguesa e foi fenômeno único na América.
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Contudo, não obstante a importância da elite governante e dos traços importados da
metrópole, a construção e consolidação das estruturas de poder é, no Brasil, divergente de
Portugal. Neste último, barões feudais estão em franca extinção, o poder vigora entre a
burguesia e os comerciantes, as terras estão vinculadas ao Estado e pertencem, quase na
totalidade, à Coroa, aos nobres e ao clero, os quais, por sua vez, não podem dispor das
mesmas como bens, já que são inalienáveis. No Brasil, a propriedade configura-se como a
grande fonte de poder e riqueza, o que reduz, ou, pelo menos, muda o alcance do enfoque
centralista português. Outro aliado no processo de unicidade da colônia e que muito contribui
para a homogeneidade da elite é o isolamento ideológico desta em relação às doutrinas
revolucionárias. Questões, como livre comércio e protecionismo, liberalismo e escravagismo,
centralismo e federalismo, ainda que conhecidos, constituem, então, dilemas, e são
aprofundados mais adiante. O fato é que, herdeiras dos colonizadores, essas elites interferem
diretamente na formação do Estado brasileiro, ajudando na redução e no combate aos
conflitos internos, evitando que estes se disseminem por toda a sociedade, o que constituiria
uma ameaça, não só para o Império, como para a garantia dos “direitos” da nata social.
A propagada homogeneidade ideológica das elites transpostas de Portugal para o Brasil
garante ao País, recentemente liberto, um sistema monárquico escravagista. Da mesma
forma, a magistratura calcada no Direito Romano e na linha de pensamento da Universidade
de Coimbra, garante a sustentação e justifica o poder real e os direitos daqueles que
economicamente viabilizam o projeto de nação. A elite “criadora e criatura” do Estado cumpre
o seu papel, fortalecendo-o e, ao mesmo tempo, tirando vantagem do controle parcial que o
governo exerce sobre a sociedade.
O trono, na visão dos políticos de então, sobretudo dos herdados de Portugal, é
essencial para a manutenção da unidade da nação. Sem ele, o Brasil se esfacelaria em
dezenas de pequenos países, a exemplo dos vizinhos, de colonização espanhola. No entanto,
para que a Monarquia volte a se projetar como primordial aos destinos do Brasil, é necessário
o convencimento dos diferentes grupos de pressão, que devem confiar que seus interesses
serão mais bem atendidos por um governo monárquico centralista.
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3 A Estruturação do Poder na Província do Piauí composição das estruturas de poder no Piauí pode ser observada pela
movimentação das famílias que o povoaram. Algumas das agremiações familiares
que se instalam aqui, são descendentes de ramos diretos ou colaterais da nobreza
ibérica, como os Coelho Rodrigues, os Castello Branco e os Pereira Ferraz. Ao chegarem,
distribuem-se pelas poucas vilas existentes, nos séculos XVII e XVIII, e terminam casando
entre os próprios descendentes familiares ou com outras famílias chegadas à época ou um
pouco depois, como os Vieira de Carvalho, os Sousa Martins, os Araújo Costa e os
Burlamaqui. Procuramos, então, seguir a trilha das elites familiares, ao tempo em que
utilizamos o método de localização desses grupos através das posições formais de poder que
ocupam ao longo do Segundo Reinado, isto é, através dos titulares dos cargos de presidente,
vice-presidente e deputado provincial.
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Além das instâncias do Executivo e Legislativo, consideramos a imprensa, que, no
governo de D. Pedro II, vive o período de maior liberdade, sem, entretanto, se firmar como
poder independente da política. No Piauí, a exemplo das demais províncias, existem folhas
autônomas, principalmente literárias, mas a maioria dos impressos está vinculada a partidos
ou a políticos. A imprensa configura-se como extensão dos fóruns de debates e os grandes
jornalistas, em geral, atuam como políticos.
Outro item subsidiário ao “quebra-cabeça” que se pretende estruturar mais adiante é a
educação formal, que acompanha a colonização portuguesa e ajuda na unificação ideológica
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da elite brasileira, a qual concentra em suas mãos o direito à formação superior. Fora das
classes privilegiadas, poucos conseguem diploma de doutor. Por conseguinte, fora dela,
poucos alcançam os degraus mais altos da carreira política. A formação mais freqüente,
decerto também por influência das tradições ibéricas, é a jurídica. As escolas de direito que
influem na educação dos políticos do Segundo Reinado só surgem, no Brasil, após a
independência, em São Paulo e Olinda. Os cursos de medicina, no Rio de Janeiro e Salvador,
têm início, poucos anos antes. A centralização das academias superiores em somente quatro
províncias acarreta, a princípio, o convívio obrigatório de estudantes das diferentes regiões.
Submetidos a uma ideologia homogênea, saem da academia com concepções políticas e
jurídicas parecidas, o que reflete nos partidos do Segundo Reinado, que mantêm diferenças
estruturais insignificantes. Ao entardecer do Império, tal situação transmuta-se, porquanto as
academias militares e de direito, impregnadas de positivismo, começam a contestar a
Monarquia.
A educação, na atualidade, classificada como direito primordial do ser humano e
obrigação do Estado, constitui, naquele período, privilégio dos membros da elite. Apenas filhos
de famílias abastadas freqüentam as academias, que cobram valores relativamente elevados.
No caso dos piauienses e da maioria dos estudantes das províncias que não sediam escolas
superiores, o custo ainda é mais elevado. As famílias, além de arcarem com o valor da
anuidade, necessitam manter o futuro doutor, por cinco ou seis anos, em cidades, como
Salvador ou Recife. No geral, os membros das famílias com menor poder aquisitivo completam
a educação secundária, muitas vezes, nas escolas militares ou em seminários, visando à
carreira eclesiástica.
No caso do Piauí, o acesso à instrução é ainda mais restrito, devido ao número irrisório
de instituições escolares existentes. O processo educativo mais comum se dá na esfera das
próprias famílias, que contratam preceptores para ensinar as primeiras letras aos filhos,
comumente, nas casas ou fazendas, envolvendo, por vezes, vários alunos aparentados. O
ensino secundário é implementado por iniciativas de particulares, que adotam a profissão e,
gratuitamente, às vezes, às próprias expensas, desempenham o papel de educadores.
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Logo, se no Brasil, a elite educada e formalmente detentora de títulos superiores
assemelha-se a uma ilha, no recorte do Piauí, as distâncias são ainda maiores. A este
respeito, Teresinha Queiroz (1994, p. 62) afirma que a população estimada da Província, em
1867, é de 171.970 habitantes, o que fornece “[...] indicativos quanto ao pouco atendimento da
população escolarizável. Em 1866, a instrução pública primária atendia a apenas 0,55% da
população, ou seja, para cada 180 pessoas uma estava na escola [...]” Ressaltamos, mais
uma vez, que a escassez de escolas não constitui barreira para que os proprietários e
criadores de gado eduquem seus filhos, enviando-os, primeiro, para Coimbra e depois para
Salvador e Recife, vislumbrando a educação como “ponte” para carreiras políticas
promissoras.
Educação e ocupação andam, como ainda, hoje, lado a lado. No Brasil de D. Pedro II, a
educação consiste em pré-requisito para a ocupação de cargos no serviço público ou para a
carreira política. Como o dinheiro que financia a educação dos eleitos é o mesmo que atende
aos interesses do Estado, a educação termina servindo à manutenção da elite dentro do
aparelho estatal, que por sua vez, é mantido por ela. Desta forma, como dito antes, o emprego
público e a burocracia estatal são procurados, não somente por apresentarem chances de
belas carreiras, mas, sobretudo, por representarem potenciais fonte de renda, num momento
de oportunidades escassas. Para eles, concorre a maioria das classes atreladas ao poder. Na
província do Piauí, onde o desenvolvimento econômico é tardio, e a terra produtiva e a
pecuária extensiva pertencem a poucos, o que resta como veículo de geração de renda e
circulação de riquezas, provém do Estado.
Ademais, no Piauí, nos anos de Império, também predomina uma política de domínio
familiar, conforme palavras textuais de Sodré (1998, p. 162): “O segundo império encontra, ao
inaugurar-se, essa política de clãs perfeitamente sólida e delineada em toda a sua estrutura.
Encontra-a como uma obra inacabada [...], influindo decisivamente na existência do país [...]”
Diante do exposto, estudamos os grupos familiares via cargos de visibilidade na
estruturação política. Os grupos familiares estão dispostos em quatro, quais sejam: - Núcleo
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Familiar 1, composto pelas famílias do ramos diretos Souza Martins, Coelho Rodrigues, Vieira
de Carvalho, Pereira da Silva, Ferreira de Carvalho, Coelho, Souza Mendes e os Araújo Costa.
Dos ramos colaterais, as famílias Pereira Ferraz, Soares da Silva, Ribeiro Gonçalves, Silva
Moura, Pereira de Carvalho, Albuquerque Cavalcanti, Rocha, Nogueira, Madeira, Aguiar e
Ferreira. De todos estes, só não enquadraremos, para fins metodológicos, como pertencentes
ao Núcleo 1, as famílias Pereira Ferraz e Silva Moura, bem mais próximos da família Castello
Branco. O Núcleo Familiar 2 compõe-se basicamente dos ramos diretos das famílias Castello
Branco, Borges Leal, Pereira Ferraz, Burlamaqui, Pereira da Silva, Rêgo Barros, Rêgo
Monteiro; e colaterais Sousa Silva, Silva Moura, Gonçalves Rodrigues, Borges de Carvalho,
Fortes do Rêgo, Almendra Freitas, Pires Ferreira, Barbosa Ferreira, Lages, Resende e Tito. O
terceiro núcleo vem do sul do Piauí e integra, principalmente, os Cunha Lustosa e seus
colaterais, como a família Nogueira Paranaguá. No quarto núcleo, enquadramos todas as
famílias para as quais não conseguimos estabelecer ligações com os núcleos ora
mencionados.
Com vistas a delinear o mapa do poder no Piauí do século XIX, analisamos os poderes
Executivo e Legislativo, especificamente, presidentes e vice-presidentes da província de
origem piauiense e os presidentes da Assembléia Legislativa e os deputados provinciais.
Estudamos, ainda, os piauienses que conseguiram projeção na política nacional ao longo do
reinado de D. Pedro II. Ao mesmo tempo em que mapeamos a ocupação do poder, outros
aspectos são agregados à análise, como a formação/ocupação dos participantes e o “braço”
da imprensa mantido por cada partido político. Os grupos encontram-se, portanto, distribuídos
da seguinte forma:
Grupo A - piauienses com destaque na política nacional, como presidência do Conselho
de Ministros, conselheiros de Estado, ministros e senadores.
Grupo B - presidentes do Piauí de origem local.
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Grupo C - vice-presidentes, que exercem a presidência interinamente, quase todos de
origem piauiense, e com grande influência significativa no contexto político do
Segundo Reinado, no Piauí
Grupo D - presidentes da Assembléia Legislativa
Grupo E - deputados provinciais
3.1 Distribuição do poder em nichos familiares primeira abordagem refere-se aos componentes do Grupo A, que inclui piauienses
com projeção na política nacional. Já se visualiza neste grupo, composto por apenas
quatro representantes, a hegemonia dos núcleos familiares supra relacionados, com
predominância do núcleo um, com 40% e equidade entre os demais núcleos. No tocante aos
partidos políticos, os conservadores, reafirmando o perfil do reinado de D. Pedro II, despontam
com 60% e os liberais seguem com 40%. A formação predominante é o Direito, com 100%,
reforçando a idéia de utilização dessa educação para o sucesso na carreira política.
A O Grupo B apresenta apenas quatro presidentes de origem piauiense nomeados por
Ato Imperial para exercer o cargo no Piauí no Segundo Reinado. Neste Grupo, a ocupação do
executivo divide-se, de forma igualitária entre os Sousa Martins (clã um) e os Castello Branco
(clã dois). Entretanto, os liberais predominam, em face do reforço dos políticos liberais
advindos de outras famílias, com a ressalva de tais índices não refletem o panorama político
do Piauí no período em análise como um todo, pois a amostra de tão-somente quatro
representantes pode ser inexpressiva ante o universo da presente pesquisa. No que se refere
à formação/ocupação, a importância da formação jurídica está mais uma vez presente, pois
75% dos componentes são advogados.
O Grupo C congrega 25 vice-presidentes que ocupam a presidência interinamente,
alguns, por mais de uma vez. Decerto, é este o grupo de maior importância política e que
melhor retrata o grau de representatividade das famílias no poder local. Dos 25 vice-
presidentes, ou melhor, presidentes interinos, há três de origem comprovadamente não
piauiense e outros três, cuja naturalidade não conseguimos determinar. Quanto aos demais,
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todos piauienses, percebe-se um maior número de componentes no núcleo familiar 1, com oito
políticos ou 32%. O Núcleo 2 vem bem atrás, com quatro representantes ou 16%. Já a família
Cunha Lustosa, com um só representante, fica com 4%. As demais famílias dividem os 48%
restantes. No que concerne à distribuição entre os partidos, os conservadores, em geral,
pertencentes ao Núcleo 1, ficam com 72% e os liberais, 28%. A principal formação continua
sendo a jurídica com 36%, seguida da ocupação militar com 28%, e a medicina vem em
terceiro lugar (12%). O restante corresponde a fazendeiros, comerciantes, ao lado daqueles
sobre os quais não conseguimos esta informação.
Analisando o Grupo D verificamos que de 1840 a 1889, a Assembléia Legislativa do
Piauí, criada em 1835, passa por 25 legislaturas. Entre os que exercem a presidência do
legislativo provincial, verificamos a presença das famílias poderosas. O núcleo familiar 1
detém 36%, seguido do clã 2, com 20%. Os demais alcançam 44%. No que se refere à
formação/ocupação, novamente, a formação jurídica é a predileta (40%), seguida de medicina,
com 8%. Como esperado, a maioria dos representantes do clã 1 garante a maioria
conservadora.
O último agrupamento, composto pelos deputados provinciais é o que menos permite
uma interpretação conclusiva e segura, devido à falta de informações, sobretudo quanto à
formação e ocupação dos deputados, a partir de 1870. Embora o exercício de um mandato
legislativo não represente, isoladamente, a detenção de grande poder ou alto grau de
representatividade pública, a composição das legislaturas termina refletindo as lutas
partidárias, as quais traduzem os interesses dos núcleos familiares.
As 15 primeiras legislaturas que deram posse a 203 deputados, contando com os
reeleitos, reproduz o que verificamos nos grupos anteriormente analisados, sobretudo, no
tocante à ocupação dos cargos pelos grupos familiares. O núcleo 1 predomina com uma
média de ocupação das cadeiras na Assembléia provincial de 42%. O núcleo 2 possui, para o
mesmo período, uma média de 18% e terceiro mantém pequena participação (3%), enquanto
as demais famílias juntas ocupam cerca de 35% dos cargos. No entanto, no que se refere à
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formação verificamos que, diferentemente dos grupos já estudados, os militares ocupam o
maior número de cadeiras com uma média 40%, os bacharéis acostumados à liderança
permanecem com cerca de 18% dos cargos, os padres com 13% e os médicos com 6%. As
demais profissões e os deputados enquadrados na categoria sem informação para o item em
análise compõem o restante da amostra.
O último período compreende, exatamente, as duas últimas décadas do Segundo
Reinado, abarcando 10 mandatos e 243 deputados eleitos. Contudo, aqui, são apenas 149
políticos, já que a prática da reeleição é muito comum.
Computando as 10 legislaturas para o enquadramento dos dados familiares, verifica-se
que 24% das famílias estão vinculadas aos Sousa Martins e Coelho Rodrigues; 14%, aos
Castello Branco; 2%, aos Cunha Lustosa e os 60% restantes pertencem a outras famílias.
Embora o núcleo familiar 1 ainda prepondere, já começa a existir maior aproximação de
outras famílias, o que não significa perda de poder ou democratização na Assembléia, pois
os dois núcleos juntos representam 38% das cadeiras e, como entre os 60% restantes, há,
com certeza, partidários de um ou de outro grupo, a partilha deve ser bem maior.
3.2 A instituição imprensa na província do Piauí
ssim como na Corte, a imprensa no Piauí resulta da iniciativa governamental do
então presidente da Província, Manoel de Sousa Martins. Este faz uso da tipografia
trazida ao Piauí pelo Padre Antônio Fernandes da Silveira, que desistira de lançar
um periódico aqui, após eleito deputado provincial em sua terra natal, Sergipe. O Piauiense,
do ano de 1832, tem como redatores os Padres Amaro Gomes dos Santos e Antônio Pereira
Pinto do Lago e o caráter oficial impera em seu discurso, com a ressalva de que, na
atualidade, não é possível localizar nenhum dos seus exemplares em arquivos públicos.
AEm 1835, com a criação da Assembléia Legislativa Provincial, surge o Correio da
Assembléia Legislativa da Província do Piauí, também de cunho oficial. Em 1839, ainda sob
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o comando do Barão da Parnaíba, é a vez de O Telégrafo, em meio ao conflito da Balaiada,
que demarca, definitivamente, o espaço entre os Sousa Martins e os Castello Branco. É ele
um jornal ligado aos Sousa Martins, com o objetivo de trabalhar a opinião pública a favor do
futuro Visconde da Parnaíba, na questão do conflito entre balaios e governo. Impresso em
Oeiras, traz em sua epígrafe a mensagem: “Oução (sic) todos o mal, que a todos toca”,
segundo consulta aos próprios exemplares (versão em microfilme), dos anos de 1839 a
1840.
Posteriormente, com o fim do conflito e após a queda do Visconde, os Castello Branco
instituem a folha O Liberal Piauiense, redigido por Lívio Lopes Castello Branco. Como um
dos chefes do Partido Liberal e pertencente ao clã dos Castello Branco, adere aos balaios
visando à derrubada do poder dos Sousa Martins no Piauí. Este jornal apresenta um discurso
claramente elitista e discriminatório. Nele, notamos que a divergência entre os clãs tem sua
origem na dimensão das riquezas de cada família.
Para dialogar e combater o discurso liberal e castello-branquista, os conservadores
editam O Analytico e, logo a seguir, A Voz da Verdade, ambos mantendo o nível de diálogo
no patamar das questões político-familiares e pessoais. Os liberais contra-atacam com o
jornal oficial O Governista, de 1847 a 1848, cuja epígrafe, constante dos fascículos
consultados em microfilme, nesses dois anos, diz: “Não pôde o dispositivo acabrunhar, a
quem a liberdade defender, athé vê o seu partido triunfar.” Com o Partido Liberal fora do
poder, os liberais piauienses ficam, alguns meses, sem veículo de comunicação para
expressar suas opiniões, até a aquisição, por parte de Tibério César de Burlamaqui, de uma
tipografia “idosa”, segundo suas próprias palavras, e que viria a abrigar O Echo Liberal, um
jornal combativo, em cujas páginas, as “picuinhas” familiares e políticas dão lugar ao debate
amplo sobre a mudança da capital para a Vila Velha do Poty às margens do rio Parnaíba,
operada pelo Presidente José Antônio Saraiva, no momento, conservador.
A seguir, ainda em Oeiras, surge o periódico O Argos Piauiense, também liberal e que
tem como um dos redatores, Lívio Lopes Castello Branco. Nesse município, desde a
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publicação do primeiro jornal, computam-se, quatro impressos conservadores e,
coincidentemente, quatro liberais, excluindo o Escolástico, de cunho religioso, apesar de sua
inclinação aos conservadores; o Agoa Benta, também conservador; O Correio da Assembléia
Legislativa e folhas literárias. É provável que mais jornais políticos ou panfletos com
circulação esporádica tenham existido nesses anos.
Com a mudança da capital da Província, os conservadores saem na frente em termos
jornalísticos. Em 1853, publicam A Ordem, o primeiro jornal impresso de Teresina, editado
por Antônio da Costa Neves e redigido por José Marins Pereira de Alencastre, “homem de
confiança” do presidente Saraiva. Os liberais e novamente os Castello Branco, na figura de
Lívio, lançam O Conciliador Piauiense, um nome que remete à nova ordem política do País.
Nele, Deolindo Moura principia sua carreira jornalística. Nesse mesmo período,
conservadores no poder editam O Semanário, um jornal oficial e comercial, segunda consta
do seu subtítulo.
Os liberais lançam mais um jornal e Deolindo, ao lado de José Manoel de Freitas,
passa a comandar O Propagador. A dupla encontra-se, mais adiante, nas redações dos
jornais liberais Liga e Progresso e A Imprensa, onde David Moreira Caldas agrega-se ao
grupo de redatores. Todos, além de jornalistas, são políticos atuantes, exercendo funções
em cargos do Legislativo e Executivo, como é o caso de José Manoel de Freitas. Deolindo
preside a Assembléia Legislativa, por duas vezes, e David Caldas é eleito deputado, na
década de 1860. Os conservadores lançam paralelamente, O Conservador, que por sua vez,
busca combater os liberais, também denominados de urubus, na terceira década do
Segundo Reinado. David Caldas edita, em 1868, O Amigo do Povo e, no decênio seguinte,
Oitenta e Nove.
Registramos, pois, entre 1870 a 1880, o periódico liberal A Imprensa e por parte dos
conservadores, A Moderação (este tem duas fases: uma no início e outra no final da década
de 1870); O Piauhy, do conservador Coelho Rodrigues (o primeiro jornal com este nome; o
segundo sai, após a proclamação da Republica); A Opinião Conservadora, e em 1878, A
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Época, porta-voz dos interesses conservadores até o final do reinado de D. Pedro II. Ao lado
destes, marcam presença os periódicos de David Caldas antes descritos, incluindo O Ferro
em Braza.
Nos anos que seguem até a queda do Império, os jornais que mantêm suas edições e
conseguem certa visibilidade, são, pela ala dos liberais, A Imprensa, e no caso dos
conservadores, A Época. Neste último, aparecem como redatores Teodoro Alves Pacheco,
Raimundo Arêa Leão, Antônio Coelho Rodrigues e o polêmico Simplício Coelho de Resende.
No entanto, o Partido Liberal mantém outros veículos. O Telefone, de Antônio Joaquim Diniz,
e A Reforma (1887), de propriedade de Marianno Gil Castello Branco, o qual encampa a
campanha abolicionista tem como redatores, entre outros, Clodoaldo Freitas e Antônio
Rubim. Mais uma vez, vemos o núcleo familiar 2 em plena ação jornalística.
O interessante de A Reforma não é sequer o caráter abolicionista, nem suas longas
laudas de discurso positivista, mas a acolhida ao ultra-conservador Simplício Coelho de
Resende, que rompera com a facção de seu partido, por ele denominada de centrista, e
como decorrência, não conta mais com espaço no órgão do Partido Conservador, A Época.
Mas, ao que parece, a recepção e a cessão de espaço num jornal liberal a um conservador,
reconhecidamente agressivo, resultam dos laços de parentesco com um dos redatores:
Antônio Rubim é genro de Simplício, casado com sua a filha D. Maria Augusta. Após manter,
durante meses, a Página Conservadora, constante da primeira página do jornal liberal,
Simplício Resende decide, em 1889, na iminência de queda do Império, lançar A Phalange,
cujo discurso destina-se a combater os conservadores centristas, o jornal A Imprensa e os
liberais, embora, muitas laudas do jornal destinem-se ao elogio explícito ao proprietário do
jornal, ou seja, ao próprio Simplício.
Do período que se segue à mudança da capital até a queda do Império, a presente
pesquisa identifica oito jornais conservadores - A Ordem; O Semanário; O Conservador; A
Opinião Conservadora; A Moderação; O Piauhy; A Época e A Phalange -, afora títulos não
pesquisados, como A Pátria, O Expectador, O Cri-cri e O Semanário, década de 1880, não
incluindo panfletos. Ao lado destes, computa sete jornais liberais - O Arrebol; Liga e
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Progresso; O Propagador; O Conciliador Piauiense; A Imprensa; O Telefone e A Reforma,
além de outros, não pesquisados: O Abolicionista e O Latiquara. E mais os três jornais de
David Caldas, classificados, com base em seu discurso, como republicanos. Além de
comprovar o atrelamento das instituições à representatividade discursiva da imprensa, este
levantamento comprova a ligação das elites com a imprensa, além do fato de que elas a
subvencionam. No Piauí, por exemplo, o núcleo familiar 2 financia, durante todo o Segundo
Reinado, a imprensa liberal, reiterando esta afirmativa:
A iniciativa desta imprensa coube aos donos de terra e de escravos, aos
clérigos, médicos, advogados, comerciantes. Ou, para usar a expressão de
Habermas à ‘aristocracia do dinheiro’. Ela assegurava a base comercial da
imprensa, sem, no entanto, comercializá-la enquanto tal, garantindo a
liberdade característica da comunicação de pessoas privadas enquanto
público [...] Esta aristocracia sustentou a empresa jornalística, escreveu os
artigos ou pagou colaboradores que se encarregavam da redação [...]”
(Marrach, 1992, p. 29).
Muitos outros jornais circulam, no Piauí, ao longo do governo de D. Pedro II, como o
republicano O Ferro em Braza, de David Caldas, que visa, exclusivamente, combater a
política do Barão de Cotegipe. Os jornais literários são muitos: O Espectro (1849); O Recreio
Literário (1851); O Argonauta (1877); O Arbusto (1878); A Floresta (1882); A Sensitiva
(1883); Prometeu (1883); A Estafeta (1883); O Papyro (1874). Dentre os jornais católicos e
maçônicos, O Reator e A Cruz, lembrando que estes são apenas referenciados, porquanto
não fazem parte do corpus da pesquisa.
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4 Últimas Palavras período que compreende o Segundo Reinado configura-se como um diferencial
no processo histórico e sociopolítico brasileiro. Um governo monárquico
constitucional e parlamentar com tendências liberais, e uma sociedade agrária,
escravocrata e analfabeta compõem o pano de fundo das “comédias e tragédias” que se
produzem no País, desde 1840. São quase 50 anos, tempo suficiente para que o ciclo
imperial se complete, e assim se fez.
ONa província do Piauí, a ocupação de espaço no poder é disputada entre os grupos
familiares mais abastados. De um lado, uma elite agrária de proprietários e criadores de gado.
De outro, uma aparente elite burocrática, mas também latifundiária, que se engaja no aparelho
do Estado desde a independência, e que vive por mais de 30 anos à sombra de seu ilustre
representante, o Visconde da Parnaíba. O discurso dos jornais desse período caracterizam
bem a realidade comprovada pela ocupação de cargos públicos nos Poderes Legislativo e
Executivo, dos quais os Castello Branco e os Sousa Martins detêm a maior fatia.
Nessa conjuntura, verifica-se que a organização social do Brasil no Segundo Reinado
pauta-se pelo domínio de poucos grupos econômicos. De um lado, os grandes latifundiários,
cafeicultores e agropecuaristas. De outro, a elite burocrática, dependente do Estado. Mas há
uma terceira classe em formação, os profissionais liberais e intelectuais, que se aglomeram
nos grandes centros, além do povo, que não existe enquanto voto ou mesmo, enquanto voz.
Considerando as palavras de Muniz Sodré (1996, p.74), para quem o poder “[...] está onde
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uma coisa é afirmada como positiva em oposição a outra, negada. Em seu nexo profundo, o
poder é organização e gestão dos pontos de contrato entre o previsível e o imprevisível, o
pleno e o vazio, o símbolo e o polimorfismo existência [...]” , sustenta-se que o poder político
no Segundo Reinado divide-se entre dois partidos, conforme discussão anterior: o Partido
Conservador, formado por representantes da elite burocrática e proprietários e o Partido
Liberal, composto por donos da terra e profissionais liberais.
No Piauí, como discutido, proprietários e burocratas também competem pelo poder.
Organizam-se em partidos, os quais, desde a terceira década do Segundo Império, começam
a se mesclar, pois o que determina a participação do indivíduo neste ou naquele grupo político
é muito mais a origem familiar do que a sua ocupação, haja vista que a origem, quase sempre,
interfere na última e, por conseqüência, na vinculação partidária.
A imprensa é assim, no Piauí do século XIX, uma instituição dependente da esfera
política e do poder, tanto no que se refere à esfera econômica, como quanto aos profissionais
que nela atuam.
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5 Bibliografia Consultada
CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas. Rio de Janeiro: CIA das Letras, 1996.
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas e Hygino Cunha eas tiranias do tempo. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994.
RÊGO, Ana Regina Barros Rego Leal. Imprensa Piauiense- atuação política no século XIX. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001.
RIBEIRO, Lavina Madeira. Contribuições ao estudo institucional da comunicação.
Teresina: Ed. UFPI, 1996.
SODRÉ, Muniz. Reinventando @ cultura. Petrópolis: Vozes, 1996.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1983.
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