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(IN) SEGURANÇA E (RESTRIÇÃO DOS) DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
DISCIPLINA MILITAR
MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAÇO
Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, para a obtenção do
grau de Mestre em Direito e Segurança.
LISBOA
Março de 2010
2
3
(IN) SEGURANÇA E (RESTRIÇÃO DOS) DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
DISCIPLINA MILITAR
MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAÇO
ORIENTAÇÃO: PROFESSOR DOUTOR JORGE BACELAR GOUVEIA
Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, para a obtenção do
grau de Mestre em Direito e Segurança.
LISBOA
Março de 2010
4
À minha mãe Lurdes e ao meu marido Nuno.
Eles sabem porquê...
5
Ao Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, agradeço-lhe
a permanente disponibilidade para a orientação da
presente dissertação e o exemplo, de dedicação ao
trabalho, a seguir.
6
Assim sendo, um comandante hábil procura a vitória através das
situações e não a exige dos seus subordinados. Escolhe os homens
adequados e explora as situações. Aquele que tira partido das situações
usa os seus homens em combate como quem faz rolar toros e pedras.
Pela sua própria natureza, os toros e as pedras permanecem imóveis
num terreno plano, mas tendem a rolar numa encosta. Se quadrados,
param; se redondos, rolam. Quem sabe utilizar tropas em combate
incute-lhes uma força comparável à de pedras redondas lançadas de
uma alta montanha. É esta a força do Exército.
SUN TZU, A Arte da Guerra
7
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO.................................................................................................... 9 CAPÍTULO I - AS FORÇAS ARMADAS VOLUNTÁRIAS NO ESTADO
CONSTITUCIONAL ....................................................................................... 13 1.1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
PORTUGUESAS ............................................................................................. 13 1.2. O SERVIÇO MILITAR VOLUNTÁRIO ........................................................ 14 CAPÍTULO II - A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
MILITARES ..................................................................................................... 18 2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL ............................................ 18 2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O
ESTATUTO SOCIAL MÍNIMO ..................................................................... 19
2.3. A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES .... 20 2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIÇÃO ........................................................ 23 2.5. O APARTIDARISMO E A ISENÇÃO POLÍTICA EM ESPECIAL .............. 27
2.6. AS MANIFESTAÇÕES MILITARES: RESTROSPECTIVA HISTÓRICA .. 30
2.6.1. ANO DE 2005 ................................................................................................ 31
2.6.2. ANO DE 2006 ................................................................................................ 33
2.6.3. ANO DE 2007 ................................................................................................ 34
2.6.4. ANO DE 2008 ................................................................................................ 35
2.6.5. ANO DE 2009 ................................................................................................ 43
CAPÍTULO III - A DISCIPLINAR MILITAR....................................................... 46 3.1. O REGIME DISCIPLINAR E OS DEVERES MILITARES ESPECIAIS ..... 46
3.2. O PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR ...................................................... 48
3.2.1 A CELERIDADE, SIMPLICIDADE E NATUREZA SECRETA DO
PROCESSO ..................................................................................................... 49
3.2.2. DA NOTÍCIA DA INFRACÇÃO AO EXERCÍCIO DA ACÇÃO
DISCIPLINAR ................................................................................................. 51
3.2.3. A INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO
DISCIPLINAR ................................................................................................. 56
3.2.4. A NOMEAÇÃO DO OFICIAL INSTRUTOR E A INSTRUÇÃO DO
PROCESSO DISCIPLINAR .......................................................................... 57
3.2.5. O DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO ................................................ 64
3.2.6. O RELATÓRIO DO OFICIAL INSTRUTOR .......................................... 70
3.2.7. A DECISÃO: A APLICAÇÃO CONCRETA DA PENA DISCIPLINAR75
8
3.2.8. A NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO FINAL ................................................ 83
3.2.9. OS EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES E O SEU
CUMPRIMENTO ........................................................................................... 84
3.2.10. OS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO .............................................................. 87
3.2.11. A TUTELA CAUTELAR DE DIREITOS ............................................... 91
3.2.12. A EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR ................ 95
CAPÍTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................ 97 CAPÍTULO V – PRINCIPAIS FONTES ............................................................. 113
FONTES BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 113 MONOGRAFIAS .................................................................................................. 113 ARTIGOS DE PUBLICAÇÃO EM SÉRIE .......................................................... 116 DOCUMENTOS LEGISLATIVOS E OFICIAIS................................................. 118
INTERNACIONAIS / EUROPEUS .................................................................... 118
ESPANHÓIS ......................................................................................................... 119
NACIONAIS ......................................................................................................... 119
PARECERES E ACÓRDÃOS ............................................................................ 123
FONTES NA INTERNET ..................................................................................... 123
9
APRESENTAÇÃO
A vida em sociedade pressupõe uma ordem. A sociedade exige de cada um dos
seus membros o reconhecimento de que as condutas individuais devem obedecer a um
conjunto de normas exteriores ao indivíduo, isto é, independentes da sua vontade, que
defendem e garantem a ordem social, preservando a sobrevivência do grupo. Cada
pessoa é, assim, persuadida a pautar o seu comportamento pelas normas de conduta
social vigentes, que concretizam e reflectem os valores aceites pelo grupo.
Os valores, enquanto concepções gerais do bem, legitimam as normas e mantêm
a coesão porquanto são socialmente aceites e compartilhados por todos os membros do
grupo (identidade).
Neste sentido, as normas, expressão dos valores aceites, integram padrões de
comportamento (ou modelos) a seguir por cada um dos membros do grupo, que obstam
ou anulam ao desenvolvimento de qualquer desvio comportamental (mecanismos de
controlo social).
O constrangimento social tem, deste modo, um papel preponderante na
organização da vida social. O grupo exerce em cada indivíduo uma influência passível
de o submeter às normas sociais, impedindo-o de actuar contra a conduta e a identidade
comum reconhecida no grupo. Para vencer a resistência relativamente à adesão aos
padrões de conduta impostos, a sociedade recorre a medidas que vão desde o conselho,
a sugestão e a persuasão até à coacção. Nas sociedades civilizadas, os meios utilizados
são, geralmente, as sanções legais. A escola, a família, os meios de comunicação social,
a justiça, as forças policiais e outras instituições do Estado cooperam na obra
orientadora, educativa e repressora do controlo social.
Neste contexto se insere o conceito de disciplina, consubstanciada no conjunto
dos deveres, leis e demais preceitos, de natureza legal (as normas jurídicas1), ou não
1 A norma jurídica patenteia a característica da coercibilidade, tendo, na sua essência, o objectivo
da realização de três dimensões fundamentais, traduzidas nos conhecidos brocardos latinos honeste vivere
(não abusar dos seus direitos), alterum non laedere (não prejudicar ninguém) e suum quique tribuere (dar
ou entregar a cada um o que é seu).
10
(vejam-se, por exemplo, as normas sociais nascidas de valores éticos, morais, religiosos,
económicos e políticos), que regem a sociedade civil.
Mas é no âmbito militar que o conceito de disciplina apresenta contornos mais
definidos. Aqui emerge todo um conjunto de imperativos e regras de conduta
particulares aos quais se submetem todos os militares, com absoluto e necessário rigor.
Dadas as exigências específicas em matéria de disciplina, as Forças Armadas regem-se
pela aplicação de um regime disciplinar próprio, plasmado no Regulamento de
Disciplina Militar (RDM), decorrente do qual se espera que o militar cumpra,
cabalmente, o leque dos deveres especiais ali previsto, imposto, assim, pela respectiva
condição militar.
A disciplina militar é, assim, seguramente, aquela onde a ordem é mais notória.
Os militares obedecem criteriosamente a um conjunto de regras que concretizam e
reflectem valores, tais como a honra e o amor à Pátria, aceites e compartilhados por
todos. Estes valores comuns dão, inclusive, origem a sentimentos de solidariedade (a
camaradagem e o espírito de corpo) e de unidade (a coesão) entre os militares.
Porém, as normas regulamentares que regem as Forças Armadas não se devem
cristalizar. Com efeito, as Forças Armadas sofrem, inevitavelmente, no seu seio, a
influência social da própria sociedade em que incontornavelmente se inserem,
destacando-se, desde logo, a recentemente concretizada profissionalização das Forças
Armadas Portuguesas.
É neste âmbito que, atentas as tomadas de posição públicas e as intervenções
militares a que temos assistido, sobretudo nos últimos anos, directamente relacionadas
com a questão da restrição dos direitos fundamentais dos militares em efectividade de
serviço constitucionalmente consagrada, me propus abordar a face mais esquecida –
mas a mais controvertida, do problema: a forma como a Instituição Militar reforçou, de
há cerca de trinta anos a esta parte, a disciplina militar, anulando, de forma rigorosa e
eficaz, através de um diploma manifestamente obsoleto, qualquer desvio de
comportamento2. Revelou-se-me, efectivamente, pertinente que, tendo como pano de
fundo a (in)segurança e a (restrição) dos direitos fundamentais do militares, procedesse
ao concreto relacionamento da teoria com as necessárias observações empíricas,
questionando, assim, a espiral consubstanciada no solitário e pouco garantístico
procedimento disciplinar militar, ainda que pontualmente sanado pelas declarações de
2 O RDM anterior foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril.
11
inconstitucionalidade de alguns preceitos normativos. E porque a aguardada reforma da
disciplina militar veio espelhar-se num diploma publicado recentemente, não se
olvidaram as inevitavelmente emergentes críticas que o mesmo já nos merece3.
Salientando a escassez da doutrina portuguesa nesta matéria, dedico o Capítulo I
ao que considerei constituírem os alicerces fundamentais do presente estudo,
reconhecendo a integração das Forças Armadas Portuguesas no Estado Constitucional e
o actual modelo de serviço militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado.
No Capítulo II, dirigido à restrição dos direitos fundamentais dos militares,
abordo a questão da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais e o respectivo
núcleo duro. Dada a sua habitual recondução a verdadeiro fundamento de restrição,
sublinho a relevante restrição consubstanciada nas garantias mínimas do apartidarismo e
da isenção política, exigidos aos nossos militares. Ainda neste Capítulo, atenta a
actualidade, bem como a sua pertinência para o presente estudo, foco a questão das
manifestações militares, reflexo do mal-estar incontido existente no seio das Forças
Armadas e da incontornável necessidade de evolução das normas regulamentares, de
acordo com a própria evolução social.
No Capítulo III, analiso o regime disciplinar especial consagrado no RDM
vigente durante trinta anos nas Unidades, Estabelecimentos e Órgãos Militares (U/E/O),
apreciando criticamente as diferentes soluções legais então adoptadas e relacionando-as
com as presentemente acolhidas no diploma que regula a actual disciplina militar.
No Capítulo IV, exponho os resultados controvertidos deste estudo, concluindo,
por último, com o Capítulo V, que dedico às principais fontes bibliográficas e da
Internet, ferramentas de valor inestimável à presente investigação.
Admitindo embora que a condição militar, com a qual orgulhosamente convivi
durante cinco anos, me permitiu o manuseamento quase diário do RDM, salvaguardo,
porém, a independência técnica desta dissertação, não consubstanciando, por isso, a
mesma, doutrina de qualquer ramo das Forças Armadas.
Assim e sem pretender vestir outra pele que não a de simples jurista, proponho
levar a cabo a demonstração da inadequação das normas integrantes do procedimento
disciplinar militar, sugerindo a premente consagração legal de soluções ajuizadas como
as mais consentâneas, sem que, naturalmente, tal importe qualquer sacrifício das
3 A Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho, aprova o novo RDM, revogando o anterior, sem
prejuízo da aplicação das normas mais favoráveis aos processos em curso (cfr. os nºs 2 do Artigo 2º e 3º,
ambos da referida Lei Orgânica).
12
intemporais exigências de coesão, eficiência e, bem assim, disciplina das Forças
Armadas.
Movida, pois, pelo ideal da JUSTIÇA e, bem assim, pelo indisfarçado ânimo de
promover uma maior discussão numa matéria tão sensível para a Segurança da nossa
Pátria, ouso enunciar soluções (mais) ajustadas ao Direito e à realidade do actual
modelo de prestação de serviço militar, apresentando aqui, sem coincidências, na
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, o contributo de uma jurista
despida do seu uniforme.
13
CAPÍTULO I - AS FORÇAS ARMADAS VOLUNTÁRIAS
NO ESTADO CONSTITUCIONAL
1.1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FORÇAS
ARMADAS PORTUGUESAS
Na sequência da revisão constitucional de 1982, ocorreram modificações de
fundo no ordenamento jurídico-político português, como a eliminação do Conselho da
Revolução, a transferência para a Assembleia da República das competências
legislativas que pertenciam ao Conselho da Revolução4, a extinção do Movimento das
Forças Armadas (MFA) e da sua aliança com o povo, a subordinação das Forças
Armadas ao poder político, a institucionalização do Conselho Superior de Defesa
Nacional (CSDN)5 e a nomeação dos Chefes de Estado-Maior (CEM) pelo Presidente
da República, sob proposta do Governo6.
Aquando da vigência do texto constitucional de 1976, o Presidente da República
era militar, ocupava o cargo de Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas
(CEMGFA) e presidia ao Conselho da Revolução, constituído exclusivamente por
militares. O Conselho de Chefes de Estado-Maior exercia funções governamentais, o
CEMGFA tinha a categoria de primeiro-ministro e os CEM dos três ramos das Forças
Armadas tinham a categoria e a competência de ministros. O próprio Ministro da Defesa
Nacional limitava-se a ser um mero elo de ligação entre o Governo e as Forças
Armadas. Estas tinham independência funcional, constituindo um poder autónomo
4 Vide v.g, a al. d) do Artigo 164º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Constitui,
assim, reserva absoluta da Assembleia da República legislar “sobre a organização da defesa nacional,
definição dos deveres dela decorrentes e bases gerias da organização, do funcionamento, do
reequipamento e da disciplina das Forças Armadas”.
5 O CSDN é presidido pelo Presidente da República, sendo o órgão específico de consulta para
os assuntos relativos à defesa nacional e à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas.
A sua composição é determinada por lei, a qual inclui membros eleitos pela Assembleia da República
(Vide o n.º 1 do Artigo 274º da CRP e as alterações à composição, competências e funcionamento do
CSDN introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2007, de 16 de Abril).
6 Vide a al. p) do Artigo 133º da CRP. Vide, ainda, o Artigo 182º da CRP, relativo à concepção
do Governo como o “órgão de condução da política geral do país”, na qual se inclui a política de defesa
nacional.
14
dentro do próprio Estado. A CRP reconhecia, efectivamente, um poder político-militar
ou estatuto político-constitucional próprio às Forças Armadas. Estas detinham um poder
de garantia (institucional) do (permanente) equilíbrio político do sistema constitucional,
direccionando-se igualmente para a (função de) dinamização política em situações
(excepcionais) de crise do sistema político7.
A actual integração das Forças Armadas no Estado Democrático-Constitucional8
reconhece a instituição militar como um instrumento fundamental do Estado
Democrático e revela, concomitantemente, a exigibilidade da adaptação, tanto da sua
estrutura orgânica, como do modo do seu funcionamento, aos princípios fundamentais
constitucionais.
1.2. O SERVIÇO MILITAR VOLUNTÁRIO
A jusante das alterações resultantes da quarta revisão constitucional, ocorrida em
1997, a nova Lei do Serviço Militar (LSM), aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de
Setembro9, veio estabelecer a transição do anterior sistema de conscrição dos cidadãos à
prestação de serviço militar10
para um novo regime de prestação de serviço militar
assente, em tempo de paz, no voluntariado.
7 Antes da constitucionalização das Forças Armadas, estas eram alheias às restantes instituições e
tradicionalmente tidas como forças supraconstitucionais, a-constitucionais ou infra-constitucionais.Vide,
neste sentido, LUCAS PIRES, Francisco, As Forças Armadas e a Constituição, in Estudos sobre a
Constituição, 1º Vol., Livraria Petrony, Lisboa, 1977, pág. 321 ss.
8 Vide, ainda, neste âmbito, a al. o) do Artigo 164º da CRP, que consagra a competência
exclusiva da Assembleia da República para legislar sobre as restrições ao exercício de direitos por
militares dos quadros permanentes em serviço efectivo; a al. d) do Artigo 199º, que atribui ao Governo a
competência para, no exercício de funções administrativas, dirigir os serviços e a actividade da
administração directa do Estado, civil e militar; o Artigo 273º da CRP, que impõe ao Estado a obrigação
de assegurar a defesa nacional, com vista a garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições
democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a
liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas; e, finalmente, o
Artigo 275º da CRP, que consagra o princípio da obediência das Forças Armadas aos órgãos de soberania
competentes, nos termos da Constituição e da Lei (n.º 3), definindo expressamente as missões que lhe são
atribuídas, designadamente de defesa militar da República (n.º 1) e de colaboração em acções de
cooperação técnico-militar, no âmbito da política nacional de cooperação (n.º 6).
9 Este diploma legal sofreu as alterações ditadas pela Lei Orgânica n.º 1/2008, de 6 de Maio, no
tocante ao novo modelo de recenseamento militar e à cominação estabelecida para o não cumprimento do
dever de comparência ao Dia da Defesa Nacional.
10
O sistema de conscrição dos cidadãos à prestação de serviço militar era imposto pela Lei n.º
30/87, de 7 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/88, de 5 de Agosto e n.º 22/91, de 19
15
Pressuposta a intenção da profissionalização dos recursos humanos militares da
Defesa Nacional e uma estratégia de recrutamento contínuo de voluntários, a LSM
consagrou as formas de prestação de serviço efectivo nos regimes de contrato e de
voluntariado11
, quadro legal cuja filosofia subjacente veio a imbuir-se no (novo)
Regulamento da Lei do Serviço Militar (RLSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
289/2000, de 14 de Novembro12
, bem como no aditamento e na revisão parcial do
Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR)13
.
O recrutamento militar actual, enquanto conjunto de operações necessárias à
obtenção dos meios humanos para o ingresso nas Forças Armadas, baseia-se, assim, no
designado recrutamento normal, com a finalidade da admissão de cidadãos que se
proponham prestar voluntariamente serviço militar efectivo nos referidos regimes de
contrato e de voluntariado nas Forças Armadas14
, compreendendo, ainda, a modalidade
do recrutamento especial para a prestação de serviço efectivo voluntário nos quadros
de Junho e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 463/88, de 15 de Dezembro, com as alterações dadas pelo
Decreto-Lei n.º 143/92, de 20 de Julho.
11
Vide, respectivamente, as al. b) e c) do n.º 2 do Artigo 3º da LSM.
12
Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 52/2009, de 2 de Março.
13
Vide as al. b) e c) do Artigo 3º e o Livro III, Dos regimes de contrato e de voluntariado, do
EMFAR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei
n.º 25/2000, de 23 de Agosto e pelos Decretos-Lei n.º 197-A/2003, de 30 de Agosto, n.º 70/2005, de 17
de Março, n.º 166/2005, de 23 de Setembro, n.º 310/2007, de 11 de Setembro e n.º 59/2009, de 4 de
Março. O novo sistema de prestação de serviço militar introduzido no ordenamento jurídico português
assenta na adesão voluntária a um vínculo temporário com as Forças Armadas por um período mínimo de
dois anos e um período máximo de seis anos no regime de contrato e a duração de doze meses no regime
de voluntariado, período a partir do qual o militar neste regime pode ingressar no regime de contrato,
requerendo a sua permanência no serviço efectivo (Vide, respectivamente, o n.º 1 do Artigo 28º da LSM,
o n.º 3 do Artigo 45º do RLSM, o n.º 1 do Artigo 5º do EMFAR e os Artigos 31º e 32º da LSM, o Artigo
50º do RLSM e o n.º 2 do Artigo 5º do EMFAR). Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 169/2006,
de 17 de Agosto, a renovação contratual em regime de contrato passou a carecer de autorização prévia
dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, da Administração Pública e da Defesa
Nacional. Assim, “incumbe ao Chefe do Estado-Maior do respectivo ramo das Forças Armadas
apresentar, semestralmente, o número total de efectivos que se encontra a prestar serviço em regime de
contrato, acrescido do número de renovações susceptível de ocorrer nesse período” (Vide os nºs 2 e 3 do
Artigo 6º deste diploma legal). No sentido de acautelar o processo de consolidação e de sustentabilidade
da profissionalização das Forças Armadas, enquanto decorrem os trabalhos de reestruturação das carreiras
dos militares das Forças Armadas e observados os critérios de racionalidade e economia, o Decreto
Regulamentar n.º 12/2009, de 17 de Julho, veio fixar novos quantitativos máximos de militares na
efectividade de serviço nos regimes de voluntariado e de contrato, em 2009 e 2010, na Marinha, no
Exército e na Força Aérea.
14
Vide o Artigo 13º da LSM e o n.º 1 do Artigo 32º do RLSM. Vide, ainda, os modelos de
contrato para a prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado constantes da
Portaria n.º 418/2002, de 19 de Abril, do Ministro da Defesa Nacional.
16
permanentes15
e prevenindo o estabelecimento do recrutamento excepcional para a
prestação de serviço efectivo decorrente da convocação ou mobilização16
.
Uma vez firmado o vínculo com as Forças Armadas, enquadram-se estes
cidadãos, militares nos regimes de voluntariado, de contrato e dos quadros permanentes,
no conceito de trabalhadores da Administração Pública, conforme decorre do Artigo
270º da CRP e do n.º 1 do Artigo 35º da Lei da Defesa Nacional e da Forças Armadas
(LDNFA)17
, integrando o vínculo jurídico inerente à prestação de serviço militar todas
as características essenciais à relação jurídica de emprego público – a sujeição ao
regime de Direito Público, a prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação
15
O serviço efectivo nos quadros permanentes compreende a prestação de serviço pelos cidadãos
que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, estabelecem um vínculo definitivo com as
Forças Armadas (Vide o Artigo 4º do EMFAR). A título exemplificativo, o actual ingresso na categoria de
Oficial dos quadros permanentes do Exército depende da obtenção, com aproveitamento, do grau de
Mestre na Academia Militar (AM), devendo os candidatos à categoria de Sargento dos quadros
permanentes do mesmo ramo das Forças Armadas frequentar o respectivo Curso de Formação de
Sargentos, com a duração de dois anos, o primeiro dos quais, dedicado à formação comum de todas as
armas e serviços, tem lugar na Escola de Sargentos do Exército (ESE). Com o ingresso nos quadros
permanentes, o militar presta juramento de fidelidade em cerimónia própria, em obediência à seguinte
fórmula: “Juro, por minha honra, como português e como Oficial/Sargento/Praça da(o)
Armada/Exército/Força Aérea, guardar e fazer guardar a Constituição da República, cumprir as ordens e
deveres militares, de acordo com as leis e regulamentos, contribuir com todas as minhas capacidades para
o prestígio das Forças Armadas e servir a minha Pátria em todas as circunstâncias e sem limitações,
mesmo com o sacrifício da própria vida”. Ao Oficial é entregue a Carta Patente, documento
tradicionalmente adoptado como forma de encarte dos Oficiais dos quadros permanentes das Forças
Armadas, regulado no Decreto-Lei n.º 194/82, de 21 de Maio.
16
Vide o Artigo 7º da LSM.
17
A LDNFA foi aprovada pela Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro e alterada pelas Leis n.º 41/83,
de 21 de Dezembro, n.º 111/91, de 29 de Agosto, n.º 113/91, de 29 de Agosto e n.º 18/95, de 13 de Julho,
bem como pelas Leis Orgânicas n.º 3/99, de 18 de Setembro, n.º 4/2001, de 30 de Agosto e n.º 2/2007, de
16 de Abril.
17
jurídica18
, sem prejuízo das especificidades inerentes à relação de serviço militar,
incontornavelmente marcada (pelo menos) desde o dia do Juramento de Bandeira19
.
18
Sem prejuízo de os actuais regimes de carreiras, vínculos e remunerações do trabalhadores que
exercem funções públicas, aprovados pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, estabelecer no seu
Artigo 91º a correspondente conversão dos contratos administrativos de provimento dos trabalhadores
abrangidos pelo âmbito de aplicação subjectivo do diploma, do qual se exclui os militares das Forças
Armadas, cujos regimes constam de leis especiais, o n.º 1 do Artigo 45º do RLSM prevê expressamente
que, “para todo os efeitos legais, o regime de contrato é equivalente ao contrato administrativo de
provimento e o militar contratado equiparado a agente administrativo”, estabelecendo o n.º 2 do Artigo
50º do RLSM a aplicabilidade, com as necessárias adaptações, das “disposições do presente Regulamento
que regulam o RC ao RV”. Vide, por último, o Parecer n.º 83/2007, de 22 de Julho de 2008, da
Procuradoria-Geral da República, relativamente à inclusão dos militares dos quadros permanentes das
Forças Armadas “no conceito de emprego público”, a propósito dos fundamentos invocados no sentido da
aplicabilidade do estatuto do trabalhador estudante a estes militares, parecer que foi homologado por
despacho do Ministro da Defesa Nacional, em 11 de Julho de 2008 e publicado no Diário da República,
n.º 146, 2ª Série, de 30 de Julho.
19
O Artigo 7º do EMFAR consagra a fórmula empregue nas cerimónias onde cada militar
profere, com o braço direito erguido em direcção à Bandeira nacional, o necessário juramento: “Juro,
como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as
Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar
pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida”.
18
CAPÍTULO II - A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL
Os direitos fundamentais consubstanciam as posições jurídicas dos cidadãos,
individual ou institucionalmente considerados, assentes na Constituição formal (direitos
fundamentais em sentido formal) e na Constituição material (direitos fundamentais em
sentido material).
Os direitos fundamentais, ou os direitos fundamentais em sentido material,
decorrem dos princípios da Constituição material, cujo sentido e alcance efectivo se
encontra sujeito a variações.
Assim, para além dos princípios comuns a todos os direitos (princípios da
universalidade e da igualdade)20
, existem princípios comuns com variações, como o
princípio da protecção da confiança21
, o princípio da proporcionalidade22
, o princípio
da eficácia jurídica dos direitos fundamentais23
, que abordaremos infra, o princípio da
tutela jurídica24
e o princípio da responsabilidade civil das entidades públicas e dos
seus titulares em caso de violação de direitos25
.26
Face à Constituição de 1976, o sentido e o conteúdo efectivo dos direitos
fundamentais corresponderão necessariamente aos valores e princípios consignados nos
20
Vide os Artigos 12º e 13º da CRP.
21
Vide o n.º 2 do Artigo 266º da CRP.
22
Vide o n.º 2 do Artigo 18º da CRP.
23
Vide o n.º 1 do Artigo 18º da CRP.
24
Vide o Artigo 20º da CRP, o n.º 2 do Artigo 202º, os nºs 4 e 5 do Artigo 268º, o Artigo 23º e o
n.º 1 do Artigo 52º, todos da CRP.
25
Vide o Artigo 22º e o n.º 1 do Artigo 269º, ambos da CRP.
26
Vide, neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Direitos
Fundamentais, Tomo IV, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 152-153.
19
Artigos 1º e 2º da Lei Fundamental, nomeadamente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana e o pelo Estado de Direito democrático.
2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E O ESTATUTO SOCIAL MÍNIMO
No sentido da determinação do âmbito e alcance da eficácia dos direitos
fundamentais27
, tem-se revelado pacífica a teoria da eficácia directa no Direito Público,
inequivocamente reforçada pelo disposto no n.º 1 do Artigo 18º da CRP: “Os preceitos
constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente
aplicáveis e vinculam as entidades públicas (e privadas)” – parênteses nosso. Os direitos
fundamentais visam, pois, em primeira linha, a protecção dos sujeitos jurídicos contra
os poderes estaduais, cuja posição privilegiada facilmente atentaria contra o designado
conteúdo mínimo essencial ou núcleo duro, irredutível, desses mesmos direitos.
As dúvidas foram colocadas pela Doutrina inicialmente na Alemanha e, na sua
esteira, pela Jurisprudência, apenas no que diz respeito à vinculação das entidades
privadas, ou seja, no âmbito do Direito Privado. Em Portugal, as teses que defendem a
eficácia directa e imediata dos direitos fundamentais nas relações entre privados são
sustentadas designadamente por J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA28
,
JOSÉ JOÃO ABRANTES29
, ANA PRATA30
e JORGE BACELAR GOUVEIA. Já a
posição de CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO31
se traduz na defesa da teoria da
27
Os Princípios Fundamentais encontram-se plasmados na CRP (Artigos 1º a 11º), onde estão
também garantidos os Direitos e Deveres Fundamentais dos cidadãos: Princípios Gerais – Artigos 12º a
23º, Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais – Artigos 24º a 47º, Direitos, Liberdades e Garantias de
Participação Política – Artigos 48º a 52º, Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores – Artigos
53º a 57º, Direitos e Deveres Económicos – Artigos 58º a 62º, Sociais – Artigos 63º a 72º e Culturais –
Artigos 73º a 79º.
28
Cfr., Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág.
147.
29
Cfr., A Vinculação das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, AAFDL, Lisboa,
1990, pág. 94 e Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, págs. 223 ss, do
mesmo autor.
30
Cfr., A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 137.
31
Cfr., Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 73 ss.
20
eficácia indirecta ou mediata dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas,
em que a aplicação das normas constitucionais se faz com referência a instrumentos e
regras próprias do direito civil32
. Sem prejuízo de parte da Doutrina apontar no sentido
da ausência prática de diferenças do confronto entre estas teorias, adoptar uma ou outra
não será, porém, indiferente, uma vez que só a eficácia directa dos direitos fundamentais
nas relações privadas dá a garantia plena de defesa da intangibilidade do conteúdo
mínimo essencial dos mesmos33
. Podemos, por último, ainda afirmar que a previsão
expressa da natureza directa da vinculação das entidades particulares aos direitos,
liberdades e garantias no preceito constitucional supra transcrito sempre tornará esta
teoria incontornável.
Os direitos fundamentais, traduzidos em normas e princípios objectivos34
,
impõem-se, pois, a toda a Ordem Jurídica, pública e privada, obrigando, assim, o Estado
e a sociedade civil.
2.3. A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
MILITARES
Na salvaguarda do estatuto social mínimo definido pela CRP, cujo respeito é,
como vimos, imposto às entidades públicas e privadas, a Lei Fundamental estabelece,
no n.º 2 do seu Artigo 18º, que a lei ordinária só pode restringir os direitos, as liberdades
e as garantias nos casos expressamente previstos35
, devendo as restrições limitar-se ao
32
A eficácia indirecta da aplicação dos preceitos constitucionais às relações jurídico-privadas é
referida na Doutrina alemã como eficácia reflexa ou eficácia em relação a terceiros.
33
Neste sentido, Vide, JOÃO ABRANTES, José, Contrato de Trabalho e Direitos
Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 a 229.
34
Note-se, pois, que os direitos fundamentais eram inicialmente apenas tidos como direitos
subjectivos de defesa perante os poderes do Estado.
35
Em consonância com o princípio da autorização constitucional expressa. Nas palavras de
GOMES CANOTILHO, J.J, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2009, pág. 424, “Esta individualização expressa tem como objectivo obrigar o legislador a
procurar sempre nas normas constitucionais o fundamento concreto para o exercício da sua competência
de restrição de direitos, liberdades e garantias, e criar segurança jurídica nos cidadãos, que poderão contar
com a inexistência de medidas restritivas de direitos fora dos casos expressamente considerados pelas
normas constitucionais como sujeitos a reserva de lei restritiva”.
21
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos. Às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fica, além disso, vedada
a possibilidade da diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial dos
preceitos constitucionais36
.
Ora a CRP consagra expressa e taxativamente as situações de restrição
admitidas ao exercício de direitos pelos militares integrantes das fileiras das Forças
Armadas, a quem incumbe a defesa (militar) da República (contra o exterior) e é
imposto o dever de obediência aos órgãos de soberania competentes, nos termos da
Constituição e da Lei 37
. Prevê, pois, o Artigo 270º da CRP, a possibilidade de a Lei
estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções,
restrições ao exercício de direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e
petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva por militares (e agentes
militarizados) dos quadros permanentes em serviço efectivo38
.
Assim, as restrições constitucionalmente consagradas aparecem estabelecidas e
desenvolvidas nos Artigos 31º a 31º-F da LDNFA. Com efeito, dispõe o n.º 1 do Artigo
31º desta Lei que “Os militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes e
em regime de voluntariado e de contrato gozam dos direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente estabelecidos, mas o exercício dos direitos de expressão, reunião,
manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva ficam
36
Cfr., o n.º 3 do Artigo 18º da CRP. O princípio da protecção do núcleo essencial traduz uma
preocupação eminentemente material, que procura evitar o esvaziamento do conteúdo dos direitos
fundamentais restringidos. A restrição de direitos é pautada, ademais, por outros princípios fundamentais,
tais como o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade. Vide, neste sentido,
BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulação e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II
Suplemento do Dicionário Jurídico da Administração Pública, Lisboa, 2001, pág. 458 ss. Relativamente
à regulação e aos limites dos direitos fundamentais, Vide, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulação e
Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionário Jurídico da
Administração Pública, Lisboa, 2001, pág. 450 ss. Ainda sobre os limites dos direitos fundamentais, Vide,
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,
Almedina, Coimbra, 2007, pág. 212 ss.
37
Vide, respectivamente, os nºs 1 e 2 do Artigo 275º. O princípio da obediência das Forças
Armadas aos órgãos de soberania competentes encontra-se igualmente previsto no Artigo 19º da LDNFA.
No mesmo sentido, Vide, ainda, o Artigo 4º do anterior RDM e o Artigo 1º do novo RDM.
38
A propósito da tipificação, Vide, com as adaptações inerentes à questão da restrição dos
direitos fundamentais, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Os Direitos Fundamentais Atípicos, Aequitas,
Editorial Notícias, 1995, pág. 60: “A razão do emprego da tipificação quase não carece de demonstração
no domínio dos direitos fundamentais. A sua enorme importância afere-se pela necessidade da
pormenorização dos bens jurídicos protegidos e das respectivas vias de aproveitamento como forma de
melhor contribuir para a sua melhor protecção, evitando-se assim a sua diluição em formas abstractas,
facilmente à mercê do poder político”.
22
sujeitos ao regime previsto nos artigos 31º-A a 31º-F da presente lei, nos termos da
Constituição”.
Em conjugação com o n.º 4 do Artigo 275º da CRP39
, o n.º 2 do Artigo 31º da
LDNFA acrescenta que “Os militares em efectividade de serviço são rigorosamente
apartidários e não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para
qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de
isenção”, dispondo, ademais, o n.º 3 do Artigo 31º da LDNFA que, aos militares em
efectividade de serviço dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de
contrato, “não são aplicáveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos
trabalhadores cujo exercício tenha como pressuposto os direitos restringidos nos
números seguintes, designadamente a liberdade sindical, nas suas diferentes
manifestações e desenvolvimentos, o direito à criação de comissões de trabalhadores,
também com os respectivos desenvolvimentos, e o direito à greve”40
. Por último, o n.º 4
deste preceito normativo estabelece que “No exercício dos respectivos direitos os
militares estão sujeitos às obrigações do estatuto da condição militar e devem observar
uma conduta conforme a ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças
Armadas “41
.
39
Dispõe o n.º 4 do Artigo 275º da CRP que “As Forças Armadas estão ao serviço do povo
português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do
seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política.”
40
O Artigo 30º da LDNFA consagra expressamente o princípio da isenção política exigido aos
militares, reproduzindo quase integralmente o n.º 4 do Artigo 275º da CRP. A al. a) do Dever 13º do
Artigo 4º do anterior RDM consagrava também como um dos “deveres especiais” do “militar do quadro
permanente, na efectividade de serviço ou prestando serviço em regime voluntário, conservar, em todas as
circunstâncias, um rigoroso apartidarismo político”, sendo-lhe, vedado o exercício de qualquer actividade
política sem autorização, bem como a filiação em agrupamentos ou associações de carácter político. Vide,
ainda, o Dever 14º do mesmo preceito legal, relativo à imposição de o militar “não assistir uniformizado e
mesmo em trajo civil, não tomar parte em mesas, fazer uso da palavra ou exercer qualquer actividade em
comícios, manifestações ou reuniões públicas de carácter político” sem autorização. O novo RDM
consagra igualmente o dever especial de isenção política, identificando-o como o “rigoroso
apartidarismo” dos militares, não podendo os mesmos “usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para
qualquer intervenção política, partidária ou sindical” (Vide a alínea i) do n.º 2 do Artigo 11º e o Artigo
20º, ambos deste diploma legal). Existem autores que sentenciam que a LDNFA terá extravasado, por
exemplo no n.º 3 do Artigo 31º desta Lei, o mandado constitucional de neutralidade político-partidária das
Forças Armadas para o âmbito das restrições do domínio sindical, decepando-as da possibilidade de os
seus membros beneficiarem dos direitos fundamentais dos trabalhadores, colidindo com a actual realidade
social. Neste sentido, Vide ANTÓNIO ARAÚJO, O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas,
Edições Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, 2000, pág. 309. Vide, ademais, o Parecer n.º
83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da República, homologado por Despacho de Sua
Ex.ª o Ministro da Defesa Nacional em 11 de Julho de 2008 e publicado no Diário da República, 2ª Série,
n.º 146, de 30 de Julho, no sentido da curiosamente questionada aplicabilidade do próprio estatuto do
trabalhador estudante aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas.
41
No que se refere ao estatuto da condição militar, a Lei n.º 11/89, de 1 de Junho aprovou as
bases gerais a que deve obedecer o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos
23
Chegados à problemática da especificidade inerente à condição militar e
antecedendo a análise do arquétipo legal garante da designada disciplina pugnada pelas
Forças Armadas e, bem assim, da salvaguarda das restrições dos direitos fundamentais
legalmente estabelecidas, cumpre primeiro questionarmos os fundamentos da
intervenção legislativa restritiva operada, designadamente no que toca ao princípio da
autorização constitucional expressa.
2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIÇÃO
Considera-se, assim, de todo pertinente aferir, prima facie, se a intervenção
legislativa diminuiu a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos
constitucionais, limitando-se as restrições ao necessário à salvaguarda de outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos.
Constatamos, pois, que o princípio da autorização constitucional expressa foi
indubitavelmente comprimido em favor do reconhecimento da existência de uma
autorização implícita de restrição legal de direitos fundamentais (ou de restrições
implícitas dos direitos fundamentais), com fundamento em inquestionáveis razões
materiais. Efectivamente, estendeu-se a expressa restrição constitucional aos direitos
fundamentais dos militares dos quadros permanentes aos militares sujeitos ao vínculo
temporário da prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado,
permitindo-se, assim, à intervenção legislativa restritiva, a harmonização dos interesses
inerentes à extensão da restrição a todos os militares em efectividade de serviço
(princípio da igualdade). Mas que interesses são estes?
Na busca dos fundamentos da restrição dos direitos fundamentais dos militares,
surgem, de imediato, as razões que favorecem a sujeição do cidadão em uniforme42
em
quadros permanentes e dos restantes militares enquanto na efectividade de serviço (BGECM), definindo
os princípios orientadores das respectivas carreiras (Vide, o Artigo 1º, a al. g) do Artigo 2º e o Artigo 7º
deste diploma legal). Note-se que o n.º 1 do Artigo 18º do EMFAR, relativo aos direitos, liberdades e
garantias dos militares reproduz os termos do Artigo 7º das BGECM: “O Militar goza de todos os
direitos, liberdades e garantias reconhecidas aos demais cidadãos, estando o exercício de alguns desses
direitos e liberdades sujeito às restrições constitucionalmente previstas, com o âmbito pessoal e material
que consta da LDNFA”.
42
Na busca do sentido subjacente ao conceito de nacionalidade ou cidadania portuguesa, o
Artigo 4º da CRP presta algum auxílio, dispondo que São cidadãos portugueses todos aqueles que como
tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional. Mas a tarefa do legislador ordinário está,
24
naturalmente, sujeita aos parâmetros jusinternacionais e constitucionais. Nestes termos, o regime da
nacionalidade portuguesa encontra-se consagrado na Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º
25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de Janeiro e pela Lei
Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril. Através deste diploma legal, são definidas as condições e os efeitos
da atribuição (nacionalidade originária), aquisição (por efeito da vontade, pela adopção e por
naturalização) e perda da nacionalidade, as regras do registo, prova e contencioso da nacionalidade e do
conflito de leis sobre a nacionalidade (note-se que o status segundo o qual um indivíduo é titular da
nacionalidade de dois Estados é designado dupla-nacionalidade ou dupla-cidadania; já a situação da
acumulação de nacionalidades de mais de dois países é designada de nacionalidade múltipla ou
plurinacionalidade). Sobre este ponto, Vide, ainda, a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, aberta à
assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa em Estrasburgo em 26 de Novembro de 1997,
aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, publicada no Diário
da República, Série I-A, n.º 55, de 6 de Março e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º
7/2000, publicado no mesmo Diário da República. A cidadania é, em si, um vínculo jurídico pelo qual o
indivíduo integra o povo de um Estado e acede, por essa via, à titularidade de um conjunto de direitos,
representando igualmente um sinal identificador com peso acentuadamente simbólico, v.g., a história e a
cultura da Pátria. Poder-se-á ainda dizer, com Ian Brownlie, que a nacionalidade é um “vínculo jurídico
que tem por base um facto social de pertença, uma conexão genuína de vivência, de interesses e de
sentimentos, em conjunto com a existência de direitos e deveres recíprocos”. Saliente-se constituir
inclusivamente fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade
ou da adopção, a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro (Vide, a al. c) do
Artigo 9º e o Artigo 10º da Lei da Nacionalidade). Assim, facilmente se deduz que a admissão às Forças
Armadas não exige a nacionalidade portuguesa (ou a sua atribuição ou aquisição prévia) como um mero
formalismo inerente ao recrutamento a à selecção dos candidatos. Ao exigir a nacionalidade portuguesa,
confia-se antes que a sua detenção configure mais do que um mero status transformado em mecanismo
legal que tão-somente permite aceder a um conjunto de direitos reservados aos cidadãos nacionais da
Pátria. Com efeito, o direito de defesa da Pátria está indissociavelmente ligado a um dever que pressupõe
uma relação de fidelidade que só pode ser imposto aos respectivos cidadãos. A questão da
inadmissibilidade de estrangeiros nas Forças Armadas pode vir a ser objecto de grande controvérsia no
nosso país, sendo-o já para lá das nossas fronteiras, onde determinados países admitem que estrangeiros
prestem serviço militar, como por exemplo nos Estados Unidos da América (cfr. o Selective Service Act,
de 28 de Setembro de 1971), onde a conscrição foi extinta após a guerra do Vietname. Com efeito, muitos
imigrantes, especialmente latino-americanos, com residência legal permanente, ingressam nas Forças
Armadas dos EUA, movidos sobretudo pela vontade de acelerar o processo de obtenção da cidadania
(e/ou de aceder gratuitamente ao ensino superior). Nos termos desta política, a nacionalização surge como
uma forma de recompensar os estrangeiros que participam na guerra contra o terrorismo (José
Guttierrez, por exemplo, nasceu na Guatemala e foi o segundo soldado americano a morrer no Iraque,
sendo homenageado com cidadania póstuma). No entanto, existem vozes que questionam se a única
língua nacional e a cultura anglo-protestante não correrão o risco de serem substituídas, respectivamente,
por duas línguas (inglês e espanhol) e por dois povos com duas culturas (anglicana e hispânica). Outro
caso particular é o de Espanha. Uma das mudanças mais significativas sofridas nas respectivas Forças
Armadas foi igualmente a extinção do serviço militar obrigatório, em 31 de Dezembro de 2001 e a
consagração legal da possibilidade de admissão de extranjeros a la condición de militar Professional de
tropa y marinería (Vide, neste sentido, a Ley 32/2002, de 5 de júlio, que alterou a Ley 17/1999, de 18 de
mayo, do Régimen del Personal de las Fuerzas Armadas e o Reglamento de acceso de extranjeros a la
condición de militar profesional de tropa y marinería, aprovado pelo Real Decreto 1244/2002, de 29 de
noviembre, com as alterações constantes do Real Decreto 2266/2004, de 3 de diciembre e da competente
Orden Ministerial num. 217/2004, de 30 de diciembre). No entanto, a admissibilidade da nacionalidade
estrangeira limita-se aos países que mantêm especiais vínculos históricos, culturais e linguísticos com
Espanha, salvaguardando-se legalmente a não-ingerência nos assuntos internos dos Estados, a
harmonização com as normas do direito internacional e a missão constitucionalmente consagrada e
atribuída das Forças Armadas. Com efeito, a defesa nacional é essencialmente direito e dever dos
cidadãos espanhóis, pelo que o acesso dos estrangeiros restringe-se de forma proporcional, a fim de
alegadamente evitar um desfasamento quantitativo e qualitativo das forças.
25
desfavor da sua autonomia pessoal, sobretudo no âmbito das designadas relações
especiais de poder, ou seja, nas palavras de MANUEL DA COSTA ANDRADE43
,
naquelas “particulares relações entre o Estado e o indivíduo, marcadas, para além da
duração e intensidade dos vínculos, pela acentuação exponencial da assimetria e da
dependência próprias das relações entre o poder e o indivíduo”. Em sentido semelhante,
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE44
afirma que os membros das Forças
Armadas não são (sequer), “meros indivíduos”, precisamente porque se encontram em
“situações especiais de relação jurídica com os poderes públicos, capazes de justificar
restrições, também especiais, de alguns direitos”.
Assim, a relação especial de poder, à qual os militares se encontram sujeitos,
pressuporia um regime jurídico particular adequado aos fins da relação jurídica especial,
já de per si legitimadora das restrições aos respectivos direitos fundamentais.
Sustentaria, ademais, esta tomada de posição o facto de as actuais características
do serviço militar, consubstanciadas na profissionalização das Forças Armadas,
integradas por voluntários para a prestação de serviço militar efectivo nos regimes de
contrato e de voluntariado e, bem assim, por militares dos quadros permanentes que
(voluntariamente) abraçam a carreira militar, importarem como que uma renúncia
expressa ao pleno exercício dos direitos fundamenteis45
, vislumbrando-se aqui, sob
outra perspectiva, a vertente específica da relação especial de sujeição dos militares.
Tal entendimento revela-se, porém, indefensável, uma vez que a própria auto-restrição
de direitos imporia, para além de uma vontade livre e esclarecida, uma duração limitada
da própria renúncia aos direitos fundamentais, o que não sucede. Com efeito, basta
atendermos, por um lado, aos constrangimentos sociais e económicos de Portugal, que
conduzem uma parte tida por considerável dos cidadãos às fileiras das Forças Armadas
(facto social notório, comprometedor, assim, da existência de uma vontade
verdadeiramente livre e concomitantemente indiciador de um eventual abuso
institucional, gerador de efeitos perversos) e, por outro, à circunstância de tempo
subjacente ao vínculo jurídico celebrado com os militares dos quadros permanentes,
43
Direito Penal Médico – SIDA: Testes Arbitrários, Confidencialidade e Segredo, Coimbra
Editora, 2004, pág. 47.
44
Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2001, pág. 303 ss.
45
A própria fórmula do Juramento de Bandeira parece sustentar a tese da renúncia expressa ao
pleno exercício dos direitos fundamentais.
26
sujeitos aos deveres militares inerentes à sua situação administrativa relativamente à
prestação de serviço46
.
Segundo o modelo clássico das Forças Armadas, ser militar importaria o assumir
desta condição vinte e quatro horas por dia, por motivos atinentes tão-só a valores
tradicionais – ainda que perduráveis, como a disciplina, a honra e a lealdade,
importando pura e simplesmente o não exercício dos direitos fundamentais de cidadão
pelo militar47
. Mas as relações especiais de poder não justificam, por si só, a restrição
aos direitos fundamentais dos militares. Ela emerge da necessidade de harmonizar estes
mesmos direitos com os fins institucionalmente visados, com os bens jurídicos, os
valores ou os princípios constitucionalmente consagrados, isto é, com a afirmação de
um interesse público especial ou primacial48
.
Efectivamente, as Forças Armadas não existem por si nem para si. A estas
incumbe “a defesa militar da República, obedecem aos órgãos de soberania competentes
e estão ao serviço do povo português”. Incumbe-lhes “satisfazer os compromissos
internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões
humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça
parte”. Podem ainda ser incumbidas de “colaborar em missões de protecção civil” – em
tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade
de vida das populações – e “em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da
política nacional de cooperação”, podendo inclusivamente ser empregues nas situações
de “estado de sítio e de emergência”49
.
As Forças Armadas surgem, assim, como o (exclusivo) instrumento do Estado
para assegurar a execução da componente militar da defesa nacional50
, cujos objectivos
46
Note-se que os direitos fundamentais são, em regra, indisponíveis, irrenunciáveis e
imprescritíveis. Neste sentido, Vide, VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, in Os Direitos Fundamentais
na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 318 ss.
47
A concepção original das relações especiais de poder de LABAND na Alemanha do Séc. XIX
encontra-se actualmente despojada do seu radicalismo inicial, mas o seu conteúdo, devidamente mitigado,
revela-se ainda útil para a doutrina administrativa portuguesa, ainda que a mesma empregue, por vezes,
outras expressões, como relações jurídicas especiais ou estatutos especiais, para justificar a
aplicabilidade das correspondentes regras ou regimes específicos.
48
Veja-se a própria letra da lei do Artigo 270º da CRP: “na estrita medida das exigências
próprias das respectivas funções”.
49
Vide os nºs 1, 3 a 7 do Artigo 275º da CRP, os n.º 3 a 5 do Artigo 3º da LDNFA, os Artigos 9º
e 19º da LDNFA.
50
A componente militar da defesa nacional é exclusivamente assegurada pelas Forças Armadas,
sem prejuízo do direito e dever de cada português da passagem à resistência, activa e passiva, nas áreas de
27
se orientam no sentido de “garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições
democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade
do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou
ameaça externas, bem como assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em
condições que correspondam aos interesses nacionais”51
.
Neste sentido, são imperativos das Forças Armadas, reveladores da sua
especificidade, o respeito pela Constituição e pelas leis, a subordinação ao interesse
nacional, a neutralidade e imparcialidade políticas, a lealdade, a disciplina, a
subordinação à hierarquia militar, a conduta conforme com a ética militar e os ditames
da virtude e da honra, a coesão ou o espírito de corpo, o espírito de abnegação, a
sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares, a permanente
disponibilidade para lutar em defesa da Pátria (se necessário com o sacrifício da própria
vida), a obediência pronta, a eficiência operacional e a eficácia em combate – fim
último para o qual estão vocacionadas.
A restrição dos direitos fundamentais dos militares fundamenta-se, assim, na
protecção dos interesses constitucionalmente protegidos, ancorados na necessidade de
assegurar a eficiência, a eficácia, a disciplina, a isenção e neutralidade políticas das
Forças Armadas, enquanto garantias (mínimas) do cumprimento das funções de defesa
nacional e de segurança dos cidadãos que lhes estão cometidas, pressupondo, assim, o
(possível) equilíbrio entre os direitos comprimidos e os fins institucionais e
constitucionais prosseguidos.
2.5. O APARTIDARISMO E A ISENÇÃO POLÍTICA EM
ESPECIAL
Em favor da defesa da República democrática e pluripartidária e, bem assim, da
Lei Fundamental é exigida a não pertença dos elementos das Forças Armadas a
qualquer partido, força ou movimento de natureza política (o apartidarismo), bem como
a sua neutralidade e imparcialidade relativamente a qualquer interesse partidário ou
território nacional ocupadas por forças estrangeiras e da colaboração das forças de segurança na execução
da política de defesa nacional, nos termos da lei (Vide, o nº 1 do Artigo 18º da LDNFA).
51
Cfr., os Artigos 273º da CRP e 1º, 4º, 5º, 17º e 18º da LDNFA.
28
simpatia pessoal (a isenção política)52
. A relevância desta específica restrição afere-se
sobretudo pela habitual recondução à mesma do fundamento essencial das restrições ao
exercício de direitos expressamente previstas para os militares dos quadros permanentes
no Artigo 270º do texto constitucional vigente – e, como vimos, aplicáveis aos restantes
militares em efectividade de serviço, nos regimes de voluntariado e de contrato.
52
Os princípios do apartidarismo e da isenção política encontram-se expressamente consagrados
no n.º 4 do Artigo 275º da CRP, no Artigo 30º e no n.º 2 do Artigo 31º, ambos da LDNFA, na al. a),
Dever 13º do Artigo 4º do anterior RDM e na alínea i) do n.º 2 do Artigo 11º e no Artigo 20º, ambos do
novo RDM. Saliente-se, ainda, a proibição constitucionalmente estabelecida da existência de associações
armadas, do tipo militar, militarizadas ou paramilitares, de organizações racistas ou que perfilhem a
ideologia fascista (Vide o n.º 4 do Artigo 46º da CRP). No que ao direito de expressão se refere, os
militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato
têm o “direito de proferir declarações pública sobre qualquer assunto, com a reserva própria do estatuto
da condição militar, desde que as mesmas não incidam sobre a condução da política de defesa nacional,
não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas nem desrespeitem o dever de isenção
política e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos” (cfr. o n.º 1 do Artigo 31º-A da LDNFA). No
que respeita o direito de reunião, os referidos militares podem, “desde que trajem civilmente e sem
ostentação de qualquer símbolo das Forças Armadas, convocar ou participar em qualquer reunião
legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical”. Contudo, “poderão assistir
a reuniões legalmente convocadas com esta última natureza se não usarem da palavra nem exercerem
qualquer função no âmbito da preparação, organização, direcção ou condução dos trabalhos ou na
execução das deliberações tomadas” (cfr. os nºs 1 e 2 do Artigo 31º-B da LDNFA. Vide, ainda, o n.º 2 do
mesmo normativo, que estabelece que o exercício do direito de reunião não pode prejudicar o serviço,
nem a permanente disponibilidade do militar para com o mesmo, nem o direito ser exercido dentro das
U/E/O, bem como o já mencionado Dever 14º do Artigo 4º do RDM). No que toca ao direito de
manifestação, os mesmos militares, “desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentação
de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, têm o direito de participar em qualquer
manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não
sejam postas em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas” (Vide o Artigo 31º-C da LDNFA).
Quanto à liberdade de associação, estes militares têm o “direito de constituir qualquer associação,
nomeadamente associações profissionais, excepto se as mesmas tiverem natureza política, partidária ou
sindical” (cfr. o n.º 1 do Artigo 31º-D da LDNFA), procurando-se, assim, evitar a politização da
actividade das associações compostas por militares. No que se refere ao direito de petição colectiva, os
mesmos militares “têm o direito de promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de
soberania ou a quaisquer outras autoridades, desde que as mesmas não incidam sobre a condução da
política de defesa nacional, não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas nem
desrespeitem o dever de isenção política e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos” (cfr. o Artigo
31º-E da LDNFA). Finalmente, no tocante à capacidade eleitoral passiva, ainda os militares em
efectividade de serviço dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato que, em tempo
de paz, pretendam concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões
Autónomas e do poder local, bem como para deputado ao Parlamento Europeu, “devem, previamente à
apresentação da candidatura, requerer a concessão de uma licença especial, declarando a sua vontade de
ser candidato não inscrito em qualquer partido político. Esta licença especial cessa se o militar não for
eleito, determinando o regresso do mesmo à efectividade do serviço”. Na situação de eleição em que o
militar “exerça o respectivo mandato em regime de permanência e a tempo inteiro”, este pode requerer,
no prazo estabelecido, “a transição voluntária para a situação de reserva”. No entanto, a eleição de um
militar para um segundo mandato determina (automaticamente) esta transição. De igual modo, transita
(obrigatoriamente) para a reserva o militar eleito Presidente da República, salvo se o mesmo já se
encontrar nesta situação ou na reforma aquando da eleição (Vide os nºs 1, 4, 6, 8 e 10 do Artigo 31º-F da
LDNFA). A transição automática e obrigatória para a reserva tem como pressuposto o facto de o militar
seguramente não apresentar, nestas circunstâncias, o perfil de isenção política exigido para a integração
das fileiras das Forças Armadas.
29
Assim, as restrições enunciadas no identificado preceito constitucional
encontram, nas palavras de JORGE BACELAR GOUVEIA53
, como “fio condutor, uma
restrição de ordem essencialmente política, visando conferir ao estatuto das forças
militares (…) uma neutralidade activa em face do poder político, impedindo-as assim de
tomar parte nas respectivas decisões, quer no momento da designação dos respectivos
titulares, quer no momento da formação da opinião pública”.
Ainda segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA54
, o princípio
do apartidarismo é uma consequência do princípio da subordinação dos militares aos
interesses do povo português, cfr., o n.º 4 do Art. 275º da CRP, mas que tem a
virtualidade específica de justificar a restrição de alguns direitos aos militares , cfr., o
Artigo 270º da CRP. Para estes autores, o princípio da imparcialidade e da neutralidade
políticas impõe, além do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,
proibindo-lhes de se aproveitarem da sua função, do seu posto ou da sua arma para
qualquer intervenção política.
Considera-se, assim, que a exigida imparcialidade das Forças Armadas evita que
as estruturas militares funcionem como instrumento de pressão política,
comprometedoras do livre desenvolvimento das instituições democráticas. Os militares
devem aceitar as escolhas políticas democraticamente feitas pelos cidadãos ou pelos
órgãos do poder político, ficando-lhes vedada a possibilidade de manifestar qualquer
preferência por qualquer ideologia em debate aquando do processo de decisão, bem
como de discordar da posição política vencedora55
. As Forças Armadas encontram-se,
nestes termos, legalmente subordinadas ao poder político, legitimamente constituído,
não o questionando na pressuposição da realização dos imperativos nacionais da Nação,
tratando-se, aqui, em suma, de verdadeiras garantias mínimas para a existência de umas
53
Regulação e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionário
Jurídico da Administração Pública, Lisboa, 2001, pág. 464.
54
Ainda segundo GOMES CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA, in Constituição da
República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 963, o princípio do apartidarismo
é uma consequência do princípio da subordinação dos militares aos interesses do povo português, cfr., o
n.º 4 do Art. 275º da CRP, mas que tem a virtualidade específica de justificar a restrição de alguns direitos
aos militares , cfr., o Artigo 270º da CRP. Para os mesmos autores, o princípio da imparcialidade e da
neutralidade políticas impõe, além do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,
proibindo-lhes de se aproveitarem da sua função, do seu posto ou da sua arma para qualquer intervenção
política.
55
A separação das funções militares das funções políticas evita, ademais, a duplicação de
esforços, a (inevitável) recíproca ingerência e, bem assim, uma eventual (e fatal) colisão.
30
Forças Armadas eficazes e coesas, não fragmentadas pelas dissonâncias próprias
geradas naturalmente pela vivência política56
.
2.6. AS MANIFESTAÇÕES MILITARES: RESTROSPECTIVA
HISTÓRICA
Sem prejuízo do respeito pela Lei Fundamental e da necessária adaptação
normativa do modelo actual de prestação de serviço militar em eventual situação de
beligerância, umas Forças Armadas modernas exigem o abandono de velhos conceitos,
como a clássica subordinação absoluta do inferior ao superior hierárquico, o puro
princípio da disciplina e da organização militar e a ausência das garantias fundamentais
do cidadão em uniforme.
Os direitos de cidadania dos militares devem, pois, ser permanentemente
ajustados à democracia consolidada e à realidade das características do actual modelo de
serviço militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado. A democratização das
Forças Armadas é mesmo defendida por alguns autores57
, no sentido de serem
reconhecidos aos seus membros todos os direitos, liberdades e garantias, bem como os
direitos de natureza análoga, em plena igualdade com os outros cidadãos, apenas com os
limites compatíveis com a salvaguarda da defesa externa.
Sem se pretender defender aquilo que a prática poderia transformar num
incontornável excesso, temos vindo a assistir, de há cerca de quatro anos a esta parte,
através de notícias difundidas através dos meios de comunicação social, a várias
intervenções militares públicas, reveladoras de um (indisfarçado) mal-estar existente nas
Forças Armadas, proveniente, por um lado, do acesso jurisdicional ao direito por parte
de militares não conformados com a aplicação de penas disciplinares, reflexo
56
Saliente-se que o apartidarismo é exigido desde a formalização da candidatura à Academia
Militar, apresentando-se aos respectivos candidatos, muitos deles acabados de perfazer 18 anos de idade
e, bem assim, de conquistar o direito ao voto, um termo de responsabilidade onde os mesmos declaram
tomar conhecimento e aceitar as disposições legais neste âmbito aplicáveis e assumem desvincular-se de
qualquer compromisso político-partidário assumido do antecedente, com efeitos desde o respectivo
ingresso.
57
Vide, neste sentido, LIBERAL FERNANDES, Francisco, As Forças Armadas e a PSP perante
a Liberdade Sindical, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Vol. III, Boletim da
Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1991, pág. 921 ss.
31
indubitável de uma crescente empertigação dos militares contra as respectivas Chefias
Militares (e, concomitantemente, destas Chefias relativamente aos mesmos militares e à
própria Magistratura) e, por outro, decorrente da “ameaçada” aplicabilidade das normas
do novo RDM aos militares na situação de reserva e de reforma fora da efectividade de
serviço.
2.6.1. ANO DE 2005
Assim, reportando-nos ao princípio do mês de Setembro do ano de 2005, a
presença de militares fardados em manifestações contra as alterações legislativas
empreendidas no tocante aos seus direitos, como a saúde58
e as condições de passagem à
reserva e reforma, convocadas pelas respectivas Associações Profissionais Militares
(APM)59
, onde foram proferidas palavras de ordem e slogans de protesto, bem como
proclamadas e relembradas as competências da “hierarquia civil”, tida pelos mesmos
como um verdadeiro contra-poder que, em última análise, protegeria os militares
inconformados contra o alegado autoritarismo ou abuso de poder por parte das Chefias
Militares, gerou um ambiente de desconfiança recíproca que naturalmente se acentuou
quando os dirigentes associativos, confrontados a posteriori com a instauração de
processos de averiguações pelo Ministério da Defesa Nacional, decidiram explicar, de
forma pouco convincente, que os militares fardados não estariam a manifestar-se, mas
num simples “encontro de camaradas”, a fim de se solidarizarem com os dirigentes das
Associações, então presentes em determinados locais.
58
O Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de Setembro, unificou a assistência na doença aos militares
das Forças Armadas até então assegurada por três subsistemas de saúde específicos de cada um dos ramos
das Forças Armadas – a Assistência na Doença aos Militares da Armada, a Assistência na Doença aos
Militares da Força Aérea e a Assistência na Doença aos Militares do Exército, num único subsistema
sujeito a um regime paralelo ao da ADSE. Salvaguardando as especificidades da condição militar, esta
alteração contribui de forma decisiva para o anunciado objectivo de uniformização dos vários sistemas de
saúde públicos, ao mesmo tempo que permite uma melhor racionalização dos meios humanos e materiais
disponíveis.
59
Integram as APM a Associação de Militares na Reserva e Reforma (ASMIR), a Associação de
Oficiais das Forças Armadas (AOFA), a Associação Nacional de Sargentos (ANS) e a Associação de
Praças da Armada (APA). A nível europeu, as associações de militares dos diversos países europeus
criaram, em Setembro de 1972, a EUROMIL – European Organisation of Military Associations. A
EUROMIL apoia as liberdades, os direitos básicos e, em particular, os direitos de associação e reunião no
espaço europeu, competindo-lhe representar perante organizações supra-nacionais e outras autoridades, os
interesses das associações de militares. Tem estatuto consultivo no Conselho Europeu, sendo parceiro de
discussão no Parlamento Europeu, na NATO e na OIT.
32
Veio, entretanto, a público, que o Governo Civil de Lisboa proibira nova
manifestação convocada pelas Associações representativas dos Oficiais, Sargentos e
Praças, referindo a sua conotação com a actividade sindical e o risco para a coesão e a
disciplina das Forças Armadas. Os dirigentes das Associações recorreram, assim, da
decisão para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que deu razão ao Governo
Civil na parte relativa à actividade sindical. Inconformados, os dirigentes associativos
adoptaram, desde então, uma postura de quase-desafio, prontamente sublinhada pela
comunicação social. Assim, ainda em Setembro do mesmo ano, três mulheres de
militares – de um Oficial, de um Sargento e de uma Praça – foram nomeadas em
reunião organizada pelos militares inconformados, a fim de agendarem uma
manifestação de protesto, cuja convocatória foi, efectivamente, considerada legal e, bem
assim, autorizada pelo Governo Civil. Porém, na sequência da realização, em 19 de
Setembro daquele ano, de uma conferência conjunta dos Ministros da Administração
Interna e da Defesa Nacional e da informação dos CEM dos ramos, no sentido da
salvaguarda da coesão e da disciplina das Forças Armadas, os militares na efectividade
de serviço foram proibidos de comparecer à mesma. Não sendo os (pelo menos
oficialmente) responsáveis pela organização da manifestação, as APM pronunciaram-se,
no entanto, a favor da motivação da acção empreendida, afirmando que os militares
fardados que ali se vieram a encontraram teriam sido vistos nos locais “onde dirigentes
associativos realizavam diligências”, encontravam-se apenas “de passagem” e estavam
fardados porque “regressavam do serviço”. Alegaram, ainda, a existência de
discriminação, uma vez que “estavam centenas” de militares presentes “e apenas cento e
sete” teriam sido identificados, sendo apenas vinte e dois militares sujeitos a
procedimento disciplinar, nenhum deles possuindo a categoria de Oficial.
Simultaneamente, surgiram novas formas de contestação, designadamente
através da distribuição anónima – pela então denominada “Comissão de Solidariedade”
– de um folheto apelando aos militares para que os mesmos permanecessem até às vinte
horas nas respectivas U/E/O. Paralelamente, as Associações organizavam (outras)
formas públicas de demonstração de “solidariedade” para com os camaradas
identificados.
33
2.6.2. ANO DE 2006
No ano de 2006, ressurgiram os protestos dos militares. Em Novembro,
manteve-se a convocação de uma manifestação por uma Comissão constituída por
militares na reserva e no activo, apesar da proibição decretada pelo Governo Civil de
Lisboa, que se baseou num Parecer do Conselho dos Chefes de Estado-Maior. Neste
Parecer, o protesto é classificado de “ilegal e susceptível de afectar a coesão e a
disciplina das Forças Armadas”, acrescentando ser “uma forma de encobrir uma
manifestação de militares organizada por, pelo menos, uma das quatro associações
profissionais de militares, a ANS, torneando o impedimento legal não só da sua
convocação como do seu objecto”. Qualificando a decisão como “ilegal, injusta, sem
fundamento” e baseada num “processo de intenções” para proibir uma iniciativa que
não existiria porque tratar-se-ia tão-só de “um passeio e não uma manifestação, o líder
da comissão organizadora do passeio do descontentamento”, FERNANDES TORRES,
Oficial fora da efectividade de serviço, reiterou, no Rossio, o convite para os militares e
famílias se associarem ao protesto.
A propósito deste “passeio do descontentamento”, o Primeiro-Ministro
português, JOSÉ SÓCRATES, afirmou então: “As manifestações ilegais não devem
realizar-se em Portugal. Neste país, toda a gente tem o direito de se manifestar, desde
que o faça em respeito pela lei”. Por sua vez, a Governadora Civil, ADELAIDE
ROCHA, esclareceu não ter havido qualquer pedido para a realização do protesto que,
nas suas palavras, revestiria “também natureza sindical” e seria “apenas uma forma de
encobrir uma manifestação de militares, sustentando ainda que os promotores,
constituindo-se ou não em Comissão, estão obrigados a cumprir os requisitos legais de
informação ao Governo Civil”. Não obstante, em 23 de Novembro de 2006, centenas de
militares na reforma – e alguns no activo, acompanhados de familiares – passearam, em
Lisboa, em efectivo protesto contra os cortes orçamentais na área da Defesa. Segundo
os elementos oportunamente fornecidos pela ANS aos meios de comunicação social,
pelo menos vinte militares – dez da Força Aérea, nove da Marinha e um do Exército –
teriam processos pendentes por terem participado no célebre “passeio do
descontentamento”.
34
2.6.3. ANO DE 2007
Já em 2007, dez Sargentos da Força Aérea foram condenados a cumprir entre
cinco e sete dias de detenção por terem participado no referido protesto. Numa nota
enviada à imprensa, a ANS referia: “hoje ficaram concluídos os processos disciplinares
instaurados a dez sargentos da Força Aérea, na sequência do passeio do nosso
descontentamento”. Acrescentava o documento que “nove militares vão cumprir, a
partir de quarta-feira, nas respectivas unidades, cinco dias de detenção, enquanto que o
vice-presidente da ANS, José Pereira, cumprirá sete dias” por contestação pública das
ordens da chefia numa vigília. Ainda segundo a ANS, o Presidente desta Associação,
LIMA COELHO, “foi punido com cinco dias de detenção”.
Na sequência das referidas condenações, os Advogados da ANS apresentaram
uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o
objectivo de suspender a eficácia das punições decididas pelo Comandante do Comando
Operacional da Força Aérea, o Tenente-General CRUZ, apresentando simultaneamente
uma reclamação, nesse Comando, contra a pena disciplinar aplicada aos dez Sargentos
participantes do passeio. EMANUEL PAMPLONA, Advogado da ANS, afirmou então
que a providência cautelar tivera por base as dúvidas de constitucionalidade em relação
à pena aplicada, uma vez estarem “em causa direitos, liberdades e garantias dos
militares punidos”, sustentando ainda que naquele passeio não fora colocada em causa a
hierarquia militar nem se tratara de qualquer manifestação política. Denunciando a
existência de um alegado “clima de perseguição”, declarou que “apenas se colocaram
em causa condições sócio-profissionais e nunca de ordem política ou militar”.
Em 18 de Fevereiro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
decidiu a suspensão imediata da pena disciplinar de detenção imposta pela Força Aérea
ao Sargento JOSÉ AGOSTINHO. Depois de o Oficial de Dia no Comando Operacional
da Força Aérea, em Monsanto, ter sido informado da decisão judicial, terá procedido à
imediata libertação do identificado militar. A posteriori, o mesmo Tribunal confirmou a
suspensão da punição dos restantes Sargentos, depois de ouvidos o EMGFA, o
Ministério da Defesa Nacional e os representantes dos Sargentos.
Em 14 de Março do mesmo ano, um Sargento-Chefe da Marinha,
DIAMANTINO GOUVEIA, terá sido notificado pelo Director do Hospital Militar da
35
Armada, em Lisboa, que iria, de imediato, começar a cumprir uma pena de detenção de
cinco dias por (igualmente) ter participado no “passeio do descontentamento”. Segundo
FERNANDO FREIRE, (outro) Advogado da ANS, na nota de culpa, o referido
Sargento fora acusado por violação dos deveres militares ao participar, fardado, numa
“manifestação atentatória da disciplina militar”. Mais uma vez, a ANS recorreu aos
tribunais administrativos, apresentando nova providência cautelar, desta vez, no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. Para os Advogados da ANS, “todos os
militares têm o direito de aguardar, em liberdade, a decisão do recurso da punição
interposto à hierarquia militar”, o que, in casu, veio a suceder. Efectivamente e à
semelhança do ocorrido em Fevereiro com os dez militares da Força Aérea, o Tribunal
Administrativo e Fiscal de Almada suspendeu, em 15 de Março de 2007, a pena de
detenção aplicada ao referido Sargento-Chefe. Segundo os últimos dados tornados
públicos referentes à intervenção militar de 23 de Novembro de 2006, este terá sido o
11º Sargento a quem os tribunais suspenderam a aplicação de uma punição disciplinar
militar.
Já no mês de Novembro de 2007, FERNANDO TORRES denunciava, por sua
vez, a alegada pressão sofrida pelos militares no sentido de os mesmos não
comparecerem ao novo encontro agendado para o dia 22 daquele mês, no final da tarde,
no Rossio, ao qual denominaram “Encontro pela Justiça e pela Lei”, contra o RDM
vigente.
2.6.4. ANO DE 2008
Desde 20 de Outubro de 2008, foram surgindo novas aparições públicas de
militares, munidos do comummente designado caderno reivindicativo, dado o
descontentamento manifestado contra a política da saúde, contra a decrescente
retribuição média dos últimos anos dos militares face ao nível dos vencimentos das
profissões equiparadas (juízes, diplomatas e professores universitários)60
e contra o não
pagamento das pensões devidas aos reformados.
60
Já no Comunicado Nacional, de 21 de Setembro de 2005, da AOFA, intitulado As razões da
insatisfação, afirmava-se que “os militares foram os que menos contribuíram para o défice, os que mais
se sacrificaram para o evitar e aqueles que foram mais desconsiderados no reconhecimento e na justa
compensação do serviço prestado ao Estado e à República. Hoje, um Coronel tem o mesmo poder de
36
No tocante à reconhecida relação controvertida entre a hierarquia militar e a
magistratura, as Chefias Militares têm observado, com franca apreensão, a crescente
intervenção dos tribunais na justiça e disciplina militares, sobretudo desde o trânsito em
julgado das decisões judiciais oportunamente proferidas pelos Tribunais
Administrativos e Fiscais no sentido da suspensão da aplicação de penas disciplinares
impostas a militares na sequência da instauração de processos disciplinares, que
atingiram as Forças Armadas em pleno no mundo à parte que pensavam ter e
ambicionam para si, exigindo, então, a breve resolução do designado assunto de Estado.
Fontes militares apontavam para “uma contradição ou disfunção entre o Regulamento
da Disciplina Militar e a Justiça”, acrescentavam que “não há ninguém investido de
comando que não possa impor a sua ordem” e avisaram: “a disciplina é o pilar da
estrutura militar e a capacidade da hierarquia cumprir e fazer cumprir as leis e ordens
com celeridade e carácter objectivo foi posta em causa”.
No mesmo sentido, LOUREIRO DOS SANTOS concluiu que a Justiça colocou
em causa a disciplina militar. A disciplina é, conforme expressou em crónica, “o factor
básico para que as Forças Armadas (FA) se enquadrem e ajam eficazmente, apenas em
função da vontade dos seus cidadãos, expressa nas decisões dos órgãos políticos
legítimos”. E alertou: “A História mostra que, sem disciplina, as FA perdem eficiência,
desagregam-se, fomentam a instabilidade e desprestigiam a nação a que pertencem. Em
vez de constituírem o escudo de defesa do país – única razão de existirem – são uma
ameaça que coloca os cidadãos em perigo. Transformam-se num bando e deixam de ser
o bastião da segurança da Pátria e a sua reserva de soberania”. Para este General,
confrontarmo-nos “com três aspectos, todos extremamente preocupantes, que podem
colocar em causa a disciplina militar: o incumprimento de certa legislação que afecta os
militares, procedimentos de recurso no âmbito disciplinar que minam a cadeia de
comando, e interferências de alguns dirigentes de associações militares em questões de
disciplina”61
.
compra que nos anos 80 tinha um Major. Os militares perderam em comparação consigo próprios, mas
com os outros corpos especiais a situação é ainda mais devastadora: Com base em estimativas que
efectuámos, só para compensar a insenção de horário, atendendo aos serviços efectivamente prestados,
seria necessário extra de cerca de 50% do vencimento e para sermos colocados ao nível dos magistrados
tornava-se indispensável um aumento de cerca de 100%”.
61
Parte do associativismo militar desafia claramente as chefias militares, acenando trunfos que
funcionam como rastilhos, minando toda a cadeia de comando. Veja-se, por exemplo, o Comunicado, de
4 de Novembro de 2005, das Associações Militares, sob o título “Das medidas disciplinares e de quem
deve ser acusado”, onde foi dirigida “Uma palavra final de profunda solidariedade para com os camaradas
37
No programa Prós e Contras, da RTP, LOUREIRO DOS SANTOS reafirmou a
importância da disciplina enquanto cerne não só do Estatuto Militar, como do
funcionamento das próprias Forças Armadas, sem a qual estas, em vez de garantes da
soberania, “se podem transformar numa ameaça”, posição reforçada pelo General
ESPÍRITO SANTO: “Teríamos o campo aberto para novas carbonárias”.
Relativamente ao associativismo militar, relutantemente visto pelas Chefias
Militares por temerem a sua efectiva intromissão em áreas de comando, o General
GARCIA LEANDRO aponta para “um choque de legitimidades entre o Chefe,
nomeado pelo Presidente da República e os dirigentes associativos, que são eleitos”. Já
o Professor da Academia Militar e actual Director do Instituto da Defesa Nacional
ANTÓNIO JOSÉ TELO comentou ao Semanário Expresso que “A partir do momento
em que o associativismo choca com a disciplina, o RDM sobrepõe-se”.
Aquando da apresentação dos objectivos do seu mandato numa reunião na
comissão parlamentar de Defesa, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA),
General LUÍS ARAÚJO, face às decisões de tribunais que suspendem as penas
disciplinares a militares, defendeu “uma harmonização entre a justiça e a disciplina
militar, sublinhando que “se existe alguma incompatibilidade em termos processuais,
isso tem que ser compatibilizado”. Questionado pelos jornalistas, acrescentou que
“devem ser os Órgãos do Estado a resolver essa incompatibilidade”. Quanto à situação
dos dez Sargentos da Força Aérea punidos no quadro do “passeio do
descontentamento”, o General afirmou tão-só que a Força Aérea cumpriu a Lei e a
decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Mais polémicas foram as suas declarações aquando do 39º Aniversário do
Museu do Ar, em Sintra. Segundo o Diário de Notícias, afirmou que “Não há juízes
civis no campo de batalha”, acrescentando que “a acção de comando das chefias
militares exige autoridade”.
alvo da deriva autoritária, repressiva e anti-associativa em curso e a garantia de que, face aos
desenvolvimentos que se verificarem na sua situação, os militares que representamos lhes darão a
resposta adequada, no pressuposto de que não pode ser aceite a acção disciplinar como instrumento
relativamente à actividade associativa sócio-profissional”. Em Comunicado n.º 04/2007, de 15 de
Fevereiro de 2007, a direcção da ANS, inclusivamente afirmava: “Estamos conscientes do papel do
associativismo, ocupando o espaço que o poder político retirou aos chefes militares impedindo-os de
exercer o Dever de Tutela com eficácia e remetendo-os para o papel de amortecedor de tensões entre os
Governos, que reiteradamente não cumprem 40 diplomas legais, acumulando por via desse
incumprimento uma dívida que já ascende a mais de mil milhões de euros, e os militares credores do
Estado”.
38
Segundo adiantou ao Jornal de Notícias o Magistrado do Supremo Tribunal de
Justiça ANTÓNIO BERNARDO COLAÇO, tais declarações “atingem a credibilidade
da Justiça e não são consentâneas com o posto e cargo desempenhados. Se essas
palavras fossem proferidas por um cidadão comum ainda se percebia, mas quem as
disse foi o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea. É uma das mais altas patentes das
chefias militares”. Para o Magistrado, as palavras deste General “ofendem os valores de
Justiça, os fundamentos do Estado de Direito Democrático”, salientando que “não se
inserem no espírito da Constituição da República”.
Em declarações à Agência Lusa, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME),
General PINTO RAMALHO, o segundo Chefe militar a manifestar-se publicamente,
afirmou igualmente a sua “extrema preocupação pelos acontecimentos”, revelando a
análise do problema pelo Conselho dos Chefes. Para o General, “os militares não podem
pôr em causa a acção de comando” e, por isso, “a questão da disciplina militar tem que
ser analisada”.
Posteriormente, o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA), Almirante
MELO GOMES, afirmava mesmo que bastaria “consultar o direito comparado” para se
chegar à solução de “pagar indemnizações” em vez de aceitar as decisões dos tribunais,
admitindo-se, assim, a possibilidade de as Chefias Militares não cumprirem decisões
judiciais e, bem assim, incorrerem em crime de desobediência.
Conhecidas as fragilidades, foi dado conhecimento das correspondentes
preocupações das Chefias Militares ao então Ministro da Defesa, SEVERIANO
TEIXEIRA que, por sua vez, conhecida a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal
de Sintra no sentido da suspensão da pena de detenção aos Sargentos punidos pela Força
Aérea, revelou equacionar-se “a alteração do RDM” a fim de evitar que os tribunais
administrativos interferissem na justiça militar.
A manifestada intenção de alteração do RDM no sentido de impedir que os
tribunais interfiram nas decisões das chefias militares relançou, assim, a polémica,
iniciando-se uma guerra declarada entre os poderes militar, judicial e político.
Militares, juízes e partidos da oposição pronunciaram-se, pois, de imediato, contra a
intenção do Governo de travar o acesso dos militares aos tribunais.
O presidente da ANS, LIMA COELHO, afirmou ao Correio da Manhã ser esta
“mais uma tentativa de calar todas as vozes discordantes das políticas cegas do
Governo”.
39
O Magistrado ANTÓNIO MARTINS, da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses (ASJP), declarou à Agência Lusa que “Quando estão em causa matérias
referentes a direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os tribunais independentes são
a melhor forma de garantir que as matérias são apreciadas de forma isenta e imparcial”,
relembrando, ainda, a extinção dos tribunais militares em 1997, pelo que a manter-se a
decisão do Ministro, “seria um enorme retrocesso”.
Por sua vez, os partidos da oposição foram unânimes nas críticas ao Governo.
ANTÓNIO FILIPE, do PCP, disse ao Correio da Manhã que “há direitos que têm de ser
respeitados e a disciplina militar não está acima deles”. HENRIQUE DE FREITAS, do
PSD, classificou a decisão do Ministro de “excessiva”, alertando para a necessidade de
acautelar os direitos e garantias. O democrata-cristão JOÃO REBELO defendeu que a
solução para a tensão nas Forças Armadas passaria apenas pela criação de um estatuto
do dirigente associativo, uma vez que a legislação vigente seria “dúbia”. FERNANDO
ROSAS, do BE, afirmou mesmo que “os militares têm sido abusivamente perseguidos”.
Aquando da visita do Presidente da República, CAVACO SILVA, em 2 de Maio
de 2008, ao Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), questionado pelos
jornalistas sobre a questão da disciplina militar, afirmou perante as câmaras da SIC
Notícias a importância de um “consenso alargado entre os órgãos de soberania e as
forças políticas”, referindo a existência, de uma proposta de lei discutida no Conselho
Superior de Defesa Nacional (CSDN), respeitante aos direitos, liberdades e garantias
consagrados na Constituição, que “dá resposta àquilo que as Forças Armadas
consideram ser necessário para o exercício das suas funções”, classificando as mesmas
como “um pilar do Estado Democrático”, palavras cujo alcance veio a ser descortinado
no dia seguinte.
Efectivamente, em 3 de Maio, o Conselho de Ministros aprovou, na
generalidade, um Decreto-Lei que define o estatuto dos dirigentes das APM das Forças
Armadas, determinando as situações de incompatibilidade e os direitos e deveres dos
militares cuja actividade associativa se deve desenvolver sem prejuízo para o serviço e
no cumprimento dos deveres inerentes à condição militar, com as restrições e os
condicionalismos previstos na CRP e na LDNFA62
, aprovando, na mesma data, uma
62
A consagração de associações apenas de âmbito deontológico surgiu na Lei n.º 29/82, de 11 de
Dezembro (LDNFA). No início dos anos 90, deu-se o afastamento progressivo das remunerações dos
militares em relação às das categorias profissionais que constituem tradicionalmente as suas referências.
Face ao descontentamento dos militares, foram cruciais as declarações públicas do então CEMGFA, o
General SOARES CARNEIRO, afirmando que não era delegado sindical, pelo que as associações se
40
Proposta de Lei no sentido de compatibilizar os valores constitucionalmente
consagrados – os direitos, liberdades e garantias dos militares por um lado e, por outro,
os valores próprios da disciplina militar. Para tal, criou-se um regime específico de
recurso em matéria de disciplina militar, sem no entanto vedar aos militares as vias
gerais de impugnação dos actos administrativos. Simultaneamente, eliminou-se a
possibilidade de suspensão automática ou semi-automática dos actos administrativos
em matéria de disciplina militar, podendo ainda os actos ser suspensos (apenas) quando
se verifiquem os critérios especiais de decisão estabelecidos.
Releva, por último, a questão, mais recente, da intencionada aplicabilidade das
normas do RDM aos militares fora da efectividade de serviço (reserva e reforma)63
,
cujas manifestações de indignação se fizeram ouvir, sem prejuízo dos designados
desmentidos formulados pelos detentores do poder político64
.
viram na contingência de alargar o seu âmbito de actuação para as questões sócio-profissionais. Com a
alteração da LDNFA pela Lei nº 18/95, de 13 de Julho, modificou-se o processo de indigitação e
nomeação dos Chefes Militares, pelo que uma vez passando estes a ser exclusivamente escolhidos pelo
poder político, sem interferência das Forças Armadas, os militares passaram a carecer de quem
representasse os seus interesses, sem prejuízo do dever de tutela estabelecido no Artigo 11º do EMFAR,
que estabelece constituir dever do militar “zelar pelos interesses dos seus subordinados e dar
conhecimento, através da via hierárquica, dos problemas de que tenha conhecimento e àqueles digam
respeito”. Assim, no Artigo 4º da Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, estabeleceu-se que o
“estatuto dos dirigentes associativos é aprovado pelo Governo mediante Decreto-Lei” e, através da Lei
Orgânica n.º 4/2001,de 30 de Agosto, foi alterado o Artigo 31º da LDNFA, onde se consagrou o direito
dos militares constituírem “qualquer associação, nomeadamente associações profissionais”,
acrescentando que o “exercício do direito de associação profissional é regulado em lei própria”. Surge,
então, passados estes anos, o novo regime jurídico dos dirigentes associativos das associações
profissionais militares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2007, de 22 de Agosto. Estes encontram-se,
doravante, impedidos de exercer cargos de comando ou direcção das Forças Armadas (cfr. o Artigo 4º
deste diploma legal, questionando-se, aqui, a violação do princípio da igualdade de oportunidades por o
mesmo configurar uma limitação da progressão na carreira dos dirigentes associativos), prevendo-se,
ainda, as respectivas dispensas de serviço para o exercício da sua actividade (Vide os Artigos 7º e 8º do
mesmo diploma).
63
Nos termos do Artigo 161º do EMFAR, sendo declarado o estado de sítio ou a guerra, o militar
na situação de reforma pode ser chamado a prestar serviço efectivo compatível com o seu posto, aptidões
e estado físico e psíquico. Já a prestação de serviço efectivo por militares na reserva processa-se por
decisão do CEM do ramo para o desempenho de cargos ou o exercício de funções militares, por
convocação do CEM do ramo para participação em treinos ou exercícios ou, por último, a requerimento
do próprio mediante despacho favorável do CEM do ramo. O militar na situação de reserva na
efectividade de serviço desempenha cargos ou funções inerentes ao seu posto compatíveis com o seu
estado físico e psíquico, não lhe podendo, em regra, ser cometidas funções de comando e direcção (Cfr.,
os nºs 1 e 2 do Artigo 155º do EMFAR).
64
No final de uma intervenção no Instituto de Defesa Nacional, o então Ministro da Defesa
declarou aos jornalistas querer “desfazer equívocos: não está, não esteve, nem nunca estará em causa tal
limitação. Há deveres que permanecem ao longo de toda a vida dos militares, mas não o que se refere à
sua liberdade de expressão”. Também o então Secretário de Estado da Defesa, JOÃO MIRA GOMES,
afirmou à Lusa que o designado “ante-projecto do RDM trabalhado no MDN com as chefias militares e a
colaboração do Ministério da Justiça”, enviado às APM para a obtenção do seu parecer, “não é mais
restritivo” do que o que está actualmente em vigor, antes “é mais clarificador”, defendendo ainda não
existir nenhuma intenção do Ministério da Defesa de limitar os direitos dos militares constitucionalmente
41
Esta questão teve a sua génese na instauração, inédita, de um processo
disciplinar pela Força Aérea Portuguesa a um Coronel reformado do ramo, LUÍS
FRAGA, autor do blogue Fio de Prumo por, em 12 de Fevereiro de 2008, o mesmo ter
aí criticado as longas filas de espera de militares reformados que aguardam a marcação
das respectivas consultas na entrada do Hospital da Força Aérea, responsabilizando as
Chefias da Força Aérea por tal “estado de coisas – As chefias responsáveis65
(…) – já
deviam ter tomado medidas contra tal estado de coisas”, questionando se não “serão os
Serviços do Estado-Maior da Força Aérea competentes para estudarem e resolverem o
problema da marcação das consultas do Hospital”. O Coronel afirmou, ainda, que “A
atitude das chefias (actuais) é diferente, porque não tendo coragem ou, tendo-a, não
quererem dar dela público manifesto, dando, assim, mostras de uma subserviência ao
poder político que envergonha a tropa que comandam” – parênteses nosso. A nota de
culpa que lhe foi entregue sustentou que tais afirmações violaram o RDM por ferirem a
dignidade, a honra e o bom nome das chefias da Força Aérea Portuguesa e, em
particular, do seu CEM, eram atentatórias da coesão e disciplina na Força Aérea e
denotavam, ainda, falta de respeito pelos respectivos Generais e pelos cargos ocupados
pelos mesmos.
Tratou-se, assim, do primeiro processo disciplinar instaurado contra um militar
fora da efectividade de serviço, ao qual se não aplicam, como afirmou então o seu
defensor, EMANUEL PAMPLONA, “as restrições constitucionais relativas à liberdade
de expressão”66
.
Nas semanas que se seguiram, numa manifestação nada habitual nas altas
hierarquias militares, por norma moderadas e conciliadoras, vários Generais, como
LOUREIRO DOS SANTOS, MARTINS BARRENTO e GARCIA LEANDRO
dirigiram duras críticas aos vícios do sistema político, à crise económica e social, às
assimetrias na distribuição do rendimento, à perda de soberania nacional, ao Governo, à
consagrados, “excepto aqueles que voluntariamente abdicam quando abraçam a vida militar”.
Questionado sobre o processo instaurado ao Coronel reformado, disse não o conhecer, “até porque as
chefias militares detêm a competência exclusiva disciplinar”, acentuando ainda que “a iniciativa em curso
(reforma na disciplina militar) não se guia por “timings” no âmbito das acções disciplinares dos chefes
militar” – parênteses nosso.
65
O mesmo Coronel veio a identificar as “chefias responsáveis” em artigo (post) posterior como
sendo o “Director do Hospital, o Comandante da Base do Lumiar, o Director do Serviço de Saúde, o
Comandante do Pessoal da Força Aérea e o CEMFA”.
66
Note-se que este processo viria a ser arquivado por Despacho do CEMFA.
42
política de defesa, à violação de compromissos do executivo para com os militares,
insurgindo-se, por fim, em bloco, contra a intencionada alteração do Artigo 5º do RDM,
que estabelece a quem incumbe cumprir os deveres militares (âmbito subjectivo)67
.
LOUREIRO DOS SANTOS, que saliente-se, já desempenhou o cargo de
Ministro da Defesa Nacional dos IV (MOTA PINTO) e V (LOURDES PINTASSILGO)
Governos Constitucionais68
, considerou tal alteração inconstitucional face ao Artigo
270º da CRP, que reserva a restrição dos direitos fundamentais aos militares em
efectividade de serviço. Afirmou que os militares reformados “são cidadãos iguais aos
outros, com os mesmos direitos e os mesmos deveres e acrescenta se os militares
reformados, por exemplo, insultarem a bandeira, há os tribunais civis para se
pronunciarem”.
MARTINS BARRENTO, antigo CEME e co-autor de textos críticos sobre as
políticas do sector publicados pela Revista Militar, disse ser “muito estranho” alargar a
restrição da liberdade de expressão aos militares reformados e reservistas, salientando a
muitas vezes apontada “pouca sensibilidade para os assuntos militares”.
Já GARCIA LEANDRO, ex-Governador de Macau e ex-Presidente do
Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT)69
,
avisava “não vou deixar de me pronunciar mesmo que a alteração seja aprovada porque
antes de ser um oficial militar sou um cidadão”, afirmando, ainda, não conhecer “países
no mundo onde Oficiais aposentados e com uma longa carreira de serviço à Nação e ao
Estado não possam transmitir as suas opiniões”. Levantou, no entanto, a possibilidade
de se tratar de um mero sinal condicionador do Governo, ou seja, uma possível
“operação de dissuasão”.
Alerta, a comunicação social afirmava “o Governo parece ter decidido calar-lhes
a boca com uma lei da rolha para os militares reformados, querendo aplicar-lhes o dever
67
Relevam ainda muitas outras entidades, como os Generais ESPÍRITO SANTO (antigo CEME
e CEMGFA), SILVA CARDOSO (Alto Comissário em Angola, depois de ter integrado a Junta
Governativa logo após o 25 de Abril), ROCHA VIEIRA (antigo Governador de Macau, Ex-Director do
Instituto dos Altos Estudos Militares – IASFA, actual Instituto dos Estudos Superiores Militares – IESM
e antigo CEME), SILVESTRE SANTOS (da Força Aérea Portuguesa), o Vice-Almirante REIS
RODRIGUES e o Coronel VASCO LOURENÇO (figura de proa do movimento do Capitães e actual
Presidente da Associação 25 de Abril), que se têm vindo a pronunciar no sentido apontado, pelo que por
este motivo se omite a menção dos demais.
68
LOUREIRO DOS SANTOS ostenta ainda no seu curriculum a chefia do Estado-Maior do
Exército e a direcção do IASFA, actual IESM.
69
GARCIA LEANDRO foi também vice-chefe do Estado-Maior do Exército e Director do
IASFA, actual IESM.
43
de reserva que só abrangia militares no activo” – leia-se, em serviço efectivo. Perante tal
cenário, perspectivar-se-ia a ameaça das próprias opiniões políticas de carácter geral e a
eliminação das possíveis chamadas de atenção para “situações que não estão a funcionar
bem nas Forças Armadas e no País”, referindo-se LOUREIRO DOS SANTOS a uma
“espécie de válvula de escape”, o que, a acontecer, nos colocaria, nas palavras do
mesmo General, “perante uma situação de Estado policial”70
.
2.6.5. ANO DE 2009
Depois de trinta anos de antiguidade do diploma legal que sustenta a disciplina
das Forças Armadas e, bem assim, a (in)segurança do Estado, surgiram finalmente os
ventos decisivos da tão aguardada reforma da disciplina militar.
Com efeito, a partir do mês de Abril de 2008, as APM divulgavam através dos
meios de comunicação social e nos respectivos sites da internet terem-lhes sido
solicitados, pelo Ministro da Defesa Nacional, os respectivos contributos relativamente
a um anteprojecto legislativo. E já em 11 de Dezembro de 2008, fez-se pública a
aprovação, pelo Conselho de Ministros, de uma proposta de Lei que aprova o novo
RDM.
Afirmou-se então que esta Proposta, a submeter à aprovação da Assembleia da
Republica, vinha estabelecer “os valores militares fundamentais, as finalidades, o
sentido e o conteúdo da disciplina militar, bem como o âmbito da sua aplicação,
70
Relativamente às críticas dos Generais sobre o défice de democracia e liberdade no País, é
pertinente atendermos à análise feita por três politólogos, a pedido do Semanário. Assim, ANTÓNIO
COSTA PINTO não crê haver défice de liberdade. Afirma tratarem-se (antes) de “declarações que
remetem para uma conjuntura particular. As Forças Armadas deram um grande salto na
profissionalização e na sua retirada da esfera política. Por vezes alguma regulamentação pode ser
limitadora da liberdade de expressão dos militares, mas a retirada dos militares da esfera política deve ser
a norma”. Por sua vez, JOAQUIM AGUIAR defende que os militares “são apenas os menos iludidos dos
actuais grupos corporativos mas que, por terem estado na origem do regime democrático, estão em
melhores condições para identificar e interpretar a fantasia em que os responsáveis políticos mergulharam
Portugal. Não têm um projecto político, mas têm um sentido da honra que outros já perderam”. Já
ADELINO MALTEZ opina no sentido de “parecer que algumas declarações dos militares vão além da
mera autodefesa corporativa, tendo algo de recado dos pais fundadores do regime face à presente
decadência de um sistema que vai amarfanhando o próprio regime. Mais grave parece ser a intenção
governamental de lei da rolha, num processo de compressão da liberdade de expressão que também afecta
certas secções universitárias, onde alguns conselhos directivos e certas inspecções parecem reduzir
instituições marcadas pela honra e pela inteligência a dependerem de discursos oficiosos da hierarquia
verticalista de certo estilo “decretino” e quase hierocrático”.
44
adequando a Disciplina Militar às mudanças ocorridas nas Forças Armadas em
particular e na sociedade em geral nas últimas três décadas”.
Declarando a impressão de “elementos de evolução e modernidade”, com a
salvaguarda da coerência com o núcleo valorativo essencial da disciplina militar, teriam
norteado a revisão do RDM “três grandes objectivos”: “A actualização e concretização
objectiva dos deveres militares, procedendo-se a uma definição clara dos deveres
especiais dos militares, a par da clarificação de quais se aplicam fora da efectividade de
serviço, como seja o dever de disponibilidade, próprio dessa situação, ou o dever de
aprumo”; “A eliminação das penas tidas como excessivas no actual contexto, como a
pena de reserva compulsiva e a pena de prisão disciplinar agravada, bem como a
introdução de novas penas, decorrente do serviço militar ser hoje prestado também por
militares em regime de voluntariado e contrato; e “A consagração plena do princípio da
igualdade, face à Lei e à Disciplina, de todos os militares, independentemente do
respectivo posto, pelo desaparecimento da estratificação das penas em função da
categoria dos militares (oficiais, sargentos e praças) ”.
Em 10 de Fevereiro de 2009, uma delegação da direcção da AOFA constituída
pelo seu Presidente, Vice-Presidente, Secretário-Geral, Secretário e Assessor Jurídico
foi recebida em audiência pela Comissão de Defesa Nacional, no decurso da qual as
diversas forças políticas teriam alegadamente demonstrado “abertura em melhorar a
Proposta de Lei”.
Paralelamente, GUILHERME DA FONSECA, Juiz-Conselheiro jubilado do
Tribunal Constitucional, ANTÓNIO BERNARDO COLAÇO, já identificado supra,
JOÃO MORGADO ALVES, Procurador-Geral-Adjunto jubilado e FERNANDO
FREIRE, Advogado da ANS, subscreveram aquilo que designaram uma carta, que
dirigiram ao presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, MIRANDA CALHA, no
sentido de lhe transmitirem a sua “grave preocupação” com o articulado da proposta
governamental sobre o RDM, defendendo que esta “confunde disciplina com castigo”.
Para estes autores, o legislador revela ter “uma noção restrita de Disciplina, deixando
para trás a tradição militar de entender esta como o voluntário exercício da coesão dos
corpos militares, aos fins comuns e constitucionais, com base na motivação pelo
exemplo das chefias, a correcta e ponderada aplicação das sanções e a salutar exigência
do mútuo respeito e lealdade entre quem manda e quem obedece”.
Sem prejuízo das críticas até então tecidas, através da Lei Orgânica n.º 2/2009,
de 22 de Julho, publicada na mesma data no Diário da República, foi finalmente
45
aprovado o novo RDM, com a ressalva da aplicação do RDM aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, aos processos em curso.
Indubitável é que o poder de comando se encontra ferido. As Chefias Militares
estão receosas porque o edifício hierárquico, construído sobre pilares tradicionais,
ameaça ruir. … Surpreende-nos, assim, a pertinência do alerta formulado há cerca de
dez anos e agora transportado para esta sede, de LOUREIRO DOS SANTOS71
“em
democracia, as Forças Armadas não devem ser um instrumento a ser manipulado a favor
de interesses ilegítimos pelo poder, nem uma ameaça que constranja a sua actuação
independente (…) e que o ameace. Contudo, isto não é compaginável com uma
menorização dos militares, não lhes reconhecendo direitos compatíveis com a
democracia que, naturalmente, neste regime, só são admissíveis num quadro de
limitações e restrições severo, que os militares, aliás, compreendem e aceitam”.
Gera-se, assim, uma espécie de inquietação ou instabilidade sempre que a
legitimidade de quem exerce o poder não se revela pacífica. As (ainda controladas)
intervenções militares são, assim, o lado visível do mal-estar interno existente no seio
das Forças Armadas, cuja responsabilidade se deve colher nas fragilidades emanadas do
poder político. Como afirma SAMUEL P. HUNTINGTON72
, “As explicações de ordem
militar simplesmente não explicam as intervenções militares. O facto é que elas são
apenas uma manifestação de um fenómeno mais amplo (…): a politização geral das
forças sociais (…). A sociedade toda está fora de compasso, não apenas as forças
militares (…). Essas causas (das intervenções militares na política), não serão
encontradas na natureza do grupo mas sim na natureza da sociedade e estão
especificamente na ausência ou na fragilidade de instituições políticas efectivas (…)”.
Ora considerando que o processo disciplinar se nos apresenta como o elemento
decisivo da consolidação da necessária disciplina de um Corpo de Tropas, analisemos,
assim, a edificação jurídica anterior da disciplina militar, bem como a designada
“revisão”, atentos os sempre oportunos ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE e
DIAS MARQUES relativamente à interpretação da lei73
.
71
Reflexões sobre Estratégia – Temas de Segurança e Defesa, Instituto de Altos Estudos
Militares, Publicações Europa-América, 2000, pág. 193 ss.
72
A Ordem Política nas Sociedades em Mudança, Ed. Universidade de S. Paulo, Rio de Janeiro,
1975, pág. 206.
73
Como acentuou MANUEL DE ANDRADE, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das
Leis, 4ª Edição, Arménio Amado, Coimbra, 1997, “o escopo final a que converge todo o processo
interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei; interpretar, em matéria de leis, quer
46
CAPÍTULO III - A DISCIPLINAR MILITAR
3.1. O REGIME DISCIPLINAR E OS DEVERES MILITARES
ESPECIAIS
Nos termos do Artigo 2º da LDNFA, que estabelece as bases gerais a que
obedece o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos
quadros permanentes em qualquer situação e dos restantes militares enquanto na
efectividade de serviço e define os princípios orientadores das respectivas carreiras, a
condição militar caracteriza-se designadamente pela “subordinação à hierarquia
militar”, nos termos da Lei e pela aplicação de um “regime disciplinar próprio”74
.
Ora a “subordinação à disciplina militar”75
baseia-se, conforme dispõe o n.º 1 do
Artigo 4º das BGECM, “no cumprimento das leis e regulamentos respectivos e no dever
de obediência aos escalões hierárquicos superiores76
, bem como no dever do exercício
dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, de entre as várias
significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva”. Já in Introdução ao
Estudo do Direito, Editora Danúbio, Lisboa, 1986, J. DIAS MARQUES escreveu “o artigo 9º do Código
Civil, no seu nº 1, acentua, com grande nitidez, a distinção existente entre o texto ou letra da lei e os
elementos não textuais da interpretação, nomeadamente, o enquadramento sistemático resultante da
consideração da unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e, também as
condições específicas do tempo em que é aplicada. Naturalmente, é de supor que o autor da lei, bom
conhecedor que deve ser da língua portuguesa e da terminologia jurídica, terá procurado cuidadosamente
as palavras mais adequadas para exprimir a norma de que se trata ou, em outros termos, terá sabido
exprimir o seu pensamento em termos adequados. Por isso, o sentido da lei há-de buscar-se, antes de mais
e principalmente, nas suas próprias palavras, as quais constituem o que habitualmente se designa
elemento textual ou elemento literal”.
74
Vide os termos empregues, iguais aos utilizados na redacção do Artigo 1º das BGECM, bem
como as al. al. d) e e), respectivamente, do Artigo 2º deste diploma legal. As exigências específicas do
ordenamento aplicável às Forças Armadas em matéria de justiça e de disciplina encontram-se reguladas,
respectivamente, no Código de Justiça Militar (CJM), aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de
Novembro e no RDM.
75
O Artigo 1º do anterior RDM dispõe que “A disciplina militar consiste na exacta observância
das leis e regulamentos militares e das determinações que de umas e outros derivam; resulta,
essencialmente, de um estado de espírito, baseado no civismo e patriotismo, que conduz voluntariamente
ao cumprimento individual ou em grupo da missão que cabe às Forças Armadas”. Sobre as bases da
disciplina, Vide, ainda, o Artigo 2º do anterior RDM.
76
O dever de obediência consiste “em cumprir, completa e prontamente, as leis e regulamentos
militares e as determinações que de umas e outros derivam, bem como as ordens e instruções dimanadas
de superior hierárquico, dadas em assuntos de serviço, desde que o seu cumprimento não implique a
prática de crime” (cfr. o n.º 2 do Artigo 4º das BGECM). Sobre o dever de obediência, Vide, ainda, o
Artigo 12º do EMFAR.
47
responsável da autoridade”. Por sua vez, o exercício dos poderes de autoridade, o dever
de subordinação e a responsabilidade de cada militar “decorrem das posições” que
ocupam na escala hierárquica e dos cargos que desempenham77
.
Segundo o Artigo 1º do Regulamento Disciplinar, de 2 de Maio de 1913, a
disciplina militar era já definida como “o laço moral que liga entre si os diversos graus
da hierarquia militar; nasce da dedicação pelo dever e consiste na estrita e pontual
observância das leis e regulamentos militares”. A disciplina é, pois, condição do
cumprimento da missão constitucionalmente atribuída às Forças Armadas, pelo que os
militares que integram as suas fileiras devem cumprir os deveres militares especiais
estabelecidos no RDM.
O EMFAR atribui, ainda, aos militares, para além do supra mencionado dever
de obediência e do já referido dever de tutela, o dever de dedicação ao serviço, o dever
de disponibilidade, bem como os deveres previstos no n.º 2 do Artigo 15º, entre os quais
consta expressamente o de “cumprir e fazer cumprir a disciplina militar”78
.
Assim, a violação de qualquer dever previsto é punível nos termos do
procedimento regulado no RDM, na medida em que tal violação consubstancie uma
infracção disciplinar.79
O Artigo 4º do anterior RDM enunciava cinquenta e cinco deveres especiais a
cumprir pelo militar, embora alguns deles consubstanciassem o mesmo dever de
disciplina. Os cinquenta e cinco deveres especiais dos militares foram actualmente
convertidos em apenas treze, sendo muitos daqueles tão-só reconduzidos às alíneas dos
novos deveres especiais. 80
Para além de se estranhar a consagração de um ”dever de
honestidade”, sobretudo para integrar o respeito por incompatibilidades legais e o não
77
Os militares têm atribuído um posto hierárquico, indicativo da sua categoria (Oficial, Sargento
ou Praça), bem como uma antiguidade nesse posto (Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 10º das BGECM). A
obediência é sempre devida ao mais graduado e, em caso de igualdade de graduação, ao mais antigo,
exceptuando-se as situações em que o militar seja investido em cargo ou funções de serviço em relação
aos quais se encontre ou seja determinado o contrário. Nos termos do n.º 1 do Artigo 10º do EMFAR, o
militar que exerça funções de comando, direcção ou chefia exerce o poder de autoridade inerente a essas
funções, bem como a correspondente competência disciplinar.
78
Vide os Artigos 11º a 15º do EMFAR, designadamente a al. e) do n.º 2 deste último preceito
normativo.
79
Cfr. o Artigo 17º do EMFAR. Sobre o conceito de infracção de disciplina, Vide o Artigo 3º do
anterior RDM: “Infracção de disciplina punível por este Regulamento é toda a omissão ou acção contrária
ao dever militar que pelo Código de Justiça Militar não seja qualificada crime”.
80
Vide os Artigos 11º a 24º do novo RDM.
48
cometimento de crimes contra o património, verifica-se, além disso, pouco rigor na
técnica jurídica utilizada, salientando-se, nomeadamente, a enunciação de factos cuja
violação corresponde a mais do que um dever jurídico. Vejam-se, por exemplo, as al. b)
e e) do n.º 2 do Artigo 23º do novo RDM, dedicado ao dever de correcção, cujos factos
integram, incontornavelmente, o dever de obediência.
O novo RDM consubstancia indubitavelmente um ponto de viragem no regime
jurídico vigente durante três décadas em Portugal.
E se à partida seria de louvar a decisão de finalmente rever um regulamento
manifestamente obsoleto face à evolução política, social e constitucional a que vimos
assistindo de há trinta anos a esta parte, não podemos, porém, negar as reticências que
nos causa a abolição, neste diploma legal, de um quadro de valores e referências
honradamente estribado na aceitação natural e responsável da hierarquia e da autoridade
militares e na ênfase dada aos valores éticos dirigidos à conduta do superior hierárquico,
com vista ao desempenho de uma missão comum.
Neste sentido, foram eliminados os Artigos 2º (Bases da disciplina), 7º
(Subordinação funcional) e 8º (Faculdade de alterar recompensas ou punições), o que
evidencia a pouca sensibilidade relativamente à necessária existência da hierarquia
(efectiva) no seio de umas Forças Armadas que se querem disciplinadas, confundindo-
as com uma entidade empregadora pública indiferenciada.
3.2. O PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR
A crescente consciencialização social dos direitos e das garantias individuais
reclama que olhemos (igualmente) para o Arguido do processo disciplinar militar dos
nossos dias. O mais das vezes, este vê-se enredado num processo (quase) kafkiano,
pautado por normas pouco pacíficas num país livre, cujo serviço militar se baseia no
voluntariado daqueles que integram as respectivas fileiras, sendo o processo disciplinar
instruído por um Oficial Instrutor nomeado em obediência a uma escala elaborada para
o efeito, (quase sempre) integrada por Oficiais sem formação técnica, louvável
configure, embora, o significativo esforço empreendido no sentido do encaminhamento
da tramitação processual a bom porto e, bem assim, da proposição da (tida como a)
melhor decisão.
49
Pressuposta a integração, formal e material, do Direito Militar, designadamente no
âmbito da actividade meramente administrativa, no Direito Constitucional, afiramos,
assim, as efectivas garantias concedidas ao Arguido no âmbito do (seu) processo
disciplinar, face ao procedimento administrativo estabelecido que, não raras vezes,
culmina com a aplicação de punições disciplinares diferenciadas díspares, aplicadas não
raras vezes para efeitos da cominação de circunstâncias de facto em tudo similares,
distinguindo-se tão-só o legalmente estabelecido critério pessoal da entidade
competente para o exercício da acção disciplinar81
.
3.2.1 A CELERIDADE, SIMPLICIDADE E NATUREZA SECRETA
DO PROCESSO
Em obediência aos princípios da celeridade e da simplicidade, o processo
disciplinar militar é sumário, não depende de formalidades especiais e dispensa tudo o
que for considerado inútil, impertinente e dilatório82
.
Ao abrigo do anterior RDM, a instrução do processo disciplinar devia ser
concluída no prazo de quinze dias, contados da data da sua instauração, podendo tal
prazo ser prorrogado, por dois períodos únicos e sucessivos não superiores a quinze
dias, quando circunstâncias excepcionais o justificassem83
.
Nos termos dos n.º 1 e 2 do Artigo 93º do novo RDM, a instrução do processo
disciplinar deve ser concluída no prazo de trinta dias, contados do início da instrução,
podendo, no entanto, quando circunstâncias excepcionais, deixadas ao critério do
aplicador, não permitam a conclusão do processo do prazo determinado, o prazo ser
prorrogado, na medida do estritamente necessário, não devendo exceder, em regra,
81
Note-se que ainda que se procure, através de reuniões de comando, ou por outros processos
julgados convenientes, alguns ajustamentos, o critério a adoptar e definido para a acção disciplinar é
pessoal (Vide v.g. o Artigo 96º do Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército – RGSUE –
publicação não classificada aprovada por despacho, de 3 de Fevereiro de 1986, com as alterações
introduzidas pelo despacho, de 14 de Setembro de 2005, do CEME).
82
Cfr o Artigo 80º do anterior RDM e o Artigo 81º do novo RDM. Nos termos do anterior RDM,
o processo disciplinar era, em regra, escrito, só podendo dispensar-se a forma escrita nas situações
previstas nos nºs 2 e 3 do seu Artigo 83º. Nos termos do Artigo 80º do novo RDM, os actos do processo
revestem a forma escrita.
83
Conforme dispõe expressamente o Artigo 82º do novo RDM, a contagem de prazos realiza-se
nos termos do procedimento administrativo (Vide o Artigo 72º do CPA).
50
noventa dias. Ora tal prazo é manifestamente excessivo, com a agravante de poder ser
largamente excedido, o que colide com o princípio da celeridade processual.
A efectiva prorrogação do prazo para a conclusão da instrução do processo
disciplinar militar depende do deferimento de requerimento com o motivo justificativo
da demora, constante dos autos, dirigido pelo Oficial Instrutor ao Chefe que o
nomeou84
. Salvaguarda-se, no entanto, a natureza meramente ordenadora da marcha do
procedimento, não resultando qualquer irregularidade processual decorrente da eventual
inobservância do prazo previsto pela Administração. Tal não significa não poderem
ocorrer consequências, em sede disciplinar, adequadas às circunstâncias atinentes à
demora injustificada da instrução processual – instaurando, por exemplo, o Chefe que
nomeou o Oficial Instrutor, um processo disciplinar contra este por violação do dever de
zelo – mas serão sempre consequências exteriores ao processo disciplinar em curso.
O anterior RDM estabelecia a confidencialidade do processo disciplinar sem
qualquer diferenciação da fase do procedimento. Proibia-se, ainda, expressamente, a
publicação de quaisquer peças do processo disciplinar85
. Não obstante, a preconizada
confidencialidade ficava ab initio comprometida, desde a publicação do Despacho de
instauração do processo disciplinar e de nomeação do Oficial Instrutor na Ordem de
Serviço (OS) da U/E/O, relativamente a um concreto militar, devidamente identificado e
(também) objecto de um artigo autónomo (esta questão subsiste ainda hoje, nesta parte),
até à publicação do Despacho com a decisão final do processo, também em OS86
.
Atendendo, ainda, a que somente se exclui do dever de publicação em OS as penas
disciplinares mais leves87
, bem como ao facto de os próprios artigos publicados serem
lidos nas formaturas de início de trabalhos das Unidades militares, conclui-se que o
intento dissuasor, repressivo e de retribuição se sobrepõe, indubitavelmente, à referida
confidencialidade.
84
Vide o n.º 2 do Artigo 92º do anterior RDM e o n.º 2 do Artigo 93º do novo RDM.
85
Cfr. os nºs 1 e 3 do Artigo 81º do anterior RDM.
86
Vide o Artigo 96º do anterior RDM e o n.º 1 do Artigo 107º do novo RDM. A realizar-se da
forma almejada, a publicação em OS terá necessariamente de ser realizada na U/E/O onde a pena tiver
sido aplicada e na U/E/O onde o Arguido se encontra a prestar serviço, caso as mesmas (já) não
coincidam ao tempo da decisão.
87
Vide o Artigo 154º do anterior RDM (pena de faxina, repreensão e repreensão agravada) e o
n.º 3 do Artigo 107º do novo RDM (pena de repreensão e de repreensão agravada).
51
A confidencialidade do processo disciplinar justifica-se até ao conhecimento da
nota de culpa pelo Arguido, pelo que andou bem o legislador ao estabelecer, no n.º 1 do
Artigo 76º do novo RDM, a natureza secreta do processo “até à notificação da
acusação”.
3.2.2. DA NOTÍCIA DA INFRACÇÃO AO EXERCÍCIO DA ACÇÃO
DISCIPLINAR
A ocorrência de uma qualquer omissão ou acção contrária ao dever militar,
desencadeia o exercício da acção disciplinar, sendo obrigatoriamente e de imediato,
instaurado o processo disciplinar, por decisão dos Chefes Militares, logo que estes
tenham conhecimento de factos com relevância jurídico-disciplinar (ou ético-
juridicamente censuráveis), passíveis de consubstanciar uma infracção disciplinar
(infracção de disciplina) e, bem assim, susceptíveis de fazer os seus subordinados
incorrer em responsabilidade disciplinar88
.
A competência para instaurar ou mandar instaurar o processo disciplinar integra
a competência disciplinar89
. Em sequência, nos termos do disposto no Artigo 6º do
anterior RDM e do n.º 1 do Artigo 64º do novo RDM, a competência disciplinar assenta
no poder de comando, direcção ou chefia e nas correspondentes relações de
subordinação, resultando, assim, do exercício da função e não do posto hierárquico. Tal
resulta inequívoco no Artigo 66º do novo RDM, que preconiza que o militar que
assumir comando, direcção ou chefia a que corresponda posto superior ao seu tem,
enquanto durar essa situação, a competência disciplinar correspondente à função que
exerce.
A competência disciplinar fixa-se no momento em que é praticado o acto que dá
origem à (recompensa ou) punição e não se altera pelo facto de posteriormente cessar a
subordinação funcional. Por sua vez, a subordinação funcional inicia-se no momento em
que o militar, por título legítimo, fica sujeito, transitória ou permanentemente, às ordens
de determinado comandante, director ou chefe, e dura enquanto essa situação se
88
Vide os Artigos 3º e 77º do anterior RDM e o Artigo 75º do novo RDM.
89
Vide o n.º 2 do Artigo 64º do novo RDM.
52
mantiver90
. Daí se compreenda que os militares em trânsito mantenham a dependência
da unidade, estabelecimento ou órgão que lhes emitiu a guia de marcha até à
apresentação na unidade, estabelecimento ou órgão de destino91
. Releva, assim, o
momento da prática do facto, momento este que fixa a competência e determina o início
da tramitação. Visam, pois, tais preceitos normativos assegurar a estabilidade do
procedimento disciplinar (semel competens semper competens).
Salienta-se o carácter público da infracção disciplinar militar, uma vez que o
exercício da acção disciplinar não depende de participação, queixa ou denúncia, nem
sequer da forma por que a ocorrência dos referidos factos chega ao conhecimento dos
Chefes, carácter que se manteve no Artigo 74º do novo RDM92
.
Acerca da participação da infracção disciplinar, o n.º 1 do Artigo 14º do anterior
RDM dispunha que os militares a quem o Regulamento conferisse competência
disciplinar deveriam participar superiormente, por escrito, qualquer acto que tivessem
presenciado ou de que oficialmente tivessem conhecimento, praticado pelos seus
inferiores hierárquicos e que lhes parecesse dever ser punido. Do mesmo modo deveria
proceder o militar que tivesse de punir um subordinado por acto a que julgasse
corresponder pena superior à sua competência, participando o facto, por escrito, ao seu
chefe imediato93
. Acrescentava o Artigo 69º do anterior RDM que o participante de uma
infracção disciplinar deveria “procurar esclarecer-se previamente” acerca das
circunstâncias que caracterizavam a infracção, ouvindo, sempre que fosse conveniente e
possível, o infractor.
Salienta-se, ainda – e sem prejuízo do dever do participante de procurar
esclarecer-se previamente acerca das circunstâncias que caracterizam a infracção de
disciplina, ouvindo, sempre que fosse conveniente, o infractor, questionando-se embora
os critérios de conveniência presentes no espírito do legislador – a desconcertante força
probatória atribuída no Artigo 91º do anterior RDM à participação formalizada pelo
militar da categoria de Oficial. Note-se que o preceito se referia exclusivamente à
participação de Oficial, pelo que não valeria para estes efeitos a participação de um
90
Vide os nºs 2 e 3 do Artigo 7º do anterior RDM e o Artigo 65º do novo RDM.
91
Vide o n.º 1 do Artigo 67º do novo RDM.
92
Vide o Artigo 78º do anterior RDM. O auto de notícia pode também desencadear o exercício
da acção disciplinar e equivale à denúncia.
93
Vide o n.º 2 do mesmo preceito legal.
53
militar graduado da categoria de Sargento, ainda que excepcionalmente e
provisoriamente estivesse investido de funções de posto superior nos termos do Artigo
41º do EMFAR.
Durante cerca de trinta anos, presumiu-se, assim, como verdadeira, “a parte
dada” por Oficial “contra um seu inferior e respeitante a actos por ele presenciados”,
não carecendo da indicação de testemunhas. Via-se, pois, o participado na contingência
de ter de ilidir tal presunção legal de veracidade mediante a produção de prova em
contrário, no sentido da sua inocência ou, quiçá, menor culpabilidade, na prática da
infracção de disciplina participada. Este normativo tinha enraizado e como única razão
de ser uma concepção clássica da hierarquia militar que não se coadunava há largos
anos com os preceitos constitucionais vigentes, designadamente, com o princípio da
presunção de inocência do Arguido e, bem assim, com o princípio do contraditório,
sendo de louvar a inexistência de preceito legal igual ou semelhante no novo RDM94
.
Nos termos do n.º 1 do Artigo 84º do novo RDM, a participação de facto
passível de sanção disciplinar é dever de todo o superior hierárquico que o tenha
presenciado ou dele tenha tomado conhecimento (já sem o conhecimento oficial das
suas circunstâncias?!) e não disponha de competência para instaurar o respectivo
procedimento. Consagra ainda o n.º 2 do Artigo 84º do novo RDM a curiosa
possibilidade, que nada acrescenta, de “todo aquele que não for militar” participar ao
superior hierárquico do militar o facto passível de sanção disciplinar que tenha
presenciado ou tomado conhecimento, (paradoxalmente) devendo, nesta hipótese,
descrevê-lo da “forma mais exacta possível”.
O direito de queixa tem assento constitucional no n.º 1 do Artigo 52º, enquanto
vertente do direito de petição (individual), constituindo um dos consagrados direitos,
liberdades e garantias de participação política.
Nos termos do Artigo 74º do anterior RDM e do n.º 1 do Artigo 85º do novo
RDM, assiste ao militar o direito de queixa contra superior quando por este for
praticado qualquer acto de que resulte para o inferior lesão de direitos. A queixa é
singular, tendo o seu prazo aumentado de quarenta e oito horas no n.º 1 do Artigo 75º do
anterior RDM para cinco dias no n.º 2 do Artigo 85º do novo RDM, contados do facto
que a determinou. Além disso, a queixa podia ser verbalmente dirigida ao superior
hierárquico do militar contra quem se fazia a queixa, devendo actualmente a queixa
94
Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 32º da CRP.
54
assumir a forma escrita e serem utilizadas as vias competentes. Manteve-se, porém, a
exigibilidade da comunicação do queixoso ao superior hierárquico objecto da queixa,
questionando-se a razão de ser do temor reverencial e do respeito hiperbolizado pelo
princípio da hierarquia subjacentes95
. Note-se que na ausência do superior hierárquico
objecto da queixa, a informação do queixoso é enviada pelas vias competentes, à
secretaria da unidade, estabelecimento ou órgão a que pertence o militar de quem se faz
a queixa, não sendo, assim, difícil de imaginar o recíproco melindre que tais
formalidades impõem em tais circunstâncias.
E se ab initio se tem como boa a declaração de inconstitucionalidade
relativamente à responsabilidade disciplinar emergente de anomalias relativas à queixa,
na parte em que previa a punição disciplinar do militar queixoso quando
manifestamente se reconhecesse não haver fundamento para a queixa, por violação do
preceituado nas disposições conjugadas do Artigo 18º, n.º 2 e 52º, ambos da CRP96
,
revela-se, porém, incompreensível que, a par da manutenção da obrigatoriedade de o
exercício do direito de queixa ser precedido pela “informação do queixoso àquele de
quem tenha de se queixar”, por respeito, em qualquer circunstância, ao superior posto
ou à maior antiguidade da hierarquia militar, se salvaguarde o receio da possibilidade de
paralisação do militar queixoso (ou da designada efectiva restrição ao direito de
petição), pelo simples medo de ver instaurado contra si um processo disciplinar,
revelador, pois, de uma visão tradicional da hierarquia militar, a ultrapassar, traduzida
no receio de o superior hierárquico vir (arbitrária e unilateralmente) a entender não
existir, reitere-se que manifestamente, fundamento para a queixa apresentada por um
militar, presumivelmente com falta de conhecimento ou de entendimento, concepção
esta não consentânea com a realidade escolar e mesmo académica dos militares das três
categorias existentes nas fileiras das Forças Armadas dos nossos dias. Considera-se,
assim, existir uma incontornável falta de coerência nos preceitos legais aplicáveis.
À semelhança das queixas caluniosas, em que o direito de petição ou queixa se
encontra negativamente delimitado, de forma a não colidir, nomeadamente com o
direito ao bom nome e à reputação consignados no n.º 1 do Artigo 26 da CRP,
questiona-se, ainda, a bondade de a lei proteger o militar que formalmente exerça o
95
Vide o n.º 1 do Artigo 75º do anterior RDM e o n.º 3 do Artigo 85º do novo RDM.
96
Vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da República, n.º
11, 1ª Série, de 13 de Maio.
55
direito de petição para atingir fins não necessariamente dolosos, mas manifestamente
alheios à razão de ser da sua protecção excedendo os limites imanentes do seu direito e
pondo em causa o conteúdo essencial de outro direito. Pense-se, por exemplo, no
exercício arbitrário do direito de queixa, reiterando-se a redutibilidade da parte do
preceito normativo vigente, circunscrito às situações em que se mostre que houve
propósito malicioso da parte do queixoso na sua apresentação, ou seja, dolo.
Por maioria de razão, salienta-se, no entanto, a feliz consagração de uma norma
semelhante em favor dos participados no Artigo 86º do novo RDM, como era desejável,
porquanto os fins maliciosos podem ser transversais a todas as categorias de militares,
questionando-se, porém, o modo de a entidade a quem foi dirigida a participação (ou a
queixa) concluir pela apresentação dolosa da participação (ou da queixa), “com o intuito
de prejudicar o militar objecto da mesma”. Deveria, assim, ter-se pelo menos
salvaguardado legalmente a mera possibilidade do exercício da acção disciplinar contra
quem tenha agido de má fé e não a sua obrigatoriedade, até pelo grau de
discricionariedade ou eventual arbitrariedade que esta matéria pode importar. Pense-se
na simples instauração automática de procedimento disciplinar contra o autor da queixa
ou da participação por excesso de zelo do detentor do poder disciplinar.
O exercício da acção disciplinar continua, pois, a ser desencadeado
independentemente da forma como os factos chegam ao conhecimento dos Chefes
Militares, deixando o Arguido numa posição fragilizada face a um aplicador da
disciplina militar que poderá não ser isento ou actuar condicionado pelos preceitos
legais em vigor. Procura-se, afinal, anular qualquer resultado potencialmente
perturbador da disciplina. Questiona-se, no entanto, se – e sem prejuízo das
naturalmente presumidas melhores intenções – a competência disciplinar atribuída aos
Chefes não corre o (sério) risco de se converter em acção arbitrária, podendo (-devendo)
instaurar ou mandar instaurar um processo baseado em factos ou omissões, a título
exemplificativo, sem os ter presenciado, sem o conhecimento oficial das suas
circunstâncias ou sem eventualmente terem, sequer, a (suficiente) convicção da
probabilidade da sua verificação, sem prejuízo da possibilidade estabelecida de proceder
ou mandar proceder às averiguações que entenderem necessárias.
Havendo quaisquer indícios de infracção disciplinar que não sejam suficientes
ou sérios (o Artigo 97º do anterior RDM previa ainda o vago rumor face ao n.º 1 do
Artigo 109º do novo RDM), ou desconhecendo-se os seus autores, os Chefes têm a
(mera) faculdade de proceder ou mandar proceder às averiguações que julguem
56
necessárias, inferindo-se, assim, a igual faculdade legal de serem imediatamente
instaurados processos disciplinares em tais circunstâncias, o que não se concebe,
considerando-se a actual descrição do objectivo do processo de averiguações constante
do n.º 2 do Artigo 109º do novo RDM manifestamente insuficiente97
. Como
efectivamente elenca, em termos genéricos, o n.º 1 do Artigo 89º do novo RDM, logo
que seja recebida a participação ou a queixa, a entidade competente deve proferir
despacho (liminar), “mandando” instaurar processo disciplinar, instaurar processo de
averiguações ou arquivar a participação ou a queixa.
3.2.3. A INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO
DISCIPLINAR
Sempre que o ilícito cometido for passível de integrar ilícito penal de natureza
pública, é obrigatoriamente dado conhecimento da conduta violadora às autoridades
competentes. Por sua vez, sempre que um militar seja constituído Arguido em processo-
crime, o Ministério Público comunica o facto ao CEMFGA ou ao CEM do respectivo
ramo, conforme a respectiva dependência, remetendo igualmente certidão da decisão
final. O procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal, sendo a
conduta violadora de algum dever militar eventualmente tipificada como crime passível
de sanção disciplinar, independentemente da punição criminal a que houver lugar98
. E
97 Existindo indícios suficientes da prática da infracção e do seu autor, o processo de
averiguações, quando instaurado, precedia já, comummente, o processo disciplinar, uma vez que aquele
podia ser continuado como processo disciplinar, integrando a instrução disciplinar subsequente, através
do aproveitamento dos actos administrativos válidos já praticados, sem prejuízo da salvaguarda do
princípio do contraditório. Ao abrigo do n.º 2 do Artigo 112º do novo RDM, o processo de averiguações
integra, agora expressamente, a fase de instrução do processo disciplinar a que aquele deu causa, sem
prejuízo dos direitos de audiência e de defesa do Arguido, disposição que se tem como favorável e em
harmonia com os princípios da simplicidade e da celeridade processual.
98
Vide o n.º 1 do Artigo 8º e o Artigo 9º do novo RDM. Quando o ilícito cometido tem natureza
de crime essencialmente (ou estritamente) militar, a participação é tempestivamente remetida à Polícia
Judiciária Militar (PJM), para os devidos efeitos. O Artigo 8º do preâmbulo da Lei n.º 100/2003, de 15 de
Novembro, que aprovou o CJM, alterou o Artigo 5º do Estatuto da PJM, estabelecido no Decreto-Lei n.º
200/2001, de 13 de Julho, dispondo no seu n.º 1 ser da competência específica da PJM a “investigação
dos crimes essencialmente militares” e acrescentando no seu n.º 2 ter a PJM “ainda competência
reservada para a investigação de crimes cometidos no interior das unidades, estabelecimentos e órgãos
militares”. Pense-se, por exemplo, num crime de ofensas à integridade física ocorrido numa Unidade em
que o ofendido não apresenta queixa mas existe prejuízo para a disciplina militar.
57
não se afirme tratar-se aqui da violação princípio non bis in idem. Com efeito, o cidadão
militar não é duplamente penalizado, antes responde criminalmente, com o
cumprimento da pena de prisão ou com o pagamento da pena de multa que lhe for
aplicada pela prática do facto ilícito de natureza penal cometido e, na presença, por
exemplo, de uma sentença condenatória transitada em julgado – ou sem esta sentença
mas perante factos testemunhados ocorridos dentro da U/E/O militar – se apura
(disciplinarmente) a sua capacidade moral por factos que possam afectar a sua
respeitabilidade, o decoro militar ou os ditames da virtude e da honra. Não se
conceberia, pois, fazer-se tábua rasa nos efeitos da disciplina das Forças Armadas, do
comportamento de um cidadão, permanentemente sujeito, dentro e fora do serviço, à
condição militar, jamais se podendo conceber esta questão como nada tendo a ver com
os seus efeitos nas Forças Armadas onde está (des)integrado, como uma questão
privada ou um assunto pessoal. Pense-se, por hipótese, num traficante de drogas ou
mesmo num assassino em série. O novo RDM continua, assim – e bem – a estabelecer o
princípio da independência e da autonomia do procedimento disciplinar relativamente
ao procedimento criminal Para efeitos de produção de prova deveria, porém, exigir-se
expressamente que a aplicação de uma sanção disciplinar fosse excepcionalmente
precedida da ocorrência do trânsito em julgado das sentenças condenatórias dos ilícitos
criminais que ocorram fora da U/E/O, ou dentro da U/E/O mas sem a presença de
testemunhas.
3.2.4. A NOMEAÇÃO DO OFICIAL INSTRUTOR E A INSTRUÇÃO
DO PROCESSO DISCIPLINAR
Uma vez conhecidos os factos susceptíveis de consubstanciar a prática de uma
infracção de disciplina, o Chefe militar com competência para o exercício da acção
disciplinar profere o necessário Despacho, salientando-se a importância de a prática
deste acto administrativo não olvidar o posto, o NIM99
e nome do Arguido, a sintética
fundamentação de facto e de direito que justifique o início do procedimento disciplinar,
a nomeação do Oficial Instrutor, a data, a identificação e a assinatura da entidade
competente para a instauração do respectivo processo.
99
A todo o militar é atribuído um Número de Identificação Militar.
58
O n.º 3 do Artigo 85º do anterior RDM salvaguardava a circunstância de “o
arguido ou o participante ser oficial ou aspirante a oficial”, situação em que a nomeação
do Oficial Instrutor do processo disciplinar deveria recair “num seu superior, de
preferência em patente”, em favor do respeito (acrescido) pelo princípio da hierarquia
(maior antiguidade das patentes dos Oficiais e Aspirantes a Oficiais das Forças
Armadas) e admite-se, pela imparcialidade da Administração. No entanto, a
exigibilidade da superior graduação do Oficial Instrutor relativamente à do Arguido
e/ou do participante quando um e/ou outro fosse Oficial ou Aspirante a Oficial trazia,
desde logo, dificuldades de aplicação prática que punham em causa a imperatividade
deste preceito normativo geral.
Clarificavam-se, assim, substancialmente a percepção das exigidas e necessárias
adaptações legais designadamente nas situações em que o participante era um Oficial
superior na reserva fora da efectividade de funções, situação que levada ao rigor
extremo da interpretação (puramente) literal, esvaziava de conteúdo o poder disciplinar
e, bem assim, de comando de todos os Comandantes, Directores e Chefes das Forças
Armadas, o que nem sequer se harmonizava com os restantes preceitos então aplicáveis,
nomeadamente com os Artigos 6º, 7º e 77º, n.º 1, todos do anterior RDM. Ou quando se
atendia à circunstância de um militar, Oficial Superior de uma U/E/O em efectividade
de funções visitar outra U/E/O, onde vinha a sofrer ofensa punível disciplinarmente pelo
RDM, praticada por outro Oficial Superior pertencente à U/E/O visitada, na presença de
terceiros, inferiores hierárquicos de ambos, caso em que o ofendido participava a
ocorrência ao Comandante, superior hierárquico do participado mas mais moderno que
o participante, que uma vez detentor da acção disciplinar, imediatamente instaurava o
respectivo processo disciplinar com fundamento nos factos constantes da participação
chegada ao seu conhecimento, no sentido do apuramento da responsabilidade disciplinar
do seu subordinado, devidamente identificado. Ou ainda, como derradeiro exemplo,
quando a infracção disciplinar era cometida contra militares de graduação superior da
GNR, da Marinha ou da Força Aérea, ou ainda contra entidades civis de prestígio –
lembremo-nos das infracções de disciplina cometidas fora do serviço – que
formalizavam as participações dirigidas aos Comandantes dos infractores, no sentido da
actuação disciplinar contra os respectivos infractores.
O espírito subjacente à elaboração deste preceito legal equacionava
incontornavelmente a situação de o participante e respectivo Arguido encontrarem-se
colocados na mesma U/E/O ou, em alternativa, no mesmo canal hierárquico, em favor
59
do rigor e da imparcialidade do detentor do poder disciplinar e, em decorrência, do
Oficial Instrutor nomeado, eliminando, deste modo, qualquer resquício eventualmente
condicionador de (algum) temor reverencial relativamente ao participante, preceito que
se considerava dever ser rigorosamente observado nestas exclusivas circunstâncias de
facto. Na ausência desta especificação no actual RDM, considera-se feliz a eliminação
da exigência da maior antiguidade do Oficial Instrutor face ao participante, bastando-se
com a salvaguarda da maior antiguidade do Oficial Instrutor relativamente ao
Arguido100
.
O anterior RDM estabelecia a regra de o Instrutor do processo disciplinar ser o
chefe que determinou a sua instauração, só havendo lugar a nomeação de um Oficial ou
Aspirante a Oficial, seu subordinado, como instrutor quando julgasse necessário ou
conveniente ou, ainda, quando o processo assumisse a forma escrita101
. Para efeitos da
nomeação do Oficial Instrutor, o chefe recorria a uma escala de serviço, excepto quando
o posto do Arguido ou do participante, as particularidades do caso ou os conhecimentos
que a instrução do processo requeresse exigiam a escolha de um certo Oficial102
.
Surge, aqui, uma nova sensibilidade. Nem todas as UU/EE/OO integravam um
Gabinete de Justiça e as que o tinham raramente dispunham de um (ou mais do que um)
militar ou civil com habilitações académicas adequadas, correspondentes à Licenciatura
em Direito ou equivalente103
. O resultado era, sem desprimor pelo significativo esforço
100
Vide o n.º 1 do Artigo 90º do novo RDM.
101
Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 85º do anterior RDM.
102
Vide o nº 4 do Artigo 85º do anterior RDM.
103
Dada a inexistência de formação jurídica nas instituições militares, bem como os poucos
juristas existentes nos quadros permanentes do pessoal civil das Forças Armadas, a consulta e assessoria
jurídicas são, em regra, prestadas pelos escassos juristas recrutados para a prestação de serviço militar
voluntário por apenas seis ou sete anos de serviço, investindo a instituição militar no recrutamento,
selecção e instrução militar de novos cidadãos habilitados com uma licenciatura em Direito, pelo que se
aconselha o abolir das reticências enraizadas relativamente ao militar contratado em favor de uma gestão
(mais) eficiente dos recursos humanos e das necessidades existentes nas Forças Armadas, atenta,
designadamente, a possibilidade legal da celebração de contratos até vinte anos (Vide o n.º 3 do Artigo
28º da LSM). Num artigo escrito para o Jornal do Exército, n.º 571, de Março de 2008, pág. 50 a 52, sob
o título Os militares contratados no contexto militar europeu, JORGE FILIPE COBRA, técnico superior
na área da Sociologia do quadro da Direcção-Geral de Pessoal do Ministério da Defesa Nacional, afirma
que, quer os Estados tenham “optado por manter a conscrição, evoluir para um sistema misto, ou
implementar o voluntariado como forma exclusiva de recrutamento, é prática generalizada só utilizar
voluntários, sobretudo em missões internacionais”. Continua, reconhecendo que “a maioria dos estados
europeus optou pelo voluntariado, ou mantém um regime misto e tem de competir com as restantes
entidades empregadoras no que se refere ao recrutamento dos seus recursos humanos, concluindo
competir à Assembleia da República e ao Governo estatuir as condições que possibilitem a reintegração
dos ex-militares na vida civil”, cabendo “às entidades interministeriais intervenientes em todo o processo,
e às Forças Armadas, desenvolver as tácticas adequadas à consecução desse objectivo”. Nesta linha de
60
empreendido para o encaminhar do relatório final no sentido da proposição da (tida
como a) melhor decisão, a nomeação de Oficiais Instrutores (quase sempre) sem
formação técnica de base, tentando ultrapassar as dificuldades que se lhes iam,
naturalmente, deparando, com as (graves) consequências legais daí decorrentes,
nomeadamente o cometimento, ad eternum e com o auxílio das preciosas minutas104
de
um qualquer outro processo, ainda que de diferente natureza, já concluído ou em curso,
de nulidades insanáveis, com a agravante de as mesmas poderem nunca vir a ser
detectadas.
Não obstante a actualmente consagrada preferência pela nomeação de Oficiais
Instrutores do processo disciplinar licenciados em Direito, certo é que se admite tal
qualidade a quem não possua esta habilitação, resultando em indubitável prejuízo para a
condução do processo disciplinar nos termos legais, ainda que tenham sido requisitados
técnicos, nomeadamente juristas para a assessoria ou solicitados os pareceres técnicos
entendidos como necessários – pense-se na escassez de efectivos com esta habilitação
académica nas Forças Armadas e a (duvidosa) sensibilidade do Oficial Instrutor para
solicitar o auxílio necessário nas fases mais sensíveis da instrução processual105
.
Tem-se, ainda, por curiosa o estatuído no Artigo 10º do novo RDM, no sentido
da aplicação subsidiária dos princípios gerais do direito penal, da legislação processual
penal e do Código do Procedimento Administrativo. Ora os princípios gerais do direito
penal a que primeiramente se deverá recorrer não se encontram expressamente
legislados, antes decorrem do ensinamento da(s) doutrina(s) ministrada nas Faculdades
entendimento, parece-nos, no entanto, que o Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar
nos regimes de contrato e de voluntariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de
Dezembro e devidamente alterado, espelha já as medidas possíveis de apoio à reinserção na vida civil,
ambicionando-se, assim, que se vá mais além. Assim, em acumulação ao apoio concedido na reintegração
na vida civil, vejam-se, por exemplo, as mudanças sofridas nas Forças Armadas espanholas. Para além da
já supra referida extinção do serviço militar obrigatório, em 31 de Dezembro de 2001 e a consagração
legal da possibilidade de admissão de extranjeros a la condición de militar Professional de tropa y
marinería, foram oportunamente aprovados diplomas legais no sentido de recrutar militares na
disponibilidade, aproveitando, assim, a instrução que lhes foi oportunamente ministrada. Vide, neste
sentido, os requisitos de acesso dos militares ao compromiso de larga duración, com vista à consolidação
da plena profissionalização, previstos na al. a) do Artículo 3 da Ley 8/2006, de 24 de Abril, de Tropa y
Marinería, bem como a Instrucción 73/2006, de 10 de mayo, de la Subsecretaria, que aprova o
procedimiento para le reincorporación a las Fuerzas Armadas de los Militares de Complemento y
Militares Profesionales de Tropa y Marinería.
104
Vulgarmente denominadas impressos, modelos ou mesmo chocas.
105
Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 90º e o n.º 2 do Artigo 105º, ambos do novo RDM.
61
de Direito, obrigando, assim, a conhecimentos jurídicos que as Chefias Militares – e os
Oficiais Instrutores – as mais das vezes não possuem.
Do Oficial Instrutor é, pois, esperado o cumprimento de todo o formalismo
processual, a realização das diligências que julgue necessárias à descoberta da verdade,
o esclarecimento dos factos e o apuramento da culpabilidade do Arguido. O n.º 2 do
Artigo 88º do anterior RDM estabelecia que o Oficial Instrutor poderia deslocar-se aos
locais com interesse para o processo disciplinar, corresponder-se com quaisquer
autoridades e requisitar a nomeação de peritos para proceder às diligências julgadas
necessárias, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito legal que o mesmo poderia
requerer, por ofício, a realização de qualquer diligência à autoridade militar mais
próxima do local onde essa diligência se deveria executar. O n.º 6 do Artigo 94º do
actual RDM prevê especificamente que o Oficial Instrutor possa solicitar a realização de
diligências de prova a outros serviços e organismos da Administração central, regional
ou local, quando o julgue conveniente, designadamente por razões de proximidade e de
celeridade, sempre que as não possa realizar no âmbito das Forças Armadas,
confundindo, no entanto, assim, os critérios a prosseguir: (in)conveniência ou
(im)possibilidade?
A possibilidade da (nomeação ou) proposição da nomeação, pelo Oficial
Instrutor, de um seu inferior hierárquico como escrivão encontrava-se prevista, no
âmbito do Artigo 87º do anterior RDM, quando a complexidade do processo ou outras
circunstâncias o aconselhassem. A função de escrivão era normalmente desempenhada
por um graduado da categoria de Sargento, podendo, contudo, ser desempenhada por
um Oficial, desde que com patente inferior à do Oficial Instrutor do processo
disciplinar. O escrivão era o ajudante do Oficial Instrutor, transcrevendo as diligências
realizadas e certificando a verdade dos factos que ia reproduzindo nos autos. A
proposição da nomeação do escrivão já não surge, como se observa da análise do n.º 2
do Artigo 90º do RDM vigente, condicionada a pressupostos, nem à hierarquia militar
do Instrutor, apenas se preconizando a sua função de assessoria nas diligências e fases
subsequentes do processo disciplinar, o que poderá trazer melindres que não serão de
ignorar.
O Oficial Instrutor deve adoptar as medidas necessária para assegurar a
conservação dos indícios e meios de prova106
. Neste âmbito, o Oficial Instrutor deve
106
Vide o Artigo 95º do novo RDM.
62
propor, actualmente ao CEMGFA ou ao CEM do respectivo ramo das Forças Armadas,
conforme o caso, que o Arguido seja objecto de medidas preventivas (ou cautelares)
durante a instrução processual, designadamente seja suspenso do exercício das suas
funções ou transferido para outra U/E/O, nos casos em que a sua ausência da área onde
os factos estão a ser investigados seja indispensável à disciplina (nomeadamente à
preservação do decoro e ou à boa ordem do serviço) ou às exigências (das diligências
instrutórias) do processo. A suspensão preventiva do Arguido cessa logo que terminem
os respectivos fundamentos107
.
O n.º 4 do Artigo 90º do anterior RDM estabelecia uma opção legal não
consentânea com outras soluções jurídicas relativas ao direito de petição do Arguido,
dispondo, em prol dos princípios da celeridade e da simplicidade processual, que o
instrutor deveria indeferir os pedidos que fossem manifestamente inúteis ou que se
revelassem prejudiciais à descoberta da verdade. Em sentido semelhante o 12º dever
especial do Artigo 4º do anterior RDM impunha ao militar não tomar parte em
manifestações colectivas atentatórias da disciplina, nem promover ou autorizar iguais
manifestações, devendo como tais ser considerados quaisquer protestos ou pretensões
ilegítimos referentes a casos de disciplina ou de serviço, apresentados por diversos
militares, individual ou colectivamente, bem como as reuniões que não fossem
autorizadas por autoridade militar competente108
. Ora dispondo expressamente o n.º 1
do Artigo 52º da CRP que “todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou
colectivamente, (…) a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou
queixas para defesa dos seus direitos”, encontrávamos neste preceito (pelo menos) uma
restrição inadmissível ao direito de petição individual, sujeito, ainda, ao eventual
indeferimento imediato do Oficial Instrutor. Bastar-lhe-ia considerar o pedido
manifestamente inútil ou prejudicial à descoberta da verdade, fazendo ainda incorrer o
Arguido em eventual responsabilidade disciplinar caso o pedido fosse considerado
ilegítimo109
. Acresce que o Artigo 270º da CRP apenas permite a restrição, pela lei
107
O anterior RDM dispunha que ambas as medidas cautelares tinham natureza precária,
devendo cessar logo que cessasse o fundamento que as justificou, podendo qualquer delas ser, a todo o
tempo, substituída, conforme as necessidades do processo (Vide os respectivos Artigos 107º a 109º).
108
Note-se que esta norma não diferenciava as situações em que o militar (não) tinha
conhecimento de que o fim prosseguido carecia de fundamentação das situações em que o mesmo
procurasse atentar contra a hierarquia e o prestígio das Forças Armadas.
109
A apreciação e decisão relativas à (i)legitimidade da pretensão ou petição, ou seja, à
legalidade do exercício do direito fundamental correspondente, compete à hierarquia militar, pelo que o
interessado fica integralmente dependente do poder discricionário da Administração.
63
ordinária, do exercício do direito fundamental de petição colectiva pelos militares, não
configurando a restrição do direito de petição individual qualquer limite imanente.
Nestes termos e à semelhança do sentido e alcance do fundamento de
inconstitucionalidade de parte do Artigo 76º do anterior RDM, restringia-se o direito de
petição do Arguido, pelo medo que podia causar no militar ver instaurado contra si
ulterior processo disciplinar, violando-se o preceituado nas disposições conjugadas dos
Artigos 18º, n.º 2 e 52º, ambos da CRP.
À semelhança do antigo RDM, o n.º 5 do Artigo 94º do novo RDM estabelece
que o instrutor deve indeferir, em despacho fundamentado, a realização das diligências
probatórias requeridas pelo Arguido durante a fase de instrução quando as julgue
“desnecessárias, inúteis, impertinentes ou dilatórias”. Há, também aqui, uma restrição
inadmissível (rectius, uma verdadeira negação) ao direito de petição individual, em
violação do disposto nos Artigos 18º, n.º 2 e 52º da CRP, sujeito ao imediato
indeferimento do Oficial Instrutor, desde que este subjectivamente considere o pedido
do Arguido (simplesmente) desnecessário, inútil, impertinente ou dilatório.
Ao Oficial Instrutor é, assim, exigido o necessário rigor e a imprescindível
imparcialidade, salientando-se, neste ponto, as garantias de imparcialidades já previstas
no Artigo 44º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), bem
como a consagração expressa no Artigo 91º do actual RDM, das situações de escusa e
de suspeição do instrutor. Pense-se, por exemplo, na circunstância hipótese de um
militar da categoria de Oficial Licenciado em Direito dar parecer, constante dos autos,
sobre questão a resolver num concreto processo disciplinar e, dada a passagem à
situação de Reserva de Disponibilidade do Oficial Instrutor nomeado e por constar da
respectiva escala, vir a ser nomeado Oficial Instrutor para a continuação da realização
das diligências inerentes à conclusão do respectivo processo110
. Deve, ainda, o Arguido
opor a suspeição ao Oficial Instrutor junto da entidade competente se entender que o
mesmo se encontra perante circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar da sua
isenção ou rectidão111
. Substituindo-se o Oficial Instrutor, o novo Oficial Instrutor deve
aproveitar apenas os actos praticados com reconhecida isenção.
110
Vide o impedimento, corolário do princípio da imparcialidade, estabelecido na al. d) do n.º 1
do Artigo 44º do CPA.
111
Vide o n.º 2 do Artigo 48º do CPA e o n.º 2 do Artigo 91º do novo RDM.
64
Depois de nomeado, o Oficial Instrutor só pode ser substituído “quando interesse
ponderoso o justifique”112
. A substituição do Oficial Instrutor justificar-se-á, ainda, em
situações como as de doença, transferência de U/E/O, nomeação para a frequência de
cursos e gozo de licenças. Em tais circunstâncias, o Oficial Instrutor deve fazer constar
do processo os motivos do impedimento da continuação da instrução, submetendo o
processo à entidade que o nomeou, mediante termo de entrega, para os devidos efeitos.
3.2.5. O DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO
Ainda que o princípio do contraditório flutuasse em águas turvas no âmbito do
anterior RDM, reconhece-se a importância da oportuna declaração de
inconstitucionalidade (parcial) do seu Artigo 82º, que determinava que o processo
disciplinar não admitia “qualquer forma de representação”, exceptuando os casos de
incapacidade do Arguido, por anomalia mental ou física, bem como de doença que o
impossibilitasse de organizar a defesa, casos em que, não havendo defensor escolhido,
seria nomeado pelo Chefe competente um Oficial para assumir as funções de defensor
oficioso113
.
Com efeito, atento o disposto no n.º 3 do Artigo 32º da CRP, que garante ao
Arguido o direito a escolher defensor114
e a ser por ele assistido em todos os actos do
processo e na medida em que o direito à assistência de defensor no processo penal é
entendido como aplicável ao processo disciplinar, não poderiam prevalecer as meras
razões de celeridade e do princípio do comando face ao facto de, em processo
disciplinar militar, poderem ser impostas penas privativas ou restritivas da liberdade,
situações estas em que a organização da defesa do Arguido só está devidamente
acautelada, pelo grau de tecnicidade requerida, se for permitida a intervenção de
defensor.
112
Vide o n.º 5 do Artigo 85º do anterior RDM e o n.º 4 do Artigo 90º do novo RDM.
113
Vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da República, n.º
11, 1ª Série, de 13 de Maio.
114
Vide, ainda, o n.º 3 do Artigo 269º da CRP, que garante ao funcionário público a sua
audiência e defesa no processo disciplinar onde o mesmo tenha sido constituído Arguido.
65
No entanto, o referido Acórdão, conjugado com o n.º 2 do Artigo 83º do RDM
então em vigor, admite o entendimento em sentido contrário nas situações de
“campanha, em situações extraordinárias ou estando as forças fora dos quartéis ou
bases”, em que os Chefes poderiam prescindir da forma escrita e proceder, eles
próprios, directamente, a todas as diligências instrutórias, ou seja, quando as
circunstâncias relacionadas com a operacionalidade das Forças Armadas objectivamente
não permitissem a escolha ou a assistência de defensor. Ora não se compreende como se
subordinava um direito garantido pela Lei Fundamental ao princípio da celeridade
processual em situações (mais ou menos) enigmáticas tidas por extraordinárias
(participação dos militares em exercícios, manobras e missões de natureza operacional
ou de apoio directo a operações em curso?) ou (apenas) por as forças se encontrarem
fora dos quartéis ou bases, situações em que o defensor pode até ser um outro militar115
,
o que já não se afirmará em situação de guerra, ainda que o conceito de campanha seja
bem mais vasto do que aquilo que à partida se poderia entender116
e, ainda assim, a
115
Vide v.g o n.º 2 do Artigo 138º do anterior RDM, que já estabelecia o direito de o Arguido
sujeito a parecer do CSD sobre a sua conduta ou capacidade (poder) ser representado por um Oficial de
qualquer ramo das Forças Armadas (Vide, ainda, o Artigo 134º do anterior RDM).
116
Com efeito, no sentido da interpretação do conceito de serviço de campanha constante do n.º
2 do Artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Julho, alterado pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, que
regula o reconhecimento, pelo Estado, do direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que,
sacrificando-se pela Pátria, se deficitaram ou se deficitem no cumprimento do serviço militar e institui as
medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua
integração social, o nº 2 do Artigo 2º do mesmo diploma dispõe que a campanha tem lugar “no teatro de
operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções
directas do inimigo, os eventos decorrentes da actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados
no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional”. Note-se que o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/2001, de 9 de Outubro, publicado no Diário da República, n.º
258, I-A Série, de 7 de Novembro, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da
norma constante do n.º 1 do Artigo 1º daquele diploma na medida em que reservava aos cidadãos
portugueses o gozo dos direitos a que se referem os Artigos 4º, 5º, 9º, 10º, 12º, 13º, 14º – salvo no que se
refere à preferência no provimento em funções públicas que não tenham carácter predominantemente
técnico, 15º e 16º), aplicando-se, assim, o diploma, igualmente aos cidadãos estrangeiros residentes. Note-
se, ainda, que nos termos do n.º 1 do Artigo 15º da Lei Fundamental, os estrangeiros e apátridas que se
encontrem ou residam em Portugal, “gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão
português”. A equiparação entre os direitos (e deveres) dos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou
residam em território português e os direitos (e deveres) dos cidadãos portugueses refere-se, assim, a
todos os direitos, não se limitando aos direitos fundamentais (Vide, v.g., o elemento literal deste preceito
constitucional. Sobre este ponto, Vide ainda o n.º 2 do Artigo 16º da CRP, conjugado com o Artigo 2º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que dispõe que “todos os seres humanos podem
invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente Declaração, sem distinção alguma,
nomeadamente, (…) de origem nacional”. O princípio da equiparação é, assim, o reflexo dos princípios
da universalidade e da igualdade constitucionalmente consagrados (Vide os Artigos 12º e 13º,
respectivamente). A CRP, prevê o princípio da reciprocidade, do qual se exceptuam, no entanto, os
direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses (cfr. o
n.º 2 do Artigo 15º da CRP). Ora a excepção que ressalva os direitos e deveres reservados pelo próprio
texto constitucional exclusivamente aos cidadãos portugueses é imperativa. Assim, aos cidadãos dos
Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei
66
salvaguarda dos direitos fundamentais do cidadão em uniforme devesse prever
procedimentos adequados às circunstâncias, ainda mais sensíveis117
, em análise,
designadamente, a contemplação de mecanismos de destrinça inicial entre a infracção
disciplinar e a própria sanidade mental do militar118
. Ou seja, se existiam condições
mínimas para, em tais circunstâncias, iniciar, instruir e decidir um processo disciplinar,
o defensor do Arguido (a escolher por este) deveria igualmente poder intervir, por muito
célere que o processo tivesse de ser e ainda que se tivesse usado da então legalmente
estabelecida faculdade de prescindir da forma escrita119
. Por último, era restritivo limitar
a intervenção do defensor em processo disciplinar onde podiam ser impostas penas
privativas ou restritivas da liberdade, pois que se por um lado a instrução processual em
curso poderia não culminar numa pena privativa ou restritiva da liberdade120
, por outro,
uma pena menos gravosa poderia igualmente exigir uma organização sustentada, ou
técnica, da defesa do Arguido e, mesmo não o exigindo, ainda assim o Arguido deveria
poder, por maioria de razão, dela beneficiar.
Daí que o Artigo 82º do RDM, tido então por parcialmente salvo, tenha sido
confrontado e, bem assim, naturalmente preterido (revogação implícita), face às normas
e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos aos estrangeiros, exceptuando-se, no entanto,
expressamente do leque destes direitos, “o serviço nas Forças Armadas” (cfr. o n.º 3 do Artigo 15º da
CRP, o n.º 1 do Artigo 276º da CRP, o n.º 2 do Artigo 275º da CRP, o n.º 1 do Artigo 9º da LDNFA, o
Artigo 1º da LSM e a al. a), n.º 2 do Artigo 32º do RLSM). O actual quadro legal vigente em Portugal
exige, assim, a nacionalidade ou cidadania portuguesa como requisito ou conditio sine qua non de
admissão às Forças Armadas Portuguesas, pelo que os direitos e deveres inerentes à defesa da Pátria não
podem ser aplicados a estrangeiros.
117
Dificilmente se imagina a existência do distanciamento necessário à premente tomada de
decisão disciplinar relativamente à conduta infractora.
118
Correm ainda termos na U/E/O militares inúmeros processos de stress pós-traumático de
guerra relativos aos ex-combatentes das ex-províncias ultramarinas, cuja análise da respectiva Folha de
Matrícula consta o registo da prática de infracções disciplinares que, segundo os relatórios dos
profissionais de saúde da especialidade dos nossos dias, serão relacionáveis com factores de stress
vivenciados pelos militares. Vide, neste âmbito, o n.º 3 do Artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de
Janeiro, alterado pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, conjugado com o Artigo 1º e ss do Decreto-Lei n.º
50/2000, de 7 de Abril e os nºs 1 e ss do Despacho Conjunto n.º 502/2004, de 2 de Julho, dos Ministros de
Estado e da Defesa Nacional, da Saúde e da Segurança Social e do Trabalho, publicado no Diário da
República, 2ª Série, n.º 183, de 5 de Agosto.
119
A faculdade de prescindir da forma escrita era já questionável, por diminuição das garantias
de defesa do Arguido em processo disciplinar militar.
120
Questiona-se a (subjectiva) antevisão da possibilidade do Arguido vir a ser, ou não,
sancionado com pena restritiva ou privativa da liberdade. Veja-se, por exemplo, o nº 3 do Artigo 83º do
anterior RDM, que permitia expressamente aos Chefes prescindir da forma escrita e proceder eles
próprios, directamente, a todas as diligências instrutórias quando as infracções fossem de pouca gravidade
e não dessem lugar à aplicação de pena igual ou superior à de prisão disciplinar.
67
especiais conjugadas, mais recentes, dos Artigos 5º das BGECM e 21º do EMFAR, que
dispõem que em processo disciplinar são garantidos aos militares todas as garantias, de
audiência, defesa, reclamação e recurso – hierárquico e contencioso, estando
expressamente garantido o direito a nomear representante, isto é, o direito ao
patrocínio121
, pelo que a inobservância de qualquer destes vectores equivale à falta de
audiência do Arguido, constituindo nulidade insanável.
No actual RDM, a intervenção do defensor em processo disciplinar já não surge
limitada aos processos onde podem ser impostas penas privativas ou restritivas da
liberdade, opção legislativa que é de saudar, em benefício das garantias de defesa do
Arguido e da já mencionada impossibilidade de antevisão da pena a aplicar, atenta a
inexistência de molduras penais disciplinares correspondentes aos factos praticados122
.
Além disso, encontrando-se o Arguido em situação de campanha, em missão de serviço
fora do território ou embarcado, em unidade naval ou aérea, a navegar ou em voo, a
entidade que tiver mandado instaurar o processo disciplinar pode determinar a
suspensão deste até ao termo dessa situação ou o regresso do Arguido ao território
nacional. Resultando prejuízo para o serviço, para a disciplina ou para o processo, o
Arguido que opte por constituir defensor terá de escolher um Oficial presente no teatro
de operações, ou integrado na unidade naval ou aérea123
.
Constitui um direito fundamental do Arguido em processo disciplinar a sua
informação e audição relativamente à matéria de que é acusado, devendo, para tal, a
acusação especificar os factos que lhe são imputados e as circunstâncias de tempo,
modo e lugar em que os mesmos foram praticados, os deveres militares e as normas
infringidos124
. Assim, a acusação não deve conter quaisquer juízos de valor,
considerações subjectivas, imputações vagas, factos imprecisos ou arguições genéricas,
121
Como sucede, aliás, no processo disciplinar comum, que é bem menos gravoso que o
processo disciplinar militar (Vide o n.º 1 do Artigo 35º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, que prevê
expressamente que o arguido pode constituir advogado em qualquer fase do processo, nos termos gerais
de direito). Esclarece, ainda, o Estatuto da Ordem dos Advogados, que o mandato judicial, a
representação e a assistência por Advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante
qualquer jurisdição, autoridade, entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos,
patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera
averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer natureza. Note-se que Advogado provém
do latim advocatus, o que é chamado, significando justamente patrono ou protector.
122
Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 77º do novo RDM.
123
Vide os nºs 3 e 4 do Artigo 77º do novo RDM.
124
Vide os nºs 1, 3 e 4 do Artigo 98º do novo RDM e o n.º 1 do Artigo 90º do anterior RDM.
68
devendo antes ser deduzida por artigos, cada artigo integrando um facto, indicando, de
forma precisa, as circunstâncias de modo, tempo e lugar da infracção, relacionando-a,
por fim, com o correspondente dever militar violado.
Nos termos dos nºs 2 e 3 do Artigo 90º do anterior RDM, o Oficial Instrutor
entregava a designada nota de culpa ao Arguido125
, fixando-lhe um prazo compatível
para a apresentação, por escrito, da sua defesa e para a indicação de quaisquer meios de
prova. Assim, a compatibilidade deste prazo teria, por um lado, de garantir o direito de
defesa do Arguido e, por outro, de salvaguardar a célere conclusão do processo, que se
recomendava ser, no mínimo, de cinco dias (úteis), sem prejuízo de o Arguido
circunstancialmente poder requerer ao respectivo Oficial Instrutor nomeado a sua
prorrogação. Efectivamente, os prazos estabelecidos no RDM então em vigor para o
exercício dos direitos de reclamação e de recurso hierárquico – cfr., os seus Artigos
113º, n.º 1 e 114º, n.º 1, de cinco dias – eram já inferiores aos estabelecidos no CPA, ou
seja, às regras comuns do procedimento administrativo, respectivamente de quinze e
trinta dias, integrando, assim, tais preceitos, um dos vectores do regime disciplinar
próprio ou especial em análise, pelo que também o prazo de resposta à nota de culpa
teria de se harmonizar com o prazo concedido para a (célere) conclusão do processo
disciplinar. Assim, uma eventual previsão de um prazo superior teria igualmente de
importar o estabelecimento de um prazo mais longo para a conclusão do processo
disciplinar (sem prejuízo para a natureza ordenadora dos prazos administrativos e desde
que salvaguardadas as exigências de celeridade) e para o exercício dos direitos de
reclamação e recurso.
Ora o n.º 1 do Artigo 99º do novo RDM consagrou expressamente o prazo de
dez dias para o Arguido apresentar a sua defesa, eliminando quaisquer dúvidas e
interpretações, podendo o instrutor conceder um prazo superior, até ao limite de trinta
dias quando o processo for complexo, pelo número e natureza das infracções, por
abranger vários arguidos ou por o prazo da instrução ter sido prorrogado nos termos do
disposto no n.º 2 do Artigo 93º do RDM. Assim, vislumbra-se que concessão do limite
125 A nota de culpa era elaborada em duplicado, sendo o original entregue pessoalmente ou
enviado, através de correio registado, com aviso de recepção, ao Arguido, notificando-o integralmente da
factualidade que lhe era imputada, de modo a permitir-lhe exercer o seu direito de defesa. O n.º 3 do
Artigo 98º do actual RDM estabelece igualmente a regra da notificação pessoal da acusação e agora
expressamente, na sua impossibilidade, a notificação por carta registada com aviso de recepção para a
residência do Arguido.
69
máximo de trinta dias previsto no n.º 2 do Artigo 99º possa comprometer a celeridade
processual pretendida.
Para a concretização da sua defesa, o Arguido pode (o actual RDM emprega
erroneamente o termo “deve”) indicar testemunhas e requerer a realização de outras
diligências como a passagem de certidões de peças processuais, a junção de documentos
(por exemplo, relatórios médicos de exames de sanidade realizados em hospitais civis)
aos autos, a realização de peritagens, inspecções e reconstituições126
. Por sua vez, o
instrutor deverá realizar as diligências requeridas pelo Arguido, podendo, no entanto,
recusá-las, em despacho fundamentado, quando considere suficientemente provados os
factos alegados pelo Arguido na sua defesa ou se reputar as diligências requeridas como
meramente dilatórias, impertinentes, desnecessárias127
, caso em que se transpõem para
esta sede as reticências causadas pelo seu eventual exercício arbitrário, bem como a sua
eventual colisão com o direito de petição individual do Arguido em violação do
disposto nos Artigos 18º, n.º 2 e 52º da CRP. Em situações duvidosas, será sempre
preferível realizar a diligência de prova requerida pelo Arguido, pois que a sua omissão,
vindo a ser considerada relevante, constitui nulidade insanável equivalente à falta de
audiência do Arguido.
Quando a realização das diligências complementares revele factos não
constantes da nota de culpa ou a sua comissão em circunstâncias diferentes, o Oficial
Instrutor procede à elaboração de uma nova nota de culpa, notificando o Arguido dos
novos artigos de acusação para o exercício do seu direito de defesa.
Uma vez esgotado o prazo concedido sem que o Arguido tenha apresentado
resposta à acusação que lhe foi dirigida, o Oficial Instrutor pode dar por concluída a
instrução processual. A convocação do Arguido para efeitos da confirmação da não
apresentação de defesa era uma diligência não raras vezes objecto de comprovação no
processo disciplinar, actualmente dispensável com a consagração expressa, no n.º 5 do
Artigo 102º do novo RDM, da valoração da não apresentação da defesa dentro do prazo
fixado como efectiva audiência do Arguido para todos os efeitos legais.
126
Vide o n.º 2 do Artigo 81º do antigo RDM e os Artigos 100º e 102º, n.º 2 do novo RDM.
127
Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 103º do novo RDM.
70
3.2.6. O RELATÓRIO DO OFICIAL INSTRUTOR
Finda a fase de instrução, é lavrado termo de encerramento no fim do processo,
assinado pelo Oficial Instrutor e pelo Escrivão – se tiver havido lugar à sua nomeação –
indicando o local e o dia da sua conclusão, acompanhado de um relatório, onde o
Oficial Instrutor expõe os factos provados e não provados objecto do processo, a sua
qualificação como infracção disciplinar e o grau de culpabilidade do Arguido128
.
O relatório visa, assim, habilitar a entidade competente a proferir uma decisão
célere, fundamentada e justa no processo disciplinar. Salienta-se, no entanto, uma vez
mais, a habitual ausência de formação de base do ainda que bem-intencionado Oficial
Instrutor, para sustentar o pretendido parecer sobre a ilicitude dos factos e o grau de
culpa do Arguido, alicerçados, como referia a própria letra do anterior RDM, na “sua
opinião sobre os actos investigados”, gravidade que se aguça a níveis intoleráveis
quando a proposição final do relatório se vem a consubstanciar numa pena privativa ou
restritiva da liberdade pela prática de factos à qual não corresponde qualquer cominação
legal específica, nada mais de substancial existindo, pois, no RDM antigo e no que está
actualmente em vigor, para além de uma enunciação de deveres a observar pelo militar,
cuja violação importa a aplicação de uma qualquer punição constante do elenco das
penas disciplinares possíveis (princípio da tipicidade das penas), como
desenvolveremos infra.
O Oficial Instrutor não pode deixar conduzir-se por um mero impulso ou palpite,
antes deve, após o necessário resumo do conteúdo do procedimento129
, formalizar uma
apreciação sobre a factualidade provada em sede instrutória com relevância disciplinar
para a valoração da conduta do Arguido. O parecer sobre a ilicitude dos factos apurados
importa a formulação de um verdadeiro juízo de valor sobre a conformidade ou
desconformidade da conduta do Arguido face aos deveres militares a que o mesmo se
encontra adstrito, devendo o Oficial Instrutor concluir fundadamente, pela sua
128
Vide o Artigo 93º do antigo RDM e o n.º 1 do Artigo 104º do novo RDM.
129
Releva aqui a menção à origem do processo disciplinar (a participação, a queixa, a denúncia
ou o conhecimento directo dos factos, bem como o despacho de instauração e de nomeação do Oficial
Instrutor), à audiência do Arguido (com destaque para a elaboração da acusação e a eventual resposta
dada à mesma pelo Arguido) e às diligências probatórias realizadas (requeridas pelo Arguido e as
diligências efectuadas por iniciativa do Oficial Instrutor) e não realizadas (com o registo do fundamento
do indeferimento da realização de diligências eventualmente requeridas).
71
respectiva licitude ou ilicitude. Atentas, ainda, as noções de responsabilidade e
censurabilidade subjacentes ao RDM, o Oficial Instrutor deve igualmente avaliar, com
rigor, o grau de censura subjacente à conduta do Arguido, nomeadamente face aos
deveres militares concretamente violados e à maior ou menor exigibilidade da adopção
de comportamento diferente do assumido nas circunstâncias de facto em análise.
Com efeito, no processo disciplinar impera o princípio da culpa, configurando
este o pressuposto subjectivo da infracção de disciplina. No âmbito da disciplina, não
basta a comprovação da ocorrência de um comportamento ilegal – a demonstração do
facto e da sua ilicitude, ou seja, que o Arguido tenha violado um dever. Não havendo
infracção de disciplina sem a existência de culpa, o Oficial Instrutor deve proceder à
imputação subjectiva da responsabilidade (o nexo de imputação), atentos os diferentes
graus da culpa, ou seja, a censurabilidade do comportamento, por acção ou omissão,
dirigido a título de dolo (a intenção) ou mera culpa (a negligência).
Ora enquanto o dolo pressupõe uma conduta com a intenção da obtenção de um
resultado ilegal, a mera culpa ocorre quando o Arguido, de forma livre e consciente,
viola um dever por simples culpa, ainda que por desatenção (distracção), descuido
(desmazelo), leviandade, falta de conhecimento das normas aplicáveis e/ou
imprecaução, ou seja, existe infracção de disciplina mesmo quando o Arguido não
tenha a intenção de cometer a falta mas, todavia, a pratica por omissão dos preceitos que
toda a sua inteligência, zelo e aptidão lhe impunham, o que muitas vezes é ignorado
pelos Oficiais Instrutores nomeados, sem prejuízo da recente integração expressa no
conceito de infracção de disciplina da responsabilidade disciplinar por negligência130
.
Esmiuçando o conceito de mera culpa, existe responsabilidade disciplinar por
negligência quando o Arguido representa como possível que determinada conduta ou
omissão viole um dever e mesmo assim actua conformando-se com a realização desse
acto, assim como quando actua sem sequer representar a possibilidade de se encontrar a
violar um dever quando lhe era exigível que tal previsse. Verifica-se, aqui, a omissão de
um dever objectivo de cuidado adequado a evitar a prática da infracção disciplinar por
quem pode e seja capaz de prever (ou prever correctamente) a prática da infracção.
Assim, o grau de culpa do Arguido será tanto maior quanto maior for a sua
responsabilidade na ocorrência da acção ou omissão contrária aos deveres militares e
quanto mais exigível fosse a adopção de comportamento diferente do assumido nas
130
Vide o Artigo 3º do antigo RDM e o Artigo 7º do novo RDM.
72
circunstâncias concretas, atentas as regras da experiência comum da vivência na
Instituição militar.
A verificação de quaisquer circunstâncias agravantes e/ou atenuantes da
responsabilidade disciplinar do Arguido é especificada aquando da formalização da
acusação e também no relatório, conforme a tipificação constante do Artigos 40º e 41º
do novo RDM. As infracções disciplinares são, assim, sempre consideradas mais graves
em tempo de guerra, em estado de sítio ou de emergência, em operações militares ou em
situações de crise; quando cometidas em território (note-se que o anterior RDM
mencionava “país”131
) estrangeiro; quando lesem o prestígio das Forças Armadas;
quando praticadas em acto de serviço, em razão de serviço ou na presença de outros
militares, especialmente quando estes forem inferiores hierárquicos do infractor132
;
sendo praticadas em concurso com outros indivíduos133
; quanto maior for o posto ou a
antiguidade do infractor; na situação de reincidência, acumulação de infracções e
premeditação.
A alínea i) do Artigo 71º do anterior RDM previa a circunstância agravante da
reiteração da prática da infracção, pelo que era necessário esclarecer se esta
circunstância se referia, como aconselhado, ao cometimento de infracções anteriores e
transitadas em julgado já aplicadas ao mesmo Arguido, relevando, neste ponto, a
cuidada análise do registo disciplinar constante da Folha de Matrícula do Arguido, cuja
fotocópia (autenticada) se junta ao respectivo processo disciplinar, para efeitos de
prova. Porém, os nºs 2 e 3 do Artigo 40º do novo RDM estabelecem, respectivamente,
que a reincidência se verifica quando a infracção é cometida antes de decorridos seis
meses sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por infracção
anterior e que a acumulação de infracções se verifica quando duas ou mais infracções
são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a
131
Vide a alínea b) do Artigo 71º do anterior RDM;
132
O relevo dado à antiguidade dos militares estava bem patente no n.º 3 do Artigo 10º do
anterior RDM, que preconizava que a advertência a qualquer militar por acto por ele praticado que não
devesse ser punido nos termos do Regulamento não pudesse ser feita na presença de militares de
graduação inferior ou de civis seus subordinados. Atende-se actualmente também à responsabilidade
decorrente da categoria e do posto e à antiguidade neste, do infractor, na escolha da pena a aplicar e na
medida desta (Vide a alínea c) do Artigo 39º do novo RDM).
133
A alínea e) do Artigo 71º do antigo RDM mencionava tão-só a prática de infracções
colectivas, pelo que carecia da concretização do grau de participação dos sujeitos ou infractores para
efeitos da sua rigorosa aplicação, sem prejuízo de a opção actual pelo termo “indivíduos” não ser a mais
feliz.
73
anterior. Ora não se concebe figurar no elenco das circunstâncias agravantes esta
“acumulação de infracções”, na medida em que atende ao cometimento de infracções
não punidas. Uma infracção anterior importa uma instrução processual disciplinar em
curso, cuja decisão não foi ainda proferida, sendo esta reclamável e recorrível. Podendo
a pena eventualmente aplicada vir a ser anulada, tal circunstância não poderá jamais
configurar uma agravante da responsabilidade disciplinar do Arguido no âmbito da
instauração posterior de um novo processo disciplinar, sob pena de ocorrer a violação
do princípio da presunção de inocência e das garantias de defesa do Arguido.
Constituirão já circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar o
cometimento de factos heróicos ou actos de excepcional valor; a prestação de serviços
relevantes134
; a confissão espontânea dos factos, quando contribua para a descoberta da
verdade; o comportamento exemplar135
; a provocação, quando anteceda imediatamente
a infracção136
e a apresentação voluntária do infractor137
.
134
O regime jurídico da pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País
encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro. No Artigo 4º deste diploma, prevê-se
que a atribuição da pensão pressupõe que o beneficiário revele exemplar conduta moral e cívica (ou seja,
observe, em permanência, o respeito pelos direitos e liberdades individuais e colectivos e pelo prestígio e
dignidade do País) e poderá ter lugar quando se verifique a prática, por cidadão português, militar ou
civil, de feitos em teatro de guerra, de actos de abnegação e coragem cívica ou de altos e assinalados
serviços à Humanidade ou à Pátria e, ainda, quando se verifique a prática, por qualquer cidadão, de acto
humanitário ou de dedicação à causa pública de que resulte a incapacidade absoluta e permanente para o
trabalho ou o falecimento do seu autor. A atribuição desta pensão depende, assim, da comprovação da
prática de actos demonstrativos de que o interessado se tornou credor do reconhecimento nacional em
razão da sua excepcionalidade e invulgar relevância, actos que terão, assim, de ultrapassar o mero
cumprimento dos deveres (militares) que lhe incumbiam. Praticará um acto excepcional e relevante o
militar que, a título exemplificativo, gravemente ferido numa emboscada, se mantém a combater, dando
tempo aos camaradas de armas para manobrar.
135
Vide a alínea d) do n.º 1 do Artigo 41º conjugada com o Artigo 29º, ambos do novo RDM.
136
A alínea c) do Artigo 72º do antigo RDM integrava a provocação nas situações de agressão
física ou ofensa grave à honra do infractor, cônjuge, ascendentes, descendentes, irmãos, tios, sobrinhos ou
afins nos mesmos graus.
137
Constituirá ainda circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar do Arguido em
processo disciplinar por acidente de viação em que intervenha (pelo menos) uma viatura militar a
espontânea reparação dos danos resultantes da colisão (Vide, v.g., os Artigos 21º e 22º da Portaria n.º
22/72, de 15 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 306/79, de 29 de Junho, que regula os Processos
Relativos a Acidentes com Viaturas Automóveis da Armada e os Artigos 27º e 28º da Portaria n.º 22.396,
de 27 de Dezembro de 1966, alterada pela Portaria n.º 396/76, de 7 de Julho, que regula os Processos
Relativos à Circulação de Viaturas Automóveis do Exército). O processo disciplinar por acidente de
viação tem natureza especial, visando o apuramento da responsabilidade disciplinar do condutor militar-
Arguido face ao (in)cumprimento das normas reguladoras do serviço automóvel militar e das regras de
trânsito estabelecidas no Código da Estrada, sem olvidar o apuramento da responsabilidade pelos
prejuízos materiais emergentes. O processo administrativo por acidente de viação é independentemente
instruído e tem em vista a pronta recuperação da viatura militar acidentada dos danos materiais sofridos
na colisão. Questiona-se, no entanto, a manutenção da punibilidade com sanções disciplinares que,
relembre-se, podem ser privativas da liberdade, de todas as infracções de natureza contra-ordenacional
74
Os nºs 2 dos Artigos 55º e 56º do anterior RDM classificavam os militares da
Categoria de Oficiais e Sargentos com exemplar comportamento militar quando,
respectivamente, após dez anos e cinco anos de serviço efectivo, não tivessem sofrido
qualquer punição averbada e nada constasse no seu registo criminal, salientando-se a
desproporção do tempo de serviço sem o averbamento de qualquer punição e sem o
registo de infracção criminal respectivamente exigido para os militares graduados. Além
disso, os militares da Categoria de Praças eram colocados na primeira classe de
comportamento, equivalente ao exemplar comportamento, quando decorrido o período
mínimo de apenas três anos de serviço efectivo desde a sua incorporação sem o
averbamento de qualquer punição e sem que nada constasse do respectivo registo
criminal138
, pelo que se questionava a não uniformização das classificações de
comportamento de todos os militares face à realidade actual do serviço militar. É, assim,
de aplaudir a desejada eliminação da classificação de comportamento em função da
categoria dos militares, em benefício do princípio de igualdade de tratamento de todos
os militares
Nos termos do Artigo 42º do novo RDM, quando existam circunstâncias
atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do Arguido, a pena pode ainda ser
extraordinariamente atenuada. Não se percebe, porém, quais serão as circunstâncias
atenuantes que diminuem “substancialmente” a culpa do Arguido e muito menos como
se procederá à correspondente atenuação extraordinária do pena.139
Andou mal o
legislador ao delegar a competência para discricionariamente interpretar circunstâncias
atenuantes eventualmente verificáveis.
O legislador contemporâneo surpreende-nos, ainda no âmbito da escolha e
medida das penas, determinando genericamente que também se atenda, segundo juízos
de proporcionalidade, à “personalidade do infractor”, como se o conhecimento da
personalidade exigido não importasse uma avaliação de personalidade a elaborar apenas
por técnicos especializados140
.
punidas unicamente com coima. Neste sentido, o n.º 2 do Artigo 8º do novo RDM prevê não ser passível
de sanção disciplinar a contra-ordenação punida unicamente através de coima.
138
Vide os Artigos 57º e 59º do anterior RDM.
139
Vide o Artigo 42º do novo RDM.
140
Vide a al. d) do Artigo 39º do novo RDM.
75
Concluído o parecer do Oficial Instrutor, este propõe a decisão que sintetiza as
razões de facto e de direito que a justificam. Se o Arguido for inocente ou não se
provando a sua culpabilidade, perdendo a respectiva acusação subsistência (acusação
infundada), o Oficial Instrutor propõe o arquivamento do processo. Em sentido
contrário, isto é, provando-se a responsabilidade disciplinar do Arguido, o Oficial
Instrutor formaliza a respectiva proposta no sentido da existência de infracção punível
com uma das penas disciplinares legalmente previstas.
O termo de entrega regista formalmente a entrega do processo disciplinar pelo
Oficial Instrutor ao Chefe que o mandou instaurar que, considerando não dispor de
competência para decidir, o remete de imediato à entidade competente141
.
3.2.7. A DECISÃO: A APLICAÇÃO CONCRETA DA PENA
DISCIPLINAR
A entidade competente para decidir o processo disciplinar procede à sua análise,
podendo determinar a realização de diligências instrutórias complementares, necessárias
à descoberta da verdade e/ou a obtenção de pareceres técnicos, nomeadamente jurídicos,
que entenda necessários para uma correcta decisão142
.
Considerando-se habilitada para decidir, a entidade competente profere despacho
fundamentado, no próprio auto ou junto a ele, imediatamente a seguir ao termo de
encerramento da instrução, no prazo máximo de quinze dias contados da data da
recepção do processo ou do termo do prazo fixado para a realização das diligências
complementares143
.
Saliente-se, neste ponto, a inúmeras vezes questionada legalidade dos despachos
finais de processos disciplinares consubstanciados em (mera) declaração de
concordância com documentos (suficientemente) fundamentados, que descreviam, de
forma perfeitamente compreensível, as circunstâncias que sustentavam a punição
141
Vide os nºs 3 e 4 do Artigo 104º do novo RDM.
142
Vide o Artigo 105º do novo RDM.
143
Vide o n.º 1 do Artigo 106º do novo RDM. O n.º 3 do Artigo 268º da CRP estabelece também
que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível “quando afectem direitos ou
interesses legalmente protegidos”.
76
aplicada, como os relatórios dos Oficiais Instrutores elaborados com o necessário. Tais
equívocos surgem agora desfeitos, com a menção expressa, no n.º 2 do Artigo 106º do
novo RDM, da possibilidade de fundamentação da decisão final com a declaração de
concordância com o relatório. Assim, as decisões podem ser auto-suficientes,
enunciando todas as menções obrigatórias ou, em alternativa, remissivas, remetendo a
necessária fundamentação para análises anteriormente efectuadas, nomeadamente para o
disposto no Relatório do Oficial Instrutor, considerando-se, ou dando-se as respectivas
conclusões e propostas, como transcritas para os despachos, para todos os efeitos legais,
nomeadamente de suficiente fundamentação. Note-se, aliás, que o n.º 1 do Artigo 125º
do CPA estabelece inequivocamente que a fundamentação deve ser “expressa, através
de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo
consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores
pareceres, informações ou propostas, que constituirão nesta caso parte integrante do
respectivo acto”. A designada fundamentação por remissão encontra a sua razão de ser
no princípio da eficiência e no dever de celeridade da actuação administrativa,
deixando à Administração a possibilidade de adequar a marcha do procedimento a
decisões que se revelem mais eficazes e oportunas, sem prejuízo dos direitos e
interesses legalmente protegidos do interessado144
.
Se a decisão for de arquivamento, o despacho deverá mencionar a identificação
do Arguido, a identificação dos factos dados como provados e a fundamentação do
arquivamento por falta de culpabilidade do Arguido, pela sua inocência, por extinção do
procedimento ou por os factos não constituírem ilícito disciplinar. Se a decisão for
punitiva, o despacho deverá também conter, sob pena de padecer do vício de falta de
fundamentação145
, para além da identificação do Arguido e da descrição sucinta dos
144
Vide os Artigos 10º e 57º do CPA. Polémica será já a conclusão pela existência de
fundamentação do acto administrativo quando um destinatário normal, suposto na posição do interessado
em concreto, atentas as suas habilitações literárias e os seus conhecimentos profissionais, o tipo legal de
acto, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das
razões que motivaram a decisão (Vide, neste ponto, o Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo, de 24 de Novembro de 1994, in AD, n.º 401, p. 594, citado in FREITAS DO AMARAL,
Diogo e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, pág.
23).
145
A falta de fundamentação pode importar a anulação do despacho punitivo, se oportunamente
invocada pelo Arguido. Com efeito, a omissão de fundamentação gera a anulabilidade (Vide a conjugação
dos Artigos 123º, n.º 1, al. d), 133º e 135º, todos do CPA). Assim, o acto anulável é eficaz e obrigatório
até que ocorra a sua revogação pelo autor efectivo do acto (ou pelos respectivos superiores hierárquicos
com competência dispositiva sobre a matéria) ou seja contenciosamente anulado, pelo que uma vez
decorrido o prazo sem que tenha sido interposto recurso contencioso, o vício tem-se por sanado e o acto
administrativo convalidado (Vide os Artigos 136º e 141º, ambos do CPA).
77
factos praticados dados como provados, a qualificação dos mesmos como infracção
disciplinar, com a indicação dos preceitos legais violados (deveres militares violados), a
indicação das circunstâncias que influem na culpa do Arguido (enunciação dos critérios
seguidos na aplicação da pena) e a pena concretamente aplicada, de forma a possibilitar
e facilitar a defesa do Arguido146
. O dever de fundamentação deve, assim, ser
rigorosamente observado, dando-se especial ênfase ao despacho punitivo, até pela
situação de litígio que o mesmo pode gerar.
A aplicação concreta da pena será talvez o momento mais controverso do
processo disciplinar militar. Na escolha e medida da pena, é exigido ao aplicador que
atenda, segundo juízos de oportunidade, ao grau da ilicitude do facto e de culpa do
infractor, à responsabilidade decorrente da categoria e antiguidade no posto do infractor,
à sua personalidade, à relevância disciplinar da sua conduta anterior e posterior, à
natureza do serviço desempenhado, aos resultados perturbadores na disciplina e às
demais circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida, que militem contra ou a
favor do infractor. Além disso, tem a dificuldade acrescida de à prática dos factos
passíveis de consubstanciar uma infracção de disciplina não corresponder qualquer
cominação legal específica. Assim, a violação deste ou daquele dever militar poderá
importar a aplicação de uma qualquer punição constante do elenco das penas
disciplinares possíveis, de acordo com o critério pessoal da entidade com competência
para o exercício da acção disciplinar. Esta entidade, quase sempre sem formação técnica
adequada (jurídica)147
, encontra-se legalmente legitimada para aplicar uma pena
privativa ou restritiva da liberdade, o que só deveria ocorrer em processo penal.
Embora de acordo com o RDM, o cometimento de infracções disciplinares seja
passível de conduzir à privação da liberdade, não podemos olvidar as reticências
suscitadas quanto aos critérios utilizados pelas Chefias Militares, designadamente de
oportunidade, proporcionalidade e adequação na aplicação de penas inibidoras da
liberdade a outros militares, seus subordinados hierárquicos. Podendo, assim, o processo
disciplinar militar culminar na aplicação de penas tão gravosas como a prisão disciplinar
e a proibição de saída e sem descurar a reconhecida falta de preparação técnica dos
146
Vide os nºs 3 e 4 do Artigo 106º do novo RDM.
147
A formação militar envolve acções de investimento, de evolução e de ajustamento e
materializa-se através de cursos, tirocínios, estágios, instrução e treino operacional e técnico, consoante a
categoria, o posto, a classe, a arma, o serviço ou a especialidade a que o militar pertence (Vide o Artigo
73º do EMFAR).
78
respectivos aplicadores, as garantias de defesa do Arguido correm o risco de ficar
seriamente comprometidas.
No âmbito disciplinar, o princípio da proporcionalidade (ou da proibição do
excesso) exige a adequação da pena aplicada à gravidade dos factos objecto da
acusação. A medida disciplinar aplicada deve ser idónea aos fins que se pretende
prosseguir e mostrar-se como a menos gravosa para o Arguido, respeitando-se o
princípio da intervenção mínima, que impõe à Administração que escolha, de entre as
penas disciplinares que se mostrem adequadas à satisfação ou prossecução do interesse
público objectivado na acção disciplinar, aquela que se revela menos lesiva da esfera
jurídica do Arguido. A própria revisão do processo disciplinar poderá conduzir à
confirmação ou à revogação, total ou parcial, da decisão proferida pelo detentor da
acção disciplinar, mas em caso algum determinará a agravação da pena (proibição da
reformatio in pejus)148
. Muito embora a entidade detentora da acção disciplinar possua
uma ampla margem de liberdade administrativa, encontra-se limitada pelos princípios
da imparcialidade, justiça e proporcionalidade, ficando, a posteriori, sujeita ao poder
sindicante dos tribunais administrativos.
O anterior RDM tipificava as penas (princípio da tipicidade das penas)
aplicáveis aos militares149
, destrinçando o Artigo 34º as que se aplicavam a Oficiais e
148
Os processos de disciplina militar devem ser revistos sempre que tal for requerido pelo
interessado ao CEMGFA ou ao CEM do respectivo ramo das Forças Armadas, consoante a entidade que
tiver aplicado a punição, quando sejam conhecidos factos ou se verifiquem circunstâncias ou meios de
prova susceptíveis de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a punição, bem como a
inocência ou menor culpabilidade do militar punido, desde que este os não pudesse ter utilizado no
processo (Vide o n.º 1 do Artigo 126º e o n.º 1 do Artigo 127º, ambos do novo RDM, relativos ao recurso
de revisão).
149
As penas aplicáveis ao abrigo do anterior RDM eram as de repreensão, repreensão agravada,
faxinas, detenção ou proibição de saída, prisão disciplinar, prisão disciplinar agravada, inactividade,
reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação de serviço. Nos termos do Artigo 22º, a repreensão
consistia na declaração feita, em particular, ao infractor de que era repreendido por ter praticado qualquer
acto que constituía infracção de dever militar. A repreensão agravada a Oficiais e Sargentos era dada na
presença de outros Oficiais ou Sargentos, respectivamente, de graduação superior ou igual à do infractor,
mas sempre mais antigos, do Comando, Unidades ou Estabelecimentos a que pertencesse ou em que
estivesse apresentado; a repreensão agravada a Cabos era dada na presença de Praças da mesma
graduação de antiguidade superior à sua e a repreensão agravada às outras Praças era dada em formatura
da Companhia ou equivalente, do Comando, Unidade ou Estabelecimento a que pertencesse ou em que
estivesse apresentado (cfr., os nºs 1 e 2 do Artigo 23º). No acto da repreensão ou repreensão agravada, era
entregue ao infractor uma nota onde constava o facto que motivava a sua punição e os deveres violados
(Vide o Artigo 24º). Nos termos do Artigo 25º, a pena de faxinas consistia na execução de serviços
fixados por regulamentos próprios da Marinha, do Exército e da Força Aérea. Conforme o disposto no
Artigo 25º, a pena de faxinas consistia na execução de serviços fixados por regulamentos próprios da
Marinha, do Exército e da Força Aérea. A detenção ou proibição de saída consistia na permanência
continuada do infractor num aquartelamento ou navio durante o cumprimento da pena, sem dispensa das
formaturas e do serviço interno que por escala lhe pertencesse. Em marcha, tal pena era cumprida
permanecendo o infractor no aquartelamento ou estacionamento em que a força se demorasse. Na
79
Sargentos (exclusão da pena de faxinas), o Artigo 35º as penas aplicáveis a Cabos
(exclusão da pena de faxinas e da pena máxima correspondente à prisão disciplinar
agravada) e o Artigo 36º as penas aplicáveis às outras praças (inclusão da pena de
faxinas e da pena máxima correspondente à prisão disciplinar agravada). O anterior
RDM atribuía, ainda, a competência das autoridades militares para punir através das
colunas de um quadro onde, a título meramente exemplificativo, a pena de detenção
podia ser aplicada por um Capitão aos militares da categoria de Sargentos (até cinco
dias), Cabos (até dez dias) e a outras Praças (até dez dias) e a pena de prisão disciplinar
por um Coronel aos militares também da categoria de Oficiais (até cinco dias), aos
Sargentos (até dez dias), aos Cabos (até quinze dias) e a outras Praças (até quinze dias),
podendo uma Praça vir inclusivamente a cumprir até quarenta dias de prisão disciplinar
agravada se a pena fosse aplicada por um General de quatro estrelas150
.
Marinha, o cumprimento desta pena era interrompida durante o tempo de navegação (Vide o Artigo 26º).
A prisão disciplinar consistia na reclusão do infractor em casa para esse fim destinada, em local
apropriado, aquartelamento ou estabelecimento militar, a bordo, em alojamento adequado ou, na sua falta,
onde superiormente fosse determinado. Durante o cumprimento desta pena, os militares poderiam
executar, entre o toque da alvorada e o pôr-do-sol, os serviços que lhes fossem determinados (cfr. o
Artigo 27º). A prisão disciplinar consistia na reclusão do infractor em casa para esse fim destinada, em
local apropriado, aquartelamento ou estabelecimento militar, a bordo, em alojamento adequado ou, na sua
falta, onde superiormente fosse determinado. Durante o cumprimento desta pena, os militares poderiam
executar, entre o toque da alvorada e o pôr-do-sol, os serviços que lhes fossem determinados (cfr. o
Artigo 27º). Nos termos do Artigo 28º, a prisão disciplinar agravada consistia na reclusão do infractor
em casa de reclusão, pena que estava estritamente conotada com o serviço militar obrigatório e os então
tidos por necessários castigos. A pena de inactividade consistia na suspensão das funções de serviço
militar pelo tempo da punição, com permanência numa Unidade (Vide o Artigo 29º). A reserva
compulsiva consistia na passagem à situação de reserva por motivo disciplinar (Vide o Artigo 30º). A
reforma compulsiva consistia na passagem à situação de reforma por motivo disciplinar (Vide o Artigo
31º). Nos termos do Artigo 32º, a separação de serviço consistia no afastamento definitivo de um militar
do exercício das suas funções, com perda da sua qualidade de militar, ficando privado do uso de
uniforme, distintivos ou insígnias militares, com a pensão de reforma que lhe coubesse. As penas de
reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação de serviço só podiam ser aplicadas em processo
disciplinar após a apreciação dos Conselhos Superiores de Disciplina (CSD) respectivos, ou quando
resultassem da apreciação da capacidade profissional e moral dos elementos das Forças Armadas que não
revelassem qualidades essenciais para o exercício das funções militares. Ao abrigo da alínea b) do Artigo
139º do novo RDM, compete-lhes dar parecer obrigatório apenas sobre a aplicação das penas de reforma
compulsiva e de separação de serviço, isto é, no caso dos comportamentos objectivamente mais graves e
lesivos da disciplina. Os CSD assistem, ainda, o CEM em todas as matérias da natureza disciplinar
submetidas à sua consideração, dão parecer sobre a conduta dos militares, quando estes o requeiram e o
pedido lhes seja deferido pelo CEM do respectivo ramo, no intuito de ilibarem a sua honra posta em
dúvida por factos cuja natureza possa reflectir-se no seu prestígio militar (designadamente factos que
afectem a sua respeitabilidade, o decoro militar ou os ditames da virtude e da honra) e sobre os quais não
tenha recaído decisão disciplinar ou judicial ou não haja procedimento pendente e dão parecer nos
recursos de revisão de processos disciplinares. O CSD é, afinal, um instituto legal de defesa do Arguido
no âmbito administrativo-militar e, simultaneamente, instrumento de apoio à justiça, perfeição e
segurança das decisões finais do executivo, enquanto (mais alto) órgão consultivo em matéria disciplinar
do CEM de cada ramo das Forças Armadas (Vide o Artigo 134º e as alíneas a), c) e d) do Artigo 139º do
novo RDM).
150
Vide o Artigo 37º do anterior RDM e o respectivo quadro que estabelecia os limites da
competência disciplinar.
80
Em traços gerais, dois critérios presidiram a tal distribuição: o primeiro, no
sentido de à gravidade da pena disciplinar corresponder uma competência punitiva
situada a nível mais elevado da hierarquia militar e, o segundo, o de fazer depender a
competência punitiva da categoria do infractor – Oficial, Sargento, Cabo ou outras
Praças – revelando, por um lado, uma visão manifestamente redutora da
proporcionalidade e, por outro, uma perigosa desconcentração de competências em
matéria disciplinar. O anterior RDM aproximava e unificava no mesmo regime punitivo
os Oficiais com os Sargentos (regime à parte dos militares designados Graduados) e
mantinha um regime específico para as Praças, pelo que todo o regime punitivo teria
necessariamente de se aproximar face à realidade actual da profissionalização das
Forças Armadas. Ainda a título de exemplo demonstrativo da exigível reponderação do
quadro sancionatório anteriormente em vigor, o soldado era inúmeras vezes nomeado
para desempenhar serviços de faxina no decurso da prestação normal do serviço,
antecedendo a revista do respectivo Comandante às instalações militares. Atendendo a
que não existe, sequer, área funcional coincidente ou afim a esta para Praças e, portanto,
que as mesmas têm obrigatoriamente formação militar específicas em funções que não
estas, estava-se a tratar o soldado como alguém que se podia, repetidamente, “punir
disciplinarmente” sem que o mesmo tivesse cometido qualquer infracção disciplinar
(apenas) por não ter qualquer graduação. A intenção não era, efectivamente, a da
punição, até porque nem todas as UU/EE/OO têm afectos trabalhadores civis para a
realização destas tarefas que, afinal, têm de ser cumpridas, mas funcionava – e a Praça
sentia-o, de facto, como tal. Este exemplo demonstra claramente que a pena de faxinas
era uma pena disciplinar a eliminar, completamente desajustada aos dias de hoje, que
confundia o actual Soldado Profissional com o Soldado do extinto Serviço Efectivo
Normal (SEN) 151
.
As penas aplicáveis pela prática de infracções disciplinares foram, assim,
revistas, tendo-se – e bem, atentas as respectivas considerações formuladas supra –
eliminado a pena de faxinas, a pena de prisão disciplinar agravada (embora se
mantenham outras penas privativas de liberdade, como a detenção, agora designada
apenas de proibição de saída e a prisão disciplinar, esta inclusivamente prevista na
151
O Soldado do SEN é o mesmo Soldado do anteriormente designado Serviço Militar
Obrigatório (SMO).
81
alínea f) do n.º 3 do Artigo 27º da própria CRP) e a estratificação das penas em função
da categoria dos militares152
.
Contesta-se, no entanto, a previsão, no n.º 3 do Artigo 30º do novo RDM, da
possibilidade de aos militares nos regimes de voluntariado e de contrato ser aplicada,
para além das penas previstas para todas as categorias de militares, a cessação
compulsiva daqueles regimes, por violação do princípio non bis in idem. Não se
concebe como se consagra uma pena disciplinar consubstanciada na cessação do
vínculo funcional provisório celebrado com as Forças Armadas, com o risco acrescido
de a mesma poder ser aplicada de forma arbitrária por quem tem o exercício da acção
disciplinar. Com efeito, o n.º 2 do Artigo 38º do novo RDM apenas dispõe, de forma
vaga, que tal pena é aplicável “por violação grave de deveres militares que revele
incompatibilidade com a (sua) permanência nas Forças Armadas”, não concretizando os
critérios para a sua aplicação. Reconhece-se, porém, que o militar tinha, de facto, já
prevista a pena disciplinar mais grave, na medida em que o seu contrato de prestação de
serviço militar é renovado apenas se permanecer vaga no respectivo efectivo das Forças
Armadas, se o contratado se manifestar nesse sentido e “tiver classificação de serviço
que o permita”153
. Consagra-se, aqui, (mais) uma verdadeira sanção disciplinar,
prevendo-se a (ameaça da) possibilidade da cessação compulsiva destas formas de
prestação de serviço militar na primeira oportunidade (aguardando-se apenas a data da
renovação do contrato), questionando-se, uma vez mais, a bondade da opção (velada) do
legislador.
De modo semelhante, poderão ser aplicadas as penas de reforma compulsiva e
de separação de serviço aos militares dos quadros permanentes, sem que sejam
minimamente qualificados e identificados os respectivos comportamentos de
“gravidade” ou “excepcional gravidade” que as podem justificar154
.
Permanece, além disso, neste novo RDM, a inexistência da aconselhada moldura
penal pela prática dos ilícitos disciplinares, note-se que não exaustivos (o uso da
expressão “designadamente” é, aliás, recorrente, em desfavor da desejada tipicidade). A
pena a aplicar fica, assim, ao critério da Chefia Militar, correndo-se o risco de a
discricionariedade se transformar na indesejada arbitrariedade. Com efeito, ao facto com
152
Vide as penas actualmente aplicáveis no Artigo 30º do novo RDM.
153
Vide o n.º 2 do Artigo 28º da LSM e o nº 4 do Artigo 45º, ambos do RLSM.
154
Vide o n.º 2 do Artigo 36º e o n.º 2 do Artigo 37º, ambos do novo RDM.
82
maior relevância ou gravidade disciplinar pode vir a corresponder uma pena mínima,
bem como ao facto com uma relevância disciplinar mínima pode corresponder a pena
máxima, não se encontrando expressamente salvaguardado em qualquer preceito do
novo RDM o recurso às penas privativas da liberdade em obediência do princípio da
necessidade.
Nos termos do actual RDM, a competência disciplinar inclui a competência para
instaurar processo disciplinar nos termos previstos no quadro B em anexo ao novo
RDM155
. Ora para além das críticas que merece a atribuição de competência a militares
para a aplicação de penas disciplinares privativas de liberdade, verifica-se também o
referido anexo não esclarece qual a “competência plena” do Contra-Almirante ou
Major-General, Comodoro ou Brigadeiro-General, nem do Vice-Almirante ou Tenente-
General, relativamente à aplicação, pelos mesmos, do número máximo de dias da pena
de proibição de saída, nem sequer a “competência plena” do Almirante ou General
relativamente à aplicação do número máximo de dias de quaisquer das penas previstas,
consagrando-se, deste modo, a possibilidade de aplicação de penas manifestamente
abusivas, se não mesmo perpétuas, urgindo, assim, a sua necessária alteração.
Saliente-se, ainda, pela sua pertinência, a indesejável omissão actual de qualquer
relevância expressa das medidas preventivas adoptadas na instrução do processo
disciplinar na decisão final156
. Com efeito, o n.º 2 do Artigo 133º do novo RDM
salvaguarda tão-só a possibilidade de impugnação contenciosa da decisão que aplicar a
medida cautelar de suspensão preventiva, pelo que se aconselharia a consagração da
colocação do militar na situação em que estaria caso não lhe tivesse sido aplicada
qualquer medida cautelar no caso de arquivamento do processo disciplinar,
designadamente a possibilidade do regresso do militar à sua unidade de prestação de
serviço mediante a formalização do seu requerimento na situação de transferência e do
pagamento de indemnização se tivesse ocorrido a sua suspensão preventiva. Não se
deveriam, pois, esquecer os sempre possíveis erros sobre a pessoa, fora dos casos em
155
Vide o n.º 1 do Artigo 64º do novo RDM.
156
Nos termos do disposto no Artigo 111º do anterior RDM, se a decisão do processo disciplinar
fosse de arquivamento, o militar era reintegrado em todos os direitos e função que anteriormente
usufruíra e indemnizado dos abonos que deixara de perceber. Se a medida tivesse consistido em
transferência, a mesma seria convertida em transferência por conveniência de serviço e o interessado
poderia optar, mediante requerimento autónomo, pelo regresso à sua anterior situação, pela continuação
na actual ou pela colocação numa terceira. Já se a decisão fosse condenatória, manter-se-iam os efeitos
das medidas adoptadas, se outras não fossem julgadas oportunas e convenientes.
83
que as medidas cautelares eram legalmente admissíveis ou a sua manutenção no caso de
a medida preventiva já se ter tornado desnecessária.
3.2.8. A NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO FINAL
A decisão final deve ser notificada pessoalmente e integralmente ao Arguido,
sendo objecto de publicação em OS, excepto se a pena aplicada for a de repreensão ou
de repreensão agravada. Nos casos de ausência do Arguido em parte incerta, a decisão é
ainda publicada na 2ª Série do Diário da República157
.
A eventual omissão da notificação de algum dos elementos que consubstanciam
a decisão (integral), não acarreta, de per si, qualquer vício ou irregularidade da decisão
propriamente dita, proferida de forma clara, coerente e completa158
, hipótese em que o
próprio Arguido pode requerer a notificação dos elementos em falta ou mesmo a
intimação (judicial) para a passagem de certidões.
Salienta-se a destrinça entre a decisão propriamente dita e o texto da punição
publicada na OS. Com efeito, não raras vezes, os Chefes vêem-se erroneamente
constrangidos a limitar a fundamentação dos seus despachos finais quando a efectiva
publicação da punição se basta com a publicação por extracto.
A publicação da punição em OS não equivale à notificação do Arguido. Com
efeito, a publicação em OS destina-se, sobretudo, a dar a conhecer, de forma
profiláctica e em favor da disciplina (intento dissuasor, repressivo e de retribuição), aos
demais efectivos da U/E/O, a sanção que cominou uma determinada conduta, enquanto
a notificação visa dar a conhecer integralmente ao Arguido a decisão no âmbito do
processo disciplinar que lhe foi instaurado, de modo a possibilitar o exercício do seu
direito de defesa. Nestes termos, na impossibilidade de se concretizar a notificação
pessoal do Arguido, a decisão deverá, não obstante o silencia do novo RDM nesta
matéria, ser remetida por via postal, sendo, neste caso, imperioso o recurso à carta
registada com aviso de recepção, para efeitos de prova da efectiva notificação159
.
157
Vide o Artigo 107º do novo RDM.
158
As menções obrigatórias constantes do acto administrativo são enunciadas de forma clara,
precisa e completa, a fim de poder determinar-se o seu sentido, alcance e os respectivos efeitos jurídicos.
159
Vide as alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 70º do CPA.
84
3.2.9. OS EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES E O SEU
CUMPRIMENTO
Questão que se entende inaceitável é a dos designados efeitos das penas,
nomeadamente das penas de suspensão de serviço e de prisão disciplinar estabelecidos,
respectivamente, nos Artigo 47º e 48º do novo RDM, porquanto tais penas importam a
possibilidade de transferência, a perda de igual tempo de serviço efectivo, a perda de
suplementos, subsídio e de dois terços do vencimento auferido à data das mesmas
durante o período da sua execução e ainda a impossibilidade de promoção durante o
período de execução da pena.
Mais do que “efeitos”, acresce a aplicação de verdadeiras penas – relembra-se,
nesta sede, o princípio non bis in idem – na pena consequente ao dever infringido, na
avaliação160
, na transferência, no tempo de serviço efectivo, nos suplementos, subsídios
e vencimento e na demora na promoção.
As penas de proibição de saída, suspensão de serviço e prisão disciplinar
podem implicar a transferência do militar graduado de U/E/O a que pertencer, após o
cumprimento da pena, a pedido do punido ou sob proposta do comandante, director ou
chefe, quando, face à natureza ou gravidade da falta, a sua presença no meio em que
cometeu a infracção for considerada incompatível com o decoro, a disciplina, a boa
ordem do serviço ou o prestígio das Forças Armadas161
. Para além de estratificar estes
“efeitos”, excluindo os militares da categoria de Praças, o diploma não esclarece como
se afere tal “incompatibilidade”, até quando a referida proposta do comandante, director
ou chefe pode ser formalizada e a quem a mesma se dirige – ao respectivo comando
funcional, ao CEMGFA ou aos CEM do respectivo ramo?
Além disso, a perda de suplementos, subsídios (que na falta de concretização
importa a perda da totalidade do subsídio de condição militar) e de dois terços do
vencimento reflecte-se inadmissivelmente no orçamento familiar e em valor superior ao
160
As penas disciplinares têm consequências no âmbito da avaliação de mérito, nos termos da
Lei (Vide o n.º 1 do Artigo 45º do novo RDM).
161
Vide o Artigo 46º do novo RDM.
85
da penhora, até um terço, das remunerações de carácter permanente efectuada pelos
próprios tribunais.
Como “efeito” da pena de cessação compulsiva dos regimes de voluntariado ou
de contrato, o Artigo 49º do novo RDM prevê, finalmente, a impossibilidade de o
infractor ser opositor a concursos para ingresso nos quadros permanentes das Forças
Armadas, disposição legal cuja imperatividade se repudia, por se ter como
manifestamente contrária aos fins das penas e à possibilidade de plena reintegração do
infractor. Com efeito, ter-se-ia de provar a impossibilidade da exequibilidade, ad
eternum, de tal relação funcional.
Chegados ao momento do cumprimento da pena disciplinar, o n.º 1 do Artigo
51º do novo RDM sentencia que o mesmo ocorre logo que expirado o prazo para a
interposição de recurso hierárquico sem que este tenha sido apresentado ou, tendo-o
sido, logo que lhe seja negado provimento.
O Artigo 44º do anterior RDM estabelecia que as penas disciplinares seriam
cumpridas, “sempre que possível, seguidamente à sua aplicação”. Ora este critério de
possibilidade deixava em aberto a aplicação de critérios não uniformes, sem
compatibilidade com a faculdade então estabelecida no n.º 1 do Artigo 8º do anterior
RDM, de os Comandantes das Unidades independentes, os Directores ou os Chefes de
Estabelecimentos e as autoridades de hierarquia superior a estas “atenuar, agravar ou
substituir as penas impostas pelos subordinados” quando, seguidamente à sua aplicação
e mediante o formalismo adequado que no caso coubesse, reconhecessem a
conveniência disciplinar de usar dessa faculdade162
. Efectivamente, como se atenuava
ou substituía uma pena já aplicada e cumprida? Ou, por outras palavras, como se
assegurava o conhecimento da aplicação da pena disciplinar ao Arguido e a
possibilidade de o mesmo ver a pena atenuada ou substituída por outra menos gravosa
segundo os tais critérios de conveniência disciplinar, se este simplesmente não
recorresse da mesma e entretanto a cumprisse? Mesmo que a pena viesse a ser anulada,
os seus efeitos, designadamente psicológicos de uma pena privativa de liberdade,
dificilmente seriam colmatados, ainda que mediante a proposição de uma acção cível
contra a Administração. Tornava-se, assim, exigível a salvaguardada expressa da
162
A oportuna consagração legal da faculdade do superior hierárquico de “atenuar, agravar ou
substituir as penas impostas pelos subordinados” tinha como objectivo a fiscalização da acção dos que
dele dependiam na cadeia de comando e permitia a responsabilização pela conduta dos comandados, não
se sublinhando em sentido positivo a opção do legislador pela sua eliminação.
86
exigibilidade do decurso do prazo previsto para a interposição do recurso hierárquico
antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar prevista no RDM, em favor, aliás, da
harmonização com o princípio da presunção de inocência do Arguido, consagrado
constitucionalmente163
.
O novo RDM salvaguarda a necessidade do decurso do prazo para a interposição
de recurso hierárquico sem a sua apresentação ou logo que lhe seja negado provimento
para haver lugar ao cumprimento das penas disciplinares militares, mas com excepção
das penas de repreensão e repreensão agravada, que são cumpridas imediatamente
após a decisão que as aplicou164
. Embora se reconheça uma evolução francamente
positiva relativamente ao previsto no Regulamento anterior, considera-se que o
princípio deveria ser imperativamente aplicável a todas as penas. Com efeito, ainda que
estas penas disciplinares venham a ser anuladas, os seus efeitos, designadamente
psicológicos inerentes à sua aplicação dificilmente serão ressarcidos165
. O novo RDM
dispõe, efectivamente, no n.º 4 do Artigo 63º, a (simples) eliminação das
correspondentes entradas no registo disciplinar do militar em causa em caso de
revogação ou de anulação da pena. Deveria, assim, encontrar-se salvaguardada a
exigibilidade do decurso do prazo previsto para a interposição do recurso hierárquico
antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar prevista no RDM, em obediência ao
princípio da presunção de inocência do Arguido e à salvaguarda das suas garantias de
defesa, consagrados constitucionalmente.
Relevam, ainda, as situações dos militares dos quadros permanentes e em regime
de voluntariado e de contrato com processo disciplinar pendente, que designadamente o
n.º 2 do Artigo 169º do anterior RDM ainda dedicava ao extinto serviço militar
obrigatório. Assim, o militar com processo disciplinar pendente mantém-se na
efectividade de serviço enquanto não for proferida a decisão e cumprida a pena que lhe
for imposta, salvo se os mesmos passarem à situação de reserva ou de reforma ou
tiverem baixa definitiva de todo o serviço por incapacidade física ou mental. Quando a
163
Vide o n.º 2 do Artigo 32º da CRP.
164
Vide o n.º 2 do Artigo 51º do novo RDM.
165
A pena de repreensão consiste na declaração feita em particular ao infractor, de que sofre
reparo por ter praticado uma infracção disciplinar. Já a pena de repreensão agravada consiste igualmente
numa declaração feita ao infractor, mas efectuada na presença de outros militares, sendo esta pena
efectuada a praças de patente inferior a Cabo dada em formatura da companhia, ou equivalente da U/E/O
a que pertencerem ou em que estiverem apresentadas (Vide o Artigo 32º do novo RDM).
87
pena disciplinar for aplicada depois de o infractor ter deixado a efectividade de serviço,
o mesmo é convocado para o cumprimento da mesma166
. Já dispunha neste sentido o n.º
12 do Artigo 58º da LSM, que estabelece serem convocados para regressar ao serviço
efectivo militar os cidadãos sujeitos a deveres militares167
na disponibilidade, que hajam
praticado infracção disciplinar durante a prestação de serviço efectivo militar, a fim de
cumprirem a pena correspondente, quando esta for aplicada após a sua passagem à
situação de reserva de disponibilidade168
.
No que diz respeito à contagem do tempo da pena, importa, por último, referir
que durante o cumprimento da pena, o tempo da permanência em hospital ou enfermaria
por motivo de doença é contado para efeito da mesma pena, salvo se existir
simulação169
.
Após o cumprimento da pena o militar tem o dever de se apresentar
imediatamente ao serviço, nos termos regulamentares170
.
3.2.10. OS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO
Nesta amálgama de normas em que o Arguido do processo disciplinar militar se
vê enredado, restam-lhe apenas as garantias de reclamação, de recurso hierárquico, de
revisão e contencioso, sem olvidar a designada tutela cautelar de direitos, com as
especificidades do regime actualmente em vigor, a merecer o nosso (oportuno)
desenvolvimento infra.
Os direitos de reclamar e recorrer (recurso hierárquico e contencioso) já se
encontravam estabelecidos no âmbito do anterior RDM, embora com contornos
166
Vide o Artigo 108º do novo RDM.
167
O período de sujeição dos cidadãos portugueses a obrigações militares termina no último dia
do ano em que completam 35 anos de idade (Vide o n.º 6 do Artigo 1º da LSM).
168
O cidadão regressa automaticamente ao serviço efectivo militar, com o trânsito em julgado da
decisão judicial condenatória que aplique a pena de presídio militar, a pena de prisão militar ou a prisão
disciplinar. Fora destes casos, a convocação dos cidadãos é ordenada pelo dirigente máximo do órgão
central de recrutamento, in casu, a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, do Ministério da
Defesa Nacional (Vide os nºs 13 e 14º do Artigo 58º da LSM e o Artigo 12º da LSM).
169
Cfr. o n.º 2 do Artigo 52º do novo RDM.
170
Vide o Artigo 53º do novo RDM.
88
diferentes171
. Enquanto a reclamação era – e é – dirigida ao chefe que impôs a pena172
,
quando a reclamação não fosse, no todo ou em parte, julgada procedente, assistia ao
reclamante o direito de recorrer “para o chefe imediato da autoridade que o puniu”
(recurso hierárquico por escada, rectius, por degrau)173
, no prazo de cinco dias contados
daquele em que fosse notificado da decisão de indeferimento (garantia impugnatória de
um acto administrativo praticado por um órgão subalterno da hierarquia).
Actualmente, o n.º 1 do Artigo 121º do novo RDM determina que das decisões
em matéria disciplinar cabe reclamação nos termos previstos no CPA (meio de
impugnação de um acto administrativo perante o seu autor) e ou recurso hierárquico
necessário nos termos do RDM174
, cabendo igualmente, conforme dispõe expressamente
o n.º 1 do Artigo 133º, conjugado com o n.º 1 do Artigo 125º do novo RDM,
impugnação contenciosa das decisões dos recursos hierárquicos proferidas pelo CEM
competente.
A condição militar caracteriza-se, como vimos, pela subordinação ao interesse
nacional, pela permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício de
interesses pessoais e também pela restrição do exercício de alguns direitos e liberdades,
prevista no Artigo 270º da CRP. No entanto, tais restrições efectuam-se nos limites do
171
Vide os Artigos 112º a 128º do anterior RDM.
172
O militar punido disciplinarmente podia reclamar quando julgasse não haver cometido a falta,
quando tivesse sido usada competência disciplinar não conferida pelo RDM, quando o reclamante
entendesse que o facto que lhe era imputado não era punível pelo RDM ou quando a redacção da
infracção não correspondesse ao facto praticados. Os fundamentos da reclamação não podiam ser
ampliados no recurso (Vide o n.º 1 do Artigo 112º, o n.º 1 do Artigo 113º e o n.º 1 do Artigo 114º do
RDM).
173
No âmbito do anterior RDM, o recurso hierárquico não era dirigido ao mais elevado superior
hierárquico do autor do acto como seria desejável, mas ao chefe imediato da autoridade que puniu o que,
dependendo do local de colocação do Arguido e do respectivo comando, direcção ou chefia,
indubitavelmente importava um maior ou menor rigor na reapreciação do acto recorrido, demonstrando,
uma vez mais, a necessidade da existência de juristas nas Secções de Justiça e Gabinetes Jurídicos das
U/E/O das Forças Armadas.
174
Actualmente, a reclamação em matéria disciplinar é sempre facultativa e não suspende o
prazo do recurso hierárquico. Este pode ser interposto pelo militar a quem tenha sido imposta uma pena
disciplinar ou que considere lesiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, dirigindo-o ao
CEMGFA ou ao CEM do ramo, conforme o caso (Vide o n.º 3 do Artigo 121º, o n.º 1 do Artigo 122º e o
n.º 1 do Artigo 124º, todos do novo RDM. É de saudar, pelo grau de tecnicidade requerido aliado à
existência da necessária assessoria jurídica, a previsão, pelo n.º 1 do Artigo 125º do novo RDM, da
competência do CEM competente para proferir a decisão no âmbito do recurso hierárquico, limitando-se
os responsáveis pelos diversos escalões hierárquicos intermédios de comando a pronunciar-se sobre o
mérito do recurso. Note-se que nos termos gerais do procedimento administrativo, permite-se também ao
interessado recorrer per saltum directamente para a autoridade ad quem, tendo esta competência para
reapreciar o acto recorrido (Vide o n.º 2 do Artigo 169º do CPA).
89
disposto no n.º 2 do Artigo 18.º da CRP, ou seja, nos casos expressamente previstos na
Constituição, devendo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos. Ora o direito de aceder ao direito e aos
tribunais não é alvo de qualquer restrição constitucionalmente consagrada, encontrando-
se apenas estabelecido que “no exercício dos respectivos direitos os militares estão
sujeitos às obrigações decorrentes do estatuto da condição militar e devem observar uma
conduta conforme à ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças
Armadas”175
.
É igualmente neste sentido que já se deveria entender o disposto no n.º 2 do
Artigo 119º do anterior RDM, que estabelecia que a decisão que revogava, alterava ou
mantinha a decisão recorrida (hierarquicamente), no todo ou em parte, era definitiva.
Com efeito, a noção de definitividade não se confunde com o conceito de
irrecorribilidade (contenciosa)176
. Qualquer decisão disciplinar militar assume a veste
de um acto administrativo, pelo que se encontra garantida a via contenciosa de recurso,
do âmbito do contencioso administrativo. Não se compreenderia, aliás, a
admissibilidade expressa do recurso contencioso das decisões definitivas e executórias
dos CEM177
e incongruentemente se impedisse o recurso contencioso das decisões
proferidas por militares de hierarquia inferior178
. As questões disciplinares, até pelo
reflexo que têm na carreira dos militares já não podiam, há muito, ser consideradas de
pequena monta.
175
Vide o n.º 4 do Artigo 31º da LDNFA. Vide, ainda, o Artigo 20º da CRP, relativo ao acesso ao
direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como o n.º 4 do Artigo 268º do mesmo diploma, respeitante à
garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos aos administrados,
estabelecendo, assim, o princípio da recorribilidade contenciosa dos actos administrativos definitivos e
executórios. Note-se que o princípio da tutela jurisdicional efectiva se estende igualmente aos
procedimentos cautelares, a fim de conferir protecção provisória aos direitos e interesses ameaçados.
176
Vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da
República, n.º 11, 1ª Série, de 13 de Maio. O Artigo 115º do anterior RDM previa a irrecorribilidade
hierárquica, em matéria disciplinar, das decisões do CEMGFA, CEMA, CEME e CEMFA, por serem as
entidades do topo da hierarquia. O n.º 2 do Artigo 125º do novo RDM prevê também a inadmissibilidade
de recurso hierárquico das decisões dos CEM em matéria disciplinar. O que não significa que estas
mesmas decisões não sejam passíveis de recurso contencioso.
177
Vide, com as devidas adaptações, o n.º 1 do Artigo 120º do anterior RDM.
178
Considerando a necessidade de interpretar a definição do exercício de funções de comando,
direcção ou chefia nos escalões intermédios da organização da Marinha, foi, através da Portaria n.º
453/78, de 11 de Agosto, com as alterações da Portaria n.º 882/82, de 20 de Setembro, aprovada uma
relação onde se encontram enumeradas as entidades que, situando-se nos referidos escalões intermédios,
podem exercer a competência disciplinar correspondente ao seu posto.
90
É, por outro lado, interessante observar que a própria Lei Fundamental reforça
expressamente a garantia da via judiciária de recurso nos casos em que a punição
disciplinar importe a (medida excepcional da) privação de liberdade ao prever, na al. f)
do n.º 3 do seu Artigo 27º, a “prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de
recurso para o tribunal competente”. E não se pense que tal disposição elimina a
garantia de recurso contencioso das decisões disciplinares militares que não apliquem
penas privativas da liberdade. Tal restrição não encontra, como vimos, fundamento no
Artigo 270º da CRP, nem sequer se vislumbra porque um direito assegurado a todos os
restantes trabalhadores da Administração Pública não pudesse ser exercido pelos
militares. Assim e em consonância com os princípios do Estado de Direito Democrático,
a nossa Lei Fundamental salvaguarda o recurso contencioso de todos os actos
administrativos definitivos consubstanciados na aplicação de sanções disciplinares,
incluídas as penas disciplinares militares.
Saliente-se, por fim, o disposto no n.º 2 do Artigo 205º da CRP, segundo o qual
as decisões dos tribunais “são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e
prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, pelo que a instituição militar,
dirigida pelas respectivas chefias, não se pode eximir ao cumprimento das decisões
judiciais e, bem assim, o n.º 1 do Artigo 18º da CRP, relativo à força jurídica dos
preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, directamente
aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas.
A lei não pode constituir letra morta, nem os militares se devem sentir
condicionados aquando do acesso ao direito e aos tribunais. Em suma, as fragilidades
decorrentes da elaboração do processo disciplinar militar exigem que a chefia militar
não seja a última entidade administrativa a quem o militar pode recorrer a fim de
defender os seus legítimos direitos e interesses. Concomitantemente, as Chefias
Militares, representantes de uma instituição que é instrumento fundamental do Estado
Democrático, devem serenamente aceitar, cumprir e fazer cumprir as decisões judiciais
respectivas, apelando apenas para que os procedimentos judiciais se concretizem com a
celeridade e prioridade exigidas, com vista à tutela dos direitos e interesses das partes.
91
3.2.11. A TUTELA CAUTELAR DE DIREITOS
Os militares encontram-se, como já referimos, abrangidos no conceito de
trabalhadores da Administração Pública, comportando, assim, o vínculo jurídico
inerente à prestação de serviço militar todas as características essenciais da relação
jurídica de emprego público. Deste modo, o litígio emergente da aplicação de uma pena
disciplinar constante do RDM, sem prejuízo das especificidades inerentes à disciplina
militar é, afinal, o decorrente de uma relação jurídico-administrativa, cuja resolução era,
até há bem pouco tempo, da competência dos tribunais administrativos e fiscais179
.
Aqui vinham intervindo as APM, beneficiando das disposições constantes do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), nos termos das quais os
tribunais administrativos tinham adquirido maior capacidade de intervenção na tutela
cautelar dos direitos. Assim, acedendo ao direito através da apresentação de
providências cautelares nos tribunais administrativos, os militares punidos
disciplinarmente beneficiavam da suspensão da aplicação das suas penas e, em alguns
casos, da interrupção do cumprimento das mesmas180
. A situação em vigor era uma
questão delicada, mas perfeitamente admissível do ponto de vista legal. Como afirmou
ao Expresso o Constitucionalista VASCO PEREIRA DA SILVA, “Os juízes só
verificam se há cumprimento da legalidade do acto administrativo militar, não do seu
mérito”, acrescentando que “o cumprimento da legalidade é uma garantia da própria
hierarquia”.
Com as mais recentes alterações legislativas, a configuração desta questão
assumiu novos contornos. As situações relativas à disciplina militar, antes do âmbito da
competência dos tribunais administrativos de primeira instância, são agora tutela do
Tribunal Central Administrativo (TCA). Com efeito, nos termos do Artigo 6º da Lei n.º
179
Vide a alínea b) do n.º 1 do Artigo 209º e o n.º 3 do Artigo 212º, ambos da CRP. Em sentido
contrário se pronunciou ALMEIDA, Luís Nunes de, in Justiça Militar, Colóquio Parlamentar, Lisboa,
1995, pág. 80, ”é manifestamente inconveniente atribuir aos tribunais administrativos o conhecimento dos
recursos em matéria disciplinar, até porque é incongruente com o sistema da justiça militar. Se se vai
atribuir aos tribunais o conhecimento daquilo que é específico da instituição militar em matéria criminal,
não faz sentido que o que é específico em matéria disciplinar vá caber aos tribunais administrativos. Não
quero dizer com isto que outra solução não fosse possível, mas, a ser decidido assim, então todo o sistema
constitucional nesta matéria, para ser congruente, deveria ser reedificado”.
180
Vide os Artigos 1º, 2º, nº 1 e n.º 2, alínea m) e 112º e ss, todos do CPTA.
92
34/2007, de 13 de Agosto, que estabelece o regime especial dos processos relativos a
actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no RDM, compete
à Secção de Contencioso Administrativo de cada Tribunal Central Administrativo
conhecer, em primeira instância, dos processos relativos “a actos administrativos de
aplicação das sanções disciplinares de detenção (rectius, proibição de saída) ou mais
gravosas”.
Nas palavras do então Ministro da Defesa, SEVERIANO TEIXEIRA, no
Primeiro de Janeiro, a escolha de tribunais administrativos superiores justifica-se por,
as mais das vezes, tratar de “questões de liberdade”. Além disso, “elimina-se o
automatismo da suspensão de actos administrativos e criam-se critérios definidos para a
possibilidade de suspensão”. Efectivamente, como dispõe o Artigo 2º da identificada
Lei, quando seja requerida a suspensão de eficácia de um acto administrativo praticado
ao abrigo do RDM, não há lugar à proibição automática de executar o acto
administrativo, prevista no artigo 128.º do CPTA. Sem prejuízo do disposto nos nºs 2, 3
e 5 do Artigo 120.º do CPTA, as providências cautelares em matéria de disciplina
militar, nomeadamente as que envolvam a suspensão de eficácia de actos de aplicação
de penas ou sanções disciplinares, só podem ser decretadas quando haja fundado receio
da constituição de uma situação de facto consumado e seja evidente a procedência da
pretensão, formulada ou a formular no processo principal, por se tratar de “acto
manifestamente ilegal, acto de aplicação de norma já anteriormente anulada” ou de
“acto materialmente idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou
inexistente”, critérios estes averiguados sumariamente181
. Além disso, a decisão sobre o
decretamento provisório das providências cautelares é obrigatoriamente precedida de
audição da entidade requerida, podendo a mesma ser efectuada por qualquer meio
expedito182
.
Como explicou o referido Ministro ao Correio da Manhã, as penas só serão
suspensas quando se justifique “o sacrifício da disciplina militar em nome dos direitos,
liberdades e garantias dos militares”. Criou-se, ainda, “a figura de juízes e assessores
militares” no TCA183
.
181
Vide o Artigo 3º e o n.º 1 do Artigo 4º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto.
182
Vide o n.º 2 do Artigo 4º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto.
183
O Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores Militares do Ministério Público encontra-se
aprovado na Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, com a alteração da Declaração de Rectificação n.º
1/2004, publicada no Diário da República, I Série – A, n.º 2, de 3 de Janeiro, encontrando-se a actual
93
Pretendeu-se, assim, estabelecer uma adequada articulação entre os normativos
disciplinares específicos das Forças Armadas e as regras gerais de protecção dos
cidadãos contra os actos da Administração Pública, afirmando reconhecer-se que “o
acto que aplica regras de disciplina militar não é um acto administrativo indiferenciado,
mas antes um acto administrativo com características muito específicas”, que importaria
acautelar em sede própria. Com a presente lei, introduziu-se um regime que, não
vedando aos militares das Forças Armadas o acesso a qualquer dos meios processuais
gerais, inclusivamente cautelares, cria requisitos próprios para o seu decretamento
quando o acto seja praticado em matéria de disciplina militar.
Questiona-se, no entanto, a criação deste regime especial da disciplina militar
com a paralela garantia da manutenção das vias gerais de impugnação de actos
administrativos. Note-se que o regime especial para a disciplina militar tem, como
objectivo apontado por SEVERIANO TEIXEIRA, o de a mesma deixar de ser “tratada
nos tribunais como um acto administrativo qualquer”, como se um juiz do tribunal
administrativo chamado a decidir sobre matéria disciplinar militar não fosse capaz de
salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos, civis ou militares, em qualquer
circunstância. Na aplicação da medida cautelar, o juiz administrativo sabe encontrar-se
limitado por alguns princípios de actuação, nomeadamente sabe dever atender ao facto
de tratar de uma medida com natureza instrumental e provisória184
, ao fumus boni
iuris185
, à valoração do periculum in mora186
, à necessidade e adequabilidade da medida
previsão estabelecida no Artigo 7º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto. A Lei n.º 79/2009, de 13 de
Agosto, veio posteriormente regular a forma de intervenção dos juízes militares e dos assessores militares
do Ministério Público junto dos tribunais administrativos, no âmbito de aplicação da Lei n.º 34/2007, de
13 de Agosto.
184
Existe uma relação de instrumentalidade entre a medida cautelar e o processo principal, o que
impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva, aquilo que o particular não
pode obter através de uma sentença favorável sobre a pretensão principal. E mesmo que a decisão cautelar
“seja antecipatória, sempre será, pela sua função, provisória relativamente à decisão principal, caducando
necessariamente com a execução desta” (Vide, VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, in A Justiça
Administrativa (Lições), 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 306).
185
O Fumus boni iuris consubstancia uma apreciação sumária relativamente às probabilidades de
êxito da acção principal. Assim, apresenta, por um lado, uma formulação positiva, nos termos da qual é
necessária a verificação de uma aparência de que o recorrente possui um direito que foi lesado pela
actuação administrativa e, por outro, uma formulação negativa, nos termos da qual basta que o recurso
principal não apareça, à primeira vista, desprovido de fundamento.
186
Existe periculum in mora sempre que haja fundado receio da constituição de uma situação de
facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa
assegurar ou pretende ver reconhecidos no processo principal.
94
e ao prejuízo para o interesse público decorrente da adopção da medida cautelar187
.
Como já demonstrámos, o litígio emergente da aplicação de uma sanção disciplinar
prevista no RDM não deixa de ser um litígio emergente de uma relação jurídica
administrativa, apesar das especificidades da disciplina militar, como sucede em outras
áreas da Administração.
Considera-se, assim, que esta lei veio criar um grave precedente no sistema de
garantia dos cidadãos perante os tribunais administrativos, violando os princípios
basilares que presidiram à reforma do contencioso administrativo em 2002,
designadamente o princípio da unificação do sistema de impugnação dos actos
administrativos. Assim, estas matérias foram afastadas dos tribunais administrativos de
primeira instância e são impostos limites à capacidade de intervenção dos tribunais
administrativos na adopção de providências cautelares, tornando a sua intervenção
inócua, com violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente
consagrado.
Ao afirmar-se a eliminação da suspensão automática ou semi-automática dos
actos administrativos em matéria de disciplina militar, salvaguardando-se a
possibilidade de os actos serem suspensos quando se verifiquem os critérios especiais de
decisão estabelecidos, ou seja, quando se justifique o sacrifício da disciplina militar em
nome dos direitos, liberdades e garantias dos militares, surge a dúvida evidente de esta
suspensão ocorrer sequer pontualmente, uma vez que a salvaguarda da disciplina militar
é e será sempre o prius, em consonância com a legislação militar aplicável, com o
próprio desencadear de toda a polémica gerada em torno da apontada fragilização da
disciplina militar e com a (presumida) pronúncia dos juízes e assessores militares do
Ministério Público nesse mesmo sentido.
No que diz respeito à criação da figura dos juízes e assessores militares no TCA,
como se os tribunais administrativos fossem tribunais criminais, se a priori pareceria de
louvar a preocupação de levar ao tribunal quem à partida teria uma maior percepção das
consequências dos ilícitos disciplinares cometidos por militares na disciplina e coesão
das Forças Armadas, levanta-se, por um lado, a questão do (real?) desvirtuamento das
sentenças judiciais sem a intervenção dos juízes e assessores militares face às restantes
187
A ponderação, a adequabilidade e a necessidade da decretação da medida cautelar impões que
o juiz realize um exercício de ponderação (ou juízo de prognose) de todos os interesses em jogo, a fim de
fazer depender a decisão de concessão ou não da medida cautelar, dos interesses preponderantes,
recusando, assim, a sua concessão, quando os prejuízos daí decorrentes sejam superiores aos prejuízos
que resultariam da sua não concessão.
95
e, por outro, o seu desejável distanciamento e (im)parcialidade, uma vez que a
envolvente inerente à condição militar se encontra embrenhada em todo aquele que
enverga a farda militar.
Tais receios vêem-se reforçados face às notícias chegadas os meios de
comunicação social, designadamente ao Correio da Manhã, sobre as acusações de vício
de ilegalidade e de violação do princípio da independência dos tribunais e dos juízes
dirigidas ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) relativamente à alegada cedência
das escolhas das Forças Armadas nos processos de nomeação de juízes militares para os
tribunais comuns. Em causa estaria o facto de quatro dos dezassete juízes militares,
apoiados pelos tribunais onde estariam integrados e relativamente aos quais não existiria
nenhuma informação negativa, terem manifestado a vontade de renovar as suas
comissões de serviço, mas o órgão de gestão e disciplina dos juízes ter alegadamente
procedido às nomeações apenas com base em listas enviadas pelos ramos das Forças
Armadas, situação que o CSM se terá escusado de comentar. Numa das providências
instauradas no sentido da impugnação da decisão do CSM no primeiro processo de
nomeação de juízes militares a que o Correio da Manhã teve acesso, ler-se-ia
inclusivamente que “o condicionamento da renovação da comissão de serviço à
apresentação de listas por parte dos órgãos militares pode apresentar uma influência
nefasta no primeiro mandato dos juízes nomeados, uma vez que haverá uma tendência
dos juízes militares para agradar às suas chefias, a fim de serem novamente indicados
nas referidas listas”, pelo que se semeou, assim, a perturbante dúvida no que concerne à
exigida independência e, bem assim, à pretendida imparcialidade destes juízes.
3.2.12. A EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR
Nos termos do disposto no Artigo 54º do novo RDM, a responsabilidade
disciplinar extingue-se por morte do infractor188
, pela prescrição do procedimento
disciplinar ou da pena189
; por amnistia, perdão genérico ou indulto190
; após o
188
Vide o Artigo 57º do novo RDM.
189
Vide o Artigo 56º do novo RDM.
190
Vide o Artigo 58º do novo RDM.
96
cumprimento da pena e por revogação ou anulação (por bom comportamento) da pena
disciplinar191
.
Nos termos dos nºs 1 e 3 do Artigo 55º do novo RDM, o procedimento
disciplinar prescreve passados três anos, contados da data do cometimento da infracção
e, se conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, o procedimento não
for instaurado no prazo de seis meses. Quando as infracções consubstanciarem
simultaneamente ilícito disciplinar e criminal, aplicam-se os prazos penais da prescrição
desde que os mesmos sejam superiores a três anos192
.
A prescrição interrompe-se com a prática de qualquer acto instrutório e com a
notificação da acusação ao Arguido. Por sua vez, a instauração de processo de
averiguações, disciplinar, de inquérito ou de sindicância no âmbito dos quais se venha a
apurar responsabilidade disciplinar do militar visado, bem como a instauração de
processo por crime estritamente militar em que se decida que os factos imputados ao
Arguido não integram ilícito dessa natureza suspendem o decurso do prazo
prescricional193
.
Os prazos de prescrição poderão, assim, vir a revelar-se excessivos face aos
efeitos negativos incontornavelmente associados à morosa acção disciplinar, sujeitando-
se o Arguido à constante ameaça da pena.
191
Vide o Artigo 59º do novo RDM.
192
Vide o n.º 2 do Artigo 55º do novo RDM.
193
Vide os nºs 5 e 6 do Artigo 55º do novo RDM.
97
CAPÍTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Num país saído de uma guerra e de uma revolução, o prestígio dos
militares atinge, paradoxalmente, o seu ponto mais baixo de sempre,
sentenciando algumas vozes o alegado esvaziamento da razão de existir
das próprias Forças Armadas, essencialmente devido à deficiente
informação de uma sociedade mais voltada para o imediato do que
consciente do seu passado histórico e da realidade, nacional e
internacional, actual. Uma Nação tem de estar (prudentemente)
preparada para se defender, não se deixando iludir pela aparência de paz
circundante e Portugal, país europeu com uma localização geográfica de
interesse altamente estratégico, não é excepção.
2. No processo de transição de um regime autoritário para a democracia, as
Forças Armadas desempenharam um papel decisivo. As Forças Armadas
tinham independência funcional, constituindo um poder autónomo dentro
do próprio Estado. A Lei Fundamental reconhecia-lhes um poder
político-militar ou estatuto político-constitucional próprio, detendo um
poder de garantia (institucional) do (permanente) equilíbrio político do
sistema constitucional, direccionando-se igualmente para a (função de)
dinamização política em situações (excepcionais) de crise do sistema
político. O estatuto jurídico-constitucional das forças Armadas só
voltaria a ser definido após a revisão constitucional de 1982, com a
extinção do Conselho da Revolução e a consagração do modelo de plena
subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático, pondo,
assim, termo ao sistema de auto-governo militar. Com a revisão
constitucional de 1997, extinguiram-se os tribunais militares e concedeu-
se ao legislador ordinário a possibilidade da manutenção de um sistema
misto de serviço efectivo normal (que impendia apenas sobre os homens)
e serviço militar voluntário em vigor desde 1993 (que começou a integrar
a prestação de serviço militar também por mulheres), ou pela previsão de
um sistema assente exclusivamente no voluntariado.
98
3. Assim, a jusante das alterações resultantes da quarta revisão
constitucional e pressuposta a intenção da profissionalização dos
recursos humanos militares da Defesa Nacional e uma estratégia de
recrutamento contínuo de voluntários, a nova Lei do Serviço Militar veio
estabelecer a transição do anterior sistema de conscrição dos cidadãos à
prestação de serviço militar para um novo regime de prestação de serviço
militar assente, em tempo de paz, no voluntariado. Daí que a consumação
histórico-cultural de um sistema institucional e a perda contextual de
sentido das referências até então vigentes, ou seja, a crise (mais uma!), só
possa ser superada por uma crítica, ou seja, por uma reflexão
fecundadora, que permita a estruturação e o reconhecimento de umas
Forças Armadas modernas, sem que tal importe a fragilização da sua
missão, constitucionalmente consagrada.
4. A integração das Forças Armadas no Estado democrático-constitucional
significa que a instituição militar é um instrumento fundamental do
Estado Democrático e, paralelamente, impõe que tanto a sua estrutura
orgânica, como o modo do seu funcionamento se adaptem aos princípios
fundamentais constitucionais. A clássica subordinação absoluta do
inferior ao superior hierárquico, aliada à ausência das garantias
fundamentais do cidadão em uniforme, deixou de se alicerçar no puro
princípio da disciplina e da organização militar. Os direitos de cidadania
dos militares devem, pois, ser permanentemente ajustados à democracia
consolidada e à realidade das características do actual modelo de serviço
militar.
5. Antes apenas tidos como direitos subjectivos de defesa perante os
poderes do Estado, os direitos fundamentais, traduzidos em normas e
princípios objectivos, impõem-se a toda a ordem jurídica, pública ou
privada, obrigando o Estado e a sociedade civil. Na salvaguarda do
estatuto social mínimo definido pela Constituição, cujo respeito é, assim,
imposto às entidades públicas e privadas, a lei ordinária só pode
restringir os direitos, as liberdades e as garantias nos casos
99
expressamente previstos (princípio da autorização constitucional
expressa), devendo as restrições “limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos”.
6. A CRP consagra expressa e taxativamente (garantia da tipificação) as
situações de restrição admitidas ao exercício de direitos pelos militares
integrantes das fileiras das Forças Armadas. O Artigo 270º da CRP prevê
a possibilidade de a Lei estabelecer, “na estrita medida das exigências
próprias das respectivas funções, restrições ao exercício de direitos de
expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à
capacidade eleitoral passiva por militares (e agentes militarizados) dos
quadros permanentes em serviço efectivo”, restrições estas desenvolvidas
nos Artigos 31º a 31º-F da LDNFA aos militares sujeitos ao vínculo
temporário da prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de
voluntariado, permitindo-se, assim, à intervenção legislativa restritiva, a
harmonização dos interesses inerentes à extensão da restrição a todos os
militares em efectividade de serviço (reconhecimento da existência de
uma autorização implícita de restrição legal de direitos fundamentais ou
de restrições implícitas dos direitos fundamentais).
7. As relações especiais de poder não justificam, por si só, a restrição aos
direitos fundamentais dos militares. Ela emerge da necessidade de
harmonizar estes mesmos direitos com os fins institucionalmente
visados, com os bens, os valores ou os princípios constitucionalmente
consagrados, ou seja, com a afirmação de um interesse público especial
ou primacial. A restrição dos direitos fundamentais dos militares
fundamenta-se na protecção dos interesses constitucionalmente
protegidos, ancorados na necessidade de assegurar a eficiência, eficácia,
disciplina, isenção e neutralidade políticas das Forças Armadas, enquanto
garantias (mínimas) do cumprimento das funções de defesa nacional e de
segurança dos cidadãos que lhes estão cometidas, pressupondo o
(possível) equilíbrio entre os direitos comprimidos e os fins institucionais
e constitucionais prosseguidos. Em favor da defesa da República
100
democrática e pluripartidária, exige-se, assim, a não pertença dos
elementos das Forças Armadas a qualquer partido, força ou movimento
de natureza política (apartidarismo), bem como a sua neutralidade e
imparcialidade relativamente a qualquer interesse partidário ou simpatia
pessoal (isenção política), garantias estas mínimas para a existência de
umas Forças Armadas eficazes e coesas, não fragmentadas pelas
dissonâncias próprias geradas pela vivência política.
8. Nesta senda, as intervenções concertadas e públicas de militares na
efectividade de serviço constituem um sério alerta a não subestimar pelas
Chefias Militares e pelo poder político, a fim de, por um lado, se
assegurar o exigível poder de comando e, por outro, garantir-se a
necessária imparcialidade das Forças Armadas, evitando que estas
funcionem como instrumento de pressão política, comprometedoras do
livre desenvolvimento das instituições democráticas.
9. Gera-se, assim, uma espécie de inquietação ou instabilidade global
sempre que a legitimidade de quem exerce o poder não se revela pacífica.
As (ainda controladas) intervenções militares são o lado visível do mal-
estar interno existente nas Forças Armadas cuja responsabilidade se
colhe nas fragilidades emanadas do poder político e da deficiente
edificação jurídica da disciplina de um Corpo de Tropas. Para
ADRIANO MOREIRA, as Forças Armadas constituem um verdadeiro
grupo de pressão efectivo sobre o Governo. A propósito do Estado de
Direito, afirma: “embora querendo amparar-se na herdada proclamação
da subordinação das armas ao governo legítimo, nunca pôde eliminar o
facto de que as Forças Armadas estão no ambiente do processo decisório,
e só por isso já participam em todo e qualquer Poder Político, façanha
que não logram todos os poderes sociais em competição. Por outro lado,
também não é possível esquecer que a cadeia de comando e da
obediência é um fenómeno social que não corresponde necessariamente à
imagem que as leis consagram, e que os fenómenos de revolta militar são
apenas a demonstração mais visível de que os factos obedecem a
tendências que desfeiteiam o normativismo jurídico”. Acrescentamos
101
apenas que o elemento moral, consubstanciado na confiança na direcção,
tanto militar como política, constitui conditio sine qua non da eficiência
e eficácia da (própria) unidade militar.
10. A disciplina é a condição do cumprimento da missão constitucionalmente
cometida às Forças Armadas, pelo que os militares que integram as
fileiras devem necessariamente submeter-se a um regime disciplinar
especial que atenda à crescente consciencialização social dos direitos e
das garantias individuais.
11. O Arguido do processo disciplinar militar instaurado de há trinta anos até
aos nossos dias encontrava-se enredado num processo (quase) kafkiano,
pautado por normas aglutinadas no antigo RDM, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, diploma desajustado ao modelo de serviço
militar acolhido num país livre, cuja análise suscitava as exigências de
reformulação seguintes:
a. A revisão do extenso elenco dos deveres especiais previstos no
Artigo 4º, por muitos deles se reconduzirem ao mesmo dever;
b. A enunciação clara e exaustiva dos referidos deveres – garantia da
tipicidade – evitando-se a disposição genérica de deveres como a
prevista no dever primeiro (“Cumprir as leis, ordens e regulamentos
militares”), impedindo a formulação subjectiva, pelo intérprete e
aplicador, de juízos de valores sobre factos cujo legislador não soube
ou não quis prever;
c. A salvaguarda da exigida confidencialidade do processo disciplinar
até ao momento da acusação dirigida ao Arguido – comprometida ab
initio com o intento dissuasor, repressivo e de retribuição
consubstanciado na publicação (e leitura) do Despacho de instauração
do processo disciplinar e de nomeação do Oficial Instrutor na Ordem
de Serviço (OS) da U/E/O por referência a um concreto militar,
devidamente identificado e (também) objecto de um artigo autónomo;
102
d. A consagração do exercício da acção disciplinar dependente da forma
por que a ocorrência dos referidos factos chega ao conhecimento dos
chefes – contra o (sério) risco do impulso ou da acção arbitrária,
atento o poder (-dever) de instaurar ou mandar instaurar um processo
baseado em factos ou omissões, a título exemplificativo, sem os ter
presenciado, sem o conhecimento oficial das suas circunstâncias ou
sem eventualmente ter a (suficiente) convicção da probabilidade da
sua verificação;
e. A eliminação da força probatória atribuída à participação formalizada
por militar da categoria dos Oficiais, enraizada numa concepção
clássica da hierarquia militar, em colisão com os preceitos
constitucionais vigentes, designadamente, com os princípios da
presunção de inocência e do contraditório;
f. O fim da obrigatoriedade de o exercício do direito de queixa ser
(melindrosamente) antecedido pela “informação do queixoso àquele
de quem tenha de se queixar”;
g. A previsão da autonomia e independência do procedimento
disciplinar face ao criminal, sem prejuízo para o princípio non bis in
idem, com a expressa consagração do necessário trânsito em julgado
das sentenças condenatórias pela prática de infracções ocorridas fora
da U/E/O ou dentro da U/E/O mas não testemunhadas para efeitos de
instauração de processo disciplinar contra o cidadão em uniforme,
permanentemente sujeito à condição militar;
h. Relativamente à circunstância de o Arguido ou o participante ser
Oficial ou Aspirante a Oficial, a eliminação da obrigatória nomeação
de um superior a ambos para o exercício das funções de Oficial
Instrutor, dada a sua questionável aplicabilidade prática;
103
i. A exclusiva nomeação de Oficiais Instrutores com a necessária
formação técnica – que importaria a correspondente e justa criação ou
revisão das correspondentes carreiras militares;
j. A eliminação da restrição ao direito de petição individual no que
refere ao indeferimento, pelo Oficial Instrutor, de todos os pedidos
tidos por manifestamente inúteis ou prejudiciais à descoberta da
verdade, pela inerente subjectividade e necessária violação do
preceituado nas disposições conjugadas dos Artigos 18º, n.º 2 e 52º
da CRP;
k. A expressa salvaguarda do direito à constituição de defensor, a
escolher pelo próprio Arguido, sempre que existam condições
mínimas para iniciar, instruir e decidir o processo disciplinar, ainda
que usada a questionável faculdade (por diminuição das garantias de
defesa do Arguido) de prescindir da forma escrita e
independentemente da pena disciplinar a que houver lugar;
l. A consagração expressa do prazo para a resposta à nota de culpa,
compatível com o exercício do direito de defesa do Arguido e a
célere conclusão do processo disciplinar;
m. A enunciação dos factos passíveis de consubstanciar uma “infracção
de disciplina”, às quais corresponda a respectiva cominação legal
específica – garantia da tipicidade;
n. A expressa consagração da responsabilidade disciplinar do Arguido
por negligência;
o. A não punibilidade com sanções disciplinares – que podem ser
privativas da liberdade – de infracções de natureza contra-
ordenacional punidas unicamente através de coima;
104
p. A consagração de critérios a utilizar pelas Chefias Militares,
designadamente de oportunidade, proporcionalidade e adequação na
aplicação de penas inibidoras da liberdade a outros militares – o que
só deveria ocorrer em processo penal ou na situação eventual de
beligerância, embora a al. f) do n.º 3 do Artigo 27º da CRP reconheça
a prisão disciplinar;
q. A necessária definição da circunstância agravante inerente à prática
de infracções “colectivas”, com a concretização do grau de
participação dos sujeitos ou infractores;
r. A necessária definição da circunstância agravante da “reiteração” da
prática da infracção, aconselhando-se o cometimento de infracções
anteriores, já aplicadas ao mesmo Arguido e, bem assim, as decisões
transitadas em julgado;
s. No que se refere à circunstância atenuante referente ao
comportamento exemplar do Arguido, a eliminação da estratificação
das categorias de militares para efeitos de classificação de
comportamento;
t. A reponderação do quadro sancionatório, eliminando (pelo menos) a
prisão disciplinar agravada e a pena de faxinas – aplicável apenas às
Praças e adaptada a uma realidade ultrapassada – com a desejável
aproximação de todo o regime punitivo face à realidade actual da
profissionalização das Forças Armadas em detrimento do regime à
parte para os militares designados Graduados;
u. A uniformização do momento do cumprimento da pena disciplinar,
cujo critério (de possibilidade) deixa em aberto a adopção de
diferentes critérios – devendo exigir-se o decurso do prazo previsto
para a interposição do recurso hierárquico antes da aplicação de
qualquer sanção disciplinar prevista no RDM, no sentido da
105
harmonização com o princípio da presunção de inocência e com as
garantias de defesa do Arguido, consagrados constitucionalmente;
v. Atento o n.º 12 do Artigo 58º da LSM, que estabelece a convocação
dos cidadãos sujeitos a deveres militares para regressar ao serviço
efectivo a fim de cumprirem a pena correspondente, quando esta for
aplicada após a sua passagem à situação de reserva de
disponibilidade, a necessária actualização do n.º 1 do Artigo 169º do
antigo RDM e a eliminação do n.º 2 deste preceito normativo,
dedicado ao extinto “serviço militar obrigatório”;
w. A consagração de um prazo mais curto para a prescrição do
procedimento disciplinar, porquanto o prazo de cinco anos se revela
excessivo face aos efeitos negativos associados à morosa acção
disciplinar e a revisão do prazo de prescrição do processo disciplinar
quando se aguarda a sentença do processo penal pendente contra o
Arguido, relativamente à prática de factos que consubstanciam
simultaneamente ilícito disciplinar e criminal, situação em que se
devem aplicar os prazos penais da prescrição.
12. Através da Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho, foi finalmente
aprovado o novo RDM. Ora se à partida seria de louvar a decisão de
finalmente rever um regulamento manifestamente obsoleto face à
evolução política, social e constitucional a que vínhamos a assistir de há
trinta anos a esta parte, não podemos, porém, evitar a apreensão que nos
merece tal revisão legislativa, atentas as exigências de reformulação já
emanadas do anterior RDM. Tecem-se já ao novo acervo legislativo
actualmente em vigor as seguintes críticas:
a. A abolição de um quadro de valores e referências honradamente
estribado na aceitação natural e responsável da hierarquia e da
autoridade militares e no ênfase dado aos valores éticos dirigidos à
conduta do superior hierárquico, com vista ao desempenho de uma
missão comum – o que evidencia a pouca sensibilidade relativamente
106
à necessária existência da hierarquia (efectiva) no seio de umas
Forças Armadas que se querem disciplinadas, confundindo-as com
uma entidade empregadora pública indiferenciada;
b. A mera recondução de muitos dos anteriores cinquenta e cinco
deveres especiais dos militares às alíneas dos novos deveres especiais
estabelecidos;
c. A enunciação de factos cuja violação corresponde a mais do que um
dever jurídico;
d. A estranha consagração de um ”dever de honestidade”, sobretudo
para integrar o respeito por incompatibilidades legais e o não
cometimento de crimes contra o património;
e. Quando circunstâncias excepcionais (note-se que deixadas ao critério
do aplicador) não permitam a conclusão do processo do prazo
determinado, a previsão de o prazo para a conclusão da instrução ser
prorrogado, “na medida do estritamente necessário”, até “em regra”,
“noventa dias”, prazo que se revela manifestamente excessivo, com a
agravante de poder ser largamente excedido, colidindo com o
princípio da celeridade processual;
f. A publicação da instauração dos processos disciplinares em OS, bem
como a leitura desta nas formaturas de início de trabalhos, com a
prevalência do intento dissuasor, repressivo e de retribuição face à
desejável confidencialidade;
g. A participação de facto passível de sanção disciplinar enquanto dever
de todo o superior hierárquico que dele tenha tomado conhecimento e
não tenha competência disciplinar, sem se exigir, porém, o
conhecimento oficial das suas circunstâncias, circunstância geradora
de fragilidades inegáveis. O exercício da acção disciplinar continua a
ser desencadeado independentemente da forma como os factos
107
chegam ao conhecimento dos Chefes Militares, deixando o Arguido
numa posição fragilizada face a um aplicador da disciplina militar
que poderá não ser isento ou actuar condicionado pelos preceitos
legais em vigor.
h. A consagração no n.º 2 do Artigo 84º do novo RDM da possibilidade,
que nada acrescenta, de “todo aquele que não for militar” participar
ao superior hierárquico do militar o facto passível de sanção
disciplinar que tenha presenciado ou tomado conhecimento,
(paradoxalmente) devendo, nesta hipótese, descrevê-lo da “forma
mais exacta possível”;
i. A manutenção da obrigatoriedade da comunicação do militar que
queira exercer o seu direito de queixa ao superior objecto da mesma,
aliada à previsão do dever de instauração de processo disciplinar
contra o autor da queixa pela entidade a quem foi dirigida a queixa
(ou a participação, na actual redacção do novo RDM) quando a
mesma conclua – como? – ter sido dolosamente apresentada. Deveria
ter-se tão-só estabelecido a possibilidade do exercício da acção
disciplinar contra quem tenha agido de má fé e não a sua
obrigatoriedade, até pelo grau de discricionariedade – eventual
arbitrariedade, ou mesmo a sua automática instauração, por excesso
de zelo do detentor do poder disciplinar – que tal matéria pode
importar;
j. A não previsão da necessidade do trânsito em julgado das sentenças
condenatórias de ilícitos criminais que tenham ocorrido fora da
U/E/O, ou dentro da U/E/O mas sem a presença de testemunhas, para
efeitos de instauração de procedimento disciplinar;
k. A manutenção do dever de o instrutor indeferir em despacho
fundamentado a realização das diligências probatórias requeridas pelo
Arguido durante a fase de instrução quando as julgue
“desnecessárias, inúteis, impertinentes ou dilatórias”, violando-se o
108
preceituado no Artigo 270º e nas disposições conjugadas dos Artigos
18º, n.º 2 e 52º, todos da CRP;
l. A admissibilidade da nomeação de Oficiais Instrutores sem formação
técnica adequada, resultando em indubitável prejuízo para a condução
do processo disciplinar nos termos legais, ainda que tenham sido
requisitados técnicos, nomeadamente juristas para a sua assessoria ou
solicitados os pareceres técnicos entendidos necessários – pense-se na
escassez de efectivos habilitados com uma licenciatura em Direito
nas Forças Armadas e a (duvidosa) sensibilidade do Oficial Instrutor
para solicitar o necessário auxílio nas fases mais sensíveis da
instrução processual;
m. A ordem prevista no Artigo 10º do novo RDM para a aplicação
subsidiária de “tudo o que não estiver prevista no presente
Regulamento”, dos princípios gerais do direito penal, da legislação
processual penal e do Código do Procedimento Administrativo,
porquanto os princípios gerais do direito penal a que primeiramente
se deverá recorrer não se encontram expressamente legislados, antes
decorrem do ensinamento da(s) doutrina(s) ministrada nas Faculdades
de Direito, obrigando a conhecimentos jurídicos que as Chefias
Militares (e os Oficiais Instrutores, regra geral) não possuem;
n. A nomeação do escrivão deixou de surgir condicionada à (maior)
hierarquia militar do Instrutor, apenas se preconizando a sua função
de assessoria nas diligências e fases subsequentes do processo
disciplinar, o que poderá trazer melindres que não serão de ignorar;
o. A consagração de possibilidade de prorrogação do prazo de dez dias
para o Arguido apresentar a defesa a nota de culpa até ao limite de
trinta dias (úteis), com eventual prejuízo para o princípio da
celeridade;
109
p. A inexistência da aconselhada moldura penal pela prática dos ilícitos
disciplinares, note-se que não exaustivos (o uso da expressão
“designadamente” é, aliás, recorrente, em desfavor da desejada
tipicidade). A pena a aplicar fica sujeita ao critério da Chefia Militar,
correndo-se o risco de a discricionariedade se transformar na
indesejada arbitrariedade;
q. O comando dirigido ao aplicador – Chefe Militar – no âmbito da
escolha e medida da pena, no sentido de o mesmo atender à
“personalidade do infractor”, como se o conhecimento da
personalidade exigido ao Chefe Militar não importasse uma avaliação
de personalidade a elaborar apenas por técnicos especializados;
r. A previsão da “acumulação de infracções” como circunstância
agravante da responsabilidade disciplinar, podendo a mesma consistir
no cometimento de uma infracção antes de ter sido punida uma
anterior, com clara violação do princípio da presunção de inocência e
das garantias de defesa do Arguido;
s. A não concretização das circunstâncias atenuantes que diminuem
“substancialmente” a culpa do Arguido, importando a subjectiva
atenuação extraordinária do pena;
t. A manutenção das penas privativas da liberdade – não obstante a
previsão da prisão disciplinar na alínea f) do n.º 3 do Artigo 27º da
CRP;
u. A não previsão da “competência plena” do Contra-Almirante ou
Major-General, Comodoro ou Brigadeiro-General, nem do Vice-
Almirante ou Tenente-General, relativamente à aplicação, pelos
mesmos, do número máximo de dias da pena de proibição de saída,
nem sequer a “competência plena” do Almirante ou General
relativamente à aplicação do número máximo de dias de quaisquer
110
das penas previstas, consagrando-se a possibilidade de aplicação de
penas manifestamente abusivas, se não mesmo perpétuas;
v. A previsão da possibilidade de aos militares nos regimes de
voluntariado e de contrato ser aplicada, para além das penas previstas
para todas as categorias de militares, a cessação compulsiva daqueles
regimes, atenta a não concretização dos critérios para a sua aplicação
e a violação do princípio non bis in idem;
w. A previsão possibilidade da aplicação das penas de “reforma
compulsiva” e de “separação de serviço” aos militares dos quadros
permanentes, sem que sejam minimamente qualificados e
identificados os respectivos comportamentos de “gravidade” ou
“excepcional gravidade” que as podem justificar;
x. O silêncio do novo RDM relativamente ao procedimento a adoptar
em caso de impossibilidade de concretização da notificação pessoal
da decisão ao Arguido, aconselhando-se o seu envio por via postal
registada com aviso de recepção, para efeitos de prova da efectiva
notificação;
y. A omissão actual de qualquer relevância expressa das medidas
preventivas adoptadas na instrução do processo disciplinar na decisão
final. O militar deveria poder ser colocado na situação em que estaria
caso não lhe tivesse sido aplicada qualquer medida cautelar no caso
de arquivamento do processo disciplinar, designadamente a
possibilidade do regresso do militar à sua unidade de prestação de
serviço e do pagamento de indemnização se tivesse ocorrido a sua
suspensão preventiva;
z. A consagração dos designados “efeitos das penas”, nomeadamente
das penas de suspensão de serviço e de prisão disciplinar, porquanto
tais penas importam a possibilidade de transferência, a perda de igual
tempo de serviço efectivo, a perda durante o período de execução de
111
suplementos, subsídio e de dois terços do vencimento auferido à data
da mesma – com o inadmissível reflexo no orçamento familiar e em
valor superior ao da penhora de remunerações de carácter permanente
efectuada pelos próprios tribunais – e, ainda, a impossibilidade de
promoção durante o período de execução da pena, violando-se, uma
vez mais, o princípio non bis in idem;
aa. O estabelecimento, como “efeito” da pena de cessação compulsiva
dos regimes de voluntariado ou de contrato, da impossibilidade do
infractor ser opositor a concursos para ingresso nos quadros
permanentes das Forças Armadas, disposição legal cuja
imperatividade se repudia, por se ter como manifestamente contrária
aos fins das penas e à possibilidade de plena reintegração do
infractor;
bb. A excepção da regra do decurso do prazo para a interposição de
recurso hierárquico sem a sua apresentação ou logo que lhe seja
negado provimento para haver lugar ao cumprimento das penas
disciplinares militares quando se trate das penas de repreensão e
repreensão agravada – imediatamente cumpridas após a decisão que
as aplicou – pois que o princípio deveria ser imperativamente
aplicável a todas as penas, de encontro ao princípio da presunção de
inocência do Arguido e com a salvaguarda das suas garantias de
defesa, consagrados constitucionalmente;
cc. A inocuidade da instauração das medidas cautelares face à eliminação
da regra da suspensão automática ou semi-automática dos actos
administrativos em matéria de disciplina militar, por força da entrada
em vigor da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto. Os actos de aplicação
de sanções disciplinares previstas no RDM são apenas suspensos
quando se verifiquem os critérios especiais de decisão estabelecidos,
consubstanciados na justificação do sacrifício da disciplina militar em
nome dos direitos, liberdades e garantias dos militares, suspensão que
112
não ocorrerá sequer pontualmente, uma vez que a salvaguarda da
disciplina militar é e será sempre o prius;
dd. A previsão do prazo de seis meses para a prescrição do procedimento
disciplinar se uma vez conhecida a falta pela entidade com
competência disciplinar, o processo não for instaurado no referido
prazo – sujeitando-se o Arguido, à constante ameaça da pena.
13. Muitos militares afirmam que a revisão da disciplina militar deveria ter
passado apenas pelos ajustamentos decorrentes dos normativos
constitucionais e, no que se revelasse necessário, pela integração dos
princípios consagrados nos diferentes Códigos aplicáveis., o que teria
permitido uma maior estabilidade em matéria de tão grande delicadeza.
Independentemente do que agora se possa dizer, foi já positiva a decisão
de rever um regulamento que em (quase) nada se harmonizava com a
evolução política, social e constitucional a que vínhamos assistindo.
Consideramos, no entanto, que os melhores ensinamentos serão os
decorrentes da aplicação do novo RDM, ensinamentos que os estudiosos
– e aplicadores – deveriam sistematizar para futuros – e sempre
necessários – ajustamentos.
14. Como vimos, os militares não renunciaram aos direitos fundamentais,
nem sequer se pode afirmar que se vincularam voluntariamente a um
estatuto de sujeição. Antes têm, como afirma o Doutor Gomes Canotilho,
“relações de vida disciplinadas por um estatuto específico”, que deverá
encontrar o seu fundamento na esfera constitucional. As restrições
(constitucionais), essas, destinam-se a garantir a disciplina das Forças
Armadas, interesse cuja relevância um verdadeiro Estado de Direito
Democrático já não pode ignorar.
15. Cabe-nos agora a nós, juristas, o dever de sermos ser mais proactivos
rejeitando o autismo em que a Justiça corre o risco de se transformar.
Deposito, assim, aqui, o meu humilde contributo.
113
CAPÍTULO V – PRINCIPAIS FONTES
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122
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Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2006, publicada no Diário da República n.º
137, 1ª Série, de 18 de Julho (criação da Estrutura de Missão do Ano Europeu da
Igualdade de Oportunidades para Todos, respectivas incumbências, constituição e
objectivos gerais do programa de acção).
Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de Agosto (dependência da renovação contratual em
regime de contrato da autorização prévia dos membros do Governo competentes).
Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto (regime especial dos processos relativos a actos
administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de
Disciplina Militar).
Decreto-Lei n.º 295/2007, de 22 de Agosto (regime jurídico dos dirigentes associativos
das APM).
Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (regimes de vinculação, de carreiras e de
remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas).
Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem
funções públicas).
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Decreto Regulamentar n.º 12/2009, de 17 de Julho (quantitativos máximos de militares
na efectividade de serviço nos regimes de voluntariado e de contrato, em 2009 e 2010,
na Marinha, no Exército e na Força Aérea).
Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho (Aprovação do novo Regulamento de
Disciplina Militar).
PARECERES E ACÓRDÃOS
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da República, n.º
11, 1ª Série, de 13 de Maio.
Acórdão do Supremo Tribunal Militar, de 2 de Dezembro de 1993, in Colecção de
Acórdãos do STM, Proc. 37/DIS/10/E/93.
Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Novembro de
1994, AD, n.º 401.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/2001, de 9 de Outubro, publicado no Diário
da República, n.º 258, I-A Série, de 7 de Novembro.
Parecer n.º 83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da República,
Diário da República, n.º 146, 2ª Série, de 30 de Julho.
FONTES NA INTERNET
http://www.acime.gov.pt
http://www.ans.pt
http://www.aofa.pt
http://www.apracas.pt
http://www.army.mil
124
http://www.asmir.pt
http://www.dre.pt
http://www.emfa.pt
http://www.emgfa.pt
http://www.eu.europa.eu
http://www.euromil.org
http://www.exercito.pt
http://www.idn.gov.pt
http://www.marinha.pt
http://www.mdn.gov.pt
http://www.multiplecitizenship.com
http://www.portugal.gov.pt
http://www.revistamilitar.pt
http://www.segurancaedefesa.com
http://www.ejercito.mde.es/es/inicio.htm