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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
Faculdade de Ciências e Letras
Departamento de História
INFÂNCIA E MOCIDADE NO MEMORIALISMO DE GILBERTO AMADO
(1887-1969)
Marcos Henrique de Lima
Assis-SP
2018
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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
Faculdade de Ciências e Letras
Departamento de História
INFÂNCIA E MOCIDADE NO MEMORIALISMO DE GILBERTO AMADO
(1887-1969)
Marcos Henrique de Lima
Relatório Final de Pesquisa de Iniciação
Científica em História apresentado à CNPq sob
orientação do Prof. Dr. Wilton Carlos Lima da
Silva.
Assis-SP
2018
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SUMÁRIO
1. Apresentação 3
2. Desenvolvimento 5
2.1. A vida e a obra memorialística de Gilberto Amado 5
2.1.1. Família 8
2.1.2. Religiosidade 9
2.1.3. Relações étnico-raciais 12
2.1.4. Alimentação 13
2.1.5. Lazer 14
2.1.6. Questões de Gênero 15
2.1.7. Eventos de renome nacional 16
2.1.8. Educação 18
2.1.9. Literatura, Arte e Cultura 20
2.1.10. Vestimentas 23
3. Considerações Finais 24
4. Referências bibliográficas 25
3
Infância e mocidade no memorialismo de Gilberto Amado (1887-1969)
Marcos Henrique de Lima, (18) 9 9749-5817, [email protected]
Wilton Carlos Lima da Silva, (14) 9 9794-5866, [email protected]
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras de
Assis (Unesp - Campus Assis). Parque Universitário, 19.806-900 - Assis, SP – Brasil.
Telefone: (18) 3302-5861
Resumo
O relatório abaixo possui por objetivo apresentar os resultados finais de minhas
pesquisas de Iniciação Científica a qual busquei analisar os dois primeiros volumes da
obra memorialística de Gilberto Amado (1887-1969): História de minha infância (1954)
e Minha formação no Recife (1955). Para alcançar tal objetivo, o texto encontra-se
divido em quatro partes que apresentam cada um dos passos realizados – na busca de
ler, mapear e interpretar os livros do memorialista – e os resultados obtidos.
Palavras-chave: Autobiografia, Memorialismo, Escrita de si, Literatura, Primeira
República Brasileira, Gilberto Amado.
1. Apresentação
O presente relatório tem o objetivo de expor os resultados finais de minhas pesquisas de
Iniciação Científica a qual analisou as duas primeiras das cinco obras memorialísticas de
Gilberto Amado (1887-1969): História da minha infância (1954) e Minha formação no Recife
(1955).
Tal trabalho possuiu como meta principal ler, mapear e interpretar os textos do autor
visando identificar questões relacionadas à autobiografia e à memória e também perceber as
marcas temporais e os modelos narrativos usados por ele, ao mesmo tempo em que procura
entender as diversas relações entre dinâmica social e cultural presentes no período da Primeira
República brasileira.
Assim sendo, buscou-se contextualizar as características e os aspectos na forma como a
infância e a mocidade do autor são apresentas enquanto memorialista e como ele se mostra
nesse processo do contexto histórico daquela época, a partir dos livros citados e de obras
bibliográficas complementares que foram escolhidas, lidas, fichadas e analisadas no decorrer
dos estudos realizados.
4
É importante ressaltar que as fontes aqui propostas para análise são responsáveis por
oferecer um grande arcabouço de informações o qual não se limita apenas à vida privada e
pública de Amado, mas também relata diversos elementos do contexto histórico no qual esse
autor viveu, fator esse característico da escrita de cunho memorialístico e que, segundo Silva é
um dos principais diferenciadores dela dos demais estilos de autobiografias, além do caráter
literário característico desse tipo de escrita e a presença de diversos elementos, como a
imaginação e a ficção em sua composição textual (SILVA, 2017, p. 6).
Devido a esses fatores, analisar tais narrativas possibilitou não só melhor compreender
a vida de um personagem com destaque no campo intelectual e político do século XX, mas
também permitiu conhecer, sob um ponto de vista diferenciado do convencional, o modo como
se deu a transição do regime monárquico de governo para o republicano e a primeira década
desse novo sistema político que surgia no país
Além disso, podem ser analisadas diversas questões, como a religiosa, a literária, a
social, a cultural, a política e econômica, as quais marcaram em vários aspectos a época
estudada. Também muitas informações em relação ao cotidiano e outros assuntos os quais
perpassam pela especificidade da fonte memorialística.
Ademais, também foi possível realizar a identificação de alguns dos conceitos e das
teorias que norteiam questões sobre memória e escrita autobiográfica os quais se fazem
presentes na escrita desse autor.
Logicamente que, como dito a pouco, foi preciso ir além daquilo que as obras de
Gilberto Amado oferecem, não só visando entender o estilo de escrita adotado, mas também
para ser possível sanar algumas das dificuldades que a análise desses livros puderam oferecer,
como é o caso da quase total omissão feita aos treze irmãos que o autor possuía e o crime
cometido contra a vida do poeta Anníbal Teóphilo em 19 de junho de 1915 – na inauguração
da Sociedade Brasileira de Letras, no Salão do Jornal do Commercio – é totalmente ocultado
nos textos memorialísticos, além de também não ser encontrado na biografia Gilberto Amado
e o Brasil, escrita por Homero Senna (CAVALCANTE, 2010, p. 186; SENNA, 1968; SOUSA,
2011, p. 130; TORRES, 2018).
Aliás, como bem lembra Sousa (2011, p. 130) esse estilo literário esbarra em muitos
limites, visto que omissões de fatos importantes das biografias dos autores ocorrem de forma
significativa, todavia, com o apoio dos textos consultados poucos foram os questionamento que
não puderam ser devidamente explicados – ou ao menos melhor entendidos – e, com isso, foi
possível bem aproveitar da “literatura essencialmente memorialista (...) [a qual] propicia um
5
espaço particularmente privilegiado para se resgatar a experiência perdida” (BAPTISTA, 1996,
p. 50) por outras fontes de pesquisa comumente usadas.
Além disso, no decorrer dos dozes meses de pesquisa foi possível encontrar resultados
os quais foram sendo apresentados, dentro das possibilidade do momento, em eventos
acadêmicos como: o XXIX Congresso de Iniciação Científica da Unesp, a XXXIII Semana de
História "Pensando os Cem anos da Revolução Russa" (com publicação de uma comunicação
em anais intitulada: “Escrita Memorialista: Uma entre vários tipos de autobiografias”), o II
Simpósio Historiografias, Memórias, Personagens (que também acarretou na publicação em
seus anais, com o título: “Memorialismo de Gilberto Amado: Primeiras Observações”) e o XXX
Congresso de Iniciação Científica da Unesp.
2. Desenvolvimento
Para o desenvolvimento das pesquisas, foi preciso, em um primeiro momento, realizar
o levantamento, a leitura, a análise e a síntese – com fichamentos bibliográficos de referências
básicas sobre temas afins – etapa já concluída na primeira parte das pesquisas e que acarretou
no relatório parcial deste trabalho abordando assuntos sobre: escrita memorialística; as relações
entre memória, história e literatura e; escrita e política na primeira metade do século XX – com
enfoque em literatura, sociedade e política na Primeira República –, tópicos esses que foram
importantes no sentido de permitirem entender a realidade na qual Amado viva tanto quando
escreveu suas obras como os momentos da vida dele registrados por ela.
Na sequência, foi feita a leitura, o fichamento e a análise dos dois livros propostos para
o estudo e também de algumas obras auxiliares como a biografia escrita por Homero Senna
(1968) – citada a pouco – buscando-se assim realizar uma abordagem historiográfica de tal
material com o intuito de desconstruir certas posturas enraizadas na tradição narrativa das
memórias e autobiografias – como a ambição totalizante, o teleobjetivismo e a narrativa linear
–, ao mesmo tempo em que se amplia o campo de análise do historiador inter-relacionando a
análise micro e macroscópica do passado.
A seguir, apresentamos os resultados finais de todos esses trabalhos realizados durante
o processo de pesquisa, análise e síntese.
2.1. A vida e a obra memorialística de Gilberto Amado
Gilberto de Lima Azevedo Souza Ferreira Amado de Faria nasceu no dia 7 de maio de
1887 em Estância (SE) e faleceu em 27 de agosto de 1969 no Rio de Janeiro (RJ), filho de Ana
de Lima Azevedo de Sousa Ferreira Amado e de Melchisedech de Sousa Amado – o primeiro
de um total de quatorze irmãos –, era pai da já falecida atriz Vera Gibson Amado – conhecida
como “Vera Clouzot” – e primo do escritor, jornalista e político Jorge Amado (ACADEMIA
6
BRASILEIRA DE LETRAS, 2017; CAVALCANTE, 2010, p. 186; FAMILIA GIBSON,
2017).
Formado em Farmácia (BA) e graduado em Direito (Recife - PE) teve atuação
significativa nos meios acadêmicos e políticos da época, foi professor universitário de Direito
Penal na mesma universidade em que se formou, político (sendo deputado e senador de
Sergipe), ministro na Finlândia, diplomata, quinto ocupante da Cadeira 26 (sucedendo Ribeiro
Couto) na Academia Brasileira de Letras (ABL), embaixador, ensaísta, poeta, consultor
jurídico do Ministério das Relações Exteriores (sucessor de Clóvis Beviláqua), memorialista,
jornalista e, também se tornou membro da Comissão de Direito Internacional da ONU (1948)
(ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2017).
Em sua época, esse autor tinha uma visibilidade significativa em âmbito nacional a
ponto de ter sido convidado a participar do I Congresso de História Nacional para tratar sob o
tópico Contos populares, lendas e tradições populares, no entanto, por motivos desconhecidos
ele não pode se fazer presente no evento (GUIMARAES, 2005, p. 159-160).
Esse memorialista possui uma obra digna de atenção, sendo que publicou textos em
jornais como no Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e O País (sendo os dois últimos
do Rio de Janeiro) e escreveu diversos livros, como: A chave de Salomão e outros escritos
(1914); A Dansa sobre o Abysmo (1932); Dias e horas de vibração (1933); Innocente e
culpados (1941), Os interesses da companhia (1942); Os interesses da Companhia (1942);
Sabor do Brasil (1953); Poesias (1954); Discursos na Academia (1965) e; Oração aos Jovens
Diplomatas (1966) (MICELI, 1977, p. 49-52; SENNA, 1968).
É necessário lembrar também que, na atualidade, os escritos de autoria de Gilberto
Amado já se encontram totalmente esgotados, sendo uma das últimas reedições – do livro
Eleição e representação –, é datada do ano de 1999, tendo sido publicada originalmente em
1932 (SOUSA, 2011, p. 115). Fatores como esse também se tornam justificadores sobre a
necessidade de haver uma reflexão aprofundada em relação às obras de Amado e explica o
principal motivo de não conseguirmos ter acesso às edições mais recentes para a realização
desta pesquisa.
Em meio a essa ampla produção encontram-se os cinco livros memorialísticos escritos
pelo autor: História da minha infância (19541); Minha formação no Recife (19552); Mocidade
no Rio e primeira viagem à Europa (1956); Presença na política (1958) e; Depois da política
1 Em minhas pesquisas recorri a terceira edição de 1966. 2 Em minhas pesquisas recorri a segunda edição de 1958.
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(1960), sendo que, como afirmado na apresentação, apenas os dois primeiros foram meus
objetos de estudo.
Segundo Castello (1999, p. 390)
Gilberto Amado, ao contrário de todos, escreveu a autobiografia – marcada
por acentuada vaidade pessoal – amplamente abrangente de sua vida e época,
a começar da infância, de fins de século [passado] para princípios do atual
[século XX], continuando com a fase dos estudos superiores, mocidade,
primeiras viagens, política e diplomacia. São cinco volumes de acentuado
personalismo (...). Apesar do ângulo de visão pessoal ser absorvido pela
própria participação do autor, espécie de epicentro, reconhece-se sua
preocupação de demonstrar o viver brasileiro em determinada época. (...).
Serve-nos também para explicar outras facetas do escritor – poeta, preso aos
antecedentes do modernismo, e sobretudo ensaísta, sem dúvida modelo de
linguagem.
É possível constatar nas obras a realização de uma leitura antropológica do passado
(SOUSA, 2011, p. 116) e a adoção de um estilo proustiano de escrita – semelhante à diversos
escritores: Augusto Meyer, Jorge de Lima, Pedro Nava, Murilo Mendes, Cyro dos Anjos, Carlos
Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros (BUNGART NETO, 2009, p. 97-98).
Além disso, pode-se constatar a presença de uma temporalidade denominada de
“memoria flutuante” (ARFUCH, 2014, p. 72-73), aquela na qual há a ocorrência de momentos
em que o autor lembra de fatos do passado os quais só passam a fazer sentido na situação na
qual se encontra naquele momento ou quando é realizado saltos no tempo, fazendo comparações
ou mostrando as relações existentes entre elementos de sua infância com aspectos que só viriam
a ocorrer no futuro. Esse fenômeno, é muito recorrente em diversos momentos de todas as obras.
No segundo livro de Amado – Minha formação no Recife –, por exemplo, é frequente diversas
referências a cenas que ocorreram no primeiro volume da obra ou a fatos cujo o
desenvolvimento iria ocorrer só alguns anos mais tarde.
A questão das marcas temporais também não pode ser ignorada. A presença da
“memória flutuante” não impede que Amado opte por seguir uma linha cronológica em seus
livros a qual parte desde sua infância – em História da minha infância, como o próprio título
sugere – até um momento próximo ao qual ele está escrevendo o último deles – Depois da
política.
Essa cronologia também é bem explícita na divisão interna dos livros que aqui
analisamos, sendo que no primeiro deles, História da minha infância, o autor faz uma divisão
em duas grandes partes (Estância e Itaporanga), a primeira remetendo ao local que ele nasceu e
viver parte de sua infância e a segunda, para onde mudou-se posteriormente e, Minha formação
no Recife é divido em cinco anos os quais se referem a cada um dos anos da graduação em
Direito que Amado realizou no Recife.
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Finalmente, vê-se também a escolha proposital do título Minha formação no Recife o
qual é uma clara referência ao livro Minha Formação (1900) de Joaquim Nabuco, como que
referenciando um clássico do memorialismo brasileiro e reivindicando certa imagem de si
mesmo enquanto membro intelectual de origem nordestina daquela época.
Levando-se em conta todos os aspectos dessas obras aqui apresentados e as demais
constatações realizadas no relatório parcial desta pesquisa é que realizamos a pontuação de dez
temáticas as quais são tratadas por Amado e são responsáveis por possibilitar uma análise mais
aprofundada da escrita e da realidade que ele vivera e, consequentemente, atingir os objetivos
propostos no projeto deste trabalho: Família; Religiosidade; Relações étnico-raciais;
Alimentação; Lazer; Questões de Gênero; Eventos de renome nacional; Educação, Literatura,
Arte e Cultura; Vestimentas.
2.1.1. Família
Ao lermos os livros de Amado, constatamos a presença de poucas referências à família
dele – principalmente no que concerne aos seus irmãos –, sendo que no segundo há apenas
breves considerações quase que irrelevantes sobre alguns momentos, como quando viajava de
férias ou faz referências esporádicas a alguns parentes. Senna revela alguns detalhes mais
precisos sobre essa questão:
Nascido no dia 7 de maio de 1887, numa casa pintada de verde, na Rua do
Rosário, em Estância, Gilberto Amado descende, pelo lado materno, de velho
tronco português – Manuel Luís de Sousa Ferreira, natural de Pôrto, casado
com Umbelina Azevedo, de antiga família da Província de Sergipe d’El-Rei.
E, pelo lado paterno, de João Francisco de Faria, de ascendência lusitana,
casado com uma filha de Barnabé Amado, também de origem portuguêsa, mas
de família brasileira, dono de terras e criador às margens do Rio Real
(SENNA, 1968, p. 3).
Sobre os antepassados, Senna ressalta também a permanência de hábitos lusitanos, como
o costume diário de tomar vinho durante as refeições (SENNA, 1968, p. 4) e Amado lembra
que a prática do cristianismo católico, assim como no país em um todo, era uma constante em
meio aos seus familiares (AMADO, 1966, p. 17), inclusive a primeira namorada dele era filha
de um padre3 (AMADO, 1966, p. 71).
A mãe dele – Ana Amado – é representada como fiel àquele modelo de dona de casa
exemplar segundo os costumes conservadores (MALUF; MOTT, 1998, p. 373)4, uma cena que
bem descreve isso é quando ela busca ensinar ao autor suas primeiras palavras escritas: “Minha
mãe sentava-se a coser e retinha-me de livro na mão, ao lado dela, ao pé da máquina de costura”
3 Esse assunto é melhor explanado no tópico seguinte 2.1.2. Religiosidade. 4 Relações entre homens e mulheres é um assunto que é abordado no tópico 2.1.6. Questões de Gênero.
9
(AMADO, 1966, p. 42). Já o pai – Melchisedech Amado – era comerciante e político: “A loja
[do pai de Gilberto] era o centro da vila. Ali se processava não só o comércio em grosso e a
retalho, como a política. Era o foco do espírito local, onde se começou a fazer por Itaporanga o
que nunca se fizera antes e de onde a política veio arrancar meu pai do comércio” (AMADO,
1966, p. 98-99).
Em nenhum momento da obra o autor faz uma referência relevante aos treze irmãos que
possuía, há apenas uma ou outra frase vaga que remeta a existência deles: “Minha irmã ia na
frente, de faixa azul no vestido branco, como as outras” (AMADO, 1966, p. 77), “A família
crescia, menino em casa fervilhava” (AMADO, 1966, p. 172) ou “Moravam comigo meu irmão
Gileno, cascabulho, terminando os preparatórios e Souto Filho, que cursava o terceiro ou quarto
ano” (AMADO, 1958, p. 121), todavia, o fato de Cavalcante (2010, p. 186) nos mostrar a
existência de mais trezes filho além de Amado, deixa claro que eles também seguiam o costume
antigo de se ter famílias numerosas.
E, por fim, outros pontos que são importantes de serem ressaltados, mas que Amado
excluiu de suas memórias, era o modo como se deu sua mudança de Estância para Itaporanga e
o registro fotográfico de sua família feito na época. Sobre o primeiro, Senna (1968, p. 12-13)
ressalta que, em uma família de classe média, como a do memorialista, era feito com “carro-
de-boi, coberto de esteiras, os embrulhos e as cestas por cima dos viajantes durante o longo
percurso (tendo saído de Estância de madrugada, chegaram a Itaporanga à meia-noite)”.
Já em relação à fotografia, Schapochnik (1998, p. 457) lembra que álbuns de fotografias
e quadros nas casas era algo recorrente entre as famílias que podiam adquiri-lo e revelam
diversos elementos daquele contexto. Nas obras do memorialista não há sequer menção à
fotografias, todavia Senna (1968) nos oferece ao logo de seu livro algumas dessas imagens as
quais confirmam que, de fato, a família de Amado apresenta características tipicamente
conservadoras, as quais, ao que tudo, indica eram comuns na região nordestina do Brasil da
Primeira República.
2.1.2. Religiosidade
A questão da religiosidade é algo amplamente abordada pelo autor nos dois livros,
provavelmente porque ela estava intimamente liga, em diversos aspectos, à vida privada e
pública naquela época. Na obra História da minha infância, há cinco capítulos5 os quais
abordam essa temática de modo bem minucioso e diversos trechos nos demais que também
5 Na primeira parte Estância há o capítulo III – Padre Aires, Francisquito e Mariazinha (AMADO, 1966, p. 20-
27) e na segunda temos: I – Nova cicatriz e milagre (AMADO, 1966, p. 30-35), VI – Mês de Maria (AMADO,
1966, p. 66-71), VII – Natal (AMADO, 1966, p. 72-77) e XIV – A Santa Missão (AMADO, 1966, p. 142-147).
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remetem a esse tema, já em Minha formação no Recife Amado também trabalha pontos
referentes à religiosidade, no entanto o que mais chama a atenção, como mostraremos à frente,
são alguns trechos nos quais é abordado sobre a sua crença pessoal na existência de Deus.
O sincretismo religioso era algo muito recorrente no início da Primeira República, nem
mesmo a proibição, por meio de decreto, impediu que as religiões de matriz africana tivessem
seu espaço no território brasileiro e, consequentemente, “mesclassem” alguns de seus elementos
com os do cristianismo católico fazendo com que surgissem amuletos, rezas, rituais e mandigas
dos mais variados tipos e modos (SEVCENKO, 1998, p. 32).
No capítulo XIV – A Santa Missão (AMADO, 1966, p. 142-147) Amado mostra que
presenciou uma tentativa de se exterminar esse sincretismo o qual era muito forte no Nordeste
brasileiro, todavia “A Santa Missão evidentemente abalou o vilarejo, aterrorizou, fêz pensar no
inferno, nas penas eternas. Mas não conseguiu vencer nem extirpar o sincretismo religioso que
sempre predominou no Nordeste e em todo o Brasil” (SENNA, 1968, p. 29).
Desde o período colonial, o acesso das pessoas às Igreja nem sempre era algo frequente
devido a problemas e dificuldades de locomoção ou mesmo pelo comodismo. Por conta disso,
o culto privado foi algo que muito se desenvolveu, através de rezas, novenas, altares domésticos
e outros elementos os leigos expressavam sua intensa religiosidade. Na ausência de padres
recorria-se a rezadores, festeiros, curandeiros, benzedores, penitentes e folientos. Além disso,
as comemorações de santos e demais feriados católicos eram sempre mantidos, mesmo que
longe de instituições religiosas (WISSENBACH, 1998, p. 78-81), como bem mostrou o
memorialista ao retratar sobre o Mês de Maria (AMADO, 1966, p. 66-71), o Natal (AMADO,
1966, p. 72-77) e a Semana Santa na Estância.
A Praça da Matriz ficou coberta de armações e de coretos para a
procissão dos passos. Vinha gente de Buquim, do Riachão, do Lagarto, (...) do
fundo do sertão, de longe. O Itapicuru transbordou todo para Estância, não só
por devoção como por um motivo especial. O padre Aires, que era de lá, viria
pregar. Êsse padre era o Bossuet do sertão. De todos os pontos o reclamavam.
(...). Houve dúvidas se aceitava ou não pregar na Estância. (...). Padre Aires
veio. Meteram-me nuns borzeguins de cano alto, lustrosos e duros, apertaram-
me numa roupa diferente, com uma gola que me picava o pescoço. Nas casas
que visitávamos, o corre-corre das costuras e dos preparativos era o mesmo
que lá em casa. (...). A venda de rosários de uma nova marca subiu a contos
de réis. (...). Nunca tinha imaginado ver coisa assim, festa tão grande, tal
movimento. Houve brigas por causa de lugares nas tribunas da igreja
(AMADO, 1966, p. 20-21).
Na ausência de remédio e médicos o uso de folhas, ervas, raízes, excretos de animais,
orações e simpatias eram algumas das receitas usadas nos tratamentos de doenças as quais eram
feitas por gente comuns que aprendiam com seus ancestrais ou mesmo por benzedores e pessoas
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“especializadas” no assunto (WISSENBACH, 1998, p. 69-70). O próprio Amado, nesse
sentido, relata uma experiência interessante que viveu
Por esse tempo ocorreu um fato que persiste inexplicável no meu espírito. Não
posso acreditar em reza de feiticeiro ou de negra ovelha como meio de cura
de doença. Sôbre os milagres de Lourdes, atestados por tantos testemunhos,
como os resultantes da intervenção de “espírito”, direi que sigo a respeito a
opinião oficial dos médicos “Trata-se de coincidências, de causas naturais, de
sugestão...” Mas, por êsse tempo, em Itaporanga, uma dor terrível no joelho
prostrou-me, aos gritos, na cama. Mezinha de casa e de botica nada pôde fazer.
Veio médico de São Cristóvão, a cidade próxima. O da vila era tão
notòriamente burro, além de ser adversário político de meu pai, que o
pensamento de chamá-lo nem um instante se esboçou. Chegavam de Aracaju
e da Bahia receitas que não deram resultado. (...). Mandou-se afinal buscar
Balbina. “Mal não pode fazer!” A negra chegou. Demorou dois minutos em
cima da minha perna agitando um raminho e mexendo a bôca. Dormi até de
amanhã. Ao acordar, procurei a dor no joelho, como se me faltasse alguma
coisa. Levantei-me, e fui logo avançando numa pratada. Nunca mais senti
nada (AMADO, 1966, p. 34-35).
Outro ponto, citado a pouco no tópico 2.1.1. Família, a qual o autor faz referência é o
namoro com Márcia, a filha de um padre. É fato que, na Igreja Católica, padres não podem
casar, entretanto, ao que ele indica, isso parecia ser algo comum naquela região: “Ninguém em
Itaporanga condenava Padre Pinto por ter mulher. Àquele tempo, em Sergipe, na Bahia, e creio
que em todo norte e sul do país, padre sem mulher é que inspirava desconfiança. Era essa a
moralidade tradicional” (AMADO, 1966, p. 71), mostrando assim que, em alguns lugares do
país, os costumes, ainda que considerados inadequados, sobrepunham as regras vigentes.
Essa questão do casamento de padre, como o próprio memorialista mostra em outro
momento, não era comum no país todo, pois já em Aracaju: o “Professor Oliveira deixara a
batina para casar. Dissera missa e pregara sermão. Tinha duas filhas, uma já casada; a outra
namorava” (AMADO, 1966, p. 158).
Ao se mudar para o Recife (PE) podemos perceber, com a leitura do livro, que elementos
religiosos continuam a se fazerem presentes no cotidiano do memorialista. À título de exemplo
podemos citar a questão do pecado (AMADO, 1958, p. 12), a presença de religiosos em meio
a decisões políticas do estado (AMADO, 1958, p. 138) e uma famosa procissão do Bom Jesus
dos Navegantes.
Assistimos à procissão do Bom Jesus dos Navegantes, espetáculo
doloroso aos meus olhos, apesar da beleza dos barcos a vela passeando
a imagem do Senhor no rio e inserindo côres novas no embastido da
Barra dos Coqueiros. Doloroso pelo que mostrava do estado da
população – amarela, pequenina, entanguida, triste (AMADO, 1958, p.
258).
12
E, por fim, uma outra consideração importante nesse assunto é sobre a descrença que
Amado possuía em relação a existência de Deus a qual será radicalmente mudada na vida dele
com o passar dos anos e devido a leituras e comparações entre elas, tais como: a Bíblia
(AMADO, 1958, p. 35-39); Augusto Comte (AMADO, 1958, p. 37); Spinoza, Leibnitz e Kant
(AMADO, 1958, p. 48); Nietzsche e Descartes (AMADO, 1958, p. 113); Darwin e Spencer
(AMADO, 1958, p. 165) e entre outros.
A ordem do universo ali se me manifestava numa miniatura da grande luta dos
sêres uns contra os outros, uns servindo de nutrição aos demais. (...). O
problema do bem e do mal, e em consequência o da existência de um poder
supremo, generoso e benfazejo, se me impôs ao espírito de maneira terrível.
(...). A dificuldade de conciliação da ordem natural com a idéia de Deus tomou
vulto extraordinário dentro de mim. Minha ignorância era muito grande. (...).
E na verdade, quão longe estava eu ainda de compreender e admitir que há
problemas para o espírito e problemas para o coração! Eu não podia imaginar
então que só um caminho nos pode levar a Deus, que só uma escada nos pode
conduzir a tanta altura: a Fé (AMADO, 1958, p. 164-165).
2.1.3. Relações étnico-raciais
Como dito a pouco, as autoridades brasileiras tentaram, de diversos modos barra o
desenvolvimento de uma religiosidade e cultura afro-brasileira nesse contexto pós-abolição
(SEVCENKO, 1998, p. 21) e, somado a isso, os ex-escravos ainda tiveram que lidar com
diversos problemas na busca de meios para se adequarem minimamente ao mercado de trabalho
e nos demais seguimentos da sociedade, principalmente com os fluxos contínuos de migração
que traziam consigo mão de obra especializada (MARINS, 1998, p. 132; WISSENBACH,
1998, p. 50-52, 100).
É necessário pontuar as interseções entre a mobilidade e a sobrevivência de
brancos pobres, mestiços e forros: eram as transumâncias que lhes davam
maleabilidade necessária para escapar da penúria e da fome, da violência que
se entrelaçava ao mandonismo local e aos recrutamentos forçados, que
permitiram que fosse contornada a posse desigual das terras, dos latifúndios,
fugir das intempéries que inviabilizavam o sobreviver (WISSENBACH, 1998,
p. 59).
Na sua obra, Amado compartilha diversas informações referentes às relações que ele
possuía com os ex-escravos como, por exemplo, a manutenção do costume que muitos deles
tinham de chamar as mulheres brancas de “Iaiá” (AMADO, 1966, p. 4, 33, 69) ou a visão
negativa em relação aos negros expressa através de apelidos de baixo calão: “A negra era
mandingueira, feiticeira” (AMADO, 1966, p. 89) – lembrando que muitos viam as “feiticeiras”
com maus olhos – e “[Elias] Era um negrão espadaúdo, tonitruante, vendedor de cachaça”
(AMADO, 1966, p. 73) – devido aos “gritos” que fazia para vender seu produto o qual também
não era bem aceito por todos.
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Além do mais, os níveis de pobreza dos negros também são evidenciados no capítulo VI
- Mês de Maria no qual é ressaltado que para as preparações da comemoração precisavam
receber doações de roupas, pois não as tinham dentro do padrão exigido para tal evento:
“Negrinhas da senzala recebiam vestido branco de graça, das famílias abonadas” (AMADO,
1966, p. 69). Essa imagem também é reforçada quando Amado se muda para o Recife e mostra
que tipo de trabalho o ex-escravos encontravam para si:
Uma imagem risca-me a memória e se projeta para a pena: uma tabuleta –
Hotel de França. Mas ter-me-ia ficado perdida na chuva da hora do
desembarque se o prêto que carregava a minha mala na cabeça, e que ia na
minha frente, não me tivesse dito: “O senhor entre aqui no hotel até a chuva
abrandar” (...).
Minha nova morada, na Rua do Imperador, para além da igreja de São
Francisco, do lado oposto, na direção da praça, também república de
estudantes, era ainda no segundo andar de casa tão velha quanto a da Rua da
Imperatriz. No primeiro moravam mulheres da vida baratas, mulatas, cafuzas,
pretas (AMADO, 1958, p. 4-21).
2.1.4. Alimentação
No quesito alimentação, vê-se que, nesse período de início de República no país,
predominava-se produtos oriundos da agricultura e da pecuária. Já os alimentos de difícil
produção ou que exigia certas especificidades – a pinga, o sal e produtos importados – eram
adquiridos em armazéns. Haviam casos muito comuns de trocas, principalmente na zona rural,
onde determinado produtor trocava parte de seu alimento produzido por outro que possuí algo
diferente de mesmo valor (WISSENBACH, 1998, p. 75-77).
As ex-escravas também colaboravam nesse sentido através da produção e venda de
produtos culinários africanos os quais eram ofertados nas ruas, nas portas das casas ou mesmo
em vendas e quitandas (RODRIGUES Apud WISSENBACH, 1998, p. 144).
O memorialista mostra que na escola, em Estância, possuía amigos e colegas cuja a
alimentação era bem precária. Eles levavam de lanche caroços de jaca ou bunda de tanajura
assados, em casos de extrema pobreza se contentavam em comer cacos de telhas (AMADO,
1966, p. p. 56), entretanto, no caso de Amado durante sua infância, existia uma alimentação
bem farta:
Jantar na Estância, como em Itaporanga, a êsse tempo, era às duas horas da
tarde. À noitinha, era a ceia, chá com pão, bolos, banana assada, banana frita,
fatias-de-parida, arroz-doce, aipim, inhame, coisas leves. Carne só uma vez
por dia. Mesmo em Aracaju e na Bahia era assim. Só em Pernambuco, quando
lá cheguei em 1905, é que vi pela primeira vez jantar como hoje, de noite. De
manhã café com cuscuz, milho cozido, beiju (a coisa mais branca que pode
haver), pão-de-ló, no tempo de S. João, canjica ou manuê, pudim, bôlo inglês;
ali pelas onze horas, a merenda, frutas, bolachinhas, queijadas, sequilhos, chá.
Café bebia-se menos do que chá (AMADO, 1966, p. 27-28).
14
Além disso, grande era a variedade de frutas às quais o autor dizia ter acesso quando ia
ao Engenho São Carlos – caju, araçá, goiaba, jabuticaba, abacaxi, manga, oiti, melancia, murici,
jambo, entre outros –, nesse local, a única crítica dele se dava em torno da janta, pois a negra –
Maria dos Passos – não era uma boa cozinheira (AMADO, 1966, p. 83-84).
Em sua fase adulta, o escritor mostra que essa realidade muda quando ele inicia seus
estudos em Direito e sente “na pele” um pouco da vida de seus colegas de escola: “E eu no tira-
que-tira, comendo rua, estômago vazio. A comida [da pensão], feijão chilro, carne pelancuda,
môlho sujo do qual fazia parte a moscaria implacável. A refeição incluía duas bananas, uma
laranja; era o que me salvava” (AMADO, 1958, p. 13).
2.1.5. Lazer
Quando se trata de lazer, além do grande prazer que afirma ter pela leitura (AMADO,
1966, p. 172-173)6, Amado não nos oferece muitos detalhes, porém nos revela que se tratavam
de passatempos manuais e com amigos de sua idade. Ele relata brincar de bodoque, flagelo de
cambaxirras, nado, saltar de pedra alta (AMADO, 1966, p. 10) e explica, de modo bem
detalhado, como se dava a “briga de capucos”:
Capuco é a espiga de milho depois de tirados os caroços. Os meninos iam
busca-lo nos quintais, no monturo, no chiqueiro, arrancando-os dos dentes de
da lama dos porcos. A briga de capucos era como jogar pião, empinar
papagaio, botar sal e pimenta em cima de sapo, dos maiores divertimentos da
criançada. Toda uma cerimônia rodeia o encontro de dois jogadores de
capucos; medem-se tamanho e grossura; discutem-se as condições de
encontro, quantas vêzes um capuco deve bater no outro, se até quebrar ou se
até um certo número de pancadas. O exame da peça é minucioso, pois a fraude
abunda. Raro o capuco que não tenha espetado no miolo um fio de ferro, um
arame fino. Tudo é examinado rigorosamente. As cabeças se inclinam sôbre
essas armas de batalha, essas espadas de gramínea que se vão cruzar; conflitos,
dedos machucados; sangue aparecia, mães corriam alarmadas, grossos
cocorotes, puxavantes de orelhas. ‘Menino, eu já disse que não quero ver você
de capuco na mão (AMADO, 1966, p. 53).
Já em sua faze adulta, quando inicia os estudos em Direito, o memorialista nos revela
alguns pontos no que se refere às viagens de férias para rever seus familiares e ler alguns livros7
e também conta um fato bastante interessante
Nas minhas recordações da Rua da Aurora8 domina uma presença: a do
Capibaribe, que se tornou, de amigo, que já era, companheiro das minhas
manhãs e das minhas madrugadas. Dei-lhe um apelido: papa-estrêlas. Muito
rio vi por esse mundo afora (...).
6 Esse assunto será abordado no tópico 2.1.9. Arte, Cultura e Literatura 7 Amado aborda sobre essas férias nos capítulos: Viagem para as Férias em Itaporanga (AMADO, 1958, p. 46-
52); Pecado em Itaporanga (AMADO, 1958, p. 53-57); Leituras no Sítio: Euclides da Cunha (AMADO, 1958, p.
58-64); Outras Leituras no Sítio (AMADO, 1958, p. 64-67) e, Férias em Aracaju (AMADO, 1958, p. 253-265) –
é importante ressalta que, nesse momento a família de Amado já havia se mudado de Itaporanga. 8 Rua da Aurora: um dos locais onde Amado morou durante sua graduação.
15
Mas em nenhum lugar vi rio comer estrêlas como o Capibaribe!
Ficava de noite deitado e papo aberto e elas iam-lhe caindo na bocarra como
uma farofa. De manhã estendia para o sol a língua limpa de quem dirige bem.
(...) Abria-me com êle como não podia fazer com pessoa nenhuma.
(...).
Com êle conversava enquanto a noite nos abraçava todos dois com um
carinho de quem achava graça (AMADO, 1958, p. 201-203).
Sobre essa intima amizade, o autor dedica um capítulo todo que recebe o nome de O
Papa-Estrêlas (AMADO, 1958, p. 201-218) e nele aborda detalhadamente algumas das
diversas conversas sobre os mais variados assuntos de sua vida que teve com esse rio – política,
problemas na graduação e no trabalho, entre outros. Estar com esse rio era como que um
momento de descanso para ele.
2.1.6. Questões de Gênero
Nessa época, surgiu uma movimentação feminina no sentido das mulheres conquistarem
mais espaço em meio à sociedade republicana recém surgida, tal evento gerou muito
desconforto em meio aos conservadores da época e foi amplamente apoiado por intelectuais de
ambos os sexos na busca de mudar a ordem social vigente, modificar costumes, desconstruir a
ideia de que elas eram responsáveis apenas pelos seus lares e, consequentemente, inovar a rotina
das mulheres em diversos aspectos (MALUF; MOTT, 1998, p. 368-373).
É fato que, naquele momento, existiam diversos documentos e tentativas de
representação da mulher, como o manual de economia doméstica O lar feliz e o Código Civil
de 1916, os quais eram responsáveis por pré-determinarem o papel delas na sociedade e
inferioriza-la frente ao homem, fatore esses que dificultavam ainda mais a busca por essas
mudanças (MALUF; MOTT, 1998, p. 374-380; CARVALHO Apud SALIBA, 1998, p. 313).
Na narrativa de Amado sobre sua infância há um ponto interessante nesse sentido o qual
nos leva a atentar para o fato de que essas mudanças ocorrem de modo bem desigual pelo país,
pois na região onde ele vivia, a mulher ainda possuía pouca influência e espaço para atuação –
como foi brevemente mostrado há pouco, no tópico 2.1.1. Família –, limitando-se aos contornos
de sua própria casa, tanto é que foi um espanto para o memorialista ver mulheres mais ativas
na sociedade, como é narrado sobre uma das viagens feitas com o pai:
Numa das viagens que já crescido fiz com meu pai a Campos, lá em cima no
sertão de Sergipe, pude observar a diferença dos costumes, a desenvoltura da
vida social, a liberdade das mulheres, sua independência e grau de
adiantamento de espírito. Em Campos, mulher falava, discutia, dava opinião
como homem, fumava até charuto, o que me causou espanto. A explicação
que me veio depois, ao revolver os fatos, é a seguinte: os maridos sertanejos
vivam nos comboios, pelo fundo da Bahia, em Minas Gerais, pelo São
Francisco acima, longos meses ausentes. As mulheres é que ficavam no
comércio, comprando e vendendo, mantendo a freguesia, dirigindo, tomando
16
resoluções, assumindo responsabilidades; desenvolviam-se, em conseqüência,
extraordinariamente (AMADO, 1966, p. 75-76).
No caso das mulheres negras, como foi debatido no tópico 2.1.3. Relações étnico-
raciais, o autor mostra que no Recife a situação era muito mais complexa ainda, pois a elas,
muitas vezes só lhes restavam trabalhos como prostitutas ou como ele mesmo denomina
mulheres de vida barata (AMADO, 1958, p. 21).
2.1.7. Eventos de renome nacional
Diante de tudo o que já foi apresentado até o momento, já é visível que Gilberto Amado
viveu em um contexto de grandes mudanças dentro da história do país. Como dito a pouco, ele
nasceu em 1887, no ano seguinte – mais especificamente em 13 de maio de 1888 – ocorreu o
término da escravidão com a emissão da Lei Áurea e, em 1889 – no dia 15 de novembro –, a
Proclamação da República. Sobre esses dois fatos o memorialista não pode nos oferecer
informações relevantes, pois ainda era um recém-nascido, no entanto houve dois eventos que
ele presenciou e deixou um registro significativo sobre eles: a Guerra de Canudos e um surto
de peste bubônica ocorrido no Recife.
Esse período de grandes mudanças gerou um processo de desestabilização da sociedade
e da cultura da época, principalmente devido a busca da modernização que era o foco das elites
daquela época, o qual desaguou em diversos problemas. Um dos mais famosos deles foi a
Guerra de Canudos, ocorrida entre 1893 e 1897.
As revoltas ocorridas no povoado de Canudos acarretaram em muitas mortes, tanto dos
revoltosos como dos militares, foi apenas na quarta expedição militar que o evento se findou,
isso porque o movimento estava bem organizado e fortalecido (SEVCENKO, 1988, p. 14-20;
WISSENBASH, 1998, p. 94-96). Como é explicitado no trecho abaixo, devido a um costume
de sua família, Amado presenciou bem de perto algumas das ocorrências dessa guerra e nos
oferece, em seus registros, descrições que revelam bem as consequências de todo o ocorrido
O que caracterizava nossa maneira de viver, nesse tempo, era, antes de tudo,
a hospedagem. Não sei como minha mãe agüentou a lida. Meu pai era a
hospitalidade levada ao máximo. Nossa casa era um ‘hotel’ como se
proclamava no Estado. Rara o dia em que o número de pessoas hospedadas
para dormir e à mesa não excedia o de casa, contando-se meninos e criados
(...).
A maior hospedagem de meu pai a esse tempo custou-lhe tanto que
muitos disseram ter entrado em grande parte como causa de sua ruína
[problemas financeiros que a família veio a ter posteriormente]. Foi a do
general Savaget a tôda a oficialidade da expedição de Canudos. Daria mais do
que um capítulo, um livro, descrever êsses dez dias em que o exército
brasileiro acampou em Itaporanga. Não os descreverei; só me ocupo neste
trabalho dos elementos que contribuíram para a minha formação. Devo dizer
que o general Savaget e a oficialidade não procuraram hospedagem em casa
de ninguém; acampariam com os soldados no mercado aberto, em cabanas,
17
em casas que seriam preparadas pelas autoridades para isto. Mas o coronel,
que tinha passado antes, na primeira expedição, Carlos Teles, soldado de
espírito largo e ânimo nobre, ficou amigo de meu pai e lhe deu essa prova de
amizade, obteve do general que acedesse em aceitar nossa hospedagem. Meu
pai gloriou-se disto como de um presente do destino. Sangrava o patrimônio
por patriotismo e, ajunte-se em respeito à verdade, para “dar ferro” aos
adversários. Ignorava a caso que João Simões, o chefe contrário, estava na
política para ganhar e não para gastar, e que gozou a própria “derrota” com o
gáudio do sabido sôbre a inocência do entusiasta? (...).
Cada cheia do Vaza-Barris era uma ilustração aos nossos olhos da
guerra de Canudos. Apanha-se em Itaporanga destroços que o rio carreava.
Tudo o que li depois em Euclides da Cunha, em frases ancoradas, passou aos
olhos das crianças de Itaporanga (AMADO, 1966, p. 99-101).
Quando já se encontrava no Recife, Amado presenciou sérios problemas no que se refere
à qualidade do saneamento básico em algumas de suas moradias e na vizinhança como um todo.
Nos finais do século XIX e início do século XX houve um grande crescimento urbano devido
à diversas mudanças pelas quais o país passava, especialmente as migrações nacionais e
estrangeiras.
São Paulo, Rio de Janeiro e Recife foram os que mais sentiram essa concentração
populacional em seu meio, todavia a infraestrutura urbana desses e outros locais não estava
preparada para receber tamanho fluxo de pessoas, com isso a pobreza se disseminou, as
condições de vida se tornaram cada vez mais precárias e consequentemente doenças se
desenvolveram e espalharam-se, como a febre amarela, a varíola, a febre tifoide e a peste
bubônica. (ALVIM, 1998, p. 165; WISSENBASH, 1998, p. 91, 102).
Sobre essa última – a peste bubônica – Amado nos oferece um relato pessoal que
descreve bem a situação daquele momento: “O pior (...) eram os ratos mortos que por ali se
espalhavam. Eu sabia que a peste bubônica grassava. Com que mêdo não me encolhia todo,
apertando o paletó e arregaçando as calças, ao pular sôbre aquelas bolhas ominosas
apodrecendo na soalheira!” (AMADO, 1958, p. 70).
Subindo as escadas da república, na Rua da Imperatriz, poucos dias depois da
minha mudança, recuei: três, quatro ratos jaziam mortos nos degraus. Corriam
rumôres de que a peste bubônica grassava no Recife. Numerosas mortes, até
de gente conhecida, eram relatadas. Pulei por cima dos bichos e, botando a
alma pela bôca, mencionei o encontro da escada aos companheiros da
república. “Já vieram desinfetar”, disse um dêles, e deu de ombros. Os outros
não quiseram conversar sôbre o assunto. Sem hesitação, soquei a roupa,
sapatos, escovas de dentes, tudo o que possuía, na mala, e eu mesmo a arrastei
escada abaixo. O barulho fêz aparecer gente a porta do primeiro andar. “Ratos
mortos” – gritei. “Ora” – disseram, rindo, enquanto me ajudavam a puxar a
mala. Três dias depois morria Odilon Martins, o rapazinho sergipano,
gorduchote e simpático, como já me referi. Morreu o outro calouro, também
de Sergipe, da Cotinguiba, magricela e pince-nez, de cujo o nome não me
recordo. Em várias outras repúblicas verificaram-se mortes de estudantes. Os
18
comentários eram nulos; a resignação do nortista, sua aceitação primitiva da
sorte, aí se manifestava (AMADO, 1958, p. 20).
2.1.8. Educação
No início do período republicano brasileiro, os intelectuais viam as escolas imperiais
como sendo atrasadas e precárias, principalmente no que concerne às práticas pedagógicas ali
aplicadas − memorização dos saberes, tabuada cantada, palmatória, castigos físicos, entre
outros −, e demais elementos que impossibilitavam uma formação de qualidade e sem
violências física e psicológica. Devido a essa representação negativa da educação do período
imperial, era necessário aos intelectuais, políticos e autoridades republicanos, produzirem
“outros marcos e lugares de memória para a educação republicana. Pretendia-se (re) inventar a
nação, inaugurar uma nova era, novos tempos” (SCHUELER; MAGALDI, 2009, p. 35).
No entanto, pelo menos nesse momento, tais tentativas se mostraram um tanto quanto
frustradas, pois ao que muitos registros indicam essas mudanças não ocorreram como era de se
esperar. Os métodos rígidos de ensino dos pais e dos professores marcaram a infância de muitos
memorialistas, os quais reagiram a isso de modos diferentes.
Os escritores proustianos, como Augusto Meyer, José Lins do Rego, Pedro Nava e
Gilberto Amado, registraram as injustiças cometidas contra eles e/ou seus colegas, mas não
permitiram que isso fosse um ponto final em suas carreiras intelectuais, buscaram valorizar o
resgate positivo do passado (BUNGART NETO, 2009, p. 111) e buscaram construir uma
imagem de que esses problemas serviram de aprendizado para a formação pessoal e profissional
de cada um deles.
Amado nos traz considerações muito significativas em relação ao modo como se deu o
seu deu a sua vida acadêmica dentro desse contexto. O primeiro aspecto que remete a esse
assunto é o seu contato inicial com o mundo das letras o qual se deu através de sua própria mãe.
Segundo o autor em História da minha infância:
Minha mãe sentava-se a coser e retinha-me de livro na mão, ao lado dela, ao
pé da máquina de costura. O livro tinha numa página a figura de um bicho
carcunda ao lado do qual, em letras graúdas, destacava-se essa palavra:
ESTÔMAGO. Depois de soletrar ‘es-to-ma-go’, pronunciei ‘estomágo’. Eu
havia pronunciado bem as duas primeiras palavras que li, camelo e
dromedário. Mas estômago, pronunciei estomágo. Minha mãe, bonita como
só pode ser mãe jovem para filho pequeno, o rosto alvíssimo, os cabelos
enrolados no pescoço, parou a costura e me fitou de fazer mêdo (sic):
“Gilberto!” Estremeci. “Estomágo?” Leia de nôvo (sic), soletre.” Soletrei,
repeti: “Estomágo.” Foi o Diabo (AMADO, 1966, p. 42-43).
Nesse trecho percebe-se que a educação inicial dele foi um tanto quanto repressiva, pois
ao pronunciar uma palavra errada a mãe de Amado o olha, fala o nome dele em tom de
repreensão e manda que ele tente novamente. Em seguida ao ser matriculado na escola de Sá
19
Limpa (professora Dona Olímpia)9, vê-se a manutenção daquele famoso padrão presente em
todo o Brasil naquela época – e, em alguns casos, até nos dias de hoje – o qual consistem em
“decorar” as informações apresentadas pelo professor, método esse que nem sempre funcionava
com todos os alunos e acarretava na exclusão de quem não se adaptasse:
Os meninos, todos, decoravam a tabuada cantando: “Dois mais dois, quatro!
Três veis seis, dezoito!” João Balaio fazia isto olhando para o teto e alisando
a perna com a mão espalmada. Durante o ano que estivera na escola, não
aprendera a tabuada se quer; era-lhe impossível somar números simples; do
primeiro livro de leitura não passou (AMADO, 1966, p. 51).
Algo curioso ocorrido com o memorialista, o qual provavelmente o libertou de alguns
castigos na escola, foi o fato do pai dele ter combinado com a professora Sá Limpa que seu
filho não levasse “bolos”, qualquer problema com Amado deveria ser comunicado a ele e em
casa o castigo seria dado (AMADO, 1966, p. 52-53).
O autor ainda estuda em Aracaju, num Colégio interno do professor Oliveira, onde mora
um tempo com seus padrinhos, apesar dele não se preocupar em dar muita ênfase nesse ponto
deixa algumas considerações importantes
Colégio Oliveira, único aliás do Estado, tinha de internato, no sentido normal
do têrmo, apenas o nome. Era uma casa chata de muitas janelas, junto do
quartel, numa esquina no fim da Rua da Frente, no caminho da Fundição. (...).
À recordação não se associa lembrança de estudo, meninos de livro na mão,
cabeças pendidas sôbre exercícios em mesa de aula. (...). Quando entrei, o
colégio estava cheio; quartos atulhados de camas juntas. Os meninos corriam
por cima delas sem ter que pular no tijolo. Um criado velho, de semana em
semana, passava a vassoura por debaixo, mas só arrebanhava o sujo das
beiradas; o do meio ficava. De noite subia do chão um cheiro de poeira
molhada, um ranço de bolor velho (AMADO, 1966, p. 158-159).
Ademais, destaca também que haviam ali alguns alunos mais velhos que batiam muito
nos mais novos (AMADO, 1966, p. 160-162).
Por influência de seu pai, aos 12 anos de idade, ele foi para a Bahia estudar Farmácia
devido ao fato de ser um curso que exigia apenas seis anos de estudo básico, devido ao fato de
ser muito jovem precisou adulterar sua idade para realizar a matrícula: “Na república, os rapazes
arranjaram fàcilmente a matrícula, aumentando a minha idade” (AMADO, 1966, p. 175).
Amado mostrou muito gosto pelo curso de Farmácia – inclusive chegou a pensar em ser
médico – tanto é que ficou bravo quando, ao concluir o curso, seu pai lhe mandou estudar
Direito para, posteriormente, tornar-se um político: “Dois anos depois, em Recife, aonde fui
mandado, contra a vontade, aliás, estudar Direito (minha vocação, pensava eu então, era para
ciências naturais)” (AMADO, 1966, p. 181).
9 Escola particular localizada em Itaporanga.
20
E finalmente na graduação, o memorialista relata alguns pontos dos quais o quem chama
a atenção do leitor atento é este:
Nesse quarto ano não abri o livro do curso10. Não teriam podido ser piores os
exames que fiz. Em Direito Civil ainda pude responder, na prova oral, a
algumas perguntas, porque Gondim Filho, o novo professor que acabava de
fazer um concurso extraordinário, que entusiasmou a estudantada, tornou-se
meu leitor e “admirador”. Não me deu ponto de véspera, mas disse: “Você
estude Mandato. Vou interrogá-lo sôbre certas novidades teóricas da matéria.”
Êsse concurso de Gondim Filho me pôs de manifesto virtualidades imensas
que se ocultam por êsse vasto Brasil afora (AMADO, 1958, p. 245).
Inclusive, foi buscando “superar” uma dessas notas baixas, que Amado torna-se,
posteriormente catedrático, em Direito Criminal, na mesma faculdade em que se graduou
substituindo o professor que lhe dera nota baixa. Como ele mesmo lembra:
Eu não tinha digerido o meu fiasco com Gervásio Fioravante no exame de
Direito Criminal. Aquela falta cometida comigo mesmo me remordia.
Desagradava-me ter sido aprovado por favor. (...). Abraçamo-nos [Amado e o
professor Gervásio] e parti, levando o in petto a resolução de, se houvesse
concurso de Direito Criminal algum dia, inscrever-me... para espichar
Gervásio. Não foi preciso. Dois anos depois, menos ainda, eu era nomeado”
(AMADO, 1958, p. 266-268).
2.1.9. Literatura, Arte e Cultura
Como foi diagnosticado no relatório parcial desta pesquisa, na Primeira República
ocorreram diversas mudanças de abrangência nacional no que concerne o campo da literatura,
da arte e da cultura.
A fundação da Academia Brasileira de Letras [em 1897] é utilizada como um
exemplo da mudança de concepção do papel dos escritores no Brasil fin-de-
siècle. Mais reflexo do que motor deste desvio de rumos, a centenária
instituição teria nascido como fruto da angustia existencial dos principais
homens de letras da época. Acuado diante da violência dos anos de chumbo
da República, nos quais campeavam a censura, o estado de sítio, o
empastelamento de jornais e o exílio de adversários do governo, um núcleo
bastante heterogêneo de destacados literatos resolveu deixar de lado as
divergências políticas e somar esforços para demarcar fronteiras de defesa
contra as arbitrariedades da nova ordem institucional (RODRIGUES, 2003, p.
25-26).
Somado a isso podemos destacar a Semana de Arte Moderna a qual foi o pontapé inicial
para o modernismo no Brasil e teve como consequência uma verdadeira transformação no meio
literário, artístico e cultural, pois “As artes brasileiras, anteriormente ao modernismo,
marcaram-se, de modo indiscutível, pelo academismo, na medida em que repetiam e
aperfeiçoavam estéticas, redundantemente, eliminando qualquer possibilidado (sic) de pesquisa
e de atualidade” (JOZEF, 1982, p. 108).
10 Grifos meus.
21
Muitos escritores, membros ou não da ABL, artistas e demais intelectuais da época
colocaram em suas obras, ainda que de modo indireto, uma crítica veemente há tudo o que
estava ocorrendo na República.
Lima Barreto a denominava de “República Aristocrática”, e segundo José
Veríssimo, ela derivara de dois atos correspondentes e espontâneos de
conversão. Primeiro a adesão dos monarquistas de todos os quadrantes ao
novo regime vitorioso e, em seguida, a reversão dos republicanos militantes
ao conservadorismo mais tacanho diante das agruras da fase de consolidação.
Esse o motivo também porque o autor Isaías Caminha costumava evocá-la
como “A República dos Camaleões”. O fato é, pois, que todo o processo de
recuperação das finanças e da imagem de estabilidade fez-se sob a égide de
uma elite vinda dos mais altos escalões da política e administração do Império.
Homens como Rui Barbosa, Rio Branco, Rodrigues Alves, Afonso Pena,
Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, praticamente polarizaram as duas primeiras
décadas deste século, imprimindo de forma indelével as características de seu
pensamento político às estruturas do regime recém-instaurado. Os papéis
nucleares dentre essa plêiade, não resta dúvida, couberam a Rodrigues Alves
e Rio Branco (SEVCENKO, 1995, p. 46).
Tratava-se de um contexto realmente conturbado onde ideologias positivistas e
evolucionistas se cruzavam nos mais variados meios de comunicação disponíveis na época
fazendo com que a população em geral até conseguisse se posicionar politicamente, mas de
modo um tanto quanto ufanista e ingênuo (SALIBA, 1998, p. 296-298, 340).
De um modo ou de outro, direta ou indiretamente, chegou aos ouvidos de Gilberto
Amado, seja devido às informações que passavam pela loja de seu pai (AMADO, 1966, p. 98-
99) ou por causa do “prazer de ler” (AMADO, 1966, p. 172-173) que ele possuía. Além disso,
um fator que também o influenciou foi o teatro criado por seu pai pode o qual é tratado no
capítulo XII – O Teatro (AMADO, 1966, p. 128-137).
Muito possivelmente esses e outros elementos que serão melhor descritos abaixo foram
os responsáveis por levarem o autor a afirmar posteriormente que começou “a vida literária pelo
amor das palavras. Poderia até dizer, com o natural exagêro, que foi êste realmente o meu
primeiro embeiçamento de puberdade” (AMADO, 1966, p. 193) e que o levou a fazer escolhas
das quais se arrependeria, como a postura positivista da quais, mais tarde se arrependeria
(AMADO, 1966, p. 113).
Em locais interioranos, como onde Amado vivera sua infância, e mesmo nas periferias
das cidades mais desenvolvidas – por exemplo, Recife onde o memorialista se graduou em
Direito – as danças e cânticos eram um meio de manter os ex-escravos e demais empregados
satisfeitos e produtivos, por conta disso diversas mesclas com a cultura africana ocorreram,
assim os sambas, os versos, os lundus, os cocos e os batuques foram meios através dos quais a
22
cultura afro-brasileira se consolidou e espalhou-se em diversos locais do país (WISSENBACH,
1998, p. 86-88).
Nesse contexto, Amado absolveu, em diversos aspectos, características tanto da
literatura clássica do país como da popular e enriqueceu seu repertório tornando-se um escritor
com traços próprios e únicos em seu modo de escrever.
Durante sua infância, o memorialista destaca, em diversas páginas, versos, músicas e
canções com as quais teve algum tipo de contato. Na escola, por exemplo, a professora “Sá
Limpa tinha uma qualidade, a voz, que o fumo de rôlo (sic) não lograra embaciar, clara, extensa,
só com uma ou outra falha quebrando a emissão, mas não desagradàvelmente (sic). Gostava de
recitar em vos alta o D. Jaime, de Tomás Ribeiro, livro de leitura dos adiantados” (AMADO,
1966, p. 58).
No cotidiano do autor também se faziam presentes diversos versos, hinos e cantigas, tais
como: “Sinharinha Amado, / Saia de bordado... / Sinharinha, deixa de preguiça / Já é hora da
missa...” (AMADO, 1966, p. 15); “Pé espaiado... / Quem foi que te espaiou...? / Foi uma bala...
/ Que Floriano mandou...” (AMADO, 1966, p. 32); “No céu... no céu... / Com minha mãe
estarei...” (AMADO, 1966, p. 69); “Seu Manuel Cirino / não tem não tem / aqui nesta roda /
quem lhe queira bem / tralalá tralalá / que mal lhe fiz eu? / tralalá tralalá / meu amor é seu...”
(AMADO, 1966, p. 75); “Sinhô padre capelão / Também venha combatê / Com a fé na Vige
Maria / Nós havemo é de vencê” (AMADO, 1966, p. 128) e; “Eu, meus senhores, / Sou a Classe
Caixeiral, / Sou fonte de riqueza, / Da riqueza culossal...” (AMADO, 1966, p. 184).
Um fato importante o qual ajudou Amado em sua infância a aprofundar suas leituras foi
a ajuda do “Seu Leal” que lhe deu obras de renomados nomes como João Francisco Lisboa,
Padre Antônio Vieira e Camilo (AMADO, 1966, p. 174). Além disso, quando estava no colégio
interno e morando com seus padrinhos o contato com pessoas que gostavam de escrever – seja
para publicar em jornais ou livros – também foi algo recorrente e que possivelmente o
aproximou ainda mais gosto pela leitura e escrita (AMADO, 1966, p. 190).
Já na graduação, no Recife, o memorialista relata que “Dividia as (...) horas, de manhã
na biblioteca, de tarde à porta da Livraria Nogueira” (AMADO, 1958, p. 11) e com isso ele teve
uma grande reviravolta em seu leque de leituras. Além de algumas das leituras dele, destacadas
no item 2.1.2. Religiosidade, podemos destacar também que
Nietzsche apressou a minha ânsia de ler Platão para melhor conhecer Sócrates.
Fêz-me procurar um Aristóteles diferente daquele que Augusto Comte me
havia pôsto na cabeça. (A propósito, veja-se que frase encontrei em
Aristóteles, não sei se na Política ou na Lógica: ‘A Poesia tem sempre razão...
a História está longe de ter ao seu alcance ou a sua grandeza; é pequena diante
dela.) (AMADO, 1958, p. 109).
23
Também nessa época, mas com menos frequência, Amado relata a presença de música,
poemas, versos e cantigas que entremeavam seu cotidiano: “Enquanto a mim / Irei vivendo /
Meu ideal de amor / Que é sempre novo / No verdor da primavera / Na lira austera / Que o
Senhor, e fêz tão bela / Será meu estro...” (AMADO, 1958, p. 30); “Ao voltar da redação para
a Rua da Aurora, quando a deixava mais cedo, às vêzes eu não subia. Num estalo de dedos dizia
para o Capibaribe: Vamos! Lá íamos nós, eu ao lado dele, ouvir mais de perto discípulas das
Denis e de Manuel de Siqueira” (AMADO, 1958, p. 207); “Com o fervor da adoração que a
alma do justo / Exalça a Deus, suplico-te me valhas!” (AMADO, 1958, p. 259) e; “E se ainda
duvidardes / E quiserdes outras juras / ... Pelo fino azul das tardes, / Por vossas tranças escuras”
(AMADO, 1958, p. 264).
Assim sendo, como o próprio memorialista nos mostra, com um leque tão variado de
leituras e observações durante sua infância e juventude ampla foi a gama de assuntos e temas
com os quais o memorialista teve algum tipo:
Monismo, Dualismo, Teoria e Crítica do Conhecimento, Livre Arbítrio e
Determinismo, Causa Primária, Causa Eficiente, Causas Finais, Idéia (sic),
Substância, Vontade, Incognoscível, Absoluto, Lei dos Três Estados,
Classificação das Ciências, Mecanicismo, Teleologia, tudo isso, que são
epígrafes ou títulos de capítulos e expressões para vocabulário filosófico, eram
naqueles dias abismos a transpor, viagens a empreender, labirintos a
desemaranhar, domínios a conquistar. Meses imensos! Horas côncavas, cada
qual mais funda, querendo conteúdo” (AMADO, 1958, p. 27).
2.1.10. Vestimentas
Finalmente, uma última constatação em relação à obra de Gilberto Amado se refere às
vestimentas usadas cotidianamente pelas pessoas com que ele tinha contato as quais revelam
uma nova “cultura” que estava surgindo no país como um todo.
O advento da República gerou em todo o país, principalmente no que concerne o âmbito
da via privada, uma busca por novos costumes e atitudes cotidianas que se contrapusessem às
vivências monárquicas tidas anteriormente, por conta disso, no Rio de Janeiro da Belle Époque,
surgiu um processo de europeização e modernização da sociedade como um todo o qual mudou
diversos aspectos das vivências diárias da população: destruição de prédios antigos para a
construção de novos; extinção de hábitos que rememorasse o antigo sistema político; melhoras
no saneamento básico; entre outras coisas mais (SALIBA, 1998, p. 292; SCHAPOCHNIK,
1998, p. 438-440).
Em sua obra, mesmo na infância, o memorialista não deixa essa questão passar
despercebida:
A êsse tempo, isto é, há sessenta anos, o Brasil não produzia um metro de
sêda, um sapato, um novêlo de linha: tudo vinha do estrangeiro. Nos caixões
24
nomes indecifráveis para mim. Calçados só inglês, fazenda de senhora,
merinó, gorgorão; chinelos, de trança, cara-de-gato; xales de lã, a sêda pesada;
a roupas dos homens, no clima tropical, feita de tecido inglês, para a vida nas
casas não aquecidas da Inglaterra invernosa. Pergunto-me: Como agüentavam
o calor? As senhoras, quando tiravam as sapatinhas, usavam em casa pantufos
de lã tufuda como se estivessem na Sibéria. Anos depois ainda vi no Rio de
Quintino Bocaiúva à porta do Watson, à esquina da Rua do Ouvidor, de
sobrecasaca de fazenda pesada e luvas. Quando uma fotografia de José do
Patrocínio noto a gola do croisé e me pergunto como podia o tribuno suportar
nos discursos do Recreio Dramático, na campanha abolicionista, aquêle
abafamento no corpo? Imagino os rios de suor correndo; suo com êle. Em
Pernambuco, nós, estudantes da Faculdade, envergávamos fraques,
redingotes. Na Rosa dos Alpes, loja de Castro Silva, vejo à porta um médico
conhecido, Arthur Costa, de cartola lustrosa como as que vi depois na Europa,
no inverno. O senador Rosa e Silva só andava de cartola. À redação do Diário
de Pernambuco, Aníbal Freire não chegava senão de fraque e de cartola.
Como suportávamos isto? Tudo vinha do estrangeiro, os hábitos
principalmente. Salvo gente do povo, nunca vi, em Pernambuco, no meu
tempo, ninguém de roupa leve (AMADO, 1966, p. 23-24).
E, já na faze adulta, volta a reforçar essa questão.
Como já fiz passagem na História da Minha Infância, insisto em salientar isso
de que ninguém se lembra hoje quase, e que tanto me entristece por tanto
mostrar da nossa falta de originalidade e de objetividade, pois o clima quente
exige roupa leve: entre dez pessoas de boa situação no Recife, oito usavam
cartola (AMADO, 1958, p. 133).
Além disso, Amado destaca também a realidade de pessoas carentes ou com vestimentas
repletas de elementos de origem africana as quais mostram que, mesmo com as novas
tendências que estavam surgindo, haviam aqueles que resistiam a elas ou simplesmente não
possuíam condições financeiras de se adequarem a essa nova realidade:
A mãe, Lucrécia, foi a negra mais bonita, de dentes mais brilhantes, de riso
mais largo que já vi. Cria de bons senhores, prendada, bem-educada, dançava
taieira nas festas de Reis, saia engomada, turbante vermelho, o colo salpicado
de pedrarias e colares, parecia uma rainha núbia. (...).
“Lá fora” era nas coiranas, numa aberta de terra frouxa, ensopada de
lama, ao lado de um rêgo. Só um ou outro menino usava sapatos; a maioria,
de tamancos ou descalça (AMADO, 1966, p. 54-57).
3. Considerações Finais
Com a realização desta pesquisa constatou-se a confirmação da hipótese inicial de que
a escrita de si do autor não só estabelece uma referência com uma tradição literária do
memorialismo de meados do século XX e também instrumentaliza marcadores discursivos de
suas origens regionais e sociais, assim como reafirma e justifica, através da edição das
lembranças, seus vínculos de pertencimento cultural, político e literário na idade adulta.
Ao realizamos as análises da obra de Gilberto Amado, comparando-a com a de escritores
os quais viveram no mesmo período, pudemos perceber não só os vínculos literários como
25
também as singularidades responsáveis por tornar os textos dele portadores de um estilo
singular responsável por possibilitar um melhor aproveitamento das informações nele contidas.
Em História da minha infância e Minha formação no Recife e, ao que tudo indica, nas
demais obras autobiográficas do autor há a presença de certa vaidade pessoal e minuciosa
descrição do contexto no qual o memorialista viveu quem permitiu a realização de uma análise
micro e macroscópica da Primeira República a qual nos possibilitou encontrar um total de dez
pontos que foram brevemente analisados durante as pesquisas, conforme apresentamos há
pouco.
Tais pontos foram responsáveis por nortear nossas pesquisas e facilitar uma análise um
pouco mais minuciosa para que foi possível entender, ao menos brevemente, algumas das
relações existentes no Nordeste brasileiro.
No geral, é visível que – devido à limites de tempo e espaço – esse trabalho não
conseguiu esgotar todas as possibilidades oferecidas pela escrita de Amado, no entanto ele
mostra-se com um “porta” para a realização de novas investigações visando abordar também
os outros três livros não tratados aqui, aprofundando essas e descobrindo outras tantas questões
no intuito de se obter resultados responsáveis por ampliar o modo como se estuda textos
autobiográficos e o período da Primeira República brasileira.
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