instituiÇÕes, polÍtica e ajuste fiscal o brasil em … · 2020. 1. 21. · vargas de são paulo,...

23
Introdução Os governos contemporâneos têm sido con- tinuamente desafiados a apresentar desempenhos macroeconômicos. Estabilizar moeda, ajustar con- tas públicas, manter a balança comercial equilibra- da são ações exigidas para que as economias, tan- to as desenvolvidas quanto aquelas em desenvol- vimento, integrem-se ao mercado globalizado. Só assim elas têm condições de competição e credi- bilidade para atrair capitais necessários ao desen- volvimento e à expansão do bem-estar social. No caso do Brasil, é bem conhecido o peso prepon- derante assumido pelo ajuste fiscal na agenda do governo, desde a implementação do plano de es- tabilidade monetária e das reformas econômicas, a partir de 1994. Este trabalho atém-se a uma dimensão espe- cífica de tal problemática: o controle do déficit e do endividamento público, através de restrições legais e políticas de cortes orçamentários. Embora centrada no Brasil, a análise confronta também Es- tados Unidos, Holanda e Suécia. Tal como o Bra- sil recente, eles também enfrentaram sérios pro- blemas fiscais, nos anos 80. O déficit público nos Estados Unidos em 1983 representava 3,8% do PIB. Na Suécia chegou a 7% e na Holanda a 7,1% em 1982 (Schick, 1993, p. 187). Se os desequilí- INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em perspectiva comparada * Maria Rita Loureiro RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001 * Os dados que serviram de base para este trabalho fazem parte de pesquisa financiada pelo Núcleo de Estudos e Publicações (NPP) da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni- dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares do texto foram apresentadas em semi- nário no Departamento de Ciência Política da Uni- versidade de Nova York (NYU), em fevereiro de 2000, e no Encontro Anual da Anpocs, de outubro de 2000, realizado em Petrópolis. Agradeço também os comentários dos professores Adam Pzreworski, da Universidade de Nova York, Ira Katznelson e Robert Kauffman, da Universidade de Columbia. E ainda, de forma especial, as discussões com Fernan- do Abrucio, que me permitiram melhorar a versão final do texto.

Upload: others

Post on 06-Nov-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

Introdução

Os governos contemporâneos têm sido con-tinuamente desafiados a apresentar desempenhosmacroeconômicos. Estabilizar moeda, ajustar con-tas públicas, manter a balança comercial equilibra-da são ações exigidas para que as economias, tan-

to as desenvolvidas quanto aquelas em desenvol-vimento, integrem-se ao mercado globalizado. Sóassim elas têm condições de competição e credi-bilidade para atrair capitais necessários ao desen-volvimento e à expansão do bem-estar social. Nocaso do Brasil, é bem conhecido o peso prepon-derante assumido pelo ajuste fiscal na agenda dogoverno, desde a implementação do plano de es-tabilidade monetária e das reformas econômicas,a partir de 1994.

Este trabalho atém-se a uma dimensão espe-cífica de tal problemática: o controle do déficit edo endividamento público, através de restriçõeslegais e políticas de cortes orçamentários. Emboracentrada no Brasil, a análise confronta também Es-tados Unidos, Holanda e Suécia. Tal como o Bra-sil recente, eles também enfrentaram sérios pro-blemas fiscais, nos anos 80. O déficit público nosEstados Unidos em 1983 representava 3,8% doPIB. Na Suécia chegou a 7% e na Holanda a 7,1%em 1982 (Schick, 1993, p. 187). Se os desequilí-

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em perspectivacomparada*

Maria Rita Loureiro

RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001

* Os dados que serviram de base para este trabalhofazem parte de pesquisa financiada pelo Núcleo deEstudos e Publicações (NPP) da Fundação GetúlioVargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versõespreliminares do texto foram apresentadas em semi-nário no Departamento de Ciência Política da Uni-versidade de Nova York (NYU), em fevereiro de2000, e no Encontro Anual da Anpocs, de outubrode 2000, realizado em Petrópolis. Agradeço tambémos comentários dos professores Adam Pzreworski,da Universidade de Nova York, Ira Katznelson eRobert Kauffman, da Universidade de Columbia. Eainda, de forma especial, as discussões com Fernan-do Abrucio, que me permitiram melhorar a versãofinal do texto.

Page 2: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

brios fiscais têm a ver com dificuldades econômi-cas, eles são muito afetados pelas condições insti-tucionais e políticas em cada país, as quais, porsua vez, influenciam decisivamente a capacidadedos governos de equilibrar as contas públicas.

Em países democráticos, a conduta fiscal dosgovernos é sempre sensível às reações do eleito-rado e às demandas dos grupos de pressão. Toda-via, alguns são mais efetivos e ágeis do queoutros em corrigir o déficit orçamentário ou con-trolar o endividamento. A literatura tem indicadoque as variações nas políticas macroeconômicasdependem de diferentes fatores. Uma “primeirageração” de teorias enfatizava a orientação ideoló-gica do partido no poder: governos de direitaadotariam políticas monetárias e fiscais mais res-tritivas, com cortes acentuados no orçamento, en-quanto os de esquerda tenderiam a políticas maisexpansionistas, de orientação keynesiana. Os pri-meiros estariam mais atentos à estabilidade mone-tária e os segundos mais preocupados em reduziro desemprego (Hibbs, 1977; Goldthorpe, 1984).

A partir dos anos 80, com a recessão e a cri-se fiscal que atingiram as economias capitalistas,surgiram novos modelos explicativos. Os adeptosdas teorias das expectativas racionais afirmam, porexemplo, que o crivo partidário apenas temporaria-mente afeta as políticas macroeconômicas, tenden-do os políticos a um mesmo comportamento fiscalem função da lógica dos ciclos econômicos e elei-torais (Alesina, 1989; Alesina e Roubini, 1997).

Mais recentemente, com a internacionaliza-ção dos mercados e a desregulamentação dosfluxos de capitais, começa-se a observar uma ten-dência à homogeneização da política macroeconô-mica entre governos com diferentes orientaçõesideológicas, realçando-se, como fatores fundamen-tais das políticas monetárias e fiscais, a mobilidadeinternacional dos capitais e o regime cambial. Ana-lisando o papel dos partidos, das instituições polí-ticas e da abertura econômica sobre as políticasfiscais e monetárias em dezenove países da OCED,Boix (2000) indica que, até os anos 70, as varia-ções das políticas macroeconômicas nestes paísesestavam relacionadas com a coloração partidáriado governo e o grau de institucionalização de suasestruturas corporativas. Mas, a rápida convergência

dessas políticas, nos anos 80, tem a ver com a in-ternacionalização da economia. Se, até aquele pe-ríodo, o controle generalizado dos fluxos de capi-tal e as taxas de câmbio flutuantes davam grandeautonomia aos governantes para gerir as criseseconômicas, a internacionalização dos mercadosfinanceiros mudou este quadro: não só o controledos capitais e as políticas keynesianas anti-recessi-vas deixaram de ser viáveis, mas também as taxasde câmbio passaram a ser fixas. Isso independen-temente das instituições existentes em cada paíscomo, por exemplo, o tipo de organização domercado de trabalho, mais corporativo ou maisdescentralizado (Boix, 2000, p. 40).

Todavia, mesmo levando em conta os cons-trangimentos impostos pela globalização econô-mica e a desregulamentação dos fluxos de capi-tais, autores de orientação institucionalista têmenfatizado que as regras formais e informais vigo-rantes em cada país, bem como os estilos políti-cos afetam consideravelmente os resultados daspolíticas governamentais (Steinmo, 1989; Weavere Rockman, 1993; Iversen e Wren, 1998). Nestaperspectiva institucionalista realçam-se as caracte-rísticas do sistema de governo, da estrutura parti-dária e das regras eleitorais, que geram governosmajoritários ou de coalizão mais ou menos está-veis e, portanto, mais ou menos capazes de imporas metas fiscais propostas (Roubini e Sachs, 1989;Schick,1993; Steinmo, 1989). Assim, muitos auto-res apontam que os sistemas parlamentaristas,mesmo os de gabinetes de coalizão, apresentammais vantagens do que os presidencialistas, ofere-cendo melhores condições de governabilidade(Laver e Shepsle, 1994; Linz e Stepan, 1996). Aexistência de muitos pontos de veto no sistemapresidencialista inibe a habilidade para estabele-cer prioridades entre objetivos conflitantes e im-por perdas a grupos políticos poderosos, capaci-dades essas cruciais para a efetivação das políticasde ajuste fiscal (Tsebelis, 1997; Weaver e Rock-man, 1993). Nesse sentido, o ajuste fiscal constituium desafio bem maior para os políticos no presi-dencialismo do que no parlamentarismo.

Este texto examina as condições institucio-nais e políticas do ajuste fiscal. Mesmo conside-rando que as instituições afetam as estratégias dos

76 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 3: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

atores e os resultados das políticas, supõe-se queos efeitos das regras relativas ao controle fiscalsão contingentes e dependem igualmente de con-dições políticas. Em outras palavras, considerandoque as restrições legais destinadas a controlar odéficit e o endividamento público não são sufi-cientes para se atingir as metas estabelecidas, pro-cura-se analisar condições políticas necessárias aoefetivo cumprimento das regras.

Como o corte de gastos e/ou a elevação dosimpostos impõem perdas imediatas e visíveis e osbenefícios esperados são de longo prazo, difusose incertos, as decisões de controle do déficit e doendividamento público são sempre muito difíceisde implementar. Elas supõem certas condiçõespolíticas, como a coesão governamental (Schick,1993). Entendida como homogeneidade de orien-tação, conexão entre partes e coordenação deações, a coesão gera governabilidade, dando aogoverno capacidade de impor e manter a priori-dade ao ajuste fiscal, ante os objetivos conflitan-tes, especialmente em tempos difíceis de retraçãoou recessão econômica, quando a arrecadação deimpostos tende a cair ao mesmo tempo em quecrescem demandas por gasto público.

Segundo ainda Allen Schick, a coesão de go-verno depende de variáveis institucionais como osistema eleitoral e o tipo de governo dele decor-rente, de partido majoritário ou de coalização. Semnegar que certos arranjos institucionais (tais comosistema de governo, regras eleitorais, disciplinapartidária etc.) têm importância, considera-se, en-tretanto, que o nível de coesão pode variar tam-bém em função de fatores políticos contingentes.Assim, por exemplo, a existência de uma oposiçãomajoritária no Congresso, em sistemas presidencia-listas, criando o que se chama de governo dividi-do, reduz em muito a capacidade de controlar osdéficits públicos em períodos de recessão econô-mica, como ocorreu nos Estados Unidos na déca-da de 80 e início dos anos 90 (Cox e McCubbins,1992; Schick, 1993; Endersby e Towle, 1997).1

No caso brasileiro de presidencialismo decoalizão, o grau de habilidade do presidente emnegociar com o Congresso pode também aumen-tar ou reduzir a capacidade do governo de reali-zar suas metas fiscais. Na verdade, o Brasil recen-

te pode ser visto como exemplo de que, mesmoem dificuldade econômica, um governo com cer-to nível de coesão é capaz de apresentar resulta-dos fiscais esperados.2 Argumentando comparati-vamente, é possível afirmar que durante os dezprimeiros anos de governo democrático no país ahiperinflação foi o preço pago pela ausência decoesão governamental ou “ingovernabilidade”(Sallum Jr. e Kugelmas, 1993). Em contrapartida, aestabilização monetária em 1994 e o ajuste fiscalimposto ao país nos últimos anos foram possíveisgraças a uma nova situação política que se carac-teriza pela governabilidade, gerada através de re-lações negociadas entre o executivo e o legislati-vo (Couto e Abrucio, 1999; Palermo, 2000).

Além disso, para estabelecer e manter priori-dades diante de objetivos conflitantes e em situa-ções de recursos escassos – uma das capacidadescentrais exigidas de um governo para realizar oajuste fiscal – o consenso em torno de idéias e aexistência de um corpo burocrático competente einternamente coerente são também fatores impor-tantes para a coesão governamental.3 Em suma, acoesão governamental que permite a efetivaçãode regras e medidas relativas ao ajuste fiscal de-pende não só de arranjos institucionais, mas igual-mente de fatores políticos contingentes, tais comoo grau de liderança ou habilidade do governantenas negociações entre os poderes legislativo eexecutivo ou dentro dos gabinetes parlamentares,a construção de consensos entre as forças políti-cas e a coordenação político-administrativa noseio do aparato de governo.

Do ponto de vista metodológico, a análisedos vínculos entre arranjos institucionais, ação po-lítica e ajuste fiscal é efetuada neste trabalho sobuma perspectiva comparada, explorando-se os ca-sos dos Estados Unidos, da Holanda e da Suéciaque enfrentaram, como o Brasil, o desafio de equi-librar as contas públicas, com resultados diversos.4

O confronto do caso brasileiro com países tão dis-tintos em termos de desenvolvimento econômicoe de sistema político é utilizado aqui como instru-mento para reforçar dois argumentos centrais daanálise: a) as instituições políticas influenciam osresultados fiscais, mas não os explicam inteiramen-te; e b) a coesão governamental, vista como con-

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 77

Page 4: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

dição política contingente necessária para seatingir as metas esperadas, tem singularidades na-cionais insuperáveis, ou seja, é construída porcaminhos próprios, com pontos de partida e dechegada específicos em cada país.

Assim, embora o sistema presidencialista e ofederalismo sejam estruturas institucionais formal-mente comuns entre Estados Unidos e Brasil, en-fatiza-se, neste confronto, sobretudo as diferençasem seu modo de funcionamento para controlar odéficit e o endividamento públicos. Como se co-nhece bem, o poder legislativo é muito mais fracoe o federalismo mais centralizado no Brasil do quenos Estados Unidos (Abranches,1988; Camargo,1992). Em contraste com o modelo americano deefetiva separação dos poderes, o presidente brasi-leiro tem poderes legislativos e muito maior con-trole sobre o orçamento do que o presidente ame-ricano (Mainwaring e Shugart,1997; Figueiredo eLimongi, 1999). Operando diferentemente, estesdois sistemas têm produzido situações distintas decoesão governamental ao longo do tempo. En-quanto o presidencialismo nos Estados Unidos di-ficilmente apresenta coesão governamental (espe-cialmente nos períodos de governos divididos, oque, aliás, têm se tornado praticamente a regra nasúltimas décadas), o presidencialismo brasileiro eseu sistema federativo contêm arranjos que indu-zem a uma maior coesão. Além dos poderes legis-lativos do presidente, o federalismo mais centrali-zado, que, por exemplo, concentra o controle doendividamento público no Senado, igualmentefunciona nesta mesma direção.5 Também nos ca-sos da Holanda e da Suécia, por trás da superfíciecomum de gabinetes parlamentares, explora-se so-bretudo seu modo diferente de funcionamento,gerando situações também diferenciais de coesãogovernamental e, portanto, de desempenho fiscal(Weaver e Rockman, 1993; Schick, 1993).

Em outras palavras, a partir das diferençasentre estes países, seu confronto é possível namedida em que se enfatiza aqui a existência ounão de coesão governamental, tomada como con-dição política chave para explicar o alcance demetas fiscais. Incorporando análises desenvolvi-das para os países europeus e os Estados Unidosàs pesquisas efetuadas no Brasil, pôde-se observar

que governos com certo nível de coesão internaconseguiram alcançar resultados fiscais esperados,não só no caso do sistema parlamentarista sueco,sob a dominância do Partido Social Democrata,mas igualmente no presidencialismo de coalizãobrasileiro, no período mais recente. O mesmo nãoocorreu na Holanda e nos Estados Unidos dosanos 80 e início dos 90. Obviamente não se pre-tende fazer generalizações a partir da exploraçãodestes casos, mas apenas realçar condições políti-cas específicas que, em geral, são desprezadasnos estudos de caráter quantitativo.

As informações sobre Holanda, Suécia e Es-tados Unidos foram extraídas das fontes indicadasno próprio texto. Nos casos da Holanda e da Sué-cia, utilizou-se análises relativas à efetividade daspolíticas governamentais de redução do déficit or-çamentário levadas a cabo durante a grave crisefiscal da década de 80, relacionando-as a variáveispolítico-institucionais. Para os Estados Unidos,examinaram-se principalmente as restrições cons-titucionais e legais ao endividamento público eainda os estudos relativos à incapacidade do go-verno de controlar o déficit orçamentário nosanos 80 e início dos 90. No Brasil, o foco recaiusobre a ação do Senado que, por determinaçãoconstitucional, tem competência exclusiva para le-gislar sobre a matéria relativa ao endividamentode todos os entes federativos. Na verdade, o Se-nado brasileiro tem tido um papel de destaque naagenda fiscal, estabelecendo regras que aperfei-çoam o processo de controle do endividamentopúblico. A análise refere-se ao período de enormedeterioração das finanças públicas, a partir da im-plementação do Plano Real, em 1994. As fontesprincipais de informação são documentos coleta-dos no Senado, Banco Central e em outras agên-cias governamentais. Mas, inclui também, materialda imprensa, entrevistas com senadores e auxilia-res, e funcionários do Banco Central e do Ministé-rio da Fazenda.

Por fim, dois esclarecimentos. Em primeirolugar, indica-se que a situação de coesão governa-mental atribuída aqui ao governo FHC refere-seespecificamente à área fiscal que constitui o “nú-cleo duro” de sua agenda, não valendo para ou-tras áreas. Os diagnósticos relativos à recente cri-

78 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 5: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

se energética têm apontado que ela está relacio-nada à falta de coordenação político-administrati-va no setor e de planejamento estratégico maisamplo. Na verdade, a preponderância com que adimensão fiscal subordinou todas as demais (nãosó políticas sociais, mas também programas de in-vestimentos em infra-estrutura), configurandouma situação que pode muito bem ser definida de“miopia fiscalista”, acabou solapando os própriosobjetivos fiscais. Além dos enormes danos políti-cos à imagem do governo, o racionamento eeventual corte de energia irão gerar – prevêem osespecialistas – retração econômica, diminuição daarrecadação e, portanto, redução dos atuais supe-rávits. Isso sem contar os problemas de conta cor-rente e possíveis pressões inflacionárias.

Em segundo lugar, é preciso enfatizar aindaque o controle do déficit e do endividamento pú-blico é tema bastante controverso entre diferentesescolas do pensamento econômico e entre dife-rentes correntes ideológicas. Enquanto a direitaamericana, por exemplo, insiste na idéia de zeraro déficit, os mentores da comunidade econômicaeuropéia, ao estabelecer o Tratado de Maastricht,consideraram, ao contrário, que investimentos ne-cessários ao desenvolvimento econômico e à ex-pansão da taxa de emprego constituem razão le-gítima para o endividamento público (Benavie,1998; Evans, 1997). Aliás, conforme cálculos efe-tuados para os Estados Unidos, cada ponto per-centual de desemprego agrega um adicional decerca de 50 bilhões ao seu déficit público (Ross,1999). Assim, do ponto de vista normativo, o quese espera dos governos é antes a capacidade degerir déficits moderados, do que seu controle rígi-do, o que certamente comprometerá valores so-ciais importantes, como desenvolvimento, empre-go e bem-estar da maioria da população.

A primeira parte deste texto mostra as difi-culdades de imposição das restrições legais relati-vas ao déficit nos Estados Unidos e seus mecanis-mos de controle do endividamento público. Emseguida, para confronto com a literatura que afir-ma ser mais difícil o ajuste fiscal no presidencia-lismo do que em governos de gabinetes, são tam-bém examinados os resultados (nem sempre bem-sucedidos) das políticas de controle do déficit pú-

blico, experimentadas na crise fiscal dos anos 80,em dois países parlamentaristas, Holanda e Sué-cia. Na terceira e mais longa parte, é analisado ocaso brasileiro, que constitui o núcleo de referên-cia deste estudo, destacando-se o papel do Sena-do na produção de regras legais para o controledo endividamento público e seu apoio à agendafiscal do governo. O texto é finalizado com co-mentários que sistematizam o confronto entre oscasos explorados.

O controle do déficit e do endividamentopúblico nos Estados Unidos

Os déficits do governo federal nos anos 80 e 90Como no Brasil de hoje, os déficits públicos

constituíram o tema central da agenda políticaamericana durante toda a década de 80 e a pri-meira metade dos anos 90 ( White e Wildavisky,1988; Brady e Volden, 1998; Benavie, 1988; Evans,1997; Briffault, 1996).6 Por esta razão, houve inú-meras tentativas de impor através de leis, especial-mente no âmbito federal, o equilíbrio orçamentá-rio. Todas, porém, falharam. Pode-se mesmoidentificar um padrão que perdurou no período:medidas eram anunciadas para reduzir o déficit,algumas implementadas, mas o resultado era sem-pre a expansão crescente do déficit.

Em 1981, por exemplo, a proposta orçamen-tária original de Jimmy Carter apresentava um dé-ficit de 16 bilhões de dólares. Ela foi negociadacom o Congresso que aprovou uma peça orça-mentária com números invertidos: não mais defi-citária, e sim superavitária, em exatamente 16 bi-lhões de dólares. Todavia, o que aconteceu, narealidade daquele ano, foi um déficit que chegoua 74 bilhões de dólares.

Também no governo conservador de Rea-gan, a despeito dos cortes orçamentários e do cli-ma ideológico de déficit hysteria, as tentativas deequilibrar o orçamento foram igualmente fracassa-das.7 O exemplo mais significativo é a Lei de Equi-líbrio Orçamentário e de Controle Emergencial doDéficit, de 1985 (conhecida com o nome de seuspropositores, Gramm-Rudman-Hollings Law). Valetranscrever aqui a descrição do cenário político no

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 79

Page 6: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

qual esta lei foi elaborada, e que acabou levandoao seu completo fracasso:

A lei foi um subproduto de um prolongado im-passe entre o executivo e o legislativo. O que opresidente e o Congresso não conseguiam acor-dar seria feito através de um processo automáticode cortes orçamentários. Pelo menos este era oespírito da lei, embora não tenha funcionadocomo previsto. Se o corte era automático, nadamais o era: os objetivos poderiam ser mudados;falsas poupanças poderiam substituir as reais; gas-tos poderiam ser debitados em anos anterioresetc. Em período de extenso conflito orçamentário,os dois poderes concordavam em apenas umacoisa: é melhor mentir sobre o orçamento do queengolir a pílula amarga de redução do déficit(Schick, 1993, p. 207).

Nos anos 90, as tentativas de equilibrar o or-çamento continuaram, mas foram também contor-nadas através de inúmeras brechas legais e argu-mentos de exceção. Com isso, o déficit cresceumuito, passando de 79 bilhões, em 1981, para 290bilhões de dólares, em 1992. Até 1995, a dívidapública representava cerca de 70% do PIB ameri-cano. Somente na segunda metade dos anos 90, éque o déficit passou para 50% do PIB (ou seja, 3,6trilhões de dólares). Isso se deu graças à recupe-ração econômica; mas contou muito a habilidadedo presidente Clinton em conseguir manter, mes-mo em período de crescimento da arrecadação,políticas de corte orçamentário (Briffault, 1996).

O endividamento nos governos estaduais: limita-ções constitucionais e controle pelo mercado

Nos governos estaduais, existem restriçõesao endividamento e ao déficit público em quasetodas as constituições. Em alguns Estados (comoIndiana e West Virgínia) é proibido qualquer tipode endividamento. Em outros, há diferentes níveisde restrições: o Arizona, por exemplo, estabeleceum teto de 350 mil dólares, e a Constituição deGeórgia limita a dívida a 10% das receitas. Alémdisso, para se endividar, os Estados precisam, demodo geral, da aprovação em referendo popularou de voto supermajoritário, com aprovação emambas as câmaras (Briffault, 1996).8

Apesar das restrições, os analistas têm mos-trado que os governos subnacionais desenvolve-ram vários mecanismos pelos quais burlam siste-maticamente as normas constitucionais: um dosmais importantes é a criação de empresas semi-in-dependentes para realizar obras públicas atravésdo lançamento, no mercado, de títulos não garan-tidos (isto é, não lastreados em recursos orçamen-tários). São as chamadas OBEs (Off-Budget Entre-prises) que existem aos milhares, espalhadas emtodo o país. Elas operam na construção de aero-portos, estradas, pontes, zoológicos etc., e têmcomo fonte principal de recursos a renda advindada exploração dessas obras, que também funcio-nam como garantia para os credores. Se esta “so-lução” gera recursos adicionais (extra-orçamentá-rios) para obras e investimentos em geral, semelevar a carga tributária, ela tem implicações polí-ticas que podem comprometer a própria ordemdemocrática. Arrecadando grande quantidade derecursos não contabilizados no orçamento, estasempresas acabam funcionando completamentefora do controle do legislativo, dirigidas por exe-cutivos não eleitos e, portanto, não responsáveisperante a população (Granof, 1984; Briffault,1996; Endersby e Towle, 1997).

Na verdade, segundo vários autores, a histó-ria das restrições constitucionais ao endividamen-to público nos Estados americanos constitui-se deuma longa crônica de magias ou artimanhas, ado-tadas pelos governos para realizar empréstimos,ao mesmo tempo em que procuram convencer ostribunais de que tais atos não são inconstitucio-nais. Dessa forma, a dívida pública dos Estadosamericanos também cresceu muito nas últimas dé-cadas: passou de 21 bilhões de dólares em 1962para 372 bilhões em 1992, ou seja, de 1,5% paramais de 6% do PIB (Briffault, 1996, p. 59). Comoos governantes não são penalizados e não há dis-positivos automáticos para cortar gastos em situa-ções de déficit, as restrições legais têm pouca efi-cácia para controlar o endividamento.

Dada a insuficiência das restrições constitu-cionais e legais para reduzir os déficits dos gover-nos subnacionais, estudos apontam as condiçõespolíticas que afetam de forma mais decisiva o de-sempenho fiscal desses governos. Também no

80 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 7: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

âmbito subnacional a condição de o governo serdividido ou unificado tem muita importância.

Estados em que um partido controla ao mesmotempo o executivo e o legislativo são mais pro-pensos a responder mais rapidamente a déficitsinesperados do que aqueles com governos dividi-dos (Poterba, 1994, p. 818).Governos unificados em Estados que, por regralegal, não podem carregar déficit de um ano fis-cal para outro, reagem mais rapidamente aos cho-ques de receitas e, portanto, apresentam menosdefasagem no tempo entre superávits e déficits(Alt e Lowry, 1994, p. 812).

Em suma, mesmo considerando que o siste-ma americano funcione sob governo dividido –como já se disse, divided we govern (Mayhew,1991) –, o que interessa realçar aqui é o fato deque a efetividade do controle dos déficits públicosé muito afetada pela ausência de coesão governa-mental (Brady e Volden, 1998).

Na ausência de coesão governamental, omecanismo que parece mais eficiente para contro-lar os déficits e o endividamento dos governossubnacionais nos Estados Unidos é o mercado detítulos públicos. Não havendo socorro por parteda União (como no Brasil, até antes da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal), os governos subnacionaisprecisam apresentar uma situação financeira sau-dável para obter empréstimos no mercado, sobpena de não ter crédito. Um analista indica comprecisão:

Se os governos dos Estados tomam empréstimosexcessivos, os credores se recusam a emprestarmais. Estados e municípios arriscam-se a situa-ções de falência que o governo nacional podeevitar simplesmente imprimindo moeda (Peter-son, 1995, p. 3).

A experiência da cidade de Nova York, du-rante a crise fiscal dos anos 70, é bastante ilustra-tiva: tendo durado mais de dez anos, sua soluçãoenvolveu longas e difíceis negociações entre ban-cos credores, fundos de pensão e sindicatos defuncionários públicos, o governo do Estado deNova York e consultores independentes encarre-gados de gerir a massa falida da cidade. A União,

só a muito custo e depois de vários anos de im-passes, concordou em conceder algum emprésti-mo (Shefter, 1985).

Diferentemente do Brasil, onde as emissõesde títulos públicos têm sido proibidas, o mercadodesses títulos nos Estados Unidos é bastante dinâ-mico e vem crescendo muito nas últimas décadas.Em 1997, por exemplo, havia mais de 58 mil go-vernos (Estados, municípios e condados) venden-do algo em torno de 1,5 milhão de títulos e mo-vimentado mais de 1,3 trilhão de dólares (Zipf,1995). Se até a década de 70 os bancos e compa-nhias de seguro eram os principais compradoresdesses títulos, mais recentemente os investidoresprivados absorvem mais de 70% deles. Com a ex-pansão deste mercado e especialmente depois dodefault dos títulos da cidade de Nova York, oCongresso aprovou novas regras para controledesse mercado e criou agências especiais para suafiscalização (Shefter, 1985). Também foram esta-belecidas empresas que classificam os riscos dosdiferentes títulos públicos, funcionando como im-portante instrumento de controle do endivida-mento público nos governos.

A análise a seguir mostra governos parlamen-taristas experimentando dificuldades comuns aopresidencialismo americano, de governo dividido,para impor a “pílula amarga” do corte de gastos.

Ajuste fiscal em sistemas parlamentaris-tas: Holanda e Suécia

O parlamentarismo de coalizão na Holanda e oinsucesso no equilíbrio orçamentário

O após-guerra na Holanda caracterizou-sepela industrialização e prosperidade econômica,com expansão sistemática dos gastos públicos,que passaram de 34% do produto interno líquidoem 1960 para 58%, em 1980. Todavia, a deteriora-ção das condições econômicas, a partir de mea-dos dos anos 70 (em decorrência principalmenteda oscilação dos preços do gás natural no merca-do internacional), fez com que a carga tributária(impostos e contribuições para o sistema de segu-ridade social) começasse a ser objeto de crescen-te questionamento na arena política do país. É ex-

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 81

Page 8: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

pressiva deste clima a chamada “regra do 1%”,criada em 1975, para impedir que a elevação dacarga tributária ultrapassasse o nível anual de 1ponto percentual. Ao mesmo tempo, foram elabo-radas restrições severas ao gasto público com oobjetivo de estabilizá-lo e reduzir os crescentesdéficits fiscais.9

As metas orçamentárias, porém, não foram al-cançadas: com o declínio da atividade econômica,a expansão do desemprego e a quebra de práticasde negociação coletiva, os déficits continuaram acrescer, alcançando 7,5% do produto interno noinício dos anos 80. Juntamente com a crise econô-mica e fiscal, a situação política apresentou, no pe-ríodo, grande instabilidade governamental, comgabinetes parlamentares que duravam apenas algu-mas semanas. A fraqueza do governo de centro-es-querda que se sustentava em frágil maioria parla-mentar e sua incapacidade de manter-se coesofizeram com que a crise econômica se desdobrassediretamente em dificuldades orçamentárias e naimpotência dos políticos de efetivar suas propostasde equilíbrio das contas públicas Apesar da auste-ridade das regras orçamentárias e dos controles es-tritos, o governo foi incapaz de atingir o ajuste. Ne-nhum dos planos orçamentários (ou suas revisões)foi implementado como previsto.

Com o déficit público já alcançando a casados 12% do produto interno, um governo de coa-lizão centro-direita foi estabelecido no país, a par-tir de 1982. Este tentou colocar em ação um pro-grama de cortes sistemáticos de gasto públicocom o objetivo de reverter seu crescimento inces-sante. A mudança mais significativa ocorrida noperíodo foi a suspensão da indexação de benefí-cios sociais e dos salários dos funcionários públi-cos. Todavia, a despeito dos cortes, os resultadosfiscais também foram limitados.

Segundo analistas, a política fiscal dessa coa-lizão de direita, que governou a Holanda até o fi-nal da década de 80, fracassou não só por reveseseconômicos. Além da elevação da dívida públicae, conseqüentemente, das despesas de juros (jáque a estratégia adotada para o ajuste fiscal tinhasido gradativa), fatores de ordem político-institu-cionais mostraram-se decisivos. As regras eleito-rais (tais como a combinação relativamente rara

de lista nacional e representação proporcional) di-ficilmente permitiam a um partido ter maioria par-lamentar, tornando inevitáveis as coalizões multi-partidárias; além disso, certas condições políticasigualmente dificultaram a coordenação do proces-so de controle orçamentário. A natureza do gover-no de coalizão impediu que o objetivo de equilí-brio orçamentário fosse perseguido de formavigorosa e segura. A estratégia gradualista adota-da na condução da política de redução do déficitexprimiu de forma clara tal dificuldade. Os parcei-ros da coalizão de centro-direita (DemocratasCristãos e Liberais) não conseguiam estabelecer emanter prioridades entre objetivos conflitantes:pretendiam, ao mesmo tempo, reduzir o déficitpúblico e cortar impostos; oscilavam entre essasmetas, sem se comprometer com uma orientaçãodeterminada. Os conflitos entre prioridades acen-tuaram-se especialmente nos períodos eleitorais,levando à reversão das metas fiscais. Como ocor-reu nos governos de centro-esquerda, as dificul-dades de impor perdas e de estabelecer firme-mente prioridades fizeram com que os recuos naspropostas ou nos planos orçamentários fossemigualmente freqüentes em todo o período do go-verno de coalizão centro-direita.

Em suma, esta breve incursão pela situaçãopolítica e fiscal da Holanda dos anos 80 indicaque, depois de longa batalha contra o déficit pú-blico, os resultados apresentados pelos governosde coalizão foram muito limitados. A década seinicia com um governo de centro-esquerda anun-ciando pacotes de austeridade, com congelamen-to de salários e planos de corte de gastos públicosque lhe custaram a perda do poder dois anos maistarde, e termina na mesma situação fiscal. Depoisde um interregno de mais de sete anos, em que acoalizão de centro-direita também não conseguiuresolver seus problemas fiscais, os partidos decentro-esquerda voltam ao poder, sem consegui-rem, contudo, acabar com os déficits crônicos esua pesada carga para a sociedade.

Por fim, pode-se apontar que a maior auto-nomia adquirida pelos governos na gestão dosprogramas de austeridade fiscal, dos anos 80, im-plicou o enfraquecimento das estruturas corpora-tivas e o rompimento do pacto social que havia

82 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 9: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

permitido, no pós-guerra, a partilha dos frutos daprosperidade econômica entre capitalistas e traba-lhadores. Uma vez que o governo ficou menoscapaz de mobilizar sindicatos e associações patro-nais e de gerar consenso político – condiçõesessas fundamentais para implementar a agendafiscal –, o ajuste tornou-se, assim, ainda mais difí-cil (Wolinetz, 1989).

Parlamentarismo com partido dominante: dificul-dades e sucesso do ajuste fiscal na Suécia

Como nos Estados Unidos e na maioria dospaíses industrializados, o final dos anos 70 tam-bém trouxe graves crises fiscais para a Suécia. Es-tas colocaram em cheque a combinação peculiarde igualitarismo socialista e produtividade empre-sarial (a chamada “via” sueca de capitalismo) econduziram à derrota eleitoral da social democra-cia, principal arquiteto deste modelo. Como é co-nhecido, o Partido Social Democrata sueco (SAP),depois de governar o país por mais de 40 anos,foi derrubado por uma coligação de três partidosde direita, em 1976. Mesmo sustentando-se embase parlamentar frágil e a despeito de sua gran-de instabilidade (um governo por ano, em média),a coalizão de direita permaneceu no poder porseis anos (até 1982) e pôs em prática políticas deredução do déficit público.10

Entretanto, como já sintetizado, os partidosde direita estavam no lugar errado, na hora erra-da: eles não conseguiram, como pretendiam, des-montar o sistema de Welfare state, reduzir o tama-nho do Estado e fazer o mercado funcionar semintervenção. Para ativar a economia e garantir opleno emprego (sob pressão da oposição socialdemocrata), tiveram de ajudar setores industriaisem declínio, gastando em subsídios enormes so-mas que, em 1979, atingiram 5% do PIB. Tampou-co puderam se desvencilhar de gastos sociaiscomprometidos anteriormente, tais como a redu-ção da idade para aposentadoria, a extensão depensões etc.

Incapaz de realizar cortes orçamentários, ogoverno dessa coalização adota a estratégia deelevar mais lentamente os gastos públicos, reajus-tando as dotações para os órgãos governamentais

abaixo da inflação. Sem elevar a carga tributária,esperava-se que a redução do déficit ocorresse aolongo de alguns anos, não produzindo perda nemdrásticas mudanças nas diversas políticas públicas.

Esta estratégia gradualista mostrou-se, toda-via, duplamente desastrosa. De um lado, como naHolanda, foi completamente ineficaz, pois o défi-cit continuou aumentando, passando para quase13% do PIB; a dívida pública cresceu mais de146% em apenas três anos (entre 1979 e 1982) eas despesas com juros duplicaram no mesmo pe-ríodo. De outro lado, os cortes de despesas mos-traram-se politicamente desastrosos para a coliga-ção governamental, fazendo com que ela fossederrotada pela social democracia que retomou opoder em 1982.

Tendo amadurecido nos seis anos em queesteve fora do poder, o partido social democratapôde colocar em prática uma nova estratégia degoverno, na qual seus ideais igualitários foramequilibrados com as exigências de austeridadefiscal. A política de desvalorização da moeda (nú-cleo central de seu programa contra a crise) pos-sibilitou a retomada econômica, trazendo vanta-gens imediatas para as firmas suecas no comércioexterior. Ela permitiu também a redução dodesemprego e o conseqüente aumento na arreca-dação de impostos. Diferentemente das desvalori-zações anteriores efetuadas pelos governos de di-reita, a desvalorização de 1982 foi negociada comos trabalhadores, permitindo ao governo socialdemocrata não repor integralmente (através de in-dexação) as perdas nos salários e pensões. Ascompensações só vieram posteriormente, com aretomada de programas e de benefícios sociaiscortados pela direita, através da elevação de im-postos. Também diferentemente da política decortes espasmódicos adotada pelo governo ante-rior, a estratégia da social democracia baseou-seem uma única e drástica medida: desvalorizaçãocambial sem compensação imediata das perdas derenda dos trabalhadores. Em seguida, reajustougradualmente os salários e retomou os benefíciossociais, à medida que as receitas orçamentáriasiam crescendo com a recuperação econômica e amaior arrecadação de impostos. Em poucas pala-vras, os sociais democratas suecos usaram, nesse

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 83

Page 10: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

momento, a conhecida fórmula maquiavélica: fi-zeram o mal de uma única vez e distribuíram obem em pequenas doses.

O que interessa destacar aqui na bem-suce-dida experiência de ajuste fiscal da Suécia – quechega ao final da década de 80, diferentemente daHolanda, com superávits fiscais – é a situação decoesão do governo, comandado pelo Partido So-cial Democrata. Como já se indicou, este partidoexperimentou na Suécia uma situação de prolon-gada hegemonia política (Heclo e Madsen, 1987;Pontusson, 1994). Enquanto durou, tal situação decoesão deu ao governo capacidade de estabelecere manter claras prioridades: sem abrir mão do nú-cleo central da proposta social democrata de ple-no emprego e mantendo as conquistas sociais, oajuste fiscal foi feito, não pelo lado do corte degastos, mas sobretudo pelo lado da elevação dasreceitas (através da velha receita keynesiana deestímulo à retomada econômica e aumento dacarga tributária).

Todavia, como se pode imaginar, tal escolhateve seus custos econômicos e políticos: emborao desemprego tenha permanecido baixo, a infla-ção elevou-se e o nível de crescimento econômi-co da Suécia no começo da década de 90 foi beminferior à média dos países da OECD. Com isso, asituação política para o governo social democratatambém se deteriorou: sua coesão interna foi que-brada, gerando cisão entre os grupos mais favorá-veis às bandeiras tradicionais e os adeptos da ter-ceira via e a perda de apoio de partidos aliados,como o comunista.11

Em outras palavras, embora tenha sido bem-sucedido em equilibrar o déficit orçamentário emanter níveis relativamente elevados de emprego,o SAP não conseguiu lidar com outros objetivosnacionais, tais como inflação e redução da cargatributária, o que acabou lhe custando a derrotaeleitoral, novamente, no início dos anos 90. Mes-mo que tenha conseguido voltar ao poder em1994, é relevante frisar os custos políticos que agestão das crises fiscais dos anos 80 impuseram àsocial democracia na Suécia: a redefinição de seusideários e a ruptura de uma situação de hegemo-nia política que havia durado várias décadas.

Ajuste fiscal no Brasil: restrições legais aoendividamento e coesão governamental

O contexto macroeconômico do ajuste fiscalSe as causas da crise fiscal dos anos 80 no

Brasil remontam a fatores econômicos estruturais,ligados ao esgotamento do modelo de financia-mento externo, e ainda ao padrão de relações fe-derativas existentes no país (Sallum Jr. e Kugel-mas, 1993; Affonso, 1995; Abrucio e Costa, 1998),é bem conhecido que o agravamento das contaspúblicas decorreu em grande parte da elevação dataxa de juros, imposta pela implementação do Pla-no Real.

No início de 1998, por exemplo, o conjuntodo setor público brasileiro (incluindo governo fe-deral, governos estaduais, municípios e empresaspúblicas) pagava juros que representavam cercade 3,5% do PIB. Depois da crise do final de 1998,este percentual passou para mais de 7% e hoje ul-trapassa 10%. O total da dívida pública que repre-sentava no início de 1998, 35,8% do PIB, alcançouquase 50% no final de 1999 e está agora em tornode 53% (Relatórios do Banco Central e Informa-ções FIPE, n. 248, maio de 2001). Os efeitos docrescimento dos juros têm sido desastrosos não sópara indivíduos e empresas, mas sobretudo paraos governos subnacionais. Entre 1990 e 1995, osdébitos destes governos cresceram 150%, em de-corrência principalmente da elevação da taxa dejuros. No final de 1997, eles já acumulavam umdébito de 97 bilhões de dólares. Antes das nego-ciações com a União que desembocaram na fede-ralização de suas dívidas, 22 Estados deviam maisdo que um ano de arrecadação.12

Assim, o crescimento da dívida pública tor-nou o equilíbrio fiscal um dos componentes cen-trais da agenda de estabilidade monetária e de re-forma econômica do governo FHC. Todavia, alémde razões internas, o equilíbrio das contas públi-cas impõe-se sobretudo pela necessidade de inte-gração do país aos mercados financeiros interna-cionais. Em uma era de economia globalizada épreciso oferecer, a despeito dos enormes custossociais e do comprometimento do próprio desen-volvimento econômico, credibilidade e baixo ris-co para atrair capitais externos. Como se sabe, o

84 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 11: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

peso da dívida pública em relação ao PIB é o ín-dice que os investidores estrangeiros levam emconta para avaliar a “confiabilidade” no país.Diante das dificuldades econômicas internas,agravadas com a recente crise energética e dasincertezas políticas, relacionadas às eleições dopróximo ano, os investidores e especuladores es-trangeiros têm intensificado as pressões para a ge-ração de maiores superávits primários, garantindomenores riscos para seus capitais. Desse modo, ageração de superávits primários torna-se o objeti-vo central da agenda fiscal do governo.13

A solução do problema fiscal é particular-mente difícil devido ao padrão de relações intergo-vernamentais existente no país. De um lado, aConstituição de 1988 deu aos governadores e pre-feitos autonomia para “fixar alíquotas de impostos,definir estruturas administrativas, fixar salário, apli-car livremente os recursos próprios e as transferên-cias que recebem da União”. De outro, os Estadose municípios caracterizavam-se, até muito recente-mente, por um comportamento fiscal irresponsá-vel, endividando-se sem condições de pagamentoporque sabiam poder transferir, no final, suas dívi-das para a União, através de negociações para “ro-lar” tais débitos. Entre 1988 e 1998, por exemplo,houve sete acordos de negociação das dívidas en-tre Estados e União. A maioria deles não foi cum-prida pelos Estados que, aliás, não receberam ne-nhuma punição por isso (Werneck, 1998).

Nesta moldura político-institucional queemergiu com a democratização do país e deugrande força política aos governadores, os proble-mas de financiamento dos governos estaduais pu-deram ser contornados, por mais de uma década,através de três fontes alternativas de recursos: a)receitas extraordinárias geradas pelo chamado“imposto inflacionário” (oriundo tanto de reajustesda folha de pessoal em níveis inferiores à taxa deinflação, quanto do prolongamento dos prazos depagamento de credores); b) uso dos bancos esta-duais como mecanismo (não legal) de “quase-emissão” de moeda, ou seja, através de práticasreiteradas de empréstimos não saldados junto aessas agências financeiras, cujos dirigentes eramnomeados (e, portanto, controlados) pelos pró-prios governadores; e c) por fim, a já mencionada

postergação ou renegociação continuada do paga-mento das dívidas com a União.

Todavia, em 1994, abre-se uma nova etapanas relações intergovernamentais no Brasil (Abru-cio e Costa, 1998). Com a estabilização monetária,o fortalecimento do governo federal e da autori-dade do Banco Central (Sola, Garman e Marques,1997), os governos estaduais perderam aquelasfontes alternativas de receitas: não só o “impostoinflacionário” desapareceu, mas igualmente osbancos estaduais foram, em sua grande maioria,liquidados ou privatizados. Também suas dívidasforam, de novo, renegociadas, mas, agora, comimposição de punições para os governos que nãocumprissem com os acordos. Cabe observar que ouso irregular dos bancos estaduais por parte dosgovernadores contou durante muito tempo com acomplacência do Banco Central. Afinal, como jáse indicou, o governo federal precisava, paraaprovação de sua agenda política no Congresso,do apoio dos governadores que controlavam abancada parlamentar de seu Estado.14

As restrições legais ao endividamento públicoNeste quadro de constrangimentos fiscais e

de tensões federativas, observa-se, ao longo dosanos 90, a tendência de o Congresso brasileiro le-gislar em favor da redução das possibilidades deendividamento público. O Senado, em particular,tem desempenhado papel de destaque nesse pro-cesso. Diferentemente do modelo descentralizadodos Estados Unidos, no Brasil, o Senado Federaltem poder constitucional de estabelecer limites econdições de endividamento para União, Estados,municípios e empresas públicas. Conforme o ar-tigo 52 de Constituição, todos os governos devemobter prévia autorização desta casa legislativapara emitir títulos públicos ou contratar qualqueroperação de endividamento no mercado internoou externo. Na verdade, está é a atividade legis-lativa exclusiva mais importante do Senado brasi-leiro. Conforme levantamentos, mais de 80% desuas resoluções, emitidas entre 1989 e 1998, refe-rem-se a autorizações ou ao reescalonamento dedívidas dos três níveis de governo e das empre-sas públicas.

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 85

Page 12: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

O processo de autorização de endividamen-to funciona do seguinte modo: depois de obter aaprovação do respectivo poder legislativo, cadagoverno apresenta um pedido ao Banco Centralque o examina do ponto de vista técnico e enviaum parecer conclusivo para a Comissão de Assun-tos Econômicos (CAE) do Senado, recomendandoou rejeitando a autorização. A CAE – composta de27 senadores, escolhidos na mesma proporção darepresentação partidária no plenário – tem papeldecisivo no processo decisório, já que não há ca-sos de rejeição de suas deliberações pela casa.

Com relação à produção legislativa de con-trole do endividamento público, cabe indicar quejá em 1993 foi promulgada a Emenda Constitucio-nal n. 3 que, por seis anos, só permitiria a emis-são de títulos públicos por parte de Estados emunicípios para o refinanciamento de dívidas an-teriores; e estabelecia, como única exceção, o fi-nanciamento para pagar precatórios judiciais, istoé, dívidas de particulares contra o poder públicodecididas em juízo. Como emitir títulos públicospara pagar precatórios significava, na prática, criaruma dívida nova, essa foi a única brecha deixadapela legislação para o financiamento dos gover-nos subnacionais. Ela foi usada, ao máximo, comofonte “adicional” de financiamento público. E per-mitiu, inclusive, muita irregularidade, objeto defarta cobertura da imprensa, levando à instalação,em novembro de 1996, da Comissão Parlamentarde Inquérito (CPI).

Os escândalos acerca da emissão irregular detítulos precatórios mostraram a profunda crise fi-nanceira em que se encontravam muitos governossubnacionais. Todavia, é preciso reconhecer queestes puderam agir assim porque sabiam que aelevada inflação dificultava sua percepção e fisca-lização e contavam com a conivência das autori-dades encarregadas do controle do endividamen-to. O próprio relatório da CPI indicou que osTribunais de Contas dos Estados, o Banco Centrale o Senado não estavam exigindo, como condiçãoprévia para autorizar a emissão de um novo títu-lo, a comprovação do valor das parcelas efetiva-mente pagas de títulos precatórios, nem tampou-co controlavam o índice de correção monetáriaaplicados aos mesmos.15

Se até o momento, a CPI não resultou na pu-nição dos envolvidos na emissão irregular de títu-los precatórios, teve, contudo, um efeito impor-tante: gerou a produção de regras cada vez maisrestritivas para o controle do endividamento pú-blico no país.16 Assim, em setembro de 1997, foisancionada a lei n. 9.496/97 que estabeleceu cri-térios rígidos para que a União refinanciasse a dí-vida pública mobiliária dos Estados e do DistritoFederal. Em julho de 1998, o Senado baixou a Re-solução 78/98, ainda mais rigorosa, que se tornouum marco de referência na consolidação das con-dições institucionais para o controle do endivida-mento público no país. Entre as modificaçõesmais importantes trazidas por esta resolução, cabedestacar: o Banco Central não mais encaminharáao Senado Federal pedido de autorização de en-dividamento de governo que possua resultadoprimário negativo; os Estados ficam impedidos deconceder isenção fiscal sobre o ICMS se preten-dem pedir autorização para financiamento; ficamproibidas as operações ARO (Antecipação de Re-ceita Orçamentária) no último ano de mandato ea emissão de novos títulos públicos por parte dosgovernos subnacionais que tiverem sua dívidamobiliária refinanciada pela União. Também fo-ram estabelecidas medidas visando uma maiortransparência nas operações de crédito, tais comoexigências de leilões eletrônicos na contrataçãode ARO e ampla divulgação pelo Banco Centraldos leilões para a colocação dos títulos estaduaisno mercado.

Pode-se observar que várias das normas pro-duzidas pelo Senado ao longo dos últimos anosserviram de base para a recente Lei de Responsa-bilidade Fiscal, tida como marco no ajuste fiscaldo país. Além disso, elas se caracterizaram peloexcessivo rigor, como a proibição de emissão detítulos públicos por mais de dez anos. Segundo al-guns trabalhos, a expansão do mercado primáriode títulos estaduais e municipais, tal como ocorrenos Estados Unidos, poderia ser uma fonte alter-nativa importante para o financiamento do setorpúblico, pois não elevaria a já muito onerosa car-ga tributária do país (Ferreira, 1998; Toneto Jr. eGremaud, 2000).

86 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 13: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

A lógica da ação do Senado: política e ajuste fiscalEntretanto, apesar das restrições crescentes,

as novas regras não geraram os efeitos desejados,ao menos à primeira vista. Argüindo estar diantede situações excepcionais, os senadores conti-nuaram aprovando quase todos os pedidos deautorização de endividamento que lhes foramapresentados. Dados levantados no Senado, siste-matizados no quadro I, mostram que as autoriza-ções para endividamento oscilaram nos últimosanos em decorrência de vários fatores, não neces-sariamente relacionados às restrições legais. Ouseja, as resoluções mais restritivas não tiveram in-fluência significativa neste movimento. Por exem-plo, mesmo no contexto da já mencionada lei n.9.496 de 1997, o número total de autorizações na-quele ano cresceu quase 20%. No âmbito esta-dual, a proporção foi ainda maior ( de mais 40%),passando de 52 para 75 autorizações concedidas.Em 1998, o número total de autorizações para osEstados e municípios declinou, mas continuou acrescer para a União e, de forma mais significati-va ainda, para as empresas públicas. Em suma, asrestrições legais não foram cumpridas.

Como explicar esta ação? O Senado não es-taria, de fato, comprometido com o ajuste fiscal?Ou trata-se de um comportamento simplesmenteincoerente e irracional dos senadores?

Parece mais apropriado caracterizar o com-portamento do Senado como ambivalente, maisdo que irracional. Se, de um lado, o Senado nãocumpre as regras que ele mesmo estabeleceu, de

outro, há evidências de que está comprometidocom o ajuste fiscal. Na condição de representantede seu Estado na arena política nacional e percor-rendo uma carreira que passa na maioria das ve-zes por cargos executivos, o senador brasileiro so-fre pressões dos governadores que, muitas vezes,foram seus colegas no Senado; ao mesmo tempoque está bastante envolvido com compromissosde governo. Assim, o endividamento, como umadas fontes importantes de geração de recursospara atender demandas sociais inadiáveis, torna-se caminho praticamente irrecusável para um po-lítico, mesmo fazendo parte de um órgão que temcomo função constitucional garantir o equilíbriofinanceiro dos entes federativos.17

Mesmo atendendo às demandas políticas,não se pode negar o comprometimento do Sena-do com o ajuste fiscal. Ele se revela de forma cla-ra na delegação de poder para o Banco Central,efetuada através da Resolução 78/98, conformedestacado anteriormente. Conhecendo a “fraquezada vontade” a que estão sujeitos os senadores pararesistir a pressões vindas dos governadores e deoutros parlamentares, o Senado como que amarrasuas próprias mãos, para utilizar a analogia de JonElster (1979), como na lenda de Ulisses e as se-reias. E transfere para o Banco Central uma porçãoconsiderável de seu poder decisório em matéria deendividamento.18 Através das novas regras que dãoao Banco Central capacidade de emitir parecerconclusivo e de rejeitar, não encaminhando para aCAE, os pedidos que não preencham as condições

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 87

Quadro IEvolução do Número de Autorizações de Endividamento pelo Senado Federal: 1989-1998*

Categorias 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

União 18 9 9 12 10 19 6 11 16 17Estados 34 38 34 30 29 43 31 52 75 57Municípios 14 15 13 25 68 16 9 20 16 9Estatais 12 2 4 1 6 2 2 8 2 10Total 78 64 60 68 113 80 48 91 109 93

Fonte: Senado Federal.

*Estes números referem-se a autorizações para endividamento em bancos estrangeiros, em agências internacionais e

no mercado interno de títulos públicos.

Page 14: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

legais, os senadores acabaram criando um meca-nismo permanente para evitar pressões “irrecusá-veis”, ao mesmo tempo que acolhem as necessida-des de controle do endividamento.19

Além disso, ao estabelecer limites claros parao endividamento, o Senado põe fim a um proces-so altamente politizado, resolvido caso a caso, ecujos custos tornavam-se cada vez mais elevados,especialmente com o crescimento do consensoem torno da necessidade do equilíbrio fiscal. Emoutras palavras, a despolitização dos pleitos decrédito e sua transformação em matéria técnica,de alçada da burocracia do Banco Central, mostracomo a racionalidade política se acomoda com osditames do ajuste fiscal no interior do Senado.

O exame mais detalhado das autorizaçõespara endividamento, posteriores ao ano de 1997,mostra que um número significativo delas ocor-reu, na realidade, como parte do Programa deApoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Es-tados e no decorrer do processo de negociaçãodas dívidas entre União e Estados. Dentro desteprograma, o Senado colaborou com o executivofederal, autorizando a renegociação das dívidasantigas dos Estados, condicionada à privatizaçãodos bancos estaduais e das empresas estatais.Como se sabe, a privatização dos bancos esta-duais tem sido considerada prioritária na agendade ajuste fiscal do governo federal, na medida emque esses bancos foram usados durante muitotempo como alternativa de financiamento dos go-vernos estaduais. Suprimir esta fonte significava,portanto, preencher uma condição fundamentalpara o ajuste das contas públicas.

Segundo os números colhidos na Base deDados da Legislação Brasileira, o Senado aprovou18 autorizações, em 1996, dentro do programamencionado; em 1997, foram 24, representandomais de 30% do total de autorizações concedidaspara os governos estaduais. Em 1998, houve 16autorizações, correspondendo a 28%. Portanto, seelas forem descontadas do total, uma considerávelredução aparecerá: em vez das 75 (ver quadro I),o número de 1997 caiu para 51, e o de 1998, para41. Em outras palavras, as restrições legais acaba-ram sendo cumpridas sob condições políticas es-pecíficas: a barganha entre governo federal e Es-

tados que levou à federalização das dívidas e àimposição de determinadas condições aos gover-nos estaduais.

Outros indicadores servem ainda para refor-çar a argumentação: as restrições e limites impos-tos pela Resolução 78 sobre as operações ARO fi-zeram com que o número delas caísse drastica-mente. Conforme dados do Banco Central, foramautorizadas no ano de 1996 e de 1997, respectiva-mente de 1330 e 1682 operações ARO para Esta-dos e municípios. Só no primeiro semestre de1998, antes da Resolução 78, o número chegou a1227. A partir do segundo semestre de 1998, soba vigência da nova regra, tais operações despen-caram para 46 e, em todo o ano de 1999, elas nãopassaram de 128.

Estes dados são significativos, pois permitemanalisar o comportamento do Senado em perspec-tiva ampliada. Mesmo sensível a pressões advindasdos governos estaduais (politicamente inevitáveis),ele tem se mostrado comprometido com o ajustefiscal. Isso se revela na partilha de nova “cultura deresponsabilidade fiscal”, que visivelmente viraconsenso nos meios políticos e na opinião públi-ca.20 Na verdade, há alguns anos, a bandeira doequilíbrio das contas públicas e da responsabilida-de fiscal vem se tornado tema reiterado do discur-so de parte significativa dos senadores. E isso nãosó entre os líderes da bancada governista.21 Toda-via, o apoio do Senado à agenda fiscal do gover-no revela-se de forma mais acentuada em sua pro-dução legislativa, através das resoluções restritivasao endividamento público. A aprovação conjunta– Senado e Câmara – da Lei de ResponsabilidadeFiscal, em 2000, com rapidez e sem mudançassubstanciais no projeto original do executivo, tam-bém reforça a argumentação. E ainda valida a afir-mação de que o Legislativo no Brasil, diferente-mente do que se costumava pregar, não tem sidonecessariamente um “obstáculo à governabilidade”(Palermo, 2000). Como já se indicou, a despeito daausência de disciplina partidária e da necessidadede negociar continuamente seus projetos, o gover-no atual, mais ainda do que os anteriores, tem tidosucesso na aprovação de sua agenda no legislati-vo, e obtido apoio dos partidos no Congresso (Fi-gueiredo e Limongi, 1999).

88 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 15: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

A coesão do governo FHC em torno da agenda fiscalMesmo considerando que os principais par-

tidos da base de sustentação do governo (PSDB,PFL, PMDB) detenham quase 70% das cadeiras doSenado,22 é importante deixar claro que o apoiodo Senado à agenda fiscal não significou umasubmissão ao executivo, mas envolveu relaçõesde negociação e barganha bem claras entre sena-dores, governadores e União. A delegação de po-der ao Banco Central, por exemplo, ocorreu du-rante as negociações relativas à privatização dosbancos estaduais que criaram o PROES (Programade Incentivo à Redução do Setor Público Estadualna Atividade Bancária), cujo custo para o governofederal chegou a mais de 51 bilhões de reais.Também as privatizações de empresas estatais foicondicionada à ajuda do BNDES.23

Interessa, portanto, destacar aqui que oapoio do Senado ao governo deve ser visto sobre-tudo dentro de um quadro mais amplo de coesãogovernamental em torno do ajuste fiscal. Se o go-verno atual não conseguiu aprovar algumas desuas propostas de reformas, ele pôde, entretanto,construir uma situação relativamente duradourade coesão que lhe tem permitido aprovar aquelasque realmente lhe interessam.24

Além dos superávits primários alcançadosdesde 1999, não só pelo governo federal mas tam-bém pelos subnacionais, as realizações do governona área fiscal envolvem a privatização ou liquida-ção da maioria de bancos estaduais, a renegociaçãodas dívidas dos governos subnacionais, a aprova-ção da Lei de Responsabilidade Fiscal e de regrasmais rigorosas para o endividamento público nopaís. A despeito destas realizações, a agenda fiscaldo governo encontrou um limite claro na derrotade proposta de reforma da previdência social, emvários pontos importantes, especialmente na áreapública.25 Mesmo levando-se em conta as dificulda-des políticas inerentes ao corte de benefícios so-ciais, em qualquer sistema político, a incapacidadedo governo de mudar a estrutura da previdência,especialmente para o setor público que, como sesabe bem, responde por grande parte do déficit nopaís, certamente compromete o ajuste fiscal.26

Na realização da agenda fiscal, vários recur-sos institucionais têm favorecido o governo. As

medidas provisórias certamente são fundamen-tais. Através delas, foram estabelecidas, porexemplo, as condições de privatização dos ban-cos estaduais e as negociações das dívidas públi-cas. Também as resoluções do Senado, como sedestaca neste texto, forneceram ao executivo ins-trumentos importantes para o ajuste das contaspúblicas. Além da delegação de poder para oBanco Central, já mencionada, outras regras esta-belecidas pelo Senado, tais como os limites paraendividamentos futuros – não superiores a umareceita líquida anual –, deram ao governo federalmelhores condições de barganha com os gover-nos subnacionais.

Todavia, além das condições institucionais,enfatizam-se neste texto igualmente as condiçõespolíticas, em particular, o que se denomina coe-são governamental. No processo de coordenaçãodas ações das diferentes partes constitutivas dogoverno em torno do ajuste fiscal, estabelecidocomo consenso, as decisões judiciais também de-sempenharam papel crucial. Nos casos de confli-to entre Estados e governo federal, por exemplo,os tribunais têm decidido em favor deste último,apoiando suas decisões com base na estrutura le-gal constituída pelas medidas provisórias e pelasresoluções do Senado. O caso da moratória dogoverno de Minas Gerais, em janeiro de 1999, foiuma amostra não só de um novo padrão de rela-ções intergovernamentais no Brasil recente,27 mastambém da coesão governamental: desafiadapelo governo mineiro, a União, através da Secre-taria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazen-da, bloqueou as transferências constitucionaispara aquele Estado. E foi sustentada, neste ato,pelo Supremo Tribunal.28 Os tribunais tambémtêm decidido a favor do governo federal em to-dos os processos acionados pela oposição relati-vos à privatização das empresas estatais (Almei-da, 1999).

Assim, no processo de ajuste fiscal, o execu-tivo tem contado não apenas com o apoio do le-gislativo, em especial do Senado, mas tambémcom o respaldo do judiciário. Além disso, ele sevale ainda da atuação importante de sua burocra-cia. O Ministério da Fazenda tem desempenhadopapel crucial na coesão do governo em torno da

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 89

Page 16: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

agenda fiscal ao realizar uma ação de coordena-ção político-administrativa com o objetivo deimpor e difundir a lógica fiscalista para todo oaparato governamental. Além de sua importânciatradicional, comum a qualquer Estado contempo-râneo, especialmente em tempos de dificuldadesfiscais, o Ministério da Fazenda no Brasil tem tidoseu poder ainda mais fortalecido na administraçãoatual. Ele tem sido capaz de controlar os outrosministérios em que os titulares foram nomeadoscomo resultado das negociações para obter apoiono Congresso (Loureiro e Abrucio, 1999). Tal po-der é exercido através da liberação ou retenção derecursos orçamentários por parte da Secretaria doTesouro Nacional (STN), que determina, assim, oritmo da implementação das políticas definidaspor outros ministérios, de acordo com as necessi-dades do ajuste fiscal.29 Como resultado da federa-lização dessas dívidas, a STN (que tambémexerceu papel estratégico no processo de renego-ciação das dívidas dos Estados) centraliza a dívidapública no país e, portanto, todas as informaçõessobre as finanças dos governos subnacionais.Também reforçam o argumento da coesão gover-namental em torno do ajuste fiscal, as resoluçõesde n. 2443 e 2444 de 1997, do Conselho Monetá-rio Nacional (CMN) que, atuando do lado da limi-tação da oferta de crédito ao setor público pelosistema financeiro nacional, complementam asrestrições do Senado, que operam do lado da li-mitação da demanda.

Em suma, mesmo que a lógica política (aí in-cluída a pressão clientelista) muitas vezes se so-breponha à austeridade, a orientação fiscalista,não só entre burocratas, mas igualmente entreparlamentares, tem se afirmado no governo FHCe já produziu – para o bem ou para o mal – efei-tos políticos consideráveis. Se o arcabouço legal –constituído pelas medidas provisórias, pelas Reso-luções do Senado e mais recentemente pela Lei deResponsabilidade Fiscal – é necessário para se al-cançar os resultados fiscais esperados, condiçõespolíticas permitiram que o papel institucional doCongresso e dos tribunais de Justiça funcionassede modo contingente: de potenciais pontos deveto, eles se transformaram em aliados do execu-tivo, pelo menos no ajuste fiscal.

Considerações finais

Muitos afirmam que os sistemas parlamenta-ristas oferecem melhores condições de governabi-lidade, evitando situações freqüentes de paralisiadecisória que caracterizam os sistemas presiden-cialistas. Todavia, os casos aqui apresentados indi-cam que o sistema de governo não é variável ex-plicativa suficiente para o alcance de metas fiscais.

Quando operou em situações de coalizãopartidária, com governos incapazes de imporprioridades entre objetivos conflitantes, o parla-mentarismo não conseguiu alcançar as metas fis-cais propostas, como na Holanda, em todo o pe-ríodo analisado, e na Suécia, durante a administra-ção dos partidos de direita. Acabou gerando, por-tanto, os mesmos resultados de impasse decisóriocomuns ao sistema presidencialista americano,sob governo dividido (Tsebelis, 1997).

Em contrapartida, o governo FHC, sob presi-dencialismo de coalizão, conseguiu realizar oajuste fiscal tanto quanto o parlamentarismo sue-co, sob o comando de um partido dominante. Es-ses são exemplos de coesão do governo em tor-no de prioridades muito claras, o que permitiu al-cançar as metas fiscais, com recursos institucionaisdiferentes e através de instrumentos de políticaspúblicas também distintos.

Com relação às restrições constitucionais elegais ao endividamento público, o que se obser-vou na análise dos Estados Unidos é que elas têmefeitos limitados. Inúmeras leis, impondo cortesorçamentários para o governo federal, não foramobedecidas ou implementadas, e os limites cons-titucionais ao endividamento público nos Estadostêm sido constantemente contornados. Além dis-so, a situação política de governo dividido, quetem caracterizado o cenário político americanonas últimas décadas, inibe ainda mais a capacida-de dos governantes de elevar impostos ou cortargastos, tornando o ajuste fiscal objetivo pratica-mente inatingível, tanto para o governo federalquanto para os estaduais. Portanto, se a estruturainstitucional do presidencialismo americano, decompleta separação de poderes, não favoreceu oajuste, também a situação política exerceu influên-cia decisiva, impedindo que se atingissem os re-

90 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 17: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

sultados esperados durante o período de retraçãoeconômica dos anos 80 até meados dos 90. A par-tir de então, a fortuna e a virtude dos governan-tes permitiram melhores resultados fiscais. A reto-mada econômica e a habilidade política de Clin-ton, de aprovar cortes orçamentários juntamentecom o crescimento da arrecadação tributária, per-mitiram a redução dos déficits.

Nos governos estaduais, o fato de as restri-ções serem continuamente contornadas ou burla-das parece não gerar problemas de déficitsexcessivos, como era comum no Brasil até recen-temente. O mercado de títulos públicos controlao endividamento: não contando com o socorrodo governo federal, os governos subnacionaisque necessitam de empréstimos têm de apresen-tar uma situação financeira saudável para obterdinheiro no mercado. Se não o fizerem, não te-rão crédito.

Assim, o modo de funcionamento do sistemafederativo e do presidencialismo nos Estados Uni-dos gera um sistema de controle do endividamen-to público diferente do que vigora no Brasil. Aqui,como em outros países presidencialistas na Amé-rica Latina (Dillinger, Perry e Webb, 2000), estecontrole se faz por via política e de forma centra-lizada, através de restrições legais cujo cumpri-mento depende da existência da coesão internano governo. Nos Estados Unidos, ele é descentra-lizado e exercido de forma mais efetiva pelomercado. Portanto, a ineficácia das restriçõesconstitucionais e legais não tem tanta importânciano âmbito dos governos estaduais, já que estessão controlados pelo mercado. O problema per-manece para o governo federal, cujos déficits po-dem ser financiados por emissão inflacionária demoeda. Certamente esta é a preocupação que temmobilizado políticos e economistas conservado-res, especialmente em períodos de recessão eco-nômica, levando-os a insistir na idéia de déficitzero e em propostas de emendas à ConstituiçãoFederal para controlar o déficit da União(Briffault, 1996).

Em suma, ao se confrontar o caso brasileirocom o de outros países, procurou-se mostrar queas instituições têm importância, mas não explicaminteiramente o comportamento dos atores e os re-

sultados das ações governamentais. Fatores políti-cos, que não podem ser determinados a priori porestruturas econômicas, sociais ou mesmo institu-cionais, afetam continuamente a ação dos atores,tornando seus resultados sempre contingentes.

NOTAS

1 Considera-se aqui que o governo dividido (ou unifica-do) nos Estados Unidos é uma situação política con-tingente. Mesmo influenciado por regras eleitorais, elepode ocorrer sob o mesmo arranjo institucional.

2 Como será visto mais adiante, os superávits primá-rios, a aprovação da Lei e Responsabilidade Fiscal eoutras medidas necessárias ao ajuste, como a priva-tização de bancos estaduais e regras mais rigorosaspara o endividamento público, são indicadores dacapacidade do governo FHC de impor a prioridadeda agenda fiscal. Isso, independentemente do julga-mento do mérito desta política.

3 Esses dois fatores de coesão governamental serãomencionados apenas no caso brasileiro. Na literatu-ra sobre os demais países, o enfoque recai nas rela-ções entre executivo e legislativo.

4 Além do sistema de governo, a seleção dos casos seorientou por razões de ordem prática, relacionadasà existência nestes países de estudos comparativossobre o tema.

5 É sempre bom lembrar que o sistema americano, apartir da visão madisoniana, não foi construído paraser eficiente, mas para evitar a tirania (Aberbach,1990), enquanto que o brasileiro conserva ainda for-tes traços de centralismo.

6 É importante mencionar que, do ponto de vista ma-croeconômico, a problemática do déficit público as-sume proporções mais graves em países como oBrasil, dada sua maior dependência de capitais ex-ternos e maior nível de exigência de finanças públi-cas “saudáveis” e, portanto, dignas da “confiança”dos investidores externos.

7 Como exemplo desse clima e da manipulação daopinião pública por parte da direita conservadoranos Estados Unidos, pode-se mencionar o relógioda dívida nacional, colocado na Sexta avenida emNova York. O grande painel luminoso mostra aospassantes o crescimento incessante da dívida públi-ca, a cada segundo.

8 Em geral, os governos estaduais podem emitir títu-los públicos sem limitações em caso de guerra e in-vasões. Eles não precisam de autorizações para ob-

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 91

Page 18: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

ter fundos para defesa do Estado. O dinheiro deveser, porém, usado exclusivamente para este fim.

9 As análises e informações utilizadas nesta e na pró-xima seção se baseiam no excelente texto de AllenSchick (1993) sobre o tema.

10 Nos anos 70, o desempenho econômico da Suéciafoi inferior ao de qualquer outro país industrializa-do, menor ainda do que o da decadente Inglaterra.As exportações caíram e sua participação no comér-cio mundial em 1980 foi reduzida em 25%, diantedo que tinha sido dez anos antes. A resposta do go-verno à deterioração das condições econômicas foia elevação dos gastos e do consumo públicos: oemprego público, que representava 21% do empre-go total em 1970, passou para 30% em 1980. Os gas-tos públicos atingiram 62% do PIB no final dos anos70. A combinação de uma economia em declínio egastos públicos em crescimento gerou déficits cres-centes, que giravam em torno de 10% do PIB nesteperíodo (conforme dados do OECD Economic Sur-vey, citados por Schick, 1993, pp. 216-218).

11 Em uma interessante análise sobre a experiência dachamada “terceira via” sueca, Pontusson (1994) in-dica que ela representou o abandono das ambiçõesdo movimento trabalhista dos anos 70. Segundoseus artífices, constituiu-se da combinação de estra-tégias reflacionistas keynesianas com medidas defla-cionistas de cunho liberal. Em consonância com astendências internacionais, a social democracia des-regulamentou os mercados financeiros e eliminougradativamente todo o controle sobre o câmbio aolongo dos anos 80. Também fez uma grande refor-ma tributária, criando uma faixa única de impostospara a maioria dos assalariados. Inspirada ainda nareforma de Reagan, nos Estados Unidos, ampliou oimposto sobre o valor agregado e aumentou a taxa-ção sobre os ganhos de capital. Em suma, na avalia-ção ainda de Pontusson, os sociais democratasdesta terceira via caminharam decididamente na di-reção neoliberal (pp. 211-221).

12 Os gastos com pessoal (ativos e inativos) têm sidooutra fonte importante das dificuldades financeirasdos governos subnacionais. Mesmo com a reduçãodo número de servidores, a folha de pagamento cres-ce constantemente em decorrência de benefícios le-gais automáticos (Beltrão, Abrucio e Loureiro, 1997).

13 Entende-se por superávit primário o resultado posi-tivo entre receita e despesa, excluindo-se o paga-mento de juros. Os superávits primários são consi-derados necessários para a redução do peso dadívida pública ante o PIB. Como resultado de váriosanos de contenção dos gastos e de elevação da car-ga tributária bruta (que passou de cerca de 22% doPIB, em 1994, para mais de 30% do PIB hoje), o se-

tor público vem apresentando superávits primários,nos últimos anos: no primeiro trimestre de 2001, porexemplo, a União e os governos subnacionais gera-ram superávits primários respectivamente de 9,5 bi-lhões de reais (3,8% do PIB) e 5,4 bilhões (1,8% doPIB) (Informações FIPE, 248, maio de 2001).

14 Pode-se citar, como exemplo, a ajuda do governo fe-deral, em 1994, aos bancos estaduais para obterapoio no Congresso e facilitar a articulação da candi-datura de Fernando Henrique Cardoso à presidênciada República. Nessa época, a União comprou títulosdos bancos estaduais, considerados “podres” pelomercado, no valor de 5 bilhões de dólares, ou seja,mais do que o dobro do que foi injetado em todas asinstituições financeiras nos seis anos anteriores (con-forme dados publicados em O Estado de S. Paulo,23/10/1994, apud Abrucio e Costa, 1998, p. 47).

15 Segundo o texto: “O Banco Central e o Senado es-tavam aceitando tudo o que lhes era apresentado,não questionando o valor ou a existência dos pre-catórios listados, nem levantando a possibilidade deque tais débitos já poderiam ter sido pagos. [...]Quanto mais se percebia que o Banco Central e o Se-nado não estavam sendo suficientemente vigilantes,mais se exagerava na correção monetária dos pre-catórios devidos” (Senado Federal, op. cit., p. 44, gri-fo meu).

16 Cabe relembrar que também nos Estados Unidos odefault dos títulos da cidade de Nova York levouo Congresso americano a produzir normas mais ri-gorosas para o controle do endividamento públicono país.

17 Eis o que diz a respeito um dos senadores entrevis-tados: “Quando a solicitação do Estado ou municí-pio está no limite do previsto nas resoluções, na 65e agora na 78, ainda assim há pressão dos governa-dores, dos secretários e parlamentares. Há exem-plos semanais [dessa pressão].”

18 O artigo VII da Resolução 78/98 assim estabelece:“O Banco Central do Brasil não encaminhará ao Se-nado Federal pedido de autorização para a contra-tação de qualquer operação de crédito de tomadorque apresente resultado primário negativo no perío-do de apuração da Receita Líquida Real ou que es-teja inadimplente junto a instituições integrantes doSistema Financeiro Nacional” (grifo meu).

19 São expressivas estas palavras: “Se as matérias so-bre endividamento não são remetidas para o Sena-do, se são triadas dentro do BACEN, haverá menospressões políticas junto aos senadores. É uma atitu-de de auto-defesa, porque se chega ao Senado umpedido de autorização de endividamento, é muitodifícil resistir politicamente às pressões” (Funcioná-rio da CAE).

92 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 19: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

20 Pode-se levantar aqui, a título de hipótese, algunsfatores que podem ter influenciado a formação des-se consenso em torno da responsabilidade fiscalnos últimos anos no país: além do sucesso inicial doPlano Real e das pressões do mercado, exigindomaior “confiabilidade” para os investidores exter-nos, também atuaram nesta direção a emergênciade um certo clima de intolerância contra a corrup-ção e de consciência mais clara dos danos que a in-solvência dos governos podem gerar à sociedadecomo, por exemplo, as conseqüências do não paga-mento de salários a funcionários públicos – greves,deterioração dos serviços públicos etc.

21 Vale a pena transcrever aqui alguns trechos de de-bates ocorridos no Senado desde 1995, que culmi-naram na aprovação da Resolução 78, em julho de1998. Eles revelam bem a tensão entre a lógica po-lítica e a necessidade de impor restrições aos gover-nos subnacionais: “Nem eu nem nenhum dos sena-dores têm interesse em inviabilizar a administraçãopública de nenhum Estado. Agora, precisamos [...]pensar um pouco no país sob seguinte aspecto:quando vamos parar com essa estória de o prefeitopassar a conta para o governador, o governadorpassar para o presidente e este para o povo? Quan-do vamos criar mecanismos de austeridade adminis-trativa nos Estados?” (senador Wilson Kleinübing,Ata da 28ª. Reunião da CAE/Senado Federal,13/9/1995) “[...] Chegou a hora da verdade. Não va-mos mais empurrar problemas com a barriga e nemmandar a conta para a viúva. Ontem nesta sala,quando um senador, meu colega, fazia um discursoe dizia que a União tem que resolver os problemasdos Estados, eu perguntei: ‘Quem vai resolver osproblemas da União?’. Sou representante do Estadode Amazonas, mas sou Senador da República. Nãoposso adotar a posição irresponsável de dizer: man-de para a União e o resto que se dane” (senadorJefferson Peres, Ata da 14ª. Reunião da CAE/SenadoFederal, 16 /6/1998).

22 Na 50ª. legislatura, correspondente ao primeiro man-dato do governo Fernando Henrique Cardoso(1995-1999), as bancadas do PSDB, PFL e PMDB noSenado detinham respectivamente 14,8%, 25,9% e28,3% de senadores.

23 Descrição bem detalhada destas negociações en-contra-se em Abrucio (2000).

24 Se a reforma tributária até hoje não foi levada adian-te no Brasil, isso se deve não à fraqueza do execu-tivo federal, mas, ao contrário, ao seu desinteresseem realizar qualquer mudança que possa alterar ostatus quo e, portanto, reduzir sua participação nobolo tributário. Com relação à reforma administrati-va, pode-se lembrar que também as modificações

do projeto inicial do ministro da Administração eReforma do Estado que levaram à sua descaracteri-zação estão relacionadas ao pouco comprometi-mento do presidente e, conseqüentemente, das lide-ranças governistas com o seu conteúdo.

25 Para alguns autores, o que prejudicou a aprovaçãodo projeto do governo foi a apresentação da propos-ta de reforma do sistema de previdência do setor pri-vado (INSS) com a dos funcionários públicos (Abru-cio e Costa, 1998). Para outros, as dificuldades deaprovação dessa reforma podem ser explicadas pelanatureza mesma da matéria. Como os cortes de be-nefícios sociais implicam custos extremamente ele-vados no presente e ganhos difusos e incertos nofuturo, essas medidas são politicamente inviáveis emqualquer sistema político. Nem mesmo no sistemaparlamentarista inglês, de poder altamente concen-trado, a primeira ministra conservadora MargarethTatcher conseguiu aprovar sua reforma do WelfareState (Pierson e Weaver, 1993; Figueiredo e Limongi,1998, p. 65). Também os casos da Holanda e Suécia,examinados neste texto, revelam as dificuldades en-frentadas por seus gabinetes de coalização para re-duzir os benefícios do sistema de seguridade socialexigidos pelo ajuste fiscal nos anos 80.

26 Segundo os dados da Secretaria do Tesouro Nacio-nal, em 1999, por exemplo, o déficit do INSS era de6 bilhões de reais, enquanto o do sistema de apo-sentadoria dos funcionários públicos das três esfe-ras de governo estava em torno de 38 bilhões dereais. Juntos, esses déficits representavam cerca de5% do PIB.

27 Enquanto no passado os Estados brasileiros se com-portavam como credores soberanos ante a União,para usar expressão de Conklin (1998), neste novoquadro de relações intergovernamentais, eles têmincentivos para pagar suas dívidas, já que os custosda desobediência se tornaram bem mais elevadosdo que os eventuais benefícios.

28 Cabe mencionar que o governo federal também re-cebeu apoio da opinião pública neste caso. O Jor-nal O Estado de S. Paulo, por exemplo, publicou umeditorial com o seguinte título: “As armas do gover-no federal contra os caloteiros” (7/1/1999, p. A3).

29 No primeiro governo FHC, a orientação fiscalista doMinistério da Fazenda foi também difundida para osdemais ministérios de modo informal pela influên-cia sobre o processo de nomeação de grande núme-ro de altos funcionários em outros ministérios, espe-cialmente seus secretários executivos (Loureiro eAbrucio, 1999).

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 93

Page 20: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

BIBLIOGRAFIA

ABERBACH, J. (1990), Keeping a watchful eye. The po-litics of congressional oversight. Washington,D.C., The Brookings Institution.

ABRAMS, B. e DOUGAN, W. (1986), “The effectsof constitutional restraints on governmen-tal spendings”. Public Choice, 49: 101.

ABRANCHES S. (1988), “Presidencialismo de coa-lização: o dilema institucional brasileiro”.Dados, Revista de Ciências Sociais, 3 (1).

ABRUCIO, F. (2000), Os laços federativos brasilei-ros: avanços, obstáculos e dilemas no pro-cesso de coordenação intergovernamen-tal. Tese de doutorado. São Paulo, Uni-versidade de São Paulo, Departamento deCiência Política (mineo.).

ABRUCIO, F. e COSTA, V. (1998), Reforma do Es-tado e o contexto federativo brasileiro. Sé-rie Pesquisas, n. 12, Fundação KonradAdenauer.

AFFONSO, R. (1995), “A questão tributária e o fi-nanciamento dos diferentes níveis de go-verno”, in AFFONSO, R. e SILVA, P. L.(orgs.), A federação em perspectiva: en-saios selecionados. São Paulo, Fun-dap/Unesp.

ALESINA, A. (1989), “Politics and business cyclesin industrial democracies”. Economic Po-licy, 8, abril.

ALESINA, A., ROUBINI, N. e COHEN, G. (1997),Political cycles and the macroeconomy.Nova York, Cambridge University Press.

ALMEIDA, M. H. T. (1999), “Negociando a refor-ma: a privatização das empresas públicasno Brasil”. Dados, Revista de Ciências So-ciais, 42 (3).

ALT, J. e LOWRY, R. (1994), “Divided government,fiscal institutions, and budget deficits: evi-dence from the states”. American Politi-cal Science Review, 88: 811.

AMORIM, O. (1994), “Formação de gabinetes pre-sidenciais no Brasil: coalização versuscooptação”. Nova Economia, Belo Hori-zonte, 4 (1) novembro.

BELTRÃO, R., ABRUCIO, F. e LOUREIRO, M. R.(1997), “Reforma da burocracia pública efederalismo no Brasil: a experiência doPrograma de Demissão Voluntária nosgovernos estaduais. Revista de Adminis-tração Pública, dezembro.

BENAVIE, A. (1998), Deficit hysteria. A commonsense look at America’s rush to balancethe budget. Londres, Praeger. West Port.Connecticut.

BOIX, C. (2000), “Partisan governments, the inter-national economy, and macroeconomicpolicies in advanced nations (1960-1993)”. World Politics, 53 (1), outubro.

BRADY, D. e VOLDEN, C. (1998), Revolving gri-dlock. Politics and policy from Carter toClinton. Boulder, Westview Press.

BRIFFAULT, R. (1996), Balancing acts. The realitybehind state balanced budget require-ments. Nova York, The Twentieth Cen-tury Fund Press.

CAMARGO, A. (1992), A federação acorrentada:nacionalismo desenvolvimentista e insta-bilidade democrática. Caxambu, XV En-contro Anual da Anpocs.

CLIGERMAYER, J. e WOOD, B. Dan (1995), “Di-sentangling patterns of state debt finan-cing”. American Political Science Review,89 (108).

CONKLIN, J. (1998), “The theory of sovereigndebt and Spain under Philip II”. Journalof Political Economy, 106 (3): 483-513.

COUTO, A. e ABRUCIO, F. (1999), Arenas políti-cas e agenda econômica: os caminhosinstitucionais do Real. Texto apresentadono Encontro Anual da Anpocs, Caxambu,outubro.

COX, G. e MCCUBBINS, M. (1992), “Divided con-trol of fiscal policy”, in COX, G. e KER-NALL, S. (eds.) (1992), The politics of di-vided government. Boulder, Westview.

DIÁRIO do Senado Federal (1997), Relatório final.CPI dos títulos públicos. Brasília, agosto.

94 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 21: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

DILLINGER, W., PERRY, G. e WEBB, S. (2000), Ma-croeconomic management in decentrali-zed democracies: the quest for hard budgetconstraints in Latin America. Trabalhoapresentado na reunião da LASA, março.

ELSTER, J. (1979), Ulysses and the sirens. NovaYork, Cambridge University Press.

ENDERSBY, J. e TOWLE, M. (1997), “Effects ofconstitutional and political controls onstate expenditures”. Publius: The Journalof Federalism, 27: 83-98.

EVANS, G. (1997), Red ink. The budget, deficit,and debt of US. government. Londres,Academic Press San Diego.

FERREIRA, I. (1998), A economia política do endi-vidamento público em uma federação.Um estudo comparativo entre o Brasil e osEstados Unidos. São Paulo, Fundação Ge-túlio Vargas.

FIGUEIREDO, A. e LIMONGI, F. (1999), Executivoe legislativo na nova ordem constitucio-nal. Rio de Janeiro/São Paulo, EditoraFGV/Fapesp.

___________. (1998), “Reforma da previdência einsitutições políticas”. Novos Estudos Ce-brap, São Paulo, 51, julho.

GARMAN, C., LEITE, C. e MARQUES, M. (1998),Impactos da relação Banco Central ver-sus bancos estaduais no arranjo federati-vo pós-1994: análise à luz do caso Banes-pa. XXII Encontro Anual da Anpocs, Ca-xambu, outubro.

GIAMBIAGI, F. (1997), “A crise fiscal da União: o queaconteceu recentemente? Revista de Econo-mia Política, 17 (1): 65, janeiro-março.

GOLDTHORPE, J. (ed.) (1984), Order and conflictin contemporary capitalism. Oxford, Cla-rendon Press.

GRANOF, Michael (1984), “A fundamental flaw ofdebt limitations for state and local govern-ments”. Journal of Accounting and PublicPolicy, 3: 293-309.

HECLO, H. e MADSEN, Henrik (1987), Policy andpolitics in Sweden: principled pragmatism.Philadelphia, Temple Univesity Press.

HIBBS, D. (1977), “Political parties and macroeco-nomic policy”. American Political ScienceReview, 71, dezembro.

IVERSEN, T. e WREN, A. (1998), “Equality, em-ployment and budgetary restraint: the tri-lemma of the service economy”. WorldPolitics, 5 (4): 507-546, julho.

LAVER, M. e SHEPSLE, K. (1994), Cabinet minis-ters and parliamentary governments.Cambrigde, Cambrigde University Press.

LELOUP (1980), The fiscal congress legislative con-trol of the budget. Westport/Londres,Greenwood Press.

LINZ, J. e STEPAN, A. (1996), Problems of demo-cratic transitions and consolidation –Southern Europe, South America andpost-communist Europe. Baltimore/Lon-dres, The John Hopkins University Press.

LOUREIRO, M. R. e ABRUCIO, F. (1999), “Políticae burocracia no presidencialismo brasilei-ro: o papel do Ministério da Fazenda noprimeiro governo Fernando HenriqueCardoso”. Revista Brasileira de CiênciasSociais, 14 (41): 69-89, outubro.

MAINWARING, S. (1993), “Democracia presiden-cialista multipartidária: o caso do Brasil”.Lua Nova. Revista de Cultura e Política,São Paulo, 28/29.

MAINWARING, S. e SHUGART, M. (1997), Presiden-tialism and democracy in latin america.Cambrigde, Cambrigde University Press

MAYHEW, D. (1991), Divided we govern: party con-trol, lawmaking, and investigations, 1964-1990. New Haven, Yale University Press.

NICE, D. (1991), “The impact of state policies tolimit debt financing”. Publicus: The Jour-nal of federalism, 21.

PALERMO, V. (2000), “Como se governa o Brasil? Odebate sobre instituições políticas e gestãodo governo”. Dados, 43 (3): 521-558.

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL 95

Page 22: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

PETERSON, P. (1995), The price of federalism. Was-hington, D. C., The Brokings Institute.

PIERSON, P. e WEAVER, K. (1993), “Impossinglosses in pension policy”, in WEAVER, K.e ROCKMAN, B. (1993), Do institutionsmatter? Governmnet capabilities in theUnited States and Abroad. Washington,D. C., The Brookings Institution.

PONTUSSON, J. (1994), “Suécia: depois da idadede ouro”, in ANDERSON, P. e CAMILLER(orgs.), Um mapa da esquerda na EuropaOcidental. Rio de Janeiro, Editora Contra-ponto.

POTERBA, J. (1994), “State responses to fiscal cri-ses: the effects of budgetary institutionsand politics”. Journal of Political Eco-nomy, 102 (4): 799-821.

ROSS, J. (1999), What would a balanced budgetmeans for California? Nova York, TheCentury Foundation.

ROUBINI, N. e SACHS, J. (1989), “Political andeconomic determinants of budget deficitsin the industrial democracies”. EuropeanEconomic Review, 33: 903-938, maio.

SALLUM Jr. e KUGELMAS, E. (1993), “Leviatã acor-rentado: a crise brasileira dos anos 80”, inSOLA, L. (ed.), Estado, mercado e demo-cracia: política e economia comparadas.Rio de Janeiro, Paz e Terra.

SARDEMBERG, C. A. (1998), “Vai precisar de umacrise”. O Estado de S. Paulo, 23. de feve-reiro, p. B2.

SCHICK, A. (1993), “Governments versus budget de-ficits”, in WEAVER, K. e ROCKMAN, B., Doinstitutions matter? Governmnet capabili-ties in the United States and Abroad. Was-hington, D. C., The Brookings Institution.

SHEFTER, M. (1985), Political crisis/fiscal crisis.The collapse and revival of New York City.Nova York, Basic Books.

SOLA, L., GARMAN, C. e MARQUES, M. (1997),Central Banking, democratic governanceand political authority. Seul Korea, XVIIInternational Congress IPSA.

STEINMO, S. (1989), “Political institutions and taxpolicy in the United States, Sweden and Bri-tain”. World Politics, XLI (4): 500-535, julho.

SWENSON, P. (1991), “Bringing capital back in, orsocial democracy reconsidered: employerpower, cross-class alliances, and centrali-zation of industrial relations in Denmarkand Sweden”. World Politics, 43 (4): 513-544, julho.

TONETO Jr. R. e GREMAUD, A. (2000), “Por quenão um mercado de títulos municipais?”.Informações FIPE, 239, agosto.

TSEBELIS G. (1997), “Processo decisório em siste-mas políticos: veto players no presidencia-lismo, parlamentarismo, multicameralismoe pluripartidarismo”. Revista Brasileira deCiências Sociais, 42 (2).

WAGNER, R. (1970), “Optimality in local debt limi-tations”. National Tax Journal, XXIII (3),setembro.

WEAVER, K. e ROCKMAN, B. (1993), Do institu-tions matter? Governmnet capabilities inthe United States and Abroad. Washing-ton, D. C., The Brookings Institution.

WERNECK, R. (1998), “A União e a dívida dos Es-tados”. O Estado de S. Paulo, 13 de junho.

WHITE, J. e WILDAVSKY, A. (eds.) (1988), The de-ficit and the public interest. The search forresponsible budgeting in the 1980s. Berke-ley/Londres, University of California Press.

WILSON, J. Q. (1992), American government. Ins-titutions and policies. 5 ed. Lexington eToronto, D.C., Heath and Company.

WOLINETZ, S. (1989), “Socio-economic bargai-ning in the Netherlands: redefining thepost-war policy coalition. West EuropeanPolitics, 12: 79-98, janeiro.

ZIMMERMAN, D. (1981), “Chief executive and thebudget: controlling the controllers”. Natio-nal Civic Review, 70 (4): 356-360, janeiro.

ZIFP, R. (1995), How the municipal bonds work.New Jersey, Prentice Hall.

96 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Page 23: INSTITUIÇÕES, POLÍTICA E AJUSTE FISCAL O Brasil em … · 2020. 1. 21. · Vargas de São Paulo, ao qual aproveito a oportuni-dade para reiterar meus agradecimentos. Versões preliminares

INSTITUIÇÕES, POLÍTICA EAJUSTE FISCAL: O BRASIL EMPERSPECTIVA COMPARADA

Maria Rita Loureiro

Palavras-chaveInstituições políticas; Restrições le-gais; Coesão governamental; Ajustefiscal; Senado brasileiro.

Neste texto examinam-se as condi-ções institucionais e políticas doajuste fiscal. Mesmo considerandoque as instituições afetam as estraté-gias dos atores e os resultados daspolíticas, supõe-se que o cumpri-mento das regras relativas ao con-trole fiscal dependem igualmente decertas condições políticas contin-gentes, como a coesão governamen-tal. Embora a análise seja centradano Brasil recente, são também con-frontados casos de outros países –Estados Unidos, Holanda e Suécia –que também enfrentaram sérios pro-blemas fiscais nos anos 80.

INSTITUTIONS, POLITICSAND FISCAL ADJUSTMENT:BRAZIL IN COMPARATIVEPERSPECTIVE

Maria Rita Loureiro

KeywordsPolitical institutions; Legal restric-tions; Government cohesion; Fiscaladjustment; Brazilian Senate.

This paper analyzes the institutionaland political conditions of fiscal ad-justment in a comparative perspecti-ve. Focusing mainly on Brazil, it alsoexamines other countries, such asthe United States, Sweden and theNetherlands which faced similar fis-cal concerns in the 1980s. Emphasi-zing the role of legal restrictionsover public indebtedness and defi-cit, the paper shows that they arenot sufficient to reduce deficit orhigh levels of financial debt. In or-der to be enforced, these restrictionsdepend on political conditions, suchas government cohesion.

INSTITUTIONS, POLITIQUE ETAJUSTEMENT FISCAL: LE BRÉ-SIL SUIVANT UNE PERSPECTI-VE COMPARÉE

Maria Rita Loureiro

Mots-clésInstitutions politiques; restrictionslégales; cohésion gouvernementale;Ajustement fiscal; Sénat brésilien.

Dans ce texte, sont examinées lesconditions institutionnelles et politi-ques de l’ajustement fiscal. Même enconsidérant que les institutions af-fectent les stratégies des acteurs etles résultats des politiques, l’auteursuppose que l’exécution des règlesrelatives au contrôle fiscal dépendaussi de certaines conditions politi-ques contingentes, comme la cohé-sion gouvernementale. Malgré le faitque cette analyse soit centrée sur leBrésil récent, des cas issus d’autrespays — États-Unis, Hollande et Suè-de —, qui ont eux aussi affronté desérieux problèmes fiscaux dans lesannées 80, sont également abordés.

RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 181