intelectuales posmodernos

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  O Olho da História, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes O que é ser um intelectual pós-moderno? Uma introdução. Jean Paulo Pereira de Menezes 1  Resumo: Este artigo pretende apresentar algumas contribuições ao debate teórico acerca da modernidade e a invenção da pós-modernidade, apenas no sentido de apontamentos críticos para uma concepção de história e tempo presente imediato na sociedade de classes antagônicas. Palavras-chave: Modernidade  Iluminismo  marxismo e pós-modernidade. Introdução Antes de mais nada, iniciemos apresentando o que é ser um intelectual, para podermos melhor entender o termo substantivado (intelectual pós-moderno). A palavra intelectual passou a ser empregada a partir de 1898 em Paris para se referir a Emille Zola e seus correligionários que buscavam inferir através da crítica no espaço público da política francesa. De início a palavra intelectual foi carregada de uma depreciação, pois os intelectuais de Zola eram entendidos pelo governo francês como alguma espécie de bisbilhoteiros da política do tempo presente 2 . Assim mesmo, o termo intelectual pegou e passou a ser um designativo nada pejorativo, uma vez que o intelectual buscava a preservação dos valores burgueses universais como liberdade, justiça etc. Certamente, dos tempos de Zola até nossos dias, diversos tipos de intelectuais existiram e o conceito também se transformou, principalmente após Marx. E, entre as novas 3  configurações intelectuais podemos observar: o intelectual pós-moderno. Se inicialmente, ser um intelectual era a emblematização de posicionar-se publicamente, valendo-se da isonomia e da isegoria, com o desenvolver da tradição marxista, o posicionamento do intelectual vai alçar vôos mais longos, principalmente após Antonio Gramsci. O conceito de intelectual em Gramsci é muito mais amplo. O intelectual no sentido gamsciano não é necessariamente apenas o palestrante, o literato, os homens das letras diante de seus posicionamentos. Para Gramsci, intelectual é todo sujeito que exerce uma 1  Mestre em História pela FCH/UFGD-MS, Docente do curso de Serviço Social e Pedagogia da Unilago-SP. 2  A história do tempo presente que postulamos é fundada na dialética marxiana como método de entendimento da História. Um instrumento teórico-metodológico que nos possibilitou entender o objeto em uma chave ontológica e não apenas como um objeto empiricamente ao léu do processo histórico das aparências sensíveis. 3  Se pensarmos que muitos dos elementos presentes nos intelectuais pós-modernos já remontam à Kant, seria prudente considerarmos que esse novo não é tão novo como sugere o termo. Muito do que se defende hoje, os pós-modernos, já é velho conhecido da História.

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Sobre qué es un intelectual posmoderno

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  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    O que ser um intelectual ps-moderno? Uma introduo.

    Jean Paulo Pereira de Menezes1

    Resumo:

    Este artigo pretende apresentar algumas contribuies ao debate terico acerca da

    modernidade e a inveno da ps-modernidade, apenas no sentido de apontamentos crticos

    para uma concepo de histria e tempo presente imediato na sociedade de classes

    antagnicas.

    Palavras-chave: Modernidade Iluminismo marxismo e ps-modernidade.

    Introduo

    Antes de mais nada, iniciemos apresentando o que ser um intelectual, para

    podermos melhor entender o termo substantivado (intelectual ps-moderno).

    A palavra intelectual passou a ser empregada a partir de 1898 em Paris para se referir

    a Emille Zola e seus correligionrios que buscavam inferir atravs da crtica no espao

    pblico da poltica francesa. De incio a palavra intelectual foi carregada de uma depreciao,

    pois os intelectuais de Zola eram entendidos pelo governo francs como alguma espcie de

    bisbilhoteiros da poltica do tempo presente2. Assim mesmo, o termo intelectual pegou e

    passou a ser um designativo nada pejorativo, uma vez que o intelectual buscava a

    preservao dos valores burgueses universais como liberdade, justia etc.

    Certamente, dos tempos de Zola at nossos dias, diversos tipos de intelectuais

    existiram e o conceito tambm se transformou, principalmente aps Marx. E, entre as novas3

    configuraes intelectuais podemos observar: o intelectual ps-moderno.

    Se inicialmente, ser um intelectual era a emblematizao de posicionar-se

    publicamente, valendo-se da isonomia e da isegoria, com o desenvolver da tradio

    marxista, o posicionamento do intelectual vai alar vos mais longos, principalmente aps

    Antonio Gramsci.

    O conceito de intelectual em Gramsci muito mais amplo. O intelectual no sentido

    gamsciano no necessariamente apenas o palestrante, o literato, os homens das letras

    diante de seus posicionamentos. Para Gramsci, intelectual todo sujeito que exerce uma

    1 Mestre em Histria pela FCH/UFGD-MS, Docente do curso de Servio Social e Pedagogia da

    Unilago-SP.

    2 A histria do tempo presente que postulamos fundada na dialtica marxiana como mtodo de entendimento da Histria. Um instrumento terico-metodolgico que nos possibilitou entender o objeto em uma chave ontolgica e no apenas como um objeto empiricamente ao lu do processo histrico das aparncias sensveis.

    3 Se pensarmos que muitos dos elementos presentes nos intelectuais ps-modernos j remontam Kant, seria prudente considerarmos que esse novo no to novo como sugere o termo. Muito do que se defende hoje, os ps-modernos, j velho conhecido da Histria.

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    inteleco. Assim, todos os sujeitos so intelectuais. Certamente nem todo sujeito histrico

    exerce uma funo de intelectual na sociedade do trabalho, da mesma forma que nem todo

    mundo exerce a funo de alfaiate ou pedreiro na mesma sociedade do trabalho, porm,

    nem por isso deixam de saberem costurar ou assentarem tijolos eventualmente. Todavia:

    Quando se distingue entre intelectuais e no-intelectuais, faz-se referncia, na realidade, to-somente imediata funo social da categoria profissional dos intelectuais, isto , leva-se em conta a direo sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional especfica, se na elaborao intelectual ou se no esforo muscular-nervoso. Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, impossvel falar de no-intelectuais, porque no existem no-intelectuais. Mas a prpria relao entre o esforo de elaborao intelectual-cerebral e o esforo muscular-nervoso no sempre igual; por isso, existem graus diversos de atividade especfica intelectual. No existe atividade humana da qual se possa excluir toda interveno intelectual, no se pode se parar o homo faber do homo sapiens (GRAMSCI, 1982:07).

    Essas consideraes se fazem necessrias diante da existncia da considervel

    literatura na historiografia brasileira que se assenta no conceito tradicional de intelectual.

    No identificamos uma tradio historiogrfica que se baseie em uma produo a partir do

    conceito proposto por Gramsci sobre os intelectuais. Pelo avesso, localizamos, salvo as

    poucas excees (KONDER, 1991) uma tradio calcada no conceito de intelectuais que

    Gramsci entende como tradicionais. Isso se verifica nos trabalhos de Heloisa Pontes

    (PONTES, 1997 e 1998), Srgio Miceli (MICELI, 2001), Jos Geraldo Vinci de Moraes

    (MORAES, 2001), isso s para ficarmos entre alguns dos emblemticos com alto transito

    entre os historiadores brasileiros. Entendemos que ao trabalharem nesta chave do conceito

    de intelectuais, esses autores tambm estabelecem limites no que tange ao entendimento de

    uma categoria to complexa como essa na sociedade de classes, contribuindo para o

    apartamento da classe de trabalhadores daquilo que construdo e acumulado

    historicamente pelo ser, numa palavra, sua capacidade intelectual.

    A posio epistmica4 do intelectual segue por variados referenciais, do positivismo

    ao ps-modernismo contemporneo, passando tambm pelo esteretipo materialista

    dialtico humanista. Assim, os intelectuais devem ser entendidos como uma massa cinzenta

    heterognea catalisada pelas universidades e outras instituies5, onde representaram a sua

    vontade de poder individual/grupal ao qual pertence, e mesmo a vontade de poder

    individual/coletiva. Ambas representantes de uma sociologia da cincia j que no se limitam

    produo epistemolgica apenas para o bel prazer, pois a fazem conscientes ou

    parcialmente conscientes de que representam um recorte social.

    Evidentemente encontraremos na universidade e demais instituies, uma vasta

    rede de arqutipos de intelectuais. Alguns, despreocupados com a organizao social, seja

    por representarem o recorte que se faz hegemnico da organizao poltico-administrativa

    do Estado, ou, mesmo por estarem confortveis diante de seu niilismo acerca da poltica que

    lhes parece desinteressante sobre o interessante mundo das representaes intelectuais as

    4 O sentido epistmico empregado aqui neste nosso trabalho se refere organizao do

    conhecimento de forma sistemtica. Ao nos referirmos ao campo epistemolgico no o fazemos com pretenses enciclopdicas, limitando-se assim ao referencial da produo e organizao do conhecimento produzido.

    5 Partidos polticos, associaes, sindicatos, etc.

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    quais lhes garantem ttulos e honrarias, alm de um salrio estatal para reproduzirem de

    forma tcnica os elementos favorveis manuteno do grupo poltico que administra a

    coisa pblica. Outros, preocupados com a organizao social e a instrumentalizao de um

    novo grupo hegemnico que venha a substituir a hegemonia vigente do Estado. Referimo-

    nos ao intelectual orgnico de Antonio Gramsci, dotado de um engajamento diferente do

    primeiro e que se pretende capaz de representar o recorte social que no se efetiva no poder

    por no possuir suas ideologias consolidadas na sociedade marginal como um todo.

    Como podemos, a priori, apresentar, a Universidade acaba por se enquadrar ou ser

    enquadrada como uma paisagem de defesa do intelectual orgnico seja ele o da ideologia do

    estado vigente ou daquela que visa busca da hegemonia no atual Estado. Em ambos os

    casos, os intelectuais postulam a representao das massas/classes populares, colocando-se

    em funo de estud-las e apresent-las e mesmo de apresentar a elas o estudo que as

    representa na busca, seja pela manuteno da ordem vigente (que a sntese geral dos

    intelectuais ps-modernos) ou pela luta consciente de classes marginais rumo hegemonia

    de um novo estado de coisas.

    O intelectual substantivado

    Diuturnamente, muito provvel que nos deparemos com os agentes da ps-

    modernidade, seja atravs da literatura, filmes, peas teatrais, jornais, revistas, internet,

    universidades e os relacionamentos sociais do cotidiano.

    O que chamamos de ps-modernidade, mais poderia ser chamado de uma grande

    nuvem cinzenta, com variados tons de cinza. Seria muito difcil e mesmo infantil,

    compreendermos a ps-modernidade como algo homogneo e de fcil identificao coletiva.

    Trata-se de um conjunto de postulaes, nem sempre presente em sua totalidade no

    discurso de todos os intelectuais ps-modernos. O que no inviabiliza a identificao de

    elementos centrais que constituem o paradigma ps-moderno.

    Diante desta inicial problemtica, vejamos mais proximamente alguns desses

    elementos constitutivos do que chamamos aqui de o paradigma ps-moderno: a)- a negao

    da totalidade; b)- a negao das grandes narrativas; c)- a centralidade do objeto; d)- o

    pluralismo metodolgico, e; e)- a defesa da alteridade. Isso s para ficarmos com os mais

    emblemticos elementos constitutivos do pensamento dito ps-moderno.

    a)- A negao da totalidade

    O entendimento de que determinados eventos devem ser entendidos diante de uma

    totalidade complexa abandonado pelo intelectual ps-moderno a favor da micro histria, a

    preocupao com o fenmeno em si. Um texto, por exemplo, deveria ser analisado a partir

    dele mesmo, por si s, uma vez que as conexes de todo o seu processo produtivo lhe

    inacessvel pelo sujeito que empreende tal tipo de trabalho. A essncia do fenmeno livro

    no alada como objeto de investigao por tratar-se de algo que foge as capacidades do

    sujeito, cabendo ao objeto a centralidade da questo.

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    A negao da totalidade implica na produo de um tipo de conhecimento encerrado

    no objeto, sensivelmente captado no cotidiano, detendo-se ao evento e no se preocupando

    com o processo, a totalidade que origina determinados fenmenos. Estuda-se a festa da

    Revoluo Francesa e no o processo revolucionrio. Estuda-se as manifestaes da fome,

    mas no os elementos constitutivos da fome nos corpos humanos. Estuda-se as

    representaes imediatas e no os conceitos fundamentais das coisas.

    b)- A negao das grandes narrativas

    Entendemos as grandes narrativas como propostas de entendimento de determinados

    fenmenos que levam em considerao a longa durao, os fundamentos ontolgicos de

    constituio dos seres e suas relaes diversas. O Intelectual ps-moderno entende que

    grandes narrativas so donas de pretenciosidade e que so incapazes de apreenderem todo

    o processo de longa durao do fenmeno. As grandes narrativas se enquadrariam em

    filosofias da histria, pouco verificveis diante da impreciso de acesso aos fatos pretritos e

    a impossibilidade de objetar o futuro. Certamente, a maioria dos ps-modernos se referem

    aqui, principalmente, aos intelectuais da tradio marxista. A negao das grandes

    narrativas se faz a favor da pequena narrativa, ou seja, da histria micro, da histria do

    cotidiano, do presentismo, do imediato, do relativamente palpvel e do efmero.

    c)- A centralidade do objeto

    Para o intelectual ps-moderno o objeto que detm a centralidade interpretativa,

    pois o sujeito se encontra fragmentado diante da totalidade social, cabendo assim a

    compreenso de que a centralidade est no objeto, de que ele no centralizador, pois ele

    a centralidade, ou ainda, de que a centralidade est nele (objeto).

    A relao entre sujeito e objeto no compreendida como uma relao centrada no

    sujeito histrico. No cabe mais ao sujeito a interpretao da realidade social, pois a

    concepo de realidade est centrada no objeto, sendo inacessvel ao sujeito que no mais

    o portador da centralidade das relaes sociais, perdendo significncia assim para o objeto:

    o novo centro dos significados.

    O objeto fala por si prprio, no sendo possvel ao sujeito a pr-ideao, menos ainda

    a objetivao da coisa em si. Desta maneira, ao identificar a centralidade das relaes no

    objeto, o intelectual ps-moderno tributa ao sujeito um papel, na melhor das hipteses,

    dependente deste na construo da histria. No nos enganemos com essa tal centralidade,

    pois uma mesa no determina as relaes entre os homens, nem mesmo uma goiabeira

    cheia de goiabas produzidas na Argentina. O que determina as relaes sociais, fenomnicas

    ou no, so os prprios indivduos socialmente entendidos, ou seja, no sujeito que se

    encontra a centralidade das relaes sociais. So os sujeitos que realizam o trabalho

    socialmente necessrio para o produto cadeira existir. So os sujeitos que do vida ao setor

    da agricultura que se ocupa da plantao de ps-de-goiabas como produtos que iro para o

    mercado, portanto mercadorias existentes como produto da ao interventiva do sujeito

    diante da natureza.

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    O intelectual ps-moderno reduz a complexidade das relaes sociais de produo em

    nome de uma simplificao do papel do indivduo social na histria quando reconhece no

    objeto a centralidade de todo o processo histrico das relaes sociais. O paradigma ps-

    moderno, aqui, faz mais um grande servio s relaes sociais mistificadas na sociedade

    capitalista. Tira arbitrariamente o papel interventivo do sujeito histrico e a sua capacidade

    de compresso da realidade concreta da qual o personagem fundante. Presta tambm o

    (de)servio ao tirar do sujeito a capacidade de transformao da realidade social plantada na

    explorao de classes economicamente distintas, contribuindo sobremaneira para a

    manuteno do estado de coisas vigente, tais como explorao do trabalho em todo o

    planeta, pois, entender as relaes entre capital e trabalho seria, para o ps-moderno algo

    extremamente pretensioso e fora das possibilidades do sujeito, exceto atravs de uma

    filosofia da histria que associam a uma espcie de religio da modernidade, prometedora do

    paraso terrestre entre os homens (falaremos mais desta questo adiante).

    d)- O pluralismo metodolgico

    Acredita-se que o pluralismo metodolgico a expresso das diversas vises de

    mundo, deixando assim os seus diversos olhares sobre os fenmenos sociais. A pluralidade

    aqui faz coro com o ideal de diversidade que defende a mxima: de que quanto mais,

    melhor, para entender os fenmenos, ou seja, mais rico ser o olhar daquele que observa.

    Uma forma bastante democrtica de se fazer o celebrar das diferenas terico-metodolgicas

    que constituem a histria da humanidade. No se preocupam em identificar a totalidades das

    realmente mltiplas perspectivas tericas e metodolgicas produzidas pelo ser social,

    esquecendo-se aqui, o intelectual ps-moderno, que todo o riqussimo campo das teorias e

    mtodos so as expresses dos momentos histricos vivido pelos sujeitos. Mais uma vez,

    aqui, a postura do paradigma em questo ignora a totalidade e os conflitos dessa totalidade

    socialmente construda. Tal postura contempla a harmonia onde impera o conflito, a ideia

    plural diante do concreto tangido pelo poder das relaes sociais.

    Entendemos que o pluralismo, ao se direcionar s perspectivas tericas e

    metodolgicas, podem gerar um campo complexo e perigoso, onde as perspectivas em jogo

    nem sempre so plausveis de compresso daquilo que se estuda, analisa e edifica

    cognitivamente. Situaes emblemticas como quelas em que se constri em cincias

    histricas, propondo dilogos tericos metodolgicos pouco, ou nada, exequveis, por

    exemplo: Pierre Clastres e Meillassoux; Michael Foucault e Henri Lefebvre, ou ainda, Karl

    Marx e Leopold Von Ranke. Salvo as singularidades de cada momento da trajetria

    intelectual desses autores, coloc-los ou mesmo elenc-los como sinnimos teoricamente e

    metodologicamente, seria um absurdo. S para ficarmos com o primeiro caso, vejamos uma

    anlise de Pierre Clastres sobre Meillassoux e Godelier em 1978, pouco antes do falecimento

    do primeiro autor:

    Tome-se, por exemplo, Meillassoux. Ele seria, dizem, uma das cabeas pensantes (pensantes!) da antropologia marxista. Nesse caso preciso, esforos penosos me so poupados graas anlise detalhada que A. Adler dedicou a uma obra recente desse autor. [...] h algo de Monsenhor Lefebvre nesse homem: o mesmo fanatismo estreito, a mesma alergia incurvel duvida. [...] Mas Meillassoux no o nico, e seria injusto para os outros fazer pensar que ele detm o monoplio do marxismo antropolgico. Por um cuidado de

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    eqidade, convm dar a seus colegas o lugar que merecem. Tome-se, por exemplo, Godelier. [...] Seu marxismo chama a ateno, pois parece menos spero, mais ecumnico que o de Meillasoux. [...] Seria ento um oportunista? Nada disso. um atleta do pensamento, que empreendeu fazer a sntese entre estruturalismo e marxismo. preciso v-lo saltitar de Marx a Lvi-Strauss. (Saltitar? Como se fosse um passarinho? So guinadas de elefante!) (CLASTRES, 1978).

    O caso citado aqui emblemtico das polmicas acadmicas engajadas e ilustra

    bem nossa preocupao como pluralismo metodolgico como um dos elementos da ps-

    modernidade e a maior parte de seus intelectuais.

    Com efeito, nada impossibilitaria o desenvolvimento de um estudo entre deus e o

    diabo e todos os seus seguidores, entretanto, no levar em considerao as mltiplas

    possveis das perspectivas terico-metodolgicas que se postula, poderia, na melhor das

    hipteses, promover uma construo sobre determinados problemas altamente fragilizada.

    Reafirmamos, no se trata de elencarmos perspectivas amigas, mas da necessidade de

    clareza sobre essa questo para que no se redunde na vulgarizao e na teoria do

    relativismo cognitivo presente no paradigma ps-moderno6.

    e)- A defesa da alteridade

    Ciro Flamarion Cardoso (CARDOSO, 2005) apresenta este elemento no campo ps-

    moderno como sendo um artifcio metodolgico para justificar o seu prprio campo: a ps-

    modernidade e o modo de produo vigente.

    O conceito de alteridade, bastante presente entre os trabalhos de cincias humanas de

    carter etno-histricos, nos remete ao relacionamento diante do outro, se identificando ao

    no idntico, ou seja, apresenta-se uma perspectiva de identidade a partir do no ser o

    outro. Diante deste apresentar de palavras trocadas, a ideia de alteridade, mesmo que

    reconhea a existncia do diferente, o entende como parte constitutiva do ser diante desses

    outros o que pode sugerir uma espcie de harmonizao diante das representaes do

    outro, o que por sua vez pode nos levar ao velamento dos conflitos sociais de classe

    antagnicas, pois a pluralidade de outros seria o campo privilegiado da construo da

    identidade do ser.

    Desta forma, o intelectual ps-moderno apresenta-nos um ideal bastante perverso

    diante do concreto, pois esconde com este termo a luta de classes como um dos elementos

    constitutivos da Histria do Ser Social, contribuindo para a manuteno de uma classe

    privilegiada (harmonizadora dos conflitos sociais) ao lado de outra classe, desprivilegiada, na

    sociedade do mercado (receptora da ideologia da harmonia diante do outro no paradigma

    ps-moderno).

    Metodologicamente, como estratgia, o intelectual ps-moderno defende a alteridade

    como forma de manter-se no campo cognitivo como um inocente outro que compe a

    pluralidade terica e metodolgica, quando na realidade se utiliza deste argumento para

    sobrepor-se as demais perspectivas tericas e metodolgicas, principalmente no que se

    refere ao materialismo histrico e dialtico.

    6 Tratei mais aprofundadamente sobre esse tema em minha dissertao. Ver, MENEZES, 2009.

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    A estratgia ps-moderna no tempo presente

    O discurso e a prtica da ps-modernidade capaz de nos rechear com uma srie de

    episdios adocicados as concupiscncias da economia globalizada. Neste contexto

    observamos os vieses das propagandas acadmicas onde se cultua a perspectiva da

    narrativa como ato criador da produo alicerada no idealismo antropolgico que abarca

    olhares meta-subjetivos para a Histria e seus eventos objetivamente pregadores de um

    homem concreto e sujeito da e na Histria.

    O pensamento ps-moderno postula uma srie de valores subjetivos e infundados

    sobre o Iluminismo quando se pauta em desenvolver a crtica ao racionalismo burgus. Um

    posicionamento contraditrio, uma vez que o pensamento ps-moderno fruto do

    desenvolvimento da ideologia da modernidade. Ou seja, um desdobramento das ideologias

    no sistema econmico do capital, onde projetar-se visando emancipao do homem torna-

    se algo combativo a sua necessidade de alienao social. Pois seria o mesmo que alimentar o

    processo de conscincia da sociedade globalizada e consumidora de mercadorias, rumo a

    desalienao.

    Desta forma, a ps-modernidade lana a culpa pelos desastres do atual sistema global

    ao racionalismo do sculo XVIII, ao tcnico-cientificismo do sculo XX, para ocultar o seu

    real objeto de combate que est no sculo XIX: o marxismo e seu projeto emancipatrio do

    homem (ANDERSON, 1989).

    O conjunto de intelectuais que se identificam com o termo ps-moderno (entre eles,

    filsofos e historiadores) atacam o projeto emancipador proposto pelo racionalismo desde o

    sculo XVIII. Desenvolvem crticas a razo, colocando-a no banco dos rus e a condenando

    como incapaz de promover a liberdade e o bem humano (FUKUYAMA, 1992: 350-351).

    Atribuindo-lhe assim, a responsabilidade por todos os desastres da humanidade: guerras;

    poluies; desigualdades polticas, econmicas e sociais; entre as desgraas de todos os

    tipos e formas. Combatem ainda as vises holsticas e estruturais da histria.

    Assim, defendem o estudo dos recortes, das representaes subjetivas, pois quase

    sempre so crticos da viso coletiva de um fenmeno. Abandonam o homem como sujeito

    por considerarem que este est submetido ao controle estrutural da sociedade e da

    economia. Gerando assim um pessimismo, sem esperanas de transformaes da sociedade

    globalizada.

    Diante destas frustraes, os intelectuais ps-modernos se apresentam incapazes de

    reordenar a situao catastrfica que estes mesmos identificam na histria do presente. Qual

    seria o elemento ou conjunto destes que, de fato, impedem os ps-modernos de atuarem

    como intelectuais engajados alm de movimentos recortados do todo, como os movimentos

    de minorias?

    Buscando a objetividade, possvel operar outro problema a lado de uma hiptese:

    Qual a contribuio dos postulados tericos da ps-modernidade para o presente? Seria

    pertinente verificarmos qual a possibilidade desta ideologia ser uma forma/instrumento de

    cristalizao do prprio projeto do racionalismo burgus, diante de todos os seus erros e

    catstrofes auferidas ao homem no decorrer destes ltimos sculos. E ainda, em que medida

    o discurso da ps-modernidade no caminho direto para a consolidao da sociedade de

  • O Olho da Histria, n. 17, Salvador (BA), dezembro de 2011. Jean Paulo Pereira de Menezes

    consumo capitalista e tambm uma ao prtica que se utiliza do subjetivo para minar as

    possibilidades de concretizao do projeto emancipador do homem atravs marxismo

    apresentado desde o sculo XIX?

    O ataque ao Iluminismo possui fraca ressonncia, uma vez que poucas vozes se

    apresentam para defend-lo. Por qu? Seria por estarem eles mesmos utilizando a roupagem

    do ps-modernismo para se safarem das responsabilidades diante da Histria e do sujeito?

    possvel observar um desesperado combate aos projetos desalienadores (GRAMSCI,

    1984) em defesa de que o homem emancipado e sua proposta ficaram no pretrito, distante

    das novas realidades e dificuldades que o mundo nos apresenta hoje. Portanto, j no

    importa mais quem seja voc ou o outro. O que vale sentir-se vivo e funcional diante do

    todo. Viver a espera de uma viso de mundo romntico, onde o amanh dependa das aes

    do hoje seria minimamente perca de tempo diante da concepo de homem na pseudo ps-

    modernidade.

    Diante deste quadro, o ps-moderno, seus intelectuais e seus discursos camalees

    mutantes acabam por instigar a inrcia poltica, o contentamento funcional diante da

    economia e o embrutecimento da sociedade. Efeitos perfeitamente excepcionais para a

    reproduo do capital em qualquer paisagem humana a desumanizar-se a qualquer instante.

    A indstria cultural (ADORNO & HORKHEIMER, 1985: 113-156) passa a fundir-se com

    esta proposta fragmentada de existncia ps-moderna, promovendo a massificao da

    ideologia de consumo no capitalismo, gerando o tipo de homem ideal para o sistema: o

    Homo symbolicus (CARDOSO, 2005: 282). Cristalizando todas as problemticas que o

    prprio discurso ps-moderno identifica na organizao da sociedade atual como sendo obras

    da modernidade que decretara o seu prprio fim.

    Desde ento, a culpa no nossa, do iluminismo!

    Consideraes finais

    Pretendeu-se com o artigo, apresentar algumas contribuies sobre o debate acerca

    do paradigma ps-moderno de forma crtica, apontando alguns de seus elementos.

    Pretendeu-se, ao mesmo passo, apresentar uma introduo ao debate sobre essas pretensas

    teorias sociais, sem as devidas citaes de seus intelectuais, nos ocupando de apresentar a

    intelectualidade diante de uma perspectiva coletiva e bastante diversa. Evidentemente, a

    abordagem deve ser estendida, mas reafirmamos, tratou-se de um texto introdutrio ao

    debate terico mais profundo.

    Referncias bibliogrficas

    ADORNO, THEODOR W. & HORKHEIMER, MAX. Dialtica do esclarecimento. Traduo de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

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