interdisciplinaridade e interaÇÃo docente na graduaÇÃo em...
TRANSCRIPT
INTERDISCIPLINARIDADE E INTERAÇÃO DOCENTE
NA GRADUAÇÃO EM DESIGN
Maria do Carmo Gonçalves Curtis - [email protected] Sergio Leandro dos Santos - [email protected]
Thays Obando Brito - [email protected] Liane Roldo - [email protected]
Fábio Gonçalves Teixeira - [email protected] Régio Pierre da Silva - [email protected]
Tânia Luísa Koltermann da Silva - [email protected]
UFRGS, Programa de Pós-Graduação em Design
Resumo
O artigo reflete sobre a importância da prática educacional pautada pela interdisciplinaridade na graduação em design. O ponto de partida foi o desenvolvimento do Manual Instrucional do Trabalho Final da Disciplina de Geometria Descritiva para Designers. Palavras-chave: interdisciplinaridade, ensino, interação docente.
Abstract
The paper reflects on the the importance of educational practice guided by the interdisciplinarity in undergraduate design course. The starting point was the development of a Instructional Manual for the final assignment of the Discipline Descriptive Geometry for Designers. Keywords: interdisciplinary, teaching, teacher interaction.
1 Introdução
Design instrucional é uma área do design relacionada a qualquer ocorrência que
possa ser interpretada como situação educacional, instaurando-se nos mais
diversos âmbitos da interação humana, como o local de trabalho, o clube de
recreação, o sistema de transporte rodoviário. Tal amplitude assinala
possibilidades fecundas na relação entre design instrucional e
interdisciplinaridade. Por design instrucional compreende-se uma ação
intencional e sistemática de ensino que envolve o planejamento, o
desenvolvimento e a aplicação de métodos, técnicas, atividades, materiais,
eventos e produtos educacionais em situações didáticas específicas, a fim de
promover a aprendizagem humana (FILATRO, 2008).
O aporte do design instrucional direcionou o desenvolvimento de produto
educacional quando nos dedicamos a conceber e a produzir um material didático
orientado a graduandos na disciplina Geometria Descritiva para Designers (GD):
Manual Instrucional do Trabalho Final da Disciplina de Geometria Descritiva para
Designers1. A proposta foi evidenciar aos alunos as relações existentes entre os
conhecimentos e competências adquiridas em Geometria Descritiva para
Designers e Análise e Representação da Forma I e Análise e Representação da
Forma II2.
Figura 01 – Manual Instrucional do Trabalho Final da Disciplina de Geometria Descritiva para Designers,capa e contra capa respectivamente.
Fonte - Próprio autor
1 Esse trabalho compõe a avaliação da Disciplina Tópicos Especiais em Design e Tecnologia VII, Design Instrucional, 2012/02, sob a orientação dos Professores Régio Pierre da Silva e Tânia Luisa Koltermann da Silva, Programa de Pós Graduação em Design e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Conforme Relatório de Produto: Manual Instrucional do Trabalho Final de Geometria Descritiva para Designers, Disciplina Tópicos Especiais em Design e Tecnologia VII, Design Instrucional, Professores Régio Pierre da Silva e Tânia Luisa Koltermann da Silva, Programa de Pós Graduação em Design e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, CURTIS, SANTOS, BRITO, Dezembro de 2012.
Especificamente, quando falamos de problema educacional existente na
graduação em design nos referimos às dificuldades enfrentadas pelos discentes
da fase inicial em estabelecer conexões entre os conteúdos abordados nas
disciplinas. Nesse viés, concebemos uma estratégia de ensino-aprendizagem,
um material didático visando oferecer aos alunos possibilidades de obter uma
compreensão interconectada, fluida, a respeito dos conteúdos e competências
das disciplinas da graduação em design situadas na primeira etapa do curso.
Nesse artigo, enfatizamos o problema educacional a partir de um enfoque
teórico, articulando o pensamento de alguns pesquisadores que se dedicam ao
tema da interdisciplinaridade para refletir sobre a graduação em design. A partir
da produção do material didático, levantamos a hipótese de que a interação
docente balizada pela interdisciplinaridade contribui para uma perspectiva menos
fragmentária.
Cercando o problema, citamos Antonio Joaquim Severino (1995:168) que
detecta as dificuldades em efetivar as “trocas recíprocas” no ensino, referindo-se
ao compromisso dos educadores com a interdisciplinaridade, como uma
exigência da teoria e da prática. Ao analisar a prática educacional no contexto
contemporâneo, o autor salienta seu caráter fragmentário. Ele afirma que os
conteúdos dos diversos componentes curriculares bem como as atividades
didáticas não interagem. As atividades e contribuições das disciplinas e do
trabalho dos professores apenas se acumulam por justaposição. E os alunos
vivenciam sua aprendizagem como se os elementos culturais que constituem
seu saber fossem estanques, originários de fontes distintas, isoladas3. Diante
desse quadro, o autor salienta que a educação, devido ao seu efeito
multiplicador, evidencia a necessidade da postura interdisciplinar.
O fundamental no conhecimento não é a sua condição de produto, mas o seu processo. Com efeito, o saber é resultante de uma construção histórica, realizada por um sujeito coletivo. Daí a importância da pesquisa, entendida como processo de construção dos objetos do conhecimento, e a relevância que a ciência assume em nossa sociedade. Mas impõe-se à ciência a necessidade de se efetivar como um processo interdisciplinar, exatamente ao contrário das tendências predominantes no positivismo, historicamente tão importante na consolidação da postura científica no Ocidente mas tão pouco interdisciplinar em sua proposta de divisão epistemológica do saber.(SEVERINO, 1995,p.172)
3 Para compreender melhor a contextualização do processo histórico da fragmentação do saber, consultar palestra de Américo Sommerman, A Inter e a Transdisciplinaridade, In: FAZENDA ,I.(org.) Interdisciplinaridade na formação de professores- da Teoria à Prática, Canoas: Editora ULBRA, 2006, pp. 27-58.
Considerando o efeito multiplicador da ação pedagógica, Severino defende
que a perspectiva interdisciplinar não se restrinja à formação do cientista, mas
também seja aplicada na formação profissional de modo mais amplo. Ele
argumenta que está em jogo a formação do ser humano enquanto cidadão. E,
tendo em vista a construção da cidadania, necessitamos superar os entraves da
herança positivista4, porque o projeto educacional contempla tanto os indivíduos
como a sociedade.
2 Graduação em Design- proposta de estrutura pedagógica
A seguir, para contextualizar o panorama do problema educacional,
apresenta-se uma síntese da organização curricular no cenário brasileiro
a partir de Rita Couto (2008; 2011) e para situar o tema num âmbito mais
estrito, consultamos o Projeto Pedagógico dos Cursos de Design da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012).
De acordo com Couto (2011), em meados do século passado, o
processo de modernização da sociedade alterou a organização da
educação superior do Brasil. A estruturação por departamentos, inspirada
no modelo norte-americano, visava corresponder às demandas da
diversificação do saber e do próprio ensino superior. Com relação às
alterações ocorridas no currículo da graduação em design, nos
respaldamos em síntese anteriormente realizada a partir de pesquisa da
autora:
No Brasil, o processo de implementação da estrutura curricular do ensino em design desenvolve-se a partir da década de 1960 e sofre uma série de alterações. Inicia com o modelo paradigmático da ESDI, 1963; em 1968 é aprovado o primeiro Currículo Mínimo
5; em 1978, se dá a criação da comissão de
4 O Positivismo influenciou a sociedade nos séculos XIX e XX. Considerando a Educação como atividade social, também foi marcada por sua influência. Na década de 1970 a escola tecnicista teve presença marcante no Brasil, sendo a valorização da ciência como forma de conhecimento objetivo, passível de verificação rigorosa por meio da observação e da experimentação, para esta escola o elemento primordial é a tecnologia. Na escola tecnicista, professores e alunos ocupam papel secundário dando lugar à organização racional dos meios. Professore e alunos relegados à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. Neutralidade e objetividade são crenças típicas do positivismo. Conforme Iskandar, J.I. e Leal,M.R. Sobre positivismo e educação.In:Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.3,n.7, p.89-94, set-dez. 2002. 5 Currículo aprovado em 1968 pelo Conselho Federal de Educação pra Cursos de Desenho Industrial.
Matérias Básicas: Estética e História das Artes e Técnicas; Ciências da Comunicação; Plástica; Desenho.
especialistas que gerou o Novo Currículo Mínimo, aprovado somente em 1987. O processo culmina com a aprovação das Diretrizes Educacionais e Curriculares para o Ensino de Graduação em Design, em 2002. Essas alterações refletem, entre outras questões, a busca por promover uma adequação no sistema de ensino a fim de obter maior consonância com a flexibilidade e a interdisciplinaridade que o campo do design exige. (COUTO, 2008 apud CURTIS; COSSIO, 2009,p.408)
Destaca-se a Lei de Diretrizes e Bases (9.394/96) que faz análise crítica do
cenário educacional brasileiro, enfatizando a dimensão política das instituições
de ensino superior, no sentido de assumirem a responsabilidade de se
constituírem em sintonia com as efetivas demandas sociais e aos avanços
tecnológicos e científicos do país. O processo prosseguiu através dos
Pareceres6 CES/CNE 0146/2002, 67/2003 e 0195/2003, chamados de Diretrizes
Curriculares Nacionais. Rita Couto (2011) ressalta que o modelo atual, diferente
dos anteriores, pretende promover a flexibilização dos currículos. As Diretrizes
Curriculares Nacionais contemplam uma série de elementos que melhoram
qualitativamente a composição dos currículos dos cursos de graduação:
paradigmas, níveis de abordagem, perfil do formando, projeto pedagógico de
cada curso, competências e habilidades, conteúdos ou tópicos de estudo,
duração dos cursos, atividades práticas e complementares, interação com a
avaliação institucional como eixo balizador para o credenciamento e avaliação
da instituição para autorização e reconhecimento dos cursos. Entretanto, avalia
Couto (2011,p.17), ainda que na elaboração do projeto pedagógico de cada
curso de graduação conste a orientação de que devem ser observadas “formas
de realização da interdisciplinaridade” as novas diretrizes são tímidas quanto ao
exercício desta perspectiva.
Como nossa experiência docente incide na graduação em design na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vamos expor aspectos relativos a
sua estrutura pedagógica, com a ressalva de que a instância institucional
enfocada serve como referência de um problema educacional mais abrangente,
ou seja, a graduação em âmbito geral. Para justificar tal abrangência, lembramos
a análise feita pelo professor Joaquim Severino (1995) salientando o caráter
fragmentário da prática educacional no contexto contemporâneo, tese
Matérias Profissionais: Materiais Expressivos e Técnicas de Utilização; Expressão; Estudos
Sociais e Econômicos; Teoria da Fabricação; Projeto e seu Desenvolvimento. Conforme Couto (2008:23).
6 Instituídos pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação.
Conforme Couto (2011:17).
corroborada pelos autores consultados (JAPIASSU, 1976; FAZENDA, 1992;
COUTO, 2011; SOMMERMAN In: FAZENDA, 2005).
Os Cursos de Design Visual e Design de Produto da UFRGS foram criados
oficialmente em 2005, iniciando suas atividades no primeiro semestre de 2006. O
Projeto Pedagógico se orienta em correspondência às características
profissionais, como a atuação em equipes pluridisciplinares, no cenário
competitivo da globalização, que demanda criatividade, conhecimento técnico e
capacidade inovativa. Além disso, o Projeto Pedagógico é norteado por uma
visão sistêmica dos aspectos implicados no desenvolvimento de um novo
produto através da manipulação conjunta e interativa dos 'n' fatores que
interferem no processo de criação. A estruturação curricular se organiza em
torno de três eixos de conhecimentos que expressam a previsão dos conteúdos
programáticos, orientam as práticas metodológicas e o sistema de avaliação: (1)
eixo das instrumentalizações e tecnologias, (2) eixo das linguagens e práticas de
projetos e (3) eixo das teorias e metodologias.
A operacionalidade da proposta caracteriza-se por práticas interativas e
sínteses multidisciplinares entre as sequências das disciplinas de projetos7.
Oferecidas numa ordenação de dez semestres, as disciplinas estruturam-se em
três módulos, conforme quadro abaixo:
Quadro 1 – Síntese da Estrutura Pedagógica dos Cursos de Design Visual e Design de
Produto UFRGS, Sequência das Disciplinas em Etapas (semestres) . Módulo I
I e II Etapa
Módulo II III a VI Etapa
Módulo III VII a X Etapa
Estimula a reflexão e criatividade Sensibilização em relação à expressão gráfico-plástica Conhecimento das técnicas gráficas de expressão e representação
Ciência e tecnologia dos materiais e processos de fabricação Softwares gráficos de expressão e representação Práticas projetuais
Aprofundamento dos conhecimentos específicos Relação com o meio profissional, através dos Estágios Supervisionados em Design Visual e Design de Produto e Trabalho de Conclusão de Curso em Design Visual e Trabalho de Conclusão de Curso em Design de Produto
Fonte- Projeto Pedagógico, 2012.
Contemplando a experiência docente dos autores8, integramos três
disciplinas situadas no Módulo I da grade curricular para conceber uma
7 Dentre as quais se destaca a ocorrência das Disciplinas Projeto Integrado I e Projeto Integrado II, nas Etapas V e VIII, respectivamente, em que os discentes de Design Visual e Design de Produto atuam em conjunto. 8 Maria do Carmo G. Curtis leciona em curso de graduação em design desde 1994, em disciplinas da Área de Teoria e História do Design e de Expressão Gráfica; e Sergio Leandro dos
estratégia de ensino-aprendizagem a partir da abordagem do design instrucional.
Considerando a estrutura curricular exposta, observa-se que duas disciplinas
elencadas Análise e Representação da Forma I (ARF I) e Geometria Descritiva
para Designers (GD) pertencem ao eixo das instrumentalizações e tecnologias.
Sendo que ARF II pertence ao eixo das linguagens e práticas de projeto. Outro
importante nexo comum são os conteúdos e métodos: o ensino do desenho e a
representação visual de objetos. No desenvolvimento do material didático
ocorreram muitas trocas de experiências docentes, para atingir nossa meta e
evidenciar as relações existentes nas disciplinas:
Desenvolver um Manual Instrucional do Trabalho Final da Disciplina de Geometria Descritiva para Designers, evidenciando as relações com os conhecimentos e competências adquiridas nas Disciplinas de Análise e Representação da Forma I e Análise e Representação da Forma II (CURTIS, SANTOS, BRITO, 2012).
A disciplina ARF I propõe o desenvolvimento da percepção e acuidade visual
do educando, trata primordialmente o esboço9 e o desenho de observação de
objetos, com ênfase na percepção visual da estrutura geométrica da forma, a
partir do desenho a mão livre; ARF II se dedica a desenvolver e aprimorar a
competência de renderização10 manual, capacitando o aluno no manejo de
materiais gráfico plásticos. E a disciplina de GD potencializa a visão espacial do
aluno, através de aplicações práticas de projetos gráficos e do desenho de
produto. Portanto, a estrutura organizacional curricular pressupõe um
encadeamento de saberes em que cada disciplina contempla a representação
da forma numa abordagem complementar.
3 Interdisciplinaridade – terminologia, conceituação
Essa seção trata dos termos relativos ao tema e sua conceituação a partir de
diferentes pesquisadores. Embora distantes no tempo, Hilton Japiassu (1976) e
Ivani Fazenda (1992) constituem fontes recorrentes no estudo sobre
Santos, desde 2008 em disciplinas nas Áreas de Expressão Gráfica e Computação Gráfica, ambos cursam o Doutorado em Design e Tecnologia, UFRGS. Thays Obando Brito, é bacharel em Design e atualmente cursa o Mestrado em Design e Tecnologia, PGDesignUFRGS.
9 Por esboço, se entende o desenho realizado à mão livre com traços gerais que servem de base ao designer antes de realizar desenhos mais elaborados. Conforme Fernando Julián e Jesús Albarracín, In: Desenho para designers industriais, Lisboa, Portugal: Editorial Estampa, p.187, 2005. 10 Por renderização , o termo tem origem no vocábulo inglês “to render”, que significa representar. Técnica de utilização de marcadores, pastel seco, lápis cor e outros materiais, com objetivo de representar bidimensionalmente um produto ou uma idéia .Conforme Ericson Straub, Marcelo Castilho, Hélio de Queiroz, Paulo Biondan, In: abc do Renderign, Curitiba, Paraná: Infolio Editorial, p.142, 2004.
interdisciplinaridade, e seus discursos, em essência, permanecem atuais. Rita
Couto (2006, 2008, 2011) ocupa uma posição estratégica ao pesquisar e ensinar
no campo do design.
O que é uma disciplina? Ao buscar o sentido do termo “interdisciplinar”,
antes é necessário conceituar “disciplina”. Dentre os critérios aplicados para
caracterizar a natureza de uma disciplina científica salientados por Japiassu
(1976, p.60) apontamos: o domínio material, o domínio de estudo, os métodos
próprios para apreender e transformar os fenômenos, os instrumentos de análise
e as aplicações da disciplina. Esses critérios atestam que, primordialmente, uma
disciplina precisa estabelecer seus limites, os quais determinam seus objetos
materiais e formais, métodos e sistemas, conceitos e teorias.
A professora Rita Couto (2006,p.66) concorda que interdisciplinaridade está
ligada à definição de disciplina. O problema, segundo ela, é que muitos autores
reconhecem por disciplina exclusivamente um corpo de conhecimento que se
constitua como ciência. Mas ela alerta que esta posição acaba por restringir a
“ocorrência de interdisciplinaridade no campo da pesquisa, da geração de
conhecimento, excluindo (...) as experiências nas áreas do ensino e da aplicação
do conhecimento”. Interdisciplinaridade não se restringe à pesquisa, é uma
perspectiva epistemológica válida para o ensino. E assim, postula uma definição
de disciplina menos estrita:
É inquestionável o interesse social que as várias formas de trabalho interdisciplinar apresentam nas esferas da pesquisa e do ensino, isto é, na geração do conhecimento e na transmissão do conhecimento. Ora sendo importante para a sociedade que todas essas esferas de atuação profissional se beneficiem de ações interdisciplinares, é interessante evitar reduções e reconhecer como disciplina qualquer corpo de conhecimento capaz de ser ensinado, aprendido e utilizado, porque suficientemente estatuído (COUTO, 2006,p.66).
Conforme Japiassu (1976,p.74), a interdisciplinaridade se caracteriza pela
intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das
disciplinas, num projeto específico de pesquisa. O espaço do interdisciplinar, seu
horizonte epistemológico, é o “campo unitário do conhecimento”. A prática
interdisciplinar pressupõe uma interação de conceitos e de metodologias, só
assim atingimos a interação entre disciplinas.
Então, se disciplina implica em fronteiras conceituais e metodológicas,
enquanto docentes precisamos nos posicionar estrategicamente, estabelecendo
nexos para realizar as trocas recíprocas que caracterizam a atitude
interdisciplinar. Quanto a trocas recíprocas, Ivani Fazenda (1992) defende o
conceito de “parceria” como condição fundamental para a interdisciplinaridade.
Ela explica que nessa condição epistemológica a relação de reciprocidade
favorece o diálogo entre os interessados. A interdisciplinaridade pressupõe uma
mudança de atitude frente ao problema do conhecimento, ao compreender que
não é possível abarcar, totalizar e ordenar a realidade a partir de um enfoque
exclusivo.
Na terminologia de Fazenda (1992), o termo integração “refere-se a um
aspecto formal da interdisciplinaridade, à questão de organização das disciplinas
num programa de estudos” e constitui momento anterior à “interação”, a qual
pressupõe uma integração de conhecimento, visando novos questionamentos e
a transformação da própria realidade. As palavras de Rita Couto fortalecem essa
visão:
Interdisciplinaridade deve ser, pois, entendida antes de tudo, como atitude, pautada pelo rompimento com a postura positivista de fragmentação, visando à compreensão mais ampla da realidade. Através desta postura é que ocorre a interação efetiva, sinônimo de interdisciplinar. (COUTO, 2006, p.63).
Ao classificar modalidades do “interdisciplinar”, Japiassu (1976,p.72) propõe
uma distinção entre multi, pluri, inter e transdisciplinar. O termo “multidisciplinar”
evoca uma simples justaposição dos recursos de várias disciplinas, sem implicar
coordenação ou trabalho de equipe. Nesse nível, a solução de um problema
exige apenas informações de duas ou mais especialidades, sem que as
disciplinas envolvidas sejam modificadas ou enriquecidas. A multidisciplinaridade
consiste em estudar um objeto sob vários ângulos, porém sem um consenso
prévio em termos de método ou conceitos a serem empregados. A
pluridisciplinaridade também realiza um agrupamento de módulos disciplinares,
com relação entre as disciplinas, visa à construção de um sistema de apenas um
nível, com objetivos distintos, sem nenhuma coordenação, porém com margem
para alguma cooperação. Interdisciplinaridade, diz Japiassu, se caracteriza pela
intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração das
disciplinas no interior de um projeto de pesquisa e, com o respaldo de Ivani
Fazenda (1992,p.27) e Rita Couto (2006, p.66), podemos acrescentar, no
processo de ensino-aprendizagem. Nesse nível, a colaboração entre as
disciplinas conduz a interações propriamente ditas, isto é, a uma reciprocidade
nos intercâmbios, de tal maneira que no final do processo interativo, cada uma
sai enriquecida. O termo transdisciplinar é uma criação de Jean Piaget, na
década de 1970, e conforme Basarab Nicolescu :
“... à etapa das relações interdisciplinares, podemos esperar ver sucedê-las uma etapa superior que seria ‘transdisciplinar’, que não se contentaria em encontrar interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um sistema total, sem fronteira estável entre essas disciplinas” (apud SOMMERMAN, 2005,p.44).
A transdisciplinaridade romperia as fronteiras estabelecidas entre as
disciplinas. Mas Japiassu comenta que o próprio Piaget compreendia que a
transdisciplinaridade era um sonho, admitindo que estamos longe de atingir o
patamar de um ‘sistema total’.
Numa avaliação filosófica, Japiassu afirma que o papel específico da
atividade interdisciplinar consiste em lançar uma “ponte para religar as fronteiras
que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo
preciso de assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo
modos particulares e com resultados específicos” (JAPIASSU,1976,p.75). A
seguir apresentam-se as modalidades descritas a partir de um diagrama para
facilitar a visualização da terminologia multi, pluri, inter e transdisciplinar.
Figura 02- Modalidades do “interdisciplinar”. Fonte - H. Japiassu, 1976.
4 Disciplinas- fronteiras permeáveis do saber
A primeira justificativa de um projeto de pesquisa interdisciplinar incide na
complexidade dos problemas aos quais somos hoje em dia confrontados para
chegar ao conhecimento do humano, se não em sua integridade pelo menos
numa perspectiva de convergência de nossos conhecimentos parciais
(JAPIASSU,1976,p. 62). Referindo-se a uma concepção mais tradicional de
ensino, o autor alerta para o fato de que, quando reduz o domínio do
“verdadeiro” conhecimento aos limites da ciência, o positivismo busca justificar a
concepção segundo a qual as ciências devem dispor-se conforme uma ordem de
subordinação hierárquica. No entanto, ele ressalta, não podemos ignorar as
dependências recíprocas, reversíveis ou interdependências mútuas existentes
entre as disciplinas científicas.
O que importa reconhecer e enfatizar é que, ao lado das recorrências, torna-se cada vez mais urgente uma análise das concorrências disciplinares, vale dizer, das colaborações e intercâmbios recíprocos, numa palavra, dos concursos interdisciplinares (JAPIASSU, 1976,p.63).
Desse modo, sublinha que a relação existente entre as disciplinas é de
interdependência e de colaboração, ao invés de uma rígida hierarquia. A
interdisciplinaridade transcende essa organização hierárquica do saber e
estimula a “lutar contra a multiplicação desordenada das especialidades e das
linguagens particulares nas ciências”. Nos permite compreender que as
fronteiras disciplinares são “permeáveis”, transformando-se em guia da pesquisa
nas ciências humanas, porque tal permeabilidade indica “diversos modos de
atingir um objetivo, esclarecer os resultados de uma política, em suma, ampliar
as perspectivas daquelas que pretendem agir ou resolver problemas sociais
concretos”(JAPIASSU,1976,p.55). Nesse sentido, o autor indica fatores que
justificam as cooperações interdisciplinares:
1. o estudo e a pesquisa como fundamentos de uma ação inteligente, racional ou
“informada”;
2. a complexidade do objeto de pesquisa;
3. o imperativo de encontrar respostas para problemas novos;
4. a necessidade de superar os esquemas tradicionais de ensino;
5. a necessidade de adequar as atividades universitárias tanto às urgências de
uma crítica interna do saber quanto às exigências socioprofissionais;
6. temas de investigação que exigem a colaboração de vários especialistas para
serem solucionados (JAPIASSU, 1976,p. 64). Reiteramos a atualidade desses
fatores, porque cada um representa circunstâncias inerentes à prática
educacional contemporânea. Todos se enquadram nessa reflexão acerca o
ensino em design, cujo fio condutor é o debate sobre a necessidade de articular
a prática educacional pela interdisciplinaridade.
5 Considerações finais
O design, através de sua práxis, seria o elo conciliador ou interventor entre especialistas de diversas áreas. Gustavo Amarante Bomfim, 1997
O caráter disciplinar que estrutura o ensino formal mantém o processo de ensino
aprendizagem numa perspectiva fragmentária do saber. Eis aí o problema que
abordamos - contexto espinhoso - que suscita a aproximação de docentes a fim
de articular conteúdos e estratégias de ensino-aprendizagem: a interação
docente.
A crítica e autocrítica são ingredientes fundamentais nessa relação, porque
precisamos ter consciência dos limites do nosso saber para aceitar contribuições
de outros colegas. Nesse prisma compreendemos a condição de “interação
docente” que intitula o trabalho: uma coparticipação, vivenciada no
desenvolvimento do material didático Manual Instrucional do Trabalho Final da
Disciplina de Geometria Descritiva para Designers.
Analisando a tentativa de amenizar as dificuldades enfrentadas pelos
discentes para estabelecer conexões entre os conteúdos das disciplinas ARF I,
ARF II e GD, evidenciamos um viés integrador na estrutura curricular do Projeto
Pedagógico. Há um elemento comum que permeia as disciplinas citadas: a
representação manual de produtos. Cada uma trata a questão de modo peculiar:
GD com uma maior precisão dos volumes correspondentes a sua representação
gráfica, numa proposta que abarca a resolução de problemas; ARF I, exercita a
percepção visual e a observação da estrutura geométrica formal; ARF II
sensibiliza à representação visual do produto através da renderização. A
interação docente suscitou outro nexo norteador do desenvolvimento do produto
educacional: a constatação empírica do professor de Geometria Descritiva para
Designers que recorre frequentemente a competências trabalhadas na disciplina
de ARF I, como por exemplo, o esboço de objetos para explicar conteúdos
específicos de GD como diferentes tipos de projeções.
Figura 03 – Esboço de objetos para explicar conteúdos específicos de GD Fonte - Próprio autor
Mas a interdisciplinaridade não se reduz a integrar conteúdos e métodos. É
preciso compartilhar conhecimento numa atitude de abertura junto aos pares.
Ensinar e aprender, numa atitude dialógica e não o monólogo de experts.
Igualmente, a interação docente, a parceria ou as trocas recíprocas, para
mencionar os termos usados pelos autores. E nesse raciocínio cabe o conceito
de intersubjetividade:
Por intersubjetividade compreende-se o ultrapassar de um estágio subjetivo, em que as limitações são camufladas, a um estágio compreensivo, em que se passa a aceitar e incorporar as experiências dos outros, a ver na experiência do outro, a complementação de sua própria (FAZENDA, 1992,p.48).
Tal conceito equivale à permeabilidade das fronteiras das disciplinas, cuja
compreensão nos permite transcendê-las, porque implica noutra transcendência,
a das fronteiras dos sujeitos, dos pares, dos docentes. Em que passamos a
aceitar e a incorporar as experiências alheias. A interação docente, balizada pela
interdisciplinaridade, promove a conexão entre as disciplinas que compõem o
currículo de graduação em design. Embora, conceitualmente, é preciso
relativizar o alcance dessa conexão, porque as disciplinas elencadas nesse
trabalho pertencem ao mesmo Módulo e são de etapas contíguas na sequência
curricular.
Há uma possibilidade fecunda na aliança do design instrucional com a
postura interdisciplinar, já que o primeiro norteia a concepção, produção e
implantação de material didático no processo de ensino aprendizagem, portanto
contribui na materialização de aportes importantes para a prática educacional. E
a interação docente, balizada pela interdisciplinaridade, também constitui
resposta para o problema educacional, ao qual nos reportamos, favorecendo
condições para a intersubjetividade.
Enquanto disciplina, o design é notavelmente flexível, passível de
interpretações radicalmente diferentes na teoria assim como na prática. Porém,
tal flexibilidade frequentemente conduz a uma má interpretação e obscurece os
esforços para entender sua natureza (COUTO; OLIVEIRA, 1999). Considerado
como disciplina e, historicamente, disciplina que emerge recentemente, o design
cumpre um importante papel conector numa época de fragmentação de
saberes. Talvez por isso “seja recorrente intitular o Design como atividade
interdisciplinar e campo que favoreça o trabalho conjunto com outras áreas de
conhecimento” (COUTO, 2006,p.52).
Ao encerrar e manter aberto o debate, recorremos novamente à Rita Couto
quando assinala o design a partir de uma dupla percepção: vocação
interdisciplinar e sua natureza de “interdisciplina tecnológica”. É uma disciplina
que se fundamenta por elementos disponibilizados pelo conhecimento científico,
empírico e intuitivo. É uma tecnologia que utiliza, na sua prática, conhecimento
de outros campos de saber, o que explica sua vocação interdisciplinar. Assim,
alinhavamos seu pensamento ao papel conector, uma vez que a solução dos
problemas complexos da contemporaneidade extrapola a esfera de competência
de um único campo de conhecimento. É consenso que as respostas a tais
problemas requerem a união de vários especialistas. “É neste nicho que o
Design, como tecnologia que é, pode melhor aproveitar sua vocação
interdisciplinar”. E a interação docente, balizada pela interdisciplinaridade, pode
corresponder à formação de profissionais com esse perfil.
6 Referências
COUTO, Rita;OLIVEIRA, Jeffferson (org.). Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar, Rio de Janeiro: 2AB: PUCRio, 1999. COUTO, Rita. Reflexões sobre a Natureza e a Vocação Interdisciplinar do Design. In: LIMA, Guilherme Cunha (org.). Textos selecionados de design, Rio de Janeiro: UERJ/PPDESDI, 2006, pp.51-82. COUTO, Rita. Escritos sobre ensino de Design no Brasil, Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2008. COUTO, Rita. Fragmentação do conhecimento ou interdisciplinaridade: ainda um dilema contemporâneo? In: revista faac, Bauru, v.1,n.1, p. 11-19, abr./set. 2011. CURTIS, Maria do Carmo; COSSIO, Gustavo. Sobre o ensino do design no sul: a contribuição de Antonio Endler,In: Anais do V Congresso Internacional de Pesquisa em Design, V CIPED, Bauru, SP, 2009. CURTIS, Maria do Carmo G., SANTOS, Sergio Leandro dos, BRITO, Thays Obando. Relatório de Produto: Manual Instrucional do Trabalho Final de Geometria
Descritiva para Designers, Disciplina Tópicos Especiais em Design e Tecnologia VII, Design Instrucional, Professores Régio Pierre da Silva e Tânia Luisa Koltermann da Silva, Programa de Pós Graduação em Design e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dez., 2012. JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976. FAZENDA, Ivani. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: Efetividade ou Ideologia, São Paulo: Edições Loyola, 1992. FAZENDA, Ivani (org.). Interdisciplinaridade na formação de professores: da Teoria à Prática, Canoas: Editora ULBRA, 2006. FILATRO, Andrea. Design Instrucional na Prática. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2008. SEVERINO, Antonio Joaquim. O uno e o múltiplo: o sentido antropológico do interdisciplinar” In:JANTSCH,Ari Paulo;BIANCHETTI, Lucídio (org.). Interdisciplinaridade, para além da filosofia do sujeito. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p.168. Projeto Pedagógico do Curso de Design da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL,Comissão de Graduação em Design, 2012. SOMMERMAN, Américo. A Inter e a Transdisciplinaridade. In: FAZENDA, Ivani (org.) Interdisciplinaridade na formação de professores- da Teoria à Prática, Canoas: Editora ULBRA, 2006, pp. 27-58.