introdução à teoria da imagem

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02/11/15 23:38 Introdução à Teoria da Imagem Page 1 of 5 http://www.ipb.pt/~jsergio/Imagem.html Introdução à Teoria da Imagem Definição do Conceito de Imagem O conceito de imagem, parecendo à uma primeira abordagem de simples definição revela-se, após um estudo mais aprofundado, como de difícil precisão. Desde os primórdios da história do conhecimento que filósofos e pensadores se debruçam sobre a complexa relação que une imagem e realidade, bem como sobre as respectivas definições. Já no livro sexto da República Platão se debruça sobre o problema, definindo imagem como “... primeiramente [as] sombras depois [os] reflexos que se vêem nas águas ou na superfície dos corpos opacos, polidos e brilhantes, e a todas as representações semelhantes” Mais tarde, a retórica medieval define imagem como “aliquid stat pro aliquo” algo que está em lugar de uma outra coisa, apontando já para algo que pode ser fabricado. No entanto, qualquer que sejam as posições teóricas adoptadas, parece incontornável que se entende por imagem algo utilizado para representar uma outra coisa, na sua ausência, existindo em qualquer imagem três dados incontornáveis: uma selecção da realidade (que em casos-limite pode passar por excluir qualquer representação da realidade – veja-se a pintura não-figurativa), uma selacção de elementos representativos, uma estruturação interna que organiza os referidos elementos. Da relação complexa que une imagem e realidade lhe advêm o seu carácter quase mágico que lhe permite simultanemanete represemtar um objecto e sua ausência, e que a leva a ser encarada –sobretudo quando o objecto sobre o qual se debruça é a representação humana – com notáveis reticências pela grande maioria das religiões. De um ponto de vista pedagógico, também durante longo tempo foi a imagem alvo de grande desconfiança pois, “se é imprópria para produzir argumentação, a imagem é porém notável para intensificar o ethos e o pathos.” A Classificação das Imagens A classificação das imagens, sem a qual nenhuma operação de análise pode ser efectuada, pode ser feita a partir de diversas perspectivas.. A primeira grande divisão estabelece-se precisamente entre imagens naturais – entendendo com tais as que são produzidas sem intervenção humana (os reflexos e sombras de que fala Platão) –e imagens articiais ou fabricadas – as que exigem essa intervenção para que possam surgir. Deixando de parte todas as imagens naturais, por mais interessante que o seu estudo se possa revelar, ocupar-nos-emos aqui apenas das imagens fabricadas. No que respeita às imagens fabricadas cinco grandes oposições podem ser estabelecidas ab initio: 1. no que respeita à sua materialidade estabelece-se uma primeira distinção entre imagens materiais (um quadro, uma fotografia ou uma estátua) e não-materiais (uma iamgem mental ou uma projecção holográfica) 2. no que respeita à sua espacialidade pode estabelecer-se uma distinção entre imagens bi- dimensionais e imagens tri-dimensionais; 3. no que concerne à temporalidade das imagens é necessário proceder a uma separação entre imagens estáticas e imagens móveis 4. no que à sua intenção sémica concerne a distinção efectuar-se-á entre imagens representativas e não-representativas; 5. finalmente, no atinente às suas condições de produção a oposição estabelece-se entre imagens produzidas por meios mecânicos e imagens produzidas por meios humanos

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Introdução à Teoria Da Imagem

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02/11/15 23:38Introdução à Teoria da Imagem

Page 1 of 5http://www.ipb.pt/~jsergio/Imagem.html

Introdução à Teoria da Imagem

Definição do Conceito de ImagemO conceito de imagem, parecendo à uma primeira abordagem de simples definição revela-se, após umestudo mais aprofundado, como de difícil precisão. Desde os primórdios da história do conhecimento quefilósofos e pensadores se debruçam sobre a complexa relação que une imagem e realidade, bem comosobre as respectivas definições. Já no livro sexto da República Platão se debruça sobre o problema,definindo imagem como “... primeiramente [as] sombras depois [os] reflexos que se vêem nas águas ou nasuperfície dos corpos opacos, polidos e brilhantes, e a todas as representações semelhantes” Mais tarde, aretórica medieval define imagem como “aliquid stat pro aliquo” algo que está em lugar de uma outracoisa, apontando já para algo que pode ser fabricado. No entanto, qualquer que sejam as posições teóricasadoptadas, parece incontornável que se entende por imagem algo utilizado para representar uma outracoisa, na sua ausência, existindo em qualquer imagem três dados incontornáveis: uma selecção darealidade (que em casos-limite pode passar por excluir qualquer representação da realidade – veja-se apintura não-figurativa), uma selacção de elementos representativos, uma estruturação interna que organizaos referidos elementos. Da relação complexa que une imagem e realidade lhe advêm o seu carácter quasemágico que lhe permite simultanemanete represemtar um objecto e sua ausência, e que a leva a serencarada –sobretudo quando o objecto sobre o qual se debruça é a representação humana – com notáveisreticências pela grande maioria das religiões. De um ponto de vista pedagógico, também durante longotempo foi a imagem alvo de grande desconfiança pois, “se é imprópria para produzir argumentação, aimagem é porém notável para intensificar o ethos e o pathos.”

A Classificação das ImagensA classificação das imagens, sem a qual nenhuma operação de análise pode ser efectuada, pode ser feita apartir de diversas perspectivas.. A primeira grande divisão estabelece-se precisamente entre imagensnaturais – entendendo com tais as que são produzidas sem intervenção humana (os reflexos e sombras deque fala Platão) –e imagens articiais ou fabricadas – as que exigem essa intervenção para que possamsurgir. Deixando de parte todas as imagens naturais, por mais interessante que o seu estudo se possarevelar, ocupar-nos-emos aqui apenas das imagens fabricadas. No que respeita às imagens fabricadascinco grandes oposições podem ser estabelecidas ab initio:

1. no que respeita à sua materialidade estabelece-se uma primeira distinção entre imagens materiais(um quadro, uma fotografia ou uma estátua) e não-materiais (uma iamgem mental ou uma projecçãoholográfica)

2. no que respeita à sua espacialidade pode estabelecer-se uma distinção entre imagens bi-dimensionais e imagens tri-dimensionais;

3. no que concerne à temporalidade das imagens é necessário proceder a uma separação entre imagensestáticas e imagens móveis

4. no que à sua intenção sémica concerne a distinção efectuar-se-á entre imagens representativas enão-representativas;

5. finalmente, no atinente às suas condições de produção a oposição estabelece-se entre imagensproduzidas por meios mecânicos e imagens produzidas por meios humanos

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Durante largo tempo foi crença comum que a presença de certos parâmetros invalidava alguns outros (p.e.; que era impossível produzir imagens tri-dimensionais móveis), mas os modernos avanços das técnicasdemonstram que para uma completa análise do objecto visual é necessário analisar em simultâneo osquatro parâmetros acima mencionados embora, por comodidade, se limite frequentemente a análise aapenas um ou dois dentre eles, consoante os interessses específicos do analista. Tal processo, se bem quefrequentemente justificável de um ponto de vista pragmático, não deixa de apresentar, de um ponto devista teórico, as desvantagens da imcompletude.

Análise da Imagem FixaOs modernos teóricos do estudo da imagem costumam, conforme a escola teórica em que se situam,abordar a imagem a partir de dois pontos de vista distintos: um a que se pode chamar textual, de tradiçãoessencialmente americana, entende a imagem como um texto, possuidor das mesmas características daprodução linguística, tratando então o estudo da imagem de descobrir os seus “constituintes mínimos”, osequivalentes pictóricos dos componentes gramaticais da frase: Típico desta escola, é a abordagem quepostula que qualquer imagem pode ser analisada através de um conjunto de treze elementos fundamentaisdistribuidos por três categorias “gramaticais”: os elementos morfológicos (ponto, linha, plano, textura, core forma), os elemntos dinâmnicos (movimento, tensão e ritmo) e os elementos escalares (dimensão,formato escala e proporção), cuja análise detalhada não cabe numa exposição deste tipo; um outro pontede vista, a que habitualmente se designa como semiótico, mais habitualmente ligado à tradição europeia,considera a imagem enquanto signo, tratando a sua análise de descobrir as suas relações quer com o“objecto” que representa quer com os outros sistemas de signos utilizados em sociedade, radicando aí asrazões da sua significação. O método típico desta segunda escola consiste em tentar estabelecer umparalelo entre dois tipos de planoss – por um lado entre o plano de expressão da imagem (o que elamostra) e o seu plano de contéudo ( o que ela significa), - por outro entre o plano do significante (arealidade exterior a que ela faz referência) e o plano do significado (o conteúdo material da imagem).

Dito de outra forma, existira um paralelismo entre o contéudo físico da imagem e o seu significado e entreesse mesmo contéudo físico e a sua semelhança/diferença com a realidade exterior para que remete.Independentemente do ponto de vista adoptado, a análise de uma imagem deverá ter em vista diversospontos distintos entre os quais os seguintes – mencionados sem qualquer preocupação de hieraquização –são essenciais:

1. a sua materialidade e dimensionalidade (bi ou tri-dimensional, natural ou criada, real ou virtual, ...);2. o seu processo de elaboração – onde se tem em conta as “ferramentas” utilizadas para elaborar a

imagem em questão (humana, mecânica, informática....);3. a matéria da expressão – que leva em linha de conta a organização interna da imagem (contrastes,

semelhanças, cores, linhas, efeitos de escala, ...);4. as chamadas funções icónicas que se entendem como as relações tecidas entre a imagem e o seu

objecto de representação, distinguindo-se aqui três tipos básicos de relação – representativa (quandoa iamgem se pretende uma cópia, o mais fiel possível, da realidade que representa), simbólica(quando existe uma transferência de uma imagem para um significado abstracto – a pomba da paz,por exemplo) e convencional (quando a relação entre a imagem e aquilo que representa se radicaapenas numa convenção social). Numa imagem podem estar simultanemente presentes mais queuma das funções mencionadas, pelo que mais que falar do tipo ou função da imagem é preferívelrefrirmo-nos à sua função icónica dominante; e) o nível de realidade da imagem, onde se analisa asemelhança/diferença entre a imagem e aquilo que representa. Justo Villefane apresenta uma escalade 11 graus, a que chama graus de iconidade, que descrevem as sucessivas relações de semelhançaentre a imagem natural (que estabelece uma relação de identidade consigo prória) e a imagem não-representativa (que não representa, como o seu nome indica qualquer realidade exterior). A escala

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proposta por Villefane, da qual a seguir se apresenta uma versão simplificada, constitui umaexcelente base de trabalho, pecando por, para uma abordagem não-profissional ser deamsiadocomplexa:Grau Nível de Realidade Função Imagem Natural Reconhecimento

Modelo tridimensional à escalaImagens Estereoscópicas e Hologramas Fotografia coloridaFotografia a Preto e Branco

Descrição

Pintura Realista Representação Figurativa Não-Realista Artística

Pictogramas Esquemas Sinais Arbitrários Informação Representação Não-Figurativa Especulação

5. critérios de aceitabilidade, que se prendem com as convenções de género (fotografia, quadro,caricatura ....);

6. critérios de adequação que estão relacionados com as competências (previstas) do espectador (graude cultura, faixa etária, situação de observação ...);

notemos que estes níveis de análise não se excluem mutuamente antes se interpenetarm para umacompreensão o mais perfeita possível do funcionamento da imagem.

Diga-se a terminar, provisoriamente, que os elementos acima referidos não servem apenas enquantodiscodificadores académicos de imagens propostas, mas devem antes ser uma base de reflexão da qualpartir ao elaborar imagens, mormente quando elas têm uma finalidade tão definida quanto a didáctica e umpúblico tão difícil e particular como o que é constituído por crianças de idades compreendidas entre os 6os 10 anos.

Notas

1)Platão – A República, Lisboa, Europa-América, s.d., p. 225

2)Reboul, Olivier (1991) – Introdução à Retórica, São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 83

3) Para uma análise deste tipo mais completa, por exemplo, Villefane, Justo – Introduccíon a la Teoria dala Imagem, Madrid, Piramide, 1988

4) Pode encontrar-se uma aboragem deste tipo em: Joly, Martine (1994) – Introdução à Análise daImagem, Lisboa, Ed. 70, 1999

5) Ver a escala completa em anexo .

Anexo 1Escala de iconicidade de Villefane

Grau Nível deRealidade Critério Exemplo

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1 Imagem naturalRestabelece todas aspropriedade do objecto.Identidade

Qualquer percepção“natural” da realidade

Modelotridimensional àescala

Restabelece todas aspropriedades do objecto.Identificação mas nãoidentidade

Estatuária naturalista.“Kits”

Imagensestereoscópicas

Restabelecem as formas edimensõesdos objectosemissores de raediaçõespresentes no espaço

Hologramas

Fotografiacolorida

O grau de definição daimagem está equiparado aopoder de resolução de umolho médio

Fotografia deReportagem

Fotografia apreto e branco

O grau de definição daimagem está equiparado aopoder de resolução de umolho médio

Fotografia deReportagem

6 Pintura realistaRestabelece razoavelementeas relações espaciais numespaço bidimensiona

Las Meninas deVelasquez

7Representaçãofigurativa nãorealista

Ainda se produzidentificação mas asrelações espaciais estãoalteradas

Guernica de PicassoCaricaturas

8 PictogramasTodas as característicassensíveis, excepto a formaestão alteradas

Silhuetas

9 Esquemasmotivados

Abstração de todas ascaracteristicas sensíveis.Apenas se restabelecem asrelações orgânicas.

Organigramas. Planos

10 Sinais arbitrários

Não representamcaracterísticas sensíveis. Asrelações de dependênciaentre os elementos nãoseguem nenhum critério“natural”

Sinais de trânsito

11 Representaçãonão figurativa

Fazem abstração de todas asqualidades sensíveis erelacionais

uma obra de Miró

Bibliografia Básica

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