invalidez acidentÁria: definiÇÃo, caracterizaÇÃo e … · 2017-02-22 · diogo lopes vilela...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DIOGO LOPES VILELA BERBEL
INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS
2011
DIOGO LOPES VILELA BERBEL
INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO,
CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação de mestrado submetida à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Previdenciário, sobre a orientação do Professor Titular Wagner Balera.
2011
BANCA EXAMINADORA
___________________________
___________________________
___________________________
AGRADECIMENTO
Professor Wagner Balera;
A um homem nada se pode ensinar. Tudo que se pode fazer é ajudá-lo a se encontrar. Poucas foram as oportunidades que tive para lhe agradecer por tão grandioso trabalho. Obrigado!
RESUMO
Trata-se de dissertação de mestrado que investiga a invalidez acidentária. A investigação inicia-se na análise do contexto previdenciário, que é compreendido como fenômeno inerente à Seguridade Social. Vencida a contextualização da investigação, passa-se a análise do significado do risco social enquanto objeto da proteção previdenciária. Apesar de identificados, a dissertação não analise todos os riscos admitidos pela legislação brasileira. A investigação foca a invalidez e, sobretudo, a invalidez decorrente do acidente do trabalho, da doença profissional e da doença do trabalho. Os conceitos interessantes ao tema são definidos. Nessa etapa verificasse divergência conceitual entre os ramos do direito, que observando princípios próprios firmam definições relativas do fenômeno. Caracterizado o significado da invalidez, a dissertação adentra à seara da sua caracterização; genericamente, identifica-se dois métodos de aferição: i) nexo de causalidade; ii) nexo técnico; enquanto o primeiro verifica a relação de causa e efeito na realidade, o segundo se utiliza da estatística para caracterizar essa vinculação lógica. Antes das conclusões, a invalidez é analisada em face dos seus efeitos, seja no âmbito do direito do trabalho, seja na esfera macro do direito previdenciário. Essa dualidade ratifica a relatividade da definição, porque cada âmbito, sem vinculação, conceitua a invalidez por meio dos seus valores. No final, a dissertação apresenta conclusões pontuais sobre a investigação.
ABSTRACT
It's about a master's thesis which investigates the accidental disability. The investigation begins in the Previdenciary context analysis, which is understood as a phenomenon inherent in Social Security. Once the contextualization of research is won, the second step is to analyse the meaning of the social risk as an object of social welfare protection. Although identified, the paper does not analyze all the risks admitted by Brazilian law. The research focuses on disability and, above all, the disability caused by work accident, occupational disease and work disease. The related concepts to the subject are defined. At this stage, it is verified the conceptual divergence between the branches of law, which noting its own principles establish regarded definitions of the phenomenon. Characterized the meaning of disability, the paper goes into the harvest of its characterization; generally it is identified two methods of measurement: i) casual links; ii) technical connection, while the former checks the relation of cause and effect in reality, the latter uses statistics to characterize this logical connection. Before the conclusions, the disability is analyzed in the light of the its effects, be it under the labor law, be it in the macro social security law. This duality ratifies the relativity of the definition, because each part, without connection, defines disability through its values. In the end, the paper presents specific findings on the investigation.
LISTA DE ABREVIATURAS
ASO Atestado de Saúde Ocupacional
CAT Comunicação de Acidente do Trabalho
CF Constituição Federal
CID Classificação Internacional de Doenças
CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas.
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
CNPS Conselho Nacional de Previdência Social
CRPS Conselho de Recursos da Previdência Social
CTN Código Tributário Nacional
EPC Equipamento de Proteção Coletivo
EPI Equipamento de Proteção Individual
FAP Fator Acidentário de Prevenção
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
GFIP Guia de Fundo de Garantia e Informações à Previdência
Social
IAPI Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
ISSB Instituto dos Serviços Sociais do Brasil
LER Lesão por Esforço Repetitivo
LTCAT Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho
MPS Ministério da Previdência Social
MET Ministério do Trabalho e Emprego
MS Ministério da Saúde
NTEP Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário
PCMSO Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
PFE Procuradoria Fe12deral Especializada
PNSST Plano Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador
PPRA Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
RFB Receita Federal do Brasil – RFB
RGPS Regime Geral de Previdência Social
RPPS Regime Próprio de Previdência Social
SAT Seguro de Acidente de Trabalho
SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
2 SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL .............................................................. 16
2.1 SAÚDE .............................................................................................................. 21
2.2 PREVIDÊNCIA ..................................................................................................... 22
2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL .......................................................................................... 24
2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL ........................................ 27
2.4.1 Natureza Jurídica dos Princípios .................................................................. 29
2.4.2 Solidariedade ............................................................................................... 30
2.4.3 Universalidade da Cobertura e do Atendimento ........................................... 31
2.4.4 Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços ..... 32
2.4.5 Uniformidade e Equivalência - Urbanos e Rurais ......................................... 33
2.4.6 Irredutibilidade do Valor dos Benefícios ....................................................... 35
2.4.7 Equidade na Forma de Participação do Custeio .......................................... 36
2.4.8 Princípio da Contrapartida ............................................................................ 37
3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL ............................................................ 40
3.1 HISTORIOGRAFIA DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL .............................................. 42
3.2 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFORTUNÍSTICA ........................................................ 44
4. RISCO SOCIAL ................................................................................................ 49
4.1 INVALIDEZ .......................................................................................................... 50
4.2 ESPÉCIES DE INVALIDEZ ..................................................................................... 54
4.3 INVALIDEZ ACIDENTÁRIA ..................................................................................... 59
4.3.1 Acidente do Trabalho ................................................................................... 59
4.3.2 Doença Profissional...................................................................................... 65
4.3.3 Doença do Trabalho ..................................................................................... 67
4.4 MÉTODOS DE CARACTERIZAÇÃO DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA ................................. 68
4.4.1 Nexo Causal ................................................................................................. 69
4.4.2 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP ................................. 69
5 EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA ...................... 72
5.1 ENQUADRAMENTO DA ALÍQUOTA SAT .................................................................. 73
5.2 FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP ....................................................... 77
5.2.1 Metodologia do Fator Acidentário de Prevenção .......................................... 80
5.2.2 O FAP Como Operador da Adequação ........................................................ 83
5.2.3 Hipóteses de majoração e redução da alíquota SAT ................................... 84
5.3 AÇÕES DE REGRESSO ........................................................................................ 84
5.3.1 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91: Desequilíbrio Financeiro
e Atuarial ....................................................................................................... 86
5.3.2 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91: risco protegido pelo
Seguro Acidente de Trabalho – SAT ............................................................ 91
6 EFEITOS TRABALHISTAS DO ACIDENTE DO TRABALHO .......................... 96
6.1 ESTABILIDADE DE EMPREGO ............................................................................... 96
6.2 MANUTENÇÃO DOS DEPÓSITOS PARA O FGTS ..................................................... 99
6.3 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL ....................................................................... 100
7 DISTINÇÃO ENTRE AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO E
ACIDENTÁRIO .............................................................................................. 105
7.1 AUXÍLIO-DOENÇA COMUM ................................................................................. 106
7.2 AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO ........................................................................ 109
8 REENQUADRAMENTO DO SAT .................................................................... 112
8.1 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS Nº.
6.042/07 E 6.957/09: DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL ............................. 112
8.2 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS Nº.
6.042/07 E 6.957/09: MOTIVAÇÃO COMO VALOR CONSTITUCIONAL ........................ 115
8.3 LIMITAÇÃO AO PODER DE REGULAMENTAÇÃO: OBSERVÂNCIA ESTRITA DA
LEGALIDADE ...................................................................................................... 121
9 PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO DE BENEFÍCIO ......... 124
9.1 LEGITIMIDADE DA EMPRESA NO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO ........................... 125
9.2 EFEITOS DO RECURSO ADMINISTRATIVO ............................................................ 127
10 CONCLUSÃO ................................................................................................ 134
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 136
13
1 INTRODUÇÃO
A proteção social conferida aos eventos decorrentes dos riscos
ambientais do trabalho está prevista na Constituição Federal de 1988 - CF88. O
artigo 7° da CF88, ao dispor sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
instituiu, em seu inciso XXVII, fonte de custeio adicional, suportada pelo
empregador, aos benefícios decorrentes do acidente do trabalho, assegurando a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio da conjugação de esforços entre
saúde, segurança e higiene do trabalho.
O sistema constitucional compreendeu o acidente do trabalho como
risco social merecedor de proteção específica, vinculando a elevação da chance da
ocorrência do dano, direta ou indiretamente, ao descumprimento das normas
relativas à higiene, saúde e segurança do trabalho.
A fonte de custeio para a cobertura dos eventos decorrentes dos
riscos ambientais do trabalho – acidentes, doenças e aposentadorias especiais –
consiste na tarifação coletiva das empresas, seccionada por estabelecimento
detentor de um Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ próprio, conforme a
atividade preponderante, isto é, a ocupação que agregue o maior número de
empregados e avulsos, excluindo-se, portanto, os contribuintes individuais e
segurados facultativos.
Esse tributo, denominado Seguro de Acidente do Trabalho - SAT, é
identificado a partir da remuneração total paga, devida ou creditada aos segurados
empregados e avulsos, multiplicado por alíquotas de 1%, 2% e 3% (um, dois ou três
por cento), de acordo com riscos da atividade preponderante explorada pela
empresa.
A Lei n. 10.666/03 possibilitou a redução ou majoração do SAT,
recolhido pelas empresas e destinado ao financiamento dos benefícios decorrentes
dos riscos ambientais do trabalho. A Lei n. 10.666/03, em seu artigo 10, prescreveu
que as alíquotas de 1%, 2% e 3% (um, dois, três por centos) poderão variar entre a
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metade e o dobro, de acordo com a metodologia aprovada pelo Conselho Nacional
de Previdência Social - CNPS.
Trata-se, portanto, da instituição de um Fator Acidentário de
Prevenção – FAP, que é um multiplicador sobre a alíquota de 1%, 2% e 3% (um,
dois, três por centos), variável em um intervalo fechado contínuo de 0,5 a 2,0 e
apurado de acordo com variáveis de frequência, gravidade e custo das ocorrências
acidentárias nas empresas.
O FAP objetiva estimular a melhoria das condições de trabalho e da
saúde do trabalhador, incentivando as empresas a criarem políticas efetivas de
saúde e segurança do trabalho, com o intuito de reduzir os acidentes de trabalho.
Paralelamente ao FAP, o legislador criou o Nexo Técnico
Epidemiológico Previdenciário - NTEP, mecanismo que tem como objetivo de
identificar quais doenças têm relação com a atividade profissional, provocadora da
incapacidade acidentária. Essa avaliação consiste em estabelecer o nexo técnico
entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a
enfermidade, motivadora da incapacidade. A presunção decorre da relação
estatística entre a doença e a atividade econômica praticada pelo empregador do
segurado.
Tal medida se justificou, em síntese, devido à praxe empresarial de
subnotificar os acidentes do trabalho e doenças equiparadas, da ausência de
uniformização e padronização das concessões acidentárias e de propiciar maior
segurança jurídica à relação previdenciária, em razão do menor grau de
manipulação das informações.
O escopo do estudo consiste na compreensão analítica da invalidez
acidentária, partindo-se de uma interpretação sistemática e teleológica da norma
jurídica previdenciária.
Para alcançar o intuito deste trabalho, a metodologia utilizada
embasou-se em um estudo bibliográfico, com aprofundamento em pesquisas
15
doutrinárias e jurisprudenciais, explicando e determinando sua abrangência, bem
como compreendendo sua respectiva problemática. Deste modo, utilizando-se de
um método lógico-dedutivo, foram coletados documentos, tais como textos,
doutrinas, jurisprudências e publicações, passando-se, em seguida, à produção de
fichamentos, documentos e leitura, a fim de iniciar a organização e montagem do
trabalho.
O trabalho estrutura-se em dez capítulos. No entanto, por meio do
método de pesquisa utilizado, julgamos ser necessária a separação da literatura em
três grandes temas: (i) Seguridade Social; (ii) Invalidez; (iii) Efeitos da Invalidez.
De início, almejamos abordar os aspectos inerentes ao Sistema da
Seguridade Social, descrevendo seus repertórios e estruturas: Saúde, Assistência e
Previdência Social. Em seguida, passamos a expor uma breve historiografia da
proteção social no Brasil, como forma de contextualizar o tema, encerrando a
primeira parte com uma explanação sobre os mais significativos princípios
constitucionais da Seguridade Social brasileira.
Na sequência, analisamos os métodos de caracterização da
invalidez (nexo causal/nexo técnico epidemiológico) e espécies de invalidez
acidentária (acidente do trabalho, doença profissional e doença do trabalho),
debatendo com a doutrina acerca das conclusões.
Por fim, fizemos um estudo mais aprofundado das espécies de
invalidez acidentária, passando a analisar/diferenciar o acidente do trabalho, doença
profissional e doença do trabalho. Objetivamos abordar sobre os efeitos da invalidez
no sistema de seguridade social, por meio de seu operador (Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS), assim como no âmbito trabalhista e custeio da seguridade
social.
Ao final da dissertação, e baseando-se na exploração da literatura
pesquisada, concluímos nosso objeto de estudo de modo objetivo e sucinto.
16
2 SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL
Até a promulgação da CF88, a Seguridade Social não se encontrava
sistematizada. As ações de saúde, previdência e assistência social conviviam sem
conexão constitucional, embora estruturadas sobre o Sistema Nacional de
Previdência e Assistência Social - SINPAS. A sistematização iniciada pelo SINPAS
foi constitucionalizada na CF88, que aglomerou, sob um mesmo contexto, a
previdência, a saúde e a assistência social.
O novo contexto jurídico, encabeçado pelo artigo 194 da CF88
enuncia que ―a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social‖.
Essa união não foi meramente formal. As políticas de previdência,
assistência e saúde, antes descoordenadas, passaram a ser costuradas
paralelamente. Ademais, os orçamentos, antes individualizados, foram juntados,
descaracterizando a destinação específica verificada no SINPAS.
No sistema europeu, a Seguridade Social constitui uma realidade
coletivamente assumida, que permanece indiscutível, para além de todas as
controvérsias. Seu principal objetivo é a de assegurar de forma organizada a
proteção dos cidadãos contra determinados riscos sociais, pois os efeitos desses
riscos não interessam apenas individualmente às pessoas, mas também à
sociedade em geral.
A sistematização constitucional da Seguridade Social não reduziu a
importância das formas privadas de proteção. Pelo contrário, as formas privadas de
proteção social foram absorvidas pela Seguridade Social, agindo em paralelo ou
como pressuposto da proteção social pública.
O privado não se manifesta apenas na previdência. Existem também
formas privadas de saúde e de assistência. Neste caso, a inexistência de proteção
privada é condição à assistência pública, pois um dos pressupostos para a
17
concessão do benefício de prestação continuada da assistência social é a ausência
de capacidade econômica da família (proteção privada) na manutenção do indivíduo
acidentado.
Em princípio, podemos conceituar o Sistema da Seguridade Social
como um conjunto de regras e princípios devidamente organizados, no intuito de
promover a proteção social. Apesar de se interessar pela proteção plena, a
Seguridade Social limita suas ações aos riscos sociais enunciados na CF88. Essa
limitação não é estática; desde que existam recursos financeiros para a expansão,
novos riscos sociais podem ser absorvidos pela Seguridade Social.
José Manuel Almansa Pastor1 define a Seguridade Social como um
instrumento estatal específico, protetor de necessidades sociais, individuais e
coletivas, a cuja proteção preventiva e reparadora têm direito os indivíduos, na
extensão, nos limites e nas condições dispostos pelas normas e conforme a
organização financeira permitida.
1 PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de La Seguridade Social. In: HORVATH JUNIOR,
Miguel. Direito Previdenciário, p.103.
Espécie Classe Gênero
Seguridade Social
Previdência
Privada
Social
Saúde
Privada
Social
Assistência
Privada
Social
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Já Wagner Balera2 conceitua a Seguridade Social afirmando que ela
é o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e
coletivos concernentes à Saúde, à Previdência e à Assistência Sociais.
Para Ilídio das Neves3, os regimes de segurança social têm dois
grandes objetivos, que correspondem, respectivamente, aos regimes contributivos e
aos não contributivos. Por um lado, é assegurada a proteção dos trabalhadores e
suas famílias nas situações de riscos sociais (doença, desemprego, morte, etc...).
Visa-se aqui a garantia de rendimentos de substituição. Por outro lado, é assegurada
a proteção das pessoas que se encontram em situação de carência econômica.
Neste caso, visa-se a garantia de rendimentos mínimos, numa base de
solidariedade.
Diante destas considerações, a ação social visa a prevenção de
situações de carência, disfunção e exclusão social, em especial a grupos mais
vulneráveis às rupturas sócio-familiares.
Neves enuncia três pilares que estruturam o sistema da seguridade
social: o aparelho social, o aparelho financeiro e o aparelho gestionário. No entanto,
defende que o mais importante é o ordenamento jurídico, já que toda a proteção
social baseia-se em direito e garantidos aos cidadãos.
O aparelho social consiste naquele que define os objetos, os
princípios orientadores e as medidas políticas adequadas para a caracterização dos
direitos do sistema de segurança social.
Em segundo lugar, há o aparelho financeiro, ou seja, os meios
financeiros necessários, recolhidos para a aplicação de determinadas técnicas de
captação de receitas, em que constitui ponto fundamental a corresponsabilidade
financeira dos benefícios.
2 BALERA, Wagner, Seguridade Social na Constituição Federal de 1988, p.34.
3 NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social: princípios fundamentais numa prospectiva. Coimbra: Coimbra. 1996.
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Por último, há o aparelho gestionário, que se funda no conjunto das
instituições e da sua atividade administrativa, com as quais os beneficiários, os
contribuintes e os cidadãos estabelecem vínculos jurídicos de direito e obrigações.
Sobre o sentido provável da proteção social, na medida em que lhe
fixa os limites e contornos, Wagner Balera4 afirma que ―o Sistema deverá atuar, na
desordem social que o constituinte identifica e reconhece, a fim de conformá-la em
plano superior‖.
Dentre os objetivos do direito, encontramos o poder de atuar no
intuito de transformar as realidades encontradas na vida das comunidades. Tais
realidades revelam, no mundo da seguridade social, situações de necessidade nas
quais os sujeitos se encontram à espera de proteção.
A existência do sistema somente se justifica na medida em que sua
permanente e concreta atuação na vida social faz acontecer o objetivo de
cumprimento de determinada lei. Em se tratando do Sistema Nacional de
Seguridade Social, essa coação pode ser encontrada na mais eminente diretriz no
parágrafo único, inciso I, do artigo 194 de nossa Carta Magna: a ‗universalidade da
cobertura e do atendimento‘. Por tais razões, as finalidades da Ordem Social, sejam
elas o bem-estar e justiças sociais, serão alcançadas por meio da universalização
dos planos de proteção.
A Seguridade Social é o conjunto de meios que a sociedade usufrui
como forma de atingir uma proteção social plena. Assim, a ordem constitucional
brasileira não abrangeu sua plenitude na medida em que abarcou as proteções
relativas somente à saúde, previdência e assistência social. Limitando ainda mais as
ações, relativas a essas áreas, a determinados indivíduos.
A limitação atribuída à previdência é evidente. Suas ações atingem
somente seus segurados e dependentes. Na saúde e na assistência a limitação é
4 BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 2º edição. São Paulo: Editora: LTr. 2002, pág.
12.
20
mascarada pela incorreta utilização do princípio da universalidade. Nem todos têm
direito à saúde ou assistência, mas somente aqueles que delas necessitarem.
A universalidade age na identificação do possível beneficiário da
saúde e da assistência. Essa universalidade, no entanto, é limitada na prática pela
seletividade e distributividade, que identificam entre os possíveis beneficiários
aqueles que realmente precisam das ações de saúde e de assistência.
No âmbito da justiça social, no qual se encontra a garantia de uma
vida digna ao ser humano, o sistema age como organismo que, ao especificar as
necessidades de proteção dos seres humanos, busca satisfazê-las juntamente.
Nesta linha, a Seguridade Social constitui ações de saúde,
previdência e assistência, sendo que as duas primeiras cumprem seu papel de
prevenção aos infortúnios da vida, e esta última atua no sentido de remediação às
carências vitais do cidadão. O sistema da seguridade social faz acontecer, do ponto
de vida jurídica, a justiça social, protegendo tanto trabalhadores, seus primitivos
destinatários, quanto os financeiramente mais necessitados.
Podemos inferir que a Seguridade Social é um sistema de proteção
social que, além de público e obrigatório, é privado e facultativo. Absolutamente
fundamental às políticas, tanto nos estados industrializados como dos países em
desenvolvimento, a conjunção desses fatores melhoram a eficácia do sistema. A
defesa contra eventuais riscos sociais não pode ser considerada uma questão
individual, que cada cidadão deva resolver de forma isolada, mas também não pode
ser considerada uma questão homogênea, que importa de igual modo a todos os
sujeitos.
Desta forma, é necessário tornar o sistema da Seguridade Social
conhecido de modo adequado, nos seus princípios e objetivos, bem como nas suas
técnicas e formas de intervenção social, como forma de propiciar cada vez mais uma
efetiva prestação e cobertura.
21
2.1 SAÚDE
A CF88, entre os artigos 196 e 200, regulamenta a saúde,
enunciando-a como ―direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação‖.
Da mesma forma que a assistência social, a prestação dos serviços
de saúde não exige contribuições específicas, como aponta Fábio Zambitte Ibrahim:
―A saúde é segmento autônomo da seguridade social, com organização distinta. Tem o escopo mais amplo de todos os ramos protetivos, já que não possui restrita à sua clientela protegida – qualquer pessoa tem direito ao atendimento providenciado pelo Estado – e, ainda, não necessita de comprovação de contribuição do beneficiário direto.‖
5
O Sistema único de Saúde - SUS atenderá e remediará a todos que
dele necessitar, assumindo como diretrizes a descentralização administrativa, a
integralidade do atendimento e a participação da comunidade.
No que diz respeito ao atendimento integral, este sistema deverá
priorizar as atividades preventivas, buscando evitar os riscos à saúde, por intermédio
de programas e campanhas de atuação e conscientização sociais em relação a
evitar riscos e enfermidades.
Além de sua função prioritária de prevenção, o SUS deverá voltar-se
ao atendimento curativo, aquele que deverá ser realizado posteriormente ao evento
danoso à saúde. Em outras palavras, prestará tratamentos e recuperação de
enfermos, conforme vem expresso em previsão constitucional, como necessidade de
prestação de serviços assistenciais.
5 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 12º edição. Rio de Janeiro: Editora:
Impetus, 2008. pág. 6.
22
A participação da sociedade pode também ser considerada como
uma importante diretriz deste sistema de saúde, pois por intermédio de sua
cooperação e adesão aos programas e campanhas preventivas de saúde, como com
efetiva prestação complementar do serviço de saúde, colaboram para a manutenção
deste instituto.
O artigo 199 da CF88 estabelece que a prestação da saúde poderá
ser de livre iniciativa privada. A forma privada de proteção social não concorre com a
social; há coexistência entre elas, principalmente porque ao se filiar ao regime
privado de saúde o sujeito não renúncia à forma social. A saúde privada é uma
opção constitucional conferida ao sujeito que, disposto aos custos, contrata proteção
específica, sem abandonar aquela atribuída ao Estado.
2.2 PREVIDÊNCIA
A previdência é técnica de Seguridade Social; age semelhantemente
ao seguro, concedendo prestação diante da ocorrência do risco social. Enquanto a
forma social impõe a filiação, a espécie privada de previdência faculta a vinculação a
quem se interessar. A condição de segurado da previdência social é uma situação
jurídica, adquirida independentemente da vontade ou do interesse do segurado.
Fábio Lopes Vilela Berbel, diz que:
―A previdência para ser social tem que estabelecer filiação obrigatória, determinando, através de norma jurídica, a condição de filiado a todo o sujeito abstrato, independentemente da natureza da contingência que está protegido.‖
6
Destarte, a vinculação obrigatória é requisito fundamental à
socialização da previdência social. A obrigatoriedade na filiação é importante para
combater o descaso com o futuro, principalmente dos cidadãos dos países em
desenvolvimento, que diante das dificuldades presentes não planejam formas para
combater os problemas futuros.
6 BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria geral da previdência social. São Paulo: Editora: Quartier
Latin, 2005, pág. 130.
23
Outro elemento caracterizador da previdência social é o
financiamento tripartite, ou seja, o custeio desta proteção tem de se dar por meio de
três fontes: por cota dos segurados, por cota dos empresários e por subsídios da
sociedade, na pessoa do Estado. A socialização no ramo da previdência será vista
quando contar com a participação simultânea destes agentes, ou seja, o provável
beneficiário (segurado), o gerador do infortúnio (empregador) e a parcela inserida
neste arcabouço de proteção (a sociedade).
Conforme o exposto, a previdência social é, antes de tudo, uma
forma de proteção que resulta da ação entre o Poder público e os demais indivíduos
sociais. A previdência, copiando a técnica do seguro, age sobre o risco social,
sobretudo daqueles comuns à vida. Nesta linha, Fabio Zambitte Ibrahim confirma
que:
―[...] A previdência social é técnica protetiva mais evoluída que os antigos seguros sociais, devido à maior abrangência de proteção e a flexibilização da correspectividade individual entre contribuição e benefício. A solidariedade é mais forte nos sistemas atuais. A seguridade social, como última etapa ainda a ser plenamente alcançada, abrangendo a previdência social, busca a proteção máxima, a ser implementada de acordo com as possibilidades orçamentárias.‖
7
Os riscos sociais cobertos pelos regimes de previdência são os
infortúnios da vida a que qualquer pessoa está exposta, como risco de doença ou
acidente, tanto quanto eventos que podem ser previstos, como a idade avançada;
são geradores de impedimento para o segurado providenciar sua manutenção.
Wagner Balera conceitua a previdência social como:
―[...] uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores social. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao
7 IBRAHIM, op. cit., pág. 6.
24
mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego.‖
8
Diferentemente da assistência, a previdência não exige a
materialização dos efeitos do risco social. Sua ação se dá no exato momento que
essa necessidade, absolutamente presumida na norma jurídica, atingiria o segurado,
privando-o dos meios financeiros necessários à manutenção da sua dignidade.
2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL
Em alguns aspectos, a assistência se assemelha com a previdência
Social, pois ambas são formas de proteção. No entanto, sua mais importante função
é sua ação remediadora, pois esta será acionada após a consolidação da
contingência que vier a atingir o indivíduo, ou seja, a indigência. Ratificando, Wagner
Balera9 assinala que ―a assistência pública veio a ser a fórmula encontrada pelo
legislador para modelar – com o instrumental jurídico - pela primeira vez, a questão
social‖.
Os objetivos da assistência social estão previstos nos incisos do
artigo 203 da nossa Constituição Federal, sendo eles a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e
adolescentes pecuniariamente desfavorecidos; a promoção da integração ao
mercado de trabalho; a habitação e reabilitação das pessoas portadoras de
8 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. Editora: Quartier Latin, 2004. pág. 49.
9 BALERA, op. cit.. pág. 45. 2002.
Previdência Necessidade
decorrente do risco social
Assistência
25
deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, bem como a garantia
de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuírem meios de proverem a própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família.
Diferentemente do instituto da previdência em que os benefícios
serão destinados a quem somente implementar os requisitos exigidos em lei,
segundo previsão do referido artigo 203, da Constituição Federal, a assistência
social é uma forma de proteção social prestada a quem dela necessitar, não
dependendo para tanto filiação ou contribuições. É importante assinalar que não
podem ser confundidos os benefícios decorrentes da assistência social com os de
previdência social, em que pese por algumas vezes coincidirem os riscos sociais
acobertados por ambos.
Bem delineada em nosso texto constitucional, a diferença entre a
assistência e a previdência social já era enunciada por Cesarino Junior10, quando
considerava a existência de um ramo da ciência jurídica que viria a ser denominado
de Direito Assistencial, o qual seria parte do Direito Social, e seu objetivo maior seria
a satisfação das necessidades urgentes do ser humano, sem que para isso fosse
exigida uma contraprestação pecuniária.
Este mesmo autor ainda considerava a existência de duas
modalidades de assistência: pública e privada. Afirmava que ao direito de
subsistência, inerente aos necessitados, haveria um dever da coletividade em
auxiliá-los. Tal dever, em relação aos indivíduos que compõem o grupo social,
considerar-se-ia como um dever moral, derivando daí a chamada assistência
privada. Sob o ponto de vista do dever do Estado prestar a mesma assistência,
deveria ele ser considerado como um dever jurídico, o que lhe daria a obrigação de
assistência pública.
Tanto a assistência como a previdência social são formas de
proteção social. Por sua vez, a previdência social, derivada dos seguros privados,
10
CESARINO JUNIOR. A. F. Direito social brasileiro. 6. edição. São Paulo: Editora: Saraiva, 1970, pág. 94. v. 1
26
exige necessariamente que o benefício almejado corresponda a determinada
contribuição vertida.
A previdência social, na condição de seguro, apresentava-se como
instrumento de segurança destinada a determinado grupo, tendo em vista ser um
sistema seletivo e monetariamente caro para sua manutenção, em especial pela
busca de lucro das entidades privadas que os mantinham. Com isso, a filiação era
facultativa, enquadrando-se na proteção apenas os que assim o desejassem e
tivessem condições financeiras para tanto.
Assim sendo, Nilson Martins Lopes Júnior afirma que:
―[...] A partir do momento em que o Estado passa a intervir na atividade de proteção social, ampliando o sistema para abranger o maior número de beneficiários possível, bem como pondo a baixo o valor dos prêmios, torna-se necessário buscar uma forma de compensação para o barateamento da participação do beneficiário no custeio da previdência social, o que se faz mediante a imposição da filiação obrigatória de todos os trabalhadores. Incluindo até mesmo aqueles que aparentemente não necessitariam de qualquer auxílio do Estado.‖ 11
Não se pode restringir a diferenciação da assistência e a previdência
social somente em seu caráter contributivo ou não. Aliás, discordamos desta forma
de diferenciação, vejamos.
Para Ilídio das Neves12, a proteção social conferida no âmbito do
sistema da Seguridade Social pode ser preventiva, reparadora ou recuperadora das
indigências que podem vir a atingir o indivíduo resgatando sua dignidade. É desta
forma, um modo de proteção social que previne ou cura a enfermidade social.
Em se tratando do propósito de prevenir, o sistema de Seguridade
Social age por intermédio de ações de saúde, prevenindo por métodos sanitários as
indigências sociais. Sabe-se que a proteção oportunizada pela Seguridade Social
abrange aspectos morais, espirituais e materiais. Desta forma, nos restringindo ao
11
LOPES JÚNIOR, Nilson Martins. Direito previdenciário: custeio e benefícios. 2o. edição. São Paulo: Rideel, 2009, p. 54- 55.
12 NEVES, op. cit., pág. 50, 64.
27
campo do problema econômico, o sujeito desta proteção é o detentor de capacidade
de trabalho, tendo em vista que a prevenção incidirá sobre este aspecto, não
permitindo que ele se extinga.
No que diz respeito à reparação, esta será mantida pela previdência
social, pois nesta, em regra, não há indigência concreta. Fábio Berbel13 manifesta
seu entendimento afirmando que ‗o sujeito jurídico desta relação é o detentor de
capacidade laboral que se encontra à margem da indigência social‘, em outras
palavras, que está acometido de contingência social.
Por seu turno, as ações de recuperação serão desenvolvidas pelo
prisma assistencial. Diferentemente da previdência e da saúde, a assistência social,
atua após a concretização da necessidade social, tendo em vista que o indivíduo
hipotético dessa ação é aquele que se encontra em estado de indigência social.
Para este campo, é indiferente a capacidade para o trabalho do indigente, pois o
elemento essencial para sua caracterização é a miserabilidade que pode ser
entendida como a cumulação entre a impossibilidade de trabalho e a indigência.
Diante do exposto, a assistência e a previdência social diferenciam-
se entre si pelo modo de ação. Conclui-se que a primeira remedia a indigência
social, ao tempo que a segunda previne essa provável situação. Assim, afirmamos e
defendemos que esta seria a mais eminente diferença, sendo, deste modo,
equivocadas demais defesas quanto à gratuidade ou não dos benefícios. Isto se
ratifica pelo fato de o critério contributivo não poder ser o elemento caracterizador do
sistema previdenciário.
2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL
Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a atual Constituição da
República Federativa do Brasil, que trouxe consigo, desde logo, em seu artigo 1º,
como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho,
dentre outros.
13
BERBEL, op. cit., p. 140.
28
Em se tratando do Título VII da Ordem Social, o artigo 193
estabelece que a ordem social tem, como base, o primado do trabalho e, como
objetivo, o bem-estar e as justiças sociais. Já o Capítulo II, deste mesmo Título,
passa então a tratar em específico de um tema que passou a figurar em nosso
ordenamento apenas a partir de 1988: a Seguridade Social.
Deste modo, trata-se de denominação genérica que abarca todos os
aspectos da proteção social, objetivando abranger preventivamente e curativamente
todas as formas de risco e de proteção contra os infortúnios da vida.
As disposições gerais a respeito da seguridade social cuidam de
estabelecer também os objetivos em que se baseiam sua disposição, sendo eles:
Universalidade de cobertura e do atendimento;
Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais;
Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e
serviços;
Irredutibilidade do valor dos benefícios;
Equidade na forma de participação no custeio;
Diversidade da base de financiamento;
Caráter democrático e descentralizado da administração, mediante
gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados.
Esses princípios, com maior ou menor intensidade, atingem ao
Sistema de Seguridade Social. Não obstante, existem princípios, oriundo do seguro
29
e do mutualismo, que interessam apenas à previdência. Existem outros, porém, que
atingem somente a assistência e a saúde, porque interessantes aos respectivos
modelos de atuação.
2.4.1 Natureza Jurídica dos Princípios
Não há como determinar a verdadeira natureza jurídica dos
princípios. Isso acontece porque eles podem, constantemente, modificar de função,
posição e características, conforme sua própria natureza. A referência aos princípios
como fontes formais de aplicação, integração ou interpretação do Direito, nem
sempre tem sido própria na prática regular.
Tendo em vista ser o campo do Direito Social extremamente
mutável, a utilização dos princípios deve ser regida com certa cautela, pois estes
podem desenvolver-se com uma grande rapidez vinda a gerar diversas
interpretações e podendo ser frágeis pela dinâmica social do trabalho.
Ao considerar que os princípios representam a consciência jurídica
do Direito, Wladimir Novaes Martinez sustenta que os princípios:
[...] Podem ser concebidos pela mente do cientista social ou medrar no trato diário da aplicação da norma jurídica. Criados artificialmente, não devem descurar de sua parte, razões mais elevadas, diretrizes ainda mais altas, os valores eternos da civilização, entre os quais avultam os postulados fundamentais da liberdade, o primado dos direitos humanos, o dogma da responsabilidade social e os preceitos de igualdade, equidade e legalidade.
14
Por este ensinamento, os princípios devem cumprir sua função de
prestar serviços, ser capazes de aplicação, possuírem utilidade, não podendo, de
forma alguma, serem utilizados como meros conselheiros. Devem ser preservados,
enriquecidos e utilizados. Cada um deles possui funções e campo de atuações
específicas, e hierarquizá-los pode ser impossível, tendo em vista sua natureza de
14
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4º edição. São Paulo: Editora: LTr, 2001.
30
norte primordial. Os princípios devem ter eficácia. A utilidade é indispensável para
sua razão de ser.
Os princípios a seguir são pertinentes à previdência social; não há
exclusividade, porque podem atingir outras esferas da Seguridade Social. O rol não
é exaustivo, porque isso seria impossível. Sua sistematização tem o intuito de
demonstrar a existência e a autonomia deste ramo jurídico.
2.4.2 Solidariedade
A solidariedade significa união de pessoas em grupos, contribuindo
conjuntamente para a sustentação econômica de sujeitos em sociedade,
individualmente apreciados e, em dado momento, também poderão contribuir ou não
para a manutenção de outras pessoas. Wladimir Novaes Martinez15 ensina que ―no
momento da contribuição, é a sociedade quem contribui; no instante da percepção
da prestação, é o ser humano a usufruir‖.
Deste modo, embora no ato da contribuição seja possível
individualizar o contribuinte, não é possível vincular cada uma das contribuições a
cada um dos beneficiários, pois há um fundo anônimo de recursos e um número
determinável de beneficiários.
Este princípio da solidariedade é a justificativa para a
obrigatoriedade do sistema previdenciário, pois é por intermédio dele que os
indivíduos que exercem atividade profissional são obrigados a contribuir. A
contribuição individual, nesse contexto, é indispensável para que toda a rede de
proteção possa ser mantida, e não para a tutela do indivíduo isoladamente.
Por fim, a solidariedade é pressuposto para a ação cooperativa da
sociedade, sendo condição fundamental para que o bem-estar seja materializado,
objetivando a redução das desigualdades sociais. Assim sendo, o princípio da
solidariedade vai além dos tradicionais ideais do seguro social, não se restringindo
15
Ibidem.
31
apenas na manutenção do sistema, mas colabora também para que os objetivos da
Constituição Federal sejam mais efetivamente alcançados.
2.4.3 Universalidade da Cobertura e do Atendimento
A previsão da universalidade da cobertura e do atendimento refere-
se à indispensabilidade de serem instituídos em lei planos para objetivam sempre a
cobertura ampla e irrestrita de todos os riscos sociais previstos na Constituição
Federal. Não deixando de lado, evidentemente, os que venham a ser reconhecidos
da esfera infraconstitucional.
Nesse sentido, este princípio prevê que qualquer indivíduo tem a
possibilidade de participar da proteção social arcada financeiramente pelo Estado.
Conforme anteriormente comentado, na saúde e na assistência esta previsão é
regra, e será prestada a todos, sem exceção.
Porém, quanto à previdência social, tendo em vista seu caráter
contributivo é, em princípio, restrita aos que exercem atividade profissional. No
entanto, para que a norma constitucional seja respeitada na sua integralidade, a
previdência criou a modalidade de inserção no sistema como segurado facultativo.
Alguns doutrinadores fazem uma divisão deste princípio em duas
dimensões, como é o caso de Wagner Balera e Fábio Zambitte Ibrahim que
defendem, respectivamente:
―[...] a diretriz em questão possui uma dupla significação. De um lado, ela se refere ao elenco de prestações que serão fornecidas pelo sistema de seguridade. De outro, aos sujeitos protegidos.‖
16
[...] Este princípio possui duas dimensões objetiva e subjetiva, sendo a primeira voltada a alcançar todos os riscos sociais que possam gerar o estado de necessidade (universalidade de cobertura),
16
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 83.
32
enquanto a segundo busca tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema protetivo (universalidade de atendimento).
17
Por fim, cumpre afirmar que a universalidade de cobertura e
atendimento é inerente a um Sistema de Seguridade Social, já que todas as causas
sociais, relacionadas à área da seguridade são atendidas. Este princípio somente se
faz realizável se os recursos financeiros são possíveis. Assim, realça-se a
interrelação entre os princípios, com destaque para com o da participação no
custeio, pois a universalidade será atendida se as condições pecuniárias do sistema
permitirem.
2.4.4 Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços
Tendo em vista serem os direitos sociais considerados como direitos
positivos, ou seja, aqueles que demandam determinada ação do governo, acabam
gerando um maior custo para o Estado. Deste modo, com o crescimento destas
obrigações positivas, evidencia-se o princípio da Reserva do Possível, que limita a
atuação estatal em suas possibilidades orçamentárias.
Neste sentido, surge o princípio da seletividade, que impõe a
concessão e manutenção das prestações sociais mais relevantes, sem deixar de
levar em consideração os objetivos do bem-estar e justiça social previstos em nossa
Constituição Federal.
Segundo ensina Balera18, a seletividade atua na delimitação do rol
de prestações, ou seja, na escolha dos benefícios e serviços a serem mantidos pela
Seguridade Social, enquanto a distributividade direciona a atuação do sistema de
proteção para as pessoas com maior necessidade, definindo o grau de proteção.
A seletividade na prestação dos benefícios e serviços refere-se à
necessária seleção dos riscos sociais a serem cobertos pelo sistema de seguridade
social. Assim, o princípio da seletividade pressupõe que os benefícios são
17
IBRAHIM, op. cit., p. 56. 18
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
33
concedidos a quem deles efetivamente necessite, razão pela qual a Seguridade
Social deve apontar os requisitos para a sua concessão de benefícios e serviços.
A distributividade na prestação dos benefícios e serviços, por sua
vez, consiste na enumeração daquelas pessoas que podem ser beneficiadas por tal
proteção. No entanto, não se trata de regra de exclusão de direitos, mas tão-
somente de distribuição de justiça social, segundo a qual, por exemplo, o direito à
saúde deve ser colocado a favor de todos, enquanto a aposentadoria somente pode
ser distribuída aos segurados do regime de previdência social, uma vez que é
necessária a existência de prévia contribuição.
2.4.5 Uniformidade e Equivalência - Urbanos e Rurais
Até o advento da CF88, o trabalhador rural tinha tratamento
diferenciado em relação ao urbano. Enquanto aos trabalhadores urbanos o
ordenamento jurídico reservava uma ampla proteção social, aos trabalhadores rurais
era reservada uma tímida ação de assistência.
Essa estrutura, justificada na incapacidade dos trabalhadores rurais
equilibrarem financeiramente um sistema amplo de proteção social, foi derrubada
pela CF88, que, observando a diretriz da isonomia, igualou em todos os âmbitos dos
trabalhadores rurais aos urbanos. A intenção do constituinte nessa igualdade se
comprova na redundância dos dispositivos; o princípio da isonomia é reiterado em
várias oportunidades.
Sobre o principio Miguel Horvath Junior comenta:
―Com a regulamentação da CF/88 através das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, temos apenas uma previdência social que abrange as populações urbanas e rurais. A intenção constitucional é a eliminação completa de qualquer discriminação entre estas duas populações.‖
19
19
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 5a. edição. São Paulo. 2005. pág 53.
34
Podemos dizer que neste princípio aplicam-se conjuntamente os
princípios da solidariedade e da igualdade. O primeiro pelo fato de que os
trabalhadores urbanos auxiliam no custeio dos benefícios rurais e vice-versa. Já no
princípio da isonomia, a igualdade material determina parcelas de diferenciação
entre os segurados urbanos e rurais, na medida em que a própria CF88, em seu
artigo 195, §8º, prevê contribuições diferenciadas para o pequeno produtor rural.
Nílson Martins Lopes Júnior ratifica a assertiva afirmando que:
[...] Considerando-se que o princípio da igualdade ou da isonomia já se encontra firmamente previsto em diversos dispositivos constitucionais, especialmente quando se trata dos direitos e garantias fundamentais, poder-se-ia argumentar que a menção a uma uniformidade e equivalência de benefícios e serviços em favor das populações urbanas e rurais fosse dispensável.
20
Algumas diferenciações no custeio e nos benefícios concedidos aos
trabalhadores urbanos e rurais são possíveis, desde que para tanto sejam
justificáveis diante da isonomia material, e igualmente razoáveis, sem nenhuma
espécie de privilégios para qualquer das partes.
A isonomia constitucional, bem como a uniformidade e equivalência,
não impõe igualdade formal e absoluta entre os trabalhadores urbanos e rurais. Essa
igualdade é relativa; cada qual, diante das suas características, deve ser tratado com
especificidade, sem que essa seja capaz de desqualificar a igualdade genérica.
Assim, o princípio da isonomia pode ser utilizado para fundamentar a
desigualdade na forma de se calcular a prestação previdenciária dos trabalhadores
rurais, ou da sua contribuição para a Seguridade Social. Esse princípio, no entanto,
não pode ser utilizado para descaracterizar a proteção previdenciária dos
trabalhadores rural, porque no âmbito do risco social, esses trabalhadores se
identificam com os trabalhadores urbanos.
20
LOPES JUNIOR, op.cit.
35
2.4.6 Irredutibilidade do Valor dos Benefícios
Sendo concedidos os benefícios, especialmente aqueles de
prestação continuada, o texto constitucional exige a manutenção de seu valor
originário de forma a não permitir a redução de seu poder de compra com o decorrer
do tempo e principalmente pelos efeitos da inflação.
No entanto, muitos fazem afirmações errôneas sobre o valor dos
benefícios, alegando uma contrariedade a este princípio. Porém, ocorre que a
previdência social tem relação com a base de cálculo da contribuição, ou seja, o
salário de contribuição. Como este muitas vezes não oportuniza um mínimo
necessário garantidor de subsistência, tem sido comum que o benefício calculado da
mesma forma reproduza um valor insuficiente ao beneficiário. É importante assinalar
que se o segurado, durante toda sua vida, recolheu contribuições com valores
ínfimos, não há como o sistema garantir uma remuneração adequada.
Fábio Zambitte Ibrahim comenta sobre o real motivo deste princípio:
[...] Acredito que a principal razão de ser do princípio da irredutibilidade é justamente a imposição da correção monetária, cuja ausência, frequentemente, traduz-se em meio indireto de diminuição de benefícios e redutor de gastos estatais. O Poder Público não seria tolo o suficiente de reduzir o benefício diretamente. Quando o deseja, e assim nos mostra a história, tem-no feito pelo conhecido imposto inflacionário21.
Deste modo, é evidente que a irredutibilidade do benefício seja
resultado do direito adquirido, pois visa impedir a retroatividade mínima de norma
que venha a limitar pagamentos. No entanto, sem a devida correção monetária, a
proteção ao direito adquirido deixa de existir, já que a desvalorização promove a
redução real, e não simplesmente nominal do devido valor.
21
IBRAHIM, op. cit., p. 58-59.
36
2.4.7 Equidade na Forma de Participação do Custeio
Dentre as já citadas diretrizes da seguridade social, o artigo 194,
parágrafo único, inciso V, da CF88 prevê a ―equidade na forma de participação no
custeio‖. Este mandamento é uma derivação do princípio constitucional da
igualdade, pois ele traduz que não pode ser criada fonte de custeio diferenciada para
indivíduos em situação de igualdade e, ao mesmo tempo, que haja uma
diferenciação das pessoas segundo a sua capacidade contributiva.
Wagner Balera ratifica a assertiva, ensinando que:
[...] Há que se encontrar, pois, a justa proporção entre as quotas com que cada um dos atores sociais irá contribuir para a satisfação da seguridade social. Congruente com a máxima geral da isonomia, a equidade se acha baseada, aqui, na capacidade econômica dos contribuintes no que se conforma, plenamente, com o preceptivo expresso no art. 145º, § 1º, da Carta Magna.
22
Contudo, adverte-se que o fundamento da cobrança das prestações
sociais é a solidariedade entre o grupo, o que se faz necessário a participação de
todos. Para as cotizações pode-se aplicar uma linha de raciocínio semelhante aos
impostos, ou seja, fixa-se uma contribuição maior para aqueles que recebem uma
maior remuneração, receita ou lucro.
Essa técnica para dimensionar a equidade é, no entanto,
inconstitucional. A igualdade, no âmbito da Seguridade Social, é identificada pela
probabilidade do risco; quando maior a chance de acontecer o inesperado, maior
será a contribuição para o Sistema de Seguridade Social. Enquanto nos impostos a
igualdade é definida pela capacidade contributiva, nas contribuições sociais ela é
verificada pela chance de ocorrência do risco social.
22
BALERA, op. cit. 2004.
37
Como será estudado e exposto posteriormente, este princípio é
eminentemente aplicado no custeio do seguro de acidentes do trabalho, ao qual há a
previsão de haver aumento de alíquota em decorrência do maior risco de acidentes
de trabalho e exposição a agentes nocivos.
Em suma, o custeio deve abranger o esquema de contribuições,
respeitando o critério maior da isonomia entre os diferentes contribuintes. Esse
princípio não é observado integralmente pela legislação previdenciária. As
contribuições sociais dos segurados da previdência social, por exemplo, são
definidas pela capacidade contributiva.
2.4.8 Princípio da Contrapartida
A CF88, em seu artigo 195, parágrafo 5°, rege que ―nenhum
benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido
sem a correspondente fonte de custeio total‖. Embora não esteja previsto dentre os
objetivos da seguridade, especificamente no artigo 194, consideramos a
contrapartida um princípio, pois seu conteúdo reitera o princípio do equilíbrio
financeiro e atuarial, informando regras acerca desse objetivo. Fábio Zambitte
Ibrahim: também coaduna com este pensamento:
Isonomia tributária
Impostos
Capacidade contributiva
Contribuições para a
Seguridade Social
Probabilidade do risco social
38
[...] Não obstante a autoridade dos que assim se posicionam, acredito que a melhor compreensão seja no sentido de trata-se de um princípio, que visa a manutenção de um estado ideal de coisas (um sistema equilibrado), mas admite ponderação com outros princípios, sendo esta questão de especial importância no que diz respeito à possíveis extensões judiciais de benefícios assistenciais.
23
Josef Esser comenta sobre os princípios dizendo:
[...] há princípios que são, no sistema jurídico, ―imanentes‖ e ―informativos‖. Sustenta esse notável autor que, mesmo quando não estejam incorporados ao texto normativo, tais princípios funcionam como “diretrices” (guides) que noteiam o legislador. 24
Nesse contexto, Wagner Balera25 entende a regra da contrapartida
como um princípio virtual.
Este princípio busca tornar a Seguridade Social financeiramente
equilibrada, na medida em que orienta a ação do legislador no sentido de que a toda
despesa criada deve corresponder uma receita respectiva para fazer face ao gasto
instituído. Deste modo, nenhum recurso pode ser arrecadado pela Seguridade Social
que não se destine ao custeio de um serviço ou benefício.
Por outro enfoque, o princípio da contrapartida evita a politização da
Seguridade Social, principalmente a partir do aumento ou criação de novos
benefícios tentadores para os governantes em determinados períodos:
[...] a fórmula da contrapartida é limitação constitucional contra os abusos que o Poder Legislativo, seduzido pela demagogia (notadamente nos anos eleitorais), viesse a cometer, mediante a criação de prestações que não tivessem previsão das respectivas receitas de cobertura26..
Em virtude destas considerações, de nada adiantaria a existência de
norma (edição de leis) para a concessão ou ampliação de benefício já existente se
não houver a previsão da origem de recursos, pois a prestação concedida poderá
23
IBRAHIM, op. cit., p. 67. 24
ESSER, Josef. Principio y Norma em la Elaboracion Jurisprudencial del Derecho Privado, traduzido por Eduardo Valente Fiol, Bosh, Barcelona, 1961, p. 95. In BALERA, op. cit. 2004 pág.. 123 25
BALERA, op. cit. 2004 pág. 122 26
BALERA, op. cit. 2002.
39
ser considerada inconstitucional. Assim, o benefício ou serviço não poderá ser
criado, sem que antes haja ingressado numerário no caixa da Seguridade Social, da
mesma forma que a contribuição não poderá ser criada sem que haja despesa
respectiva.
40
3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
A ideia de previdência está intimamente ligada à noção de
necessidade social. Essa expressão pode ser examinada a partir de duas
perspectivas: uma, objetiva, que qualifica os riscos como sociais pelo fato de
atingirem qualquer indivíduo e serem inerentes à vida em sociedade; e outra,
subjetiva, por se tratar de riscos cuja prevenção somente a coletividade tem
condições de organizar e cujos danos somente ela pode reparar, pois os indivíduos,
isoladamente, não têm meios técnicos ou econômicos para lhes fazer frente.
A interrelação entre obra previdenciária e risco social, contudo, pode
conduzir a equívoco interpretativo. A expressão ―risco social‖ tem significado
semelhante a ―eventos infortunísticos‖, não obstante a proteção social atingir
igualmente os eventos venturosos, como a maternidade. Logo, entende-se que a
terminologia adequada seria ―necessidade social‖, como, exemplificativamente,
aquela decorrente do afastamento da gestante do ambiente de trabalho.
A divergência entre a Seguridade Social (gênero) e a previdência
social (espécie) está na priorização do indivíduo. A previdência se ocupa daquele
que tem capacidade de trabalho, independentemente se está ou não a utilizando. A
Seguridade Social atua em lacunas que a previdência social, protegendo
indistintamente todos vitimados pela indigência social, sejam eles trabalhadores ou
não.
Essa espécie de seguro pode se apresentar de vários modos. A
forma social está relacionada aos elementos presentes na relação jurídica, pois a
caracterização desse tipo de previdência encontra-se vinculada à existência, no
corpo da relação, dos seguintes elementos:
Obrigatoriedade: filiação obrigatória mediante a delimitação da
população jurídica abstrata, impondo o status de segurado sem
embargo da vontade;
41
Tripartição de custeio: a solidariedade intergerações se opera no
viés do custeio do Sistema de Seguridade Social, devendo ser
cotizado pelos segurados, empregadores e pela sociedade, na
pessoa do Estado;
Gestão Pública: dá-se através do Estado ou de instituições
instrumentais.
A previdência social brasileira divide-se em dois subsistemas: (i)
Regime Geral de Previdência Social – RGPS; (ii) Regimes Próprios de Previdência
Social – RPPS. A divisão figura-se no campo da população jurídica protegida. O
RGPS é residual, pois se relaciona com todos os sujeitos jurídicos previdenciários
discriminados pelos RPPS.
Esse subsistema, por força constitucional, mantém relação única e
exclusivamente com servidores públicos efetivos dos entes públicos que aderiram,
mediante lei, a essa forma de previdência social, conforme prescreve seu artigo 40:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial e o disposto neste artigo27.
Não é a simples qualidade de efetividade no serviço público que
garante o status de vinculado ao RPPS, visto que há pessoas em Estados e
Municípios que não têm RPPS, sendo que seus servidores efetivos mantêm vínculo
obrigatório com o RGPS. Nem todos os servidores públicos que têm RPPS mantém
vínculo com esse regime, porque aqueles que não são efetivos se vinculam,
obrigatoriamente, ao RGPS.
3.1 HISTORIOGRAFIA DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL
27
BRASIL. Casa Civil. Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.htm>. Acesso em: 7 mar. 2010.
42
A evolução da proteção social brasileira seguiu uma ordem que
consiste numa transição entre a origem privada e voluntária, a formação dos
primeiros planos mútuos e a crescente intervenção do Estado.
No Brasil, as formas de montepios são as manifestações mais
antigas da previdência social. Montepios consistem nas instituições em que cada
membro adquire o direito de deixar uma pensão a alguém de sua escolha, em caso
de seu falecimento. Em 22 de junho de 1835, um grupo de pessoas associou-se e
contribuiu, no intuito de que se formasse um fundo para cobertura de determinados
infortúnios. Assim, surgiu o primeiro montepio.
No período do Império, por meio da Lei n. 3.397/88 foi autorizada
pelo governo a criação de uma ―Caixa de Socorro‖ para os trabalhadores das
estradas de ferro estatais. Outro fato relevante foi a Lei n. 3.724/19, que formalizou a
responsabilidade dos empregadores pelas consequências dos acidentes de trabalho.
A previdência social foi efetivamente implantada com a Lei Eloy
Chaves (Decreto Legislativo n. 4.682/23). Por meio dela, foram criadas as ―caixas de
aposentadorias e pensões‖ para os empregados de cada empresa ferroviária,
contemplando-os com os benefícios de aposentadoria por invalidez, aposentadoria
ordinária (a atual aposentadoria por tempo de contribuição), pensão por morte e a
assistência médica. Deste modo, a Lei Eloy Chaves é considerada o marco inicial da
Previdência Social brasileira, pois, a partir dela, surgiram dezenas de caixas de
aposentadorias e pensões, por empresa.
O ano de 1931 é considerado o momento de expansão. Neste
período, entrou em vigor o Decreto n. 20.465/31 que instituiu os ―beneficiários
hipotéticos‖, ou seja, englobou aqueles que não foram atendidos no passado e, das
caixas de pensões e aposentadorias, emergiram os institutos, cujo objetivo era
abranger o maior número possível de categorias semelhantes, para assim melhorar
as prestações.
43
Várias foram as tentativas em uniformizar e unificar a Previdência
Social no Brasil. Por meio do Decreto-Lei n. 6.526/45 tentou-se criar o Instituto dos
Serviços Sociais do Brasil – ISSB, no qual seria elaborado um plano de
contribuições e benefícios único. No entanto, por diversos fatores, este instituto não
conseguiu ser implantado.
Em 28 de agosto de 1960, com a Lei n. 3.807/60, a intitulada Lei
Orgânica da Previdência Social (LOPS), houve a uniformização da legislação
previdenciária, incluindo benefícios como auxílio-reclusão e o auxílio-natalidade,
permitindo, desta forma, um maior número de segurados.
Em 02 de março de 1963, por intermédio da Lei n. 4.214/63, foi
instituído o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, com o
objetivo de beneficiar os trabalhadores rurais, garantindo-lhes uma maior proteção
social. Segundo Ibrahim28, o fundo constituía-se de 1% do valor dos produtos
comercializados e era recolhido pelo produtor, quando da primeira operação ao
Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – IAPI.
Por consequência, foi por meio do Decreto n. 72 de 21 de novembro
de 1966 que se permitiu a fusão dos institutos de aposentadorias e pensões,
originando, desta forma, o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS.
Na década de 70, fez-se necessário uma reestruturação da
Previdência Social. Assim sendo, foi criado, por meio da Lei n. 6.439/77 o SINPAS,
subordinado ao Ministério da Previdência Social - MPS, com o objetivo de rever as
formas de concessão e manutenção de benefícios e serviços, reorganizando a
gestão administrativa, financeira e patrimonial.
Com a CF88, esta unificação ganhou ainda mais força, na medida
em que foi institucionalizado no âmbito da norma constitucional um sistema amplo e
pleno de proteção social: a Seguridade Social. Em outras palavras, as ações de
iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
28
IBRAHIM, op. cit., p. 49.
44
relativos à saúde, previdência e assistência social, passaram a ser integradas e
consolidadas.
3.2 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFORTUNÍSTICA
Tendo em vista a temática desta dissertação, não podemos perder
de vista a evolução da legislação infortunística, por sua importância e relação com a
gênese da atual Seguridade Social. Para tanto, se faz necessário o conhecimento de
sua origem e evolução para que se possa chegar às atuais regras infortunísticas,
inseridas na Lei n. 8.231/91.
A legislação infortunística, em 1919, e a legislação previdenciária,
em 1923, com a gênese da Lei Elói Chaves, representam o momento político
daquele princípio de século, marcado pela Primeira Guerra Mundial e suas
consequências. Devido à Revolução socialista da Rússia, o desenvolvimento da
Revolução Industrial atingiu um ponto de ruptura. O Capitalismo, até então, matinha
o poder institucional isolado. Com o socialismo soviético, passava a ser necessária a
convivência entre os contraditórios pensamentos. Deste modo, as conquistas e
concessões entre o Estado, os patrões e os trabalhadores passaram a ser
disputados em outro campo político, cada vez mais institucional e internacional.
No início do século XX, o Brasil começa a sua formação industrial e
edita sua primeira lei de proteção ao acidente derivado do trabalho.
Esta primeira lei refere-se aos trabalhadores que dependiam das
máquinas para exercerem sua atividade profissional, originando um sistema de
―autosseguro‖ em que cabia ao empregador o dever de pagar as indenizações.
Discutia-se sobre dois modelos de indenização tarifada (com valores
calculados, segundo a disposição legal e não por cláusulas de contratos). O primeiro
deles consistia em um valor calculado sobre o salário do empregado-vítima e as
consequências danosas da lesão sofrida, sendo paga ao lesado ou a seus familiares
de uma vez só. Enquanto o outro modelo era calculado nos mesmos critérios, sendo
pago mensalmente, por tempo determinado ou para sempre.
45
Assim, o Decreto Legislativo n. 3.724/19 se fundamentava na teoria
do risco profissional; prevendo em seu art. 2° a obrigação de o empregador pagar
indenização ao operário ou à sua família em caso de acidente de trabalho,
excetuando-se os casos de força maior ou dolo da própria vítima ou de estranhos.
Este referido Decreto, em seu Título II, determinava o pagamento
das indenizações calculadas com base na gravidade das consequências do
acidente, podendo ser estas: a morte; incapacidade total e permanente para o
trabalho; incapacidade total e temporária; incapacidade parcial e permanente; e a
incapacidade parcial e temporária.
Assinala-se ainda que, além das indenizações, a lei também previa a
obrigação do empregador na prestação de socorros farmacêuticos e médicos.
Assim, com as indenizações sendo atribuídas ao empregador,
fundamentada na teoria da responsabilidade objetiva, na ausência de um seguro
predeterminado obrigatório, o Decreto Legislativo n. 3.724/19 instaurou a legislação
acidentária no Brasil, sem a exigência de culpa para a responsabilização do
empregador. Responsabilidade objetiva esta que, ainda sem a existência do seguro
compulsório, mas com a obrigação patronal sem culpa.
Pouco tempo depois da promulgação da Lei n. 3.724/19, iniciam-se
debates sobre a necessidade de sua alteração. Esses debates resultaram no
Decreto n. 24.637/34, que repetindo a mesma classificação das consequências do
acidente citadas anteriormente pelo Decreto n. 3.724/19 e, em seu capítulo V, a
garantia que a indenização devia se dar por meio de contratos de seguro de
acidentes do trabalho ou de depósitos bancários em garantia.
Este método passou a ser considerado por muitos como o ―sistema
de autoseguro‖, em que a responsabilidade era direta do empregador, por meio de
seguro contratado ou de depósito bancário.
46
É importante assinalar, no entanto, que o grande marco da
legislação acidentária em nosso país foi o Decreto-Lei n. 7.036/44, regulamentado
pelo Decreto n. 18.809//45.
Seguindo modelos anteriores, o Decreto-Lei n. 7.036/44 adotava a
teoria do risco profissional, prevendo que entre o evento e a incapacidade ou morte
exista relação de causa e efeito. O conceito de acidente de trabalho foi ampliado,
equiparando a lesão típica à doença do trabalho, não deixando de fazer uma
distinção entre as doenças profissionais e as doenças derivadas das condições de
trabalho.
A incapacidade, sendo temporária, tinha o lapso temporal de um
ano, após o que se tornaria permanente, total ou parcial. Deste modo, o Decreto-Lei
n. 7.036/44 previa algumas indenizações como: i) por morte em razão de doença ou
acidente ou doença; ii) incapacidade total e permanente; iii) incapacidade parcial e
permanente iv) incapacidade temporária com limitação de um ano.
Em 1967, o projeto de estatização do seguro de acidente do trabalho
foi efetivado pela Lei n. 5.316/67. Desde 1953, já se pensava em incorporar o seguro
de acidentes de trabalho nas carteiras de acidentes do trabalho das instituições
previdenciárias que estavam sendo criadas, excluindo as seguradoras particulares
dessa cobertura.
Segundo Sérgio Pinto Martins29, quando o sistema de seguro de
acidente de trabalho passou a ser integrado no sistema previdenciário, ele deixou de
ser uma entidade privada, para ser administrado pelo INPS. O sistema deixou de ser
de risco social para ser de seguro social, abandonando a ideia do contrato de seguro
do Direito Civil.
Para Hertz Jacinto Costa30, sendo estatizado o seguro acidentário do
trabalho, a indenização passou a denominar-se ―prestações previdenciárias‖ e não
29
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 23º edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 12. 30
COSTA, Hertz Jacinto. Acidente do trabalho. Disponível em: <http://www.acidentedotrabalho.adv.br/resumo/01.htm#08> Acesso em: 9 jun.2011.
47
mais ―indenização por acidente do trabalho‖. Assim, previa o artigo 1º e o parágrafo
único da Lei n. 5.316/67:
Art. 1º O seguro obrigatório de acidentes do trabalho, de que trata o artigo 158, item XVII, da Constituição Federal, será realizado na previdência social.
Parágrafo único. Entende-se como previdência social, para os fins desta Lei, o sistema de que trata a Lei n°. 3.807, de 26 de agosto 1960, com as alterações decorrentes do Decreto-lei n° 66, de 21 de novembro de 1966.
A nova lei de 1967 previu o acidente in itinere, a equiparação do
acidente típico à doença do trabalho, determinado alguns pagamentos como: i)
auxílio-doença, prestação previdenciária com base no salário-de-contribuição do dia
do acidente; ii) aposentadoria por invalidez, nas mesmas normas do benefício de
auxílio-doença; iii) pensão por morte acidentária, valor mensal aos dependentes,
calculado na mesma forma da aposentadoria por invalidez; iv) auxílio-acidente
mensal e reajustável; v) pecúlio de 25% para o caso de morte ou invalidez total,
quando a aposentadoria fosse igual ou superior a 90%. Nos mesmos termos, esta
Lei estendeu os benefícios aos presidiários e trabalhadores avulsos.
A Lei subsequente foi a Lei n. 6.195/74, que integrou o trabalhador
rural na Previdência Social, instituindo o FUNRURAL que permitiu a concessão das
prestações por acidentes do trabalho a esses trabalhadores.
A seguir, editou-se a Lei n. 6.367/76, que estendeu o benefício
acidentário ao trabalhador temporário, avulso e presidiário que exerciam atividade
remunerada, com exclusão do autônomo e do doméstico. Assim, possibilitaram-se
aos acidentados alguns benefícios: i) auxílio-doença acidentário; ii) auxílio-
suplementar de 20%; iii) auxílio-acidente de 40%, vitalício, sendo que metade do
valor ficaria incorporado na pensão por morte, em favor dos beneficiários; iv) em
caso de grande invalidez acidentária, pagamento em dinheiro de 25%; v) pecúlio por
morte acidentária, correspondendo a 30 vezes o valor de referência, em favor dos
beneficiários; vi) reabilitação profissional e assistência médica.
48
Por fim, em 24 de junho de 1991, entra em vigor a Lei n. 8.213/91
que, observando a evolução legislativa, manteve o seguro acidente do trabalho sob
a gestão do INSS, integrando suas prestações às prestações ordinárias concedidas
pela previdência social. Esta nova regulamentação já se encontra adequada ao
Sistema de Seguridade Social enunciado pela CF88, que balizou a proteção social
pelo efeito, não se interessando especificamente pela causa.
49
4. RISCO SOCIAL
Ilídio das Neves, analisando as diferenças quanto à cobertura dos
riscos sociais e os objetivos protetores, salienta:
[...] No sistema de segurança social os riscos sociais são acontecimentos danosos exteriores às pessoas (doença, morte, etc...), ocorrência naturais ou sociais que atingem sua estabilidade economia e social. Pelo contrário, na ação social, os riscos representam, uma incapacidade das famílias ou uma falta de estrutura familiar para assegurarem normalmente os apoios indispensáveis às crianças, aos idosos e aos deficientes. Trata-se assim, de comportamento humanos que atuam para fora se projetam no meio social por assim dizer atingem a coletividade31.
Deste modo, entende-se que no primeiro sistema, do risco social, o
que está em questão é exclusivamente a prestação pecuniária, de índole
reparadora. No que diz respeito à ação social, foca-se principalmente o apoio social
personalizado, substitutivo do apoio familiar inexistente ou insuficiente.
Assim, o risco é a fonte ou origem, ou também denominada por
muitos como causa primária qualificadora da necessidade social. Assim, é o
acidente de trabalho que gera a diminuição ou a redução da capacidade de trabalho,
que virá a necessitar da cobertura pela Seguridade Social.
O sistema brasileiro adota a técnica do risco-causa. O risco-causa é
o conceito de risco que atualmente tem-se adotado pelo seguro social.
Diferentemente do risco-previsão, que é o conceito de risco adotado no seguro
tradicional, que compreende o risco como previsão de cobertura, o risco causa é
baseado na hipótese de incidência. Nele, o sinistro ocorre pela verificação e
concretização do risco, que, consequentemente provoca a subsunção à relação
jurídica.
A incapacidade para o desenvolvimento do trabalho, atrelada ao
acidente de trabalho que o indivíduo está sujeito, é um contingente de grande
importância jurídica, tendo em vista que limita a principal fonte de subsistência do
31
NEVES, op.cit.
50
homem: a sua capacidade de trabalhar, compreendendo a sua força física e
psíquica.
Por tais razões, como veremos mais adiante, afirmamos que a
incapacidade de trabalhar é um risco social que demanda atenção específica pelo
nosso ordenamento, levando-se em consideração: a proteção do trabalhador por
meio de normas de segurança e medicina do trabalho; prevenção de infortúnios
laborais (como o fornecimento de equipamentos de proteção individual e ginástica
laboral); reestruturação no ambiente de trabalho assim como no mobiliário; e
reparação do acidente de trabalho por meio de uma indenização acidentária paga ao
segurado pelo INSS, além daquela derivada do direito comum, cujo pagamento cabe
ao empregador.
4.1 INVALIDEZ
Para estudarmos o risco social assegurado pelo Sistema de
Seguridade Social, devemos partir da análise do seu conceito jurídico, iniciando-se
no ordenamento jurídico constitucional.
Porém, a Constituição Federal foi omissa ao definir sua
conceituação, deixando a cargo do legislador ordinário esta função, que assim o fez
por meio do artigo 42, da Lei n. 8.213/91, definindo o que vem a ser ‗‘invalidez‘‘ no
sistema brasileiro:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta
condição.
Ao analisarmos a estrutura da norma sobre a definição de
―invalidez‘‘, observamos que esse conceito pode ser utilizado para duas espécies de
prestação de benefícios previdenciários, sendo o primeiro a aposentadoria por
invalidez e o segundo o auxílio-doença.
51
O benefício previdenciário de auxílio-doença é por prazo
determinado. Cabe à perícia médica do INSS precisar o término da invalidez real,
impondo a essa data a cessação do benefício. O benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez é essencialmente semelhante ao benefício de auxílio-
doença; diferem, quanto ao fato gerador, apenas no tempo da invalidez. Nesse caso,
a invalidez é por prazo indeterminado; não se exige à concessão invalidez definitiva.
Ambas as prestações previdenciárias decorrem do mesmo conceito
de ―invalidez‖ previsto no artigo 42 da Lei n. 8.213/91. Extrai-se do artigo a definição
como sendo a incapacidade de reabilitação para exercício de atividade que lhe
garanta subsistência. Deste conceito, permite-se visualizar dois elementos
simultâneos: i) a existência da incapacidade de trabalho; ii) deixar de praticar
atividade que lhe garanta a sua subsistência.
Da reunião desses dois elementos, podemos definir o termo
―invalidez‖ como sendo a situação pessoal que impede, seja qual for a causa, o
sujeito de prestar as atividades profissionais que vinha prestando antes da causa, ou
que tem aptidão para exercer.
Benefício
Invalidez
Prazo determinado
Auxílio-doença
Prazo indeterminado
Aposentadoria por invalidez
52
O doente necessariamente não é inválido. Existem doenças que não
impõe a invalidez. O exemplo disso pode descrever a situação de um portador de
HIV; apesar de doente, o sujeito não se encontra necessariamente incapacitado para
exercer a atividade que lhe garanta a subsistência. Nesse caso, a invalidez poderá
decorrer do próprio tratamento, que tão agressivo às condições humanas impede o
sujeito de continuar trabalhando.
A preexistência da doença é indiferente ao cenário previdenciário; a
previdência social não confere benefícios ao doente, apesar de um de seus
benefícios se chamar auxílio-doença. Esse benefício, como a aposentadoria por
invalidez, não se ocupam da causa na definição de seu fato gerador. O dado
importante é a ocorrência da invalidez, seja ela decorrente de doença, de acidente
ou de outro fato. Assim, a preexistência importa à invalidez; se invalido antes da
filiação, não haverá benefício.
A preexistência da invalidez não impede o acesso ao benefício pelo
segurado. Trata-se de fato que importa na nulidade da filiação, seja ela obrigatória
ou facultativa. Como a filiação pressupõe o trabalho, a condição de validez é
essencial à aquisição da qualidade de segurado. Se inválido, o sujeito não atinge
esse status, mesmo pagando a contribuição.
Portanto, o elemento caracterizador do benefício é a ―invalidez‖, e
não a doença em si. Assim, a melhor nomenclatura para o benefício de auxílio-
doença (temporário) seria a de ―auxílio-invalidez‖, assim como ocorre na
aposentadoria por invalidez.
A definição da invalidez pode ser testada a partir da filiação.
Enquanto essa decorre do trabalho, aquela pressupõe a ausência desse fenômeno.
Há, portanto, invalidez quando o sujeito, seja qual for a causa, encontra-se incapaz
de praticar os fatos (trabalho) que lhe impõe a filiação ao RGPS.
53
A filiação à previdência social, como estudado nos capítulos
anteriores, decorre obrigatoriamente para os segurados obrigatórios do exercício de
atividade remunerada. Assim sendo, a filiação pressupõe a capacidade do sujeito
para atividade profissional.
Deste modo, o sujeito que se encontra inválido não pode se filiar ao
sistema previdenciário, porque a ―invalidez‘‘ presume a inaptidão para o trabalho. Já
a filiação presume a aptidão para exercício de atividade profissional.
Para melhor compreendermos o conceito de pessoa inválida para o
trabalho, interessante é a ilustração por meio da exemplificação: Comparemos duas
pessoas com as mesmas características físicas, porém diferentes intelectualmente.
O primeiro não teve acesso à educação e atualmente somente detém capacidade
para exercício de atividade que demandem enorme esforço físico. Já o outro, teve
boa educação e atualmente exerce função intelectual que não demanda árduo
esforço físico. Ambos sofrem um acidente que gera a perda de um membro do
corpo, nesse caso a perna. Pergunta-se, qual dos sujeitos encontra-se incapaz para
o trabalho?
Trabalho
Filiação
Invalidez Benefício
Reabilitação
54
Evidentemente, aquele que exerce a atividade que demanda a
capacidade física para o trabalho estará inválido, pois não detém capacidade para
exercer a atividade intelectual. No segundo caso, o sujeito que exerce a função
intelectual não perderá a sua capacidade, continuando assim filiado ao sistema de
previdência social.
A invalidez no primeiro caso não é vitalícia. Podendo cessar por
meio da reabilitação profissional, ou seja, caso o sistema qualifique esse sujeito para
realizar atividade intelectual, este será novamente considerado capaz para o
trabalho e assim conseguindo filia-se novamente ao sistema.
4.2 ESPÉCIES DE INVALIDEZ
Para a melhor compreensão da invalidez real, a classificaremos de
três formas: i) origem; ii) tempo; e iii) efeito.
Quanto à origem, a invalidez pode ser divida em: i) especial; ii)
comum. A invalidez será especial quando a sua causa ensejar isenção da carência,
hipótese prevista no inciso II do artigo 26º da Lei n. 8.213/91, para a concessão dos
benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, ou seja, quando decorrer
da doença profissional, doença do trabalho, doença previdenciário ou acidente de
qualquer natureza.
Invalidez
Origem
Tempo
Efeito
55
Art. 26 - Independe de carência a concessão das seguintes prestações - II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.
A invalidez comum decorre de fatos que não isentam a carência
para a concessão do benefício. Nesse caso, além de comprovar a invalidez, o sujeito
teria que comprovar que cumpriu a carência exigida para a concessão do benefício
de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença:
Quanto ao tempo, podemos classificar a invalidez em: i) por prazo
determinado; ii) por prazo indeterminado. Enquanto a primeira interessa ao benefício
de auxílio-doença, a segunda importa ao benefício de aposentadoria por invalidez.
Invalidez
Origem
Especial
Doença do trabalho
Doença profissional
Doença previdenciária
Acidente de qualquer natureza
Comum
56
Verifica-se a primeira espécie (por prazo determinado) quando, no
momento da concessão, já se identifica a data da cessação da invalidez. Nesse
caso, o INSS programa o fim do benefício, determinando o exato dia do término da
invalidez. Apesar de críticas, a ―alta programada‖ é pressuposto à concessão do
auxílio-doença, cujo fato gerador é a invalidez por prazo determinado.
A aposentadoria por invalidez não pressupõe invalidez permanente;
ademais, entendemos impossível essa situação, porque ao definir a permanência
estar-se-ia projetando para o futuro certeza possivelmente reversível. A
aposentadoria por invalidez exige tão-somente que a invalidez seja por prazo
indeterminando, ou seja, que no momento da concessão o INSS não disponha de
elementos científicos válidos para definir o momento do término da invalidez.
A ausência de permanência se justifica na natureza transitória da
aposentadoria por invalidez. Fosse a invalidez permanente, o benefício seria
vitalício. Sucede, no entanto, que o benefício de aposentadoria está vinculado à
invalidez; cessada a invalidez, o INSS cessará a aposentadoria, conforme enunciado
nos artigos 46 e 47 ambos da Lei n. 8.213/91, veja-se:
Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.
Invalidez
Prazo determinado Auxílio-doença
Prazo indeterminado
Aposentadoria por invalidez
57
Art.47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:
I - quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:
a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou
b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;
II - quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:
a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;
b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses;
c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.
A invalidez não importa apenas aos benefícios previdenciários.
Interessa também às relações de trabalho, sobretudo quanto à suspensão dos
deveres, a estabilidade e a manutenção do depósito ao Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço - FGTS.
Sendo assim, podemos separar a invalidez como acidentária e
comum. Ambas repercutem na relação de trabalho. Enquanto a comum apenas
suspende as obrigações inerentes à relação, a segunda cria novas obrigações, seja
no curso da invalidez, seja após a sua cessação.
A invalidez acidentária pode ser classificada quanto: i) natureza do
nexo; e ii) origem da invalidez. Em se tratando da natureza do nexo, pode-se dividir
em: i) causal; ii) técnico. No tocante à origem, podemos separá-las em: i) acidente
58
do trabalho; ii) doença profissional e; iii) doença do trabalho. Vejamos o
demonstrativo abaixo:
Dessa análise podemos resumir essa classificação de invalidez da
seguinte maneira:
Quanto à origem a invalidez pode ser especial ou comum, sendo
que a primeira dispensa-se o requisito carência;
Quanto à temporariedade pode ser prazo determinado ou
indeterminado, sendo esta geradora da aposentadoria por
invalidez, e aquela do auxílio-doença;
Quanto ao efeito, todas repercutem em outras esferas do direito,
não obstante de forma específica.
Invalidez Efeitos
Acidentária
Nexo
Causalidade
Técnico
Origem
Doença do trabalho
Doença profissional
Acidente do trabalho
Comum
59
4.3 INVALIDEZ ACIDENTÁRIA
A constatação da incapacidade de trabalho, derivada do acidente de
trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, pressupõe avaliação médica,
cujo objetivo é a verificação da invalidez e a sua origem.
À perícia médica não é conferida a missão de graduar a invalidez.
No âmbito da previdência social, a invalidez é binária; se está válido ou inválido. Sua
origem importa à carência, porque se acidentária, por exemplo, o inválido poderá se
beneficiar independentemente de ter contribuído minimamente com a previdência
social.
4.3.1 Acidente do Trabalho
O legislador ordinário conceituou o evento acidente do trabalho com
o artigo 19 da Lei n. 8.213/91, traduzindo-o como a lesão corporal ou perturbação
funcional que venha a atingir o trabalhador em decorrência da sua atividade de
trabalho:
[...] ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei (segurado especial), provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,
permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
No mesmo sentido, o artigo 30, parágrafo único, do Decreto n.
3.048/99 define o acidente do trabalho como:
Parágrafo Único. Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a
redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
O acidente do trabalho é verificado, portanto, a partir de três
aspectos: i) causa; ii) consequências; iii) efeito. Quanto à causa, a origem deve se
relacionar, direta ou indiretamente, ao trabalho. A consequência é a lesão corporal
60
ou a perturbação funcional, e o efeito é a morte, a perda, ou a redução da
capacidade de trabalho.
Nem todas as lesões decorrentes do trabalho são, portanto,
acidentes do trabalho; essa condição é reservada apenas àquelas lesões, observada
a causa, que conferem ao acidentado ou ao seu dependente direitos previdenciários.
Se a lesão, embora decorrente do trabalho, não gerar o óbito do acidentado ou a sua
invalidez, o fato não será considerado acidente do trabalho.
O artigo 19 da Lei n. 8.213/91 enuncia outro requisito para a
caracterização do acidente do trabalho. Exige, outrossim, que o acidentado seja
segurado da previdência social:
Art.19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,
permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Esse enunciado, no entanto, é redundante. Considerando que o
acidente do trabalho pressupõe o trabalho, e que esse impõe a filiação, é óbvio que
todo acidentado é segurado obrigatório da previdência social.
Importante enfatizar que o artigo 18 da Lei n. 8.213/91 ao elencar as
prestações aceitas pela Previdência Social, inclusive, em razão de eventos
decorrentes do acidente de trabalho, não restringiu a concessão do benefício a
nenhuma espécie específica de segurado. Desta forma, analisando o artigo 19 da
referida lei, ela não restringiu a uma espécie de segurado para a concessão desse
benefício, tão somente, exigiu que exercessem trabalho para empresa, além dos
segurados especiais.
Causa Consequência Efeito Acidente do
Trabalho
61
Para o estudo da prestação previdenciária acidentária, torna-se
importante conceituarmos a palavra ―empresa‖ descrita no artigo 19 da Lei n.
8.213/91. O conceito de ―empresa‖ está definido no artigo 15 da Lei n. 8.212/91
como sendo a ―firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade
econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos
entidades da administração pública direta, indireta e fundacional‖. Equipara-se,
ainda, ao conceito de ―empresa‖ os contribuintes individuais que tomam trabalho de
outros segurados.
Art. 15º. Considera-se:
I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativa ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional;
Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.
Depreende-se desse contexto que atualmente as empresas vêm
cada vez mais se utilizado de mão de obra terceirizada, por meio de vínculos com
contribuintes individuais, para as suas atividades, com intuito de diminuir seus
encargos sociais. Esses trabalhadores, terceirizados, podem protagonizar acidente
do trabalho.
A fonte de custeio para este benefício de acidente do trabalho está
prevista no inciso III, do artigo 22 da Lei n. 8212/91, que impõe a empresa a
obrigação de recolhimento de 20% (vinte por cento) das remunerações pagas aos
contribuintes individuais que lhe emprestam serviços:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços;
62
Portanto, conclui-se que o contribuinte individual enquadra-se
perfeitamente no conceito descrito no artigo 19 da Lei n. 8.213/91 podendo assim
ser beneficiário hipotético dos benefícios acidentários em que pese não figurar como
credor do auxílio-acidente.
Por fim, o último requisito para a caracterização do acidente do
trabalho é a existência do nexo causal, que é a ligação entre a causa e o efeito
ocorrido entre o acidente e a atividade do trabalho.
O dado relevante para a caracterização do nexo causal é o fato do
acidente do trabalho ser decorrente do exercício profissional, sendo totalmente
irrelevante se o trabalho foi realizado nas dependências da empresa ou em
ambientes externos.
O inciso IV, do artigo 21 da Lei 8.213/91 exemplifica algumas
situações em que o acidente ocorridos fora do ambiente e do horário de serviço
também se equiparam como acidente do trabalho, conforme veja-se:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e do horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviços sob autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviços à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada para esta dentro de seus planos para melhorar capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veiculo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local do trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive o veiculo de propriedade do segurado.
63
§1º. Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§2º. Não é considerada agravação ou complicação de acidente de trabalho a lesão que, resulte de acidente de outra origem, se associe o se superponha às consequências do anterior32.
O inciso I do artigo 21 da Lei n. 8.213/91 equipara como acidente do
trabalho a lesão vinculada ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única,
contribua diretamente para morte, redução ou perda da capacidade de trabalho ou
produzindo lesão que exija maior atenção médica para a sua recuperação.
Já o inciso II do mesmo artigo amplia a caracterização do acidente
do trabalho em lesões corporais sofrida no ambiente laborativo e no horário que o
segurado esteja prestando serviço decorrente de: i) ato de agressão, sabotagem ou
terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ii) ofensa física
intencional, inclusive de terceiros, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; iii)
ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro
de trabalho; iv) ato de pessoa privada do uso da razão; iv) desabamento, inundação,
incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.
32
BRASIL, op. cit.
64
A lesão ou perturbação funcional que não ocasione morte,
incapacidade substancial ou parcial para o trabalho do segurado, não pode ser
caracterizada como acidente do trabalho, diante do preceito estipulado no artigo 19
da Lei n. 8.213/91. Porém, a concessão do benefício previdenciário não é requisito
essencial para a caracterização do acidente de trabalho.
Apesar de a legislação previdenciária prever o início da prestação da
aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença somente no décimo sexto dia a
contar da data da lesão, a caracterização do acidente do trabalho se dá no dia em
que ocorreu lesão/inaptidão não importando se ocorreu a concessão do benefício,
ou seja, a invalidez seja superior a quinze dias.
Nexo causal
Ambiente
Lesões ocorridas no interior da empresa
Lesões ocorridas
externamente à empresa
Espécies
Direta
Relação direta entre a lesão e
a atividade prestada
Indireta
Em percurso
Fatos fortuítos ou de força
maior ocorridos na
empresa
Lesão sofrida por empregado
decorrente do trabalho
Gera invalidez, substancial ou
parcial Acidente do trabalho
Não gera invalidez Acidente comum
65
Portanto, conclui-se sinteticamente a hipótese de qualificação do
acidente do trabalho, conforme o quadro abaixo, pois, veja-se:
4.3.2 Doença Profissional
O inciso I, do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 traz outra modalidade de
acidente do trabalho, a chamada doença profissional, que é considerada como a
incapacidade produzida ou desencadeada em função do exercício profissional
peculiar de determinada atividade constante da relação elaborada pelo MPS.
Destaca-se, por exemplo, como doença profissional a lesão por
esforço repetitivo – LER que é atualmente comum nos trabalhos de digitadores, call
centers, bancários, e outros, que aparecem em razão do trabalho repetitivo a doença
profissional.
Neste exemplo, podemos perceber que a caracterização da doença
profissional exige dois requisitos simultâneos: i) nexo causal, entre a doença e o
trabalho (LER – bancários) e; ii) a previsão da enfermidade em rol produzido pelo
MPS (LER).
Atualmente, a regulamentação do rol das enfermidades, encontra-se
prevista no anexo II, do Decreto n. 3.048/99, com redação alterada em 10 de
Lesão corporal ou perturbação
funcional
Sofrido por segurado empregado, avulso,
contribuinte individual e especial
Decorrente do exercício da
atividade laboral
ou
Em hipóteses onde a norma jurídica extende o nexo
causal
que
Configure a hipótese de incidência da
pensão por morte (morte de segurado),
aposentadoria por invalidez, auxílo-
doença ou auxílio-acidente
Acidente do trabalho
66
setembro de 2009 pelo Decreto n. 6.957, satisfazendo assim a exigência legal do
artigo 20 da Lei n. 8.213/91.
Para ser caracterizada como doença profissional, necessariamente
deve ocorrer simultaneamente o nexo causal com a atividade profissional e a doença
se encontrar prevista no rol do anexo II, do Decreto 3.048/99, conforme resumido na
figura abaixo:
A legislação previdenciária, no tocante a caracterização da doença
profissional, traz uma exceção no § 2º do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 que permite ao
segurado que comprove, por meio da prova pericial, que a ―invalidez‘‘ é resultado
das condições especiais que o trabalho é executado e com ele se relaciona
diretamente:
§2º. Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo, resultou nas condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
Oportunamente, para se compreender melhor acerca da exceção
prevista, verifica-se o quadro abaixo:
Doença Rol do Decreto
nº 3.048/99 Relação causal com o trabalho
Doença profissional
Doença Não listada no
Decreto nº 3.048/99
Decorrente do trabalho
Pertinente as condições ambientais
(nocividade)
Doença profissional
67
Nota-se que o fato importante para a caracterização da doença
profissional é a existência de nexo causal entre a doença/lesão e o trabalho exercido
pelo segurado.
A culpa do empregador, no resultado da lesão, é elemento
totalmente indispensável para a caracterização da doença profissional, tanto que o
inciso III do artigo 21 da Lei n. 8.213/91 dispõe que a contaminação mesmo que seja
acidental pelo empregado também é causa de surgimento de doença profissional.
Fato relevante é que a doença que não ocasionar a invalidez
substancial para o trabalho não enseja a qualificação de doença profissional.
4.3.3 Doença do Trabalho
A doença do trabalho está relacionada com o ambiente onde o
segurado exerce sua atividade profissional, ou seja, as condições especiais em que
o trabalho é desenvolvido pelo colaborador.
O inciso II, do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 dispõe que a doença do
trabalho é entendida como aquela enfermidade desenvolvida em razão das
condições nocivas em que o trabalho é executado e com ele se relaciona
diretamente na relação contida no anexo II, do Decreto n. 3.048/99 elaborado pelo
MPS.
A doença do trabalho normalmente não é adquirida de forma
instantânea, mas sim ao longo da prestação de serviço realizada pelo colaborador, a
exemplo disso, o trabalhador que adquire silicose em decorrência a exposição à
sílica que é o principal componente da areia e a principal matéria prima para o vidro,
nas atividades desenvolvidas nas marmorarias, fundições e vidraçarias.
Para a verificação da doença do trabalho é necessária a
caracterização de dois requisitos: i) a existência da presença ou não de agentes
nocivos, bem como sua intensidade e habitualidades e; ii) constatação de nexo
causal entre as nocividades e a doença adquirida.
68
O Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho - LTCAT,
documento que deve ser confeccionado por Médico do Trabalho ou Engenheiro de
Segurança do Trabalho é o documento hábil para constatar a presença dos agentes
nocivos nos locais de trabalho, bem com sua intensidade e habitualidade.
Quanto ao segundo requisito, o Decreto n. 3.048/99, atualizado pelo
Decreto n. 6.957/09, estabeleceu os agentes nocivos que geram enfermidades
passiveis de aquisição da doença do trabalho.
Ressalta-se que somente o segurado, que exerça a sua atividade
em meio ambiente nocivo à saúde humana, poderá adquirir a doença do trabalho, ou
seja, os mesmos segurados hipotéticos de uma eventual aposentadoria especial,
pois ambas decorrem da mesma situação fática, a nocividade do ambiente de
trabalho, conforme exemplificado no quadro abaixo:
O §1º do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 isenta as doenças
degenerativas, inerente ao grupo etário, que produzam incapacidade laborativa e as
doenças endêmicas adquiridas por segurado em ambiente de região que ela se
desenvolva do rol das doenças do trabalho.
4.4 MÉTODOS DE CARACTERIZAÇÃO DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA
A invalidez acidentária pressupõe a doença profissional, doença do
trabalho ou acidente do trabalho. A ausência desses fatos não inviabiliza,
necessariamente, a proteção previdenciária. Se superada a carência, o segurado
Ambientes laborais
Nocivas
Passivel de gerar aposentadoria
especial
Passível de atribuir ou desencadear
doença do trabalho
Comuns
69
poderá se beneficiar, desde que comprove a invalidez, independentemente da
origem.
A natureza acidentária da invalidez pode ser aferida por meio de
dois métodos: i) causal e; ii) técnico.
4.4.1 NEXO CAUSAL
Para o reconhecimento do acidente do trabalho, é essencial a
ocorrência do nexo de causalidade, ou seja, a demonstração da relação de causa e
efeito entre o trabalho e a lesão. A causalidade acidentária é verificada quando se
comprova que a lesão geradora da invalidez decorreu, direta ou indiretamente, do
trabalho ou de seu meio ambiente.
Com relação à caracterização da doença do trabalho, o nexo causal
é fator fundamental para averiguar se as condições nocivas no ambiente do trabalho
é elemento motivador da enfermidade, pois caso a doença seja gerada por outro
elemento externo ao ambiente, esta perderá a qualidade ―do trabalho‖.
Nesse sentido, para que esta doença continue tendo a qualificadora
acidentária, deve-se relacionar com outras circunstâncias inerentes a essa
qualificação.
O nexo causal, além de verificar a pertinência entre o
acidente/doença e a relação laboral, é também o elemento confirmador do NTEP.
4.4.2 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP
A Lei n. 11.430/06 acrescentou o artigo 21-A na Lei n. 8.213/91
instituindo assim o NTEP:
Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade
70
mórbida motivadora da incapacidade elencada na classificação internacional de doença – CID, em conformidade com o dispuser o regulamento.
§1º. A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.
§2º. A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.
A finalidade do NTEP é a identificação de doenças e acidentes
provavelmente relacionados com as práticas de determinas atividades profissionais.
O NTEP leva em consideração os dados constantes da Classificação Nacional de
Atividades Econômicas – CNAE e as doenças descritas no Decreto n. 3.048/99, que
atualmente estão regulamentadas pelo Decreto n. 6.957/09.
O NTEP presume que a incapacidade é acidentária quando o
trabalhador adquirir alguma das enfermidades relacionadas à atividade
preponderante do seu empregador, cruzando do código da Classificação
Internacional de Doenças - CID e do CNAE da atividade econômica. Trata-se de
relação de causalidade aferida por estatística que, por meio da reiteração, traça
perfil epidemiológico de cada atividade econômica.
A conclusão da existência do NTEP não é prova absoluta da
ocorrência da doença profissional, pois o § 2º do artigo 21-A da Lei n. 8.213/91
legitima qualquer uma das partes da relação, empresa ou segurado, a impugnar a
decisão administrativa que atribuiu à natureza acidentária ao benefício.
O NTEP não gera, portanto, presunção absoluta de acidentalidade.
O efeito é relativo, porque se desconstruído o nexo de causalidade a invalidez perde
sua condição acidentária. Essa desconstrução não importa, necessariamente, na
cessação do benefício acidentário; essa situação ocorre tão-somente nos casos em
que a causa da invalidez era necessária à concessão, por isentar a carência.
71
Portanto, nos casos de caracterização do NTEP para os segurados
empregados, poderá o empregador interpor recurso administrativo ao Conselho da
Previdência Social, objetivando a descaracterização da natureza acidentária do
benefício. Todavia, obrigação de comprovação passa a ser exclusivamente do
recorrente/empregador. Salienta-se que o recurso tem efeito suspensivo.
72
5 EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA
A qualificação da invalidez como acidentária enseja efeitos em
outras relações jurídicas além da previdenciária. A constatação da invalidez, no
entanto, pode ser distinta entre os ramos do direito. Assim, o fato considerado como
acidente do trabalho para a seara previdenciária poderá, no entanto, ser
descaracterizado, por exemplo, pelo direito do trabalho, e vice-versa:
RECURSO DE REVISTA - ESTABILIDADE - DOENÇA OCUPACIONAL - LAUDO JUDICIAL - AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE - LAUDO DO INSS - PRESUNÇÃO DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO - PREVALÊNCIA - MATÉRIA FÁTICA. A discussão que exsurge dos autos é o aparente conflito entre o laudo judicial e o laudo do INSS. Este, obtido no curso da instrução processual, a partir das alegações da parte de que laborava em atividade de digitação de dados para processamento e procedia à abertura de rígidos lacres que abasteciam os caixas eletrônicos, cuja conclusão foi pela existência de Nexo Técnico Epidemiológico entre a doença e o trabalho; e aquele elaborado a cargo de médico perito indicado pelo juízo, que, em vistoria ao local de trabalho do autor e análise das funções desempenhadas e da lesão sofrida, constatou a ausência de nexo de causalidade. O laudo obtido junto ao INSS presumiu o liame de causalidade a favor do empregado, nos termos do art. 21-A da Lei nº 8.213/91. Tal presunção, contudo, não é absoluta, transferindo ao empregador o ônus de desconstituir o que foi presumido pela lei. Ainda que o nexo de causalidade apontado pelo INSS seja fato novo superveniente à instrução processual, deverá ser considerado como meio de prova (art. 212º do CPC) e analisado conjuntamente com os demais elementos probatórios dos autos. A questão, portanto, envolve as provas produzidas nos autos e a influência que terão na formação do convencimento do julgador, nos termos dos arts. 131 e 436 do CPC. No caso em exame, o julgador ordinário fez prevalecer o laudo pericial produzido em juízo. Nesse sentido, constatado pela instância soberana na análise dos fatos e provas coligidos aos autos que não houve o nexo causal entre a atividade desempenhada pela autora e a lesão sofrida, para se chegar à conclusão diversa, de que o laudo produzido pelo INSS reflete o verdadeiro nexo causal, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, cujo óbice em sede extraordinária encontra-se previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido.33
33 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Turma. RR - 615800-30.2003.5.09.0651. DJU
05/08/2011.
73
Cada ramo do direito, por meio dos seus princípios, axiomas e
regras, constroem conceitos próprios, válidos dentro da esfera de domínio do seu
conhecimento. Portanto, o conceito de invalidez do direito do trabalho não é,
necessariamente, o mesmo para o direito securitário, tampouco para o direito do
trabalho.
5.1 ENQUADRAMENTO DA ALÍQUOTA SAT
A previsão genérica da contribuição ao Seguro de Acidentes do
Trabalho – SAT está prevista no inciso I, do artigo 195 da Constituição Federal e
deve interpretada em conformidade com o princípio da equidade na forma de
custeio, previsto no inciso V, do artigo 194, do texto constitucional.
Como devidamente estudado em capítulos anteriores, o Sistema de
Seguridade Social se traduz na ideia de seguros privados, ou seja, a medida da
contribuição ao sistema é diretamente proporcional ao acontecimento do evento
danoso. Portanto, aquele contribuinte que gerar maior probabilidade de causar o
risco social, deve aportar valores maiores aos cofres da Seguridade Social.
Vislumbra-se que a Seguridade Social, consagrando a máxima
aristotélica, ou seja, tratando os iguais de maneira igualitária e os desiguais na
medida de suas desigualdades. Tributa mais agressiva àquele contribuinte/empresa
que em cuja atividade preponderante o risco de acontecimento de acidentes do
trabalho seja considerada alto.
O legislador ordinário em respeito a esse princípio, instituiu o inciso
II, do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 alíquotas progressivas conforme a probabilidade
da empresa gerar acidentes de trabalho a seus colaboradores, de (i) 1% (um por
cento) determinada para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de
acidentes do trabalho seja considerado leve; (ii) 2% (dois por cento) para as
empresas cuja atividade preponderante o risco é moderado; (iii) 3% (três por cento)
para as empresas cuja atividade preponderante a probabilidade seja considerada
grave.
74
O §3º do artigo 202 do Decreto n. 3.048/99 define como atividade
preponderante aquela que na empresa ocupa o maior numero de segurados
empregados e trabalhadores avulsos, conforme se verifica abaixo:
―§3º. Considera-se preponderante a atividade que ocupa, na empresa, o maior numero de segurados empregados e trabalhadores avulsos‖.
O inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 (Plano de Custeio da
Seguridade Social) determina que a alíquota do SAT, se 1%, 2% ou 3% (um, dois ou
três por cento), é definida pela atividade preponderante. A lei, não obstante a
utilização da expressão, não definiu o seu conceito.
O artigo 202 do Decreto n. 3.048/99, sob pena de ilegalidade,
manteve o mesmo critério legal para a identificação da alíquota do SAT. Essa
norma, no entanto, definiu o conceito de atividade preponderante, compreendendo-a
como a atividade que ocupa o maior número de empregados e trabalhadores
avulsos.
O inciso II do § 1º do artigo 72 da Instrução Normativa RFB n.
971/09 manteve o critério quantitativo para identificar a atividade preponderante,
definindo-a como a atividade que ocupa o maior número de empregados e
trabalhadores avulsos. A norma administrativa, porém, incutiu outro dado, excluindo
do cômputo da preponderância as atividades entendidas como aquelas que auxiliam
ou complementam indistintamente as diversas atividades econômicas da empresa.
Observando essas regras, sobretudo a hierarquia e compatibilidade,
podemos afirmar que a alíquota é definida pela atividade preponderante, assim
entendida a atividade que ocupa o maior número de empregados e trabalhadores
avulsos.
A identificação da preponderância observa a atividade de forma
isolada; dissociada do contexto em que ela é desenvolvida. A apreensão analisa a
atividade como se fosse única, identificando a realidade profissional desenvolvida
pelos trabalhadores.
75
A preponderância, portanto, não observa a atividade como uma
profissão, tampouco como um instrumento econômico; a atividade é investigada a
partir dos seus aspectos laborais, da realidade pragmática desenvolvida pelo
trabalhador.
Não interessa à preponderância o conhecimento do cargo, da
profissão ou da finalidade econômica da atividade desenvolvida; importa tão-
somente o conhecimento das práticas desempenhadas na atividade analisada.
Completando a nossa definição, podemos conceituar a atividade
preponderante como aquela prática laboral desempenhada pelo maior número de
empregados e trabalhadores avulsos. A atividade econômica não abrange a
atividade profissional, e vice-versa. São critérios diferentes de classificar o objeto
comum.
Os decretos que regulamentaram o SAT – 612/91, 2.713/97 e
3.048/99 – tampouco a Lei n. 8.212/91 excluíram as atividades-meio do cômputo da
preponderância. Essa exclusão decorre da Orientação Normativa INSS/AFAR n.
02/1997, reiterada na Instrução Normativa INSS/SRP n. 03/05 e na Instrução
Normativa RFB n. 971/09 (vigente).
Sem embargo, o Superior Tribunal de Justiça - STJ já analisou em
diversas ocasiões a legalidade dessa exclusão, concluindo pela ilegalidade:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRIBUIÇÃO AO SAT. INSTRUÇÃO NORMATIVA 2/1997. EXCLUSÃO DE EMPREGADOS DA ATIVIDADE-MEIO. ILEGALIDADE. 1. O entendimento em relação à legalidade da cobrança da contribuição ao SAT está consolidado no STJ, no sentido de que o decreto que estabeleça o que venha a ser atividade preponderante da empresa e seus correspondentes graus de risco - leve, médio ou grave - não exorbita de seu poder regulamentar. Precedentes do STJ. 2. O item 2.2.1 da Orientação Normativa 2/1997 ofendeu o princípio da legalidade, ao determinar a exclusão dos empregados que trabalham na atividade meio para verificação do grau de risco da empresa, uma vez que criou preceito não previsto
76
na Lei 8.212/1991, a qual disciplina o Seguro de Acidentes do Trabalho - SAT. 3. Agravo Regimental provido.34
TRIBUTÁRIO - SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO (SAT) – APLICAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de reconhecer a legitimidade de se estabelecer, por decreto, o grau de risco (leve, médio ou grave) para determinação da contribuição para o SAT, partindo-se da "atividade preponderante" da empresa. 2. A Lei 8.212/91, para efeitos da cobrança do SAT, estabeleceu alíquota mais elevada para aquelas empresas cuja "atividade preponderante" sujeitasse o maior número de trabalhadores a maior grau de risco de trabalho, nos termos das regras do Decreto 2.173/97. 3. Ilegalidade da Orientação Normativa 2/97, pela qual deve ser desconsiderado o número de trabalhadores da área-meio da empresa para fins da determinação da "atividade preponderante". 4. Recurso parcialmente provido.35
O STJ ainda não se manifestou expressamente acerca da legalidade
da Instrução Normativa RFB n. 971/09, como já fizera em relação à Instrução
Normativa INSS/SRP n. 02/97. Isso, no entanto, não implica maiores consequências,
pois a conotação da regra da Instrução Normativa INSS/SRP n. 02/97 anulada pelo
STJ é idêntica ao significado do enunciado da alínea b o inciso II do § 1º do artigo 72
da Instrução Normativa RFB n. 971/09:
Instrução Normativa RFB n. 971/09 Orientação Normativa INSS/AFAR n. 02/97
Não serão considerados os segurados
empregados que prestam serviços em
atividades-meio, para a apuração do
grau de risco, assim entendidas aquelas
que auxiliam ou complementam
indistintamente as diversas atividades
econômicas da empresa, tais como
serviços de administração geral,
recepção, faturamento, cobrança,
contabilidade, vigilância, dentre outros;
Para fins de enquadramento não serão
considerados os empregados que
prestam serviços em atividades meio,
assim entendida aquelas que auxiliam
ou complementam indistintamente as
diversas atividades econômicas da
empresa, como por exemplo:
administração geral, recepção,
faturamento, cobrança, contabilidade,
administração geral, recepção,
faturamento, cobrança, contabilidade,
34
BRASIL. Superior de Justiça. AgRg no Ag 1134164, DJU 24/09/2009. 35
BRASIL. Superior de Justiça. Resp. 323094, DJU 01/06/2006.
77
vigilância, dentre outros;
O enquadramento é realizando levando-se em consideração a
individualização de cada estabelecimento, desde que tenha inscrição própria no
CNPJ, entendimento este, que foi sedimentado pelo STJ na Súmula n. 351:
Súmula – 351 ―A alíquota de contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa, individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro.‖
5.2 FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP
O artigo 1° de nossa Constituição Federal já estabelece como um
dos mais importantes princípios do Estado de Direito o valor social do trabalho.
Nesta esteira, deriva-se a proteção acidentária defendida por uma ação integrada de
institutos como dos MPS, do Ministério do Trabalho - MTE e do Ministério da Saúde -
MS. Nossa Carta Magna, em seu artigo 7° prevê a obrigatoriedade da existência de
um trabalho seguro, bem como a obrigação do empregador pelo custeio do seguro
acidente do trabalho. Da mesma forma, o valor social do trabalho está fortemente
estruturado em garantias sociais como o direito à segurança, à saúde, à previdência
social e ao trabalho.
Para que a cobertura de eventos e infortúnios derivados dos riscos
ambientais do trabalho, sejam eles doenças e acidentes de trabalho, ou as
aposentadorias especiais, possam ser proporcionadas e mantidas pecuniariamente,
é necessário uma fonte de custeio. A Lei n. 8.212/1991 prevê que estes benefícios
sejam custeados com base na tarifação coletiva das empresas, conforme o
enquadramento das atividades preponderantes de acordo com a Subclasse da
CNAE.
78
A referida lei estabelece esta tarifação coletiva que diz respeito a
1%, 2% e 3% (um, dois e três por cento), calculados sobre o total das remunerações
pagas aos segurados na modalidade de empregados e trabalhadores avulsos. No
entanto, estes percentuais não são fixos; podem ser majorados ou reduzidos
conforme previsão do artigo 10 da Lei 10.666/03:
Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho
Nacional de Previdência Social.
Esta previsão demonstra a possibilidade de estabelecer a tarifação
individual da empresa, tornado possível a flexibilização do valor das alíquotas,
podendo ser elevadas ao dobro ou reduzidas pela metade. Essa flexibilização só se
fez acontecer em decorrência da aplicação da metodologia do FAP. Ou seja, a
incidência das alíquotas tornou-se maleável para o financiamento dos benefícios
pagos pela Previdência Social, decorrentes dos riscos ambientais do trabalho,
devido ao surgimento do FAP.
Assim, a metodologia foi aprovada pelo CNPS por meio de análise e
avaliação da proposta metodológica, bem como com a publicação em 2009 das
Resoluções do CNPS de n. 1308 e 1309. O CNPS consiste em uma instância
quadripartite que conta com a representação de trabalhadores, empregadores,
associações de aposentados e pensionistas e do Governo.
Registre-se ainda que esta metodologia aprovada busca beneficiar
aqueles empregadores que realizam constantemente melhorias ambientais em seus
estabelecimentos e postos de trabalho, apresentado menores índices de acidentes
entre seus funcionários. Da mesma forma, esta metodologia busca aumentar a
cobrança daquelas empresas que apresentam maiores índices de acidentalidade e
doenças ocupacionais, em comparação à média de seu setor econômico.
79
Acima de tudo, é fundamental ressaltar que a implementação da
metodologia do FAP servirá para incentivar a cultura da prevenção dos acidentes e
doenças do trabalho e auxiliar a estruturação do Plano Nacional de Segurança e
Saúde do Trabalhador – PNSST. Este plano vem sendo estruturado mediante a
condução dos referidos Ministérios (MPS, TEM e MS), permitindo fortalecer as
políticas públicas nesta área, assim como reforçar a relação social entre
trabalhadores e seus empregadores. Tudo isso colaborará para que uma melhor
qualidade de vida e melhorias ambientais no trabalho se tornem cada dia mais
comuns nas empresas brasileiras.
A CF88, conforme previsão em seu artigo 7º, inciso XXII, apresenta-
se como instrumento de maior relevo na tarefa de garantir ao trabalhador a ―redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança‖.
Como ressalta Fábio Zambitte Ibrahim, a Lei:
[...] também traz dispositivo de relevância ao permitir que o Ministério da Previdência Social – MPS possa alterar, com base nas estatísticas de acidentes de trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas párea efeito da contribuição do SAT a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes (art. 22, § 3 da Lei n. 8.212/1991)36.
A legislação previdenciária, portanto, já dispunha de caminho para
que as alíquotas-parte para custeio da aposentadoria especial e dos benefícios
previdenciários, decorrentes de acidente de trabalho, fossem adaptadas em
conformidade com o efetivo risco individualizado da empresa ou de seu setor, como
bem estabelece o enunciado do § 3, artigo 22 da Lei 8.212/1991, veja-se:
[...] O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular
investimentos em prevenção de acidentes.
36
IBRAHIM, op. cit.
80
Deste modo, como já mencionado anteriormente, o objetivo desta
previsão é estimular investimentos destinados a diminuir os riscos ambientais no
trabalho. Assim, o Decreto n. 3.048/1999, em seu artigo 203, dispõe que poderá ser
alterado ―o enquadramento de empresa que demonstre a melhoria das condições do
trabalho, com redução dos agravos à saúde do trabalhador, obtida por meio de
investimentos em prevenção e em sistemas gerenciais de risco‖.
Essa regulamentação foi ratificada por meio do artigo 10, da Lei
10.666/03, que dispõe sobre a concessão da aposentadoria especial ao cooperado
de cooperativa de trabalho ou de produção, nos seguintes termos:
A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Por essa razão, uma flexibilização das alíquotas de contribuição
para o custeio foi criada pela Resolução 1.236/0437, editada pelo Conselho Nacional
de Previdência Social (CNPS), atualizada pela Resolução MPS/CNPS 1.269/2006.
Esta proposta metodológica buscava criar meios que identificassem as empresas
que investem em prevenção de acidentes de trabalho e que, consequentemente,
poderão receber até 50% de redução da alíquota da contribuição em estudo ou, em
dimensão oposta, onerar-se em até 100%.
5.2.1 Metodologia do Fator Acidentário de Prevenção
O artigo 10, da Lei n. 10.666/03 permitiu a possibilidade de aumento
ou de diminuição da alíquota SAT, senão veja-se:
37
BRASIL. Conselho Nacional de Previdência Social. Resolução MPS/CNPS nº 1.236, de 28 de abril de 2004 - DOU de 10/05/2004. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/72/mps-cnps/2004/1236.htm>. Acesso 10 jun. 2011.
81
Art. 10 – a alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Esta norma corrobora com o princípio da equidade na forma de
participação e custeio, na medida em que busca favorecer aqueles contribuintes que
reduzem o número de concessões de benefícios por incapacidade comprovada, ao
contrário daqueles que dão prejuízo o sistema previdenciário.
Diante dessa situação, o contribuinte que conseguir reduzir os
efeitos das imperfeições no ambiente de trabalho, poderá obter sua alíquota SAT
reduzida pela metade, ou dobrada caso as empresas não tomem medidas cabíveis
em relação a saúde, higiene e segurança do trabalho.
Coube ao CNPS estipular um método para avaliar o desempenho
dos contribuintes entre si. Não obstante, este método deve respeitar os limites
impostos pela lei, isto é, o de apurar o desempenho dos contribuintes a partir dos
índices de frequência, gravidade e custo em relação aos benefícios decorrentes da
nocividade laboral, conforme fixado no §4º, do artigo 202-A, do Decreto n. 3.048/99,
pois, veja-se:
Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007
§ 1º O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
82
§ 2º Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
§ 3º (Revogado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
§ 4º Os índices de frequência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007
I - para o índice de frequência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentários pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)
83
b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009).
A resolução MPS/CNPS n. 1.269/06 ao definir o método de
apuração do desempenho dos contribuintes, não respeitou totalmente os limites
legais, pois em sua metodologia incluíram, além dos benefícios acidentários (v.g.,
B91, B92 e B93), também os benefícios de natureza comum (v.g., B31 e B32), cuja
causa sequer tem ligação com os riscos de acidente do trabalho.
Posto isto, o resultado deste método não é avaliado individualmente,
mas, sim em face da categoria em que o contribuinte está enquadrado no CNAE.
5.2.2 O FAP Como Operador da Adequação
Esse modelo estruturado pelo CNPS através da resolução
MPS/CNPS n. 1.269/06, ultrapassou os limites legais ao incluir elementos estranhos
ao objeto protegido, ou seja, incluiu benefícios cuja causa sequer tangencia os riscos
decorrentes do trabalho.
Como já estudado anteriormente, o regulamento não pode criar
direitos e deveres, mas, tão somente, regulamentar a lei, ou seja, caberia ao CNPS
somente considerar os benefícios decorrentes de acidentes de trabalho como critério
de avaliação, para consequentemente atingir sua finalidade, que nada mais é
averiguar as empresas que mais ensejam causas à concessão de benefícios
acidentários.
Desta forma, verifica-se o equívoco na inclusão dos benefícios de
espécie comum no método eleito pelo CNPS para apuração do FAP, portanto, não
nos resta outra conclusão, a não ser de entender pela ilegalidade da resolução.
84
5.2.3 Hipóteses de majoração e redução da alíquota SAT
A apuração da alíquota do FAP será confrontada com o resultado de
outros contribuintes do CNAE, levando em consideração três dimensões: frequência,
gravidade e custo. Sendo assim, a empresa que estiver na média das três
dimensões (0,0,0) terá o FAP igual a um. Já aquelas empresas que tiverem as três
dimensões (2,2,2) terá o fator máximo ou dois. Entretanto, em se tratando de
empresa cujas três dimensões (-2,-2,-2) terá o valor mínimo do FAP e
consequentemente irá se beneficiar da redução da alíquota SAT.
Percebe-se que o FAP tem sua variação de 0,5, sendo a menor
avaliação, até 2,0 a maior avaliação, e consequentemente a alíquota do SAT poderá
sofrer as seguintes alterações: i) empresas de risco leve: de 0,5 (meio por cento) até
2% (dois por cento); ii) empresas de risco médio de 1% (um por cento) a 4% (quatro
por cento); e iii) empresas de risco grave: de 1,5 % (um e meio por cento) a 6% (seis
por cento).
Enfatiza-se que, diante da grande variação do SAT, é de suma
importância que as empresas, nos dias atuais, aumentem a prevenção de acidentes
do trabalho, para que com isso diminuam a concessão de benefícios de
incapacidade comprovada, e tenham um melhor resultado na apuração do FAP,
beneficiando-se assim nas suas contribuições sociais.
5.3 Ações de Regresso
A legislação previdenciária nos artigos 120 e 121, ambos da Lei n.
8.213/91, reservou ao INSS a possibilidade de reaver os valores pagos a título de
benefícios previdenciários advindos de comportamento negligente, imprudente,
omisso ou doloso da empresa, senão vejamos:
Art.120 - Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
85
Art.121 - O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem.
O Decreto N. 3.048/99, regulamentador da lei de benefícios, também
disciplinou a respeito da matéria em seus artigos 341 e 342, senão vejamos:
Art.341-Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Art.342-O pagamento pela previdência social das prestações decorrentes do acidente a que se refere o art. 336 não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de terceiros.
Mormente os artigos 120 e 121 da Lei n. 8.213/91 estar previstos
desde a publicação da Lei, ou seja, 24 de julho de 1991, a autarquia previdenciária
não aplicava o disposto, visto a ausência de regulamentação, que era imputada pela
ausência de metodologia para a apuração dos valores a serem cobrados. Esta
ausência foi solucionada por meio da Orientação Interna do INSS PFE-INSS nº
02/05, que estabeleceu junto ao INSS um procedimento comum.
Enfatiza-se que a as ações regressivas somente são permitidas nos
casos em que há a concessão de benefícios previdenciários decorrentes de atos de
negligencia, imprudência, omissão ou dolo do empregador ao seu colaborador.
A ação regressiva tem dois objetivos: i) o de reaver do causador do
―risco social‖ o que efetivamente se despendeu em pagamento de benefício
previdenciário; ii) coagir as empresas a tomar medidas profiláticas de higiene e
segurança do trabalho, para que ao longo do tempo se diminua a concessão dos
benefícios decorrentes de atos de culpa ou dolo do empregador.
Portanto, conclui-se que as ações de regresso não visam somente a
restituição dos valores pagos a título de benefícios previdenciários decorrentes de
atos de negligência, imperícias, omissão ou dolo do empregador, mas também
objetiva a fazer com o que a cada dia mais as empresas se preocupem em melhorar
as condições do meio ambiente do trabalho.
86
A regra de competência para o processamento e julgamento das
ações regressivas, é da Justiça da Federal, conforme disposto no artigo 109 da
Justiça Federal, porém a exceções que a competência será do Juiz Estadual
investido de jurisdição federal, nas hipóteses do réu ter domicílio em local onde não
há fórum da Justiça Federal, conforme disposto nos §§1º,3º, e 4º do artigo
supracitado.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS CONTRA O EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. A competência para processar e julgar a ação regressiva ajuizada pelo INSS contra o empregador visando ao ressarcimento de gastos com o pagamento de benefício previdenciário em decorrência de acidente do trabalho é da Justiça Federal.38.
AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRABALHO. EC 45/04. COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL. Tratando-se de ação de regresso de indenização, a competência para processar e julgar a causa continua sendo da Justiça Federal, ainda que a causa primária da concessão do benefício previdenciário por acidente de trabalho, cuja concessão originou a ação de regresso, seja mesmo uma relação empregatícia.39.
5.3.1 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91: Desequilíbrio
Financeiro e Atuarial
O caput do artigo 201 da CF88 enuncia um dos mais valiosos
princípios da Previdência Social, quem sabe da Seguridade Social. Trata-se do
princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que, dada a sua importância, deveria
estar arrolado no parágrafo único do artigo 194, ao lado dos objetivos gerais da
Seguridade Social.
A importância desse princípio é confirmada pela forma redundante
que o constituinte aborda o seu valor. Inobstante o claro sentido do princípio, o
constituinte reitera o valor através da regra presente no § 5º do artigo 195 da CF,
38 BRASIL. Tribunal Regional da 4ª Região. Quarta Turma. RS 0032936-80.2010.404.0000, DJU
07/12/2010. 39
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Terceira Turma. AG 200604000125560. DJU 23/08/2006.
87
que veda, no intuito de preservar o equilíbrio, a elevação de despesas sem a
correspondente fonte de custeio total:
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
A interpretação do enunciado do § 5º do artigo 195 da CF88
pressupõe a sua contextualização, pois a interpretação desse enunciado deve,
necessariamente, observar a natureza sistêmica a qual se encontra submetida a
Seguridade Social.
O desequilíbrio financeiro e atuarial não procede apenas pela
elevação disforme da despesa ou redução da receita. O déficit não é a única forma
de manifestação do desequilíbrio; a essa forma podemos acrescentar o superávit, na
medida em que o excesso de receita, ou a redução de despesa também é encarado
pelo sistema como um problema.
É o que se pode extrair do artigo 20 da Lei Complementar n. 109/01,
que impõe a revisão dos planos de previdência superavitários objetivando o
equacionamento do plano desequilibrado.
A Constituição Federal, por meio do princípio do equilíbrio financeiro
e atuarial e da regra estampada no § 5º do artigo 195 da CF88, veda o desequilíbrio
do sistema de Seguridade Social, impedindo, simultaneamente, a ocorrência do
déficit e do superávit. As leis que objetivam o desequilíbrio, seja pela elevação
desnecessária da receita, seja pela diminuição injustificada das despesas, devem,
portanto, ser declaradas inconstitucionais.
A ação de regresso, sob a ótica financeira e atuarial, se justificaria
na ausência de proteção previdenciária da morte decorrente da negligência quanto
às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, ou seja, caso estivessem
presentes os seguintes fatores:
88
Que esse risco não se encontra mensurado no valor das
contribuições previdenciárias pagas pelo empregador, ou;
Que a probabilidade dos atos ilegais – negligência quanto às normas
de segurança e higiene do trabalho – não é compreendida pelas contribuições pagas
pelo empregado.
Sucede que esse risco encontra-se dimensionado no custeio exigido
dos contribuintes. Isso porque, a relação previdenciária de proteção não releva, para
fins de identificação do fato gerador, a causa do evento, mas tão-somente o evento
em si.
Os artigos 74 e 75 da Lei n. 8.213/91 modelam a norma jurídica da
pensão por morte. O artigo 74 cuida do fato imponível descrevendo-o como a morte
de segurado, aposentado ou não. O artigo 75 dimensiona o valor da prestação,
enunciando que será igual a cem por cento do valor da aposentadoria que o
segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por
invalidez na data de seu falecimento.
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei.
A constitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91 é questionável
uma vez que a causa da morte não interessa ao fato gerador da prestação,
tampouco à forma de apurar o seu valor. É indiferente à incidência da norma a
89
origem da morte, se decorrente de um acidente do trabalho, de uma doença ou de
um crime (suicídio). Todas as mortes de segurados, aposentados ou não, geram
pensão por morte, seja qual for a sua causa.
A origem da morte também não altera o valor da prestação. O único
discriminem está na condição do segurado falecido, pois, se aposentado o valor da
pensão será o mesmo da aposentadoria, e se não-aposentado o valor será
equivalente ao da aposentadoria por invalidez.
A contingência social protegida pelo sistema não é qualificada pela
causa, pois todas as mortes serão protegidas com igualdade pela Previdência
Social. A legalidade do evento também não interessa à qualificação da contingência.
A morte proveniente do suicídio, não obstante a ilegalidade do ato, ensejará
proteção da mesma forma que a morte derivada de uma doença ou de um acidente.
O cálculo do custeio da contingência morte despreza, portanto,
dados acerca da sua origem e licitude, apreendendo-se tão-somente sobre as
qualidades (segurado ou aposentado) da pessoa natural sujeita à contingência. Isso
significa que as contribuições previdenciárias custeiam todas as mortes de
segurados, seja qual for a sua origem ou causa.
O cálculo do prêmio do seguro (contribuições previdenciárias)
observa, exclusivamente, o risco protegido. Se o seguro não releva a causa do
evento na sua qualificação, essa causa também não será relevada na apuração do
prêmio.
Outra interpretação permitiria ao INSS, quando da análise da
concessão dos benefícios, negar a pensão por morte aos dependentes do segurado
que cometeu suicídio, ou colaborou diretamente para a ocorrência da morte.
Autorizaria, também, ao INSS a regressar contra os homicidas, o Estado ou quem
provocou ou colaborou com a morte de outrem.
90
Essa não nos parece à melhor alternativa, sobretudo porque inexiste
qualquer previsão legal que especifique as mortes pela causa atribuindo-as
consequências próprias.
Sendo assim, podemos concluir que:
A Previdência Social não discrimina as mortes pela causa, mas pela
qualidade do sujeito falecido. Todas as mortes de segurados, aposentados ou não,
seja qual for a causa, mesmo que ilegais, serão reconhecidas como fatos geradores
da pensão por morte;
Como a causa da morte não importa à definição da contingência;
todas as mortes de segurados, aposentados ou não, encontram-se custeadas pelas
contribuições previdenciárias ordinárias, que são mensuradas, observadas as
técnicas da atuária, a partir da definição do evento protegido.
A ação de regresso objetiva um custeio extraordinário; um plus para
amparar um evento não mensurado pelo algoritmo atuarial (prejuízo). Ocorre,
contudo, que as mortes decorrentes de negligência quanto às normas padrão de
segurança e higiene do trabalho estão contempladas pelo cálculo atuarial que
dimensionou o valor das contribuições, pois todas as mortes de segurados, até
mesmo as decorrentes dessa causa, integraram as premissas atuariais.
Esse plus, no presente caso, não seria um complemento das
contribuições previdenciárias pagas pela empresa, mas um excesso injustificado de
receitas que implicaria no desequilíbrio financeiro e atuarial presumido. Os valores
devolvidos não recomporiam o caixa do sistema, porém gerariam um superávit
inconstitucional, haja vista que a despesa que motiva o regresso já se encontra
provisionada nas contribuições previdenciárias vencidas e por vencer.
O artigo 120 da Lei n. 8.213/91 é, portanto, inconstitucional, pois, ao
criar uma espécie de receita sem a correspondente despesa, gera um desequilíbrio
financeiro e atuarial presumido e inexorável. O silêncio quanto a essa
inconstitucionalidade seria demasiado arriscado, notadamente porque enfraqueceria
91
os instrumentos constitucionais de manutenção do equilíbrio sistêmico; a tão
anunciada crise previdenciária certamente seria antecipada, principalmente pelo
descrédito dos métodos constitucionais de preservação do status.
Ademais, além de inconstitucional, o enunciado do artigo 120 é
totalmente imoral, pois autoriza a previdência social cobrar por algo que já se
encontra pago.
5.3.2 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91: risco protegido
pelo Seguro Acidente de Trabalho – SAT
O inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 aponta como direito dos
trabalhadores o ―seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa‖.
O enunciado constitucional modela uma típica relação securitária,
atribuindo ao empregador a condição de patrocinador (prêmio), ao acidente de
trabalho a qualidade de sinistro (dano) e ao empregado o status de beneficiário da
indenização.
O sinistro não é especificado, mas apreendido na sua acepção geral.
O seguro custeado pelo empregador em benefício do empregado não limita o dano
protegido, porém atinge todas as espécies da classe acidente do trabalho.
Essa conjectura se comprova na análise sistemática do § 10 do
artigo 201 da CF88, que atribui à lei a definição da cobertura do risco de acidente do
trabalho, ex vi:
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.
A definição da amplitude da proteção do acidente do trabalho foi
conferida à Lei n. 8.213/91, que regendo as formas de indenização (prestações
previdenciárias) enuncia os fatos que geram a concessão.
92
O acidente do trabalho, por uma simples exclusão lógica, relaciona-
se apenas com os benefícios de: i) auxílio-doença, ii) auxílio-acidente, iii)
aposentadoria por invalidez e iv) pensão por morte. Em ambos os casos, o evento
acidentário é tratado na sua generalidade, eis que a lei não especifica o sinistro
separando os acidentes do trabalho que justificam proteção dos acidentes não
amparados pelo seguro:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data.
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
O seguro de acidente do trabalho previsto no inciso XXXVIII do
artigo 7º da CF88 não ampara apenas os acidentes do trabalho decorrentes de
fatalidades, mas também aqueles provenientes de negligências do empregador. O
prêmio pago pelo empregador, portanto, custeia todos os sinistros decorrentes do
acidente do trabalho, seja qual for a sua causa.
Estivesse o prêmio restrito ao custeio dos acidentes do trabalho, o
que admitimos apenas para argumentação, os enunciados da Lei n. 8.213/91 que
descrevem o sinistro deveriam limitar a proteção a esse tipo de acidente, negando a
concessão, por exemplo, da indenização aos segurados invalidados por acidentes
do trabalho originados da negligência do empregador quanto às normas padrão de
segurança e higiene do trabalho, pois como define o artigo 757 do CC:
93
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
A concessão dos benefícios ora regressados já desperta a
inconstitucionalidade do fundamento jurídico apresentado, pois:
Se a concessão do benefício significa que o risco/sinistro estava
garantido.
Se a garantia se dá mediante o pagamento de contribuições
obrigatórias para o seguro acidente do trabalho, nos termos do
artigo 22 da Lei n. 8.212/91.
Logo, as contribuições compulsórias do empregador garantem
todos os danos decorrentes de acidente do trabalho, e não
apenas aqueles decorrentes do acaso.
Não verificamos alternativa senão afirmar: i) que o seguro previsto
no inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 compreende todos os tipos de acidente do
trabalho, seja os decorrentes do acaso, do dolo ou da culpa; ii) que as contribuições
sociais previstas no inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 custeiam a integralidade
desse seguro, e não apenas a parte que se destina à proteção dos acidentes do
trabalho provenientes da fatalidade:
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
94
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Essas conclusões ratificam a inconstitucionalidade do artigo 120 da
Lei n. 8.213/91, que, não obstante o modelo encabeçado pelo inciso XXXVIII do
artigo 7º da CF88 insiste na arrecadação de um prêmio sem atribuir uma
contrapartida específica. Assim também apresentam os tribunais:
CONSTITUCIONAL. ACIDENTE DE TRABALHO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELA PREVIDÊNCIA. ARTIGO 120 DA LEI 8.123/91. INCOMPATIBILIDADE FRENTE À NORMA CONSTANTE DO ARTIGO 7º, INCISO XXVIII, DA CF. O artigo 120 da Lei 8.213/91 ao possibilitar à Previdência Social a propositura de ação regressiva nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva contraria o texto constitucional constante do artigo 7º, inciso XXVIII, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o seguro contra acidentes de trabalho, atestando a natureza securitária do vínculo jurídico que une o empregado ao INSS. Arguição de inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei 8.123/91 a ser submetida ao Plenário deste Tribunal. 40
A inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91 perante o
inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 é reforçada pelo axioma presente do inciso IV
do artigo 150 da CF88, que impede o Estado de exigir prestação confiscatória: sem
causa, ou demasiado excessiva.
O final do inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 não se destina ao
segurador do seguro custeado pelo empregador, mas apenas ao beneficiário do
seguro, ou seja, ao empregado. O direito de indenização em decorrência do dolo ou
da culpa do empregador não é atribuído ao segurador (INSS), pois, ante o
pagamento do prêmio, não há prejuízo que justifique a indenização.
Além do dolo ou da culpa, o direito subjetivo de indenização, desde
as primeiras legislações, pressupõe o dano (prejuízo) e o nexo de causalidade entre
esses extremos. A conduta dolosa ou culposa do empregador não enseja prejuízo
ao segurador (INSS), pois as contribuições pagas para o custeio do seguro cobrem
40
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Terceira Turma. AC - APELAÇÃO CIVEL, Processo: 199804010236548. DJU 14/12/2000.
96
6 EFEITOS TRABALHISTAS DO ACIDENTE DO TRABALHO
As consequências do acidente do trabalho não interessam apenas à
previdência social. Atingem, igualmente, outros ramos do direito, em especial o
direito do trabalho.
6.1 Estabilidade de Emprego
O artigo 118, da Lei n. 8.213/91 garante a estabilidade do contrato
de trabalho de 12 meses, iniciados após a cessação da invalidez, para o segurado
que sofrer acidente do trabalho. Deste modo, após a cessação da incapacidade
acidentária o contrato de trabalho somente poderá ser rescindido após o período de
estabilidade. Poderá o empregador rescindir o contrato antecipadamente mediante
uma indenização ao empregado:
Art. 118 – o segurado que sofrer acidente do trabalho tem garantia, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção de seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.
Alguns doutrinadores defendem a inconstitucionalidade da
estabilidade prevista na lei previdenciária, sob o fundamento de que a Lei n.
8.213/91 é lei ordinária e conforme previsão do inciso I, do artigo 7º da CF88, a
estabilidade somente poderá ser regulamentada por meio de lei complementar:
Art. 7 – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que prevê da indenização compensatória dentre outros direitos;
Todavia, esta corrente doutrinaria não tem fundamento, pois o artigo
supracitado não traz alusão à estabilidade por isso não há impedimento legal que a
lei ordinária crie direitos de estabilidade aos empregados que sofrerem acidente do
trabalho. Ademais, esta discussão encerrou-se com o entendimento jurisprudencial,
por meio da Súmula n. 378 Tribunal Superior do Trabalho – TST, a seguir transcrita:
97
SÚMULA – 378. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI N. 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS (conversão das Orientações Jurisprudenciais n. 105 e 130 da SBDI-1) – Res.129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.
I – É constitucional o artigo 118 da Lei n 8.213/91 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentário. (ex – OJ n. 105 da SBDI-1 – inserida em 01/10/1997);
II – São pressupostos da concessão da estabilidade e o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxilio doença acidentário, salvo se constatada após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte – ex – OJ n 230 da SBDI-1 inserida em 20/06/2001).
Superada a questão da constitucionalidade, passaremos a estudar a
regra do artigo 118 da Lei n. 8.213/91. A incidência da citada norma deverá respeitar
a observação de dois requisitos: i) a cessação da invalidez e; ii) a natureza
acidentária da invalidez cessada. Ambos os requisitos devem ser analisados pelas
partes envolvidas no contrato de trabalho, e não aferidos pelo INSS, quer dizer, o
fato do INSS considerar a incapacidade acidentária não impõe necessariamente que
a Justiça do Trabalho reconheça essa incapacidade como sendo acidentária,
conforme aresto abaixo citado:
RECURSO DE REVISTA - ESTABILIDADE - DOENÇA OCUPACIONAL - LAUDO JUDICIAL - AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE - LAUDO DO INSS - PRESUNÇÃO DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO - PREVALÊNCIA - MATÉRIA FÁTICA. A discussão que exsurge dos autos é o aparente conflito entre o laudo judicial e o laudo do INSS. Este, obtido no curso da instrução processual, a partir das alegações da parte de que laborava em atividade de digitação de dados para processamento e procedia à abertura de rígidos lacres que abasteciam os caixas eletrônicos, cuja conclusão foi pela existência de Nexo Técnico Epidemiológico entre a doença e o trabalho; e aquele elaborado a cargo de médico perito indicado pelo juízo, que, em vistoria ao local de trabalho do autor e análise das funções desempenhadas e da lesão sofrida, constatou a ausência de nexo de causalidade. O laudo obtido junto ao INSS presumiu o liame de causalidade a favor do empregado, nos termos do art. 21-A da Lei nº 8.213/91. Tal presunção, contudo, não é absoluta, transferindo ao empregador o ônus de desconstituir o que foi presumido pela lei. Ainda que o nexo de causalidade apontado pelo INSS seja fato novo superveniente à instrução processual, deverá ser considerado como meio de prova
98
(art. 212 do CPC) e analisado conjuntamente com os demais elementos probatórios dos autos. A questão, portanto, envolve as provas produzidas nos autos e a influência que terão na formação do convencimento do julgador, nos termos dos arts. 131 e 436 do CPC. No caso em exame, o julgador ordinário fez prevalecer o laudo pericial produzido em juízo. Nesse sentido, constatado pela instância soberana na análise dos fatos e provas coligidos aos autos que não houve o nexo causal entre a atividade desempenhada pela autora e a lesão sofrida, para se chegar à conclusão diversa, de que o laudo produzido pelo INSS reflete o verdadeiro nexo causal, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, cujo óbice em sede extraordinária encontra-se previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. 41.
Salienta-se que o aresto supracitado não é a corrente majoritária,
pois a concessão do benefício acidentário na via administrativa é um início de prova
substancial para o reconhecimento da caracterização do acidente do trabalho,
conforme jurisprudência abaixo:
RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA - AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO - ART. 118 DA LEI Nº 8.213/91. "O afastamento do trabalho por prazo superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio doença acidentário constituem pressupostos para o direito à estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91, assegurada por período de 12 meses, após a cessação do auxílio-doença" (OJ da SBDI/TST nº 230). Recurso de revista não conhecido, com apoio no Enunciado/TST nº 333 e no § 4° do art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. 42.
Estabilidade acidentária. Decisão recorrida em consonância com a Orientação Jurisprudencial nº 230 da SBDI-2, que firmou a tese de que "o afastamento do trabalho por prazo superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença-acidentário constituem pressuposto para o direito à estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, assegurada por período de 12 meses, após a cessação do auxílio-doença". Recurso de revista de que não se conhece, com fulcro no Enunciado nº 333 do TST. 43.
Diante desse quadro, torna-se de suma importância que as
empresas participem do procedimento administrativo de concessão de benefícios
por invalidez comprovada, sobretudo, pela existência do NTEP, que doenças ou
41
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Primeira Turma. RR - 615800-30.2003.5.09.0651. DJU 05/08/2011. 42
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Segunda Turma. RR - 708276-43.2000.5.12.5555. DJU 19/09/2003. 43
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Quarta Turma. RR - 6990400-02.2002.5.02.0900. DJU 13/02/2004.
99
acidentes não acidentários, sejam reconhecidos como tais pelo INSS, implicando
efeitos procedimentais que dificultam a descaracterização acidentária no âmbito da
Justiça Trabalhista.
6.2 MANUTENÇÃO DOS DEPÓSITOS PARA O FGTS
O período em que o trabalhador se encontra afastado, em
decorrência do acidente do trabalho, ou seja, com o contrato de trabalho suspenso,
impõe a obrigatoriedade do empregador na manutenção do deposito do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, em decorrência da aplicação do § 5º do
artigo 15, da Lei n. 8.036/90 com redação dada pela Lei n. 9.711/98, conforme se
verifica abaixo:
Art. 15 – para os fins prevista nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração das parcelas de que trata os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal, a que se refere a Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da lei n. 4.749, de 12 de agosto de 1965.
§5º - o deposito que trata o caput deste artigo é obrigatório nos casos de afastamento para prestação do serviço militar obrigatório e licença por acidente do trabalho.
A respeito da natureza jurídica do FGTS tem-se uma enorme
discussão doutrinária, assim, alguns doutrinadores entendem ser o FGTS como
natureza de crédito legal dos trabalhadores decorrentes da execução do contrato de
trabalho. Já a outra corrente doutrinária entende ser o FGTS a característica de
natureza tributária.
O Supremo Tribunal Federal – STF por meio do Recurso
Extraordinário n. 100.249-2, compreendeu que o FGTS é um direito do trabalhador,
afastando assim a natureza tributária. Não obstante, o STF atualmente vem
entendendo como o depósito ao FGTS como uma espécie de contribuição social.
100
Nesse sentido, podemos exemplificar o caso de um empregado
requerer a concessão de um benefício de auxílio-doença previdenciário de natureza
comum, entretanto o perito através da análise do NTEP concede o benefício de
natureza acidentária. Ressalta-se que a empresa não tomou ciência da concessão
do benefício, e por tal motivo suspendeu o depósito ao FGTS e logo após a
cessação do benefício rescindiu o contrato de trabalho, sem respeitar a eventual
estabilidade e indenizar o segurado.
Diante dessa situação, o empregado pode tomar duas providências:
i) concordar com a empresa, no sentido de que a sua doença não tem natureza
acidentária, neste caso nada lhe é devido; ii) no caso de concordar com o INSS, o
empregado poderá pleitear a sua reintegração ou sua indenização, bem como o
depósito do FGTS.
Por meio do exemplo supracitado, há enorme importância da
configuração da natureza jurídica do FGTS. Nesse exemplo, o problema será
resolvido pelo poder judiciário, a quem tem o poder da resolução de conflitos entre
as partes.
6.3 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
O artigo 186 do Código Civil trata a respeito da responsabilidade
civil, dispondo o seguinte:
Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia, ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
No mesmo sentido, o artigo 942 do Código Civil aduz que o
seguinte:
Art. 942 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver de mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
101
Nota-se que o Código Civil impõe responsabilidade objetiva ao
causador do dano, ou seja, bastando a constatação do acidente para ensejar a
indenização, independentemente da comprovação da culpa do empregador.
A teoria da responsabilidade objetiva do empregador também
encontra respaldo jurídico no inciso XXVIII, do artigo 7º, da Constituição Federal na
medida em que dispensou a demonstração da culpa grave, conforme veja-se abaixo:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
O inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal igualmente estipula a reparação do dano moral, veja-se, pois:
X – é assegurado o direito a resposta proporcional ao agravo, além a indenização por dano material, moral ou à imagem;
Podemos asseverar no sentindo de que a Constituição Federal foi
demasiadamente inovadora ao permitir a reparação de danos pela Seguridade
Social, juntamente com a responsabilidade civil da empresa em caso de dolo ou
culpa.
O ordenamento jurídico brasileiro traz a obrigação das empresas em
proporcionar aos seus empregados o ambiente de trabalho seguro e higiênico, com
a finalidade de diminuir ao máximo as probabilidades de eventos prejudiciais à
saúde e à integridade física do trabalhador, utilizando-se de mecanismos como o
Equipamento de Proteção Individual – EPI, Equipamento de Proteção Coletivo –
EPC, bem como treinamentos, com intuito de capacitação da mão-de-obra.
As lesões acidentárias podem ocasionar perdas patrimoniais ao
colaborador, tais perdas patrimoniais traduzem o chamado dano material, que pode
envolver duas situações: i) aquele que efetivamente perdeu (despesas); ii) aquele
que deixou de ganhar (lucro cessantes).
102
Além disso, podem gerar consequências psicológicas, afetando
assim a moral do trabalhador, denominado no meio jurídico como dano moral. Por
sua vez, o dano moral não precisa ser oriundo do mesmo fato originário do dano
material, uma vez que o objeto protegido é distinto.
Não obstante, o dano material e moral, a Constituição Federal, no
inciso X, do artigo 5º supracitado, assegura o direito à indenização por eventuais
danos estéticos decorrentes das lesões acidentárias. Por sua vez, o dano estético se
configura quando as lesões tomam proporções que acarretem constrangimento ao
trabalhador, como deformidades físicas.
É tão verdade que o STJ, por meio do voto do Excelentíssimo
Ministro Athos Carneiro quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.604 — SP
(Registro n.º 89.0012435-8), nos diz:
[...] A reparabilidade do dano moral, como observa Aguiar Dias, é hoje admitida em quase todos os países civilizados. A seu favor e com o prestígio da sua autoridade, pronunciaram-se os irmãos Mazeaud, afirmando que não é possível, em sociedade avançada como a nossa, tolerar o contra-senso de mandar reparar o menor dano patrimonial e deixar sem reparação o dano moral (conforme Aguiar Dias, ‗A RESPONSABILIDADE CIVIL‘, tomo II, p. 737). E concluem esses mesmos autores: ‗Não é razão suficiente para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, no fato de não ser possível estabelecer equivalente exato, porque, em matéria de dano moral, o arbitrário é até da essência das coisas‘. Nem afastaria a reparabilidade do dano não patrimonial a consideração tantas vezes repetida de que é repugnante à consciência jurídica atribuir equivalente pecuniário a bem jurídico da grandeza dos que integram o patrimônio moral, operação que resultaria em degradação daquilo que se visa a proteger. A argumentação só serve ao interesse do ofensor e não deixa de ser, até certa medida, simplista.
O inolvidável Pedro Lessa mostrou, em mais de uma ocasião,
segundo lembra Aguiar Dias em rodapé à p. 727, que ‗o fato da inconversibilidade do
dano moral, em moeda, por falta de denominador econômico para o direito violado,
não podia ter por efeito deixá-lo sem reparação.
‗De fato, não há equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento. A
condenação do responsável visa apenas resguardar, decerto imperfeitamente, mas
103
pela única forma possível, o direito lesado‘ (acórdão do STF, 18.8.91, ‗Revista de
Direito‘, n.º 61, p. 90). Aliás, nem mesmo no dano patrimonial há perfeita
equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento. Os irmãos Henri e Léon Mazeaud,
em seu clássico ‗Tratado Teórico e Prático da Responsabilidade Civil‘, advertem,
rebatendo esse argumento dos inimigos da responsabilidade do dano moral, que:
―[...] o direito, ciência humana, deve resignar-se às soluções imperfeitas como a da reparação, no verdadeiro sentido da palavra. Cumpre ver, nas perdas e danos atribuídos à vítima, não o dinheiro em si, mas tudo que ele pode proporcionar no domínio material ou moral [..]"
Assevera-se que ao acidentado poderão ser devidos os três
indenizações, ou seja, material, moral ou estética, ainda que o resultado decorra do
mesmo fato gerador, conforme analise dos arestos abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO. O Regional, amparado nas provas dos autos, concluiu que a negligência do empregador em fornecer condições seguras de trabalho propiciou a ocorrência do acidente de trabalho que vitimou o reclamante, o qual, sendo destro, teve comprometimento da mão direita, além de dano estético em grau médio e redução da capacidade laborativa em 50%. Nesse contexto, incólumes os arts. 7º, XXVIII, da CF/88 e 186 e 927 do CC. Incidência da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. 44.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA - INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS - VALOR DA INDENIZAÇÃO (DANO MORAL - R$ 8.000,00 E DANO ESTÉTICO - R$ 4.000,00). Recurso de revista que não merece admissibilidade em face da aplicação das Súmulas nos 126, 333 e 396, item I, desta Corte e do que dispõe o artigo 896, § 4º, da CLT, bem como porque não restou configurada, de forma direta e literal, nos termos em que estabelece a alínea -c- do artigo 896 consolidado, a alegada ofensa aos artigos 5º, inciso V, 7º, inciso XXVIII, e 93, inciso IX, da Constituição Federal, 832 da CLT, 818 da Lei nº 8.213/91 e 186, 884 e 927 do Código Civil, pelo que, não infirmados os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista, mantém-se a decisão agravada por seus próprios fundamentos. Ressalta-se que, conforme entendimento pacificado da Suprema Corte (MS-27.350/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/06/2008), não configura negativa de prestação jurisdicional ou
44
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Oitava Turma. RR - AIRR - 44100-10.2009.5.04.0771. DJU 15/08/2011.
104
inexistência de motivação a decisão do Juízo ad quem pela qual se adotam, como razões de decidir, os próprios fundamentos constantes da decisão da instância recorrida (motivação per relationem), uma vez que atendida a exigência constitucional e legal da motivação das decisões emanadas do Poder Judiciário. Agravo de instrumento desprovido. 45.
Tal conjectura, tornar-se cada vez mais importante as políticas de
prevenção de acidente do trabalho, por meio dos programas de prevenção, tais
como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, Programa de
Controle Médico e Saúde Ocupacional – PCMSO, entre outros, para que assim a
empresa consiga mitigar ao máximo os acidentes de trabalho aos seus
colaboradores.
Posto isso, podemos concluir que o dano moral é uma forma eficaz
de compelir a empresa a investir cada dia mais em maneiras protetivas aos
trabalhadores, melhorando assim a qualidade do ambiente do trabalho, perpetrando
na condição da saúde e integridade física dos socialmente protegidos.
45
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Segunda Turma. AIRR - 35540-67.2008.5.03.0084. DJU 19/08/2011.
105
7. DISTINÇÃO ENTRE AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO E ACIDENTÁRIO
Até meados do ano de 1995, com a edição da Lei n. 9.032/95, uma
das principais distinções entre o auxílio-doença previdenciário e o acidentário residia
na forma de cálculo do valor do benefício.
A redação original da Lei n. 8.213/1991 previa que a renda mensal
do auxílio-doença previdenciário corresponderia a 80% (oitenta por cento) do salário
de benefício, acrescido de 1% (um por cento) deste por grupo de doze contribuições,
não podendo ultrapassar 92% (noventa e dois por cento) do salário-de-benefício. No
que diz respeito ao benefício do auxílio-doença acidentário, estabelecia que a renda
mensal do benefício deveria corresponder a 92% (noventa e dois por cento) do
salário-de-benefício ou do salário de contribuição, o que fosse mais vantajoso para o
segurado.
Atualmente, o auxílio-doença, tanto o previdenciário quanto o
acidentário, corresponde numa renda mensal igual a 91% (noventa e um por cento)
do salário-de-benefício.
Para a concessão do benefício acidentário não é exigido
cumprimento do período de carência, a teor do disposto no inciso II, do artigo 26, da
Lei n. 8.213/1991. Note-se, entretanto, que a carência não é exigida do benefício
acidentário, nem daquele decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa:
Art. 26 - II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;
A estabilidade no trabalho, tópico este que será mais aprofundado
em capítulo específico, é outra garantia do trabalhador que, tendo sofrido acidente
106
de trabalho, encontra-se em gozo do auxílio-doença. Dispõe o artigo 118, da Lei n.
8.213/1991:
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
Para Luciana Bueno Arruda da Quinta46, a estabilidade no trabalho é
garantia somente do segurado que tiver acometido de acidente do trabalho. Não
tem, portanto, direito à estabilidade o segurado que tiver sofrido acidente de
qualquer natureza. Neste caso, a favor do segurado, há somente a desnecessidade
de comprovação do cumprimento do período de carência.
O segurado que, acometido de acidente de trabalho, que não tiver
feito jus ao auxílio-doença acidentário, tem direito à estabilidade prevista no artigo
118 da Lei n. 8.213/1991, mas sim a outra prestação previdenciária relativa ao
acidente do trabalho, como auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez
acidentária.
Diante destas considerações preliminares, a análise específica do
benefício previdenciário auxílio-doença será estudado em suas duas vertentes,
como auxílio-doença comum e acidentário. A começar pelo primeiro.
7.1 AUXÍLIO-DOENÇA COMUM
O benefício auxílio-doença tem como regra matriz de sua
estruturação material a disposição do artigo 59 da Lei n. 8.213/1991.
Art. 59 - O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
46
QUINTA, Luciana Bueno Arruda da. Auxílio-Doença. São Paulo p. 105-107. 2005.
107
A materialidade do auxílio-doença corresponde à situação material
se a necessidade que o segurado enfrenta, decorrente da incapacidade laborativa,
ou como quer a lei, o fato de o segurado ―ficar incapacitado para o seu trabalho ou
para a sua atividade habitual‖.
Tal representação pela lei corresponde a um fato no modo verbal
―ficar incapacitado‖, porque a lei previdenciária visa proteger eventos concretos que
sujeitam o segurado durante sua existência e durante o exercício de sua atividade
profissional.
A causa da incapacidade pode ser derivada da situação da doença e
a situação do acidente, mas aqui, no benefício auxílio-doença, acidente de qualquer
natureza.
Como essas causas, tidas por comuns, não se relacionam em sua
origem circunstancial com o exercício do trabalho, podem ser derivadas de
quaisquer situações da vida que façam o segurado se sujeitar à doença ou ao
acidente de qualquer natureza que lhe ocorra.
Nesta linha, o artigo 30 do Decreto n. 3.048/1999, bem nos explana:
Parágrafo único: Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
A doença e o acidente de qualquer natureza são causas de origem
traumática e por exposição a agentes físicos (objetos, bens e coisas), químicos
(substâncias) e biológicos (seres vivos em geral), que submetem o segurado a
consequências que alteram seu estado de vida, especialmente na relação do
trabalho.
Essa especial alteração é observada na consequência, cuja
proteção do auxílio-doença está afetada à incapacidade para o exercício do trabalho.
108
Já, na consequência, a abrangência da expressão incapacidade
para fins do auxílio-doença é a incapacidade total e temporária para o exercício do
trabalho.
A incapacidade é temporária, porque as consequências geradas
pela materialização das causas de doenças e acidentes de qualquer natureza que,
sobre as condições físicas e funcionais do segurado no desempenho de suas
atividades laborais, são passíveis de recuperação.
Para tanto, faz-se necessário que o segurado, após a ocorrência da
doença ou do acidente que lhe causem incapacidade para o exercício do trabalho,
seja afastado de suas atividades laborais.
No caso dos segurados empregados, o contrato de trabalho ficará
suspenso pelo período que durar o afastamento decorrente da incapacidade,
conforme disposição do artigo 63 da Lei n. 8.213/1991: ―O segurado empregado em
gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado‖.
O parágrafo único do artigo 59, da referida lei, dispõe uma limitação
à concessão do auxílio-doença, que é a de que será devido o benefício se o
segurado já for portador da doença ou da lesão invocada como causa, salvo quando
a incapacidade for causada como reflexo da progressão ou agravamento dessa
doença ou lesão.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento
dessa doença ou lesão.
Para Michel Cutait Neto47, a proteção social oferecida pelo benefício
previdenciário auxílio-doença atende ao verbo ―ficar incapacitado‖ e não ―ser
incapacitado‖, isto é, o risco social protegido é a especial situação de necessidade
47
CUTAIT NETO, Michel. Auxílio-Doença. São Paulo: Editora J. H. Zuno, 2006. p. 11.
109
que altera o estado da vida do segurado, e não a situação a que o segurado já
esteja submetido, pois, assim, tal situação seria outra, e o bem protegido também.
Do mesmo modo, cumpre salientar que no objetivo de preservar
aquelas situações em que, embora portador de doença ou lesão, o segurado tenha
condições de exercer atividades laborais, a incapacidade decorra da progressão ou
do agravamento da doença ou lesão preexistente. Pois, nessas situações, houve
alteração do estado de vida do segurado.
7.2 AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO
Após a explanação sobre o benefício auxílio-doença comum (em
razão de doenças e acidentes comuns), passa-se a estudar o auxílio-doença
acidentário.
Ressalva seja feita que a Lei n. 8.213/1991 não criou e estabeleceu,
separadamente, dois benefícios de auxílio-doença, cada qual segundo regras
próprias e específicas, mas, de outro modo, a lei criou duas materialidades distintas.
A materialidade do auxílio-doença acidentário, diferentemente do
que diz respeito à materialidade do auxílio-doença comum, está fortemente
relacionado com a questão do trabalho, mas não se restringindo na consequência da
incapacidade que justifica sua existência, mas principalmente na causa, pois este é
o evento de que deriva a consequência.
O auxílio-doença acidentário tem como objetivo amparar a situação
de necessidade que a incapacidade para o exercício do trabalho reflete na vida do
segurado, seja o afastamento de suas atividades laborais, ou prejudicando sua
renda familiar com a provável ausência de remuneração.
No entanto, para que esta incapacidade seja considerada
―acidentária‖, mister se faz que tenha sido causada por uma das situações previstas
do artigo 19 até o artigo 23 da Lei n. 8.213/91.
110
O auxílio-doença acidentário tem como causa ou evento doença
profissional ou doença do trabalho, eminentemente o evento acidente do trabalho.
Segundo o artigo 19 da Lei n. 8.213/1991, o acidente de trabalho é
conceituado como:
[...] Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,
permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho48.
O acidente do trabalho, diferentemente do comum, ocorre pelo
exercício do trabalho, em razão dele, sob suas circunstâncias e dentro do ambiente
em que o trabalho é desenvolvido.
Da mesma forma, segundo os incisos I e II, do artigo 20 da referida
Lei de Benefícios, o auxílio-doença também será devido quando a incapacidade para
o exercício do trabalho decorrer da doença profissional ou doença do trabalho veja:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
Deste modo, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro
sempre deixou claro o tratamento especial que as questões referentes ao acidente
de trabalho traduzem para a sociedade. Tanto a Constituição Federal de 1988 como
as atuais legislações previdenciárias tratam o acidente de trabalho de maneira
específica, com a previsão de conceitos próprios, sujeitando a regras diferenciadas,
48
BRASIL, op. cit., 1991.
111
como disciplina o art. 201, § 10 da Carta Magna ‖[...] Lei disciplinará a cobertura do
risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de
previdência social e pelo setor privado.
O artigo 124 da Lei n. 8.213/1991 apresenta o rol da hipótese em
que há a vedação de acúmulo de benefícios da Previdência Social com o auxílio-
doença, seja o de cunho previdenciário (comum), seja o acidentário. São eles: a
aposentadoria; o auxílio-acidente, desde que advindo do mesmo acidente ou da
mesma doença que gerou o salário-maternidade e o auxílio-reclusão. Veja:
Art. 124 - Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
I - aposentadoria e auxílio-doença;
II - mais de uma aposentadoria;
III - aposentadoria e abono de permanência em serviço;
IV - salário-maternidade e auxílio-doença;
V - mais de um auxílio-acidente;
VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
Deste modo, como o auxílio-acidente, desde que este seja originário
de outro acidente diverso ou de outra doença, bem como a pensão por morte e o
abono de permanência em serviço não estão inseridos nesse rol, pode-se considerá-
los como passíveis de acumulação com o benefício de prestação continuada auxílio-
doença, devido à ausência de previsão legal.
Por fim, registre-se que, por força do art. 109, I da Constituição, a
causa laboral-acidentária importa para a fixação da Justiça competente para julgar
eventuais demandas relativas à concessão do benefício.
112
8. REENQUADRAMENTO DO SAT
O Decreto n. 6.957/09 regulamentou o artigo 10 da Lei n. 10.666/03,
estabelecendo o método de verificação do desempenho da empresa em relação às
doenças do trabalho, com o escopo de reavaliar as alíquotas utilizadas na
mensuração do tributo descrito no inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91.
Afora isso, o Decreto n. 6.957/09 reavaliou o risco das atividades
econômicas, atribuindo a certas atividades uma nova graduação de probabilidade de
dano. Os produtores de carvão vegetal em floresta nativa (CNAE 0220-9/02), por
exemplo, anteriormente compreendidas no risco elevado (3) foram rebaixadas para o
risco moderado (2), passando a contribuir para o SAT com 2% sobre a folha de
salários dos empregados e avulsos.
8.1 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS Nº.
6.042/07 E 6.957/09: DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL
O caput do artigo 201 da CF88 enuncia o princípio do equilíbrio
financeiro e atuarial; garantia fundamental à manutenção eficaz do sistema de
Seguridade Social. Esse princípio é operado pela regra prevista no § 5º do artigo
195 da CF88, que impede a criação, majoração ou extensão de despesa sem a
correspondente fonte de receita:
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
A regra não evita apenas a elevação de despesa sem a
contrapartida financeira; atinge também a tentativa de aumentar as receitas sem a
correspondente despesa, pois, tal como o déficit, o superávit também significa
desequilíbrio financeiro e atuarial. Ambos os defeitos exigem equacionamento (arts.
20 e 21 da Lei Complementar n. 109/01), sobretudo para garantir a viabilidade do
sistema.
113
Qualquer ajuste de receita ou de despesa deve ser precedido de
estudo financeiro e atuarial; análise técnica que verifique o impacto presente e futuro
da alteração sugerida. O sistema não admite alteração abrupta ou de afogadilho,
tampouco movida por motivação política. Sob pena de inviabilidade, todas as
alterações devem ser pensadas, repensadas, discutidas, modeladas e testadas,
antes de serem aplicadas.
Esse cronograma de viabilidade é operado pelo Orçamento da
Seguridade Social, que define anualmente as receitas e as despesas da previdência
social, da saúde e da assistência social, na forma do inciso III do § 5º do artigo 165
da CF88:
§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
O orçamento de 2007, previsto em 2006, não identificava o aumento
do risco custeado pela contribuição social tipificada no inciso II do artigo 22 da Lei n.
8.212/91, tampouco redução das receitas dessa contribuição. O orçamento, ao
contrário, identificava a estabilidade entre as receitas e despesas, aferindo o
equilíbrio financeiro e atuarial.
Não obstante esse dado, o Poder Executivo, por meio dos Decretos
ns. 6.042/07 e 6.957/09, modificou o Decreto n. 3.048/99, alterando o SAT de várias
atividades econômicas. Essas alterações não estavam prevista no Orçamento da
Seguridade Social de 2007, tampouco de 2009, que identificava o vínculo pela
estrutura outrora vigente.
A inobservância do orçamento – elevação das receitas além do
necessário – gerou o esperado: desequilíbrio do sistema de Seguridade Social. O
sistema, idealizado para empatar, tornou-se superavitário, na medida em que a
114
desproporção entre a elevação das receitas e o custo do risco gerou sobra do
produto arrecadado.
Não se faz necessária mais comprovações para identificar essa
realidade; o dado legal já é suficiente, notadamente quando o superávit decorrente
dessa elevação é utilizado para outro fim senão a proteção social. A União Federal,
por meio da Lei n. 11.546/07, reconhece esse superávit, transferindo ao Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão a sobra da arrecadação:
LEI Nº 11.546, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2007.
Abre ao Orçamento da Seguridade Social da União, em favor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, crédito suplementar no valor de R$ 80.990.000,00, para reforço de dotação constante da Lei Orçamentária vigente.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica aberto ao Orçamento da Seguridade Social da União (Lei no 11.451, de 7 de fevereiro de 2007), em favor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, crédito suplementar no valor de R$ 80.990.000,00 (oitenta milhões, novecentos e noventa mil reais), para atender à programação constante do Anexo desta Lei.
Art. 2º Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decorrem de superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2006.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de novembro de 2007; 186º da Independência e 119º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Paulo Bernardo Silva
Essa lei é exemplificativa, porque diversas, com o mesmo conteúdo,
foram publicadas nesse e em outros exercícios financeiro.
115
A alteração do SAT operada pelos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09,
ao negligenciar o Orçamento da Seguridade Social, desequilibrou o sistema de
Seguridade Social, gerando superávit financeiro que fora utilizado para outra
finalidade senão a proteção social.
A União Federal, utilizando-se da boa-fé dos contribuintes da
Seguridade Social, eleva as contribuições para suportar outros gastos. Afora imoral,
essa tática também é inconstitucional, seja porque desequilibra a dependência do
sistema previdenciário, seja porque confisca riquezas dos contribuintes para custear
ações estatais desconexas à Seguridade Social.
Sendo assim, não há outra conclusão senão a que confirma a
inconstitucionalidade dos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09 que, a despeito do
orçamento da Seguridade Social, elevaram contribuições sociais desequilibrando a
Seguridade Social com o objetivo de arrecadar por meio dessa relação para custear
gastos estatais diversos daquele suportados por esse sistema de proteção social.
8.2 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS NS.
6.042/07 E 6.957/09: MOTIVAÇÃO COMO VALOR CONSTITUCIONAL
O objetivo do Estado de Direito é proteger os cidadãos das
arbitrariedades e do despotismo dos governantes, submetendo o próprio Estado às
normas vigentes. Trata-se de direito subjetivo conquistado pelas sociedades
modernas a partir do século XIII, com a assinatura da Magna Carta pelo Rei João
sem terra.
No sentido de assegurar um Estado não arbitrário, algumas normas
foram direcionadas para a própria atuação estatal, estabelecendo a forma em que os
atos administrativos deveriam ser praticados e quais os princípios que todos eles
deveriam observar.
Esses princípios, por sua vez, podem ser previstos explicita ou
implicitamente em nosso ordenamento jurídico ou até mesmo pela teoria do ato
administrativo, o que não os torna mais ou menos importantes.
116
Diante da importância do controle da função administrativa, a própria
CF88 em seu artigo 37, caput, já expressa a obrigação de observar vários princípios
a ela relacionados:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
O legislador originário se preocupou em estabelecer princípios
gerais que deveriam nortear todos os atos administrativos, assegurando aos
cidadãos a impossibilidade da prática de atos não permitidos por lei, imorais,
obscuros, ineficientes e/ou privilegiosos.
No mesmo sentido da CF88, a Lei n. 9.784/99 assim dispõe:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
A fixação destes princípios e garantias é um dos principais baluartes
do Estado Democrático de Direito, no qual, segundo a própria Constituição Federal,
todo poder emana do povo e por ele é exercido através de seus representantes.
Se todo poder emana do povo e é exercício por meros
representantes, aqueles que desempenham a função pública não são donos da
coisa pública, mas apenas a gerem em favor do povo, a quem é garantida a mais
profunda transparência e moralidade na prática dos atos administrativos.
Em defesa do direito do povo, com a finalidade de fiscalizar a
perfeição da administração de seus bens (coisa pública), é que o Direito se preocupa
em estabelecer rígido sistema de normas sobre o assunto, sempre no sentido de
oferecer meios a mais ampla fiscalização dos atos administrativos.
De acordo com o professor Hely Lopes Meirelles, são doze os
princípios básicos que devem nortear a prática de qualquer ato pela administração:
117
Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
motivação e supremacia do interesse público sobre o privado. 49
.
Como salientado, por esses padrões é que deverão se pautar todos
os atos e atividades administrativos de todos aqueles que exercem o poder público.
Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras
palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos
negócios públicos e esquecer o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo
dos interesses sociais.
Além disso, é interessante lembrar que o ocupante de função pública
não goza de livre poder na prática de seus atos, mas do poder-dever de praticá-los.
Todos os seus atos devem ser direcionados à observação do interesse público,
sempre pela maneira mais eficiente.
Assim, o administrador não tem carta branca para praticar atos a seu
bel prazer, mas a obrigação de agir de acordo com as prescrições legais, em
caminho do interesse social.
Os princípios acima narrados são importantíssimas ferramentas para
a fiscalização do exercício do poder-dever pelo ocupante de cargo público de
direção e na verificação de sua legalidade. Somente os atos praticados com
observação de todos estes princípios podem garantir sua total transparência para, se
for o caso, possível impugnação perante o judiciário.
São, portanto, as ferramentas de controle da administração pelo
administrado. A questão ora enfrentada trata-se da falha na observação de um
destes princípios, causa de invalidade do ato administrativo praticado, conforme a
seguir demonstrado.
49
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 77-78.
118
Expresso na Lei n. 9.784/99, o princípio da motivação ocupa lugar
de destaque dentre aqueles que norteiam a prática do ato administrativo. É a dicção
do art. 50 da Lei n. 9.784/99:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
Como pressuposto para a validade do ato administrativo deve o
administrador, portanto, explicitar os motivos que deram causa sua realização.
Para isso, previamente ao ato deve ser demonstrado seu
fundamento legal, os fatos que o embasaram e a relação lógica (nexo) entre fatos,
conteúdo do ato e autorização legal para tanto.
Sem isso, torna-se impossível considerar a validade do ato. Saber o
motivo que o fundamenta é garantia ao administrado de ter a certeza de que o ato
praticado não padece de desvio de finalidade ou de vícios como falta de proporção,
razoabilidade, eficiência. É o que permite saber se havia necessidade ou não
daquele ato para controle externo da administração.
É a adequação entre motivo e conteúdo que definirá a pertinência ou
não do ato praticado. Sobre o assunto, Celso Antônio Bandeira de Mello é
categórico:
Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situação que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.
119
Assim, atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada50.
O professor vai ainda mais longe ao vincular a necessidade de
motivação do ato à essência do Estado Democrático de Direito e à mera função de
gerenciamento do ocupante de cargo público diretivo:
Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como ―Estado Democrático de Direito‖ (art. 1º, caput), proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a ―cidadania‖ (inciso II), os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi
praticado, isto é, que fundamentos o justificam. 51.
É, destarte, inválido o ato administrativo sem motivação, o que deve
ser analisado pelo judiciário, instado pelo administrado por isso prejudicado.
Nossos Tribunais, em seu turno, já analisaram diversas vezes
questões idênticas, sempre defendendo a obrigação da motivação dos atos
administrativos.
Muitas decisões neste sentido são fundadas nos seguintes acórdãos
do Supremo Tribunal Federal:
IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. - MOMENTO DA OCORRENCIA DO FATO GERADOR, EM SE TRATANDO DE MERCADORIA DESPACHADA PARA CONSUMO. COMPATIBILIDADE DO ART. 23 DO DECRETO-LEI N. 37/66 COM O ART. 19 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. - RESOLUÇÃO DO C.P.A. NECESSIDADE DE SUA MOTIVAÇÃO, AO FIXAR PAUTA DE VALOR MINIMO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DISSIDIO COM A DECISÃO RECORRIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO PELO SEGUNDO FUNDAMENTO E PROVIDO.
50
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 94 51
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 94
120
ILEGALIDADE DAS RESOLUÇÕES DO CONSELHO DE POLÍTICA ADUANEIRA, QUANDO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS, RECURSO CONHECIDO E PROVIDO52.
Note-se que os julgamentos apresentados envolvem questões
extremamente similares à apresentada agora, a invalidade de atos administrativos
normativos expedidos sem que fossem elucidados os motivos que os causaram.
Nos casos acima a matéria também envolvia questão tributária, o
que obriga à análise dos fatos com olhares ainda mais críticos, haja vista a
submissão desta matéria ao regime da estrita legalidade.
No mesmo sentido também se manifesta o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região:
ADMINISTRATIVO E TRIBUTARIO - PAUTA DE VALOR MINIMO - DECRETO-LEI N.º 1.111/70 - RESOLUÇAO N.º 2.457 DO CPA - INVALIDADE.
1. A Resolução nº 2.457, editada pelo Conselho de Política Aduaneira com fundamento em competência prevista no Decreto-lei nº 1.111/70, é inválida, por ausência de motivo fático e motivação do ato administrativo.
2.Precedentes do C. STF e desta Corte Regional. 53.
Analisado o dever de motivação do ato administrativo, necessário
verificar a invalidade ou não dos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09.
A elevação das alíquotas operada pelos Decretos ns. 6.042/07 e
6.957/09 é imotivada, porque não havia necessidade financeira ou atuarial para essa
modificação. Tanto é que a alteração de alíquotas desequilibrou o sistema, gerando
superávit numa relação que se encontrava equilibrada.
Desta forma, diante da ausência de motivação para alterar as
alíquotas da contribuição social do inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, por meio
52
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão nº 94167. Primeira Turma, DJU 29/05/1981. 53
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. AMS 92519 SP 98.03.092519-9. Sexta Turma, DJU 28/08/2008.
121
da alteração do grau de risco das atividades econômicas, não há dúvidas acerca da
inconstitucionalidade dos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09, sobretudo porque deve
ser garantido ao contribuinte o direito de saber o motivo que embasa sua tributação,
podendo esclarecer se a Lei é cumprida em seu fiel sentido, ou se o Poder
Executivo, em desvio de finalidade, abusa do dever de regulamentar aumentando
alíquotas tributárias com critérios confiscatórios.
8.3 LIMITAÇÃO AO PODER DE REGULAMENTAÇÃO: OBSERVÂNCIA ESTRITA DA LEGALIDADE
O inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 atribuiu ao regulamento à
tarefa de definir o grau de risco de cada atividade preponderante, se leve, médio ou
grave. Essa atribuição não é absoluta, tampouco ilimitada; o legislador reservou a si
a capacidade de delimitar o modelo de definição, impedindo a desvirtuação da mens
legis.
A regulamentação não é atividade discricionária ou desvinculada,
mas tarefa limitada e vinculada pelo enunciado legal regulamentado. O regulamento
não pode alterar ou inovar o texto legal, quiçá estender o sentido e a prática de suas
significações; a interpretação admitida é sobremodo restritiva, notadamente quando
o objeto impõe exigências aos administrados. Em verdade, a legalidade é a
materialização da proteção dos administrados frente quaisquer atos autoritários ou
confiscatórios do Estado.
O regulamento que avança o limite do texto regulamentado, criando
princípio de direito material, estendendo ou restringindo benefício, taxando proibição
exemplificativa e vice-versa, transformando dispositivo interpretativo em regra
impositiva ou proibitiva, é ilegal, senão inconstitucional.
A omissão aos limites importa em inovação jurídica; competência
constitucional reservada ao legislador. Ao incutir novo dado no sistema jurídico, o
regulamento, afora as regras de competência, também afronta a legalidade, na
medida em que estar-se-ia atribuindo dever à revelia da lei.
122
Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhos à lei,
ou faz reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que a
lei apagou, é inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo o que é taxativo,
ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar ou ampliar direitos, deveres, pretensões,
obrigações ou exceções à proibição, [...]. Nem ordenar o que a lei não ordena [...].
Nenhum princípio novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir. Em
consequência disso, não fixa nem diminui, nem eleva vencimentos, nem institui
penas, cobranças, taxas ou isenções. Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta,
ou das outras leis, não vale. Em se tratando de regra jurídica de direito formal, o
regulamento não pode ir além da edição de regras que impliquem a maneira a ser
observada a regra jurídica.
Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais ou
para menos, da lei, é nulo, por ser contrária à lei a regra jurídica que se tentou
embutir no sistema jurídico.
Se, regulamentando a lei (a), o regulamento fere a Constituição ou
outra lei, é contrário à Constituição, ou à lei, e – em consequência – nulo o que
editou.
A pretexto de regulamentar a lei (a), não pode o regulamento,
sequer, ofender o que, a propósito de lei (b), outro regulamento estabelecera.
A interpretação utilizada na regulamentação deve observar o método
inerente ao contexto regulado (crivo legislativo). O Código Tributário Nacional – CTN
cuida da definição do método, privilegiando a restrição das significações quando a
ampliação importar em majoração, seja pela extensão do fato imponível, seja divisão
da base-de-cálculo ou alíquota da exigência tributária.
Os significados e prática das expressões devem se restringir à
literalidade da significação, evitando que a ambiguidade aja na extensão dos limites
impostos pelo texto legal regulamentado .
123
A ilegalidade/inconstitucionalidade do regulamento não é aferida,
pois, tão-somente por meio da desobediência sintática. O regulamento que altera o
sentido do regulamentado também é inválido, porque através da adulteração dos
significados atribui-se conotação diversa da existente, consubstanciando-se em
preceito autônomo àquele que ele pretende efetivar.
O inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 não transferiu ao Poder
Executivo a capacidade de definir a alíquota de cada contribuinte, mas a mera tarefa
de verificar os riscos das atividades econômicas, com base na probabilidade da
atividade gerar benefício por incapacidade de trabalho decorrentes dos riscos
ambientais do trabalho.
Além de definir a forma de aferição do risco de cada atividade
econômica, o legislador também previu o mecanismo para essa identificação,
transferindo à prova pericial, na forma do Laudo Técnico de Condições Ambientais
do Trabalho – LTCAT ou do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA,
a constatação das condições ambientais dos estabelecimentos, nos termos do § 1º
do artigo 58 da Lei n. 8.213/91:
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
Antes de delegar ao Poder Executivo a regulamentação do inciso II
do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, o legislador firmou as possibilidades impedindo
regulamento que não defina o risco ambiental do trabalho a partir das condições
reais de cada atividade econômica. O regulamento negligente, seja aquele que não
identifica o risco de cada setor, ou que identifique a partir de mecanismos irreais, é
ilegal senão inconstitucional, sendo o seu afastamento resolvido pela integração.
9. PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO DE BENEFÍCIO
124
Segundo o artigo 23 da Lei n. 8.213/1991, considera-se como dia do
acidente, na ocorrência de doença profissional ou do trabalho, a data do início da
incapacidade para exercer a função para o exercício da atividade habitual, ou do dia
do afastamento compulsório, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo
para este efeito o que ocorrer primeiro.
Para que o segurado possa ter direito ao recebimento do benefício
auxílio doença acidentário, deve comprovar junto ao INSS a data em que teve início
a sua incapacidade laborativa. Esta comprovação pode ser feita a partir da data do
seu afastamento para tratamento médico. Caso o segurado nunca tenha se afastado
em razão do acidente do trabalho que ele sofreu, e o diagnóstico médico não for
capaz de fornecer uma data aproximada do dia do acidente, a data de início do
benefício auxílio-doença acidentário será a data em que o órgão previdenciário for
citado, visto que esta é a data em que se dá notícia ao INSS do infortúnio, conforme
já aceito em inúmeros julgados.
Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada
nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.
Nos termos do §2° deste referido artigo, a Comunicação de Acidente
do Trabalho (CAT) é obrigação da empresa, todavia o próprio acidentado, seus
dependentes, o sindicato de classe, o médico que assistiu o segurado ou qualquer
autoridade pública poderão formalizá-la em caso de descumprimento da obrigação
de fazer por parte do empregador. A emissão da CAT é de suma importância, tendo
em vista as informações nela contidas, não apenas do ponto de vista previdenciário,
estatístico e epidemiológico, mas também trabalhista, econômico e social.
§ 2-Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo.
125
Para que o segurado possa usufruir do benefício de auxílio-doença
acidentário, precisa antes de tudo de provocação da administração pública, que
ocorre mediante a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e
posterior requerimento junto ao Instituto Nacional do Seguro Social. O formulário de
requerimento do benefício deverá vir acompanhado de provas de que se dispõe para
comprovar o alegado.
O acidente do trabalho deverá ser caracterizado administrativamente
pelo setor de benefícios do INSS, que estabelecerá o nexo entre o trabalho exercido
e o acidente e, tecnicamente, pela perícia médica do INSS, que estabelecerá o nexo
de causa e efeito entre a doença e a lesão, entre a doença e o trabalho e, se for o
caso, entre a causa mortis e o acidente.
A competência da ação para a concessão de benefício acidentário é
da Justiça Estadual ou do Distrito Federal, uma vez que o segurado lesado postula a
concessão de um benefício previdenciário. Ressalta-se, ainda, que não há
necessidade de esgotar os procedimentos de natureza administrativa, como já
corroborado por nossos tribunais.
9.1 LEGITIMIDADE DA EMPRESA NO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO
A legitimidade se traduz no pressuposto processual do qual a lei
seleciona os sujeitos de direitos admitidos a participar no procedimento de
concessão do benefício previdenciário. Em via de regra, nos casos de concessão de
prestação previdenciária, a legitimidade é somente pelos segurados ou
dependentes.
No entanto, existem situações em que a decisão do procedimento
administrativo afeta terceiros diferentes da relação originária, por exemplo, a
empresa pode ser interessada nos casos de concessão de benefícios acidentários,
porque a caracterização ou não, refletirá diretamente a este.
Esses casos se assemelham a intervenção de terceiros previsto no
código de processo civil. A lei previdenciária seguiu o mesmo caminho, em 12 de
126
fevereiro de 2006, ao publicar o Decreto n. 5.699, incluindo o artigo 76-A do Decreto
n. 3.048/99, que faculta a empresa requerer benefícios de auxílio-doença a seus
colaboradores, conforme estipulado abaixo:
Art. 76-A – é facultado à empresa protocolar requerimento de auxílio-doença ou documento dele originário de seu empregado ou de contribuinte individual a ela vinculado ou a seu serviço na forma estabelecida pelo INSS.
Parágrafo único – a empresa que adotar o procedimento previsto no caput terá acesso às decisões administrativas a ele relativas.
Esta inovação trazida pelo Decreto n. 5.699/06 permite que a
empresa tenha total acesso as decisões administrativas relativas ao procedimento
de concessão de benefício, ou seja, a empresa deverá ser notificada das datas das
perícias, bem como intimada de todos os atos administrativos.
A exemplo disso, a empresa poderá se utilizar-se do mecanismo da
medida cautelar administrativa, prevista no artigo 129, da Lei n. 8.213/91, com intuito
de afastar a incidência do NTEP na concessão dos benefícios, repercutindo nos
âmbitos previdenciários, trabalhistas e tributários, conforme se verifica do artigo
abaixo:
Art. 129 – os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:
I - Na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prioridade para conclusão; e
A medida cautelar é o mecanismo que evita a constituição do dado,
ou seja, a concessão do benefício acidentário, antecipando as provas e
possibilitando a desconsideração do FAP nos termos do §7º do Decreto n. 3.048/99,
pois, veja-se:
Art. 337 – o acidente do trabalho se caracterizado tecnicamente pela pericia medica do INSS, mediante a identificação do nexo e entre o trabalho e o agravo.
127
§7º - a empresa poderá requerer ao INSS a não aplicação do nexo técnico epidemiológico ao caso concreto mediante a demonstração
de inexistência de correspondente nexo entre o trabalho e o agravo.
Frisa-se que a medida cautelar torna-se o mecanismo complementar
que age sobre o dado antes de sua qualificação como espécie acidentaria.
Podemos concluir que esse mecanismo auxilia na desoneração
tributária das empresas, descaracterizando o NTEP e consequentemente reduzindo
a alíquota do FAP e SAT do contribuinte.
9.2 EFEITOS DO RECURSO ADMINISTRATIVO
No infortúnio do trabalho, os recursos são administrativos e judiciais.
O recurso administrativo está previsto no art. 126 da Lei 8.213/1991, em que se
estabelece que das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, da qual
há interesse dos beneficiários e contribuintes da seguridade social, caberá recurso
para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme dispuser o
Regulamento.
Os órgãos que compõem a etapa recursal do processo
administrativo não dizem respeito à estrutura organizacional do INSS, mas sim ao do
Ministério da Previdência Social. A 2ª instância administrativa é de responsabilidade
da Junta de Recursos; a Câmara de Julgamento pertence à 3ª instância
administrativa. Estas instâncias compõem o Conselho de Recursos da Previdência
Social – CRPS, colegiado responsável pelo controle da legalidade das decisões do
INSS em matéria de benefício, regulamentado pela Portaria MPS nº 323/2007.
Requerimento Medida cautelar
administrativa Perícia médica
Impugnação da perícia
Decisão Recurso
administrativo
128
Das decisões emitidas pelas Agências da Previdência Social do
INSS, dentro do prazo de 30 dias, caberá recurso ordinário pelo interessado para
julgamento perante a Junta de Recursos. Os recursos serão protocolizados no órgão
de origem do INSS, que proferiu a decisão administrativa, e deverá providenciar a
devida instrução com a posterior remessa dos autos à 2ª instância.
O INSS será intimado para, no prazo de 30 dias, contados da
interposição do recurso, apresentar contrarrazões. Nesta, será possível reconhecer
o erro administrativo de sua decisão inicial e reformá-la, no intuito de conceder o
direito subjetivo postulado pelo recorrente. Caso não reformada a primeira decisão,
nem apresentadas as contrarrazões, serão considerados como tais os motivos do
indeferimento do pedido do benefício e encaminhado o recurso ordinário para
julgamento na Junta de Recursos.
No prazo de 30 dias, é cabível a interposição de Recurso Especial
contra os acórdãos proferidos pela Junta de Recursos, contados da intimação da
decisão. Somente nas seguintes situações é permitido ao INSS propor recurso
especial:
Quando violarem disposição de lei, de decreto ou de portaria
ministerial;
Divergirem de súmula ou de parecer do Advogado Geral da
União;
Divergirem de pareceres da Consultoria Jurídica do MPS ou da
Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, aprovados
pelo Procurador-Chefe;
Divergirem de enunciados editados pelo Conselho Pleno do
CRPS;
Contiverem vício insanável, considerado como tal as ocorrências
elencadas no § 1º do art. 60 da Portaria MPS nº 323/2007.
129
O objetivo de se restringir as hipóteses de cabimento do recurso
ordinário pelo INSS é evitar a rediscussão de matéria fática por provocação da
própria autarquia federal, tendo em vista que a esta coube a presidência de toda a
fase instrutória do processo. A interposição tempestiva do recurso especial
suspende a execução da decisão proferida pela Junta de Recursos, retornando à
Câmara de Julgamento o conhecimento integral da matéria.
O INSS é autorizado, em qualquer fase do processo, a reconhecer o
direito do interessado e reformar sua decisão, deixando de encaminhar o recurso à
instância competente ou, caso o recurso esteja em andamento perante o órgão
superior, será necessário comunicar-lhe sua nova decisão, para fins de extinção do
processo com apreciação do mérito, por reconhecimento do pedido.
O Regulamento da Previdência Social, atendendo a axioma
constitucional, determina a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial,
interposto ao Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS54:
Art. 308 - Os recursos tempestivos contra decisões das Juntas de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social têm efeito suspensivo e devolutivo. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
A despeito da omissão administrativa na regulamentação, qualquer
método interpretativo adotado permitirá concluir pela necessária concessão de efeito
suspensivo ao recurso ordinário à JRPS. A Portaria MPS n° 323, de 27, de agosto
de 2007, que aprovou o Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência
Social – CRPS, trata, em seu artigo 29, acerca do recurso ordinário:
Art. 29. Denomina-se recurso ordinário aquele interposto pelo interessado, segurado ou beneficiário da Previdência Social, em face de decisão proferida pelo INSS, dirigido às Juntas de Recursos do CRPS, observada a competência prevista no art. 17 deste Regimento55.
54
BRASIL. Ministerio da Previdencia Social. Portaria MPS Nº 323, de 27 de agosto de 2007 - DOU de 29/08/2007 – alterado. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/66/MPS/2007/323.htm>. Acesso em: 22 jul. 2011.
55 Ibidem.
130
Essa omissão foi sanada, no âmbito administrativo, com a
publicação da Portaria MPS n. 713, de 9 de dezembro de 1993, que ao dispor sobre
os efeitos dos recursos interpostos à JRPS, estabelece expressamente, em seu
artigo 14, que ambos recursos, ordinário e especial, serão dotados de efeitos
suspensivo: ―Os recursos serão recebidos com efeito devolutivo e suspensivo.‖
Seria inconcebível admitir a possibilidade de obtenção de efeito
suspensivo da decisão de 1ª instância, quando interposto recurso especial ao CRPS,
e ter o recurso precedente à JRPS, recebido apenas sob efeito devolutivo. Isto é,
vislumbrar a hipótese de um recurso excepcional ser dotado de efeito que sequer o
ordinário ostente.
O artigo 30, da Portaria Ministerial, estabelece a dialética recursal no
âmbito administrativo. O § único, por sua vez, seguindo a lógica da redundância,
determina o recebimento do recurso especial ao CRPS em ambos os efeitos,
condicionando a eficácia da decisão de primeira instância à reapreciação da matéria.
Art. 30. Das decisões proferidas no julgamento do recurso ordinário caberá recurso especial dirigido às Câmaras de Julgamento, órgãos de última instância recursal administrativa, ressalvada a competência exclusiva das Juntas de Recursos definida no art. 18 deste Regimento.
Parágrafo único. A interposição tempestiva do recurso especial suspende os efeitos da decisão de primeira instância e devolve à instância superior o conhecimento integral da causa.
Não obstante a imprecisão técnica na redação do Decreto n.
3.048/99, reiterada no Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência
Social, tal omissão foi suprimida pela jurisprudência, que esclareceu a necessidade
de se conceder efeito suspensivo aos recursos administrativos previdenciários.
Neste sentido, decidiu a Sexta Turma do E. Tribunal Regional
Federal da 4ª Região – TRF da 4ª Região, ao compreender que o efeito suspensivo
típico do recurso administrativo não se deve tão somente ao principio constitucional,
mas é determinada pela legislação previdenciária, conforme arresto:
131
PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. RECURSO. EFEITO SUSPENSIVO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC. LEI Nº 8.213/91, ARTS. 126 E 127. DECRETO Nº 2.172/97, ART. 209.
1. A concessão de efeito suspensivo ao recurso administrativo não se deve tão-somente à principiologia constitucional, mas é determinada pela legislação previdenciária.
2. O regulamento (Decreto nº 2.172/97), ao determinar a aplicação do Regimento Interno do CRPS, no que tange ao regramento da matéria atinente a recursos, não inova, nem restringe ou afronta a Lei nº 8.213/91, pois o legislador conferiu margem de liberdade ao Chefe do Poder Executivo, no cumprimento da tarefa de expedir regras destinadas a regular o processamento dos recursos administrativos.
3. Descabe a aplicação subsidiária do art. 520º, II, do CPC, no caso presente, porquanto não se pode confundir o cunho alimentar dos proventos previdenciários com a natureza das demandas que envolvam a prestação de alimentos. Ademais, inexistindo vácuo legislativo acerca da matéria, a aplicação subsidiária do CPC não cria espaço para interpretação por analogia, porque, salvo as exceções previstas na lei, a apelação deve ser recebida em ambos os efeitos (art. 520, caput, do CPC).
56.
A jurisprudência da Quinta Turma do E. TRF da 4ª Região entendeu,
ao julgar caso análogo, ser a JRPS nada mais do que um órgão integrante do
CRPS, isto é, instância inferior e subordinada daquela entidade administrativa,
conforme ementa lavrada sobre o voto da eminente desembargadora Virgínia
Amaral da Cunha Sheibe.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMPLA DEFESA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PORTARIA Nº 4.414/98. 1. As disposições da Lei 9469/97 não constituem óbice à antecipação de tutela concedida porque o caso presente não é de execução de sentença, mas sim, antecipação de tutela. 2. As disposições da Lei 9494/97, objeto da ADIN 4-6/DF, não interferem com a antecipação em causa, porquanto não se trata de concessão de aumento ou vantagem a servidor público, mas sim, concessão de benefício previdenciário, espécie que escapa à hipótese legal em referência. 3. De acordo
56
BRASIL. Tribunal Regional Federal. Previdenciário. Administrativo. Recurso. Efeito suspensivo. Aplicação subsidiária do CPC. Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 04/07/2001. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8649005/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-8747-pr-20000401008747-3-trf4>. Acesso em: 12 jul. 2011.
132
com a Portaria nº 4.414/98, os recursos interpostos aos órgãos do Conselho de Recursos da Previdência Social tem efeito suspensivo, impossibilitando o imediato cumprimento da decisão administrativa
antes de findo o prazo recursal. 57
A jurisprudência da E. Corte Regional é unânime. Apregoou, em
julgamento de caso concreto assemelhado, que a outorga de efeito suspensivo ao
recurso administrativo decorre da combinação das seguintes normas jurídicas: CF,
artigo 5°, LV; Lei n. 8.213/91, art. 126; o revogado Decreto n. 2.172/97 e a Portaria
n. 4.414/98, em seu artigo 31:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRESSUPOSTOS. CPC, ART. 273. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
l. O processo administrativo deve obedecer às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, somente podendo ser cancelado o beneficio previdenciário após ultrapassada a fase do recurso administrativo, ou seja, da decisão de segunda instância administrativa.
2. A outorga de efeito suspensivo ao recurso administrativo decorre da combinação das seguintes normas jurídicas: CF, art. 5º, LV; Lei nº 8.213/91, art. 126; Decreto nº 2.172/97, art. 209; Portaria nº 4.414/98 (Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social),
art. 31. 58
Por fim, cumpre observar que inobstante a Lei n. 9.784/99 ter
indicado que os recursos administrativos não são dotados de efeito suspensivo,
abriu a possibilidade de outorga deste efeito, de ofício ou a pedido, em havendo
justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução.
Embora o artigo 308 do Decreto n. 3.048/99 tenha sido explícito
somente quanto aos efeitos do recurso interposto da decisão das Juntas de
Recursos, não dispôs em sentido contrário quanto aos recursos ordinários. A
omissão legal, contudo, fora suprimida, no âmbito administrativo, com a edição da
57
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Quinta Turma. AG 1999.04.01.106319-8 DJU 01/03/2000.
58 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Sexta Turma. AG 1999.04.01.1026367-2 DJU 31/05/2000.
133
Portaria Ministerial da Previdência Social n. 713/93, que dispôs, em seu artigo 14,
que os recursos serão recebidos com efeito devolutivo e suspensivo, sendo que
essa norma infralegal encontra-se com plena vigência e eficácia jurídica.
Hertz Costa59 defende que a regra no direito processual brasileiro é
o da suspensividade do recurso. Mesmo quando o texto legal silencia, há de se
entender que o recurso produz efeito suspensivo, ficando paralisada, portanto, a
eficácia da decisão. Para que não exista essa eficácia, mister se torna que o texto de
lei revele, apesar do recurso, que ele não tem efeito suspensivo, o que faz de forma
indireta, expressando que o recurso é recebido no ―efeito devolutivo‖.
59
COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho. Curitiba: Jaruá, 2006, p. 267-269.
134
10. CONCLUSÃO
i) A previdência social integra a Seguridade Social. Diferentemente da
assistência social, a previdência é contributiva e preventiva. Nesse
aspecto se assemelha à saúde, embora essa técnica beneficiar
independentemente de contribuição;
ii) A previdência social, enquanto parte da Seguridade Social, ocupa-
se da proteção preventiva dos efeitos do risco social.
iii) A invalidez é risco social. Caracteriza-se como incapacidade
substancial para o trabalho; dado real contrário ao fato que impõe a
filiação.
iv) Existem várias espécies de invalidez. Sem embargo, optamos pela
análise quanto à origem e ao tempo. No primeiro caso, a invalidez é
acidentária ou comum; no segundo, é por prazo determinado ou
indeterminado.
v) Enquanto a invalidez por prazo determinado gera o auxílio-doença,
a por prazo indeterminado concede a aposentadoria por invalidez.
Se a origem for acidentária, o benefício será acidentário; se comum,
o benefício será previdenciário.
vi) A natureza acidentária é caracterizada pela causalidade, pela
estatística ou pela prova ambiental. No primeiro caso, o INSS
analisa, na realidade, o nexo entre o trabalho e a invalidez; se
existente, mesmo que indireto, o benefício será considerado
acidentário. O método estatístico, conhecido como NTEP, se utiliza
da probabilidade, gerando presunção de que determinada invalidez
decorreu do trabalho. A forma ambiental, relaciona a invalidez aos
agentes nocivos do trabalho.
135
vii) A caracterização da natureza acidentária pelo INSS não é absoluta.
No âmbito da Justiça do Trabalho, o dado produzido pelo INSS é
mero indício de prova do acidente do trabalho, e vice-versa.
viii) A invalidez acidentária, mesmo que não identificada pelo INSS, gera
efeitos no contrato de trabalho. Além de suspender o contrato,
confere direito de estabilidade após a cessação da incapacidade, e
mantém os depósitos para FGTS enquanto vigente a suspensão.
ix) No âmbito da previdenciária, a invalidez acidentária é objeto da ação
de regresso. Não obstante as tentativas do INSS, a responsabilidade
nessa ação é subjetiva. Assim, além de provar a natureza
acidentária da invalidez, o INSS deverá comprar a culpa da empresa
nesse evento. Ademais, a invalidez acidentária importa ao FAP,
porque é contabilizada no desempenho da empresa na mitigação
dos riscos ambientais do trabalho; dado que poderá beneficiar ou
prejudicar a empresa na redução da alíquota do SAT.
136
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