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Histórias e Vivências de um Povo Anos Memórias da Minha Terra Iraquara

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Histórias e Vivências de um Povo

Anos

Memórias da Minha Terra

Iraquara

A vida não é a que a gente viveu, e sim a que

a gente recorda, e como recorda para contá-la. Gabriel García Marques

Agradecimentos

A organização desta coletânea de memórias literárias não seria possível sem o

apoio e a colaboração de muita gente que faz parte da história de Iraquara, a quem

dirigimos nossos sinceros e estimados agradecimentos, por aceitar nosso convite e

permitir que adentrássemos em suas vidas de uma forma tão profunda, mexendo com

suas emoções e lembranças.

Sabemos que as lembranças evocam uma diversidade de sentimentos, trazendo ao

coração muitas experiências e emoções guardadas na memória. Nosso objetivo, assim, é

resgatar histórias de nossa acolhedora cidade, NOSSA Cidade das Grutas, muitas vezes

esquecidas pela ação do tempo, pois precisávamos brindar, com todos e todas as pessoas,

os cinquenta anos de Iraquara.

Queremos agradecer, ainda, a maneira como todos abraçaram este trabalho:

alunos, professores, coordenadores, diretores e, principalmente, os protagonistas desta

história – os entrevistados, que deram prova de seu amor incondicional por nossa cidade,

pequena no tamanho, mas repleta de pessoas que a amam.

Por fim, agradecemos a Prefeitura Municipal de Iraquara e SEMEC, que muito

contribuíram para que pudéssemos colocar em circulação parte da história de Iraquara

para todos os cidadãos iraquarenses, entrelaçando as novas vidas com as heranças

deixadas pelas gerações anteriores, na perspectiva de perpetuar nossas memórias.

Equipe Técnica

Apresentação

A história de cada indivíduo traz em si a memória com base nas lembranças de

pessoas que, de fato, viveram esse tempo. Representa o resultado de um encontro, no qual as

experiências de uma geração anterior são evocadas e repassadas para outra, dando assim

continuidade à formação do grupo social ao qual pertence.

Preservar a memória local sempre foi um desafio para os educadores comprometidos

com a disseminação e construção do conhecimento histórico. Assim, a elaboração da

antologia Memórias da Minha Terra tem como objetivo colaborar com a disseminação e

construção da memória histórica da cidade. Pretende ainda contribuir para a melhoria do

ensino da leitura e da escrita, no município, pelo desenvolvimento de ações de formação

continuada para diretores, coordenadores e professores, pois defendemos ser possível fazer

da escrita na escola uma prática forte, interessante, possibilite a todos os envolvidos na arte

de educar pensem mundos transformados pela força da palavra escrita.

Com esse trabalho buscamos conferir ao texto o prazer, sentido, alma e emoção,

possibilitados pela interação de educandos e educadores com a realidade em que vivem.

Assim, para escrever as memórias, os atores resgatam histórias, estreitam vínculos com a

comunidade e aprofundam o conhecimento sobre o seu lugar, sobre sua cultura.

Nesse processo, o escritor posiciona-se como um pesquisador que busca recuperar a

memória coletiva de sua cidade e, por meio do seu texto, possibilitar que os leitores possam

experimentar, através da escrita, as histórias e vivências de Iraquara.

Prefácio

Ler esta antologia de memórias é viajar por todos os corações do nosso povo, um

povo que tem imensa consideração por nossa terra. É se emocionar com cada história, suas

alegrias, aventuras, descobertas, lembranças, ora tristes, ora alegres, mas que marcaram

definitivamente o coração destas pessoas.

Neste passeio, a emoção aflora em cada história lida, ao percorrer as linhas de puro

sentimento, que nos transportam ao passado, reproduzindo as cenas e cenários que

constituem a identidade iraquarense. É impossível não se emocionar com muitas delas, pois

você terá oportunidade de vivenciar, através destas escritas, um pouco das experiências

compartilhadas, que restituem o diálogo entre passado e presente, tornando visíveis as

trajetórias Iraquara. É uma leitura MARAVILHOSA!

Trilhar em cada uma dessas memórias é conhecer um pouco da vida e mergulhar em

muitos segredos guardados nas lembranças de cada um, que aos poucos são desvendados,

sentindo a cada linha escrita o doce e a delícia de valorizar um passado que faz parte de

nossas vidas, pois, sem ele, não há lembrança, não há povo, não há história.

Enfim, cabe recuperar a memória coletiva da nossa cidade, possibilitando que os

leitores “tragam para o coração” um passado que, mesmo não tendo sido vivido por

eles, foi decisivo para a constituição de nossa identidade.

Simone Neves Pinto

Secretária de Educação

Sumário

A FILHA DE UM VAQUEIRO............................................................................................ 07

MEUS TEMPOS DE CRIANÇA......................................................................................... 08

MEU LUGAR, MINHA VIDA, MEU LAR........................................................................ 09

NO MEU TEMPO DE ESCOLA......................................................................................... 10

DAS DIFICULDADES À ESPERANÇA............................................................................ 11

DA INFÂNCIA SOFRIDA AOS TEMPOS DE HOJE...................................................... 12

LEMBRANÇAS FESTIVAS................................................................................................ 14

LEMBRANÇA E SAUDADE DE UMA INFÂNCIA......................................................... 15

PERDAS DE MINHA INFÂNCIA ..................................................................................... 16

VIDA PARA GENTE FIRME ............................................................................................. 17

O VALOR DO TEMPO PERDIDO..................................................................................... 18

QUANTAS SAUDADES DE MINHA VIDA DE MENINA.............................................. 19

LEMBRANÇAS DOS VELHOS TEMPOS........................................................................ 20

LEMBRANÇAS DE UMA INFÂNCIA BEM VIVIDA..................................................... 21

REVIVENDO O PASSADO ATRAVÉS DAS LEMBRANÇAS....................................... 22

PINGOS DE CHUVA............................................................................................................ 23

TEMPOS QUE NÃO VOLTAM MAIS .............................................................................. 24

ALÉM DO HORIZONTE.................................................................................................... 25

DOS SARANDIS AOS IPÊS ARROXEADOS................................................................... 27

A FILHA DE UM VAQUEIRO

Veraci Matias Souza¹

Tudo aqui era muito. Muitas crianças brincavam das mais variadas brincadeiras,

como bacondê, chicotinho queimado e casinha. Era uma aventura só e, eu, adorava esses

momentos. Eu era uma criança muito feliz, mesmo com muitas dificuldades para viver em

uma comunidade muito atrasada.

Era um tempo que não tinha luz elétrica, nem água encanada e, quando o rio São

José secava, pegávamos água na cacimba, muitas vezes longe de casa. Como não tinha

transporte andávamos à cavalo ou a pé.

No período de seca, as pessoas se reuniam para fazer preces, pedindo chuva e, eu

sempre as acompanhava. Para mim, era um momento de muita alegria, não tinha noção do

quanto esta região sempre foi muito castigada pela seca.

Meu pai trabalhava de vaqueiro e minha família estava sempre mudando no tempo

da chuva. Nas águas, ficávamos aqui em São José por cerca de seis meses e, na seca,

mudávamos para o campo, onde não faltava água e pasto para o gado

Hoje, tenho uma linda família. O tempo passou e aconteceram muitas mudanças.

Chegou o tão esperado desenvolvimento, mas este não apagou da minha memória as

lembranças daquela época, pois ainda me lembro até o nome das vacas que meu pai

cuidava e cada uma das minhas lembranças me faz gostar mais e mais deste lugar, lugar

que me traz muitas felicidades.

Texto vencedor do concurso Memórias da Minha Terra –

Educação de Jovens e Adultos, com base na memória da autora.

¹Aluna da Educação de Jovens e Adultos da Comunidade de São José – Iraquara – Ba

07

MEUS TEMPOS DE CRIANÇA

Alessandra Sousa¹

Há muitos anos atrás, eu morava na pequena comunidade de Capão de Madeira. Ah!

Como tenho boas lembranças desse lugarejo e dos meus tempos de criança. Morava em

uma casinha de pau-a-pique, no meio da roça, sem nenhum vizinho por perto. O canto dos

pássaros era uma das nossas alegrias, pois naquela época era muito fácil encontrá-los. No

entanto, hoje isso é uma raridade de tamanha beleza.

Naquela casinha simples tudo era alegria e satisfação. Como era gostoso acordar com

aquele cheirinho de café e do cuscuz feito por mamãe! Reuníamos eu e meus nove irmãos

para deliciar aquele café maravilhoso. Hoje, fecho os olhos e volto ao passado, até sinto o

cheiro e sabor daquele delicioso café da manhã. Agora, não temos tempo para apreciar e

curtir coisas tão pequenas e ao mesmo tempo tão significantes.

Lembro-me com emoção das brincadeiras realizadas por mim e meus irmãos,

brincando de casinha, fazendo comida de verdade debaixo de uma árvore, as famosas e

inesquecíveis paneladas. Como sinto saudades! Nas noites, sob a luz da lua e das estrelas

tudo era divertido e reuníamos em círculo no terreiro de casa para cantar roda e jogar

versos. Desta forma, passávamos nossos dias, sempre felizes da vida. Atualmente, as

crianças não valorizam essas simples brincadeiras e suas diversões são os brinquedos

eletrônicos. Ah! Como eles estão equivocados!

Mas naqueles tempos, nem tudo eram flores. Havia muito sofrimento também,

principalmente, porque a água era escassa. Meu pai saia de nossa pequena comunidade e ia

pegar água muito longe, ora na Torrinha, ora na Lapa Doce ou na Pratinha. Que sufoco!

Usava um jumento com os carotes para trazer a água, sobre os lombos do coitado do

animal que chegava ofegante em seu destino.

E nos dias de chuva? Era uma diversão. Mamãe colocava bacia para aparar água

debaixo dos pés de coco, o que para mim e meus irmãos era só diversão. Brincávamos nas

poças d’água feitas pelos pingos de chuva, ficávamos todos entusiasmados com aquele

momento tão esperado. Ainda me lembro dos “Caldeirões” feito de pedras que

encontrávamos no meio do mato e nós cuidadosamente limpávamos para armazenar água

com a chuva, a qual mais tarde servia para o nosso consumo.

Hoje, nossa realidade também é preocupante, pois estamos vivendo um tempo de

seca. Já não presenciamos muitos momentos de chuva e as pessoas não valorizam o nosso

bem tão precioso que temos em casa, a água.

Apesar de muitos tempos difíceis vividos por mim e minha família, hoje percebo que

fui muito feliz. Sempre guardo essas lembranças em minha mente e me emociono quando

lembro com carinho do passado.

Texto vencedor do concurso Memórias da Minha

Terra – Fundamental II, escrito com base na

entrevista com Petronilia Rosa, 55 anos.

Aluna do 8º ano da Escola Artemízia Rodrigues Nogueira.

¹

08

MEU LUGAR, MINHA VIDA, MEU LAR

Maria Luíza¹

Aqui nasci e cresci. Foi nesse lugarzinho pequeno, simples, que vivi com minha família,

pai, mãe e irmãos. Lembro-me de quando eu era criança, quando brincava com amigos no

terreiro lá de casa. Era tão bom! Juntávamos todos, eu, Judite, Manoel de Liza, Maria de Liza,

e íamos brincar de casinha nos grandes galhos de árvores e em cima das moitas. Nos domingos

e feriados, passávamos o dia todo brincando na maior farra, as tardes passavam tão rápidas que

nem percebíamos quando o dia virava noite. Como não tinha energia, à noite clareávamos a

casa com um candeeiro de óleo diesel – era velhinho mas útil, naquele tempo.

Quando chovia, nossa! Era uma beleza. Esperava ansiosa a chuva parar um pouquinho, e

saía em meio aquelas abençoadas gotinhas de chuva fina, caindo sobre meu rosto; afundava os

pés na lagoa e as mãos no barro, para fazer panelinhas e bonequinhas de barro, naquela

terrinha amarelada e fresca.

As primeiras famílias que apareceram nesse lugar foram as de Zé Lopes (José Lopes) e a

de Luiz Teixeira. Foram eles que colocaram este nome Carrasco de Zabelê – hoje conhecida

apenas como Carrasco – não sei por que colocaram esse nome, acho tão feio. Bem, mas em

compensação sempre adorei este lugar, calmo, tranqüilo e, não é por acaso que, já morei em

quatro casas, todas elas construídas aqui.

Antes as poucas casas que existiam aqui, eram feitas de adobão ou enchimento, as

paredes sem reboco, eram casas grandes com quartos, cozinha, sala, e varanda, porém, bem

simplesinhas e humildes. Hoje não, as coisas melhoraram e muito, algumas dessas casas ainda

permanecem de pé, só que bem mais arrumadinhas, a comunidade cresceu um pouco mais, as

condições de vida das pessoas melhoram em vista de quando eu era menina; as crianças

continuam brincando, mas não como antes, mas muitas brincadeiras foram trocadas pela

televisão e outros brinquedos mais modernos.

Naquele tempo as coisas eram muito mais difíceis, para mandar ou receber alguma

notícia de um parente distante era através de carta, demorava uns dez, quinze dias pra carta ser

enviada. O nosso transporte era um jegue – bicicleta era coisa de rico – caminhávamos todo

dia puxando esse jegue para buscar água no poço, lá na Zabelê. Comecei a trabalhar na roça,

desde os meus nove anos e trabalho até hoje; plantávamos mandioca e cana- de – açúcar.

Íamos embora da roça, caminhando, arrastando chinelo naquelas estradas.

Continuo vivendo no mesmo lugar sossegado, onde passei toda a minha infância. Só que

agora não vejo tantas árvores e moitas como havia antes, onde eu brincava com os meus

amigos, no lugar daquele verde, agora vejo casas, engenho, casa de farinha, o lugar foi

transformado. Sinto saudade de como era a minha vida, do meu lugar. Bem, todas essas

lembranças ficarão guardadas comigo pro resto da minha vida... Ah! Se o tempo voltasse. Eta

saudade gostosa!

Texto vencedor do concurso Memórias da Minha Terra – Ensino Médio, produzido com base na entrevista com a Sr.ª Jovelina Teles dos Anjos.

¹Aluna do Centro Educacional Manoel Teixeira Leite – Anexo Zabelê, Iraquara- BA.

09

NO MEU TEMPO DE ESCOLA

Stephanie Augusto¹

No meu tempo, os dias demoravam a passar. As pessoas se cumprimentavam, apesar

do sofrimento e a gente era feliz!

Quando íamos para escola, fazíamos nosso grupinho, pois naquele tempo íamos a

pé. Eu estudava no período da tarde e, como naquele tempo as coisas eram mais difíceis,

adiantava o relógio para poder assistir o Sítio do Pica-Pau Amarelo, na casa da minha tia,

e de lá ia para a escola com meus primos.

Lembro bem dos uniformes da época. Camiseta branca de tergal², calça azul do

mesmo tecido e o sapato era um tênis preto da marca Kichute³, muito usado na época.

Ainda lembro das minhas professoras: Maria Neta, Pretinha, Nilda e outras mais que

agora me falha na memória os nomes. A diretora era Dona Zirota, famosa pela autoridade

e rigidez no trato com os alunos. Bom mesmo era quando Dona Fia tocava o sino. Era

uma alegria só!

Eu adorava os lanches da escola, mas tinha um com sabor muito especial: o bolinho

de chuva com suco de maracujina. Uma delicia! Depois da merenda, íamos para as

sombras de um pé de cajá enorme que tinha ao lado da escola e brincávamos ali o recreio

inteiro. Sinto saudades deste tempo!

Sinto saudades também do tempo que havia na escola o hasteamento da bandeira.

Na segunda-feira era uma ansiedade imensa para ver qual dos alunos seria o escolhido

para esta importante missão. Adorava desfilar nas comemorações do dia 07 de setembro,

era muito bonito ver todos os alunos uniformizados com o devido respeito que a data

merece.

Hoje tudo mudou. Não tem mais hasteamento da bandeira, não tem mais aquele pé

de cajá, não há mais desfile... Existem outras coisas que não julgo boas, nem más, mas

diferentes.

Assim, com o tempo essas coisas que considero importantes se foram, mas ficou na

lembrança de um tempo bom que jamais será esquecido.

Texto produzido com base na entrevista de Carmelita Matias.

¹ Aluna do Centro Educacional Manoel Teixeira Leite-Iraquara-Ba

² Tecido de pano áspero

³ Calçado que é ao mesmo tempo um tênis e uma chuteira.Tem corpo feito de lona e sola emborrachada,

com travas.Era muito comum no Brasil nos anos 1970.

10

DAS DIFICULDADES À ESPERANÇA

Iracema de Jesus Pereira¹

Impossível não voltar toda atenção para dona Dulce, quando ela começa a falar de suas

memórias. Vai soltando livremente seus relatos com detalhes nítidos de impressionar. Viaja em

seus pensamentos, dramatiza cada cena, em meio a tanta espontaneidade, que ninguém consegue

imaginar. Apurei meus ouvidos, captei a imagem e logo estava literalmente dentro de uma de suas

emocionantes memórias.

Vivi numa época difícil. A fome tomava conta da população, faltava serviço, a seca torrava o

sertão, transformando a paisagem num cenário assustador. Recordo o grande desespero que as

donas de casa da época tinham para encontrar água para lavar roupas. Andavam quilômetros e

quilômetros, com uma trouxa de roupa na cabeça, à procura de algum riacho que ainda tivesse

água.

Nesse sentido, ninguém falava em marido. Estes estavam buscando outra fonte de renda,

porque as roças tinham sido varridas pela seca. Isso fez surgir até um ditado popular que dizia ‘’as

viúvas de maridos vivos. ’’

Na minha família não foi diferente. Órfã de mãe, eu morava com meu tio, numa casinha

simples tão quanto ao modo de vida. Entretanto, num impulso em que a situação propusera, saí

para buscar melhores condições de vida em São Paulo. Viajei de pau-de-arara, grande parte do

trajeto, durante vários dias e de trem de ferro até o final do percurso.

Recordo a ternura com a qual meus parentes me receberam em São Paulo. Aquela moça boba

que vivia na roça, que tomava banho de bacia e fazia as necessidades no mato. Deparar em outro

mundo totalmente diferente do seu, vaso sanitário, chuveiro, o que fazer? Paguei mico mesmo.

Cheguei até a tomar banho com água da privada pensando que o vaso era bacia, mas fui bem

instruída, coisa que hoje, com certeza, seria motivo de chacota.

Durante 36 anos de minha vida, reverenciei esta cidade que me acolheu. Nela conheci meu

marido e tive meus filhos e acompanhei o crescimento de cada um, mas nem por isso esqueci o

meu torrão natal. Este foi sem dúvida o meu sonho mais cobiçado, o de um dia poder voltar.

É maravilhoso olhar pela janela e ver as galinhas ciscando no quintal e os porcos roncando

no chiqueiro, bem como gritar a vizinha para tomar café fresquinho. Hoje, posso dizer com muito

gosto que realizei meu sonho de regressar à minha querida Iraquara. Mesmo com tantos

problemas que passamos, a vida hoje é mais fácil, as viagens para São Paulo são mais rápidas, as

crianças são instruídas desde cedo, as casas bem estruturadas com banheiro e água encanada, tudo

bem diferente.

A dificuldade do passado foi um fato marcante, mas que ficou para trás. Com um abraço

apertado em meu peito, dona Dulce dá boas gargalhadas e diz: “Que bom que estou viva minha

filha para dizer que em vista daquele tempo, hoje estou rica.”

Texto produzido com base na entrevista com Dona Dulce, hoje, ilustre

moradora da Comunidade de Quixaba-Iraquara-BA.

¹Aluna da Educação de Jovens e Adultos da Escola Jorge Alves de Oliveira da comunidade de Quixaba

11

DA INFÂNCIA SOFRIDA AOS TEMPOS DE HOJE

Alini Oliveira Silva¹

Ainda me lembro com tristeza os meus tempos de infância. Minha vida não foi nada

fácil, vindo de família muito pobre, fui criado por outras pessoas para não passar fome.

Viajava cerca de duas léguas, o equivalente a 14 km, todos os dias para trabalhar na roça e

quando chegava em casa não tinha quase nada para comer, apenas uns caroços de fava,

feijão consumido na época. E tem mais... Meio-dia, tomava o caldo bebido porque se

demorasse o caldo amargava e guardava os caroços para comer a noite.

[..] Passei apenas poucos anos em companhia dos meus pais, pois aos seis anos de

idade, ainda muito criança, perdi minha mãe e foi aí que tudo começou... Era o início de

uma vida ainda mais sofrida do que a que eu já levava.

Com apenas 10 anos de idade, meio moleque, meio mocinho, voltei a morar com meu

pai que já estava casado com outra mulher, e não era nada parecida com minha mãe, era má

comigo "como nos contos de madrasta". Por experiência própria dificilmente encontramos

"boadrasta", elas em nada se parecem com nossas mães. A situação continuou muito difícil,

tinha que trabalhar no macaco (trabalhar na roça para outras pessoas em troca de punhados

de alimentos) de sol a sol para ajudar no sustento de casa, pois éramos 06 irmãos do

primeiro casamento e mais 02, no total eram 10 pessoas para comer.

Da escola não tenho lembranças, nem mesmo cheguei a freqüentá-la, devido ao

trabalho duro, por isso não aprendi a ler e nem escrever. Tinha que trabalhar e, em meio ao

trabalho duro, viajava de Pau-Ferro, comunidade onde estava morando com o meu pai até

Queimada Nova, na cidade de Paramirim-BA, distante uns 350 km. Ia a pé com o senhor

Firmino para comprar porcos e na volta vínhamos tocando uma média de 200 porcos que

muitas vezes se extraviavam pelo caminho, fugindo do rebanho mato adentro, o que nos

obrigava voltar, entrar na capoeira para apanhá-los, e, nessa busca, perfurava os pés com

quiabentos e cactos (espécies de espinhos pontiagudos da chapada), pois os pés eram

descalços e quando calçados era com “pracatas” de couro (sandália feita em couro cru de

animais). Daí o resultado dos pés calejados com duros cravos que me impedem de caminhar

hoje em dia.

Lá pelos idos de 1953, com cerca de 13 anos de idade, era rapaz feito. Devido o

sofrimento, decidi procurar uma melhora de vida em São Paulo. Fui de pau-de-arara,

caminhão com cobertura de lona e bancadas de madeira utilizados no transporte de pessoas

naquela época. Muitos dias e noites de viagem, num total de sete dias, sem muito que comer.

Era mesmo uma aventura em busca de dias melhores. A viagem tinha muitos conhecidos,

mas ao chegar a São Paulo, cada um tomava um rumo e eu sozinho sem saber para onde ir.

Desci no último ponto, onde não tinha mais ninguém para descer, e, por alguns dias, fiquei

dormindo em construções abandonadas, acordando com o barulho do bonde (transporte

utilizado na cidade de São Paulo na época, hoje substituído por metrôs, metro bus e ônibus

¹Aluna da Educação de Jovens e Adultos da Escola Municipal Baixa da Juriti

12

coletivo).

Ainda na madrugada, arrumava minhas coisas e ia embora, caminhando em busca de

emprego, mas sempre me diziam não, tinha cara de menino, jeito de menino, e diziam que eu

era muito criança para trabalhar.

Foi muito difícil. Além da aparência de criança, não tinha levado nenhum documento. O que

tornava ainda mais difícil arranjar um trabalho. Tive que tirar os documentos e resolvi alterar

minha idade, acrescentando alguns anos para me tornar mais velho. Logo depois, consegui um

emprego, abrindo valetas para o encanamento de água. E mesmo para comer era uma

dificuldade, passei algum tempo a pão e banana, sem outro alimento. Feijão era luxo, poucos

tinham na mesa e estava em falta no mercado.

[...]

Tempos mais tarde, conheci minha atual esposa. Parece até cena de novela, mas por

incrível que pareça, foi na rodoviária de São Paulo, ela indo embora para a Bahia com os

filhos do primeiro casamento, pois tinha se tornado viúva, e eu indo para Jacareí tocar violão

em bares, emprego que naquele momento era o meu ganha-pão.

Decidi ir para a minha terra natal, na Bahia, e ao chegar lá encontrei a mesma mulher

que tempos atrás tinha visto na rodoviária em São Paulo como relatei. Entendi que era a

mesma pessoa que eu tinha visto e não mais esquecido. Trocamos umas ideias, conversamos e

nos deixamos apaixonar. Casamos, tivemos mais três filhas que, unindo aos que ela tinha,

totalizava seis filhos que tomei como filhos meus também.

Exerci outras profissões. Trabalhei um bom tempo de pedreiro, na lavoura, capinando,

fazendo farinha, etc. Também me dediquei à vida da comunidade, participando de ternos de

reis (costume da comunidade - festa em homenagem aos Santos Reis Magos, cantando de casa

em casa, de 25 de dezembro, dia do nascimento de Jesus, até 06 de janeiro, dia de Santo Reis),

fazia farras com outros colegas, tocando violão, cantando músicas sertanejas para animar as

festas e participava das alvoradas nas festas de Santa Luzia e, hoje, nas festas de Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro na comunidade de Baixa da Juriti- Iraquara-BA, onde moro

atualmente com minha família. Essas festas tradicionais da nossa cultura é o que me alegra. É

tocando bumba, gaitas e pandeiros que participo do grupo de zabumbeiros que faz a animação

das novenas em louvor à Santa Padroeira.

Hoje, estou aposentado após muitas lutas, em meio a uma vida sofrida, mas também com

momentos alegres, que não posso esquecer. Muitas lembranças, muitas histórias, e essa é

minha vida. Atualmente, vivo tranquilo, a família graças a Deus está criada, tive a

oportunidade de reencontrar meus dois primeiros filhos, netos e pude deixar para trás um

passado de mal entendidos, podendo dormir sem mais precisar acordar na madrugada com o

barulho do bonde, nem passar fome por não ter o que comer. Sinto saudades de antigamente,

mas a vida de hoje tem muito mais conforto, e eu posso dormir e acordar sem muitas

preocupações. Isso porque, com certeza, outras preocupações sempre existirão, mas nenhuma

comparada às que eu tinha naqueles tempos difíceis que vivi.

Texto produzido com base nas lembranças do Srº Vangivaldo Ferreira Amorim, 72 anos,

aposentado, aluno da EJA, morador da comunidade de Baixa da Jurití, Iraquara-BA.

13

LEMBRANÇAS FESTIVAS

Maria Aparecida dos Anjos¹

Até hoje me lembro do meu tempo de mocidade nas festas juninas em que não haviam

bandas, mas dançávamos ao som das saudosas sanfonas. Era a maior alegria quando as

músicas começavam a tocar. Eu e minhas amigas dançávamos a noite toda debaixo dos pés

de árvore.

Durante os dias de São João, íamos brincar de panelada, as moças faziam comida e

chamávamos todos para ir comer. Eram vários tipos de pratos como: milho assado, galinha

cozida e feijoada. Era uma festa! Acontecia sempre debaixo dos pés de umbus. Para finalizar

a brincadeira, pintávamos os rostos com carvão das panelas e saíamos pelas ruas

cantarolando, felizes da vida. Ah! Como era bom aquele tempo. Não havia maldade,

ninguém era melhor do que ninguém e as pessoas se respeitavam.

Naquela época, as meninas moças não saíam sozinhas, pois os pais não deixavam.

Poderíamos sair sim, se estivéssemos acompanhads de uma pessoa mais velha e, de

preferência, casada. Mesmo assim, era muito divertido. Lembro como se fosse hoje de

quando um homem aproximava da mulher, era aquele horror, chegávamos a esconder com

medo, e quando dançávamos nas festas, ouvindo aquelas canções que eram suaves aos

nossos ouvidos, as mulheres mais velhas ficavam nos observando e assim íamos até o dia

raiar.

Ah! Como tenho saudade daquele tempo. Tempo que não volta mais! Eu era feliz, muito

feliz!

Memória produzida a partir da entrevista feita com Mãe Marieta,

filha ilustre e moradora de nossa amada cidade de Iraquara-BA.

¹ Aluna do 8º Ano da Escola Manoel Felix da Cruz.

14

LEMBRANÇA E SAUDADE DE UMA INFÂNCIA

Bruna Rosa Gomes¹

Ah! Como eu me lembro da minha infância e, com muita saudade e alegria, das coisas

que aconteceram há muito tempo, mas que de minha memória nunca se apagaram, aventura

muito boa que só a gente vivendo para saber o sabor de ser criança.

Gostava muito das brincadeiras de casinha e de boneca. Mas o que eu mais gostava de

brincar era de ir pegar café na firma. O café era fedegoso (mato que tem vagem e umas

sementes dentro), a firma era o quintal de casa mesmo. Depois de colher, a gente ia torrar.

Isso era a melhor coisa que eu e minhas amigas fazíamos. Essa é uma das principais

lembranças, que mais me emociona, que me dá gosto e vontade de voltar atrás e viver

novamente aquela aventura.

Nasci e me criei na comunidade de Caatinguinha. Gosto muito desse lugar. No meu

tempo de criança, não tinha energia, o candeeiro era a luz da nossa casa. Também não tinha

água encanada, tínhamos que ir buscar água no rio São José. Para chegar até lá, andávamos

uma faixa de doze quilômetros. Escola? Não tinha. Uma vez, meu pai trouxe um professor

de fora para ensinar lá em casa, mas não teve como eu estudar, pois era muito pequenininha.

Hoje, tudo está mudado. Tem telefone, igreja, escola com mais qualidade e muitas

outras coisas, mas eu gostava muito mais de quando meu lugarzinho era sossegado.

A casa que a gente morava era humilde, de taipa e sem piso, mas duas coisas nunca

faltaram: amor e respeito. Meu pai e minha mãe trabalhavam na roça de milho, feijão e

mamona. Depois, no sábado, iam vender na feira e assim garantiam o sustento da família. Às

vezes, eu e minha duas irmãs tínhamos que ir trabalhar na roça, coisa que eu não gostava nem

um pouquinho. Mas mesmo assim, fui uma criança muito feliz.

Se pudesse voltaria no passado para viver todas aquelas aventuras novamente. Como

não posso, continuo vivendo das lembranças.

Texto produzido com base na entrevista realizada com Dona Nilza

Cruz da comunidade de Caatinguinha, Iraquara – Ba.

¹Aluna do 7º ano do Educandário Anísio de Souza Marques.

15

PERDAS DE MINHA INFÂNCIA

Rafaela Neves¹

Lembro daquele tempo vagarosamente em minha memória. Eu morava na

comunidade de Santa Clara, minha casinha no meio do nada, simples e modesta, e um

lindo roçado com uma imensa variedade de frutas (manga, pinha, laranja,etc.). Para mim,

aquele lugar era mágico, pois lá eu e minha irmã transformávamos trabalho em

brincadeiras (pega-pega, esconde-esconde, casinha e jogar bola).

Minha vida foi cheia de mudanças, perdas e transformações. A ausência de meus pais

me incomodava muito. Afastaram-se por curto prazo, quando foram para São Paulo, mas

sabíamos que tudo que passávamos era por um futuro promissor.

Lembro de momentos bons e ruins, mas especialmente dos bons como aqueles que

passei com minhas amigas. Não consigo esquecer das minhas travessuras de menina, como

uma vez que eu e minha irmã estávamos brincando de esconde-esconde e entrei dentro do

armário. Quando ela falou: “tou indo”, só ouvimos o estrondo. O armário caiu sobre o

chão, quebrando tudo o que tinha dentro. Fiquei assustada, com medo da reação de minha

mãe, imaginando o que ela iria fazer, mas não houve nada. Hoje, lembro e penso se eu não

tivesse entrado lá dentro, talvez ele ainda tivesse intacto.

Ao longo dos anos foram acontecendo mudanças e fui percebendo as pessoas mais

próximas de mim, verdadeiros amigos que nunca me abandonaram e nunca saíram do meu

lado. Percebi os verdadeiros amigos quando tive minha primeira perda. A minha avó,

pessoa especial que fez parte de minha vida, de minha história, sempre esteve ao meu lado

na minha infância, gostava de brincar de boneca e casinha comigo. Perdi-a quando eu tinha

16 anos, fiquei triste, mas, mesmo sendo muito nova, sabia que perder faz parte da vida.

Gosto de recordar dos momentos bons que tive ao lado de meu pai. Amava-o de um

jeito inexplicável, mas não só eu, esse amor por nosso pai era algo presente no coração de

todas as minhas irmãs. Gostava de sair com ele, ir a festas de casamentos e, em especial, as

feiras, local de muitos acontecimentos e momentos felizes.

As lembranças que me invadem nesse momento me fazem recordar do tempo em que

passava o dia inteiro com meu pai, dos almoços cheios de alegrias, meu pai sempre meu

herói. Uma pessoa que para mim é uma inspiração de vida. Hoje, me afastei do lugar onde

me criei e desse tempo que me marcou e só deixou saudades.

Texto produzido com base na entrevista realizada com

Ana Paula, moradora da comunidade de Queimada.

¹Aluna do 8º ano do Educandário Anísio de Souza Marques.

16

VIDA PARA GENTE FIRME

Gilberto Tertuliano de Souza¹

Lembro-me dos meus tempos de criança, ah! aquele tempo gostoso! Quando eu e

minha amiga inseparável brincávamos de coisas legais que não tinha hora, nem lugar. Podia

ser na área da casa e nos pés de pau, enfim brincávamos onde desse certo. Recordo das

minhas bonecas de pano, das cantigas de roda, também das palhas de licuri (espécie de

palmeira típica da Caatinga) que se transformavam em lindas casinhas, dos pedaços de vara

que viravam cavalos que eu e minha amiga montávamos cavalgando pela capoeira.

Mas minha infância não foi sempre esse mundo “cor de rosa”, faltou a coisa mais

importante para uma criança: o pai e a mãe legítimos. Mas não foi só isso que corroeu parte

da minha infância, a enxada também maltratava minhas mãos macias.

Hoje, as coisas são diferentes. Antigamente, na minha casinha não tinha geladeira,

carne só salgada que a gente pendurava em cima do fogão de dois tijolos com um gancho

tirado no mato. A chaleira era uma lata, sofá era banco de madeira, filtro era pote de barro

(para quem tinha!). TV, nem sonhava. Som, muito menos. As camas eram de varas, forradas

com palha de banana, banheiro era uma moita por perto, o piso era de terra batida “pra quem

caprichasse”. Não via moto nem carro. Não tinha nem estrada, a gente seguia os carreiros

pelo mato.

Antes de me casar fui professora, em meio à vida corrida, mas fui. Trabalhando de dia

na roça e ensinando à noite. Depois me casei e a enxada tomou de vez o lugar da caneta.

Na minha vida tive várias tristezas, mas a maior delas foi dos meus doze filhos a perda

de cinco. Um desses filhos morreu no mesmo dia que um grande amigo da família que havia

acabado de voltar de São Paulo. Morreram os dois sem saber que doença tinham porque não

havia médico.

Agora me encontro aqui na comunidade de As Lagoas, esse cantinho sossegado, na

minha casa com minha filha, minhas netas e meus meninos que agora são homens e moram

todos “na beira”. E assim vou vivendo, descansando meus pensamentos e meu corpo

cansado, cansado de lutar nessa vida.

Texto produzido a partir da entrevista com

Maria Evangelista de Novais Souza, 80 anos.

¹Aluno do 8º ano do Educandário Anísio de Souza Marques.

17

O VALOR DO TEMPO PERDIDO

Vanderléia de Souza Oliveira¹

Ah, que saudades que tenho daquele pequeno riacho, que ficava no fundo de casa... Com suas

águas cristalinas, era lá que nós nos divertíamos, passávamos a tarde fazendo aquela festa, enquanto

mamãe e as outras mulheres lavavam os pratos, as roupas e quando acabavam elas se banhavam.

Mas nem tudo era festa, a vida não foi nada fácil, sofri muito. Minha família era pobre e nossa casa

muito simples, feita de pau-a-pique e coberta de palha. Mas, em meio ao sofrimento, aprendi a ser

feliz.

Apesar do sofrimento, eu vivi muitos momentos felizes com meus amigos, brincava de

casinha, esconde-esconde, boneca, eram momentos muito divertidos. Das tantas árvores que havia

no rio, me recordo que fazia de “um tudo” para ir buscar água só pra saltar de galho em galho e

depois pular no rio.

Ficava feliz em ir para a roça e colher as maravilhas que a terra nos oferecia. Nem sempre o

que plantávamos produzia, pois a seca castigava muito, mas o pouco que Deus nos dava era o

bastante para não faltar o pão de cada dia, então agradecíamos muito por isso.

Era tão bom correr naquela terra vermelhinha e úmida que dava gosto de morar na zona rural.

Colhíamos o milho, a mamona e depois íamos para a venda do seu Antônio, era muito legal, pois

ele nos dava doces e bolachas. Essa era a parte que eu mais gostava, me lambuzava toda ao me

deliciar com aqueles maravilhosos doces, minha boca já nem aparecia mais, de tão lambuzada que

eu estava... (risos)

Meu pai nunca deixou faltar o pão de cada dia, quando ele chegava era emocionante ver os

olhos dos meus irmãos brilhando de felicidade, por terem o alimento na mesa, era muita fruta,

arroz, feijão, o bastante para passar a semana, e isso muito me alegrava, pois sabia que a comida da

semana não faltaria.

Minha mãe preparava uma deliciosa comida. O cheirinho de salsa se espalhava pela casa e

minha barriga roncava, esperando chegar a hora do almoço.

Tenho muita saudade da minha amiga Laurinda, das nossas travessuras e das brincadeiras.

Outro momento de saudade é quando me lembro da minha primeira boneca, sem nem um fio de

cabelo na cabeça, com a roupinha toda rasgada, feinha, mas era a minha companheira na maior

parte do meu dia. Era tão bom brincar, que nem via o tempo passar.

Nunca tive oportunidade de estudar, mas aprendi que a felicidade está nas coisas simples da

vida... O respeito, a educação e a valorização são os resultados da minha formação.

Até hoje me lembro do canto do sabiá, em ritmos alegres e agradáveis, era a coisa mais

emocionante de se ver. Nos dias de chuva, corríamos na lama, pra lá e pra cá, era tanta felicidade

que nada atrapalhava nossa alegria de ver a terra molhada, a casa ficava toda molhada, baldes,

panelas e bacias espalhadas...

Ah, como tenho saudade daquele tempo difícil e prazeroso da minha infância! Hoje é tudo

diferente, as crianças não brincam mais como antes, só querem brinquedos caros e não reconhecem

o gosto “do brincar” de verdade.

Como eu tenho saudade do tempo que se passou! Hoje sou apenas uma velhinha, que continua

morando neste maravilhoso povoado. Guardo em minha memória lembranças das coisas e do tempo

que não volta mais.

Texto baseado na entrevista com Celina Alves dos Anjos, 67 anos ¹Aluno do 8º ano da Julião de Souza Braga

18

QUANTAS SAUDADES DE MINHA VIDA DE MENINA

Olívia de Souza Oliveira¹

No cantar do galo, minha mãe já estava de pé para preparar o café de papai. Eu

acordava sentindo o aroma do café torrado na torradeira, bebida bem forte e gostosa. Ao me

levantar fazia minhas orações e abria a janela do meu quarto, sentia o cheirinho das frutas

verdes no pé e madurinhas no chão...

Toda manhã era a mesma coisa. Levantávamos cedinho para ajudar meu pai na roça,

mas primeiro nos deliciávamos com um maravilhoso café, feito com os caprichos de mamãe.

Depois era só trabalho! Plantávamos, capinávamos e colhíamos os frutos do nosso suor.

Produzia pouco, mas esse pouco garantia o sustento da minha família.

Lembro-me dos saudosos momentos que vivi em meu lindo povoado! Povoado de

Lagoa Seca, terra seca, de cor avermelhada, casa aqui outra acolá, tão diferente de como está

hoje. Era nesta terra que meu pai trabalhava, um dia após outro, de sol a sol, num pedaço de

terra muito pequeno, mas que garantia nosso sustento.

Jamais me esquecerei da minha pequena e humilde casinha de cimento, do fogão a

lenha que aquecia nossos corações nos momentos de noites frias, momentos estes de

descontração, porque ouvíamos a maravilhosa história dos meus queridos avôs, que nos

deixou muitos ensinamentos.

Era no quintal de casa, à tardezinha, que eu e meus irmãos, chamávamos nossos amigos

para deliciar frutas, manga vermelhinha era a fruta que eu mais gostava, tão doce que mais

parecia um favo de mel. Logo depois de ter se fartado com as deliciosas frutas, íamos brincar

de pega-pega, esconde-esconde, casinha, boneca e cantigas de roda, era muita diversão em

um só dia.

Mas diversão não ficava só nas brincadeiras, a necessidade de buscar água no rio

Pratinha, que era próximo do meu povoado, tornavam meus dias ainda mais prazerosos. As

mulheres com uma bacia na cabeça, roupas para lavar no rio, diferente dos dias de hoje que a

água é encanada.

Não tive oportunidade de estudar, mas sentia um desejo enorme de ir à escola. Percebi

que mesmo não estudando, aprendi coisas que só o tempo determina e que a realidade nos

abre os olhos para ver um mundo melhor. O meu mundo, com certeza, foi o melhor que pude

viver, passei por tristezas, mas nunca desanimei, pois ter amigos, uma família feliz é o que

me alegrava mais e mais...

Hoje, aprendi que a história não se faz, simplesmente ela é vivida. Aproveite! Viva sua

infância, pois ela é como um vento forte, que quando passa leva aquilo que mais tarde

passamos a sentir falta e acumular saudades.

Mas hoje, é só saudade... do tempo de menina, da satisfação na companhia dos amigos e

da tranquilidade da minha comunidade... Terra de amigos que não se encontra em lugar

nenhum desse mundo, cheia de beleza, encantos e alegria.

Texto baseado na entrevista com Maria Pureza de Souza, 80 anos

¹Aluno do 8º ano da Julião de Souza Braga

19

LEMBRANÇAS DOS VELHOS TEMPOS

Mateus Oliveira Novais¹

Não quero esquecer a minha infância querida que, hoje, guardo em minhas

memórias. Aquela casinha pequena, de enchimento, coberta de palha e chão batido. Ali

morava eu, meus pais e meus queridos irmãos.

Era um tempo de sofrimento por conta da forte seca que castigava nossa região, mas

eu era uma menina feliz, pois tinha meus pais, irmãos e meus amigos bem próximos de

mim. Isso me orgulhava muito, pois éramos uma família unida e feliz.

Dificuldades, aqui em Lagoa Seca, tinham muitas. Uma delas era buscar água e

lavar roupas no rio Pratinha, pois água encanada não tinha, nem energia elétrica. Hoje é

tudo diferente, água encanada, energia elétrica tudo que facilita o dia-a-dia.

Na escuridão da noite ou em noites de lua clara, o tempo de brincar era certo.

Lembro-me das brincadeiras que mais gostava: ciranda-cirandinha, esconde-esconde,

pega-pega e muitas outras que faziam de mim a criança mais alegre daquele pequeno

povoado de Iraquara.

É impossível esquecer as festas que alegravam as noites da minha pequena

comunidade, pois era a única diversão que tínhamos. Ah! Como eram boas as músicas

caipiras, as serenatas! Como eu sinto saudades... Mas hoje tudo é diferente, o que faço é

apenas trabalhar, ir à igreja e à casa dos meus parentes aos fins de semana.

Era tudo muito bom, são lembranças que me fazem lembrar com tristeza por saber

que são apenas lembranças que guardo hoje em minha memória.

Texto baseado na entrevista de Margarida P. de Novais

¹Aluno do 7º ano da Escola Julião de Souza Braga

20

LEMBRANÇAS DE UMA INFÂNCIA BEM VIVIDA

Tainara de Souza Vieira¹

Já faz tanto tempo, mas cada momento de minha vida passada é tão inesquecível que

não me sai do meu pensamento.

Naquele lugarzinho pequeno e pacato onde morávamos, casa de pau-a-pique e barro.

Lembro-me muito bem quando eu e minha irmã jogávamos água naquele piso de chão para

abaixar a poeira. Subia um cheirinho tão bom de terra molhada. E isso se via em todas as

casinhas do meu sossegado vilarejo, muito diferente das casas de hoje em dia que contém

muito mais estrutura que as de antes.

Meu tempo de criança, adorava sentir a brisa do sol no rosto e ouvir o contagiante e

atraente canto dos pássaros e o melhor de tudo era quando tentava imitá-los.

Não me sai da memória aquele tempo que não existia energia elétrica, brincávamos sob a luz

do luar que irradiava as nossas noites.

Também não existia água encanada. Por conta disso, meus pais saíam bem cedinho,

antes do sol raiar, para buscar água, subiam aquela ladeira com baldes pesados na cabeça para

que eu e meus irmãos pudéssemos passar o dia e, logo em seguida, iam trabalhar para

garantir o nosso sustento.

Sonhava com a chegada dos lindos e maravilhosos dias de festa que minha mãe, mesmo

com as mãos calejadas, fazia de tudo para remendar o meu vestido para que eu pudesse ir à

festa. Mas quando chegava o dia da festa, meu vestido já estava todo sujo de tanto

experimentar, mas não me importava. Ia para a festa assim mesmo toda contente.

Naquela época, como todas as meninas, ao chegar à festa ficava orgulhosa, circulando

em frente ao farol dos carros, para que todos vissem o meu vestido remendado.

Sinto muitas saudades dessa época, pois, com certeza não me retornará mais.

Texto baseado na entrevista feita com a senhora

Florisbela Conceição de Araújo, 36 anos.

¹Aluna do 8º ano A da Escola Emidio Pereira Evangelista

21

REVIVENDO O PASSADO ATRAVÉS DAS LEMBRANÇAS

Daniela Santos de Souza¹

Já faz tanto tempo, mas as lembranças não me saem da memória. Lembro-me dos meus

tempos de criança, foi muito difícil. Minha mãe faleceu e fui morar com meus avôs. Depois de

certo tempo, eles também acabaram falecendo e, foi aí, que tive que me mudar para a Matinha.

No começo, foi um pouco complicado, passei por muitas dificuldades. Minha casa era de pau-a-

pique, coberta de palha e chão batido.

A Matinha era um lugar pequeno e singelo, cheio de matas e animais, estradas esburacadas

de terra, poucas casas rústicas, construídas pelos moradores com as paredes de pau-a-pique,

trançadas de ripas com estruturas para afixar o barro nos buracos. Diferentes das de hoje que são

todas de alvenaria. As matas que tinham em volta das casas, desapareceram e, junto a elas, os

animais.

Em relação à educação, naquela época era muito difícil, pois as poucas escolas que existiam

eram particulares e nem todas as pessoas tinham o privilégio de ter acesso a esse bem tão

precioso. Muito diferente das escolas de hoje que, na maioria das vezes, tem praticamente tudo e

a maior parte dos alunos não dão importância.

Aqui em Matinha não tinha água encanada. Levantávamos bem cedinho para buscar água

no rio onde enchíamos os vasilhames com águas bem clarinhas e frias devido o orvalho da

manhã. Como não havia transporte, sempre que precisávamos carregar peso ou sair para algum

lugar, íamos montados em animais como burros ou jumentos, transporte mais acessível à maioria

dos moradores deste pequeno lugar.

Por ser uma época muito difícil, não existia hospital e, quando precisávamos consultar com

emergência, tínhamos que ir à Ponte Nova, hoje conhecida como Wagner. Não havia energia

elétrica, usávamos o candeeiro a querosene e nossas roupas eram passadas em ferro a brasa.

Apesar de tantas reviravoltas, não deixei de ser criança. Brincava de casinha, com bonecas

feitas de pano ou sabugo de milho, adorava amarrar os cabelos das bonecas, pensava ser verdade

existir cabelos de todas as cores. Cantar roda era meu passa-tempo predileto, com tantas

musiquinhas que aprendíamos!

Pena que as crianças de hoje não brincam como naquele tempo. Preferem brinquedos

modernos, não sabem aproveitar a infância, uma época tão boa. O que chama atenção das

crianças hoje em dia, são brinquedos que, na maioria das vezes, com um simples aperto de um

botão , fazem tudo que as crianças deveriam fazer, não descobrem coisas novas.

Quando ainda mocinha, fazia de tudo para ganhar dinheiro. A casa de Zé de Nato, por

exemplo, ajudei a construir, carregando água do rio. Mas o que gostava mesmo, no meu tempo,

era de me divertir nas fogueiras de São João. Nos festejos de Nossa Senhora da Piedade então...

era uma beleza.

Hoje sou muito feliz por viver nessa comunidade, pois as pessoas ainda convivem em paz e

harmonia uns com os outros.

Texto baseado na entrevista feita com a senhora Maria da Paixão Alves de Souza, 73 anos

¹Aluna do 8º ano B da Escola Emidio Pereira Evangelista.

22

PINGOS DE CHUVA

Micaele¹

Nasci e cresci num pequeno lugarejo cheio de encantos chamado Pratinha. Recordo do

pequeno casebre que morávamos. A casa era de enchimento e o chão era de terra, morava

com minha avó, a qual fazia um cafezinho muito bom. Ela tinha um carinho especial por mim

e eu por ela.

Gostava de ir até a roça tirar espiguinha de milho para minha avó assar. Quando

chegava à noite, ficava perto do fogão a lenha para esquentar. Nos tempos de chuva, era uma

diversão ver os pingos cair e formar bolhas no terreiro, sentir aquele cheirinho de terra

molhada.

Eu e minhas primas aproveitávamos para brincar nas lagoas de água. Adorávamos fazer

barquinhos de papel para vê-los flutuarem sobre a lagoa e ali ficávamos horas e horas,

olhando os sapinhos e bichinhos dentro da lagoa, imaginando que eram peixinhos e, por mais

que quiséssemos agarrá-los, eles sempre escapavam, pois eram muito ligeiros.

Ainda me recordo das horas que escorregávamos sobre os barrancos, aquela lama

grudando entre os dedos era uma sensação inesquecível. Que delícia! Outra brincadeira que

me traz recordações daquela época é a brincadeira de mela e casinha. Hoje, apesar de ainda

existirem, essas brincadeiras não são tão contagiantes como antes. Ah! Como eu queria voltar

naquele tempo tão maravilhoso, como queria revivê-lo de novo.

Texto baseado na memória da própria aluna.

¹Aluna do 8º ano da Escola Artemízia Rodrigues Nogueira

23

TEMPOS QUE NÃO VOLTAM MAIS

Adrielly Marque Almeida¹

Que saudades daquela época quando eu era pequena e morava na fazenda Pratinha,

lugar abençoado por Deus, pelas imensas belezas naturais que se encontram nesse lugar.

Ao cantar do galo, acordava com o cheiro do café que mamãe fazia. Na cozinha de

enchimento, coberta de palha, de terra batida, olhava com alegria para aquela mesa de

madeira que papai fazia. Nela se encontrava cuscuz, mandioca cozida, milho e várias

gostosuras fritas no fogão a lenha que dava um sabor maravilhoso.

Tomávamos café com a família e depois íamos naquela estrada iluminada com o

brilho do sol para roça. Ao chegar lá, íamos ajudar papai a plantar milho, mandioca,

mamona, feijão etc.

De pé no chão, eu e meus irmãos voltávamos com alegria para a nossa humilde casa.

De volta para casa, nós ajudávamos mamãe a fazer comida, pegávamos as panelas de

barro e no fogão de lenha acompanhávamos o óleo de toicinho a dançar.

De volta para roça, nós fazíamos bonecas de milho. Esse era o meu melhor

brinquedo. Após a lida, à tardezinha, íamos tomar banho no maravilhoso rio Pratinha e nos

divertíamos naquela água limpinha e transparente. Na hora de irmos embora, enchíamos

várias vasilhas de água que o jumento levava.

Para iluminar a casa, usávamos querosene ou óleo feito do fruto da mamona que

papai fazia e colocava no fifó. Era essa a luz que iluminava as nossas noites. Agora, para o

nosso comodismo, temos a energia elétrica que nos deixa preguiçosos diante da televisão.

Antes de dormir lavávamos os pés, uma fogueira era acesa e contávamos histórias na

calçada de casa. Depois, íamos dormir felizes do maravilhoso dia. Dormíamos na cama de

vara, coberta de palha da banana do quintal, mas o barulho era tanto que parecia que estava

perto de uma cachoeira. Hoje, temos o privilégio de dormir em colchão de espuma. Que

saudades daqueles tempos que não tinha poluição, no qual tudo era divertido e humilde,

que ninguém preocupava com a falta de certas coisas que, muitas vezes, é luxo.

Atualmente, ainda permaneço morando nesse santuário cheio de maravilhas, onde

recebemos milhões de turistas e está localizada no coração da Chapada Diamantina, a bela

Pratinha.

Texto produzido com base na entrevista feita com Maria Zilar 80 anos.

¹Aluna do 8º ano da Escola Artemízia Rodrigues Nogueira

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ALÉM DO HORIZONTE

Éverton Bruno da Silva Ribeiro¹

Antigamente, na época dos nossos avôs, as coisas eram bem diferentes. Acreditem

vocês em meu sofrimento que eu vou lhes contar.

Lembro-me perfeitamente de todos os detalhes que vivi com meus pais e irmãos. –

como hei de me esquecer dessas lembranças que fizeram parte da minha vida e que me

tornou esse adulto que sou hoje?! Foi em um ranchinho de palha, localizado em Mulungu de

Capim de Azeite que passei grande parte da minha infância. Oh! Como eram grandes as

dificuldades.

Quando chovia o nosso humilde lar se alagava, e nós ali com mamãe e papai rezando

para o nosso bom Deus ter piedade de nosso sofrimento. No entanto, nunca deixamos de

acreditar que tudo aquilo era passageiro e um dia afinal daríamos um salto para frente e

teríamos um espaço melhor para morar. Acreditávamos em dias melhores, já que

esforçávamos tanto no dia-a-dia, esperançoso de um futuro brilhante.

Recordo-me muito bem do engenho, da roça e da cacimba. Esses lugres contribuíam

muito para a nossa vida. Na roça, cultivávamos milho, feijão, cana e mandioca, produtos que

eram armazenados para comer. A cana era levada para o engenho e dela extraía-se a rapadura

e o mel, que eram comercializados na feira de Seabra e tínhamos que ir carro de boi, pois a

situação era precária. O dinheiro era, então, destinado à compra de alimentos.

Naquela época a cacimba era o lugar onde buscávamos água para a manutenção e foi lá

que surgiu o nome de Mulungu. Havia uma pequena árvore com esse nome, desde então o

lugar ficou conhecido como Mulungu de Capim de Azeite, pois todos os dias saíamos de

Mulungu até Capim de Azeite para trabalhar. Os anos passaram e depois de um determinado

tempo homenageamos com o nome de Mulungu da Zabelê, pois essa comunidade faz

fronteira com a Zabelê, e até hoje continua com esse nome.

Nessa comunidade, moravam poucas famílias e para a sobrevivência trabalhavam em

lavouras de cana, milho, feijão e mandioca. As casas eram de enchimento, palha, tijolo e

linha solta e, quando chovia, elas se alagavam.

Quando tinha uma missa, celebravam debaixo das árvores, pois a situação era bem

precária e não tinha como fazer uma igreja. Graças a Deus, hoje temos uma pequena igreja,

cujo padroeiro é Coração de Maria. A maioria das escolas era particular, portanto,

frequentavam apenas os poucos que tinham dinheiro. A única escola pública, nessa época,

situava-se longe da minha comunidade, ficava em Santo Antônio, tínhamos que ir

caminhando, mas, mesmo com todo esse sacrifício por causa da distância, eu não desisti.

Assim como nem tudo na vida é fácil para mim, também não foi diferente, enfrentei uma

grande batalha, cheia de tropeços e obstáculos, para conseguir chegar até onde cheguei.

Atualmente, a situação é boa, pois para ir a escola tem até ônibus. Livros, nem se

falava, porque não tinha. Hoje em dia, quem não estuda é por que não sabe dar valor ao que

tem. Posso, hoje, agradecer a Deus por tudo o que tenho e valorizo cada instante de minha

vida.

¹ Aluno do 8º ano da Escola Altino Rodrigues, Zabelê, Iraquara – BA.

25

Sei dar importância àquilo de bom e bonito que se passa na vida: a esperança, e o amor; pois

aquele que não espera não alcança, e, apesar de todas as dificuldades que vivi, não desisti.

Fui sempre guiado pelo amor divino para conduzir minhas ações.

Fico constrangido quando vejo, hoje, tantos jovens sendo levados para o mundo da

violência e das drogas, quando podiam estar aproveitando as boas oportunidades que são

oferecidas pela vida. Antes era tudo tão difícil. O mundo se transforma e com ele se

transforma também boa parte das pessoas. No entanto, a família é o laço de amor e

solidariedade fraterna que tem papel importante na educação dos filhos e é preciso estar

atento a todos os momentos da vida - a esperança e o amor nos levam “além do horizonte!”.

Memória produzida com base na entrevista com o Sr. Hormezino Silva Alves.

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DOS SARANDIS AOS IPÊS ARROXEADOS

Laila Maria Lopes De Souza¹

Carrasco, lugar de sol agressivo, de sarandi com unhas de gato, cheia de espinho. Lugar

de mandacaru, facho e juá. Preá, cutia e caixeiro andando no meio das capoeiras. Lugar de

família sofrida! Lá, eu nasci - menino magrelo, de pouco peso. Como ser de outro jeito, se

minha mãe não tinha sustança no leite? O alimento que comia era pouco: angu de farinha

com um taquinho de carne, quase sem vitamina nenhuma, e isso quando tinha. Segundo filho,

ainda muito esperado, mas sem nenhuma condição. Foi no ano de trinta que minha história

começou.

E eu cresci assim, com um irmão mais velho e sete irmãos menores. Ainda por cima, a

gravidez de minha mãe, depois de mim, foi de trigêmeos. Aí sim, que precisei trabalhar

mesmo, pra ajudar meu pai.

Ele sempre me contava muitas histórias, mas principalmente, histórias de sofrimento. E

desde miúdo eu ouvia meu pai, “Véi Zé Lope”, falar que no ano de trinta e dois foi a pior

seca, muita fome por essas redondezas todas. Seca, que a asa branca bateu asas do sertão.

Ainda hoje, quando alguém pergunta sobre o ano da fome, qualquer menino responde na

hora: o ano de 32!

Esse fato meu pai me contou há uns 72 anos, e eu concordo com ele. Eu não sei por

que, não sei se é ciência do povo - a sabedoria popular que os modernos de hoje falam, mas

o ano que termina em dois não é bom não. Não dá pra esquecer esses anos. Eles eram de

amargar! E dos anos 62 e 72, não tenho saudades! Nenhum deles foi bom! Foi seca demais!

Era tempo de calamidade, de muita fraqueza!

Relembro que, no ano de cinquenta e dois, “Véi Zé Lope” pegou a família inteira e se

mudou bem mais para as terras de baixo, onde fica a Zabelê, meia légua de onde morávamos.

Dessa vez, Antônio de Calu, que era um homem muito trabalhador e também vivia nessas

bandas de cá, foi ao Rio Preto fazer um serviço e, na volta, cansado, faminto, comeu fufuca

de milho - nesse dia só tinha isso pra comer. Não sei se ele comeu muito, mas ele passou mal

– empanzinou e infelizmente, o pior aconteceu. Não teve outro destino, senão a morte.

E ainda nesse ano, apareceu trabalho. E, eu, com meus 18 anos, rapaz forte, fiquei

feliz. A empreita era abrir a estrada da ladeira de “Pidim” até Iraquara, um acontecimento

muito importante pra nós. Eu, meu pai e meus irmãos, trabalhamos muito nessa empreitada,

mas a prefeitura estava fraca de recursos e nos pagava com mantimentos: carne de jabá e

farinha de lanche, que parecia uma areinha amarela, hoje , a mesma farinha de copioba.

E falando em meu pai, o que eu mais aprendi com ele foi ser caridoso com as pessoas.

Relembrando histórias dificultosas, nessas redondezas, quando alguém adoecia, dava pena. E

um fato nunca saiu da minha memória. Dessa vez, eu já era homem forte. Meu tio Isaias

estava com sua esposa, Altina, entrevada. E não havia médico. Os médicos mais próximos

ficavam em Palmeiras, h á u mas 6 léguas daqui. Isaias me perguntou se eu “astrivia”

¹ Aluna do 8º ano da Escola Municipal Altino Rodrigues.

27

Levar de bicicleta e eu aceitei. Colocamos Altina na garupa, com as pernas enrijecidas, presas

com uns lenços no “cuchim” da bicicleta, pra ficar firme. Passei ali, pela encruzilhada, e

“rompi” até chegar em Palmeiras. Quando chegava às ladeiras, eu descia e ia empurrando a

bicicleta com ela na garupa. Era muito pesado, mas precisava! Até sarar, eu fiz essa viagem

quatro vezes. Depois de um tempo, Isaias arranjou um emprego em São Paulo, lá no

Mataraso. Comprou um terreninho e fez uma casinha. Foi Guilherme de Sulino quem fez a

casa. Lá moraram um bocado de tempo. Mas logo Isaias teve problemas nos rins e morreu.

Ela, Altina, bem velhinha, está viva até hoje.

Tudo que é passado é história. Mas eu acredito nessas coisas que o povo diz: que se não

chover até dia de São José, não inverna, não tem chuva pra boa plantação. Lembra que eu

falei dos anos terminados em dois? Pois é! Em 2012 a terra está esturricada! Só não estamos

passando fome, aqui, nessa Zabelê, porque tem ajuda do governo: é bolsa família,

aposentadoria, é muita gente que é professor, enfim, é muito benefício que ajuda. Também, o

povo é trabalhador! Por aqui a plantação de cana e de mandioca é forte e tem muitas casas de

farinha. Mas aí pra dentro, nessas caatingas, “a coisa está feia”! Aparece gente aqui no meu

engenho, para encomendar bagaço de cana, quinze dias antes de moer! Bagaço que meu filho

José jogava por aí, nas mangas, nas plantas pra adubar, ou em outro lugar qualquer.

É, meu pai! Lembra da história que me contou da seca de trinta e dois? Eu vou dizer: A

seca aqui está braba! Acho que está sendo bem pior do que aquela que o senhor me contou!

Hoje, com meus 78 anos, vivo aqui nessa Zabelê, que era o antigo Carrasco. Ainda é

sofrida, mas é boa pra danar! Comparando com os tempos mais velhos, já houve muita

mudança. Aquele “sarandi” todo que eu falei bem antes, é agora a Praça Doutor Reinaldo

Viana, cheia de árvores - ipês roxos e amarelos! Tem comércio, igreja, associação de

moradores, além de uma escola enorme, que dá até prazer de ver tanto menino sabido.

Texto escrito por Laila Maria Lopes de Souza baseado

na vida de Daniel Francisco Lopes.

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HINO À IRAQUARA

Encravada no alto sertão, Sob um céu de anil ressurgia

Numa trilha de bravos tropeiros, Iraquara, o coração da Bahia.

Solo fértil, se a chuva não falta, Nos dá cana, mamona e feijão,

Produz milho, sisal e café, Nos orgulha os calos nas mãos.

Tem ardósia que abriga e encanta, Tem as grutas mais belas também;

Iraquara é o nosso tesouro, Porto e festa dos filhos que tem.

Minha terra, meu berço sagrado, Onde Deus me fez ver lindo sol,

Um manto de estrelas brilhantes, Um poente e o mais belo arrebol.

De Manoel Félix, até nossos dias, Com trabalho o progresso se faz; Sob as bênçãos de Nossa Senhora

Construímos o futuro em paz!

Letra: Raymundo Azevedo Viana 14/06/1996

Prefeito Municipal Edimário Guilherme de Novaes

Secretária Municipal de Educação

Simone Neves Pinto

Equipe técnica Cleide Cerqueira

Elaine Cristina Flávia Alves

Sirleide Bispo Vaneza Oliveira