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81 J AMB CULTURA 2011; 1(11): 81-8 BOA LEITURA JAMB CULTURA Este caderno é parte integrante do Jornal da Associação Médica Brasileira (AMB) – Coordenação: Hélio Barroso dos Reis Bimestral setembro/outubro de 2011 – nº 11 Foto: Luigui Beneducci Cecília Suzuki, nome artístico de Cecília Massae Tamaki Suzuki, nasceu em 1941, em São Paulo. Formou-se pela Faculdade de Arquitetura da Univer- sidade Mackenzie (SP). Fez parte da diretoria da Associação Internacional de Artes Plásticas da Unesco no Brasil. Tornou-se membro da Academia Internacional de Arte Moderna de Roma e do Centro Internacional de Arte Contemporânea de Paris. Expõe em congressos, simpósios e cursos de oftalmologia, tanto no Brasil quanto no exterior. Transforma em elementos artísticos os dados científicos que o marido, oftalmologista, lhe passa. A artista desenvolve, há muitos anos e com profunda consciência, uma série de pesquisas científicas e artísticas sobre o olho humano. Aos descolamen- tos de retina, patologias diabéticas, degenerações de mácula, retinoses pigmentares e rupturas gigantes, ela dá um tratamento artístico. Autora: Cecília Suzuki Título: Abstração Dimensões: 56 x 76 cm Técnica: Litografia Ano: 1992 Acervo da Pinacoteca da Associação Paulista de Medicina A medicina procura a harmonia do corpo. Na música, busca-se a harmonia através da melodia, ritmo e acordes. Pode- mos assim dizer que saúde é a harmonia do corpo; a doença é a desarmonia. A música eleva o espírito e nutre nossos sonhos. Parabenizamos a contribuição desses profissionais, que de uma maneira e outra, têm colaborado no progresso da medi- cina, dando subsídios para se encontrar a verdadeira saúde e o estado ideal do corpo humano, a homeostase. Agradecemos aos colaboradores do Jamb Cultura 11 com seus artigos: “Michelangelo e as Pareidolias”, de Gilson Barreto, “Ortopedia e Traumatologia, a Minha Vida”, de Marco Martins Amatuzzi, “Museu da Medicina” dos colegas Cléa e Carlos Bichara; a letra e a música do Hino do Médico, de Antonio Sergi e Rubens Barbosa Tavares; o poema de José Augusto Nigro Conceição e as nossas tradicionais dicas culturais. Boa Leitura! Hélio Barroso dos Reis, Ortopedista e Traumatologista, Diretor Cultural da AMB. V iva o dia 18 de outubro, Dia do Médico. E nos vem a mente uma curiosa analogia: música e medicina. Sérgio Milliet, o poeta da Pauliceia já dizia: “Mais do que qualquer outra manifestação do espírito, a música é o pão da alma... Uma alma avessa à música é por certo uma alma árida...” E a saúde e a doença? Qual a definição de ambos? Tal qual a música só conhecemos conceitos. Quando nos fala- mos e nos cumprimentamos, as respostas variam de “bem” a “doente”. Nunca nos deparamos com a expressão: ... “esta- mos cheios de saúde!”. Ao ouvirmos uma bela composição, nosso espírito se eleva e quando ao contrário, viramos as costas para aquele ambiente desarmônico. A boa música não seria nada mais que a materialização deste estado de espírito, que definimos como saúde? E não seriam os médicos os mesmos artífices que como os grandes compositores nos proporcionam estes momentos de enlevo ao superarem os momentos de angústia da doença, nos livrando da dor? Já não diziam os romanos que “sedare dolorem opus, divinum est”? “A música desperta sensações. Ela me liberta de mim mesmo, torna-me autoconsciente, como se eu pudesse ver-me e sentir-me de longe. Por isso a música me fortalece: depois de cada noite musical, vem uma manhã plena de ideias claras e originais”. Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900)

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Page 1: Jamb Cultura...Jamb Cultura 2011; 1(11): 81-8 85 O Instituto Brasileiro de Museus define os museus como casas que guardam e apresentam sonhos, senti-mentos, pensamentos e intuições

81J a m b Cu l t u r a 2011; 1(11) : 81-8

Boa Leitura

Jamb CulturaEste caderno é parte integrante do Jornal da Associação Médica Brasileira (AMB) – Coordenação: Hélio Barroso dos Reis

Bimestral setembro/outubro de 2011 – nº 11

Foto

: Lui

gui B

ened

ucci

Cecília Suzuki, nome artístico de Cecília Massae Tamaki Suzuki, nasceu em

1941, em São Paulo. Formou-se pela Faculdade de Arquitetura da Univer-

sidade Mackenzie (SP). Fez parte da diretoria da Associação Internacional

de Artes Plásticas da Unesco no Brasil. Tornou-se membro da Academia

Internacional de Arte Moderna de Roma e do Centro Internacional de Arte

Contemporânea de Paris. Expõe em congressos, simpósios e cursos de

oftalmologia, tanto no Brasil quanto no exterior. Transforma em elementos

artísticos os dados científicos que o marido, oftalmologista, lhe passa. A

artista desenvolve, há muitos anos e com profunda consciência, uma série

de pesquisas científicas e artísticas sobre o olho humano. Aos descolamen-

tos de retina, patologias diabéticas, degenerações de mácula, retinoses

pigmentares e rupturas gigantes, ela dá um tratamento artístico.

Autora: Cecília Suzuki

Título: Abstração

Dimensões: 56 x 76 cm

Técnica: Litografia

Ano: 1992

Acervo da Pinacoteca da Associação Paulista de Medicina

A medicina procura a harmonia do corpo. Na música, busca-se a harmonia através da melodia, ritmo e acordes. Pode-mos assim dizer que saúde é a harmonia do corpo; a doença é a desarmonia. A música eleva o espírito e nutre nossos sonhos.

Parabenizamos a contribuição desses profissionais, que de uma maneira e outra, têm colaborado no progresso da medi-cina, dando subsídios para se encontrar a verdadeira saúde e o estado ideal do corpo humano, a homeostase.

Agradecemos aos colaboradores do Jamb Cultura 11 com seus artigos: “Michelangelo e as Pareidolias”, de Gilson Barreto, “Ortopedia e Traumatologia, a Minha Vida”, de Marco Martins Amatuzzi, “Museu da Medicina” dos colegas Cléa e Carlos Bichara; a letra e a música do Hino do Médico, de Antonio Sergi e Rubens Barbosa Tavares; o poema de José Augusto Nigro Conceição e as nossas tradicionais dicas culturais.

Boa Leitura!

Hélio Barroso dos Reis, Ortopedista e Traumatologista, Diretor Cultural da AMB.

V iva o dia 18 de outubro, Dia do Médico. E nos vem a mente uma curiosa analogia: música e medicina. Sérgio Milliet, o poeta da Pauliceia já dizia: “Mais

do que qualquer outra manifestação do espírito, a música é o pão da alma... Uma alma avessa à música é por certo uma alma árida...”

E a saúde e a doença? Qual a definição de ambos? Tal qual a música só conhecemos conceitos. Quando nos fala-mos e nos cumprimentamos, as respostas variam de “bem” a “doente”. Nunca nos deparamos com a expressão: ... “esta-mos cheios de saúde!”. Ao ouvirmos uma bela composição, nosso espírito se eleva e quando ao contrário, viramos as costas para aquele ambiente desarmônico.

A boa música não seria nada mais que a materialização deste estado de espírito, que definimos como saúde? E não seriam os médicos os mesmos artífices que como os grandes compositores nos proporcionam estes momentos de enlevo ao superarem os momentos de angústia da doença, nos livrando da dor? Já não diziam os romanos que “sedare dolorem opus, divinum est”?

“A música desperta sensações. Ela me liberta de mim mesmo, torna-me autoconsciente, como se eu pudesse ver-me e sentir-me de longe. Por isso a música me fortalece: depois de cada noite musical, vem uma manhã plena de ideias claras e originais”.

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900)

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Jamb Cultura

O termo pareidolia diz respeito a um fenômeno psicológico curioso. Geralmente ocorre quando uma imagem ou som nos estimula de forma vaga, sem uma intenção específica, mas o nosso cérebro nos faz crer que este estímulo tem um significado distinto e real. Os exemplos mais clássicos são quando vemos animais nas nuvens – brincadeira de criança – ou uma

multidão reconhece uma santa num vidro de uma janela. Milagre! Não, pareidolia. 

Quando lancei o livro “A arte secreta de Miche-langelo”, que desvenda figuras anatômicas nas cenas bíblicas, sugeriram que se tratava de mais um caso de visão criada pela minha mente. Bom, nunca se levou em conta todo o código iconográfi-co e pictórico que Michelangelo deixou nas cenas. Acho sim que existe muita especulação infunda-da, mas ainda acredito que o livro deva conter os ideais de Michelangelo. Talvez nunca chegaremos a uma conclusão.

Curiosamente, esta semana fui motivado pelo médico e artista plástico Vanderlei Zalochi a olhar com mais atenção para o abdomem de Cristo na Madonna de Buffalo, assim denominada. Um quadro recém-descoberto nos Estados Unidos da América e autenticado como sendo de Michelange-lo, avaliado em vários milhões de dólares. A partir de então, passei a mostrar a figura do quadro para vários médicos. Sem induzi-los, a grande maioria foi unânime em concordar com a teoria do colega Zalochi. Existe desenhado em alto-relevo todo um cólon, marcando a pele do abdomem de Cristo. 

Observações como: mas o cólon transverso está posicionado em forma de arco voltado para cima, quando na realidade anatômica, ele se curva para baixo. A não ser quando abrimos um abdomem e o expomos com o epíplon sobre o toráx. Neste momento sua curvatura se projeta para cima e podemos desenhá-lo na totalidade, como repre-sentado no quadro.

Será que temos aqui mais um caso de pareidolia? Agora, coletiva? Ou Michelangelo realmente pintou um cólon impregnando a pele abdominal de Cris-to da Madonna de Buffalo? Ou teremos que ensi-nar anatomia para os estudiosos de arte? Creio que Michelangelo seria capaz de ensinar a todos nós.

Gilson Barreto,Cirurgião Oncológico,

Campinas/SP

Michelangelo e as pareidolias

Crônica

A Madona de Buffalo. Obra de Michelangelo Buonarroti (1475-1564).

Ilustração: Anatomia do cólon

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Desde os últimos anos da faculdade já estava decidido a fazer Ortopedia e Traumatologia. Pude viver toda

evolução de uma especialidade nova que vivia os grandes traumatismos dos terríveis desastres de trem da Central do Brasil e a terrível epidemia de poliomielite que assolava o Brasil e que, junto à tuberculose osteoarticular, consti-tuía a grande maioria dos pacientes dessa especialidade e que eram o nosso grande campo de aprendizado.

No Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da FMUSP comecei em 1960 e logo passei a assistente de pronto-socorro. Por oito anos dei plan-tão de 24 horas semanais, divididos em dois de 12 horas e, ainda trabalhava na Clínica Ortopédica e Traumatológica (COT, que depois tomou o nome de Instituto de Ortopedia e Traumatologia IOT), todos os dias pela manhã.

O diagnóstico de poliomielite anterior aguda era feito pelo exame clínico e internávamos a criança na Unidade de PI (paralisia infantil) até que ela saísse da fase aguda e tivesse conseguido ultrapassar a depressão respiratória. Doença altamente contagiante nessa fase. Não havia vaci-nação, somente uma voluntária foi contaminada e adqui-riu a doença em fase adulta, com grandes sequelas; mais ninguém da equipe multiprofissional que atendia os mais de 50 pulmões de aço e outros tantos respiradores, foi contaminada. E os pacientes eram acompanhados depois nos ambulatórios, quando aprendíamos a examinar uma criança em todos os seus movimentos, exigindo conhe-cimento de anatomia e biomecânica e que proporcionou um aprendizado valioso para a nossa formação. O trata-mento cirúrgico era feito à base de osteotomias e trans-posições musculares e objetivava o alinhamento ósseo e a restauração dos movimentos perdidos pela paralisia, mesmo que em detrimento de outros menos importantes.

A tuberculose osteoarticular muito frequente na colu-na vertebral provocava grande incapacidade funcional, além de queda do estado geral. O tratamento era medica-mentoso e exigia imobilização, o que tornava os especialis-tas bons clínicos e artífices na manipulação dos aparelhos gessados que permaneciam nos doentes por muito tempo.

A traumatologia era baseada no tratamento conser-vador. As fraturas eram reduzidas e os pacientes imobili-zados nos gessos permaneciam na tração, como até hoje se vê nos desenhos animados. Cordas e pesos pendura-dos exigiam conhecimento de geometria e álgebra, maté-rias que o ortopedista conhecia e se tornaram a base da biomecânica, que se iniciava como especialidade. A fratu-ra era controlada por radiografias no leito e o paciente ficava internado por muitas semanas.

Nesta época romântica da especialidade e do trabalho árduo nos plantões do pronto-socorro, as equipes eram pequenas, os residentes não eram muitos e, de quando em vez, éramos obrigados a convocar colegas da COT para assumirem as operações. Essa chamada era feita

pelas rádios AM e todos vinham, para alívio da equipe de plantão. Houve ocasião que controlávamos cinco salas de cirurgia com operações simultâneas.

O fim do século XIX marcou as grandes transforma-ções na especialidade. A indústria de material cirúrgico absorvia os engenheiros da indústria artesanal relojoeira da Suíça, que se tornavam obsoletos pelo advento da eletrô-nica, para se dedicar ao material de síntese e seu instru-mental, bem como às próteses articulares, entrando no mundo globalizado do ganho financeiro, mas que benefi-ciou o desenvolvimento da especialidade e a formação de sub- especialidades nas diversas áreas em que foi dividida a Ortopedia e a Traumatologia. Foi nessa época que no IOT formaram-se os grupos interprofissionais com especialis-tas de todas as áreas da saúde que estudam e discutem os seus casos clínicos e produção científica em reuniões ordi-nárias, onde todos são ouvidos, como é até hoje. Exemplos desses grupos são os de Medicina Esportiva, Ortopedia Geriátrica, Paralisia Cerebral, Mão e Microcirurgia que se tornaram desbravadores de novas áreas da especialidade, que não vêm de doenças, mas sim de necessidades da saúde e que se alinham com o mundo contemporâneo.

O médico ortopedista e traumatologista torna-se então um especialista culto e atualizado, que entende a necessidade de saber metodologia científica, pois está só numa área da especialidade que administra com segu-rança e sabedoria, porque estuda e mantém-se atualiza-do. Preocupa-se com o futuro, na profilaxia nas doenças da terceira idade, no exagero da atividade esportiva, mas com sua necessidade absoluta para a proteção da saúde, volta-se àquela biomecânica articular da poliomielite e da tuberculose, aplicada a outros segmentos populacionais. As imobilizações são substituídas pelo aumento do tônus muscular, e seu equilíbrio, pela orientação postural.

Sofre pressões desmedidas da indústria, das prestado-ras de serviço e do próprio governo que não reconhece a remuneração adequada para tratar um paciente que tem um enorme seguimento de sua responsabilidade e demo-ra para voltar à atividade, diferentemente da maioria das outras especialidades.

O ortopedista e traumatologista preocupa-se com o ser humano, pois trata indivíduos normais que de repen-te se tornam incapazes por um acidente, muitas vezes no seu auge produtivo, ou deficiente com intelecto preserva-do, que recupera, para serem úteis à sociedade.

É assim que vejo a minha especialidade.A todos os colegas, um abraço pelo dia 19 de setem-

bro, Dia do Ortopedista.

Marco Martins Amatuzzi,Ortopedista e Traumatologia,

São Paulo/SP

Ortopedia e Traumatologia, a minha vida

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Jamb Cultura

Tu fizeste um juramento,

Naquele dia solene;

De caridade perene,

Na atitude e no pensamento!

E aos preceitos da ciência,

Segui-los com honestidade;

Tratando da humanidade,

Com amor e independência!

Mas o teu gesto mais nobre,

É Álvares teu irmão,

Sem contar com gratidão,

Nem saber se é rico ou pobre!

Ser como foi São Lucas!

Cujo exemplo seguirás...

Então Deus encontrarás,

Se, na verdade, é quem buscas!

Música: Antonio Sergi, São Paulo/SP

Letra: Rubens Barbosa Tavares, Atibaia/SP

espaço poético

Hino do Médico

{Bis

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O Instituto Brasileiro de Museus define os museus como casas que guardam e apresentam sonhos, senti-mentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes.

Pela Lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009, consideram-se museus as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, inter-pretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesqui-sa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.

Segundo o médico e historiador paraense Clóvis Meira “Temos cultuado muito pouco a memória dos nossos mortos notáveis, quando não a esquecemos, encoberto pelo pó dos tempos. É surpreendente como médicos boníssimos e que tudo deram em favor dos seus semelhantes, ao desaparecerem da face da Terra, são completamente adumbrados pelo correr dos tempos”.

Museus de Medicina

O Engenheiro Cleptomaníaco

A criação de um museu visa reunir e dar a conhecer, retratar e eternizar uma história de vida, através de obras, objetos, utensílios, instrumental, aparelhos e outros elementos essenciais para desenvolvimento da arte médi-ca ao longo dos tempos. Esta proposta não traz somente

a ideia de guardar a História, mas também de amenizar a saudade e as lacunas do tempo.

Ao circular em um Museu de História da Medicina temos oportunidade de lidar com o imaginário do médico do passa-do. Nos traz o pensamento da responsabilidade com o ser e o exercer a medicina, faz surgir um princípio comum que nos une e que se reflete de uma forma surpreendentemente atual.

O Departamento Cultural da Associação Médica Brasileira, ciente de suas respon-sabilidades e preocupação com o nosso passado, presen-te e futuro, iniciará uma campanha, além de assessoria técnica, para que as Federadas da entidade e as Socieda-des Especializadas que queiram, possam criar Museus de História da Medicina.

Cléa Nazaré Carneiro Bichara,Infectologista,

Belém/PA

Carlos David Araújo Bichara,Patologista Clínico,

Belém/PA

Já aposentado, depois de ter trabalhado muitos anos como médico em uma grande indústria, o Dr. Batista aceitou o convite de um amigo nissei para ir ao Clube da Colônia Japonesa em um jantar dançan-te. Lá pelas tantas foi apresentado a uma senhora, que ao saber quem ele era, foi logo dizendo: “Com certe-za o doutor conhece o meu marido. Ele é engenheiro e trabalhou muitos anos na mesma empresa que o senhor. Vou chamá-lo. Ele vai gostar muito de revê-lo porque frequentava muito o Serviço Médico”. Antes de sair para chamar o marido, aproximou-se e falou mais baixo, com um ar de cumplicidade: “Talvez o senhor se lembre: ele é cleptomaníaco.”

O Dr. Batista ficou intrigado. Não se lembrava de nenhum cleptomaníaco, mas, por via das dúvi-das e apesar do engenheiro, também nissei como a esposa, mostrar-se muito simpático, tomou algumas

precauções: colocou a carteira no bolso de trás; pendu-rou a bolsa da sua mulher na cadeira bem à sua vista e tudo mais.

Conversaram mais de uma hora sobre vários assuntos. Quem diria? Um cleptomaníaco tão simpá-tico e tão bem informado a respeito de assuntos de saúde? Perguntou sobre várias questões: melhor dieta; vitaminas; prevenção de câncer; vacinação contra gripe; colesterol; pressão arterial e por fim pediu um cartão do doutor caso tivesse consultório próprio. Ao se despedirem, a esposa aproveitou uma brecha e, enquanto dava a mão para o doutor, comentou voltan-do ao estilo conspiratório: “Eu não lhe disse? Ele tem mania de doenças. É completamente cleptomaníaco.”

Antônio Roberto Batista,Médico do Trabalho,

São Paulo/SP

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espaço poético

Jamb Cultura

Ela...

Silenciosamente,

Sorrateiramente,

Preferentemente à noite,

Frequentemente de madrugada,

Ela sai por aí...

A qualquer hora do dia,

Em movimentado viaduto,

No cantinho de uma esquina,

Na solidão do banheiro,

No incômodo porta-malas de um carro,

Em quarto aconchegante,

Enfim, dentro ou fora de casa,

Vez por outra,

Desvairada criatura,

Recheada de desesperança,

Sai à sua procura.

Ora arrependida,

Cai em um pranto de soluços

Banhado de lágrimas de dor!

Ora decidida,

Enojada com o mundo,

Amargurada com pessoas,

Vai, passo a passo,

Metodicamente,

Calculadamente,

Friamente,

Pela trilha arquitetada,

Para o abraço fatal e o sono eterno!

Mas, nem sempre é assim...

Não são as criaturas que escolhem!

Elas são as escolhidas!

E, nesse campo, o trabalho é fácil:

- É um velho, antigamente pleno de vida,

Exuberante e orgulhoso de si,

Inapelavelmente jogado em uma cama,

Na longa espera, pelo encontro desejado por todos!

Pelas confusões malucas de tempo e espaço,

A pedir jantar pela manhã,

Conversar com o filho morto há anos,

A querer sair e ir para casa,

Quando nela estava.

- É homem maduro, “feito na vida”

“Bem-sucedido”, e, como se diz,

Corajoso, honesto e trabalhador,

Agora abraçado por mal sem cura,

Em começo do fim,

Que o arrasta, por meses e anos,

Para a decomposição física,

Com a plenitude cerebral.

O sofrimento é tão maior,

Quanto mais se desarranja sua carne.

O espelho é objeto execrável.

As lembranças do que foi e do que se foi,

Uma tortura profunda

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Todos, a se enganarem mutuamente,

Procuram refúgios em sonhos mágicos.

Os mais sensatos, segundo nova cultura,

Viram joguetes em farmácias, laboratórios,

Hospitais e consultórios...

E, a sobrevivência impossível,

Transforma-se em precário viver possível.

Pele e osso,

Ao se aproximar, inexoravelmente, do fim do fim,

Tem que lutar contra o doutor,

Que com adrenalina cardíaca,

Intubação, respirador, desfibrilador,

Confunde descanso eterno com “parada cardíaca”

- É um adolescente, desabrochando para o amor,

Carregado de desejo e esperanças, com todo vigor,

Irrequieto e borbulhante de juventude,

Que sobre a moto, na rua,

Ou sob a moto, na calçada;

Que no volante de um carro na estrada

Ou sob sua roda, no cruzamento;

Que na ponta de um punhal de um desafeto,

Ou no furo de uma bala perdida,

Sai de um sonho para o sono eterno.

- É um corpinho frágil,

Em começo de carreira,

Há pouco ensaiando os primeiros passos,

Sem saber o que faz,

Extasiado pela beleza multicolorida de comprimidos,

Que parecem balas;

Que, ávido de sede, encontra a garrafa

de guaraná de ontem,

Hoje reservatório de soda cáustica,

para desentupir privada,

Põe, boca adentro, a destruição fatal

De sua escultura em construção

- É um inadvertido e intruso embrião,

De uma íntima relação de amor,

Que põe fogo na fervura da vida.

São filhos, pais, tios, avós,

Empregados, companheiros, amigos...

Conjuntamente, desordenadamente,

Incongruentemente ou coerentemente

A adubar ideias malignas,

Que infernizam a jovem mãe

A não saber os rumos da vida.

Tutelada, dão-lhe as passadas,

Mostrando-lhe os desvios:

Suntuosos sob lâmpadas cialíticas reluzentes

Ou fétidos, sob luzes de lamparina e

Agulhas de tricô enferrujadas...

Aí se vai um projeto de gente, uma promessa de

vida...

E, se não houver surpresas com a ex-futura mãe,

Todos (?) se aliviam.

Assim, ela está sempre presente!

José Augusto Nigro Conceição,Pediatra,

São Paulo/SP

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Jamb Cultura

JAMB CULTURA

Edição Bimestral | setembro e outubro de 2011

www.amb.org.br | [email protected]

Presidente: José Luiz Gomes do Amaral

Coordenador e Diretor Cultural: Hélio Barroso dos Reis

Diretor de Comunicações: Elias Fernando Miziara

Conselho Editorial (2010-2011):

Armando José China Bezerra (Brasília/DF - região Centro-Oeste)

Carlos David Araújo Bichara (Belém/PA - região Norte)

Gilson Barreto (São Paulo/Campinas – região Sudeste)

Giovanni Guido Cerri (São Paulo/SP – região Sudeste)

Guido Arturo Palomba (São Paulo/SP – região Sudeste)

Hélio Barroso dos Reis (Vitória/ES – região Sudeste)

José Luiz Gomes do Amaral (São Paulo/SP – região Sudeste)

Murillo Ronald Capella (Florianópolis/SC – região Sul)

Roque Andrade (Salvador/BA – região Nordeste)

Yvonne Capuano (São Paulo/SP – região Sudeste)

Apoio cultural: Departamento de Comunicações da AMB

Assessoria em Comunicação e Cultura: Flávia Negrão

Projeto Editorial: Sollo Comunicação

Revisão: Natália Cesana

Colaboração

O JAMB Cultura é um espaço aberto que estimula

a literatura e valoriza as manifestações culturais do

Brasil. Para isso, convidamos os médicos a enviar artigos,

crônicas, poesias, textos sobre cultura e história da

Medicina para o Conselho Editorial.

A/C Hélio Barroso dos Reis (Diretor Cultural): Rua São

Carlos do Pinhal, 324 – Bela Vista – São Paulo/SP -

CEP: 01333-903 - ou pelo e-mail: [email protected]

Participe e colecione!

Normas para publicação de artigo no Jamb Cultura

1) ser médico(a) associado da Associação Médica Brasi-

leira, através da Federada de sua região.

2) texto de aproximadamente 1 lauda, em arial 12.

3) se houver fotografias, favor identificá-las, colocar o cré-

dito e enviar em 300 dpi, anexadas fora do texto (JPG).

4) o material será apreciado pelos membros do Conselho

Editorial antes de sua publicação.

5) ao enviar ao Conselho, informar autorização de

publicação.

6) assinar o artigo com: nome, especialidade, cidade,

estado e endereço para correspondência.O Jamb Cultura somente publica matérias assinadas, as quais não são de responsabilidade

da Associação Médica Brasileira

Jamb Cultura

belém/PaMuseu da Universidade Federal do Pará | UFPAO espaço apresenta a exposição dos vencedores do

30º Salão Especial Arte Pará 2011, o paulista Geraldo

de Souza Dias Filho e o baiano Anderson Pereira Silva

dos Santos. A exposição conta ainda com obras de

mais 36 artistas selecionados pela banca julgadora do

Arte Pará (de 06/10/11 até 06/12/11). Av. Governador

José Malcher, 1.192, tels. (91) 3224-0871 / 3242-8340

- Nazaré. Ter. a sex., 9h/17h; sáb. e dom., 10h/14h.

www.ufpa.br/museufpa

tErESiNA/PiMuseu do PiauíO museu está sediado em um casarão de dois pavimen-

tos com características coloniais. Mantém em acervo

peças antigas do período colonial, peças e vestimentas

do nosso folclore, pinturas e salas temáticas.

Dicas cuLturais

Rua Areolino de Abreu, 900, tel. (86) 3226-2621 –

Centro - www.fundac.pi.gov.br

brASíliA/DFOrquestra Sinfônica do Estado de São Paulo6 de novembro de 2011, domingo, 17h

Programa:

Yan Pascal Tortelier (regente) | Augustin Hadelich

(violino)

Program:

Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY

Sonho de uma Noite de Verão, Op. 21

Concerto Para Violino em Mi Menor, Op. 64

Sergei PROKOFIEV

Cenas de Romeu e Julieta

Teatro Nacional – Brasília: SCTN, Via N2, Anexo – Tels.

(61) 3325-6161

www.sc.df.gov.br