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J]!Jf] COLABORAÇÃO INTERNACIONAL """ A TECNOLOGIA DA INFORMAÇAO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA "Jean Pierre Durand Uma nova organização do trabalho para solucionar a complexidade do processo de manufatura decorrente da automação. A new work organization to deal with complexity of the manufacturing process derived from the computerization of machines. PALAVRAS-CHAVE: Linha de produção integrada, usinagem Integrada, operador multiquafifieado, operário mui- tifuneíonal, nova organização do trabalho, tecnologias de in- formação. KEY WOROS: Integrated maehining fine, mul- tiskilling of operatíves, multi- funetion opera tive, integrated produetion fine, new organiza- tion of wotk, information tecti- nology. • Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Rouen, França. 82 Revista de Administração de Empresas Jan ./Fev. 1994 São Paulo, 34(1 ):82-99

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J]!Jf]

COLABORAÇÃOINTERNACIONAL

"""

A TECNOLOGIA DA INFORMAÇAO E OLEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

"Jean Pierre Durand

Uma nova organização do trabalho para solucionar a complexidade do processode manufatura decorrente da automação.

A new work organization to deal with complexity of the manufacturing process derivedfrom the computerization of machines.

PALAVRAS-CHAVE:Linha de produção integrada,usinagem Integrada, operadormultiquafifieado, operário mui-tifuneíonal, nova organizaçãodo trabalho, tecnologias de in-formação.

KEY WOROS:Integrated maehining fine, mul-tiskilling of operatíves, multi-funetion opera tive, integratedproduetion fine, new organiza-tion of wotk, information tecti-nology.

• Professor do Departamentode Sociologia da Universidadede Rouen, França.

82 Revista de Administração de Empresas Jan ./Fev. 1994São Paulo, 34(1 ):82-99

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

fato, e com o intuito de evidenciar que apesquisa não produz apenas conheci-mentos teóricos, mas também propósitospráticos, algumas recomendações de na-tureza organizacional são delineadas, nofinal deste artigo, para romper com o ju-go do passado.

INTRODUÇÃO

o uso da tecnologia de informação (TI)na produção oferece um imenso leque dealternativas para a organização do traba-lho e para a gestão. Embora as tecnolo-gias tradicionais de produção tambémapresentem tais possibilidades, estas fo-ram reconhecidas somente muito maistarde (como foi o caso da utilização degrupos autônomos de trabalho, pela Vol-vo, no início dos anos 70). A TI amplia oleque destas opções no âmbito do proces-so de produção, já que torna possível se-parar as transferências de materiais (queenvolvem cada vez menos a intervençãohumana) das transferências de informa-ções, que são acentuadamente mais flexí-veis. As mudanças organizacionais torna-ram-se necessárias para a flexibilidade eadaptabilidade das empresas confronta-das por um ambiente de mudanças. Nes-se contexto, a TI contribui ao propor-cionar a maior rapidez na reação. Por ou-tro lado, o salto tecnológico introduzidopela TI promove mudanças estruturaisna empresa, nas tarefas e nas relações, asquais constituem suas principais funções.

Mas qual é a situação real da produção,após uma década de utilização da TI ? Es-te artigo aborda a questão da verdadeiraextensão da mudança na organização dotrabalho e na gestão. Essa transformaçãovai além da aceitação de concepçõescomplacentes pelos gerentes e consulto-res, bem como ultrapassa suas declara-ções de intenção. Utilizando técnicas deobservação participativa e de entrevistascom trabalhadores, o autor analisa emdetalhe o funcionamento de uma fábricaautomatizada.

A hipótese básica é a de que emboratenham ocorrido mudanças na organiza-ção do trabalho, seu escopo tem sido li-mitado considerando-se as possibilidadesdisponíveis e as reformas em pauta. Aherança cultural de diversas décadas detaylorismo está profundamente enraiza-da: a combinação da administração racio-nal com rotinas de comando diariamenteaplicadas, de supervisão e de subordina-ção dos trabalhadores opõe-se a qualquertransformação radical. No entanto, a re-produção contínua de formas arcaicas deorganização contraria os objetivos coli-mados da produção. Considerando este

A FÁBRICA DE CAIXAS DE CÂMBIO

A fábrica analisada situa-se a 72 mi-lhas de Paris e fornece máquinas e caixasde câmbio para todas as montadoras dogrupo automobilístico francês ao qualpertence. Uma parte da sua produção demotores é exportada para o norte da Eu-ropa. Dentro do grupo, esta fábrica com-pete com outras que produzem o mesmoproduto, localizadas na Espanha e emPortugal. No início dos anos 80, ela pos-suía, em termos de mão-de-obra, aproxi-madamente 10.000 funcionários. Após acrise econômica de 1982, esse númerocaiu para 7.800, como resultado de umesforço de racionalização. Antes de 1982,a fábrica tinha sido o palco de intensasbatalhas em favor das 35 horas semanais.Na verdade, esta fábrica está na vanguar-da de todo o grupo, no que respeita à lu-ta pela redução da semana de trabalho,que prevalece sobre a demanda por au-mentos salariais.

O sindicato CGT (Confédération Géné-rale du Travail) detém entre 55 e 65%dosvotos registrados na eleição do Comitéd'Entreprise. A CFDT (Confédération Fé-dérale du Travail), 20 a 25%, e a FO (For-ce Ouvriere), juntamente com a CFTC(Confédération Française des TravailleursChrétiens) e a CGC (Confédération Géné-rale des Cadres), o restante. Desde 1982,os esforços do sindicato têm visado, prin-cipalmente, à defesa dos empregos e dosníveis de emprego na fábrica, em oposi-ção às práticas do trabalho de tempo par-cial e das subcontratações. Uma ou duasgreves ocorreram recentemente por au-mentos salariais. Os sindicatos e os ope-rários, em seu conjunto, dificilmente par-ticipam das decisões sobre organizaçãodo trabalho. Os gerentes de alto nível ouos diretores das fábricas normalmente co-municam quaisquer mudanças pretendi-das ao Comité d'Entreprise e aos repre-sentantes das associações de operários.Porém, não há negociações entre os dois

N.T.: Neste artigo, as abrevia-ções a seguir são muito impor-tantes, por fazerem referênciaàs qualificações educacionaisfrancesas e às classificações dotrabalho fabril que, em algunscasos, não têm equivalência di-reta com as utilizadas em ou-tros países.

• Qualificações Educacionais:CAP - Diploma obtido na escolatécnica secundária após 5 anosde estudos (na idade de 16anos, aproximadamente)BEP - Diploma superior da es-cola técnica secundária após 6anos de estudos (na idade de17-18 anos)• Classificações do TrabalhoFabril:OS - Ouvrier Specialisé - Traba-lhador não qualificadoAP - Agent de Production - Umtermo moderno para o OS naprodução fabrilOP - Ouvrier Professionnel -Trabalhador qualificadoP1 F, P2F etc. - Profissionais defabricação, ex-OS treinado nolocal de trabalho, designado,atualmente, para realizar atéseis meses de treinamento es-pecializado. Não são considera-dos trabalhadores qualificados.

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lados nestes temas cruciais, mas simplesdemonstrações de dissenso ou de resis-tência dos trabalhadores, nos casos demudanças inaceitáveis. Em outras pala-vras, não há uma negociação aberta naorganização do trabalho, mas um jogoinformal de poder entre as propostasgerenciais e a aprovação ou rejeição porparte dos trabalhadores. Os supervisorespodem desempenhar o papel de interme-diação, traduzindo as propostas e as rea-ções em formas aceitáveis para todos.

As instalações

automatizadas exigem níveis~

mais elctJadds (fe.habilidades

do que as iradiclonais,

para operai' convenientemente.

A decisão de produzir uma nova caixade câmbio na fábrica em questão foi en-tusiasticamente recebida pelos trabalha-dores, que viram o fato como uma confir-mação da posição competitiva da fábricadentro do grupo como um todo. Entre-tanto, este episódio foi importante para aconscientização da reviravolta que a si-tuação provocava. A BVXera um produ-to de design totalmente novo, com carac-terísticas nunca antes vistas pelos fabri-cantes de caixas convencionais. O proces-so de produção, por sua vez, era pratica-mente novo - não totalmente, entretanto,porque duas de suas linhas de produçãointegradas - LPls já tinham sido testadas.Porém, os trabalhadores não dominavamo processo de produção quando a deci-são relativa à produção do BVXfoi toma-da. Além disso, o Departamento de Enge-nharia de Produção estava ocupado, si-multaneamente, com o início da fabrica-ção de um novo motor. Como resultado,a tarefa de produzir o BVX(novo produ-to, novo processo) chegou à fábrica tradi-cional sem o domínio completo das ino-

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vações necessárias à sua consecução.Estefoi especificamente o caso da organizaçãoe da administração do trabalho. O au-mento de qualidade, produtividade e fle-xibilidade constitui, ao mesmo tempo, amáxima dos gerentes de alto nível na in-dústria e a justificativa para investimen-tos consideráveis em microeletrônica eem tecnologias de informação visando aoaperfeiçoamento da produção em massa.

O uso de máquinas e transportadoresgovernados pela TI melhora o desem-penho potencial das instalações, em ra-zão do aperfeiçoamento do tratamento edo armazenamento das informações. Po-rém, deve-se ressalvar que essa melhoriapotencial depende de habilidades huma-nas. Além do mais, o uso otimizado des-tas formas de automação é condicionadopelo contexto social, que faz do lucro aprioridade central da produção. Estacompreensão coloca uma questão-chavepara a gerência, qual seja, a de como en-contrar a melhor correspondência ouajuste entre automatização das instala-ções e organização dos trabalhadores, deforma compatível com a maximização daprodutividade e qualidade. Na prática,isto significa obter o maior uso produtivopossível, diariamente nas instalações.

Além das questões imediatas sobre re-cursos humanos geradas pela realizaçãodesses objetivos, cabe mencionar aquelasrelativas ao treinamento. De fato, umalógica um tanto ingênua, freqüente-mente, está subjacente a tais investi-mentos em automação: como as máqui-nas realizam sozinhas todas as opera-ções, sua supervisão requer pouca ou ne-nhuma habilidade. No entanto, na reali-dade, acontece o oposto: as instalaçõesautomatizadas exigem níveis mais eleva-dos de habilidades do que as tradicio-nais, para operar convenientemente. Ca-beriam, aqui, algumas perguntas, explici-tadas a seguir. Em que essas novas for-mas de habilidade e conhecimento dife-rem das anteriores? São elas totalmentediferentes, ou essas novas formas decompetência ajustam-se facilmente àsmais velhas? Será que a chave para o trei-namento bem-sucedido de operadoresem linhas automatizadas não estaria narealização de uma espécie de osmose en-tre essas duas formas? Além do mais, seo treinamento é voltado para trabalhado-

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res que já têm tarefas e funções específi-cas, não irá ele produzir uma polarizaçãode habilidades (novos inspetores de má-quina não qualificados, técnicos qualifi-cados e pessoal de manutenção) ou umaconvergência (uma categoria de trabalha-dores altamente qualificados)? Finalmen-te, quais grupos de trabalhadores devemser designados para a nova instalação?Aqueles com nível OS, PI, ou os "regleurs"deslocados das máquinas velhas? Ou ostrabalhadores jovens especialmente re-crutados? Qual deve ser o seu nível ini-cial de qualificação e treinamento? É cer-to que as necessidades de treinamentodependem relativamente pouco da natu-reza das instalações de trabalho em si, emuito mais das opções de cunho organi-zacional e demográfico, feitas pela admi-nistração da fábrica.

NOVOPRODUTO,PRODUÇÃOINOVADORAA caixa de câmbio BVXapresenta um

design transversal bastante compacto, sen-do acoplada diretamente ao motor. Estaanálise concentra-se na linha de produçãopara a caixa de embreagem, elemento-chave do conjunto. A fim de realçar a na-tureza inovadora da integração das LPIs,tanto tecnicamente quanto no que respei-ta à gerência do trabalho, apresenta-se,aqui, um breve comentário histórico.

A USINAGEM DE CAIXASA usinagem tradicional de caixas é

realizada em linhas com transportadoresque movem as peças de trabalho de umamáquina para outra. Um sistema auto-mático (eletromecânico) posíciona-assobre a máquina que executa diversosprocessos (corte, giro, furo etc.). O siste-ma é particularmente rígido devido àsexigências das máquinas de transferên-cia, cujos porta-ferramentas devem sermodificados nos casos de alterações sig-nificativas no trabalho. Os operadores(todos OS) inspecionam as máquinas (noque se refere à quebra de ferramentas,quantidade de limalha e obstáculos nãoaparentes), controlam as cotas de peçasde trabalho e trocam as ferramentas, soba supervisão dos adaptadores. Estes últi-mos somente intervêm quando surgemproblemas, ou quando as ferramentas es-

tão difíceis de ajustar. Estoques substan-ciais são mantidos nos transportadoressituados entre as máquinas, de forma apermitir uma parada de aproximada-mente uma hora para cada máquina,sem afetar desfavoravelmente a produti-vidade total da instalação. A produtivi-dade média gira em torno de 100 peçaspor hora.

A decisão de eliminar os estoques in-termediários nas novas linhas foi tomadapela equipe do escritório central de pla-nejamento, influenciada pelos métodosjaponeses observados durante uma visitade estudo àquele país. De forma análoga,sua intenção foi a de aumentar o grau deconfiabilidade das instalações, de forma aevitar paradas na produção. Isto possibi-litaria tanto aumentar a taxa de produçãode peças para um patamar de até 170-180por hora - bem superior ao sistema tradi-cional, cujo índice é de 100-, como elevaro investimento em tecnologias, tais comoo controle eletrônico de máquinas e desuas interações, necessárias à eliminaçãodos estoques intermediários. Esta linhade produção é composta por cinco má-quinas de transferência ligadas por trans-portadores e manipuladores governadospor sistemas programáveis. A primeiramáquina de transferência, controlada nu-mericamente, permite flexibilidade naprodução de caixas de embreagem paracâmbios manuais e automáticos. Entrecada máquina de transferência existeuma passagem que atravessa o transpor-tador, de forma a permitir que os opera-dores trabalhem dos dois lados das má-quinas. Um controle automático checa ascotas após o quarto ou quinto processode usinagem. Não se verifica uma ausên-cia total de reserva porque existem sem-pre dez ou quinze peças de trabalho nostransportadores situados entre as máqui-nas. Porém, isto representa um supri-mento de reserva suficiente para apenasalguns minutos.

Para melhor controle dos obstáculos epanes, uma mudança preventiva é efe-tuada nas ferramentas, de forma propor-cional ao número de peças de trabalhousinadas (a cada 300, 600 ou 900, depen-dendo das operações envolvidas). O cál-culo é feito automaticamente. O calcula-dor programável primeiro avisa o opera-dor e então pára a máquina em um nú-

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mero específico.Além disso, para estabe-lecer um limite para a perda de tempocausada por obstáculos e paradas, cadamáquina de transferência e cada linha si-tuada entre máquinas foi equipada comum sistema de assistência à fabricação.Os três objetivos principais desta iniciati-vaforam:

1. auxiliar na detecção e localização deanomalias. O operador pode descobrirem que área ocorreu a pane. Competea ele providenciar o reparo;

2. auxiliar na análise da ação apropriadapara solucionar paradas. Para tanto,uma série histórica das paradas e desua freqüência é compilada automati-camente e apresentada ao operador,permitindo, desta forma, que ele con-centre sua atenção nas mais freqüentes;

3. acumular informações para a análisedo progresso do trabalho e da manu-tenção. O sistema programável indicao número de peças de trabalho satisfa-tórias ou insatisfatórias e calcula o tem-po total perdido em função de panes,deficiências no estoque, controles, mu-danças e quebras de ferramentas, so-brecargas etc.

Dois operários polivalentes ou multi-funcionais foram considerados aprova-dos para manipular as cinco máquinasde transferência e os sistemas de enca-deamento no momento em que a instala-ção estivesse funcionando no nível pla-nejado.

o CONCEITO DE LINHA DE PRODUÇÃOINTEGRADA - LPI

De acordo com as condições planeja-das para uma situação ótima de trabalho,os operários não teriam mais que manu-sear diretamente a peça de trabalho, de-vendo trabalhar apenas nas máquinas enos sistemas de acoplagem (supervisão,mudança de ferramentas e panes). Esta éa razão para o uso da palavra "integra-da". Além disso, os organizadores do sis-tema, ao mencionarem o conceito de LPI,salientam sua natureza inovadora, tantoem termos tecnológicos (aumento dacomplexidade), quanto sociais (qual deveser a organização do trabalho para urnaLPI? que habilidades são requeridas e

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quais as formas de treinamento mais ade-quadas?). A escolha dessas técnicas deprodução baseia-se na busca da máximaqualidade com alta produtividade, con-forme elucida a afirmação de um gerentedo escritório de planejamento central:

"Há uma correlação entre automação equalidade nos altos níveis de produção inter-mediária de peças. A confiabilidade suben-tende nenhuma intervenção dos operadores;daí a escolha da LPI (carga e descarga auto-máticas, controle integrado e checagem detodas as peças de trabalho). A intervençãohumana é necessária para programar a utili-zação das ferramentas e para enfrentar aspanes (nos momentos em que o ciclo entraem dificuldades). Os operários devem man-ter as máquinas funcionando no melhor es-tado possível, em termos de confiabilidade equalidade".

o princípio central de operaçãoda LPI é o trabalho contínuo,

a usinagem automatizada.' e a transferência ininterrupta

de peças a.e ílma máquinapara outra. Os estoques

excedentes-dept:ças de trabalho--são praticamente eliminados-

para reduzir os custosde armazenagem e manuseio.

O princípio central de operação da LPIé o trabalho contínuo, a usinagem auto-matizada e a transferência ininterruptade peças de uma máquina para outra. Osestoques excedentes de peças de trabalhosão praticamente eliminados para redu-zir os custos de armazenagem e manu-seio. Não se trata mais de produzir umdeterminado número de peças de traba-lho durante um período de trabalho pre-determinado, mas de assegurar o traba-lho contínuo da instalação. Não se tratade reduzir o tempo alocado para a pro-dução de uma peça de trabalho, mas deassegurar o máximo uso das instalações.O mesmo gerente do escritório de plane-jamento central declara:

"Com este tipo de tecnologia, o método

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responsabilidade no trabalho levou a altaadministração a promover uma aproxi-mação participativa entre os mestres. Es-ta iniciativa tomou-se, de fato, parte im-portante dos cursos a eles destinados,que visaram a capacitá-los para treinaroperários no trabalho. Esses cursos detreinamento compreenderam uma intro-dução sobre métodos de ensino e técnicasde motivação e facilitação de grupos, oque capacitou os participantes a iniciaruma discussão em grupo e a ouvir conve-nientemente as opiniões dos operários.Existiu um certo ceticismo por parte dosmestres, tanto sobre a possibilidade detrabalhar com estoques intermediáriosmínimos - a experiência mostrou a difi-culdade disto -, como sobre os novos pa-drões de flexibilidade do operário multi-funcional e o trabalho em grupo. Nãoobstante, este último constitui o vigor doconceito de LPI:

correto de gestão não é mais, simplesmente,aquele que objetiva otimizar a produção hu-mana. Atualmente, eu nunca uso a expressão"produção" relacionada a "tempo alocado" ou"tempo de trabalho", porque se alguém utili-za esta linha de pensamento - como se faziahá 20 anos atrás - nada pode ser entendidocorretamente ...

Hoje nós temos um grupo de máquinas li-gado a um grupo de operários. Se as máquinasquebram, elas devem ser reparadas. Os OS de-vem desaparecer. O pensamento gerencial de-ve evoluir .... Agora, nosso pensamento é ante-cipatório. O custo do produto é definido, OK.O cálculo de preço não é dependente, de formacrucial, da produtividade. O trabalho repre-senta somente 30% dos custos, enquanto aprodutividade da LPI reflete 75% das dificul-dades. Isto posto, para fins contábeis, eu consi-dero a totalidade dos recursos humanos, semfazer distinção entre trabalho direto e indireto.Para tais propósitos, penso em termos de agre-gados, de grupos de trabalho".

Estes dados evidenciam como o tempode trabalho humano não pode mais serutilizado como parâmetro gerencial etambém quão crucial é a utilização otimi-zada das máquinas. Esta utilização otimi-zada requer uma redução compatível donúmero de operadores. Daí a necessida-de de caminhar em direção a um sistemano qual os operários sejam também res-ponsáveis pelo trabalho relativo às para-das. O operário deve ser polivalente.! Deacordo com o grau desta multifuncionali-dade, os operários poderiam cobrir total-mente a LPI, ou somente algumas máqui-nas. No último caso, deve-se considerar oproblema da substituição de operários(gerenciados pelo grupo) durante reu-niões e panes.

Neste novo sistema de produção, oconceito de LPI envolve um tipo de tra-balho baseado no espírito de equipe e umsenso de responsabilidade ampliado, as-sim como visa à obtenção do índice maisbaixo de panes e da mais alta qualidadedo produto. Para alcançar esses parâme-tros, os operários são induzidos a desen-volver ligações com outros grupos de tra-balhadores (do controle de qualidade e,acima de tudo, da manutenção). Esses re-lacionamentos entre grupos serão consi-derados mais adiante, quando for discu-tida a questão da cooperação. A necessi-dade de espírito de equipe e de maior

1. maior abrangência das tarefas dos ope-rários (manutenção modesta e respon-sabilidade ampliada para supervisãodas instalações);

2. integração dos operários no ritmo glo-bal e no eihos? da fábrica, através dacriação de grupos de discussão e demeios de expressão em cada setor deprodução;

3. explicitação da necessidade de treina-mento técnico para implementar aforma de organização de trabalho es-colhida.

O envolvimento ampliado, a responsa-bilidade, a comunicação e a flexibilidadedos trabalhadores e de sua organizaçãoautônoma em grupos de trabalho foramos fatores-chave na promoção do que foidenominado "espírito BVX".

o DOMíNIO DA TECNOLOGIA E OTREINAMENTO PROFISSIONAL

Antigamente, o tempo necessário paraalcançar índices otimizados de produçãonas instalações de produção de veículosera de, aproximadamente, dois anos. Naépoca em que este artigo foi escrito, aspressões do mercado exigiam que essetempo fosse reduzido para um períodoentre 12 e 18 meses, mediante utilizaçãode tecnologias mais complexas. Para o

1. DURAND, J.P. Ou ParadigmeProductique à la Communica-tion. Tecnologie de I'Informa-tion et Société, Bruxelas-Mon-treal, a ser publicado, 1990.

2. N.T.: ethos (euos, em grego)princípios iguais de compor-tamento e relacionamento.

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3. KLEIN, J.A. The HumanCosts of Manufacturing Reform.Harvard Business Review, 2,1989.

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BVX,as instalações tinham que produzir3400 caixas de câmbio por dia (dois tur-nos de 8 horas). Porém, devido aos atra-sos das entregas e aos problemas técnicosocorridos, foram necessários 30 meses·para alcançar essa meta. E mesmo assim,isto só foi possível através do aumentodo tempo de trabalho das instalações edo número de operários, além das medi-das prognosticadas:

1. alteração de dois turnos de 8 horas pordia para dois turnos acrescidos de re-cursos para a alocação de equipes detrabalho à noite e nos fins de semana.Segundo esse sistema, o trabalho de 28horas é remunerado, aproximadamen-te, no mesmo nível do de 39 horas. Es-ses grupos adicionais, freqüentementesem um complemento total, mantêm onível de produção normal ou concluemo trabalho do turno do dia, quandoexiste atraso de produção;

2. um aumento em tomo de 30%dos fun-cionários que trabalham em grupos,devido à variedade de operações ne-cessárias para manter a produçãocontínua.

Essas dificuldades técnicas enfrenta-das durante o processo de otimização daprodução têm uma base sociológica e pa-recem ser o resultado das manobras devários atores, grupos de influência e dosconflitos entre eles, que desempenhamum papel no planejamento, implantaçãoe suporte de qualquer projeto industrialde maior importância.

Em resumo, pode-se salientar a fragili-dade da política de planejamento de re-cursos humanos da administração supe-rior. Formulada com excessivo atraso, de-veria ter sido elaborada durante a monta-gem e instalação das máquinas. Tambémnão se deve ignorar os erros de engenha-ria cometidos durante toda a instalação,que parecem ser um efeito da divisão dotrabalho entre engenheiros de produção eusuários.

RUMO A UMA NOVA FORMA DEORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

A separação entre o trabalho de con-cepção e o de execução muito freqüente-mente condena os produtores diretos a

tarefas maçantes, repetitivas e monóto-nas. Os especialistas tentam, incessante-mente, encontrar todos os tipos de remé-dios para este problema (administraçãopor objetivos, grupos semi-autônomos detrabalho etc.) sem, contudo, abordar umaquestão fundamental: a da divisão do tra-balho.

TRABALHO MONÓTONO E TRABALHADORESDESINTERESSADOS

No processo de automação da produ-ção através da utilização da TI, as habili-dades necessárias para uma correta su-pervisão e uma rápida intervenção solici-tam cada vez mais o exercício da iniciati-va e da escolha. Este último requisitochoca-se, constantemente, com as limita-ções das ações impostas pela divisão dotrabalho e seus efeitos. Por exemplo, afalta de treinamento dos operários daprodução impede que eles enfrentem cer-tas panes. O escopo de suas iniciativasparece constantemente fixado, limitado ereduzido. Os mais envolvidos na produ-ção direta são os menos consultados, ex-cluídos do processo de tomada de deci-são. Como conseqüência, os trabalhado-res tomam-se apáticos, o que é reforçadopela falta de reconhecimento de suas in-dividualidades, de sua dignidade e desuas identidades como produtores 3. Istoé claramente revelado pela falta de con-trole sobre o tempo de trabalho nas no-vas LPIs. Nas linhas tradicionais (máqui-nas individuais e máquinas de transfe-rência com estoques intermediários), ostrabalhadores tinham um tempo determi-nado para organizar seu trabalho, cincominutos para cada hora trabalhada. Po-rém, com a LPI, esse tempo foi eliminadoporque a administração superior conside-rou já haver tempo suficiente para essa fi-nalidade durante as panes. Além disso,se forem consideradas as panes que ne-cessitam de carga e descarga de transpor-tadores, o nível e a intensidade do traba-lho - assim como a sua monotonia - sãomaiores que o usual. Ao parar de traba-lhar na LPI de caixas de câmbio, os ope-rários (100% de todos os trabalhadoresenvolvidos) solicitaram uma pausa de 15minutos por equipe, a ser adicionada aoperíodo de intervalo para as refeições.Desta forma, essas duas interrupções se-

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

riam concedidas conjuntamente. Umacordo conduziu a uma pausa de cincominutos do operário na linha, sem, con-tudo, permitir a parada da LPL Isto sig-nificou que, segundo o acordo estabeleci-do, ficaria garantido, como prioridade, ofuncionamento da LPI de caixas comdois trabalhadores multifuncionais deplantão.

A mobilização das iniciativase dos interesses profissionais dostrabalhadores depende claramente

da natureza e complexidadedas tarefas delee exigidas

e das habilidades colocadas, ''IIf

em prática na sua realização.Para obter a mdbilização requerida

pelas novas -instalações r

a administração contou coma multifuncíonalidade (polivalência)

e a responsabilidade de grupo.

o problema da perda de controle so-bre o tempo de trabalho é somente umexemplo específicoda falta de autonomiados trabalhadores que desempenham ta-refas sujeitas a uma série de restrições so-bre as quais têm pouca influência. Nestesentido, tem-se, aqui, um exemplo da for-ma clássica do trabalho industrial no sé-culo XX.Não é, portanto, surpreendenteque este trabalho monótono, maçante erepetitivo gere resistênciano trabalhador.Nos novos sistemas de produção basea-dos na TI, esta resistência ocorre em opo-sição total ao objetivo de utilização máxi-ma das instalações, dada a sua contradi-ção implícita, que nega a necessidade doenvolvimento humano, imprescindível àsua própria adoção. As novas linhas deprodução reduzem, ainda, a autonomia,o controle sobre o tempo de trabalho e orespeito pela contribuição dos trabalha-dores, separando-os das atividades prin-cipais de manutenção, planejamento econcepçãode renovações e mudanças nasinstalações. Para a administração supe-rior, o controle ou o desaparecimentodessa resistência é crucial para a opera-ção das novas instalações de funciona-

mento contínuo. Porém, esta resistência,em si, não pode ser entendida, simples-mente, como o único elemento integranteda consciência da classe trabalhadora.Não se pode desconsiderar outros aspec-tos, tais como a procura e o desejo deconquistar atividades de padrões maiselevados, a serem executadas dentro delimites específicosde tempo e de qualida-de (especialmente quando estes tenhamsido negociados). Este último aspecto po-deria ser chamado de consciênciaprofis-sional, em oposição à definição de resis-tência do trabalhador. Uma combinaçãocontraditória como esta é o produto deum certo consenso social, que constituiua base de apoio que viabilizou a indústriaautomobilística. De fato, a produção emmassa de um produto complexo requereste consenso social, onde cada grupoaceita - talvez com certa resignação - oseu lugar no processo produtivo.

Enquanto este frágil consenso perdu-ra, nenhum dia passa sem que os traba-lhadores deixem de se submeter às re-gras ou decisões da administração, emprol da melhoria da produção:" sem queprotestem sobre o desgaste causado peladebilidade organizacional que são impo-tentes para questionar, sem ficarem irri-tados com as decisões que os obrigam aaceitar um trabalho menos nobre compossibilidade de atingir cotas, ou semque solicitem explicações ao superiorhierárquico quando o trabalho de diver-sos dias é, ao final, rejeitado pelo contro-le de qualidade. Não se pode entendercomo uma fábrica pode funcionar semlevar em consideração a consciência pro-fissional do trabalhador, mais ou menosdesenvolvida em função dos trabalhosdesempenhados. A mobilização das ini-ciativas e dos interesses profissionais dostrabalhadores depende claramente danatureza e complexidade das tarefas de-les exigidas e das habilidades colocadasem prática na sua realização. Para obtera mobilização requerida pelas novas ins-talações, a administração contou com amultifuncionalidade (polivalência) e aresponsabilidade de grupo. Estes foram,também, os recursos utilizados para ata-car a resistência do trabalhador, outroelemento da consciência de classe que seapresenta em oposição polar à consciên-ciaprofissional.

4. WOOD. S. The trsostorme-tion of Work? Londres: UnwinHyman, 1989.

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i1~~COLABORAÇAO INTERNACIONAL

5. ZUBOF, S. In The Age of theSmart Machine. Nova Iorque:Basic Books., 1989.

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Esta resistência do trabalhador estáessencialmente ligada à persistência dadivisão do trabalho e à aplicação dosprincípios tayloristas de organização dotrabalho. O interesse pelo taylorismo,aqui, não se restringe à sistematizaçãoda separação entre concepção e execu-ção, mas também à sua procura porapreender, acumular e controlar a com-petência dos trabalhadores. Com basenesse entendimento, pode-se integrá-la àpróxima geração de máquinas automati-zadas, aumentando o capital fixo. Natu-ralmente, para manter-se competitivo, énecessário que o capital variável sejamenor, de forma a produzir a custosmais baixos (economias de tempo, mate-riais, instalações, lotes maiores etc.).

Nessa estratégia, a aplicação da TImultiplica as possibilidades de apropria-ção do saooir-faire dos trabalhadores e desua objetificação em máquinas com-putadorizadas, através de programas. Es-te princípio pode ser aplicado a uma linhade produção, a uma oficina e (por quenão?) a uma fábrica inteira. Daí a idéia deuma fábrica sem trabalhadores ou, numaformulação um pouco menos fantasiosa,de máquinas "inteligentes", que requeremtrabalho semi ou não qualificado para suaoperação. Contudo, os esforços empreen-didos no sentido de implantar máquinasCNC, linhas de produção robotizadas ouLPIs, com o objetivo de empregar exclusi-vamente trabalhadores OS não qualifica-dos, tiveram que ser, pouco a pouco,abandonados. Isto ocorre devido a um dosparadoxos fundamentais da computadori-zação da produção: as máquinas "inteli-gentes" requerem trabalhadores altamen-te qualificados. Isto parece corresponder àreversão de uma tendência histórica do-minante nos casos de automação e de au-mento do capital fixo, que favorece o tra-balho simples e exclui o mais complexo.

A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO -TI E A FRAGJlIDADE DOS SISTEMASDE PRODUÇÃO

O papel da TI no desenvolvimento demáquinas e operadores cresce intensa-mente: não apenas substituiu os sistemasmecânicos (por exemplo, os carnes) oueletromecânicos (os relés), como vai mui-to mais além, em razão de sua capacida-

de de memorizar e armazenar informa-ções." Os controladores programáveisgovernam todos os movimentos da peçade trabalho e dos cabeçotes da máquina,assim como as ligações entre as ferra-mentas das máquinas e os sistemas auto-máticos de controle. É difícil imaginar aquantidade de informações - e de grava-ções sobre articulações entre partes dosistema - requeridas por uma linha deprodução contínua. Além desses proble-mas, todas as formas de automação au-mentam o uso dos sistemas hidráulico,pneumático e mecânico, que, por sua vez,também aumentam a probabilidade deocorrência de panes e de paradas aleató-rias. Uma observação cuidadosa demons-tra que as novas tecnologias de produ-ção, ao demandarem altos padrões de de-sempenho desses sistemas, multiplicamas possibilidades de panes. Em resumo, aTI aumenta a fragilidade do processo deprodução. Neste processo, as habilidadeshumanas necessárias para enfrentar econtrolar problemas continuam a crescer.

Primeiramente, a sofisticação do siste-ma de informação exige o manuseio deum montante cada vez maior de informa-ções para o enfrentamento das panes, oque requer conhecimentos e habilidadese, acima de tudo, a manipulação de suacirculação e troca entre os trabalhadoresenvolvidos. Isto pode ser claramente ob-servado pela cooperação requerida du-rante o trabalho, entre operários e eletri-cistas, técnicos em eletrônica de manu-tenção, especialistas em hidráulica etc. Acontinuidade do processo de produção,característica da LPI, a computadorizaçãoe a necessidade de rápida intervençãotêm exigido mecanismos especiais para acirculação das informações. A colocaçãode um painel central suspenso na instala-ção da LPI objetivou permitir a localiza-ção, à distância, do setor em pane e, espe-cialmente, a identificação do ciclo do sis-tema responsável pela origem do proble-ma. Também um sistema walky-talky seriamontado para acelerar a chegada dosgrupos especializados em panes. Tudo is-to realça a importância estratégica da in-formação funcional entre os trabalhado-res nas instalações computadorizadas.

O papel da informação na administra-ção das panes suscita outro ponto. O in-gresso e a troca de quantidades crescen-

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

tes de informação de diferentes tipos ten-de a gerar uma habilidade coletiva cres-cente entre os operadores e os operáriosque atuam nas panes. Isto ocorre, porexemplo, quando paradas consecutivaspromovem problemas diferenciados. Emrazão desse fato, não se pode continuar apensar em termos de habilidades indivi-duais, e nem o treinamento deve ser con-cebido em termos de conhecimento indi-vidual. As habilidades coletivas das equi-pes de trabalho devem ser reconhecidas,e o treinamento deve ser considerado emtermos de metas grupais e não indivi-duais." Quando se verifica a necessidadede modificações, esta tendência tambémcria a possibilidade de cooperação entreoperadores e especialistas de manuten-ção (técnicos mecânicos, eletrônicos, hi-dráulicos etc.) envolvendo, inclusive, ostécnicos da engenharia de produção. Deacordo com o tipo de organização, estacooperação pode ocorrer de duas formasbem distintas: ela pode acontecer de ummodo quase igualitário, se os operadoresforem altamente qualificados, ou podeser rigidamente hierarquizada, no casode uma austera divisão de trabalho e deuma organização fortemente estratifica-da, como se verifica atualmente. Nestaúltima instância, as discussões entre osoperadores e o staff que atua nas panes(durante o diagnóstico dos problemas)ou entre os operadores e os engenheiros(antes das modificações do sistema) pare-cem constituir uma apropriação recentedo saooir-faire dos operadores, anterior àsua nova objetivação, pelos especialistas.É compreensível que através desta falsacooperação estratificada, o trabalhadordireto esteja relutante em divulgar seuconhecimento e experiência.

USINAGEM FORDlSTA

Como já foi descrito, as LPls utilizamtécnicas complexas para manter a produ-ção contínua. De certo modo, elas repre-sentam a sistematização e o desenvolvi-mento lógico da tecnologia das linhas deprodução, agregando duas novas caracte-rísticas: um grande aumento do investi-mento de capital e, acima de tudo, o au-mento dos níveis de produção das má-quinas (170 peças de trabalho por hora,comparadas com uma média mais antiga

de 100) para trabalho contínuo. É em re-lação a esses fatores que se poderia falarde um sistema de usinagem "fordista",baseado na integração da linha de produ-ção. A utilização do termo "fordista" re-fere-se, aqui, à utilização de um transpor-tador para mover a peça de trabalho deum ponto para outro; aquilo que no pas-sado era executado por uma estação detrabalho é hoje desempenhado por umamáquina. Em ambos os casos, a essência

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do processo fundamenta-se no movimen-to contínuo da peça de trabalho, que su-bordinará o trabalhador à produção, pri-vando-o de toda a autonomia, caso a or-ganização do trabalho não possa atenuaressa situação.

Os conceitos de produção sem paradase de trabalho concentrado nas máquinas- e não nos produtos - definem as indús-trias de processo contínuo. A TI transfor-mará as indústrias tradicionais nesta di-reção. Mas não se deve esquecer a natu-reza variada dos produtos. Na indústriaautomobilística, a independência e a sin-gularidade de muitas partes diferencia-das são fontes de muitos problemas daprodução: dificuldades de manuseio emovimentação de peças de trabalho,dissirnilaridade de partes pertencendo àsmesmas séries que deveriam ser padroni-zadas, sem mencionar as complicaçõesda montagem. É extremamente interes-sante ver este "fordismo" invadindo ausinagem, justamente num momento emque existe uma tentativa de eliminar as li-nhas das oficinas de montagem. A pro-

6. CAVESTRa, W. Les M.a.C.N.dans les P.M.E. sociotoçie duTravail,4, 1984.

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jJ~tJCOLABORAÇÃO INTERNACIONAL

dução continua fixa e acorrenta o traba-lhador às instalações, especialmente du-rante as fases de implantação e deescalada à produção otimizada, o que fre-qüentemente se arrasta por anos, exce-dendo os doze meses normalmente pla-nejados. Nesta fábrica, por mais de doisanos após o início da produção com asnovas instalações, os operadores terãoque assumir um trabalho alienante e in-satisfatório, composto por tarefas repeti-tivas e monótonas.

SElEÇÃO E TREINAMENTO DE OPERADORES

Além da dimensão organizacional, aanálise das condições de trabalho na LPIdurante a fase de implantação permite acompreensão de duas importantes ques-tões, que concernem às tarefas dos ope-radores e às habilidades requeridas parao seu desempenho. De um lado, verifica-se uma certa deterioração nas condiçõesde trabalho, em comparação às linhastradicionais. Por exemplo, as freqüentescargas e descargas, assim como osreposicionamentos das peças de traba-lho, elevam o índice do fluxo de traba-lho, conforme já exposto. Esta é, explici-tamente, uma face "fordista" da LPI, queimplica a redução da autonomia do tra-balhador. Por outro lado, estas tarefasexigem o uso de raciocínio (com o auxí-lio de um sistema de assistência à produ-ção) e de abstração (pensamento em ter-mos da causalidade e das inter-relaçõesdas dificuldades da produção: uma para-da cuja causa é registrada em uma zonapode perfeitamente ter sido originadaem outra). Este é o resultado do uso daTI como instrumento para aumentar odesempenho das instalações.

Considerando esta natureza bipolardos trabalhos da LPI, os operários dossetores tradicionais reagiram com algu-ma inércia e resistência quando defron-tados com a possibilidade de elevaçãodo fluxo de trabalho na oficina BVX. Si-milarmente, não foi fácil conseguir adap-tá-los aos novos sistemas de controle ediagnóstico através da utilização de sim-ples seções de treinamento em serviço.Para enfrentar esta situação, a adminis-tração recrutou trabalhadores jovens ecom capacidade de responder às exigên-cias de uma linha de produção de alta

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tecnologia (metade deles com qualifica-ção CAP ou BEP). Destituídos de um his-tórico anterior de prestação de serviços,eles aceitaram estas condições piores detrabalho. Mas a questão é a seguinte: atéquando eles continuarão a aceitar estascondições de trabalho "fordistas", consi-derando-se tanto a sua juventude quantoo fato de alguns deles possuírem o grautécnico? Em pesquisa realizada com 62operários, aqueles com qualificações es-tão entre a maioria. Muitos possuem só-lidas qualificações técnicas, e 70% tem

Nas montadoras robotizadas

de chassis, 0$ especialistas

em eletrônica, e:em tecnologias

da informação são integrados

nas equipes de produção.

menos de 25 anos. Suas aspirações e in-satisfações apareceram claramente napesquisa: o descontentamento decorren-te da pesada carga de trabalho causadapelos altos índices de intervenção neces-sários, pelas freqüentes operações de car-ga e descarga e pela falta de funcioná-rios. Alguns estão tambem insatisfeitoscom a chefia e com a precariedade desua coordenação. Entre os 30 operáriosqualificados, 12 expressaram o desejo deencontrar um emprego condizente com oseu nível de treinamento e habilitação.Um deles (um torneiro CAP) queria pro-gredir através de treinamento profissio-nal em serviço. Outro queria "trabalharem diversos empregos para progredir",enquanto permanecia na usinagem tradi-cional. Um terceiro queria juntar-se àsequipes de manutenção. Entre 22 semqualificação formal, 7 queriam treina-mento com dupla finalidade: desenvolvi-mento pessoal e promoção. Diversas ve-zes o problema emergia dos baixos ní-

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

veis de avaliação dados no recrutamen-to, do lento processo de promoção e dosbaixos salários correspondentes.

De um modo geral, qualquer iniciati-va de promoção, desenvolvimento decarreira ou enriquecimento de funçãoque os operadores possam vir a obter deum trabalho mais especializado nas ins-talações é impedida pela divisão do tra-balho. O departamento de manutençãomonopoliza esta competência. Deve-se,também, acrescentar, que neste últimodepartamento os trabalhadores não estãototalmente contentes com a organizaçãodo trabalho, porque as tarefas são dividi-das com os empregados de uma subcon-tratada que têm responsabilidade pelotrabalho mais crucial e interessante, en-volvendo tecnologias eletrônicas e de in-formação. No total, quatro grandes sub-contratadas têm trabalhado diretamentena fábrica. Seus empregados (entre 150e170) participaram do processo de im-plantação das novas instalações, repre-sentando 20% da força de trabalho dodepartamento de manutenção. A sua po-sição de importância numérica e estraté-gica deve-se a um conjunto de fatores di-fíceis de serem avaliados, ligados a rela-ções de poder entre a administração, amanutenção e os trabalhadores fabris.Na verdade, os sindicatos, e a CGT emparticular, apoiados principalmente pe-los trabalhadores especializados da ma-nutenção, têm sempre feito acordos so-bre trabalho contínuo, noturno e nos finsde semana, em troca da redução das ho-ras de trabalho e do recrutamento de tra-balhadores para contratos permanentes.Adotando uma visão oposta aos sindica-tos, a administração tem procurado evi-tar o poder do pessoal da manutenção.Com esta finalidade, utiliza subcontrata-das para executar o trabalho de manu-tenção das áreas-chave da LPI.

Portanto, o contrato entre a compa-nhia e a subcontratada especifica de for-ma cuidadosa e precisa a intervenção ne-cessária nos casos de panes. De forma se-melhante, os acertos feitos pelas subcon-tratadas com os seus próprios trabalha-dores são igualmente rigorosos: não háhoras fixadas, não há garantia de empre-go ou sindicalização e todas as recusasem aceitar a regra de total disponibilida-de são punidas com transferência para

outra parte do país ... ou demissão. A in-certeza no emprego e a necessária docili-dade de um lado, o trabalho garantido ea sindicalização de outro; juntos, esteselementos conduzem a uma dissociaçãoe externalização da manutenção, assimcomo mantém a lógica da eficiência dafirma. 7

Consciente ou não, planejada ou não,esta dissociação completa a divisão dotrabalho entre os jovens operários quali-ficados e destituídos de autonomia epoder decisório que atuam nas equipesfragmentadas de manutenção e na enge-nharia de produção. O conceito de LPI,com as suas exigências de multifuncio-nalidade e de trabalho em grupo, a des-peito dos limites já mencionados, repre-senta, contudo, o primeiro impulso nosentido da extinção da divisão tradicio-nal de trabalho. Sua importância e sig-nificado no contexto da evolução da or-ganização do trabalho será abordada aseguir.

USINAGEM CONTíNUA E NOVASHABILIDADES

A organização do trabalho na LPI,conforme já definida, corresponde a umadupla necessidade: há, primeiro, os im-perativos tecnológicos, que são de fatomeras conveniências advindas do usosocial da tecnologia, no intento de mini-mizar a ocorrência de paradas nas má-quinas. Ao mesmo tempo, a redução doscustos do trabalho tomou possível, pelaautomação dos processos manufaturei-ros, a eliminação dos postos fixos de tra-balho, em função da noção de grupo deintervenção ao longo de toda a linha deprodução. Isto naturalmente requer co-nhecimentos e habilidades mais amplas,além do enriquecimento das tarefas tra-dicionalmente atribuídas aos trabalhado-res OS não qualificados, 8 um cisma nodomínio do trabalho não qualificado. Ouso otimizado das instalações requer umaumento das habilidades para acentuar amotivação do trabalhador e impedir a re-produção dos antigos conflitos entreoperários OS não qualificados e ajusta-dores de máquinas. Neste aspecto, a or-ganização do trabalho na LPI representauma progressão: desde que possuammaior qualificação, os operários assu-

7. KERN, H., SCHUMANN, M.La Fin de la Division du TravamParis: Editions de la Maison desSciences de I'Homme, 1989.

8. GORZ, A. Métamorphoses duTravail. Quête du Sens, Paris:Galilée, 1988.

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jJ!JIJ COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

mem cada vez mais responsabilidadesde supervisão, controle, ajustes ou sim-ples manutenção, deixando de atuar naprópria peça de trabalho para trabalharnas máquinas, exceçãofeita às atividadesde carga e descarga, realizadas duranteas panes.

A AMBIGÜIDADE DA ORGANIZAÇÃO DOTRABALHO NA LPI

Existe, ou parece existir, uma ambi-güidade no âmago da organização daLPI, caracterizada pelos seguintes as-pectos:

o ueo otimizado da TI na

indústria auiomooiiistica,

eniroú enM:pnjlito com4 *"dois asper:tds~?!,.a:.órganização

do trabalho: a ãi'vÍsão entre;p ',. .

concepção B execução e

o parcelamento. de tarefas.

1. a LPI envolve um enriquecimento detarefas que se realiza de duas formas.A primeira ocorre pela multiplicaçãodo número das atividades desempe-nhadas nas diversas máquinas (enri-quecimento horizontal do trabalho). Asegunda, pelo aumento e diversifica-ção das iniciativas e atividades dosoperários, em relação às competênciastradicionais do trabalhador OS nãoqualificado, que, além de carregar edescarregar máquinas, desenvolviaapenas operações simples (controles etroca de ferramentas, sob orientaçãodo ajustador de máquinas);

2. a LPI aumenta a tensão psicológicado trabalho dos operários (supervi-são, detecção de ruídos irregulares epanes); às vezes, intensifica seu iso-lamento (nas máquinas, em linhasextensas, durante a dispersão de gru-

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pos e sincronização de pausas) e,com muita freqüência, eleva a cargade trabalho físico, devido à varieda-de das intervenções requeridas. Otrabalho na linha ainda multiplica a"cadeia de reações" das falhas a se-rem controladas. Além disto, a movi-mentação ao longo das linhas, pelaspassarelas, constitui um novo ele-mento de fadiga que, no entanto, di-fere dos tradicionais, que envolviam,entre outros, o transporte de cargaspesadas;

3. a LPInão promove um aprofundamen-to das habilidades, já que a manuten-çãoprincipal é efetuada por um depar-tamento especial. Esta divisão entreprodução, manutenção e engenhariagera um alto custo, devido, em parte,aos longos períodos de parada da li-nha, quando os especialistas damanutenção devem intervir (tendo emvista o movi-mento físicomas tambémpela inércia burocrática, causada pelaseparação dos departamentos), e emparte, ao trabalho rejeitado em razãode erros de ajustamento de ferramen-tas;

4. estas questões representam, apenas,uma pequena exposição dos proble-mas dos trabalhadores da produção,uma vez que o patamar mais elevadode classificação- P3F- não é utilizadoe a escala de trabalhadores habilitadosem usinagem não conduz ao grau detécnico de oficina.

Assim, a organização do trabalho per-manece confinada dentro de uma divi-são de trabalho herdada do estágio demecanização mais primitivo. A despeitodas exigências sócio-técnicas inerentesao uso da TI e da necessidade de finali-zar a crise do trabalho fabril não qualifi-cado, a organização do trabalho na LPI,malgrado todos os seus avanços, encai-xa-se perfeitamente nos padrões da or-ganização científica do trabalho fabrilpraticada desde os primórdios deste sé-culo.

A situação não é exatamente a mesmaem todas as fábricas do grupo automobi-lístico. Por exemplo, nas montadoras ro-botizadas de chassis, os especialistas emeletrônica e em tecnologias da informa-ção são integrados nas equipes de pro-

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

dução. De acordo com a alta administra-ção, isto ocorre devido à necessidade fre-qüente de sua intervenção técnica espe-cializada, que deve ser providenciadaimediatamente para que a linha de robôsnão sofra interrupções por um períodomuito longo. Na usinagem, o mesmoproblema é resolvido de forma diferente.De um lado, os trabalhadores qualifica-dos da manutenção, pertencentes a umsetor de usinagem extremamente sindi-calizado - em contraste com os técnicosda fábrica de chassis, pouco sindicaliza-dos -, são radicalmente contrários ao quedenominam de queda das funções deprodução. Em contrapartida, na indús-tria automobilística em geral, todos con-cordam que há diferenças culturais im-portantes entre as funções de fabricaçãoe montagem de automóveis e de enge-nharia mecânica, sendo esta última natu-ralmente mais lenta. A administração pa-rece ter uma concepção tradicional daoperação das instalações. Ligada direta-mente ao passado, a administração ba-seia-se na época em que os operadoresrecorriam aos adaptadores de máquinaspara resolver problemas. Hoje, o mesmoesquema de organização é reproduzido,com operadores de máquinas dotados deresponsabilidade para efetuar interven-ções mínimas, devendo recorrer a espe-cialistas quando necessário. Portanto, deacordo com a administração, as linhasnão necessitam simplesmente de um tipode especialista, mas de diversos, o quejustifica o uso de generalistas, cuja prin-cipal função é a de atender imediatamen-te às solicitações de sua área de compe-tência.

O que se deve enfatizar, aqui, é a re-cusa da alta administração em equiparas linhas de usinagem com operadoresaltamente qualificados e treinados emdiversas disciplinas técnicas, que te-nham ascendido profissionalmenteatravés de vários postos de trabalho.Esta recusa baseia-se na procura de eco-nomias no trabalho direto (os operado-res treinados seriam pagos de acordocom uma classi-ficação mais alta), queexigem um sistema de contabilidade fa-bril pouco adequado às novas condi-ções da produção, dado o elevado volu-me de investimento de capital fixo re-querido.

QUAIS SÃO AS NOVAS FORMAS DECONHECIMENTO E HABILIDADESPROFISSIONAIS?

A automação de máquinas e de siste-mas manufatureíros fez com que muitastarefas desenvolvidas anteriormente pe-los trabalhadores passassem a ser feitasautomaticamente. Será que este fato nãoimplica uma diminuição da utilizaçãodas habilidades dos trabalhadores e, porconseqüência, urna desqualificação? Naverdade, esta questão deve ser abordada

pm 'treinamento poderia produzirequipes de operadores-produtoresvérdaéi.eiramente mu1tifuncionais,

""i l'

especializados em panes,b que car,ac.teriiària uma duplaprofissí'té}quéop; d~erenciariada cl1treÜapoZiyalência atual

e resolveria o duploproblema de especialização

técnica e maximização-.de seu comprometimento ."

em dois níveis: quais são as tarefas técni-cas necessárias para manter as instala-ções em funcionamento e quem irá de-sempenhá -Ias?

Primeiramente, a objetificação dasantigas habilidades (savoir-faire) pela tec-nologia de informação impede o acessodireto do operador às informações queele costumava dominar durante as eta-pas de usinagem e manuseio. Realmente,não é mais ele quem dirige a operação damáquina. Ao contrário, é a máquina quegoverna o seu próprio trabalho. As infor-mações sobre ferramentas ou peças detrabalho, que ele costumava conseguirdiretamente, não podem mais ser obti-das - elas serão sempre mediadas pelasmáquinas e sistemas de informação. Asinstalações automáticas são verdadeiras"caixas pretas" que se interpõem entreos operadores e o produto, as ferramen-tas e as partes das máquinas. É claro queas informações disponíveis sobre as ope-

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~~~ COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

9. IECI Développement.lmpactsOrganisationnels et Sociaux desAutomatismes au Centre dePeugeot-Mulhouse. Estrasbur-gO,1987.

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rações são sempre cifradas, e que um en-tendimento claro das informações vitais- necessárias para as decisões sobre in-tervenções, panes etc. - fornecidas pela"caixa preta" pressupõe uma decodifica-ção prévia. Pode-se entender, aqui, umpouco da síntese que o operador deveefetuar entre as formas mais antigas decompetência, aprendidas no colégio ouno emprego, e a decodificação, a fim detrabalhar adequadamente. A mediaçãoda informação pela máquina e a impossi-bilidade de acesso direto a ela invalidama sua habilidade de antecipar problemasde forma direta. No passado, a deteriora-ção de uma ferramenta de corte era de-tectada pelo seu barulho característico,por sua forma ou pela cor da limadura. Éverdade que a substituição preventivade ferramentas objetiva eliminar a neces-sidade desse conhecimento. Apesar dis-so, algumas ferramentas quebram antesdo fim de seu período planejado de vidaútil. Num outro nível, a automação deuma operação raramente é total e rara-mente as partes individuais de uma ope-ração são efetuadas de acordo com asnormas estabelecidas. Analisando-se sobuma ótica ligeiramente diferente, a inte-gração da automação ainda não ocorreucabalmente e a automação total continuasendo uma ilusão tecnicista. Os sistemasde realimentação automatizados, volta-dos para a correção de erros e falhas, têmapresentado anomalias e deficiências im-previstas. Poder-se-ia afirmar que a au-tomação é uma tendência, e que tecnica-mente sempre existirá um "resíduo" quedeixa um espaço para a intervenção hu-mana.

Embora a automação substituatrabalho morto por trabalho vivo, elanão consegue, contudo, fazer com que asprimeiras desapa-reçam totalmente: a in-tervenção humana desloca-se das opera-ções executadas nos materiais para asatividades realizadas pelas máquinas,que apresentam aspectos não controlá-veis. Nesse sentido, verifica-se um deslo-camento do conhecimento requerido,que ocorre em dois níveis: na reparaçãodas panes e na modificação preventivadas instalações. Se, durante a usinagem,o operador perde o contato direto com asferramentas ou materiais, ele, não obs-tante, mantém esse contato durante as

paradas ou controles, que geralmenteocorrem após essa etapa produtiva. Oselevados custos de utilização de sensorescapazes de acessar todas as superfíciestornam necessária a realização do con-trole visual humano, geralmente poramostragem ou, às vezes, pela observa-ção de peças de trabalho durante as pa-radas. Embora possua o objetivo explíci-to de rejeitar as peças de baixa qualida-de, esse controle atua, também, no senti-do de determinar a taxa de deterioriza-ção ou desalinhamento de uma ferra-menta. Deste modo, ao fornecer insumospara um processo de diagnóstico, essecontrole pode conduzir a uma interven-ção preventiva, evitando, assim, a rejei-ção dos trabalhos produzidos.

Existe, portanto, certa distância entreo trabalho prescrito para os operadores eo trabalho real que eles realizam. Sua su-pervisão e intervenção envolvem umahabilidade (savoir-faire) que, embora nãoexigida formalmente, é, contudo, vitalpara o funcionamento adequado das ins-talações. Embora a automação tenda areduzir a intervenção humana, esta, en-tretanto, parece tornar-se cada vez maissutil, exigindo vasta experiência, em ter-mos qualitativos, da parte do operador.Apesar de aparentemente paradoxal, es-ta situação pode ser melhor entendidapela compreensão da natureza residualda intervenção humana, confrontadacom o avanço incessante da alta precisãoe do cálculo incorporados pela TI e pelaautomação.

Portanto, "se as formas de conhecimentonecessárias para as linhas automatizadasafastam-se cada vez mais das habilidades bá-sicas e fundamentais - incorporadas, atual-mente, pelas máquinas - outras formas desavoir-faire aparecem". 9 Essas novas mo-dalidades exigem um nível mínimo dehabilidades e uma forte capacidade indi-vidual de desenvolvimento e adaptação,pedra angular para o realinhamento deespecialidades requerido pelas novasocupações de alto nível demultiqualificação.

PROPOSTAS PARA A REDEFINIÇÃODO TRABALHO

O uso otimizado da TI na indústriaautomobilística entrou em conflito com

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

dois aspectos da organização do traba-lho: a divisão entre concepção e execu-ção e o parcelamento de tarefas. Além deimpor a cooperação entre os trabalhado-res, a tecnologia da informação exige queeles se comprometam com suas ativida-des. Observe-se que essas solicitações es-tão ocorrendo num tempo de crise dopróprio trabalho industrial, que está sen-do criticado precisamente em função dotaylorismo e do fordismo. Esta crise po-de ser superada, assim como a coopera-ção tem condições de ser obtida de dife-rentes formas. Na França e em outrospaíses ocidentais, um novo movimentodefende a administração participativa e aconsulta aos trabalhadores. Freqüente-mente formal, envolvendo círculos decontrole de qualidade e grupos de ex-pressão, esse movimento objetiva obter ocomprometimento dos trabalhadorescom os objetivos da organização. Porém,isto não é suficiente para criar as condi-ções adequadas ao uso otimizado da tec-nologia de informação, que pressupõemo combate ostensivo à divisão do traba-lho. Mas, esta proposta seria razoável?

Numa primeira fase de mudança, estaproposta parece apropriada para con-seguir que os operadores realizem ativi-dades tanto de produção quanto de ma-nutenção, através da implantação deequipes especializadas nas panes da usi-nagem. Isto não é, de forma alguma, utó-pico. A polivalência é o reconhecimentodesta necessidade, interpretada, entre-tanto, de forma extremamente limitada,com o intuito de não desestabilizar a or-ganização da produção. Além do mais,constata-se a existência de um potencialpara formar estas novas equipes na ofici-na estudada, particularmente entre osnovos recrutas com qualificação técnicade nível CAP, BEP e BEPC. O mesmoocorre entre os trabalhadores dos setorestradicionais. Finalmente, as exigênciasde qualificação originadas pela LPI - cu-jos operadores executavam tarefas que,embora não solicitadas oficialmente,eram cruciais para limitar as paradas nainstalação - são provas adicionais dessepotencial. Um treinamento profissionalprofundo poderia capacitar os trabalha-dores da produção a intervir adequada-mente nos processos, após um períodode especializaçãonum grupo de trabalho

responsável por panes complexas de na-tureza mecânica, hidráulica, elétrica, ele-trônica e informática (neste caso, traba-lhando, talvez, na modificação de pro-gramas, sob orientação técnica).A inicia-tiva de constituição dessas equipes é

Este plano de habilitação global -através de uma investida de

treinamento em serviço da base-constitui o pri1neírt:rpasso em direçãoà organização hOirlzont{;j,1 e modular, "do futuro. ,Ao. me,sf1.w tempo em que

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no emprego.

considerada utópica pelos trabalhadoresda fábrica, que demonstram apatia. Nosescritórios, é vista como revolucionária,em razão da aceitação de modelos de or-ganização do trabalho utilizados há qua-se um século. Entretanto, um treinamen-to poderia produzir equipes de operado-res-produtores verdadeiramente multi-funcionais, especializados em panes, oque caracterizaria uma dupla profissãoque os diferenciaria da estreita poliva-lência atual e resolveria o duplo proble-ma de especialização técnica e maxirni-zação de seu comprometimento. Seriaimportante que esta proposta fosse reco-nhecida formalmente, como um plano decarreira oficial dotado de um sistema degraduação transparente, sem as limita-ções artificiais existentes.

Finalmente, para que seja viável, estaproposta teria que ser compatibilizadacom a situação do pessoal da manuten-ção. Seria importante evitar que a trans-formação do trabalho das equipes deprodução se faça através da incorpora-ção de tarefas de manutenção que au-mentem sua responsabilidade somente

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i1~l2COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

10. LASFARGUES, Y.Technojo-lies-Tecnofolies, Paris: Les Edi·tions d'Organisation, 1988.

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em relação a uma ou duas máquinas, emoficinas específicas, o que poderia des-qualificá-los. Situações como esta já exis-tem na indústria automobilística. Aocontrário, um treinamento profundo -envolvendo, particularmente, os fornece-dores de TI - poderia capacitá-los a lidarde forma efetiva com as panes mais com-plexas. Acima de tudo, uma parte impor-tante do seu tempo deveria ser gasta par-ticipando nas análises das mudanças emelhorias nas instalações e na projeçãode novas. Propõe-se, desta forma, a uni-ficação das funções de manutenção dealto nível com as de análise e design, im-plantação de modificações e montagemde instalações. Esta proposta está, inclu-sive, de acordo com as reivindicaçõesdos sindicatos trabalhistas, que visam àimplantação de dois centros de pesquisanesta fábrica, sendo um voltado paraprodutos e outro para processos. Taisreivindicações intencionam alcançar doisobjetivos: o primeiro pretende umamaior autonomia da manutenção em re-lação ao escritório central, de modo aevitar paradas longas; o segundo almejadisseminar uma teoria e prática de habi-litação, mediante estreitamento dos con-tatos entre engenheiros, técnicos, pessoalde manutenção e operadores.

Este plano de habilitação global- atra-vés de uma investida de treinamento emserviço da base - constitui o primeiropasso em direção à organização horizon-tal e modular do futuro. Ao mesmo tem-po em que preserva a hierarquia das fun-ções de produção e de análise e design,respeitando a situação existente, esseplano rejeita a estagnação no emprego.Porém, a hierarquia é reduzida, o quenos parece indispensável, através dacooperação horizontal que se estabeleceentre os "operadores-trabalhadores daspanes" e os engenheiros de produção,nas atividades de modificação de siste-mas e de implantação de novos. Tal coo-peração já existe,mas em um nível muitobaixo. A intenção aqui é fazer com que atotalidade dos operários participe daanálise, através do desenvolvimento dos"trabalhadores das panes" e do staff es-pecializado em panes. Neste caso, serianecessário entender o treinamento comouma atividade contínua, ou seja, comoum programa amplo, abordando a infor-

mação nos novos processos de produ-ção 10 e o mercado fornecedor de novosequipamentos industriais, que é apoiadopor uma estreita cooperação entre a fá-brica e seus fornecedores.

A realização destas mudanças apre-senta como pré-requisito a promoção si-multânea de debates e discussões, nas fá-bricas, sobre os custos de produção en-volvidos, bem como sobre os métodos etécnicas necessários à sua implantação.As tentativas empreendidas no sentidode elevar o grau de conscientização dosoperadores a respeito dos custos das fer-ramentas e peças de trabalho, durante o

Compete a uma organizaçãofleXível e adaptável captar, processar eanalisar essas informações, devendo,

para tanto p possuir um quadro depessoal adequadamente treinado e

recorrer ao usa da TI,quandonecessário. Sem.àcriaiitndade

humana, as tectzol:ogi.aspodem tãosomente propiciar Uma reação pifiafrente.a uma situação de mercadocomplexa, influenciada por fatoreseconõrnicoe, iécnicos e culturais.

treinamento em serviço, demonstram anecessidade de expandi-las para o nívelda produção e prenunciam sua impor-tância nos próximos anos. A fragilidadedos sistemas de produção baseados na TIe a importância da circulação da infor-mação estão estreitamente vinculadas aessa questão. Finalmente, o debate sobrecustos exercerá uma importante funçãode conexão horizontal entre os "trabalha-dores das panes" e os analistas e enge-nheiros de produção.

A TI É REVOLUCIONÁRIA?

Os resultados deste trabalho empíricodemonstram claramente que não há de-terminismo tecnológico. Embora o dis-curso dominante dos anos 80fizesse estaafirmação, aceitavam-se, também, outras

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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O LEGADO DO TAYLORISMO NA FRANÇA

formulações, tais como: "a TI exige umanova forma de organização", ou "a TIdemanda maior competência; portanto,deve-se acabar com o recrutamento detrabalhadores abaixo do nível secundá-rio (Baccalaureat)", "a TI tem múltiplosefeitos sociais" etc. A conclusão é clara:a TI pode muito bem ser adaptada ouacomodada à tradicional organizaçãotaylorista do trabalho. É necessário, tam-bém, que se enfrente a questão relativaàs causas reais das alterações secundá-rias que acompanham o uso da TI: elasnão poderiam advir de uma tentativa deeliminação do trabalho não qualificadodos trabalhadores de nível OS, ao invésde decorrerem de uma adaptação às no-vas tecnologias? Isto pode ser levadomais adiante: as alterações na organiza-ção do trabalho e nos crescentes níveisde qualificação não poderiam ser conse-qüência da desordenação provocada pe-la inovação, pela novidade? Será que to-das as tentativas de desenvolvimento denovas concepções de organização do tra-balho não serão abandonadas quando aTI for bem controlada e mais desenvol-vida? Existe uma aproximação especialentre o taylorismo e o uso da TI, no sen-tido em que ambos objetificam e acumu-lam o conhecimento, as habilidades(savoir-faire) e a informação, em benefí-cio da administração. Se isto tem co-nexão direta com a separação entre ostrabalhadores e os meios de produção -o que nenhum sistema social no mundoconseguiu eliminar -, é difícil entenderpor que o taylorismo seria abandonado.

Este problema pode, também, serabordado sob um ângulo diferente:existe uma coerência entre a TI e a orga-nização do trabalho e habilidades? De-ve-se ter cautela, nesta matéria, paranão se reintroduzir uma forma sutil dedeterminismo tecnológico. O que se po-de afirmar é que, hoje em dia, o atualnível tecnológico de aplicação da TI, osbaixos níveis de qualificação do pessoale a organização de trabalho fortementetaylorista conduzem a uma subutiliza-ção das potencialidades dos trabalhado-res." Porém, nada sugere que esta si-tuação deva permanecer; os sistemas in-teligentes poderão, perfeitamente, con-duzir a uma polarização ainda maiordas habilidades.

O que precisa ser dito a respeito daquestão da coerência entre a TI e a orga-nização do trabalho é que existem duasformas complementares de lidar com oambiente incerto da firma. As incertezaspercebidas são internalizadas pela firmacomo entradas (inputs) de informação.Compete a uma organização flexível eadaptável captar, processar e analisar es-sas informações, devendo, para tanto,possuir um quadro de pessoal adequa-damente treinado e recorrer ao uso daTI, quando necessário. Sem a criativida-de humana, as tecnologias podem tão so-mente propiciar uma reação pífia frentea uma situação de mercado complexa,influenciada por fatores econômicos, téc-nicos e culturais. A necessária coerência,portanto, não deve se estabelecer entre aTI e a organização, mas na relação entrecada uma destas e o ambiente externo(que é incerto) da firma.

Então, o que dizer das pessoas e deseu trabalho, neste novo pacto tecnológi-co?Não será nunca suficiente repetir quea TI é apenas um sistema de tecnologiasque não pode produzir uma revoluçãosocial. Em outras palavras, a TI não podesuperar a alienação do trabalhador. 12 En-tretanto, a TI apresenta características es-pecíficas que, quando utilizadas cuida-dosamente pela sociedade, podem modi-ficar as condições sociais do trabalho.Em razão disto, o trabalho pode tornar-se mais desafiador e interessante, desdeque a organização do trabalho e a formada empresa o permitam (o que demons-tra o grau de importância desses condi-cionantes). Esta possibilidade já foi ex-plorada em muitos casos de gerência mé-dia, assim como no setor terciário. Istoexplica porque a TI pode contribuir paraum renascimento no mundo do trabalho,desde que se tome a devida cautela;"Ressalte-se, mais uma vez, a sua incapa-cidade de solucionar todos os proble-mas, tais como o de repartir os frutos dotrabalho ou o de otimizar a produtivida-de. Mas, por sua natureza, a tecnologiada informação amplia a gama de opçõesorganizacionais, podendo contribuir pa-ra um rompimento radical com o passa-do, de modo a aumentar as possibilida-des de autonomia e criatividade no tra-balho fabril, e - por que não? -, dar-lheum maior significado humano. O

Artigo recebido pela Redação da RAE em agosto/92, aprovado para publicação em setembro/92.

11. JACOT, J.H., LAJOINIE, G.Taylorisme dans les P.M.I. etAutomatisation de Production etde Gestion, Lião-Paris: ECT-ODS Consultant, 1986.

12. GORZ, A. Op. cit. NAVILLE,P. Vers I'Automatisme Social?Paris: Gallimard, 1963.

13. BERRY, M. Pour uneAutomatisation Raisonnable deI'lndustrie. Annalles des Mines.Edição especial, jan. 1988.

AgradecimentosEu gostaria de agradecer a AlanJenkins pela tradução deste ar-tigo e por sua paciência no tra-tamento dos detalhes concei-tuais.

*Artigo publicado originalmentesob o título Information Tech-nology and The Legacy of Tay-lorism in France, pela Wark,Employment & Society, v. 4, n.3, p. 407-27, Set. 1990.

Tradução do inglês de MariaInês Barreto, Mestre em Admi-nistração pela FGVe Técnica daFUNDAP, revista por José LuizCeleste, Professor Assistentedo Departamento de Informáticae Métodos Quantitativos daEAESP/FGV.

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