joão (barclay)

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5/25/2018 Joo(Barclay)-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/joao-barclay 1/583 JOÃO ÍNDICE J OH N WILLIAM BARCLAY Título original em inglês: The Gospel of John  Tradução: Carlos Biagini O NOVO TESTAMENTO Comentado por William Barclay … Introduz e interpreta a totalidade dos livros do NOVO TESTAMENTO. Desde Mateus até o Apocalipse William Barcla explica, relaciona, dá exemplos, ilustra e aplica cada passagem, send sempre fiel e claro, singelo e profundo. Temos nesta série, por fim, um instrumento ideal para todos aqueles que desejem conhecer melhor a Escrituras. O respeito do autor para a Revelação Bíblica, sua sólid fundamentação, na doutrina tradicional e sempre nova da igreja, su incrível capacidade para aplicar ao dia de hoje a mensagem, fazem qu esta coleção ofereça a todos como uma magnífica promessa. PARA QUE CONHEÇAMOS MELHOR A CRISTO O AMEMOS COM AMOR MAIS VERDADEIRO E O SIGAMOS COM MAIOR EMPENHO

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    JOO

    NDICE

    JOHN

    WILLIAM BARCLAYTtulo original emingls:

    The Gospel of John

    Traduo: Carlos Biagini

    O NOVO TESTAMENTO Comentado por William Barclay

    Introduz e interpreta a totalidade dos livros do NOVOTESTAMENTO. Desde Mateus at o Apocalipse William Barclaexplica, relaciona, d exemplos, ilustra e aplica cada passagem, sendsempre fiel e claro, singelo e profundo. Temos nesta srie, por fim, uminstrumento ideal para todos aqueles que desejem conhecer melhor aEscrituras. O respeito do autor para a Revelao Bblica, sua slidfundamentao, na doutrina tradicional e sempre nova da igreja, suincrvel capacidade para aplicar ao dia de hoje a mensagem, fazem qu

    esta coleo oferea a todos como uma magnfica promessa.

    PARA QUE CONHEAMOS MELHOR A CRISTOO AMEMOS COM AMOR MAIS VERDADEIROE O SIGAMOS COM MAIOR EMPENHO

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    Joo (William Barclay) 2NDICE

    Prefcio

    Introduo GeralIntroduo a JooCaptulo 1 Captulo 7 Captulo 13 Captulo 19Captulo 2 Captulo 8 Captulo 14 Captulo 20Captulo 3 Captulo 9 Captulo 15 Captulo 21Captulo 4 Captulo 10 Captulo 16 NotasCaptulo 5 Captulo 11 Captulo 17Captulo 6 Captulo 12 Captulo 18

    PREFCIO

    Com este volume chegamos ao Evangelho Segundo So Joo.Gostaria de assinalar uma nova caracterstica na disposio destescomentrios. No deixei que nenhuma das sees para cada dia se fizessemuito larga. Nos volumes anteriores pus tudo o que queria dizer sobre uma

    passagem na leitura atribuda a um mesmo dia. Neste volume, se haviamuito que dizer sobre alguma passagem, solicitei ao leitor que passe doisou trs dias estudando parte comigo.

    Para muita gente o Evangelho Segundo So Joo o livro maisvalioso da Bblia. um livro surpreendente. Pode-se l-lo e am-lo semnecessidade de comentrio algum. Atravs de geraes as pessoas simplesalimentaram o corao e a alma com ele sem contar mais que com o texto

    das verses comuns. Mas quanto mais estudamos Joo, mais riquezas neleencontramos. Houve momentos em que tive que tom-lo, especialmente noprimeiro captulo, versculo por versculo, porque cada versculo estavapleno de riquezas. Espero e rogo que muitos encontrem a pacincianecessria para realizar este estudo detalhado de Joo, porque s assim suas

    palavras revelaro todas as suas riquezas. H em Joo mais de uma baseque ningum poderia esgotar em toda sua vida, muito menos em um dia.

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    Joo (William Barclay) 3Ao escrever sobre Joo era preciso necessrio incluir uma introduo

    bastante extensa. No h nenhum outro livro que ganhe tanto ao ser situadono ambiente do qual emergiu. Novamente espero que quem leia este livrotenham a pacincia de ler a Introduo tanto antes como depois de terestudado o prprio evangelho.

    A literatura sobre Joo muito vasta. Para quem l ingls no h nadamelhor que o volume de meu superior, o Dr. G. H. C. Macgregor, noComentrio de Moffat. o comentrio ideal para quem l o idioma ingls.B. F. Westcott escreveu dois comentrios magnficos sobre Joo, um sobreo texto grego e outro sobre o ingls. H uma grande quantidade de materialno comentrio de J. H. Bernard noInternational Critical Commentary. No

    comentrio de Marcus Dodds no Expositor's Greek Testament pode-seencontrar muita iluminao. Entre os comentrios mais antigos se sobressaio do Godet. Meu livro sucedeu a este estado antes que tenha chegado aminhas mos o prometido comentrio de C. K. Barrett, mas no exagerado afirmar que esse um volume que todo mundo dosinvestigadores do Novo Testamento espera com grande expectativa.

    H excelentes trabalhos gerais sobre o quarto Evangelho por E. F.Scott, R. H. Strachan, W. F. Howard e C. H. Dodd. H uma breve masexcelente Introduction to the Fourth Gospel, de Basil Redlich, que omelhor dentro de seu tipo para quem l ingls, e so muitos os queconhecem e apreciam a exposio sobre este Evangelho do desaparecidoWilliam Temple. Resultaria impossvel expressar meu agradecimento atodos aqueles que tm escrito sobre este Evangelho.

    Queria expressar minha mais sincera gratido a quem tem escrito arespeito dos volumes anteriores. Seu agradecimento, sua avaliao e estmulo

    foram uma grande ajuda; e suas sugestes e crticas me foram de grandeutilidade. Minha prece que este livro, um dos maiores do mundo, revele-nosuma maior poro de seus tesouros medida que o estudemos juntos.

    William BarclayTrinity College, Glasgow,Escocia. Mayo, 1955.

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    Joo (William Barclay) 4INTRODUO GERAL

    Pode dizer-se sem faltar verdade literal, que esta srie de

    Comentrios bblicos comeou quase acidentalmente. Uma srie deestudos bblicos que estava usando a Igreja de Esccia (Presbiteriana)esgotou-se, e se necessitava outra para substitu-la, de maneira imediata.Fui solicitado a escrever um volume sobre Atos e, naquele momento,minha inteno no era comentar o resto do Novo Testamento. Mas osvolumes foram surgindo, at que o encargo original se converteu na idiade completar o Comentrio de todo o Novo Testamento.

    Resulta-me impossvel deixar passar outra edio destes livros semexpressar minha mais profunda e sincera gratido Comisso dePublicaes da Igreja de Esccia por me haver outorgado o privilgio decomear esta srie e depois continuar at complet-la. E em particulardesejo expressar minha enorme dvida de gratido ao presidente dacomisso, o Rev. R. G. Macdonald, O.B.E., M.A., D.D., e ao secretrio eadministrador desse organismo editar, o Rev. Andrew McCosh, M.A.,S.T.M., por seu constante estmulo e sua sempre presente simpatia e

    ajuda.Quando j se publicaram vrios destes volumes, nos ocorreu a idia

    de completar a srie. O propsito fazer que os resultados do estudoerudito das Escrituras possam estar ao alcance do leitor noespecializado, em uma forma tal que no se requeiram estudos teolgicos

    para compreend-los; e tambm se deseja fazer que os ensinos dos livrosdo Novo Testamento sejam pertinentes vida e ao trabalho do homem

    contemporneo. O propsito de toda esta srie poderia resumir-se naspalavras da famosa orao de Richard Chichester: procuram fazer queJesus Cristo seja conhecido de maneira mais clara por todos os homens emulheres, que Ele seja amado mais entranhadamente e que seja seguidomais de perto. Minha prpria orao que de alguma maneira meutrabalho possa contribuir para que tudo isto seja possvel.

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    Joo (William Barclay) 5INTRODUO AO EVANGELHO DE JOO

    O Evangelho do olho da guia

    Para muitos cristos o Evangelho Segundo So Joo o livro maisvalioso do Novo Testamento. o livro do qual mais alimentam suamente e corao, e no qual sua alma encontra repouso. Os evangelistascostumam estar representados sobre vitrais e coisas pelo estilo com osmbolo das quatro bestas que o autor do Apocalipse viu ao redor dotrono (Apocalipse 4:7). Os emblemas se distribuem com certas variaesentre os evangelistas, mas o mais generalizado que o homemrepresentea Marcos, que o mais direto, singelo e humano dos Evangelhos; o leorepresenta a Mateus, porque foi ele quem viu de maneira especial a Jesuscomo o Messias e o leo da Tribo do Jud; o boi representa a Lucas,

    porque o boi o animal de servio e sacrifcio, porque Lucas viu a Jesuscomo o grande servidor dos homens e o sacrifcio universal para toda ahumanidade; a guia representa a Joo, porque a guia a nica dascriaturas viventes que pode olhar diretamente ao Sol sem deslumbrar-se,

    e, entre todos os evangelistas Joo o que olha em forma maispenetrante os mistrios e verdades eternas, e inclusive a prpria mente deDeus. O certo que h muitos que se encontram mais perto de Deus e deJesus Cristo em Joo que em qualquer outro livro do mundo.

    O Evangelho diferente

    Basta ler o quarto Evangelho na forma mais superficial paracomprovar que muito distinto dos outros trs. Omite muitas coisas queoutros incluem. O quarto Evangelho no menciona o nascimento doJesus, seu batismo e suas tentaes; no nos diz nada a respeito daltima Ceia, nada do Getsmani, nada sobre a Ascenso. No diz uma s

    palavra a respeito da cura de pessoas possessas por demnios ouespritos malignos. E, o que possivelmente resulta mais surpreendente

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    Joo (William Barclay) 6no contm nenhuma parbola, nenhuma dessas histrias que Jesuscontou e que formam uma parte de valor inaprecivel nos outros trsEvangelhos. Nos outros Evangelhos Jesus fala, quer nessas histrias

    maravilhosas, ou em frases breves, memorveis, epigramticas, simples,vvidas, que permanecem na memria. Mas no quarto Evangelho osdiscursos de Jesus costumam ocupar todo um captulo; costumam ser

    pronunciamentos complicados, polmicos, muito diferentes dos ditosvvidos, expressivos, inesquecveis dos outros trs Evangelhos. O que ainda mais surpreendente, a verso que d o quarto Evangelho dos fatosda vida e o ministrio de Jesus freqentemente diferente da queaparece nos outros trs Evangelhos.

    (1) Joo d uma verso distinta do comeo do ministrio do Jesus.Nos outros trs Evangelhos se estabelece definitivamente que Jesus nofez sua apario como pregador at depois de terem preso a Joo Batista.Depois de Joo ter sido preso, foi Jesus para a Galilia, pregando oevangelho de Deus (Marcos 1:14; Lucas 3:18-20; Mateus 4:12). Masem Joo h um perodo bem considervel durante o qual o ministrio deJesus se sobrepe s atividades de Joo Batista (Joo 3:22-30; 4:1-2).

    (2) Joo d uma verso diferente do cenrio onde se desenvolveu oministrio de Jesus. Nos outros trs Evangelhos o cenrio principal doministrio de Jesus Galilia e no chega a Jerusalm at a ltimasemana de sua vida. Em Joo o cenrio principal do ministrio de Jesus Jerusalm e Judia, com algumas visitas espordicas a Galilia (Joo2:1-12; 4:35-5:1; 6:1-7:14). Segundo Joo, Jesus est em Jerusalm parauma Pscoa que se celebra ao mesmo tempo que a Purificao do templo

    (Joo 2:13); est em Jerusalm durante uma festa a que no d nenhumnome (Joo 5:1), est nessa cidade para a festa dos tabernculos (Joo7:2,10); est ali para a festa da dedicao durante o inverno (Joo 10:22).De fato, segundo o quarto Evangelho, depois dessa festa Jesus novoltou a deixar Jerusalm; depois do captulo 10 permanece o tempotodo em Jerusalm, o qual significaria uma estada de vrios meses, doinverno da festa da dedicao at a primavera da Pscoa durante a qual

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    Joo (William Barclay) 7foi crucificado. Em realidade, no cabe dvida de que Joo est certo noque respeita a outro ponto em particular. Os outros Evangelhos mostramJesus chorando sobre Jerusalm quando se aproxima a ltima semana.

    Jerusalm, Jerusalm, que matas os profetas e apedrejas os que te foramenviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinhaajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vs no o quisestes!(Mateus 23:37 = Lucas 13:34).

    Agora, resulta evidente que Jesus no poderia haver dito isso amenos que tivesse feito vrias visitas a Jerusalm, e tivesse feito vriasexortaes cidade. Era impossvel que dissesse isso em uma primeiravisita Cidade Santa. Neste caso, no resta dvida de que Joo estcerto. De fato, foi esta diferencia no cenrio o que proporcionou aoEusbio uma das primeiras explicaes da diferena entre o quartoEvangelho e os outros trs. Disse que em sua poca (aproximadamenteno ano 300 d. C.) muitos estudiosos sustentavam os seguintes pontos devista a respeito dos quatro Evangelhos. Mateus pregou primeiro ao povohebreu. Mas chegou o dia em que teve que deix-los e ir a outros pases.Antes de ir embora escreveu sua histria da vida de Jesus em hebraico,

    "e dessa maneira compensou pela perda de sua presena queles a quemse via obrigado a abandonar".

    Depois de Marcos e Lucas terem publicado seus Evangelhos, Joocontinuava pregando a histria de Jesus em forma oral.

    "Por ltimo decidiu escrever pela seguinte razo. Quando os trsEvangelhos que j mencionamos tivessem chegado s mos de todos,inclusive s suas, dizem que ele os aceitou e deu testemunho de suaveracidade; mas faltava neles uma verso dos fatos de Jesus no princpio deseu ministrio...Por isso dizem que Joo quando lhe pediram que o fizessepor esta razo, deu em seu Evangelho uma verso do perodo que tinha sidoomitido pelos evangelistas anteriores, e dos fatos levados a cabo peloSalvador durante este perodo; quer dizer, dos fatos ocorridos antes doencarceramento do Joo o Batista. . . De maneira que Joo relata os fatosde Cristo anteriores ao encarceramento do Batista, mas os outros trsevangelistas mencionam os eventos que tiveram lugar depois dessemomento... O Evangelho Segundo So Joo contm os primeiros fatos de

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    Joo (William Barclay) 8Cristo, enquanto que os outros do uma verso da ltima partede sua vida"(Eusbio, Histria Eclesistica5:24).

    De maneira que, segundo Eusbio no h nenhuma contradio oudiferena, entre o quarto Evangelho e os outros trs; a diferena se devea que o quarto Evangelho descreve o ministrio em Jerusalm, ao menosem seus primeiros captulos, que precederam o ministrio na Galilia, eque tiveram lugar enquanto Joo Batista ainda estava em liberdade. E

    pode muito bem ser que esta explicao de Eusbio seja correta, pelomenos em parte.

    (3) Joo d uma verso diferente da durao do ministrio doJesus. Os outros trs Evangelhos implicam que o ministrio de Jesus s

    durou um ano. Dentro do ministrio s h uma pscoa. Em Joo h trspscoas, uma durante a purificao do templo (Joo 2:13); uma prxima alimentao dos cinco mil (Joo 6:4); e a ltima pscoa durante a qualJesus foi crucificado. Se se seguir a Joo o ministrio de Jesus levariaum mnimo de dois anos, e possivelmente um perodo prximo aos trsanos, para poder cobrir todos os fatos. Novamente, no resta dvida queJoo est correto. Se lermos os outros trs Evangelhos com ateno e

    cuidado vemos que Joo est certo. Quando os discpulos recolheram asespigas de trigo (Marcos 2:23) deve ter sido a primavera. Quando oscinco mil foram alimentados, sentaram-se sobre a erva verde (Marcos6:39), e portanto deve ter sido outra vez primavera, e deve ter passadoum ano entre ambos eventos. Segue a excurso por Tiro e Sidom e aTransfigurao. Durante a Transfigurao Pedro quis fazer trs ramagense ficar ali. O mais natural pensar que era a poca da festa dos

    tabernculos ou ramagens e que a isso se deve que Pedro faa essasugesto (Marcos 9:5). Isso o situaria a princpios de outubro. Segue operodo entre esta data e a ltima pscoa em abril. De maneira que, portrs da narrao dos outros trs Evangelhos est o fato de que oministrio de Jesus durou em realidade pelo menos trs anos, e outra vezJoo est certo.

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    Joo (William Barclay) 9(4) s vezes ocorre inclusive que Joo difere dos outros trs

    Evangelhos nos fatos. H dois exemplos conspcuos. Em primeiro lugar,pe a purificao do templo no princpio do ministrio de Jesus (Joo

    2:13-22), os outros trs Evangelhos o situam ao final(Marcos 11:15-17;Mateus 21:12-13; Lucas 19:45-46). Em segundo lugar, quandoestudarmos os relatos com ateno, como iremos faz-lo, veremos queJoo situa a crucificao no dia antes da pscoa, enquanto que os outrosEvangelhos a pem no prprio dia da pscoa.

    Nunca devemos fechar os olhos para as diferenas evidentes entreJoo e os outros trs Evangelhos.

    O conhecimento especial de Joo

    H um fato indubitvel. Se Joo diferir dos outros trs Evangelhosno se deve ignorncia ou falta de informao. O fato concreto queembora omita muito do que eles nos dizem, tambm nos diz muito arespeito do qual outros no tinham nada que dizer. Joo o nico quenos relata as bodas de Can da Galilia (2:1-11); a entrevista de

    Nicodemos com Jesus (3:1-15); a respeito da mulher samaritana (4);sobre a ressurreio de Lzaro (11); sobre a forma em que Jesus lavou os

    ps de seus discpulos (13:1-17); sobre o maravilhoso ensino sobre oEsprito Santo, o Consolador, que est disseminado entre os captulos 14e 17. s em Joo que alguns dos discpulos cobram vida. unicamenteem Joo onde fala Tom (11:16; 14:5; 20:24-29); onde Andr adquireuma personalidade real (1:40-41; 6:8-9; 12:22); onde temos uma fagulha

    do carter de Felipe (6:5-7; 14:8-9); onde ouvimos o indignado protestode Judas quando Jesus ungido em Betnia (12:4). E o estranho de Joo que estes pequenos toques extra so intensamente reveladores. Osretratos que faz Joo de Tom, Andr e Felipe so como pequenoscamafeus ou vinhetas nos quais se esboam os rasgos do carter desteshomens em uma forma que no podemos esquecer.

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    Joo (William Barclay) 10Mais ainda, repetidamente Joo inclui pequenos toques extra que

    soam como as lembranas de algum que esteve presente na situao quedescreve. Os pes que o garoto trouxe a Jesus eram pes de cevada (6:9);

    quando Jesus se aproximou de seus discpulos enquanto cruzavam o lagodurante a tormenta tinham remado entre vinte e cinco e trinta estdios(6:19); em Can da Galilia havia seis talhas de pedra (2:6); o nicoque nos fala da coroa de espinhos (19:5); e dos quatro soldados quesorteiam entre si a tnica sem costura quando Jesus morreu (19:23); elesabe o peso exato da mirra e alos que usadas para ungir o corpo mortode Jesus (19:39); recorda como o perfume do ungento encheu a casa aoJesus ser ungido em Betnia (12:3). Muitas destas coisas so detalhesaparentemente to sem importncia que so inexplicveis a menos que setrate das lembranas de algum que esteve presente.

    Por mais diferena que haja entre Joo e os outros trs Evangelhos,no se deve atribuir essas diferenas ignorncia ou falta deconhecimentos. Ao contrrio, se devem explicar pelo fato de que eletinha mais conhecimentos, ou melhores fontes ou uma memria maisvvida que a que tinham os outros.

    Outra evidncia do conhecimento especializado do autor do quartoEvangelho seu conhecimento detalhado da Palestina e Jerusalm.Sabe quanto tempo levou a construo do Templo (12:20); sabe que

    judeus e samaritanos mantm uma luta constante (4:9); sabe a baixaestima da mulher entre os judeus (4:9); sabe o que pensam os judeussobre o sbado (5:10; 7:21-23; 9:14). Tem um conhecimento pessoal dageografia da Palestina. Conhece as duas Betnias, uma das quais est do

    outro lado do Jordo (1:28; 12:1); sabe que alguns dos discpulos eramda Betsaida (1:44; 12:21); que Can est na Galilia (2:1; 4:6; 21:2); queSicar est perto de Siqum (4:5). Tem o que poderamos chamar umconhecimento de Jerusalm rua por rua. Conhece o prtico e o lagocontguo (5:2); o lago do Silo (9:7); o prtico do Salomo (10:23); acorrente do Cedrom (18:1); o Pavimento que se chama Gabat (19:13); oGlgota, que como uma caveira (19:17). Mas devemos recordar que

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    Joo (William Barclay) 11Jerusalm foi destruda no ano 70 D.C. e que Joo no escreveu at pertodo ano 100; e entretanto, graas sua memria, conhece Jerusalm comoa palma de sua mo.

    As circunstncias em que Joo escreveu

    J vimos que h diferenas reais entre o quarto Evangelho e osoutros trs; e tambm vimos que, qualquer que tenha sido a causa destasdiferenas, no se deve falta de conhecimento. Agora devemos nos

    perguntar: Com que fim Joo escreveu seu Evangelho? Se podemosdescobrir qual foi o propsito, descobriremos por que escolheu e tratouseu material como o fez.

    O quarto Evangelho foi escrito em feso ao redor do ano 100 d. C.Nessa poca tinham aparecido dois rasgos especiais na situao da Igrejacrist. Em primeiro lugar, a Igreja se estendeu ao mundo dos gentios.Para essa poca a Igreja crist j no era judaica em sua major parte; defato preponderavam os gentios em uma margem muito ampla. Agora agrande maioria de seus membros provinham, no de um ambiente judeu,

    e sim helenista. Dado esse estado de coisas, era necessrio reformular ocristianismo. No era que tivesse mudado a verdade do cristianismo; masterei que trocar os trminos e as categorias em que devia expressar-seessa verdade. Vejamos um s exemplo.

    Um grego podia tomar em suas mos o Evangelho Segundo SoMateus, mas ao abri-lo se encontrava diante de uma extensa genealogia.As genealogias eram algo muito conhecido para os judeus, mas

    completamente incompreensveis para os gregos. Se continuava lendo,encontrava-se com um Jesus que era o Filho de Davi, um rei a respeitode quem os gregos jamais tinham ouvido falar, e o smbolo de umaambio racial e nacionalista que no significava nada para o grego.Encontrar-se-ia frente figura de Jesus como Messias, termo que osgregos nunca tinham ouvido. Devia obrigar-se, ao grego que queriaconverter-se em cristo, a reorganizar todo o seu pensamento segundo as

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    Joo (William Barclay) 12categorias judaicas? Devia aprender uma quantidade de histria judaica ede literatura apocalptica judaica (que falava da vinda do Messias) antesde poder converter-se em cristo? Como o expressara E. J. Goodspeed:

    "No havia alguma forma mediante a qual lhe pudessem apresentardiretamente os valores da salvao crist sem encaminh-lo, e atpoderamos dizer desvi-lo, para sempre pelo judasmo?" O grego eraum dos grandes pensadores do mundo. Devia abandonar toda sua enormetradio intelectual para pensar por completo em trminos e categoriasde pensamento judeus?

    Joo enfrentou o problema com sinceridade e justia. E encontrouuma das solues maiores que jamais tenham entrado na mente dohomem. Mais adiante no comentrio trataremos com muita maiorateno a grande soluo do Joo. No momento a assinalamos em formaesquemtica.

    Os gregos tinham duas grandes concepes.(a) Tinham o conceito do Logos. Em grego logos significa duas

    coisas: quer dizer uma palavrae quer dizer razo. O judeu estava muitofamiliarizado com a palavra todo-poderosa de Deus. "E disse Deus: Haja

    a luz; e houve luz" (Gnesis 1:3). O grego estava muito familiarizadocom a idia de razo. Contemplando este mundo, o grego via uma ordemmagnfica, esplndido, no qual se podia confiar. A noite e o diaaconteciam com uma regularidade infalvel; o ano mantinha suasestaes em um curso invarivel; as estrelas e os planetas se moviamsegundo um curso inaltervel; a natureza tinha leis que no variavam. Oque produz esta ordem? O grego respondia sem hesitaes: o Logos de

    Deus; a mente de Deus a responsvel da ordem majestosa do mundo. Ogrego continuava: O que o que d ao homem o poder de pensar, deraciocinar e de conhecer? O que o que o converte em uma criaturaracional e pensante? E novamente respondia sem hesitaes: o Logos deDeus; a mente de Deus que habita dentro do homem o converte em umser pensante e racional. Ento Joo se serve disto. Pensou em Jesussegundo esta categoria. Disse aos gregos: "Toda a vida vocs se sentiram

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    Joo (William Barclay) 13fascinados por esta grande mente de Deus, que guia e controla. A mentede Deus veio ao mundo no homem Jesus. Olhem e vero como so amente e o pensamento de Deus." Joo tinha descoberto uma nova

    categoria na qual os gregos podiam pensar em Jesus, uma categoriasegundo a qual Jesus se apresentava nada menos que como o prprioDeus atuando sob a forma de um homem.

    (b) Tinham o conceito dos dois mundos. O grego sempreconcebeu dois mundos, sendo um deles o mundo no qual vivemos. Eraum mundo maravilhoso a seu modo, mas um mundo de sombras e cpiase irrealidades. O outro era o mundo real, no qual vivem para sempre asgrandes realidades das quais nossas coisas mundanas no so mais que

    plidas cpias. Para o grego o mundo invisvel era o mundo real; omundo visvel no era mais que uma sombra, uma irrealidade. Plato foiquem sistematizou esta forma de pensar em sua doutrina das formas oudas idias. Sustentava que no mundo invisvel estava o modelo perfeitode todas as coisas, e que as coisas deste mundo eram cpias ou sombrasdos modelos eternos. Para diz-lo em forma singela, Plato sustentavaque em algum lugar havia um modelo perfeito de uma mesa da qual

    todas as mesas da Terra eram cpias inadequadas; em algum lugar estavao modelo perfeito do bem e da beleza da qual tudo bem e toda belezaterrena no so mais que cpias imperfeitas e inadequadas. E a granderealidade, a idia suprema, o modelo de todos os modelos e a forma detodas as formas Deus.

    O grande problema era como chegar a esse mundo real, como sairde nossas sombras para chegar s verdades eternas. A resposta do Joo

    que isso o que Jesus no permite fazer. Jesus a realidade quedescendeu Terra. A palavra grega para realneste sentido alethinos;est relacionada muito de perto com a palavra alethes, que significaverdade, e com aletheia, que significa a verdade. Quando nossas versesse encontram com alethinos o traduzem por verdadeiros; seria maiscorreto traduzir real, ou autntico. Jesus a luz real(1:9); Jesus o poreal(6:32); Jesus a realvideira (15:1); a Jesus pertence o julgamento

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    Joo (William Barclay) 14real (8:16). Jesus o nico que possui realidade em nosso mundo desombras e imperfeies.

    Agora, disto se desprende algo: e que, em conseqncia, cada

    ao que Jesus levou a cabo foi, no s um ato no tempo, mas tambmuma janela que nos permite ver a realidade. Isso o que Joo quer dizerquando fala dos milagres de Jesus como sinais (semeia). As obrasmaravilhosas do Jesus no s eram maravilhosas eram janelas que seabriam realidade que Deus. Isto explica a forma em que Joo relata ashistrias dos milagres. Ele as relata de maneira bem diferente da que osoutros trs evangelistas empregam.

    As diferenas so duas:(a) No quarto Evangelho notamos a ausncia da nota de compaixo

    que aparece nas histrias dos milagres nos outros Evangelhos. Naqueles,o Mestre Jesus se sente movido pela misericrdia para com o leproso(Marcos 1:41); sente simpatia para com Jairo (Marcos 5:22); sentecompaixo pelo pai do moo epiltico (Marcos 9:14); quando ressuscitao filho da viva do Naim, Lucas diz com uma ternura infinita: E Jesus orestituiu a sua me (Lucas 7:15). Mas em Joo os milagres no so

    tanto atos de misericrdia como atos que demonstram a glria de Cristo.Depois do milagre de Can da Galilia, Joo comenta: Com este, deuJesus princpio a seus sinais em Can da Galilia; manifestou a suaglria (Joo 2:11). A ressurreio do Lzaro tem lugar "para a glriade Deus" (Joo 11:4). A cegueira do homem cego existia para que semanifestasse a glria das obras de Deus (Joo 9:3). No que para Joono tenha havido amor e compaixo nos milagres; mas em cada um deles

    via a glria da realidade de Deus penetrando no tempo e nos assuntosdos homens.

    (b) Mais ainda, todo leitor do quarto Evangelho deve ter notado queos milagres de Jesus nesse Evangelho costumam estar seguidos por umlongo discurso. A alimentao dos cinco mil vai seguida do longodiscurso sobre o Po da Vida (captulo 6); a cura do cego surge daafirmao que Jesus a Luz do Mundo (captulo 9); a ressurreio de

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    Joo (William Barclay) 15Lzaro leva a afirmar que Jesus a ressurreio e a vida (captulo 11).Para Joo os milagres no eram meros acontecimentos no tempo; eramilustraes, exemplos, vises daquilo que Deus est sempre fazendo e do

    que sempre Jesus; so janelas que se abrem realidade de Deus. Jesusno s alimentou uma vez a cinco mil pessoas; isso apenas umexemplo de que Ele sempre o autntico Po da Vida. Jesus no s abriuuma vez os olhos de um cego; Ele sempre a Luz do Mundo. Jesus nos ressuscitou uma vez a Lzaro; sempre e para todos os homens aressurreio e a vida. Para Joo um milagre nunca era um ato isolado;sempre era uma janela em torno da realidade daquilo que Jesus sempreera e sempre e do que sempre fez e sempre faz.

    Era nisto que estava pensando o grande estudioso Clemente deAlexandria (cerca do ano 230 d. C.) quando chegou a um dos veredictosmais famosos e verdadeiros sobre o propsito, origem e finalidade doquarto Evangelho. Segundo ele, os Evangelhos que contm asgenealogias Lucas e Mateus foram escritos em primeiro lugar; depoisMarcos, ante o requerimento de muitas pessoas que tinham ouvido a

    pregao de Pedro, comps seu Evangelho, que inclua o material das

    pregaes de Pedro; e logo, "em ltimo lugar, Joo, considerando que jse relatou bastante a respeito do que se referiam s coisas corporais doministrio do Jesus, e animado por seus amigos, e inspirado pelo EspritoSanto, escreveu um evangelho espiritual." (Citado por Eusbio,HistriaEclesistica6:14).

    O que quis dizer Clemente que Joo no estava to interessadonos meros fatos como no significado desses fatos, que no ia atrs dos

    fatos, e sim atrs da verdade. Joo no via os acontecimentos da vida deJesus simplesmente como eventos temporrios; via-os como janelas queolhavam eternidade, e sublinhava o significado espiritual dosacontecimentos e as palavras da vida de Jesus em uma forma que nofizeram os outros Evangelhos. Este segue sendo um dos veredictos maisautnticos aos que se chegou sobre o quarto Evangelho. certo que Jooescreveu, no um evangelho histrico, e sim um evangelho espiritual.

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    Joo (William Barclay) 16De maneira que, em primeiro lugar, Joo apresentou Jesus como a

    mente de Deus em uma pessoa que tinha descido Terra, e como a nicapessoa que possui realidade em lugar de sombras, e que pode tirar os

    homens das sombras para lev-los ao mundo real que tinham sonhadoPlato e os grandes sbios gregos. O cristianismo que em um momentovestira a roupagem do pensamento judaico apropriou-se da grandeza do

    pensamento dos gregos.

    A apario das heresias

    O segundo dos fatores importantes que a Igreja enfrentava quando oquarto Evangelho foi escrito era o surgimento da heresia no seio da

    Igreja. Tinham passado setenta anos da crucificao de Jesus. Por entoa Igreja era uma organizao e uma instituio. Estavam sendo pensadase afirmadas teologias e credos; e era inevitvel que o pensamento de pelomenos algumas pessoas seguisse caminhos equivocados, e resultasse emheresias. Raramente uma heresia uma mentira ou um engano em suatotalidade; em geral uma heresia surge quando se acentua indevidamente

    uma parte, uma faceta da verdade. Podemos ver pelo menos duas dasheresias e enganos que buscava combater o autor do quarto Evangelho.

    (a) Havia alguns cristos, em especial cristos judeus, queoutorgavam um posto muito elevado a Joo Batista. Havia algo em Jooque fascinava os judeus. Joo pertence sucesso proftica, e falava coma voz dos profetas. De fato sabemos que mais adiante houve uma seitaaceita de Joo Batista dentro da f judaica ortodoxa. Em Atos 19:1-7

    nos encontramos com um pequeno grupo de doze homens que esto noslimites da Igreja crist mas que nunca passaram do batismo de Joo.Com freqncia o quarto Evangelho relega a Joo, de maneira silenciosamas definitiva, seu prprio lugar. Vez por outra o prprio Joo nega queele jamais tenha pretendido ou possudo o lugar supremo, e cedeincondicionalmente esse lugar a Jesus. J vimos que nos outrosEvangelhos o ministrio de Jesus no comea at depois da priso de

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    Joo (William Barclay) 17Joo, enquanto no quarto Evangelho o ministrio de Jesus e o ministriode Joo se sobrepem. Joo pode muito bem ter empregado essadisposio para mostrar o encontro de Joo e Jesus, e como o Batista

    tinha usado esses encontros para reconhecer, e animar outros areconhecer a supremacia de Jesus. Destaca-se com todo o cuidado queJoo no essa Luz (1:8). Mostra-se a Joo renunciando em formaterminante a toda pretenso messinica (1:20 ss.; 3:28; 4:1.; 10:41). Nemsequer se permite pensar que o testemunho de Joo seja o maisimportante (5:36). No h no quarto Evangelho crtica alguma a Joo;mas h uma recriminao para aqueles que queriam dar a Joo um lugarque corresponde a Jesus e a ningum mais que a Jesus.

    (b) Na poca em que se escreveu o quarto Evangelho havia certaheresia muito difundida. Foi-lhe dado o ttulo geral de gnosticismo. Semuma compresso superficial desta heresia se perder boa parte dagrandeza e do propsito de Joo. A doutrina bsica do gnosticismo eraque a matria essencialmente m e o esprito essencialmente bom. Osgnsticos passavam a afirmar que, sendo assim, Deus no pode tocar amatria, de maneira que Deus no criou o mundo. O que fez Deus foi

    lanar uma srie de emanaes. Cada uma destas emanaes se afastoumais de Deus, at que por ltimo houve uma emanao to distante que

    pde tocar a matria. Essa emanao foi a que criou o mundo.A idia em si j for suficientemente m, mas a pioravam com um

    agregado. Os gnsticos sustentavam que cada emanao conhecia cadavez menos a Deus, at chegar a um ponto em que as emanaes no signoravam a Deus mas tambm lhe eram hostis. Assim chegavam,

    finalmente, concluso de que o deus criador no s era distinto doDeus verdadeiro, mas tambm o ignorava e lhe era ativamente hostil.

    Cerinto, um lder gnstico, afirmava que "o mundo foi criado, nopor Deus, mas sim por certo poder muito separado dele, e muito distantedesse poder que est acima do universo, e ignorante do Deus que estacima de todas as coisas."

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    Joo (William Barclay) 18Os gnsticos criam que Deus no tinha nada que ver com a criao

    do mundo. Por isso Joo comea seu Evangelho com esta ressonanteafirmao: Todas as coisas foram feitas por intermdio dele, e, sem ele,

    nada do que foi feito se fez (Joo 1:3). Por isso insiste em que "de talmaneira amou Deus o mundo" (Joo 3:16). Em face dos gnsticos queto equivocadamente espiritualizavam tanto a Deus que o convertiam emum ser que no podia ter nada que ver com o mundo, em resposta ao ques podia ser um mundo sem Deus, Joo apresentou a doutrina crist doDeus que fez o mundo e cuja presena inunda o mundo que ele fez.

    As crenas dos gnsticos influam em suas idias sobre Jesus, asquais afetavam em duas formas distintas

    (a) Alguns dos gnsticos sustentavam que Jesus era uma dasemanaes que procediam de Deus. Sustentavam que Jesus no eradivino em nenhum sentido real; que s era uma espcie de semi-deus queestava mais ou menos distante do Deus verdadeiro; que era s um elo amais da cadeia de seres inferiores que estavam entre Deus e o mundo.

    (b) Outros afirmavam queJesus no tinha um corpo real. Segundosuas crenas, Jesus no podia ter tido um corpo. Um corpo matria e

    Deus no podia ter tocado a matria; de maneira que sustentavam queJesus era uma espcie de fantasma sem carne nem sangue literais.Afirmavam, por exemplo, que quando pisava no cho no deixavarastros, porque seu corpo carecia de peso e substncia. Nunca teriam

    podido dizer: "E o Verbo se fez carne" (Joo 1:14).Agostinho nos relata como, lendo grande parte das obras dos

    filsofos de seu tempo, tinha achado muita coisa parecida com o que

    estava no Novo Testamento, agregando: Mas E o Verbo se fez carne ehabitou entre ns no encontrei ali. por isso que, em sua primeiraepstola, Joo insiste em que Jesus veio em carne, e declara que qualquerque nega esse fato est movido pelo esprito do anticristo (1 Joo 4:3).Esta heresia em particular conhecida pelo nome de docetismo.

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    Joo (William Barclay) 19Docetismo, vem da palavra grega dokeinque significaparecer; e se

    d esse nomeie heresia porque sustentava que Jesus s pareciaser umhomem.

    (c) Havia alguns gnsticos que sustentavam uma variante dessaheresia. Afirmavam que Jesus era um homem em quem o Esprito deDeus entrou no batismo; esse Esprito permaneceu nele durante toda suavida at o final; mas como o Esprito de Deus jamais podia sofrer emorrer, abandonou-o antes da crucificao. Segundo eles a exclamaona cruz foi: "Poder meu, poder meu, por que me abandonaste?" E emseus livros contavam de pessoas que no Monte das Oliveiras falavam demodo idntico a Jesus, enquanto o homem Jesus morria na cruz.

    De maneira que as heresias gnsticas apareciam sob a forma de umade duas crenas. Os gnsticos crivam, ou que Jesus no era em realidadedivino, mas simplesmente um na srie de emanaes de Deus, umaespcie de semi-deus, ou que no era humano em nenhum sentido, massim era uma espcie de fantasma com forma de homem. As crenasgnsticas destruam tanto a deidade como a humanidade real de Jesus.

    A humanidade de Jesus

    O fato de que Joo se tenha proposto corrigir estas duas tendnciasgnsticas explica uma dupla nfase paradoxal que aparece em seuEvangelho. Por um lado, no h outro Evangelho que acentue em formato absoluta a autntica humanidade de Jesus. Jesus se indignou com osque compravam e vendiam no templo (2:15); estava fisicamente cansado

    quando se sentou junto ao poo perto de Sicar em Samaria (4:6); seusdiscpulos lhe ofereceram comida da mesma maneira forma como teriamoferecido a qualquer homem que sentisse fome (4:31); sente simpatia porquem sente fome e por aqueles que sentem medo (6:5,20); conhecia ador e derramava lgrimas como o teria feito qualquer pessoa queestivesse de luto (11:33, 35, 38); na agonia da cruz o grito de seus lbiossecos foi: "Tenho sede" (19:28). O quarto Evangelho nos mostra um

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    Joo (William Barclay) 20Jesus que no era nenhuma figura doctica, fantasmal; mostra-nosalgum que liga o cansao de um corpo exausto e as feridas de umamente e um corao desconsolados. O que o quarto Evangelho nos

    apresenta o verdadeiro Jesus humano.A deidade de Jesus

    Mas, por outro lado, nenhum outro Evangelho nos apresenta umaviso semelhante da deidade e divindade de Jesus.

    (a) Joo sublinha a preexistncia de Jesus. Disse: antes queAbrao existisse, EU SOU (8:58). Fala da glria que teve com o Paiantes que o mundo existisse (17:5). Vez por outra se refere sua descidado cu (6:33-38). Joo via em Jesus algum que sempre existiu at antesdo comeo do mundo.

    (b) O quarto Evangelho acentua mais que qualquer dos outrosEvangelhos a oniscincia de Jesus. Joo considera que Jesus conhecia,de maneira evidentemente milagrosa, o passado da mulher de Samaria(4:16-17); aparentemente sem que ningum lhe dissesse sabia durante

    quanto tempo tinha estado doente o homem junto ao lago (5:6); antes defazer a pergunta conhecia a resposta do que perguntou a Felipe (6:6);sabia que Judas o trairia (6:61-64); soube que Lzaro tinha morrido antesque ningum o dissesse (11:14). Joo via em Jesus algum que possuaum conhecimento especial e milagroso, independente de algo queningum lhe pudesse dizer. Segundo seu conceito, Jesus no precisavaformular perguntas porque conhecia todas as respostas.

    (c) O quarto Evangelho sublinha o fato, sempre segundo o ponto devista de Joo, de que Jesus sempre agia completamente por prpriainiciativa e sem experimentar influncia alguma de nenhuma outra

    pessoa. No foi o pedido de sua me o que o moveu a fazer o milagre deCan da Galilia, foi sua prpria deciso pessoal (2:4); as palavras deseus irmos no tiveram nada que ver com a visita que fez a Jerusalmdurante a festa dos Tabernculos (7:10); nenhum homem lhe tirou a vida,

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    Joo (William Barclay) 21ningum podia faz-lo; ele a entregou voluntariamente e exercendo seulivre-arbtrio (10:18; 19:11). Tal como o via Joo, Jesus possua umadivina independncia de toda influncia humana. Suas determinaes e

    suas aes eram resultado de sua prpria deciso. Vemos, pois, que paraenfrentar aos gnsticos e suas crenas estranhas, Joo nos apresenta umJesus que era indiscutivelmente humano e que, entretanto, tambm eraindiscutivelmente divino.

    O autor do quarto Evangelho

    J vimos que o objetivo do autor do quarto Evangelho eraapresentar a f crist de maneira tal que aparecesse sob um aspectofavorvel perante o mundo grego no que tinha penetrado a cristandade, ecombater as heresias e idias errneas que tinham surgido dentro daIgreja. Agora devemos nos perguntar quem o autor do quartoEvangelho. A tradio responde de maneira unnime que o autor foiJoo o apstolo.

    Veremos que, sem dvida alguma, atrs do Evangelho est a

    autoridade de Joo, embora seja muito provvel que o escrito em suaforma atual no tenha sado de sua mo. Analisemos, pois, o quesabemos a respeito deste Joo. Era o filho mais novo de Zebedeu, que

    possua uma barco no mar da Galilia e que era o suficientemente ricopara empregar trabalhadores que o ajudavam no seu trabalho (Marcos1:19-20). Sua me era Salom, e parece provvel que esta Salom fosseirm de Maria, me do Jesus (Mateus 27:56; Marcos 16:1). Junto com

    seu irmo Tiago obedeceu o chamado do Jesus para segui-lo (Marcos1:20). Pareceria que Tiago e Joo estavam associados com Pedro notrabalho de pesca (Lucas 5:7-10). Era um dos membros do crculo maisntimo dos discpulos, porque a lista de discpulos sempre comea comos nomes do Pedro, Tiago e Joo; e houve algumas grandes ocasies nasquais Jesus levou a estes trs com ele em forma especial (Marcos 3:17;5:37; 9:3; 14:33). Seu carter era sem dvida o de um homem turbulento

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    Joo (William Barclay) 22e ambicioso. Jesus deu a ele e a seu irmo o nome deBoanerges, que osevangelistas interpretam como filhos do trovo. Joo e seu irmo Tiagoeram totalmente exclusivistas e intolerantes (Marcos 9:38; Lucas 9:49).

    To violento era seu temperamento, que estavam dispostos a fazerdesaparecer uma aldeia samaritana com fogo do cu porque no osreceberam quando foram a caminho de Jerusalm (Lucas 9:54). Elescomo sua me Salom tinham a ambio de que quando Jesus assumisseo seu reino eles fossem seus ministros de Estado mais importantes(Marcos 10:37; Mateus 20:21).

    A Pedro e a Joo foram confiados os preparativos para a ltimaCeia (Lucas 22:8). Nos outros trs Evangelhos Joo aparece como umdos principais membros do grupo apostlico, integrante do crculontimo, e mesmo assim dono de um carter turbulento, ambicioso eintolerante. No livro de Atos, Joo sempre aparece como companheirodo Pedro e nunca o escuta falar. Seu nome segue sendo um dos trs

    primeiros da lista dos apstolos (Atos 1:13). Est com o Pedro quandocura ao coxo frente Porta Formosa do templo (Atos 3:1ss.). conduzido junto com Pedro perante o Sindrio e enfrenta os lderes

    judeus com uma coragem e valentia que os surpreende e maravilha (Atos4:1-13). Vai com Pedro de Jerusalm a Samaria para fiscalizar a obrafeita por Filipe (Atos 8:14). Nas epstolas de Paulo aparece s uma vez.Ele mencionado em Glatas 2: como uma das colunas da igreja juntocom Pedro e Tiago, e aprovando junto com eles a obra de Paulo.

    Evidentemente Joo era uma mescla estranha. Era um dos lderesdos Doze; era um dos membros do crculo ntimo de Jesus; mas, ao

    mesmo tempo era um homem temperamental, ambicioso e intolerante emesmo assim, um homem arrojado.

    Podemos seguir a Joo atravs das histrias que se contavam sobreele na Igreja primitiva. Eusbio nos diz que ele foi exilado em Patmosdurante o reinado de Domiciano (Eusbio, Histria Eclesistica 3:23).

    Na mesma passagem Eusbio relata uma histria tpica sobre Joo,histria que tinha recebido de Clemente de Alexandria.

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    Joo (William Barclay) 23Joo tinha chegado a ser uma espcie de bispo da sia Menor.

    Visitando uma de seu igrejas que ficava perto de feso, viu entre acongregao um jovem alto e bem-vestido. Voltando-se para o ancio a

    cargo da congregao, Joo lhe disse: "Ponho a esse jovem sob suaresponsabilidade e cuidado, e chamo a congregao a dar testemunho deque o tenho feito". O ancio levou o jovem a sua casa, cuidou-o e oinstruiu, e chegou o dia em que o jovem foi batizado e recebido naIgreja. Mas pouco depois entrou em um crculo de amigos viciados emaus e embarcou em uma carreira de crimes e pecados que terminou porconverter-se no chefe de uma quadrilha de ladres e assassinos.

    Algum tempo depois Joo voltou a visitar a congregao. Disse aoancio: "Devolva-me o encargo que eu e o Senhor confiamos a voc e Igreja da qual voc responsvel". A princpio o ancio no entendia doque Joo estava falando. "Quer dizer", disse Joo, "que lhe estou pedindoa alma do jovem que deixei a seu cargo". "Ai!" disse o ancio, "morreu"."Morto?" disse Joo. "Morreu para Deus", disse o ancio: "Caiu dagraa; viu-se obrigado a escapar da cidade devido a seu crimes e agora um malfeitor que vive nas montanhas."

    Joo foi imediatamente s montanhas. Com toda deliberaopermitiu que a quadrilha de ladres o capturasse. Levaram-no perante ojovem, que agora se tornou chefe da quadrilha, e, cheio de vergonha, ojovem quis escapar dele. Joo, apesar de ser um homem velho o seguiu:"Meu filho", exclamou; "voc foge de seu pai? Sou dbil e de idadeavanada; tenha piedade de mim, meu filho; no tenha medo; ainda hesperana de salvao para voc. Vou interceder por voc perante Cristo

    nosso Senhor. Se for necessrio morrerei por voc assim como elemorreu por mim. Pare, fique, creia! Cristo quem me enviou a voc". Oapelo destroou o corao do jovem. Parou, arrojou suas armas e chorou.Joo e ele desceram juntos a montanha e o jovem voltou para a Igreja e vida crist. A vemos o amor e a valentia de Joo ainda em ao.

    Eusbio (3:28) relata outra historia sobre Joo que extraiu da obrade Irineu. Vimos que um dos lderes da heresia era um homem chamado

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    Joo (William Barclay) 24Cerinto. "Em uma ocasio, o apstolo Joo entrou em um banheiro para

    banhar-se; mas, quando se inteirou de que Cerinto estava no interior,saltou de seu lugar e correu para fora, porque no podia tolerar

    permanecer sob o mesmo teto. Aconselhou a quem estava com ele quefizessem o mesmo. 'Escapemos', disse, 'no seja que caia o banheiro poisCerinto, o inimigo da verdade, est em seu interior'." Aqui temos outrocaracterstico do temperamento de Joo. Boanerges no tinha morridototalmente.

    Cassiano conta outra histria famosa sobre Joo. Um dia oencontraram brincando com uma perdiz domesticada. Um irmo maisestreito e rgido o censurou que perdia tempo nessa forma, ao que Joorespondeu: "O arco que est sempre dobrado logo deixar de apontardiretamente".

    Jernimo quem relata a histria das ltimas palavras de Joo.Quando Joo estava morrendo, seus discpulos lhe perguntaram se tinhauma ltima mensagem para lhes deixar. "Filhinhos", "amem-se uns aosoutros". Repetiu-o uma e outra vez; e lhe perguntaram se isso era tudo oque tinha a lhes dizer. " suficiente", disse, "porque o mandamento do

    Senhor".Esta , pois, a informao que temos sobre Joo; dela surge uma

    figura de temperamento fogoso, de ambio, de coragem indubitvel, e,no final, de um amor generoso.

    O discpulo amado

    Se tivermos seguido com ateno nossas referncias teremos notadoum detalhe. Todas as referncias, toda nossa informao sobre Joo,

    procedem dos trs primeiros Evangelhos. O fato surpreendente que noquarto Evangelho, de principio a fim jamais se menciona o apstoloJoo. Mas o quarto Evangelho tem uma espcie de personagem a quemem primeiro lugar, fala do discpulo a quem Jesus amava.

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    Joo (William Barclay) 25H quatro referncias a este discpulo. Est reclinado ao lado de

    Jesus na ltima Ceia (Joo 13:23-25); a esse discpulo amado Jesusencomendou Maria quando morria na cruz (19:25-27); foi a Pedro e ao

    discpulo a quem Jesus amava a quem se dirigiu Maria Madalena aovoltar do sepulcro vazio na manh da ressurreio (20:2); e est presentena ltima apario de Jesus ressuscitado junto ao lago (21:20).

    Em segundo lugar, o quarto Evangelho tem uma espcie depersonagem a quem poderamos chamar a testemunha. Quando fala dalana que abriu o lado de Jesus e como saiu gua e sangue, adiciona ocomentrio: Aquele que isto viu testificou, sendo verdadeiro o seutestemunho; e ele sabe que diz a verdade, para que tambm vs creiais(19:34-35). No final do Evangelho vem a afirmao de que foi odiscpulo amado quem deu testemunho destas coisas "e sabemos que seutestemunho verdadeiro" (21:24).

    Agora, aqui nos encontramos com uma coisa um tanto estranha. Noquarto Evangelho nunca se menciona Joo, mas se menciona o discpuloamado; e, alm disso, h uma testemunha de algum tipo que dtestemunho de toda a histria. Em realidade, a tradio jamais duvidou

    que o discpulo amado Joo. Alguns buscaram identificar o discpuloamado com Lzaro, porque se afirma que Jesus amava a Lzaro (Joo11:3-5), ou com o jovem rico, de quem se diz que Jesus, fitando-o, oamou (Marcos 10:21). Mas apesar de que o Evangelho jamais o diga emforma explcita, a tradio sempre identificou o discpulo amado comJoo, e em realidade no h por que duvidar da identificao.

    Mas uma questo muito real colocada. Suponhamos que Joo

    mesmo escreveu o Evangelho; ser que se referiu a si mesmo como odiscpulo a quem Jesus amava? Escolheu-se a si mesmo e teria dito algocomo: "Eu era seu preferido; era a mim a quem Jesus mais amava"? Semdvida muito improvvel que Joo tenha adotado semelhante ttulo. Sefoi conferido por outros, um belo ttulo; se o conferiu ele mesmo, fica

    bem perto de um presuno quase incrvel.

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    Joo (William Barclay) 26H alguma forma pela qual o Evangelho possa ser o testemunho

    ocular de Joo e ao mesmo tempo ter sido escrito por algum outro?

    Produo da IgrejaEm nossa busca da verdade podemos comear apontando uma das

    caractersticas sobressalentes e nicas do quarto Evangelho. O queresulta mais notrio no quarto Evangelho so os longos discursos deJesus. Freqentemente estes discursos ocupam um captulo inteiro; eneles Jesus aparece falando em uma forma totalmente distinta da que falanos outros trs Evangelhos. Como vimos, o quarto Evangelho foi escritoao redor do ano 100, quer dizer, uns setenta anos depois da crucificao. possvel que se trate de discursos ipsis verbisde Jesus? possvel v-los, depois desses setenta anos como as palavras literais de Jesus? Ou

    podemos explic-los de algum jeito que at acrescente sua importncia?Devemos comear por ter em mente os discursos e a pergunta queinevitavelmente expem.

    E agora devemos adicionar algo. Acontece que nos escritos da

    Igreja primitiva temos toda uma srie de informaes a respeito damaneira em que se chegou a escrever o quarto Evangelho. A informaomais antiga a de Irineu que chegou a ser bispo de Lyon em torno doano 177; e Irineu era discpulo de Policarpo, que por sua vez tinha sidodiscpulo de Joo. De maneira que h uma conexo direta entre Irineu eJoo. Irineu escreve:

    "Joo, o discpulo do Senhor, que tambm se reclinou a seu lado,

    tambm publicouo Evangelho em feso, quando vivia na sia."

    O que resulta sugestivo nesta passagem que Irineu no diz queJoo escreveu o Evangelho; diz que Joo publicou (exedoke) oEvangelho em feso. A palavra que Irineu emprega o faz aparecer, nocomo a publicao privada de algumas memrias pessoais, mas simcomo o lanamento pblico de algum documento quase oficial.

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    Joo (William Barclay) 27A segunda informao vem de Clemente de Alexandria que foi

    diretor da famosa escola de Alexandria cerca do ano 230. Clementeescreve:

    "Em ltimo lugar, Joo, ao ver que os atos corporais tinham ficadomanifestados no Evangelho, a pedido de seus amigos, comps umevangelho espiritual."

    O que resulta importante nesta passagem so as palavras a pedidode seus amigos. Comea a ficar evidenciado que o quarto Evangelho muito mais que a produo pessoal de um s homem, que por trs deleh um grupo, uma comunidade, uma Igreja.

    Na mesma linha, h um manuscrito do sculo X chamado Cdice

    Toledano no qual os livros do Novo Testamento esto prefaciados porbreves descries. O prlogo do quarto Evangelho afirma:

    "O apstolo Joo, a quem Jesus amava em forma especial, escreveueste Evangelho em ltimo lugar, ante o pedido dos bispos da sia, contraCerinto e outros hereges."

    Uma vez mais temos a mesma idia. Atrs do quarto Evangelhoest a autoridade de um grupo e de uma Igreja.

    Agora vamos a um documento de suma importncia. conhecidocomo o Cnon Muratrio. Leva esse nome pelo investigador Muratorique foi quem o descobriu. a primeira lista dos livros do NovoTestamento que a Igreja publicou. Recolheu-se em Roma ao redor doano 170 d. C. No somente d uma lista dos livros do Novo Testamento,mas tambm d breves referncias sobre a origem, natureza e contedode cada um deles. Sua informao a respeito de como chegou a escrevero quarto Evangelho de uma importncia e muito esclarecedora.

    Ante o pedido de seus condiscpulos e de seus bispos, Joo, um dosdiscpulos, disse: Jejuem comigo durante trs dias desde hoje e o que forrevelado a cada um de ns, j seja em favor ou contra que eu escreva,relatemos uns aos outros. Essa mesma noite foi revelado a Andr que Joodevia relatar todas as coisas, ajudado pela reviso de todos os outros.

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    Joo (William Barclay) 28 evidente que no podemos aceitar toda a passagem, porque no

    possvel que Andr, o apstolo, tenha estado em feso no ano 100. Maso fato que aqui se afirma com a maior clareza possvel que, embora a

    autoridade, a mente e a lembrana que esto por trs do quartoEvangelho pertencem a Joo, tambm , sem dvida alguma, o produto,no de um homem, mas sim de um grupo e de uma comunidade.

    E agora podemos ver algo do que aconteceu. Cerca do ano 100havia em feso um grupo de homens, dirigidos por Joo. Respeitavam-no como se fosse um santo e o amavam como a um pai. Deve ter tido

    perto de cem anos. Antes de sua morte, esses homens considerarammuito sabiamente que seria uma grande coisa se o santo ancio eapstolo escrevesse suas lembranas dos anos em que tinha estado comJesus. Porm no final fizeram muito mais que isso. Podemos imagin-lossentados, revivendo aqueles tempos. Um deles diria: "Recorda que Jesusdisse. . . ?" E Joo responderia: "Sim, e agora sabemos o que quisdizer..." Em outras palavras, este grupo no se limitava a escrever o queJesus havia dito; isso no teria sido mais que um prodgio da memria;escreviam o que Jesus tinha querido dizer; nisso consistia a iluminao

    do Esprito Santo. Joo tinha pensado sobre cada uma das palavras queJesus havia dito; tinha meditado nelas sob a direo do Esprito Santo,que era algo to real para ele.

    W. M. Macgregor tem um sermo intitulado: "O que significa Jesuspara algum que o conheceu durante muito tempo". uma descrioperfeita do Jesus do quarto Evangelho.

    A. H. N. Green-Armytage expe o tema perfeio em seu livro,

    John who saw (Joo aquele que viu). Ele diz que Marcos se adapta aomissionrio, com seu relato claro dos atos da vida de Jesus; Mateus seadapta aoprofessorcom seu relato sistemtico do ensino de Jesus; Lucasse adapta ao ministro ou sacerdote de uma parquia com sua amplasimpatia e sua imagem de Jesus como o Amigo de todos; mas Joo oEvangelho do contemplativo. Passa a falar do contraste aparente entreMarcos e Joo. "Em um sentido os dois Evangelhos so o mesmo

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    Joo (William Barclay) 29Evangelho. S que, onde So Marcos viu as coisas em forma superficial,literal, evidente, Joo as viu de maneira profunda, espiritual, sutil.Poderamos afirmar que Joo iluminou as pginas de Marcos com a luz

    da meditao de toda uma vida".Wordsworth definiu a poesia como "Emoes recolhidas natranqilidade", que uma descrio perfeita do quarto Evangelho. porisso que Joo, sem dvida alguma, o maior de todos os Evangelhos.Seu objetivo no nos dar o que disse Jesus como se fosse a informaoque aparece em um peridico, e sim nos dar o que Jesus quis dizer. Nele,o Cristo ressuscitado ainda fala. Joo no tanto o Evangelho SegundoSo Joo, melhor dito o Evangelho Segundo o Esprito Santo. No foiJoo de feso quem escreveu o quarto Evangelho. Foi o Esprito Santoquem o escreveu atravs de Joo.

    O Escrivo do Evangelho

    Mas ainda devemos nos fazer uma pergunta. Vimos que a mente e amemria que esto atrs do quarto Evangelho pertencem o Joo o

    apstolo; mas tambm vimos que por trs dele h uma testemunha quefoi o autor, no sentido de que foi quem realmente o escreveu. Podemosdescobrir quem ? Por isso nos dizem os escritores da Igreja primitiva,sabemos que em feso fala dois Joes na mesma poca. Havia Joo oapstolo, mas havia outro Joo, a quem se conhecia com o nome de Jooo Ancio.

    Papias, que gostava de recolher tudo o que encontrava a respeito da

    histria do Novo Testamento e a histria de Jesus, oferece-nos algumainformao muito interessante. Era bispo do Hierpolis, que fica perto defeso, e viveu mais ou menos entre os anos 70 e 145. Quer dizer, foicontemporneo de Joo. Relata como tentou descobrir "o que disseAndr ou o que disse Pedro, ou o que disseram Filipe, Tom, Tiago,Mateus, ou qualquer outro dos discpulos do Senhor; e as coisas quedizem Aristeu eJoo o Ancio, discpulos do Senhor".

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    Joo (William Barclay) 30Em feso havia Joo o apstolo, e Joo o Ancio; e o Ancio Joo

    era uma personalidade to querida que o conhecia como O Ancio porexcelncia. Fica evidente que ocupa um lugar privilegiado dentro da

    Igreja. Tanto Eusbio como Dionsio o Grande nos dizem que inclusiveem seus dias havia duas sepulturas famosas em feso, uma era a de Jooo Apstolo e a outra pertencia a Joo o Ancio.

    Agora vamos s duas Epstolas breves, 2 Joo e 3 Joo. AsEpstolasprocedam da mesma mo que o Evangelho, e como comeam?A Segunda Epstola comea assim: O ancio senhora eleita e a seusfilhos (2 Joo 1, ERC). A Terceira Epstola comea: O presbtero[NKJV: Ancio] ao amado Gaio (3 Joo 1). Aqui temos a soluo. Oescritor das Epstolas foi Joo o Ancio; a mente e a lembrana que esto

    por trs pertencem ao ancio apstolo Joo, o mestre em quem semprepensava Joo o Ancio e a quem descreve como "o discpulo a quemJesus amava".

    O Evangelho precioso

    Quanto mais sabemos sobre o quarto Evangelho mais precioso setorna. Joo tinha pensado em Jesus durante setenta anos. Dia a dia oEsprito Santo lhe tinha revelado o significado das palavras do Mestre.De maneira que quando estava chegando a um sculo de existncia, eseus dias estavam contados, Joo e seus amigos se sentaram a recordar.Ento Joo o Ancio tomou a pena para escrever para seu mestre, oapstolo Joo; e o ltimo dos apstolos ps sobre o papel, no s o que

    tinha ouvido Jesus dizer, mas tambm o que sabia que teria queridodizer. Recordava que Jesus havia dito:

    Tenho ainda muito que vos dizer, mas vs no o podeis suportaragora; quando vier, porm, o Esprito da verdade, ele vos guiar a toda averdade (Joo 16:12-13).

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    Joo (William Barclay) 31Havia muitas coisas que no tinha compreendido setenta anos atrs;

    havia muitas coisas que o Esprito de verdade lhe tinha revelado duranteesses setenta anos. Estas coisas Joo as ps por escrito quando j a glria

    eterna estava descendo sobre ele. De maneira que quando lermos esteEvangelho recordemos que estamos lendo o Evangelho que de todos osque o escreveram aquele em que o Esprito Santo teve maior

    participao no que nos fala do significado das palavras de Jesus, atravsda mente e a memria de Joo o Apstolo e mediante a pena de Joo oAncio. Atrs do Evangelho est toda a Igreja de feso, toda acompanhia dos santos, o ltimo dos apstolos, o Esprito Santo, o

    prprio Cristo ressuscitado.

    Joo 1O Verbo feito carne - 1:1-18

    O Verbo eterno - 1:1-2O Criador de todas as coisas - 1:3Vida e luz - 1:4Vida e luz - 1:4 (cont.)

    As trevas hostis - 1:5O testemunho de Jesus Cristo - 1:6-8A luz de todo homem - 1:9

    No reconhecido - 1:10-11No reconhecido - 1:10-11 (cont.)Filhos de Deus - 1:12-13O Verbo se fez carne - 1:14

    O Verbo se fez carne - 1:14 (cont.)O Verbo se fez carne - 1:14 (cont.)A inesgotvel plenitude - 1:15-17A revelao de Deus - 1:18

    O testemunho de Joo - 1:19-28O testemunho de Joo - 1:19-28 (cont.)O Cordeiro de Deus - 1:29-31

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    Joo (William Barclay) 32A vinda do Esprito - 1:32-34Os primeiros discpulos - 1:35-39Compartilhando a glria - 1:40-42

    A rendio de Natanael - 1:43-51O VERBO FEITO CARNE

    Joo 1:1-8Passaremos a estudar esta passagem em sees breves e em detalhe;

    mas, antes de faz-lo, devemos buscar compreender o que Joo estavatentando dizer ao descrever a Jesus como O Verbo.

    O primeiro captulo do quarto Evangelho uma das maioresaventuras do pensamento religioso que jamais obteve a mente dohomem. Antes de comear a estud-lo em detalhe, tentaremos ver o queJoo estava buscando fazer quando o escreveu.

    No passou muito tempo antes que a Igreja crist se visseconfrontada com um problema bsico. A Igreja tivera seus comeosdentro do judasmo. No princpio todos os seus membros tinham sido

    judeus. Jesus, por descendncia humana, era judeu, e, com exceo debreves visitas aos distritos de Tiro e Sidom e a Decpolis, Ele nunca saiuda Palestina. O cristianismo comeou entre os judeus; e, devido a isso,era inevitvel que falasse o idioma dos judeus, e que empregasse aslinhas de pensamento dos judeus.

    Mas embora o cristianismo teve seu bero dentro do judasmo,pouco tempo depois se estendeu pelo resto do mundo. Trinta anos depois

    da morte de Jesus, cerca do ano 60, o cristianismo tinha viajado por todaa sia Menor e a Grcia e tinha chegado a Roma. Cerca do ano 60devem ter havido na Igreja cem mil gregos para cada judeu cristo. Asidias judaicas eram completamente estranhas para os gregos. Para tomarum s exemplo revelador, os gregos jamais tinham ouvido falar de umMessias. O prprio centro da esperana dos judeus, chegada do Messias,era uma idia completamente alheia aos gregos. A prpria linha de

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    Joo (William Barclay) 33pensamento segundo a qual os judeus concebiam e apresentavam a Jesusno significava nada para um grego.

    Aqui estava o problema como apresentar o cristianismo ao mundo

    grego? Lecky, o historiador disse em uma oportunidade que o progressoe a expanso de uma idia depende, no s da fora e o poder da idia,mas sim da predisposio para receber a da poca a que apresentada. Atarefa da Igreja crist consistia em criar no mundo grego uma

    predisposio para receber a mensagem crist. Como disse E. J.Goodspeed, a questo era esta: "A um grego que est interessado nocristianismo devia ser levado a passar por todas as idias messinicas

    judaicas e pelas formas judaicas de pensamento, ou se poderia encontrarum enfoque novo que pudesse falar com sua mente e corao desde seu

    prprio pano de fundo?" O problema consistia em apresentar ocristianismo e a Cristo de maneira que um grego pudesse compreend-lo.

    Ao redor do ano 100 houve um homem em feso que se sentiufascinado pelo problema: Seu nome era Joo. Vivia em uma cidadegrega. Relacionava-se com gregos aos quais as idias judaicas eramestranhas e ininteligveis e at grosseiras.

    Como podia encontrar uma forma de apresentar o cristianismo aesses gregos em seu prprio pensamento e em seu prprio idioma e demaneira tal que o aceitassem e compreendessem? De sbito lhe ocorreu asoluo a seu problema. Tanto no pensamento grego como no judeuexistia o conceito de O Verbo. Isto era algo que podia elaborar-se paraenfrentar tanto ao mundo grego como ao judeu. Algo que permanecia tradio de ambas as raas, algo que ambos podiam compreender.

    Comecemos, pois, por examinar os dois pano de fundos do conceitodo Verbo.

    O pano de fundo judeu

    No pano de fundo judeu havia quatro correntes que contribuam decerto modo idia do Verbo.

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    Joo (William Barclay) 34(1) Para o judeu uma palavra era muito mais que um mero som;

    uma palavra era algo que tinha uma existncia ativa e independente eque de fato fazia coisas. Como disse o professor John Paterson: "Para o

    hebreu a palavra falada era algo muito vivo... Era uma unidade deenergia carregada de poder. Voa como uma bala a seu destino". Por essamesma razo o hebreu era parco em palavras. O vocabulrio hebreu temmenos de dez mil palavras; o grego tem duzentas mil.

    Um poeta moderno nos relata como em uma ocasio o autor de umfato herico foi incapaz de relatar-lhe a seus companheiros de tribo porfalta de palavras. Diante disso ergueu-se um homem "dotado com amagia necessria das palavras", e relatou a histria em termos to vivos eestremecedores que "as palavras adquiriram vida e caminhavam de umlado a outro no corao de seus ouvintes". As palavras do poetaconverteram-se em um poder.

    A histria tem muitos exemplos desse tipo de coisas.Quando John Knox pregava durante o tempo da Reforma na

    Esccia se dizia que a voz desse homem s infundia mais coragem nocorao de seus ouvintes que dez mil trompetistas soando em seus

    ouvidos. Suas palavras agiam sobre as pessoas.Nos dias da Revoluo Francesa, Rouget de Lisle escreveu a

    Marselhesae essa cano fez com que os homens partissem revoluo.As palavras faziam coisas.

    Nos dias da Segunda Guerra Mundial, quando a Inglaterra careciatanto de aliados como de armas, as palavras do Primeiro-Ministro, SirWinston Churchill, ao falar com todo o pas pelo rdio, elas exerciam

    influncia nas pessoas. Isto era mais certo no Oriente, e o ainda. Paraos orientais uma palavra no um mero som; uma fora que faz coisas.

    O professor Paterson recorda um incidente que Sir Adam Smithrelata. Em uma ocasio em que Sir George Adam Smith viajava pelodeserto asitico, um grupo de maometanos lhe deram as costumeiras

    boas-vindas: "A paz seja contigo". No momento no perceberam que eraum cristo; mas quando descobriram que haviam proferido uma bno a

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    Joo (William Barclay) 35um infiel, apressaram-se a voltar pedindo que a devolvesse. A palavraera como uma coisa que se podia enviar para fazer coisas e a ela se podiatrazer de volta.

    Podemos compreender como, para os povos orientais, as palavrastinham uma existncia independente, carregada de poder.(2) O Antigo Testamento est cheio dessa idia geral do poder das

    palavras. Uma vez que Isaque foi enganado para que abenoasse a Jacem lugar de Esa, no teria podido fazer nada para recuperar essa bno(Gnesis 27). A palavra tinha sado e tinha comeado a agir e no havianada que pudesse det-la. Vemos a palavra de Deus em ao de maneiraespecial no relato da Criao. A cada passo lemos: "E disse Deus...."(Gnesis 1:3,6,11). A Palavra de Deus o poder criador.

    Aqui e ali nos confrontamos com esta idia da palavra de Deuscriativa, atuante, dinmica. Pela palavra do SENHOR foram feitos oscus (Sal. 33:6). Enviou-lhes a sua palavra, e os sarou (Sal. 107:20).Ele envia as suas ordens terra, e sua palavra corre velozmente(Salmo 147:15). Assim ser a palavra que sair da minha boca: novoltar para mim vazia, mas far o que me apraz e prosperar naquilo

    para que a designei (Isaas 55:11). No a minha palavra fogo, diz oSENHOR, e martelo que esmia a penha? (Jeremias 23:29). "Falastedesde o comeo da criao, j no primeiro dia, e disseste: 'Sejam feitos ocu e a terra'. E sua palavra foi uma obra perfeita" (2 Esdras 6:38). Oautor de Sabedoria se dirige a Deus como "Aquele que com sua palavrafez todas as coisas" (Sabedoria 9:1).

    No Antigo Testamento por toda parte se v esta idia da palavra

    poderosa, criadora. Inclusive as palavras dos homens tm uma sorte deatividade dinmica; quanto mais a de Deus?

    (3) Na vida religiosa hebria intervinha algo que acentuou emgrande medida o desenvolvimento desta idia da Palavra de Deus.Durante mais de um sculo antes da vinda de Jesus, o hebraico tinha sidoum idioma esquecido. O Antigo Testamento estava escrito em hebraico

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    Joo (William Barclay) 36mas os judeus j no o conheciam. Os estudiosos sabiam, mas no o

    povo comum.O povo comum falava um desenvolvimento do hebraico chamado

    aramaico. O aramaico para o hebreu um pouco parecido com o que oingls moderno para o anglo-saxo. Visto que essa era a situao, erapreciso traduzir as escrituras do Antigo Testamento a este idioma que opovo entendia, e estas tradues eram chamadas targuns. Na sinagoga seliam as escrituras no hebraico original, mas depois eram traduzidas aoaramaico que o povo falava e as tradues que se empregavam eram ostarguns. Agora, os targunsforam redigidos em uma hora em que o povoestava fascinado com a transcendncia de Deus. Quer dizer, foram

    produzidos em um momento em que os homens s podiam pensar nadistncia e Deus como um ser distante e diferente.

    Devido a isso os homens que fizeram as tradues, que aparecemnos targuns sentiam muito temor em atribuir pensamentos e emoes,aes e reaes humanas a Deus. Em termos tcnicos, fizeram todos osesforos possveis por evitar o antropomorfismo ao falar de Deus. Querdizer, fizeram todos os esforos possveis por evitar atribuir sentimentos

    e aes humanas a Deus. Agora, o Antigo Testamento em geral fala deDeus de maneira humana; e em qualquer lugar que ocorria algosemelhante no Antigo Testamento, os targuns substituem o nome deDeus por palavra de Deus. Vejamos que efeitos teve este costume.

    Em xodo 19:17 lemos que E Moiss levou o povo fora do arraialao encontro de Deus. Os targuns consideravam que isso era umamaneira muito humana de falar de Deus e diziam que Moiss tirou o

    povo do acampamento para ir ao encontro da palavra de Deus. Emxodo 31:13 lemos que Deus disse ao povo que na sbado sinal entremim e vs nas vossas geraes. Essa uma forma muito humana defalar para os targuns, portanto dizem que o sbado um sinal "entreminha palavra e vs". Deuteronmio 9:3 diz que Deus um fogoconsumidor, mas os targunstraduzem que a palavra de Deus um fogoconsumidor. Isaas 48:13 mostra uma grande imagem da criao:

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    Joo (William Barclay) 37Tambm a minha mo fundou a terra, e a minha destra mediu os cus a

    palmos. Para os targunsesta uma imagem de Deus muito humana, efazem Deus dizer: "Por minha palavra fundei a terra; e por meu poder

    suspendi os cus". Inclusive mudam uma passagem to maravilhosacomo Deuteronmio 33:27, que fala dos "braos eternos" de Deus, e oconvertem nisto: "O eterno Deus seu refgio, e por sua palavra omundo foi criado". No Targumde Jnatas esta frase a palavra de Deusaparece no menos de trezentas e vinte vezes. certo que no mais queuma parfrase do nome de Deus, que os tradutores empregavam quandoqueriam evitar atribuir pensamentos e aes humanos a Deus; mas ocerto que a frase a palavra de Deusse converteu em uma das formasmais comuns da expresso judaica. Tratava-se de uma frase que qualquer

    judeu devoto podia ouvir e reconhecer porque a tinha ouvido tantasvezes na sinagoga quando se liam as escrituras. Todo judeu estavaacostumado a falar da Memra, a Palavra de Deus.

    (4) A esta altura devemos tomar nota de um fato que fundamentalpara o desenvolvimento posterior desta idia da palavra. O termo gregopara palavra Logos; mas Logos, no significa somente palavra,

    tambm quer dizer razo. Para Joo, e para todos os grandes pensadoresque fizeram uso desta idia, estes dois significados sempre estavamintimamente entrelaados. Quando usavam a palavra Logos sempretinham presente as idias paralelas da palavra de Deus e a razo de Deus.Agora, os judeus tinham um tipo de literatura chamada literaturasapiencial. Esta literatura sapiencial era a sabedoria concentrada dossbios e dos homens inteligentes. Em geral no especulativa ou

    filosfica; pelo contrrio, trata-se de uma sabedoria prtica para a vida eseu desempenho. No Antigo Testamento o maior exemplo deste tipo deliteratura o livro de Provrbios.

    No livro de Provrbios h certas passagens que atribuem um podermisterioso, criativo, vitalizador e eterno sabedoria (Sophia). Poderiadizer-se que nestas passagens se personificou a sabedoria e ela foiconsiderada como o agente, instrumento e colaborador eterno de Deus.

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    Joo (William Barclay) 38Trs so as passagens principais. O primeiro Provrbios 3:13-26. Detoda a passagem podemos destacar em forma especial:

    rvore de vida para os que a alcanam, e felizes so todos os que

    a retm. O SENHOR com sabedoria fundou a terra, com intelignciaestabeleceu os cus. Pelo seu conhecimento os abismos se rompem, e asnuvens destilam orvalho (Provrbios 3:18-20).

    Agora recordamos que Logossignifica palavrae tambm significarazo. J vimos o que pensavam os judeus a respeito da palavra poderosae criadora de Deus. Aqui vemos o outro aspecto que comea a fazer suaapario. A sabedoria o agente de Deus na iluminao e na criao. Ea sabedoriae a razoso duas coisas muito parecidas. De maneira queaqui vemos aparecer o outro lado da palavra Logos. Vimos quoimportante era esse termo no sentido de palavra; agora vemos que estcomeando a ser importante no sentido de sabedoriaou razo.

    A segunda passagem importante Provrbios 4:5-13. Dentro dapassagem podemos destacar: Retm a instruo e no a largues; guarda-a, porque ela a tua vida.

    A palavra a luzdos homens, e a sabedoria a luzdos homens.

    Agora as duas idias se esto amalgamando com rapidez.A passagem mais importante Provrbios 8:19:2. Nele podemos

    fazer ressaltar de maneira especial:O SENHOR me possua no incio de sua obra, antes de suas obras

    mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princpio, antesdo comeo da terra. Antes de haver abismos, eu nasci, e antes ainda dehaver fontes carregadas de guas. Antes que os montes fossem firmados,antes de haver outeiros, eu nasci. Ainda ele no tinha feito a terra, nem as

    amplides, nem sequer o princpio do p do mundo. Quando ele preparavaos cus, a estava eu; quando traava o horizonte sobre a face do abismo;quando firmava as nuvens de cima; quando estabelecia as fontes do abismo;quando fixava ao mar o seu limite, para que as guas no traspassassem osseus limites; quando compunha os fundamentos da terra; ento, eu estavacom ele e era seu arquiteto, dia aps dia, eu era as suas delcias, folgandoperante ele em todo o tempo. (Provrbios 8:22-30).

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    Joo (William Barclay) 39Quando lemos essa passagem encontramos um eco atrs de outro do

    que diz Joo sobre o Verbo, a Palavra, oLogos, no primeiro captulo doquarto Evangelho. A sabedoriatinha essa existncia eterna, essa funo

    iluminadora, esse poder criador que Joo atribua Palavra, ao Verbo,aosLogos, com o que identificava a Jesus Cristo.O desenvolvimento desta idia de sabedoriano parou aqui. Entre

    o Antigo e o Novo Testamento, os homens continuaram escrevendo eproduzindo este tipo de literatura chamado literatura sapiencial. Possuatanta sabedoria concentrada; tirava tanto da experincia dos homenssbios que era uma preciosa guia para a vida. Escreveram-se doisgrandes livros em particular, que se incluem entre os apcrifos, e que solivros que ajudaro a alma de qualquer pessoa que as leia.

    (a) O primeiro o livro chamado A Sabedoria de Jesus, filho doSirac, ou, segundo seu ttulo mais comum, Eclesistico. Este livrotambm d muita importncia sabedoria criadora e eterna de Deus.

    "As areias do mar; as gotas da chuvaE os dias do passado, quem poder cont-los?A altura do cu, a amplido da terra,

    a profundeza do abismo, quem as poder explorar?Antes de todas estas coisas foi criada a Sabedoria,e a inteligncia prudente existe desde sempre."

    (Eclesistico 1:2-4, Bblia de Jerusalm, nfase do autor)

    "Sa da boca do Altssimo,E como nuvem cobri a terra.Armei a minha tenda nas alturase meu trono era uma coluna de nuvens.

    S eu rodeei a abbada celeste,Eu percorri a profundeza dos abismos"

    (Eclesistico 24:3-5, Bblia de Jerusalm).

    "Criou-me antes dos sculos, desde o princpio,e para sempre no deixarei de existir".

    (Eclesistico 24:14, Bblia de Jerusalm).

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    Joo (William Barclay) 40Aqui voltamos a encontrar a sabedoria como o poder eterno,

    criador, de Deus que esteve a seu lado nos dias da criao e no princpiodo tempo.

    (b) O Eclesisticofoi escrito na Palestina ao redor de 100 a.C. masquase ao mesmo tempo se estava escrevendo um livro igualmenteimportante em Alexandria, Egito. Chama-se A Sabedoria de Salomo.

    Neste livro est a imagem mais grandiosa da sabedoria. A sabedoria otesouro que usam os homens para participar da amizade de Deus (7:14).A sabedoria o artfice de todas as coisas (7:22). o hlito do poderdivino e um puro eflvio da glria de Deus (7:25). Pode fazer todas ascoisas e renova tudo (7:27). Mas o autor deste livro faz algo mais quefalar da sabedoria; iguala a sabedoria com a palavra. Para ele as duasidias eram iguais. Podia falar na mesma frase, da sabedoria de Deus edapalavra de Deusdando-lhes o mesmo sentido. Quando ora a Deus, assim como se dirige a ele:

    "Deus dos pais, Senhor de misericrdia,que tudo criaste com tua palavra,e com tua sabedoriaformaste o homem"

    (Sabedoria 9:1-2, Bblia de Jerusalm, nfase do autor ).

    Pode falar da palavra quase como Joo o faria mais tarde:"Quando um silncio profundo envolvia tidas as coisase a noite mediava o seu rpido percurso,tua Palavra onipotentelanou-se, guerreiro inexorvel,do trono real dos cus para o meio de uma terra de extermnio.Trazendo a espada afiada de tua ordem irrevogvel,

    deteve-se e encheu de morte o universo:de um lado tocava o cu, de outro pisava a terra.(Sabedoria 18:14-16, Bblia de Jerusalm, nfase do autor).

    Para o autor doLivro da Sabedoria, a sabedoriaera o poder eterno,iluminador, criador, de Deus; a sabedoria e a palavra eram uma e amesma coisa. Os instrumentos e agentes de Deus na criao foram a

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    Joo (William Barclay) 41sabedoriae apalavra, e so elas quem sempre traz ao corao e a mentedos homens a vontade de Deus.

    De maneira que quando Joo procurava uma forma de apresentar o

    cristianismo encontrou a idia da palavra dentro de sua prpria f e natradio de seu prprio povo; a palavra comum que, em si mesma, no um mero som, e sim algo dinmico, a palavra de Deus mediante a qualDeus criou o mundo, a palavra dos targuns; que expressavam a idia daao de Deus, a sabedoriada literatura sapiencial que era o eterno podercriador e iluminador de Deus. Assim, pois, Joo disse: "Se querem veressa palavrade Deus, se querem ver o poder criador de Deus, se queremver essapalavraque deu existncia ao mundo e que d vida e luz a todos oshomens, olhem a Jesus Cristo. Nele a palavra de Deus habitou entre vs."

    O pano de fundo grego

    Mas j vimos que o problema do Joo no consistia em apresentar ocristianismo ao mundo judeu, mas em apresent-lo ao mundo grego.Como, ento, adequava-se esta idia da Palavraao pensamento grego?

    No pensamento grego, a idia da palavra estava ali, esperando que ausasse. Tinha comeado esta idia da palavra, ao redor do ano 560 a.C.,e, o que resulta estranho, que comeou em feso, onde tambm seescreveu o quarto Evangelho.

    No ano 560 a.C havia em feso um filsofo chamado Herclito.Sua idia fundamental era que tudo neste mundo est em um estado demovimento contnuo. Tudo muda dia a dia e momento a momento. Seu

    exemplo famoso era que resultava impossvel banhar-se duas vezes nomesmo rio. Algum se banha uma vez; sai; volta-se a banhar; mas o riono o mesmo, porque as guas correram e um rio diferente. ParaHerclito todas as coisas eram assim, tudo estava em um estado de fluxoconstante. Mas se for assim, por que a vida no um caos total? Como

    pode ter algum sentido um mundo no qual h um fluxo e uma mudanaconstante, ininterrupta e contnua? A resposta de Herclito era: toda esta

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    Joo (William Barclay) 42mudana e este fluir no acontecem por acaso; esto controlados eordenados; seguem um esquema contnuo o tempo todo; e o que controlao esquema o Logos, a palavra, a razo de Deus. Para Herclito, o

    Logos, a palavra, era o princpio de ordem sob o qual o universocontinuava existindo.Mas Herclito ia mais adiante. Sustentava que no s havia um

    modelo no mundo fsico; tambm h um modelo no mundo dos eventos.Sustentava que nada se move sem sentido, que em toda vida e em todosos eventos da vida h um propsito, um plano, um esquema e um intuito.E o que o que controla os eventos? Uma vez mais, a resposta , o poderque controla o Logos, a palavra, a razo de Deus. Mas Herclitoaprofundava ainda mais o assunto. O que o que nos diz, a cada um,qual a diferena entre o bem e o mal? O que o que faz possvel que

    pensemos e raciocinemos? O que o que nos permite escolher em formacorreta e reconhecer a verdade quando a vemos? Mais uma vez Herclitonos d a mesma resposta: o que d ao homem a razo e o conhecimentoda verdade e a capacidade de julgar e discernir entre o bem e o mal o

    Logos, apalavra, a razode Deus que habita em seu interior. Herclito

    sustentava que no mundo da natureza e dos eventos "todas as coisasacontecem segundo oLogos", e que no homem individual "o Logos o

    juiz da verdade". Para Herclito oLogosno era menos que a mente deDeus que controla este mundo e a cada homem em particular.

    Uma vez que os gregos descobriram esta idia, no a deixaramescapar. Fascinava-os. E de maneira especial os esticos, sempremaravilhados diante da ordem deste mundo. A ordem sempre implica

    uma mente. Em qualquer lugar que haja ordem, acerto, intuito e modelo,deve haver uma mente que projetou e controla essa ordem. Os esticos

    perguntavam: "O que o que faz com que as estrelas se mantenham emseu curso? O que faz com que as mars subam e baixem? O que faz comque o dia e a noite ocorram em uma ordem inaltervel? O que faz comque as estaes cheguem no momento indicado?" E respondiam: "Todasas coisas esto controladas pelo Logos, a palavra, a razo de Deus. O

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    Joo (William Barclay) 43Logos o poder que d sentido ao mundo, o poder que faz com que omundo seja uma ordem e no um caos, o poder que ps em movimento omundo e que o mantm em um movimento perfeito. "O Logos", diziam

    os esticos, "domina todas as coisas".Ainda h outro nome no mundo grego que devemos observar.Havia em Alexandria um judeu chamado Filo. Tinha dedicado sua vida aestudar a sabedoria de dois mundos, o judeu e o grego. Nenhum outrohomem conheceu as escrituras judaicas como Filo as conhecia; enenhum judeu conhecia como ele a grandeza do mundo grego. Eletambm conhecia, empregava e amava esta idia doLogos, a palavra, arazo de Deus. Sustentava que o Logos era a coisa mais antiga queexistia no mundo e que era o instrumento mediante o qual Deus tinhafeito o mundo. Dizia que o Logos era o pensamento de Deus impressosobre o universo; fala do Logospelo qual Deus fez o mundo e todas ascoisas; diz que Deus, piloto do universo, sustenta o Logos como ovolante de um leme, e com ele dirige todas as coisas. Diz que na mentedo homem tambm est estampado oLogos, que oLogos aquilo que dao homem a razo, o poder de pensar e o poder de conhecer. Dizia que o

    Logos o intermedirio entre o mundo e Deus, entre o criado e oincriado, que oLogos o sacerdote que apresenta a alma a Deus.

    O pensamento grego conhecia, pois, tudo referente ao Logos. VianoLogoso poder criador e diretor de Deus, o poder que fez o universo eque o mantm em movimento. De maneira que Joo chegou aos gregos edisse:

    "Durante sculos estivestes pensando, escrevendo e sonhando sobre

    o Logos, o poder que fez o mundo, o poder que mantm a ordem domundo, o poder mediante o qual os homens pensam, raciocinam econhecem, o poder atravs do qual ficam em contato com Deus. Jesus esseLogosque veio terra". "A palavra", o Verbo disse Joo, "fez-se carne". Poderamos diz-lo de outro modo "a mente de Deus seconverteu em uma pessoa".

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    Joo (William Barclay) 44Tanto judeu como grego

    Os gregos e os judeus tinham chegado lentamente concepo do

    Lagos, apalavra, a razo de Deus, a mente de Deus que fez o mundo eque lhe d sentido. De maneira que Joo se dirigiu tanto aos judeus comoaos gregos para dizer que em Jesus Cristo esta mente de Deus criadora,iluminadora, controladora, sustentadora, tinha baixado Terra. Veio paradizer que os homens j no necessitam fazer conjeturas e procurar

    provas; que tudo o que deviam fazer era olhar a Jesus e ver a Mente deDeus.

    O VERBO ETERNO

    Joo 1:1-2O princpio do Evangelho do Joo de uma importncia tal e de tal

    profundeza de sentido que devemos estud-lo quase versculo porversculo. O grande pensamento do Joo que Jesus no outro seno oVerbo criador, vitalizador e iluminador dos conceitos grandiosos a

    respeito de Deus, que Jesus o poder de Deus que criou o mundo e arazo de Deus que o sustenta, que veio Terra sob uma forma humana ecorprea.

    Aqui, no comeo, Joo diz trs coisas sobre o Verbo, e isso querdizer, que diz trs coisas sobre Jesus.

    (1) O Verbo existia j no princpio de todas as coisas. Opensamento de Joo se remonta ao prprio comeo da Bblia: "No

    princpio criou Deus os cus e a terra" (Gnesis 1:1). O que Joo diz isto o Verbo no uma das coisas criadas; estava presente antes dacriao. O Verbo no uma parte do mundo que comeou a existir notempo; o Verbo uma parte da eternidade e estava com Deus antes dotempo e antes do princpio do mundo. Este pensamento de Joo recebeum nome tcnico na teologia. Joo estava pensando no que se conhececomo a preexistncia de Cristo. Em mais de um sentido, esta idia da

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    Joo (William Barclay) 45preexistncia algo muito difcil de compreender, se no impossvel.Mas significa algo muito simples, muito prtico e muito tremendo. Se oVerbo estava com Deus antes de que comeasse o tempo, se o Verbo de

    Deus parte do esquema eterno das coisas, quer dizer que Deus semprefoi como Jesus.s vezes tendemos a pensar em Deus como algum justo, santo,

    estrito e vingador; e tendemos a pensar que algo que Jesus fez muda a irade Deus em amor e alterou a atitude de Deus para os homens. O NovoTestamento desconhece completamente idia. Todo o Novo Testamentonos diz, e esta passagem de Joo o faz de maneira especial, que Deussempre foi como Jesus. O que fez Jesus foi abrir uma janela no tempo

    para que pudssemos contemplar o amor eterno e imutvel de Deus. Maspodemos nos perguntar: "Se dissermos isso, o que acontece a algumasdas coisas que lemos no Antigo Testamento? O que dizer das passagensque falam das ordens de Deus para arrasar cidades inteiras, e destruirhomens, mulheres e crianas? Que explicao nos d da ira, do poderdestruidor e do zelo de Deus que aparecem nas partes mais antigas dasEscrituras?"

    A resposta a essas perguntas a seguinte: no Deus quem mudou;o que mudou o conhecimento de Deus por parte do homem. Os homensescreveram essas coisas porque no conheciam mais que isso. Esse era oestgio ao que tinha chegado seu conhecimento de Deus. Quando ummenino est aprendendo um tema, deve faz-lo passo a passo. Nocomea com um conhecimento completo; comea com o que podecompreender e segue avanando cada vez mais. Quando comea a

    estudar lgebra no comea com o binmio de Newton; parte deequaes simples, e continua passo a passo medida que aumenta seuconhecimento do tema. O mesmo aconteceu com os homens e Deus. S

    podiam entender e compreender partes pequenas de Deus. S quandoveio Jesus, os homens viram em forma completa e total como Deus tinhasido sempre.

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    Joo (William Barclay) 46Conta-se que em uma ocasio uma garotinha tomou contato com as

    partes mais sangrentas e selvagens do Antigo Testamento. Seucomentrio foi: "Mas isso aconteceu antes que Deus se tornasse cristo!"

    Se podemos express-lo da mesma maneira, com toda reverncia,quando Joo diz que o Verbo existiu sempre, antes do princpio dascoisas, o que est dizendo que Deus sempre foi cristo. Diz-nos queDeus foi, e sempre ser igual a Jesus; mas os homens no podiam sabere conhecer isto antes da vinda de Jesus.

    (2) Joo continua dizendo:o Verbo estavacom Deus. O que querdizer com isto? Quer dizer que sempre existiu a relao mais ntima emais prxima entre o Verbo e Deus. Ponhamo-lo em outra forma maissimples. Sempre existiu a relao mais ntima entre Jesus e Deus. Issosignifica que no h ningum que possa nos dizer como Deus, qual avontade de Deus para conosco, como so o amor, o corao e a mente deDeus, como Jesus pode demonstrar.

    Tomemos uma analogia humana muito simples. Se queremos sabero que pensa e sente a respeito de algo uma determinada pessoa, e se no

    podermos nos aproximar dessa pessoa, no nos dirigimos a algum que

    apenas a conhece, a algum que s a conhece h pouco tempo; vamos aalgum que sabemos que seu amigo ntimo h muitos anos. Sabemosque o ntimo amigo de muitos anos ser capaz de nos interpretar o

    pensamento e sentimento dessa pessoa. Um pouco parecido o que dizJoo a respeito de Jesus. Diz que Jesus sempre esteve com Deus.Empreguemos uma linguagem muito humana porque o nico que

    podemos usar. Joo est dizendo que Jesus mantm uma relao to

    ntima com Deus que Deus no tem segredo