josé luiz bulhões pedreira

Upload: jarbas-andrade-machioni

Post on 10-Jul-2015

388 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

C O R I O L A N O G AT T O

L U I Z C E S A R FA R O

RODRIGO DE ALMEIDA

Bulhoes PedreiraA I N V E N O D O ESTA D O M O D E R N O B R A S I L E I RO

JOS LUIZ

Bulhoes PedreiraA I N V E N O D O ESTA D O M O D E R N O B R A S I L E I RO

JOS LUIZ

CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G235j Gatto, Coriolano Jos Luiz Bulhes Pedreira : inveno do estado moderno brasileiro / Coriolano Gatto, Luiz Cesar Faro, Rodrigo de Almeida. - Rio de Janeiro : Insight Engenharia de Comunicao, 2009. 276p. ISBN 978-85-98831-10-7 1. Pedreira, Jos Luiz Bulhes, 1925-2006. 2. Advogados - Brasil - Biografia. I. Faro, Luiz Cesar. II. Almeida, Rodrigo de. III. Ttulo. 09-0687. 17.02.09 20.02.09 CDD: 923.481 CDU: 929:34(81) 011147

C O R I O L A N O G AT T O

L U I Z C E S A R FA R O

RODRIGO DE ALMEIDA

Bulhoes PedreiraA I N V E N O D O ESTA D O M O D E R N O B R A S I L E I RO

JOS LUIZ

08

20:37:02

1 de 1 JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIROCopyright 2008 - Insight Engenharia de Comunicao

COORDENAO, EDIO E PRODUO

Insight Engenharia de ComunicaoREDAO

A?

Luiz Cesar Faro, Coriolano Gatto e Rodrigo de AlmeidaP R O J E T O G R F I C O E C A PA

Paula BarrennePOSSVEL.F O T O D A C A PA

Arquivo Alberto Venancio FilhoREVISO

Maria da Penha O. DutraPESQUISA E CHECAGEM

Esther Nascimento e Marsilea GombataPRODUO GRFICA

Ruy SaraivaM A R K E T I N G C U LT U R A L

Joo Carlos Ventura

PAT R O C N I O

trabalha com paixo para produzir

ra a nossa vida diria. Busca sempre a melhor

senvolvimento das pessoas, dos pases

a e faz isso com respeito diversidade cultural

edita que, sim, possvel transformar

APOIOwww.vale.com

, desenvolvimento sustentvel e sorrisos.

ORGANIZAO

Jos Luiz aos 20 anos

6

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

AJ

APRESENTAORAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHESEX-MINISTRO

os Luiz Bulhes Pedreira, na ilustre companhia do Eliezer Batista, foi, na se-

O Jos Luiz me aproximou do Eliezer, em 1994. Para ouvi-lo, com seu costumeiro entusiasmo, apresentar o seu frustrado projeto de eixos de desenvolvimento para integrar, racionalmente, o espao nacional e converter o Brasil na primeira nao com um projeto de sustentabilidade, uma anteviso visionria da importncia que iria adquirir para a humanidade a questo ambiental, intuda por ele com absoluta prescincia no incio dos anos 1990 e que coloca para o homem o imperativo categrico de conciliar preservao do meio ambiente e crescimento econmico. A partir deste encontro fortuito, acrescentei minha convivncia, j de h muito preciosa com o prprio Jos Luiz, uma fecunda e rica parceria com o Eliezer Batista, companheiros, os dois, de sonhos e utopias. No pretendo, e nem teria a aptido requerida, apresentar Jos Luiz Bulhes Pedreira como renomado profissional das letras

gunda metade de minha vida, um dos meus mestres em brasilidade. O elo unificador entre eles era a paixo comum pelo Brasil. Cada um a sua maneira, do seu jeito, na sua especialidade. E, sobretudo, na modstia e discrio com que se dedicaram sem descanso, quase anonimamente e sempre por convocao compulsria, ao desafio comum de colaborar, sem qualquer contrapartida, para transformar o Brasil num grande pas, que, afinal, correspondesse a sua prpria imagem fsica. Tive a honra e, mais que a honra, o prazer cvico de fazer a apresentao da biografia do Eliezer, com foco no seu desempenho como administrador pblico, em livro destinado a eternizar um brasileiro de estirpe rara a dos que empreendem e constroem , convertendo convices em realidade concreta, conceitos em projetos e projetos em empreendimentos.

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

7

jurdicas. Muito menos rememorar as suas grandes faanhas como advogado militante. Disto cuidam os organizadores deste livro, tendo frente o jornalista Luiz Cesar Faro, ao qual ficamos, mais uma vez, devedores da oportunidade de conhecer brasileiros que se destacaram, longe dos holofotes da mdia, no curso de suas vidas, por invulgar dedicao a servio do bem comum. Quero lembr-lo, antes de tudo, como servidor do pblico. Ou melhor: como servidor do interesse pblico. Conheci-o, de perto, em maio de 1964, quando exercia o Governo da Guanabara. E o recebi por ateno ao ento ministro Roberto Campos, para discutir a implantao de um porto de minrio para viabilizar a criao da Companhia Siderrgica da Guanabara Cosigua (hoje controlada pelo Grupo Gerdau), uma indstria-piloto que seria o ncleo de uma zona industrial em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio.

A visita se deu em ateno a pleito que fizera ao presidente Castello Branco para que um projeto de terminal de minrio da Caemi fosse transplantado do antigo Estado do Rio para o Estado da Guanabara. Recebi Jos Luiz Bulhes Pedreira com as maiores reservas. Afinal, iria tratar de tema de relevante interesse para o estado com um advogado, formalmente indicado como portavoz do Governo federal, mas representante, tambm, do grupo privado responsvel pelo projeto. Tentei demover Jos Luiz de instalar o porto da Caemi em Guaiba e Guaibinha, no Estado do Rio, com a promessa de oferecer ampla cobertura poltica ao empreendimento, uma vez que o terminal de minrio era crtico para o florescimento de uma zona industrial fundamental para a sobrevivncia autnoma da Guanabara. Viramos o tema de pernas para o ar. No houve aspecto que no fosse abordado. E, ao

8

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

final, prevaleceu a racionalidade da escolha de Guaiba/Guaibinha, no Estado do Rio, como terminal de minrio da Caemi empresa comprada pela Vale ps-privatizao. A comparao objetiva do custo de capital e do custo operacional das duas alternativas, acrescida das caractersticas fsicas do porto calado natural superior a 25 metros desembrulhadas por Jos Luiz com singular conhecimento, maestria, segurana e transparncia, convenceu-me da consistncia da deciso da Caemi. O futuro veio a demonstrar que a deciso fora acertada: a Caemi um grande sucesso empresarial, servida por eficientssimo sistema de logstica; e a Cosigua tambm um sucesso. Uma, a Caemi, como exportadora de minrio de ferro do qual o porto de Guaiba/ Guaibinha pea-chave. E a outra, a Cosigua, tendo a sucata como insumo siderrgico, , igualmente um bem-sucedido projeto empresarial, ponto de partida para que o seu grupo

controlador se transformasse em formidvel ator na siderurgia nacional. Ao final deste embate de racionalidade matemtica, fomos amigos inseparveis para o resto da vida. Foram tanto laos cvicos como afetivos. A aliment-los, como no primeiro encontro, a causa comum de descobrirmos e explorarmos os melhores caminhos para o crescimento nacional. Nesta mesma poca, o governo Castello Branco comeava um processo de reformas estruturais que mudaria o perfil do Brasil. Jos Luiz Bulhes Pedreira, como consultor

ad hoc, no remunerado, do ministro Roberto Campos, com a escolta de Mario Henrique Simonsen, foi o principal ator das peas que o compuseram. Muito mais pela empatia selada no caso do terminal da Caemi do que pelo posto que ento ocupava, de governador da Guanabara, instigado por Jos Luiz, passei a ser participante, embora bissexto, das reu-

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

9

nies sobre os projetos reformistas, esforo fundamental para que o pas reencontrasse a trilha do seu desenvolvimento econmico, interrompido desde 1961 e s retomado, com vigor, a partir de 1968. Fui testemunha da importncia absoluta de Jos Luiz Bulhes Pedreira no processo: ele no s concebeu como forneceu os instrumentos das reformas que deram nascimento a um novo Estado brasileiro. Foram trs meses, se tanto, de concepo, formulao e implantao do mais brilhante conjunto de medidas, absolutamente originais, devidas, substancialmente, poderosa inteligncia de Jos Luiz o principal arquiteto da revoluo operada, em 1964, nas instituies pblicas, fincando as bases do moderno Estado. Sua abordagem intelectual, inspiradamente cartesiana, no se desviava do alvo a atingir, gnio nico na arte de moldar os instrumen-

tos necessrios consecuo dos objetivos previamente fixados, sem qualquer considerao dogmtica ou ideolgica. Importava a eficcia dos instrumentos, sua utilidade e no a sua rotulao. Por isto, este homem, ardente defensor da economia de mercado, restabeleceu, em plenitude, os pilares do Estado nacional arruinado, no anrquico perodo janguista. Pois, sem a restaurao do Estado, como garantidor de ltima instncia da ordem pblica, nenhum projeto de nao seja qual fosse a sua conotao ideolgica poderia sequer ser, com seriedade, formulado e muito menos executado. O Estado falira. A inflao destrura sua capacidade arrecadadora. Ningum recolhia impostos em dia. Os cofres pblicos federal e estaduais viviam da receita dos impostos indiretos, notoriamente regressivos. Sem recursos suficientes para enfrentar mesmo os seus encargos mais rotineiros, qualquer gover-

10

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

no perde a capacidade efetiva de exercer autoridade sobre os atores sociais, e a sociedade caminhar para o desastre. Convencido de que o governo Joo Goulart se desintegrara por falncia da capacidade arrecadadora do Estado, a primeira e a mais fundamental das reformas de Jos Luiz foi fazer com que o governo pudesse recuperar seu poder de arrecadar. O expediente de emisso primria de moeda apenas sancionava a perda pelo Estado de sua capacidade de cobrar imposto. A correo monetria, que nasceu de Jos Luiz, tinha como objetivo bsico reconstituir a capacidade arrecadadora do Estado, corrigindo a expresso monetria do valor dos impostos, cujo recolhimento postergado se transformara em fonte de renda para os contribuintes em atraso. Implantada, a correo monetria recuperou, num ato, a receita pblica como fonte de recursos para o governo.

Em paralelo e com o mesmo propsito de reforar o Tesouro para fazer frente aos vultosos investimentos em projetos fundamentais para a recuperao econmica do pas, de mais longa maturao e de uso, tambm pelas geraes futuras, introduziu a correo monetria nos ttulos pblicos com prazo de vencimento de 8, 10 ou 12 anos, sem garantia de liquidez antecipada para os seus detentores, que s poderiam disp-los antes do prazo de vencimento no mercado secundrio. Esta a origem da correo monetria tal como magistralmente concebida. Jos Luiz a queria temporria pelo tempo necessrio ao controle da inflao e a ser suprimida, por incua, em tempos de normalidade inflacionria, cumprida sua funo de recompor as finanas pblicas. A revitalizao da capacidade de investir do Estado prosseguiu com sua decidida contribuio para que na frmula de clculo do

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

11

preo dos servios pblicos, concedidos ou diretamente explorados pelo poder pblico, fosse considerado como base da remunerao dos concessionrios o valor atualizado do patrimnio lquido em servio, e no, como at ento, apenas pelo seu valor contabilizado. Esta medida catapultou um fantstico programa de investimentos em infraestrutura um dos pilares do milagre econmico, viabilizando considerveis investimentos na expanso dos sistemas eltricos e telefnicos. Esta refundao do Estado os instrumentos so todos de sua concepo permitiu a exploso do crescimento econmico dos anos 1960 at o fim dos anos 1970. E que, ao contrrio da retrica posterior, no se fez custa de uma intolervel concentrao de renda nacional: entre 1965, quando criada, at meados de 1975, quando a economia desacelerou, a distribuio de renda no Brasil melhorara, a inflao declinava e os empregos, sobretudo os

urbanos, se expandiam acima do crescimento da oferta, a ponto de no haver, na prtica, desempregados. Em paralelo, Jos Luiz lanou os pilares para a criao de um novo sistema bancrio-financeiro, indispensvel para amparar, solidamente, uma economia de mercado em expanso, pea decisiva para o xito do audacioso projeto nacional de desenvolvimento econmico e social em que se empenhava o Governo militar. Jos Luiz foi decisivo na modelagem modernizadora do sistema bancrio e financeiro do pas. Um Banco Central independente sua pedra de toque institudo em substituio vetusta Sumoc, incrustada na estrutura do Banco do Brasil com as funes de autoridade monetria. Nascem, ao lado dos tradicionais bancos comerciais, os bancos de investimento e as companhias de crdito, financiamento e investimento, cada qual dedicado a desempe-

12

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

nhar papel especfico na captao de poupana e na concesso de crdito ao setor privado, sob controle e fiscalizao de um banco central independente como autoridade monetria de ltima instncia. Lanadas as bases de um eficiente sistema arrecadador e de um moderno sistema bancrio-financeiro, o passo seguinte deste incansvel e apaixonado reformador das instituies pblicas concentrou-se na modelagem de trs setores que entendia estratgico para a construo de uma sociedade prspera, mas socialmente mais integrada. O primeiro foi a organizao de um sistema nacional de habitao que pudesse converter cada brasileiro em proprietrio de moradia, objetivo que, no seu entender, tinha duas finalidades inspiradoras: (a) uma de natureza ideolgica: converter cada brasileiro em proprietrio de um imvel forma de poltica pblica para vencer a batalha da opinio

pblica contra os que pregavam a socializao dos meios de produo; e (b) outra de natureza econmica estratgica e anticclica: (i) reduzir os impactos sociais da aplicao de uma dura poltica de controle da inflao; (ii) gerar milhares de empregos utilizando, exclusivamente, insumos brasileiros ao aproximar o mercado consumidor interno do contingente populacional. Assim nasceram, alm do BNH, rgo central do sistema, as companhias de crdito imobilirio e as associaes de poupana e emprstimo, e seus respectivos instrumentos de captao as cadernetas de poupana e as letras imobilirias , destinadas, exclusivamente, ao financiamento, a longo prazo, da compra e venda de imveis. Em vista da relevncia estratgica do desenvolvimento do mercado habitacional, Jos Luiz, ele prprio, abriu a primeira exceo conceitual na aplicao do instituto da correo

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

13

monetria: as contas ativas como passivas do sistema eram monetariamente corrigidas por prazo inferior a um ano e aplicadas tanto aos emprstimos imobilirios quanto s aplicaes em caderneta de poupana e letras imobilirias, por meio da introduo de uma unidade especfica de conta denominada UPC , que corrigia, nas mesmas bases, o valor dos crditos hipotecrios gerados na comercializao dos imveis e as aplicaes dos investidores nos papis do sistema. Tentei seduzir Jos Luiz, na ocasio, para que o indexador do sistema fosse o salrio mnimo e no a UPC. E invocava o exemplo do Estado da Guanabara que, em pleno surto inflacionrio, pusera em p um sistema de venda a prazo 10 anos ou 120 prestaes mensais para aquisio de habitaes populares cuja prestao mensal era equivalente, sempre, a 10% do salrio mnimo vigente. Em dois anos, apenas, o Governo da Guanabara construra e

vendera para a populao favelada cerca de 12 mil moradias. O salrio mnimo, como indexador, assegurava a pontualidade no pagamento. A inadimplncia era inferior a 2%. A garantia do retorno dos investimentos feitos na construo de casas, se atingidas cerca de 15 mil habitaes comercializadas, asseguraria, em cerca de 15 anos, volume de recursos suficientes para construir, no total, 200 mil habitaes suficientes para converter cada favelado, morador no Estado da Guanabara, em proprietrio de um imvel provido de todos os servios bsicos de infraestrutura, com ttulo de domnio e escritura passada em cartrio. Jos Luiz descartou o salrio mnimo como indexador. A moeda do SFH, posteriormente desdobrada, tambm, no Sistema Financeiro de Saneamento, ficou sendo mesmo a UPC. E tudo acabou devorado pela crise da parte final dos anos 1970 que desmontou um de seus pilares fundamentais: a correo pela UPC das

14

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

contas ativas e passivas do sistema, resultando, afinal, em 1986, no desaparecimento do prprio BNH. A consolidao final do SFH tambm teve a inteligncia criativa de Jos Luiz, com a introduo do Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS), que varreu das relaes trabalhistas o instituto de estabilidade, um engodo para os trabalhadores e um peso morto para as empresas. No seu lugar, foi instituda uma poupana compulsria, de que era titular cada trabalhador individualmente, formada, exclusivamente, por aporte das empresas e sem qualquer encargo para os assalariados. A poupana compulsria assim acumulada foi confiada gesto do BNH como banco de segunda linha, para descontar, vista, os contratos de longo prazo de compra e venda de imveis, financiados pelos agentes privados do sistema, produzindo uma fantstica alavancagem de oferta no mercado imobilirio e na construo de um

sistema pblico de gua e esgoto, com impacto direto sobre a sade da populao, beneficiando quase 70% dos municpios brasileiros. O conjunto destas medidas est na raiz do fenmeno do crescimento da economia brasileira, acima de 10% ao ano entre 1968 e 1978. Tudo fruto da arguta capacidade de Jos Luiz de dissecar cada problema, identificar as suas causas reais e enfrent-lo, tendo em vista, sempre, ajustar a participao do Estado e do mercado na busca da convergncia dos interesses de cada parceiro, sob a inspirao nica de servir a coisa pblica. A sua preocupao de organizar um sistema que permitisse a cada brasileiro possuir casa prpria seguiu-se outro talvez ainda mais utpico: construir um instrumento que permitisse a cada indivduo ser acionista de empresas. Pois, na sua viso, a paz social exigia que cada um se sentisse partcipe efetivo do patrimnio coletivo, que todos ajudavam a construir.

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

15

Em parceria com o ministro da Fazenda Octvio Gouva de Bulhes um santo homem pblico , instituiu um incentivo fiscal especfico, para democratizar o mercado de capitais. Cada brasileiro contribuinte do imposto de renda poderia adquirir quotas dos Fundos 157, ento criados sob administrao de algum banco, utilizando parcela do imposto de renda a pagar. O contribuinte se tornava, assim, na condio de quotista do fundo, scio indireto de empresas nacionais de capital aberto, que dispunham, assim, de um eficiente mecanismo de capitalizao. Posteriormente, tudo foi devorado no curso das dcadas perdidas. Debruou-se, tambm, sobre modalidades racionais de participao dos empregados no lucro das sociedades em que trabalhassem, sob forma de participao em seu capital e/ou nos seus resultados. Como chegou a trabalhar com a possibilidade de converter cada brasileiro em acionista das empresas pblicas pela

redistribuio de suas aes aos trabalhadores, em razo inversa da renda individual de cada qual. Com os bvios cuidados para evitar a venda das participaes, sempre sob a inspirao de fortalecer a economia de mercado, mas, atento, tambm, ao vis social, que deveria ser inserido nos procedimentos regulatrios. Fizemos, juntos, alguns exerccios nesta linha. Pois a ele incomodava, como a mim, a profunda assimetria entre a situao dos proprietrios e a dos no-proprietrios, o que o levava busca de caminhos novos para conciliar os interesses do capital e do trabalho, a partir de formulaes concretas que acentuassem a colaborao e no o conflito, mediante a construo negociada de objetivos comuns, corporificados na empresa como instituio bsica para a organizao da cooperao e, ao mesmo tempo, do sucesso do capitalismo. Era crtico contumaz do carter regressivo do sistema tributrio brasileiro. E, ainda

16

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

na gesto de Mario Henrique Simonsen na Fazenda, instou para que o imposto de renda da pessoa fsica incidisse sobre a soma dos ganhos do trabalho e do capital , de tal maneira que o contribuinte recolhesse o imposto sobre a totalidade dos seus ganhos independente da fonte geradora. Sustentava que, diante da concentrao de renda brasileira, e da incomunicabilidade entre estas duas fontes, o Imposto de Renda no Brasil incidia, fortemente, sobre a renda do trabalho, poupando injustamente os detentores de renda do capital anomalia que pode at favorecer a receita mas contraria o mais elementar princpio de equidade fiscal. Nunca teve sucesso nas suas propostas. Assistiu, ao contrrio, sempre com pesar cvico, ao imposto de renda tornar-se cada vez mais inconsistente do ponto de vista da justia fiscal. Como assistiu, sem esconder sua indignao cvica, ao crescimento alarmante da receita dos

impostos indiretos, que desconsidera a efetiva capacidade contributiva do contribuinte para se preocupar, apenas, com o montante da arrecadao, um equvoco que sempre mereceu seu mais severo reparo. Seu compromisso com a construo de uma sociedade de mercado que declinasse, simultaneamente, eficincia gerencial e compromisso social era uma constante nunca ignorado na concepo de todos os instrumentos que elaborou por solicitao de governos. Empresa privada, sim. Capitalismo, sim. Mas empresas e empresrios comprometidos com o bem comum. Lucro, sim. Mas lucros como consequncia dos riscos assumidos. Lucros, sim, mas sem descuidar dos indelveis deveres dos que organizam e dirigem os negcios privados, em referncia sociedade em que esto inseridos e que compem o pano de fundo para seu florescimento. A tica nos negcios condio da econo-

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

17

mia de mercado. E a tica envolve, obrigatoriamente, os deveres do empresrio em relao ao conjunto dos interesses em torno dos quais gravita a atividade empresarial. Deveres para com os credores, deveres para com os devedores, deveres para com os empregados. Deveres para com a comunidade, deveres para com a sociedade poltica, representada pelo Estado, garantidor, em ltima instncia, da existncia e prosperidade da prpria empresa. Era atento situao muito particular da empresa privada brasileira, pea decisiva na arrancada deste pas nos anos 1970, quando ramos a economia que mais crescia no mundo. Convenceu Mario Henrique de que a modernizao da sociedade capitalista brasileira, que passava pelo fortalecimento do mercado de capitais, exigia a atualizao da Lei das Sociedades Annimas e a criao de um rgo que fiscalizasse o funcionamento do prprio mercado de capitais.

Assim, nasceram, com a colaborao fundamental do ilustre professor Alfredo Lamy Filho, seu parceiro incansvel e inspirador, no governo do presidente Ernesto Geisel, as leis das sociedades annimas e da criao da Comisso de Valores Mobilirios (CVM). Nestas duas iniciativas de grande importncia, Jos Luiz deixou marcado os seus foot

prints conceituais bsicos que deveriam informar decididamente o desempenho empresarial: seus compromissos ticos com o bem comum e seus deveres para com a sociedade circundante. Sabia do frgil grau de capitalizao das empresas nacionais, na maioria sob controle familiar, dependentes, para criarem musculatura do ponto de vista do capital, em ltima instncia, dos favores do governo ou de associaes complexas com o capital estrangeiro. Queria que o mercado de capitais fosse o lcus para esta capitalizao. E construiu

18

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

um sistema para que as empresas familiares se capitalizassem no mercado: uma relao entre o nmero das aes ordinrias, com direito a voto, e aes preferenciais, apenas com direitos econmicos, em tal proporo que o acionista controlador brasileiro pudesse recorrer ao mercado mantendo o controle da companhia. Este atrativo, efetivamente, induziu vrias empresas brasileiras a se capitalizarem no mercado, preservando o controle brasileiro da companhia. A contrapartida desta norma protetora e estimulante, de um lado, foi um captulo inteiro definindo, com rigor pretoriano, obrigaes e deveres dos acionistas controladores das companhias, tudo sob fiscalizao da CVM, criada para proteo dos direitos dos acionistas minoritrios. A Lei das Sociedades Annimas, de Jos Luiz e de Lamy Filho, a primeira no mundo que submete a controle explcito os atos do

acionista controlador e no, apenas, dos gestores das companhias de capital aberto: para que no abusem do poder poltico e no possam praticar atos que afetem os interesses da empresa. um cdigo de conduta que supera, em suas exigncias, os princpios que, nos nossos dias, se compreendem no conceito de governana corporativa, nascida dos escndalos do fim do sculo passado no mercado acionrio dos Estados Unidos envolvendo grandes empresas americanas. Os dois princpios o da relao aes preferenciais e ordinrias e o cdigo de conduta do acionista controlador a expresso, a um tempo, da sua viso de estimular o recurso ao mercado de capitais das empresas brasileiras sem desnacionalizar a economia e de garantir ao investidor de mercado direitos concretos como dono de uma parcela do capital em condomnio com o acionista controlador.

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

19

Ponho em relevo este tpico para fundamentar minha concluso de que, ao contrrio da imagem circulante, o sonho de Jos Luiz com a Lei das S.A. foi o de: (a) criar condies para que as empresas nacionais ganhassem escala, medida fundamental para o florescimento, sem sobressalto, da economia de mercado; e (b) cercar de proteo os acionistas minoritrios, no s pela criao da CVM como pelo severo cdigo de conduta que deveria ser cumprido pelo acionista controlador e pelos administradores, expresso dos deveres ticos do empresrio na conduo dos seus negcios. Tudo se complementava, ainda, por um conjunto de regras contbeis fundamentais para conhecimento e avaliao, por terceiros, dos atos de gesto das companhias, disponibilizando informaes padronizadas para acompanhamento da gesto empresarial, convertida, em nossos dias, no dever de transparncia empresarial.

Revoltava-se com os privilgios concedidos aos rentistas, parasitas dos ttulos pblicos. Obrigou as empresas de capital aberto a distribuir pelo menos 25% dos seus lucros anuais sob a forma de dividendos. Pois, na sua utopia, queria investidores no mercado de capitais atrados por dividendos proporcionados pelas companhias em atividades de risco de maneira a estabelecer vnculos estveis de fidelidade entre os acionistas e a sociedade. Aceitava uma margem de especulao nas bolsas de valores como condio de oferecer liquidez para os acionistas. Mas se preocupava com a irresponsabilidade e desenvoltura com que as organizaes administradoras da poupana privada operavam no mercado acionrio, descolando o valor das aes em bolsa do valor delas com base nos fundamentos econmicos da empresa emitente dos ttulos. Em ltima instncia, Jos Luiz identificava em qualquer surto especulativo, estimulado pela integrao mundial

20

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

APRESENTAO

R A P H A E L

D E

A L M E I D A

M A G A L H E S

dos mercados financeiros, uma ameaa virtual estabilidade funcional do prprio capitalismo. Condenava, como predatria, a insuficincia de controle qualitativo dos agentes financeiros e procurava didaticamente apontar caminhos que, sem inibir a capacidade de alocao de poupana destes agentes, os submetessem a uma instncia fiscalizadora que lhes tolhesse eventuais excessos. Conjugava liberdade e responsabilidade. Por isso, foi um crtico constante do que denominava a ciranda financeira no Brasil, alimentada pelo uso dos ttulos da dvida pblica como instrumento nico da poltica monetria no controle da liquidez da economia. Foi magistral sua exposio, em 1981, no Senado Federal, sobre os efeitos perniciosos da prtica que, na verdade, convertia os ttulos pblicos em quase-moeda, resultante de sua utilizao como instrumento de controle da liquidez monetria.

E insistiu, sempre, em denunciar a distoro do sistema monetrio brasileiro, que confunde mercado monetrio com mercado da dvida pblica. Pois, a taxa Selic, que funciona como taxa bsica para controle da liquidez, tambm o indexador dos ttulos pblicos. Esta anomalia garante liquidez diria aos ttulos indexados Selic, fazendo desaparecer a distino entre dinheiro e poupana, que, inclusive, reduz em muito a eficcia de qualquer poltica monetria, expansiva como restritiva. Isso sem mencionar o efeito perverso direto que a elevao da Selic promove para o aumento do valor do estoque da dvida pblica e o seu custo de rolagem. Como era de sua ndole, sua crtica seguiam, sempre, proposies. Pois, a este brasileiro de escol nunca interessou a crtica pela crtica ou a personificao de qualquer divergncia. No conheo quem dele possa reclamar de um comentrio mais spero ou de natureza pessoal. Motivava-se por construir. S criticava

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

21

na estrita medida necessria para justificar as proposies inovadoras que formulava. No meu tempo de ministro da Previdncia do governo Jos Sarney, em 1986, Jos Luiz, a meu pedido, redigiu lei que criava um programa especial para que as empresas empregassem, em regime especial sob o rtulo de aprendiz, menores carentes de 14 a 18 anos, lei que o presidente denominou de Bom Menino, com remunerao equivalente a meio salrio mnimo e obrigao de frequncia escolar, uma tentativa generosa para oferecer renda e treinamento para os meninos que esmolam pelas esquinas das nossas cidades. Elaborou, a meu pedido, quando eu era vice-presidente de futebol do Fluminense, projeto de lei criando regime especial para o imposto de renda das profisses de brilho efmero, compreendendo, especificamente, o jogador de futebol.

Se os mencionei para ilustrar o seu comprometimento, permanente como universal, em questes delicadas e desafiantes do ponto de vista jurdico, pessoal e humano. De todos os grandes brasileiros que conheci, ningum o igualou na produo de tantos instrumentos concretos que modelaram grande parte de nossas instituies pblicas. Ningum fez tanto com tanta discrio e tanto desapego s notoriedades e ao reconhecimento pblico. Era um homem apaixonado. Apresentar Jos Luiz como o grande construtor dos alicerces do Brasil contemporneo, alm de ser, para mim, motivo de orgulho cvico, um tributo post-mortem que lhe rendo, a ele que, em vida, impediu que sua biografia fosse escrita para que a opinio pblica conhecesse um brasileiro singular na sua capacidade de construir e de abrir caminhos para a construo do pas.

22

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

PPREFCIO

O

epteto o mais ilustre dos desconhecidos entre os construtores do Esta-

O vu de discrio sobre sua figura, bem verdade, foi tecido pelo prprio Bulhes Pedreira, cultor intransigente da invisibilidade social como ortodoxia de vida. Sem maior exposio, o jurista engendrou, durante mais de meio sculo, uma pletora de realizaes, passeando pela engenharia de projetos, redao das principais leis da economia e programas pblicos, elaborao de planos macroeconmicos governamentais e formulao dos marcos regulatrios dos setores de infraestrutura e mercado de capitais, entre tantos outros. razovel afirmar que a maioria dos projetos estruturantes do Estado brasileiro, nas ltimas cinco dcadas, foram desenvolvidos, redigidos ou aconselhados por Jos Luiz Bulhes Pedreira. Suas contribuies esto impressas em legislaes to diversas quanto as dos Cdigos de guas e Navegao, tarifas energticas, transporte ferrovirio e rodovirio, imposto de renda, sistema financeiro habi-

do moderno brasileiro cabe como uma luva no personagem Jos Luiz Bulhes Pedreira. Sua obra grandiosa no se reflete no reconhecimento da abrangncia e extenso dos seus prstimos. O fato que grassa a desinformao sobre os feitos do jurista. O senso comum que Bulhes Pedreira ficou restrito a sinnimo da Lei das Sociedades Annimas, e vice-versa uma epopeia jurdica realizada a quatro mos com o jurista Alfredo Lamy Filho. O que poucos brasileiros conhecem que a Lei das S.A. no obstante ser o epicentro da trajetria de Jos Luiz Bulhes Pedreira consiste em apenas um captulo, por mais expressivo que este seja, na sua seminal contribuio pblica, provavelmente a mais diversificada pauta de servios prestados causa da modernizao das instituies nacionais.

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

23

tacional, reforma bancria, correo monetria e criao do Banco Central, para no citar a emblemtica Lei das S.A. A extenso da obra de Bulhes Pedreira faz com que os autores confessem falncia de antemo. At a ltima linha do encerramento deste livro, continuamos a ser surpreendidos com novas informaes sobre suas intervenes. provvel que haja um compndio ainda a ser redigido somente com as contribuies no inclusas nesta obra. Acreditamos, contudo, ter cumprido o papel de descortinar a amplitude das suas realizaes, relatandoas dentro do seu contexto histrico. Se o que fizemos foi pouco, o mesmo no se pode dizer dos companheiros de obra e viagem de Jos Luiz Bulhes Pedreira, que, por meio dos seus relatos, de certa forma escreveram seus prprios livros sobre o personagem. Pena que cada um dos testemunhos no possa estar contido, em sua ntegra, neste trabalho.

Os mritos, portanto, esto reservados aos diversos depoentes, que se entregaram empreitada com grande entusiasmo, concedendo horas e horas de entrevista e disponibilizando documentos e fotografias. Nossos agradecimentos, portanto, vo para Alfredo Lamy Filho, Antonio Dias Leite, Arthur Chagas Diniz, Candido Mendes, Carlos Augusto da Silveira Lobo, Condorcet Rezende, Daniel Valente Dantas, Demosthenes Madureira de Pinho, Eliezer Batista, Fernando Moreira Salles, Francisco Dornelles, Gabriel Jorge Ferreira, Gustavo Franco, Jayme Magrassi de S, Joo Paulo dos Reis Velloso, Joo Srgio Marinho Nunes, Jorge Hilrio Gouva Vieira, Luiz Alberto Rosman, Luiz Carlos Piva, Luiz Fernando da Silva Pinto, Luiz Leonardo Cantidiano, Marclio Marques Moreira, Marco Antnio Sattamini, Maria Ceclia Geyer, Maria da Conceio Tavares, Paulo Arago, Persio Arida, Renata Campanella dos Santos Be-

24

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

PREFCIO

O S

A U T O R E S

czkowski, Roberto Paulo Cezar de Andrade, Roberto Teixeira da Costa, Rodrigo Lopes, Srgio Augusto Ribeiro, Srgio Quintella e Theophilo de Azeredo Santos. Gostaramos de fazer agradecimentos especiais a Raphael de Almeida Magalhes, que se desdobrou em muitos, participando das vrias etapas da produo deste livro; a Carlos Eduardo Bulhes Pedreira, que abriu os arquivos de Jos Luiz Bulhes Pedreira e famlia; e a Alberto Venancio Filho, que forneceu subsdios importantes. Sem a generosa e inspirada contribuio deles este trabalho certamente no teria sido possvel.

Finalmente, nossa gratido a Pedro Henrique Mariani, Tito Martins, Henrique Luz e Jos Gustavo de Souza Costa, que acolheram a ideia no nascedouro e foram os grandes responsveis pelos patrocnios do Banco BBM, da Vale, da PricewaterhouseCoopers e do Metr Rio. Esperamos que o leitor ainda no apresentado s artes do jurista tenha nas pginas seguintes o mesmo prazer que tivemos em mergulhar na sua trajetria de vida. Aos j iniciados, esperamos acrescentar um ou outro detalhe capaz de enriquecer sua grata memria. Se Bulhes Pedreira estivesse vivo nos passaria um pito por tamanha exposio.

OS AUTO RES

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

25

Em sua formatura, em 1947

26

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

AO

A ELEGNCIA DA RAZO

ambiente integrava-se por um ar especial de tristeza e lamento. E no havia

quanto discreto, to dedicado s causas pblicas e privadas quanto generoso, to inteligente quanto avesso a elogios. Aos 81 anos, o carioca Jos Luiz Bulhes Pedreira deixava, naquele 24 de outubro de 2006, uma legio de admiradores e uma vasta galeria de servios prestados a governos, empresas, cidados. No havia, portanto, como aquela paisagem do So Joo Batista incorporar outros sentimentos seno de lamrias, dor e gratido. As reaes fnebres se revelariam inteiramente previsveis no fosse o fato de, duas horas antes do sepultamento, emergir a voz alta e sofrvel de um homem de trajes simples, que chegara apoiado numa bengala. O cidado repetia, em pleno velrio, como se algum buscasse cont-lo: Me deixem ver o meu amigo. Insistia: Quero ver o meu amigo. Debruou-se sobre o caixo e beijou a testa do falecido. Compartilhando o sofrimento dos amigos presentes, conhecidos ou igualmente annimos, o homem chorou. Soube-se, mais tarde, que aquele era um entre muitos cidados necessitados a quem Bulhes Pedreira estendera a mo durante anos. Comovido, solidarizava-se e os amparava. Em

como ser de outro modo. O cenrio era a paisagem previsivelmente fnebre do Cemitrio So Joo Batista, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. O personagem do adeus: Jos Luiz Bulhes Pedreira, morto, naquele dia, vtima de complicaes decorrentes de um cncer no pulmo. Falecera, todos ali sabiam, um mestre da advocacia brasileira; o advogado que, desde a j longnqua dcada de 1950, oferecera ao pas seus notveis conhecimentos jurdicos e econmicos; o jurista que influenciara vrias e vrias geraes no campo do direito empresarial e societrio; o formulador que ajudara a construir os alicerces das nossas modernas instituies capitalistas; o responsvel pela estruturao de alguns dos negcios mais relevantes do Brasil das ltimas cinco dcadas e por abrir as portas e os horizontes do pas aos investidores internacionais; o artfice, ao lado de outros mestres de sua gerao, como Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen e Octvio Gouva de Bulhes, da montagem legal do Estado brasileiro como o conhecemos hoje; o homem to brilhante

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

27

silncio. Discretamente. A lembrana deste episdio do advogado e amigo Srgio Bermudes, relatada num artigo de outro amigo, advogado e colega de escritrio por 40 anos Alberto Venancio Filho. A elegncia da generosidade discreta, sintetizada no relato, oferece ao leitor os contornos de algumas das principais caractersticas do personagem deste livro. Bulhes Pedreira tinha classe, estilo, delicadeza cavalheirssimo, do tipo encantador, descreve o economista Roberto Teixeira da Costa , mas sobretudo uma inteligncia marcante que combinava com recolhimento. Ele era reservado, no se abria com as pessoas. Mas na convivncia era agradabilssimo, sugere Raphael de Almeida Magalhes, o ex-ministro e ex-governador da Guanabara que se tornou um dos seus mais prximos amigos. O professor Candido Mendes, com quem trabalhou no governo no incio dos anos 1960, recorre a uma precisa expresso para definir a discrio do amigo: Havia no Jos Luiz o pudor recatado da intimidade. E assim os testemunhais se sucedem. Do tambm professor e parceiro Alfredo Lamy

Filho: Jos Luiz tinha vergonha de ser bom. Assisti a ele promover vrias vezes atos de caridade que fazia questo de esconder. Era um vulco de sentimento com a erupo voltada para dentro de si mesmo, diz o advogado Jorge Hilrio Gouva Vieira. Certo dia fui ao escritrio dele e soube que a D. Yeda Iglesias Ribeiro, secretria de muitos anos, havia morrido. Entrei chocadssimo e emocionado na sala e ele mudou de assunto. Ele estava muito triste, arrasado mesmo. Podia tambm ter me consolado, dividido a dor comigo, mas apenas disse: Pois ... O remdio, lembra seu filho Carlos Eduardo, era submergir no trabalho para no pensar na perda, deixando que o tempo cuidasse de curar a ferida. Diz Luiz Alberto Rosman: Era muito discreto e extremamente generoso. No podia ver um amigo em necessidade que movia mundos e fundos para ajudar. Para Rosman, que entrou como associado no escritrio nos anos 1980 e passou condio de scio em 2002, a aparente frieza era resultado da timidez. Para outros, uma forma de autoproteo. A realidade que Jos Luiz era um emotivo. Seus olhos marejavam-se com frequncia

Jos vrias vezes atos de caridadebom. fazia Luiz tinha vergonha de ser Ele promoveu que

quest o de esconder. Era um personagem nico

28

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

e recorrentemente. Bastava ouvir um relato mais tocante. A conjugao entre generosidade e discrio no se resumia aos gestos gratuitos de caridade como Lamy define e intimidade, que preservava com o mximo rigor. (Mesmo entre os muitos colegas de escritrio, parceiros de projetos ou aliados em causas pblicas, com os quais dividira dcadas de trabalho conjunto, poucos gozariam da convivncia ntima.) Bulhes Pedreira costumava dedicar-se, enfaticamente, a apagar os vestgios que pudessem vincul-lo a qualquer forma de exibicionismo pblico. Era avesso a entrevistas, sublinha Alberto Venancio Filho. Em 1972, por exemplo, ficou aborrecido com o jornal Politika uma pequena publicao do jornalista Oliveira Bastos ao ver estampado, como ttulo de uma entrevista, o que considerava ser um exagero de adjetivo: Jos Luiz Bulhes Pedreira o homem mais inteligente do Brasil. O que est aqui, dizia o texto de abertura da entrevista, foi colhido dele, mas a publicao desta matria uma pequena traio. Ele pode ter razes para se esconder tanto. Ns, entretanto, no temos o

direito de esconder o que sabemos (e o que ouvimos) dele. Mais adiante, o jornal ressaltaria: Homens como Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen, Villar de Queiroz, Joo Paulo dos Reis Velloso e outros (...) consideram Jos Luiz Bulhes Pedreira um gnio. O entrevistado achou que o elogio ia alm da conta e ficou chateado com Oliveira Bastos. Eis um dos motivos pelos quais, depois de uma longa e bem-sucedida trajetria que lhe trouxe fama e reconhecimento entre advogados, polticos e economistas , constata-se que os brasileiros, em geral, desconhecem-lhe os feitos. Podem recordar o nome, mas provavelmente no o associaro ao que ele foi e fez. Bulhes Pedreira, fora do interior da esfera de sua atuao profissional, no teve a devida notoriedade em vida, embora o grupo que, naquela dcada de 1960, estava incumbido de modernizar o Estado brasileiro se dividia sobre o mais inteligente brasileiro vivo. Metade achava que era Jos Luiz responsvel pela parte jurdica das reformas. Uns e outros apontavam Mario Henrique Simonsen, o homem da modelagem financeira. E uma parcela, Roberto Campos, o maestro criativo da grande reestrutura-

Bulh es Pedreira os vestgios que pudessem costumava dedicar-se, enfaticamente, a apagar

vincul-lo a qualquer forma de exibicionismo pblico

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

29

Estudou, por si, economia, filosofia e lgica. Uma salada cultural, acadmica e profissionalque o diferenciou completamente dos colegas

o. A genealogia desta espcie dos grandes gnios da reformulao do Estado, no entanto, ficar para o prximo captulo. Por ora, convm ressaltar que, no caso de Bulhes Pedreira, era possvel deparar-se com uma rara combinao de qualidades: a vasta bagagem jurdica associada ao conhecimento de economia, matemtica, sociologia e poltica. Constitua em um sistema lgico de pensamento. A slida formao jurdica lapidou em casa e na Faculdade Nacional de Direito. O primeiro verniz foi em famlia, porque Jos Luiz Bulhes Pedreira pertenceu a uma linhagem de ilustres advogados. Pouca gente tem conhecimento, mas seu nome de batismo , na verdade, Jos Luiz Bulhes Pedreira Netto. Uma homenagem ao av. (Profissionalmente, abandonaria o Netto.) Formado na Faculdade de Direito do Recife em 1885, ao lado de colegas como Alberto Torres, Borges de Medeiros e Virglio Carneiro Leo, o av tornou-se mais tarde um respeitado advogado e desembargador. O pai, Mrio Bulhes Pedreira, foi um dos grandes advogados de seu tempo. Especialista em direito penal, tornou-se um dos maiores criminalistas. Diferentemente do filho, que era brilhante

nos argumentos jurdicos mas tmido demais para grandes arroubos de oratria, Mrio era um orador virtuoso. Dos maiores que o pas j teve. Se no era um tribuno como o pai, Jos Luiz exibia, repita-se, um conhecimento mltiplo incomum. Era racional no mtodo e engenhoso nas sadas jurdicas que encontrava. Para alm do mundo do direito, era um autodidata. Estudou, por si, economia, filosofia e lgica. Uma salada cultural, acadmica e profissional que o ps muitos passos frente dos colegas. Como escreveu o jornalista Elio Gaspari, pouco depois de sua morte, advogado que conhece matemtica raro como o selo Olho-de-Boi. Sobretudo quatro ou cinco dcadas atrs, quando j revelava o talento para a matemtica. H pareceres dele que so verdadeiros estudos matemticos, sugere Alberto Venancio Filho. No conheci nenhum outro jurista no Brasil que tivesse essa abordagem. O tributarista Condorcet Rezende complementa: Ele era retrado, no gostava que o nome dele fosse alardeado. Falava com clareza e uma imensa objetividade. Conhecia profundamen-

30

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

Econmico como a morte deo D. Yeda,sofreu intensamente na demonstra dos afetos, com as perdas a secretria de toda

a vida, e a do filho Mrio, que o abalou profundamente

te no s Direito, mas Contabilidade. Por isso, dedicou-se legislao do Imposto de Renda da Pessoa Jurdica. Jos Luiz Bulhes Pedreira Netto nasceu no Rio de Janeiro em 1 de julho de 1925, segundo filho de Mrio Bulhes Pedreira com Carmen Costa Rodrigues Bulhes Pedreira. Vinte e dois anos mais tarde j se formava pela Faculdade Nacional de Direito, depois de concluir os estudos no Colgio Santo Incio. Foi com essa idade que se casou pela primeira vez, em 1946, aps seis anos de namoro e noivado com Gilda Pessoa Raja Gabaglia, neta do ex-presidente da Repblica Epitcio Pessoa. Da unio nasceriam dois filhos: Mrio, que morreu aos 18 anos quando praticava caa submarina em Bzios, e Carlos Eduardo. Jos Luiz e Gilda separaram-se em 1953. Veio ele a unir-se a Tharcema Cunha de Abreu, com quem se casou oficialmente em 1986. Viveria com ela at a morte, em outubro de 2006. Brilhante nas causas que abraava, imerso em pudores da intimidade e econmico na demonstrao dos afetos, Bulhes Pedreira sofreu intensamente com as perdas como a

morte de D. Yeda, a secretria de toda a vida, e a do filho Mrio, que o abalou profundamente. Ele era um homem recolhido, diz Maria Ceclia Geyer, a ex-comandante-em-chefe da Unipar (que sucede o marido Paulo Fontainha Geyer), imprio que Jos Luiz ajudou a estruturar. Ia a festas, conversava, danava, mas no fundo era um homem fechado, srio. Um homem solitrio, mas que gostava da vida, segundo Raphael de Almeida Magalhes. At meados dos anos 1950, foi um praticante de polo. Esta, porm, no a histria de uma vida comum, mas o relato de uma longa vida pblica. Uma trajetria que Bulhes Pedreira iniciou ainda jovem, no comeo dos anos 1950. Depois de um curto perodo de atividades empresariais aps formar-se na Faculdade de Direito, foi nomeado advogado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE), quando o atual BNDES (mais tarde ganharia o S de Social) ainda dava seus primeiros passos. Aos 32 anos, seu talento logo foi descoberto por Roberto Campos, que o nomeou chefe do Departamento Jurdico do banco at meados de 1957. Viriam, a partir desse momento, sucessi-

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

31

vas colaboraes como autor de textos legislativos fundamentais no s no BNDE, no incio do governo de Juscelino Kubitschek, como, nos anos seguintes, nas reformas econmicas do governo Castello Branco depois do golpe militar de 1964. A partir daquele momento, Bulhes Pedreira no mais ocuparia cargos governamentais. Combinaria o desenvolvimento de seu escritrio de advocacia, no Rio, com servios prestados ao governo por meio de convites que se repetiriam nas administraes de Castello Branco, Ernesto Geisel, Jos Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Car-

doso. Longe de funes pblicas, o jurista no mereceu um verbete na nova edio do abrangente Dicionrio Histrico-Biogrfico, editado pela FGV-CPDOC, que esmia nos seus cinco volumes distribudos por 15 quilos os mais importantes personagens da vida nacional com atuao a partir de 1930. possvel afirmar com convico que a empresa pblica brasileira no prescindiria da razo de Jos Luiz Bulhes Pedreira e enxergaria nele a condio de principal construtor da sua ossatura jurdica. O tempo afianaria esta assertiva.

32

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

UD

UMA GENEALOGIA DA ESPCIE

izem certos economistas que a Economia costuma caminhar na frente do Di-

de empresrios e engenheiros, destinada a dar forma real e legal a uma economia que comearia a ganhar complexidade numa nao, por que no dizer, nascente. Havia um pas a ser reinventado, embora pudesse, naquele momento, orgulhar-se de ter passado custa de muitas crises, sobressaltos e tempestades tenebrosas por uma mudana considervel. Quando, por exemplo, Getlio Vargas chegou ao Rio de Janeiro frente de uma Revoluo, no fim de outubro de 1930, tomou posse como presidente de um recanto sonolento e praticamente esquecido da Amrica do Sul. A economia brasileira sustentava-se na produo e na exportao de caf. Tempos depois, quando se matou com um tiro no peito em agosto de 1954, o Brasil j era bem diferente da Repblica de 1930. Era um promissor centro de produo industrial. Estradas comeavam a chegar a regies remotas. Linhas areas passaram a conectar o Brasil aos Estados Unidos e s capitais europeias. Uma massa de habitantes do campo mudara-se para as cidades. A tentativa de desenhar um Brasil moderno partira da assessoria econmica instalada no gabinete de Vargas a partir de 1951, dirigida

reito. Primeiro surgem as novas modalidades de negcios, novos arranjos econmicos, novas formas de operao. Quando tomam forma, aparecem os juristas e legisladores, que lhes regulam e lhes garantem concepo legal. Como dizia o professor Delfim Netto, primeiro se faz o faroeste; depois se traz o xerife. Ou, na lembrana do ex-ministro Roberto Campos, vm frente as confusas eructaes econmicas. Depois sua formatao jurdica. Mas consta que, conforme o prprio Roberto Campos sublinha no livro A Lanterna na Popa (Edi-

tora Topbooks), existem raros advogados que conseguem dar operacionalidade jurdica aos confusos esquemas dos economistas. Dispensvel dizer que Jos Luiz Bulhes Pedreira um deles. E muito jovem, iniciaria seu papel de protagonista na formao do arcabouo legal das instituies pblicas modernas brasileiras ao lado de uma brilhante gerao de economistas que iriam conceber um novo Brasil. Ocorreu, no intervalo dos anos 1950 e 1960, a mais virtuosa conjugao de esforos entre economistas e juristas, com a interseo

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

33

por Rmulo de Almeida. Exibiam fora, qualidade e influncia sobretudo dois nomes: do lado da racionalidade administrativa, Luiz Simes Lopes; da racionalidade econmica, Eugnio Gudin. Este terminaria promovendo, por vias tortas, o encontro de dois outros economistas que exerceriam notvel influncia nos anos seguintes Mario Henrique Simonsen e Roberto Campos. O encontro ocorreu no velrio do irmo de Gudin, o famoso mdico Maurcio Gudin, um homem atltico, bem-sucedido, mas que se suicidara deprimido pela aproximao da velhice. Os dois voltariam a se ver quando Simonsen, engenheiro recm-formado, tornou-se analista de projetos na Consultec, a entidade que Roberto Campos criaria com Lucas Lopes e Mrio da Silva Pinto no fim daquela dcada. Luiz Fernando da Silva Pinto, filho de Mrio e hoje o homem frente da Consultec, ajuda a descrever a formao do que chama de grandes tribos pensantes constitudas naqueles anos blocos que, reunidos ou divergentes, movidos por foras centrfugas ou centrpetas, pensariam um Brasil novo. Eram seis, segundo definio de Luiz Fernando: os Santiagos, os Internacionalistas, os Braslico-Engenheiros, os Programticos, os Paulistas e os Eics. Sua descrio de cada tribo eliminar o estranhamento da titulao. A saber: Os Santiagos, liderados por San Tiago Dantas, teriam a seu cargo o processo de legitimao maior junto sociedade de todas as grandes aes inovadoras, descreve Luiz Fernando. Integrariam este grupo, alm do

prprio San Tiago Dantas (ex-ministro das Relaes Exteriores e da Fazenda no governo parlamentarista de Joo Goulart), nomes como Luiz Gonzaga do Nascimento Silva (ministro do Trabalho no governo Castello Branco e da Previdncia Social no governo Geisel), Marclio Marques Moreira (ministro da Fazenda no governo Collor de Mello) e o historiador Raymundo Faoro. Eram de uma estirpe com denso conhecimento da ordem jurdica nacional e internacional, alm de uma robusta cultura institucional. Os Internacionais, diz Luiz Fernando, eram o grupo liderado por Roberto Campos. Com ampla familiaridade com a globalizao, alm dos desdobramentos de Bretton Woods, e a ordem monetria internacional nascida logo depois da Segunda Guerra Mundial. Alexandre Kafka, por exemplo, era um dos economistas integrantes deste segmento. A terceira tribo, os Braslico-Engenhei-

ros, era herdeira de Oliver Derby e Eusbio Oliveira. Liderados simultaneamente por Glycon de Paiva, Mrio da Silva Pinto e Jorge Oscar de Mello Flores, os Braslicos conheciam o Brasil na palma da mo, terra que tinham percorrido em estudos geolgicos, de infraestrutura e energia. Os Programticos constituam-se de mineiros ou pessoas a eles ligadas, sob a liderana de Lucas Lopes. Alguns integrantes de relevo do grupo: Mrio Bhering, Mauro Thibau, John Cotrim, Renato Feio, entre outros. Como quinto grupo, os Paulistas. Reuniam esforos da Federao das Indstrias do Es-

34

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

tado de So Paulo, a Fiesp, da Universidade de So Paulo e do Instituto de Pesquisas Tecnolgicas, o IPT. Seu lder: Delfim Netto; junto com ele um colar incontvel de discpulos, os chamados Delfim boys. Por fim, o que Luiz Fernando da Silva Pinto denomina de Eics. Esse grupo dedicaria especial nfase a instrumentos de ao de vanguarda e commodities liderados por Jorge Kafuri, Eliezer Batista e Antonio Dias Leite. Dariam vida a um curso emblemtico de engenharia econmica e a cases de notvel sucesso, como o da Aracruz Celulose e o da Vale do Rio Doce. Eis os seis grandes grupos que, segundo ele, pensariam o Brasil moderno naqueles anos 1950 e 1960. (Luiz Fernando omite, mas restaria incluir o papel dos estudos cepalinos, no Brasil, comandados por Celso Furtado.) A crise de 1959 abriria os caminhos que conduziriam a uma sntese de alguns desses grupos. Explica-se. Em 1938, o Brasil adquirira, por meio dos chamados acordos de Robor, o direito explorao de uma rea de concesso de petrleo na Bolvia. Essa rea seria explorada por empresas mistas brasileiras e bolivianas. Vinte anos depois, ou seja, em 1958, nada havia sido feito, escreve Roberto Campos em A Lanterna na Popa. O Brasil estava a braos com seu problema de dinamizar a Petrobras, ento carente de recursos e magra de resultados. E na Bolvia, obviamente, no sobravam capitais para a tarefa. Depois de longas negociaes, acabariam assinadas, ainda em 1958, as chamadas notas

reversais ao Tratado de Robor. Nelas, o Brasil sacrificava mais da metade da rea, retendo apenas 40% da extenso prevista, mas em troca a explorao, que anteriormente era feita por firmas brasileiro-bolivianas, passou a ser conduzida exclusivamente por brasileiras. Seria preciso ento formular os princpios gerais para a seleo de empresas encarregadas da explorao do petrleo da Bolvia. Para tanto, foi constitudo um grupo de trabalho interdepartamental, do qual participou Lucas Lopes, ento presidente do BNDE, e, em seguida, Roberto Campos (quando Lucas Lopes foi para a Fazenda). O presidente Juscelino Kubitschek designara o banco para ser o executor do acordo. Em outras palavras, caberia ao BNDE fazer as licitaes para as empresas brasileiras que quisessem se associar ao empreendimento na Bolvia. No grupo de trabalho estava Jos Luiz Bulhes Pedreira, chefe do Departamento Jurdico do banco. Concludo o estudo, o grupo credenciou cinco empresas para operao na Bolvia. A reao nacionalista foi imediata. Uma artilharia pesada. Da mobilizao estudantil s afrontas retricas de Carlos Lacerda, emergiu uma onda forte que atingiria o BNDE. A questo boliviana se tornaria o principal tema da CPI criada para investigar irregularidades na Petrobras. Alegou-se que houve intenes escusas de privilegiar o capital estrangeiro no processo de seleo. (No seria a ltima vez que Roberto Campos, especialmente, e Bulhes Pedreira seriam xingados de entreguistas ao capital internacional.)

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

35

Nooprecisa,pirotecnia. Ele trazia ao havia alcanando com xito solu

objetivo. E sempre acertava

Com a crise, trs grupos deslocam-se do governo os Programticos, os Internacionais e os Braslico-Engenheiros. Fundariam a Consultec. Suas premissas: averso ao dficit pblico, fluxo de caixa autossustentado, guerra implacvel inflao, projetos sociais de massa e no paternalistas, busca por um comrcio internacional forte e integrado, estmulo ao ingresso de capital estrangeiro, transparncia legal e projetos de gerao de energia e criao de infraestrutura. Buscavam um novo nvel de maturidade estratgica para o Brasil, de modo que o pas abandonasse o atraso operacional e completasse a tarefa de modernizao iniciada nos anos de Getlio. Da unio desses trs grupos, liderados por Roberto Campos, emergiram dois personagens-smbolo de um universo de tcnicos brilhantes: Mario Henrique Simonsen e Jos Luiz Bulhes Pedreira. O economista e o jurista. A sntese na qual se ergueria o grupo de formuladores do moderno Estado brasileiro. Eram duas cabeas privilegiadas e diferentes, diz o empresrio Daniel Dantas.

O Simonsen era uma mente prodigiosa, uma capacidade de raciocnio lgico e muito rpido. E o Bulhes era um homem sbio. Eram duas formas de pensar, eram dois jeitos diferentes, que se complementavam. Eles se gostavam muito. Havia uma diferena grande entre o modo de operar de Mario Henrique e o de Bulhes Pedreira. Eu nunca pedia para o Simonsen uma prescrio diante de um problema. Eu lhe perguntava: Professor, nessa circunstncia, o que o senhor levaria em considerao? A varredura era total. Como a questo estava posta em sala de aula, ela era precisa, objetiva e clara. Ali a identificao do problema 95% da soluo. Para o Bulhes Pedreira, a pergunta era outra: Diante do problema, o que deve ser feito? Era impressionante. Ele traava uma prescrio adequada com aderncia ao mundo real dentro de um apreo esttico pela eficincia. No havia pirotecnia. Ele trazia a soluo precisa, alcanando com xito o objetivo. E sempre acertava.

36

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

CT

CORTANDO E COLANDO O CAOS

ero se surpreendido alguns poucos privilegiados sejam eles familiares,

somam a documentos de carter privado devidamente arquivados, separados, datados e resguardados. Mesmo quem presencia todo esse material custa a crer que tamanha tarefa tenha sido executada. Bulhes Pedreira era um fenmeno de organizao e disciplina. Adquirira hbitos de rigor e clareza que, diriam extremistas, fariam corar Ren Descartes. (No parecia coincidncia que, como o fsico, filsofo e matemtico francs, o jurista tambm estudou num colgio jesuta, o Santo Incio, de onde saiu como um dos seus mais brilhantes alunos.) Mas coube a uma mulher extraordinria, dedicada como poucas a Bulhes Pedreira, tornar realidade a organizao imaginada por ele: Yeda, a secretria que o acompanhou por dcadas. Ela era o brao direito do jurista. A intrprete dos garranchos aparentemente incompreensveis, postos sobre os anteprojetos de lei em fase de consolidao e correo. A datilgrafa dos textos que Bulhes Pedreira criava na cabea e ditava para lev-los ao papel. A organizadora do cipoal de recortes e papis enxertados nos documentos produzidos pelo chefe.

amigos, scios ou meros curiosos beneficiados por um acaso oportuno que puderam deparar-se com os arquivos profissionais, acadmicos e pessoais de Jos Luiz Bulhes Pedreira. No que ignorassem o fato de que o personagem em questo era um reconhecido metdico no trato e nas ideias. Tampouco haviam de duvidar da organizao sistemtica do seu material de trabalho. Mas o grau de detalhismo, rigor e ordenao desses documentos ultrapassa os padres adquiridos pelos sujeitos mais organizados. Beira o excesso. No bom sentido. A memria de Bulhes Pedreira (um tesouro pertencente ao advogado Carlos Eduardo Bulhes Pedreira, que pretende coloclo sob o abrigo de alguma instituio) abarca um extenso volume de estudos, pareceres, apostilas, extratos de livros, anotaes para futuras obras, arquivos de jornais com reportagens e artigos diversos, correspondncias, emendas de projetos e anteprojetos, rascunhos uma infinidade, enfim, de pastas de maior ou menor interesse pblico que se

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

37

Uma das caractersticas de Bulhes Pedreira, incomum entre os advogados da sua poca, era a de ditar seus trabalhos em fitas cassetes, que eram transcritas e datilografadas por D. Yeda. E o que surpreendia era que, na segunda ou na quarta fita, ele lembrava com preciso o que havia ditado na primeira, e evitava repetir adjetivos ou substantivos. O mecanismo de tesoura, cola e borracha era utilizado na reviso da primeira minuta dos seus trabalhos ditada em fita cassete, ou na compilao de atos normativos, jurisprudncia e doutrina poca no existia computador. O resultado era uma fartura de emendas que tornavam os documentos um objeto indescritvel de colagens. Cabia a D. Yeda pr ordem naquilo e atualizar a verso do texto, datilografando novamente, inserindo, eliminando e unindo fragmentos dispersos em papis superpostos. D. Yeda era inacreditvel, resume Raphael de Almeida Magalhes. Uma figuraa, empolga-se Alfredo Lamy Filho. Este relembra a poca em que ele e Bulhes Pedreira dividiam a escrita dos captulos que resultariam na Lei das Sociedades Annimas. Lamy

escrevera a introduo lei, e a secretria cumprira a tarefa de passar o texto a limpo e devolver a Bulhes Pedreira. No dia seguinte, o dilogo: A senhora leu? perguntou Lamy. Li respondeu D. Yeda. O que achou? devolveu o interlocutor. Gostei dessa historinha completou a secretria. Vinte dias de trabalho e ela resumira o cartapcio jurdico a uma historinha, divertese o professor Lamy. D. Yeda foi a co-autora da lei. Sem ela no haveria Lei das S.A., sugere Raphael. O papel da secretria relembrado por quase todos os colegas e parceiros, mais ou menos prximos, que trabalharam com Bulhes Pedreira. Um deles, Paulo Arago, identificava nela uma caracterstica fundamental, capaz de fazer-se reconhecer pelos olhares mais atentos. que D. Yeda batia mquina uma Facit cuja caixa de tipos parecia nica no pas. No havia em lugar algum. Os textos no tinham autoria, afinal Bulhes Pedreira nunca teve essa preocupao, diz Arago. Mas para alguns iniciados do ramo era muito

Outilizado nade tesoura, cola e borracha mecanismo era revis o da primeira minutados seus trabalhos ditada em fita cassete

38

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

Omundomltiplo conhecimentodo ponto diversificados ngulos seu inclua do dos negcios seja de vista comercial esocietrio, seja do ponto de vista tributrio

fcil saber que os escritos pertenciam a ele, porque as caractersticas vinham da caixa de tipos que s D. Yeda tinha. To unnime quanto a importncia de D. Yeda que se formaria em Direito era o talento de Bulhes Pedreira para a matemtica e para a lgica. A racionalidade do jurista encontrava nesta seara sua mais ampla e necessria guarida. Um conhecimento cuja profundidade, diga-se, ele recusava. Jos Luiz dizia que no sabia tanta matemtica quanto afirmavam, lembra Jorge Hilrio Gouva Vieira. Ele desdenhava: Apenas sei as quatro operaes. Basta us-las. E, invariavelmente, ele utilizava muito a mquina de calcular. Modstia. Bulhes Pedreira fazia jus frase de Friedrich von Hayek, o economista austraco que influenciou quase todas as geraes de liberais: No um bom economista apenas quem um economista. O seu mltiplo conhecimento inclua diversificados ngulos do mundo dos negcios seja do ponto de vista comercial e societrio, seja sob o enfoque tributrio. As geraes seguintes, que ajudou a formar, seguiriam a tradio iniciada por ele. No seu tempo, contudo, foi nico.

Havia quem chegasse a confundir sua formao. No era raro algum atribuir-lhe o papel de economista. Quando ocorria, Bulhes Pedreira respondia, com pacincia, que no era economista, mas advogado. E lembrava que, tendo entrado para o Departamento Jurdico do BNDE, acabou lidando com processos econmicos e convivendo com economistas. Ali aprendeu o economs. Bulhes me impressionou desde a nossa primeira conversa, descreve Eliezer Batista. E o que me chamou a ateno imediatamente foi sua capacidade de processamento de questes complexas dspares. Tinha uma rapidez tremenda para reagir aos problemas. Uma memria que abrangia diversas reas. Uma inteligncia como jurista, como filsofo, como humanista e como matemtico. Foi esse conhecimento matemtico que lhe permitiu discutir como se economista fosse com Mario Henrique Simonsen e Roberto Campos as ideias econmicas que projetavam para o pas; que o tornou o jurista brasileiro mais apto a transformar, em textos jurdicos e legislativos, as ideias econmicas produzidas pela dupla supracitada. Campos, por exem-

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

39

plo, lembrou, em sua biografia, as noitadas a fio no apartamento de Bulhes Pedreira, no Leme, para produzir um documento de 203 pginas para Tancredo Neves designado, em setembro de 1961, primeiro-ministro do governo parlamentarista de Joo Goulart. Tancredo pedira a Campos que preparasse um plano de governo para submisso ao Parlamento. Os trs, reunidos por 15 dias, discutiam de tudo: inflao e estabilizao, reformas, desenvolvimento econmico e social, entre outros assuntos de carter principalmente econmico que integrariam o documento. (quele tempo, relembra Campos, eles acreditavam no dirigismo planificador; ao fim da vida, achariam que planos de governo no passariam de sonhos com data marcada.) O plano no deu certo, mas resultou na amizade duradoura dos trs. O mtodo Bulhes Pedreira abrangia, por fim, uma maneira dialtica de lidar com os contrrios. Instigava seus interlocutores a refutarem os argumentos que ele mesmo concebia. Arthur Chagas Diniz, com quem trabalhou no Grupo Moreira Salles, relembra que o prprio jurista criava argumentos que combatessem a ideia que estava desenvolvendo. Ele concebia os dois lados da moeda: o contra e o a favor. Candido Mendes estende a definio: A psique de Jos Luiz tinha muito pouco a ver com o jeitinho brasileiro. Primeiro, por uma capacidade de ordenao mental extraordinria. Segundo, por sua capacidade de redao,

uma redao de quem falava efetivamente por cdigos. Era um discurso essencialmente normativo. Pelo normativo descrito a, entendase a ausncia da dvida, de interpelaes intelectuais. Para Candido, Bulhes Pedreira tinha uma extraordinria cultura sobre a atualidade brasileira e sobre a prtica poltica. Jorge Hilrio Gouva Vieira completa o perfil: Ele no era um polemista, no havia nas suas discusses o interesse entre rplica e trplica, de que os polemistas tanto gostam. Era um sujeito racional. Oferecia os argumentos e, se conseguisse convencer, muito bem. Se no, o problema era do outro. Dava os elementos para convencer; se o interlocutor no se convencia, no tratava de convenc-lo. Essa caracterstica, no entanto, no resultaria em alguma forma de pedantismo pelo menos no explcito ou autoritarismo. Ele observava os argumentos do outro. Poderia ser um completo imbecil, mas seria respeitado, assegura Jorge Hilrio. No escritrio, lembra Luiz Alberto Rosman, seus comandados precisavam fazer o dever de casa. Caso contrrio, no receberiam uma bronca grosseira, mas saberiam, de um jeito ou de outro, do tamanho do desagrado provocado. Em outras palavras, se o interlocutor demonstrasse fraqueza ou desconhecimento de causa, Bulhes Pedreira o desmontaria. Com elegncia, sutileza, finesse. Mas Bulhes Pedreira o desmontaria.

40

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

AO

AS SANDLIAS DA GENEROSIDADE

leitor j sabe que Jos Luiz Bulhes Pedreira era um cultor obsessivo da pri-

O Comit de Divulgao do Mercado de Capitais (Codimec) tinha um Conselho Consultivo de luminares, composto por Octvio Gouva de Bulhes, Mario Henrique Simonsen, Jorge Gerdau, Roberto Teixeira da Costa, Mauro Salles, Roberto Marinho e o prprio Jos Luiz Bulhes Pedreira. Naquele perodo, a economia brasileira vivia um tempo de confiscos, expurgos e prefixaes de inflao, de preos e dos salrios. O pas se via no auge da crise da dvida. Acabara de decretar moratria. Bem ao esprito da poca, o ento ministro do Planejamento, Delfim Netto, criaria um redutor da correo dos salrios, que ficava restrita a 80% do ndice passado. O restante era expurgado. A medida, regulamentada sob a forma do Decreto-Lei n 2.045, provocou protestos da sociedade. Muitos viam ali uma demonstrao de arrocho excessivo e injusto contra os cidados. O governo justificava a garfada no salrio pela exigncia de combate elevada inflao. Inspirados pelo ambiente do Codimec, onde se pensava freneticamente em meios para o desenvolvimento do mercado acionrio, ousamos, eu e o diretor da entidade,

vacidade e da discrio da vida. Tambm est informado de que ele foi um praticante annimo de gestos generosos. Lembrou-se aqui tambm que a disposio para o sacerdcio jurdico encontrava no compromisso com a coisa pblica um terreno frtil para colaboraes infindveis mesmo quando as ideias insistiam em afundar-se nas gavetas da burocracia dos governos ou estancarem na m vontade das negociaes polticas. Mas a combinao entre discrio, caridade e compromisso pblico ia alm. So muitos os episdios de generosidade explcita, nos quais o jurista prestava assessoria e dava aconselhamentos de carter informal e sem qualquer custo. Essas atitudes, rotineiras na trajetria pblica e privada, eram manifestaes do seu humanismo e responsabilidade social. Um dos autores deste livro, o jornalista Luiz Cesar Faro, vivenciou dois momentos nos quais Bulhes Pedreira serviu com a alma aberta a causas de interesse comunitrio. Rebobinando a fita da histria, o primeiro deles remonta ao incio dos anos 1980. O segundo, na dcada seguinte. O relato de Faro:

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

41

Muitas vezes, temos que dar voz s ilus es

Com aaquele jeito soleneseguinte forma: e contido, ele explicou empreitada da

Wolter Pieter, propor um mecanismo que permitisse um pagamento dos 20% expurgados dos salrios sob a forma de ttulos de valores mobilirios da empresa contratante. A ideia era promover uma socializao do capital das empresas sob a forma de recomposio dos salrios. O mercado de aes seria o instrumento para o acerto entre capital e trabalho. O problema era quem levantaria esta bandeira. Pensou-se no professor Octvio Gouva de Bulhes, grande defensor da ampliao da base do mercado acionrio do pas. Era, aparentemente, o homem certo para uma causa trmula e ainda incerta. Fomos ento, eu e Wolter, encontrar o velho Octvio Bulhes. Na reunio na sede da Fundao Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, o ex-ministro, com aquela sua expresso de santidade, avalizou a proposta. Mas se considerou incapaz de apoiar o pleito. Sugeriu o nome de Roberto Campos, que estava se candidatando ao Senado. Disse que recomendaria o projeto. Incentivou-nos a que fssemos falar com ele. Dito e feito, fomos encontrar o Campos. A recepo em seu apartamento, na Rua Francisco Otaviano, em Copacabana, no poderia

ser mais fria. Ele nos recebeu e ouviu rapidamente, sem expressar qualquer emoo. Partimos achando que tinha sido um tiro na gua. O projeto de pulverizao do mercado acionrio parecia romntico e sem viabilidade. Passados trs dias, Campos ligou chamando-nos de volta. E l fomos ns para o seu apartamento, onde, surpreendentemente, se encontrava Jos Luiz Bulhes Pedreira. Campos foi igualmente sucinto. Perguntou a Bulhes Pedreira se poderia formatar nossa ideia como projeto de lei. Recebeu como resposta que sim, era possvel. Mas disse que o projeto nunca seria aprovado. Ficamos por isso. Algumas semanas depois, Roberto Campos foi tomar posse no Congresso Nacional. Na ocasio, apresentou mais de 100 projetos de lei, entre os quais, para nossa surpresa, estava l a converso do diferencial da correo salarial em aes. Anos depois, voltei a conversar com Bulhes Pedreira sobre o projeto e os motivos pelos quais ele colaborou para inflar nossos arroubos da juventude. Com aquele jeito solene e contido, ele explicou a empreitada da seguinte forma: Muitas vezes, temos que dar voz s iluses.

42

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

O segundo episdio lembrado, igualmente elucidativo para compreender como o sacerdcio jurdico de Bulhes Pedreira servia de alma aberta a causas de interesse comunitrio, diz respeito a sua participao na criao do Balano Social. O jurista foi um dos protagonistas, ainda que por uma via oblqua, em uma cooperao inusitada com o socilogo Herbert de Souza, o Betinho. Mais uma vez o relato de Luiz Cesar Faro: O ponto de partida foi uma conversa com o ento presidente da Fundao Getulio Vargas, Jorge Oscar de Mello Flores, sobre a contabilidade dos fatores socialmente adversos, tais como destruio do meio ambiente. Flores estava envolvido com a ideia de um Produto Interno Bruto (PIB) negativo, e, em meio a essas e outras consideraes, mencionou sua disposio de formular um balano social, que inclusse ativos e passivos efetivamente ligados rea social. Ocorre que o balano social dele era complicadssimo, com enigmas contbeis a serem ainda desvendados. Foi encontrada uma soluo mais simples, que permitisse a feitura no de um balano, mas de um relatrio das atividades sociais das empresas. A resposta

constava de um modelo chileno de balano social, que dava prioridade aos investimentos com empregados. Nele foram agregados os investimentos no meio ambiente e na comunidade e, posteriormente, a exigncia de indiscriminao de raa e gnero no trabalho. Havia, contudo, uma pergunta a fazer: quem seria capaz de pr essa pipa no alto? Na ocasio, Betinho, com sua campanha contra a fome, tornara-se uma das vozes mais importantes do pas. A ideia foi traz-lo para liderar uma campanha pela adoo do balano social. Betinho aceitou de chofre, na batata! Mas era preciso que algum avalizasse aquela planilha capenga, feita com base em relatrio chileno e mais alguns cacarecos adicionados pelo autor, com a colaborao do informata Eduardo Quental. Se no tivesse alguma consistncia tcnica, nem mesmo a fora de Betinho faria com que o projeto decolasse. Faltava um consultor, que fosse tambm avalista. Bem, se vais a Roma, procures o pontfice. O grande nome era, indiscutivelmente, o de Jos Luiz Bulhes Pedreira. Fui procur-lo em companhia do jornalista Cezar Faccioli, e propus ao jurista que olhasse nossa protoplanilha

socilogo Herbert de Souza, o Betinho

O jurista foi umem uma coopera oainda que por o dos protagonistas, inusitada com uma via oblqua,

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

43

e fizesse as alteraes necessrias. Ele pegou um lpis, cortou alguns itens, mexeu em uma ou outra rubrica e pronto. Estava criado o balano social. At hoje a planilha revisada por Bulhes Pedreira resiste ao tempo, constando, inclusive, como recomendao da Comisso de Valores Mobilirios (CVM), conforme instruo normativa da gesto Francisco da Costa e Silva. H um detalhe da colaborao de Bulhes Pedreira na feitura do balano social. Desde o incio, o jurista disse que ajudaria, mas que o nome dele no fosse citado. Perguntado se por acaso sua participao vazasse, ele foi peremptrio: Se meu nome aparecer, no ajudo mais. O balano social, que nasceu sob os auspcios de Bulhes Pedreira, jamais teve a sua paternidade. Os dois episdios, descritos por um dos signatrios deste livro, ajudam a entender parte de uma personalidade singular. Ou, como afirmou o amigo e parceiro Alfredo Lamy Filho, a essncia de um jurista que no buscou reconhecimentos e, fugindo ao proscnio, guardou, ciosamente, uma excepcional densidade humana. Numa de suas raras entrevistas aquela do jornal Politika, que o chamou de o

homem mais inteligente do Brasil, e deixou o jurista aborrecido com Oliveira Bastos, o dono do veculo , Bulhes Pedreira sublinhou o papel das elites privilegiadas (da qual era parte integrante) diante das necessidades coletivas: Na discusso e formulao das polticas nacionais, nos ltimos 20 anos [a entrevista

de 1972], diz Bulhes Pedreira, sempre mesurpreendeu que os participantes do debate e os responsveis pelas decises que pertencem aos 5% da populao que tm nvel de renda suficiente para esquecer os problemas da subsistncia no faam, sistematicamente, o exerccio de se colocarem no ponto de vista dos demais 95% de brasileiros, cujos problemas bsicos ainda so comer um pouco mais e viver em condies menos pobres. Mais adiante, Bulhes Pedreira afirmaria: A mim me assusta a responsabilidade moral de qualquer ato que implique aceitar o risco de manter outros brasileiros em dieta dos sapos. A dieta dos sapos se manteria na gaveta das deficincias nacionais nos 30 anos seguintes, Bulhes Pedreira continuaria a ser convocado a agir contra ela e, se ele fugia da ribalta, esta tratava de ir at ele. Afinal, a lista de colaboraes a causas prestigiosas se tornaria cada vez maior.

44

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

S

SOLIDRIO ACIMA DE TUDO

de lei: um advogado tem o dever de colaborar com as instituies. Mais do que

tos, o amigo de toda a vida de Bulhes Pedreira, cita o apoio incondicional dado pelo jurista a duas entidades a Creche Tio Beto, fundada por Peanha, e a Obra de Misso Social, criada por Dona Carmen Bulhes Pedreira. A primeira, dirigida por Sergio Santos, funciona em Pedra de Guaratiba, no Rio, e atende crianas da regio. Floriano o ajudava a buscar apoiadores. Lgico que Jos Luiz era uma dessas pessoas. E sempre o fez por livre e espontnea vontade, diz Renata. A segunda entidade foi criada ainda em 1954 e abrigava mes solteiras. Para os padres da poca, foi algo inovador e surpreendente, diz seu filho Carlos Eduardo. Originalmente, chegou a ser chamada Casa da Me Solteira. Depois de passar pela conduo da me e da prima de Bulhes Pedreira, a empresria Renata foi convidada a tocar o projeto. E descreve: Assumi a instituio em 2005 com muita honra. Afinal de contas, foi fundada pela me dele. algo que se passa de pai para filho. Aquele gesto dele de me convidar significava, naquele momento, que me considerava como filha. A Obra de Misso Social fica no bairro de Botafogo, e atende crianas de 2 a 6 anos vindas de comunidades carentes.

isso, jamais poder renunciar causa da humanidade. Da porque, ao se fazer o juramento para a obteno do grau de bacharel, dizia-se, em latim: nunquam causae humanitatis defu-

turum. A promessa continua, o compromissoassumido persiste nunca faltar causa da humanidade. Todo advogado, consciente da grandeza da profisso e do seu dever, pensa contribuir para a causa da humanidade. Se no pensa, deveria. Consta, porm, que uns pensam e agem mais do que outros. Era o caso de Jos Luiz Bulhes Pedreira. Do amigo Srgio Bermudes: Jos Luiz nasceu para dedicar-se sociedade, no mbito de sua qualificao, desenvolvendo as instituies de maneira a aperfeiolas, como o instrumento dos seus propsitos, das suas causas. Virtude que, segundo Bermudes, precisa ser enaltecida, posto que a contribuio causa, neste caso, era sempre adornada por uma sincera e discreta, como se viu solidariedade. Renata Campanella dos Santos Beczkowski, filha do empresrio Floriano Peanha dos San-

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

45

O jurista dava apoiopor Peanha, ae aduas entidades ao incondicional Creche Tio Beto, fundada Obra de MissSocial, criada por Dona Carmen Bulh es Pedreira

Dois outros episdios, alm daqueles relatados no captulo anterior, esclarecem a natureza da causa e a grandeza da alma de Bulhes Pedreira. Ambos envolvem, em perodos distantes um do outro, personagens que ocuparam funes pblicas. So dois enredos dissonantes, musicados por uma nota s, porm marcados por se situarem em contextos polticos importantssimos para a histria do pas. O primeiro relatado por Rodrigo Lopes, filho de Lucas Lopes, com quem o jurista trabalhou como assessor jurdico nos anos 1950 no Ministrio da Fazenda, no BNDE e no Conselho Nacional de Desenvolvimento. Ambos se tornariam peas fundamentais na complexa e virtuosa engrenagem que sustentaria o Plano de Metas, o ambicioso projeto com o qual Juscelino Kubitschek imaginava fazer o pas andar 50 anos em cinco. Como se sabe, JK governou com imenso apoio popular, porm sob paus e pedras arremessadas violenta e ininterruptamente pela oposio civil raivosa e por grande parte dos militares. Foi acusado de ser dono de uma das maiores fortunas do mundo. Os conspiradores, porm, no lhe tomaram a alma nem o poder.

O resto a histria j informou: Juscelino encerrou o mandato, no ano seguinte foi eleito para o Senado e, em 1964, viria o golpe militar. Em 1965, os militares cassaramlhe os direitos polticos. Dois anos depois, Juscelino tentaria articular a Frente Ampla de oposio ao regime. Era uma trinca improvvel: ele, o ex-presidente Joo Goulart e o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, seu antigo adversrio poltico. Fracassada a tentativa, passou a percorrer cidades dos Estados Unidos e da Europa, num exlio voluntrio. Se j era um inimigo do regime, passou a inspirar ainda mais desconfiana e rancor nos militares. Na volta do exlio, JK se viu fulminado por processos. Ampliaram-se as acusaes que vinham desde os tempos em que era governador. As denncias se multiplicaram por conta da construo de Braslia: havia indcios de superfaturamento das obras da nova capital e de favorecimento de empreiteiros ligados ao grupo poltico de Juscelino. Nada provado at ento, suas pretenses de retorno vida poltica, na ditadura, fizeram os militares usarem os fantasmas das

46

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

desmontou os adversrios e assegurou liberdade a JK

Quem criadomelhor defesafoi o jurista, cujo parecer fez a contra o emaranhado jurdico pelaUDN

denncias de corrupo para dissuadi-lo e desmoraliz-lo politicamente. Recorreram no s aos costumeiros e repetitivos interrogatrios como aos processos na Justia. Ameaavam levar as investigaes adiante se ele tentasse voltar cena. JK, lembra Rodrigo Lopes, usou o jeito simptico e carismtico para convocar nomes respeitveis como Sobral Pinto, Cndido de Oliveira, Nunes Leal. A lista de advogados era extensa. A qualidade, insuspeita. Mas a defesa no ia adiante. Parecia uma causa perdida, insolvel. Vendo aquele imbrglio sem fim, o professor Antnio Jos Chediak, que fora secretrio particular de Juscelino na Presidncia da Repblica dele a redao da Ata de inaugurao de Braslia , resolveu agir. Levantou todas as declaraes de renda do ex-presidente, somou a todas as escrituras de imveis que Juscelino havia comprado e vendido e uniu a papelada toda com os documentos referentes herana herdada de Dona Sarah Kubitschek. Pacote fechado, ele avisou ao chefe: Vamos l no Bulhes (Pedreira) ver o que ele diz. O prprio Rodrigo ligou para o jurista e agendaram a conversa

para o dia seguinte, s 9 horas, no apartamento do Leme. Reunio agendada, promessa cumprida. Mostraram os papis a Bulhes Pedreira, que ficou de ver o que d para fazer. Viu e fez. Montou no uma defesa jurdica, mas uma radiografia completa da vida financeira do expresidente. O trabalho informaria aos militares o quanto JK ganhara e perdera at ali. Produziu um verdadeiro balano patrimonial. Ou, nas palavras de Lopes, um cash flow da vida de JK. As concluses pareciam irrefutveis: Juscelino ganhara at ser eleito governador de Minas Gerais, em 1950. Dali em diante, seu patrimnio foi sendo reduzido ano a ano. Eram nmeros avalizados por documentos, descreve Lopes sobre o material preparado por Bulhes Pedreira. Exibiam inclusive os dividendos obtidos no exterior com palestras. Era um negcio inatacvel. No foi preciso fazer mais nada. A documentao foi includa nos processos e Juscelino conseguiu livrar-se deles. Ou seja, quem fez a melhor defesa de JK contra aquele emaranhado jurdico criado com maestria pela UDN e usado pelos militares foi o Dr. Jos

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

47

Luiz Bulhes Pedreira. O parecer dele desmontou os adversrios e assegurou liberdade a Juscelino. O outro episdio a sublinhar a solidariedade de Bulhes Pedreira avana no tempo e chega a janeiro de 1999. Naquele ms, o Banco Central elevaria o teto da cotao do dlar de R$ 1,22 para R$ 1,32. Era a soluo destinada a evitar estragos piores economia brasileira, atormentada pela crise financeira da Rssia, que se espalhou pelo mundo a partir do fim do ano anterior. Dois bancos o Marka e o FonteCindam tinham contratos em dlar bem superiores aos seus patrimnios lquidos. Com o revs, ambos no tiveram como honrar os compromissos e pediram ajuda ao BC. Sob o argumento de evitar uma quebradeira no mercado, o BC vendeu dlar mais barato s duas instituies. Dois meses depois, testemunhas vazariam o caso, alegando que o dono do Marka, Salvatore Cacciola, comprava informaes privilegiadas do prprio Banco Central. O episdio e a crise custaram a sada do economista Francisco Lopes da presidncia do BC. O Ministrio Pblico o acusou de montar

um esquema de venda de informao privilegiada. Uma CPI foi instalada no Congresso. E com Lopes seriam acusados outros diretores do banco, dentre os quais Demosthenes Madureira de Pinho Neto, ento diretor de Assuntos Internacionais do BC, que assumiu interinamente a presidncia do banco, a pedido do presidente Fernando Henrique Cardoso, depois da sada de Lopes. Demosthenes responderia a processo criminal, tendo como advogado Evandro Lins e Silva. Condenado em primeira instncia, Demosthenes ouviu do advogado a recomendao para que buscasse um parecer de um tributarista, capaz de reforar a tese de que a ao do BC era justificvel para eliminar o risco de quebra do sistema financeiro nacional. O profissional precisaria conhecer em profundidade a legislao financeira e cambial para sensibilizar o TCU (Tribunal de Contas da Unio). O parecer beneficiaria outros dirigentes do BC denunciados pelo Ministrio Pblico. Vendo-se num impasse, Demosthenes ouviria do pai, Demosthenes Madureira de Pinho, a lembrana do nome de Jos Luiz Bulhes Pedreira. No h nenhum melhor

Vendo-se num impasse, Demosthenes ouviria do pai a lembrana do nome de Jos Luiz Bulh es Pedreira. N o h nenhum melhor do que ele, disse-lhe o pai

48

JOS LUIZ BULHES PEDREIRA

do que ele, disse-lhe o pai. No havia amizade entre ambos, mas tinham longa vida as relaes profissionais de Bulhes Pedreira com a famlia Madureira de Pinho. Primeiro o av, de quem era amigo, depois o filho, a quem ajudara nos tempos em que Demosthenes Madureira de Pinho dirigira o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Agora seria a vez do neto. A procura tinha um interesse individual, mas o benefcio do parecer era coletivo. Ganhariam, com o parecer de Jos Luiz, todos os diretores envolvidos no caso. O jurista topou fazer o parecer, que no seria levado em conta pela juza de primeira instncia. Em 29 de julho de 2003, Demosthenes Neto, em carta a Bulhes Pedreira, agradece a ajuda e revela que da ao participavam antigos dirigentes do BC, Cludio Mauch e Teresa Grossi, funcionrios pblicos aposentados, e Srgio Darcy, que ainda estava na ativa. Eu conversei com eles para explorar a possibilidade de juntos arcarmos com os honorrios e, como esperava, a situao de quase todos pior do que a minha, escreve Demosthenes Neto. No estaria sendo sincero

se no admitisse para o senhor que qualquer reduo no valor que por ventura possa ser contemplado seria para mim bastante importante, completa. A resposta veio em carta. Na minha j longa carreira de advogado, participei nos ltimos 30 anos de entendimentos com o Banco Central representando instituies financeiras em crises de liquidez, escreve Bulhes Pedreira, e aprendi a admirar a competncia e o esprito pblico com que seus diretores e corpo tcnico desempenham suas funes importantes e difceis atribuies de preservar o funcionamento regular do Sistema Financeiro Nacional. A carta prossegue: E todos aqueles que, como eu e meu colega de escritrio Dr. Luiz Carlos Piva, j ocuparam cargos pblicos, so especialmente sensveis diante da injustia que a tentativa de responsabilizar pessoalmente servidores pblicos que, com a competncia e conduta irreprochveis, no optam pelo caminho fcil da omisso, mas assumem os riscos de praticar atos que consideram necessrios e do interesse pblico, mas cuja convenincia ou oportunidade podem ser questionadas por

Erasolidariedadeda profiss o em estado opuro. j seriarevelaboa a grandeza Ea o de uma em patamar elevado, que uma

sntese de Bulh es Pedreira. Mas ainda haveria muito mais

A INVENO DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO

49

aqueles que no conhecem todos os fatos ou no tm condies para apreci-los. Dito isto, Bulhes Pedreira informa a Demosthenes Neto que ele e os scios Luiz Carlos Piva e Luiz Alberto Rosman, com o dever legal e tico de procurar evitar ou reparar injustias, diante do pedido do interlocutor, fariam o parecer sob a cobrana de honorrios pro bono ou seja, sem cob