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6077 LIMITAÇÕES DA FORMAÇÃO JURÍDICA: DA NECESSIDADE DE UM ENSINO CRÍTICO E HUMANISTA * LIMITATIONS DE LA FORMATION JURIDIQUE : DE LA NÉCESSITÉ D'UN ENSEIGNEMENT CRITIQUE ET D'UN HUMANISTE Ana Karmen Fontenele Guimarães Lima RESUMO O crescente número de cursos jurídicos no país aliado aos altos índices de reprovação nos exames promovidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são fatores que demonstram a grave crise que envolve o ensino jurídico no Brasil. A baixa qualidade do ensino e o despreparo dos estudantes para o ingresso no mercado de trabalho preocupa não somente setores da área, mas, principalmente, a sociedade, que contará com profissionais com precária formação. A situação acarreta não somente na ofensa ao direito constitucional a uma educação superior de qualidade, mas, ainda, poderá diminuir o grau de efetividade do princípio fundamental de acesso à justiça, quando esta se perfaz com a via jurisdicional. Necessário, portanto, reformular o método do ensino jurídico vigente, teórico e focado na exegese da norma, para um ensino que promova uma formação crítica e humanista. PALAVRAS-CHAVES: ENSINO JURÍDICO. CRISE. FORMAÇÃO CRÍTICA E HUMANISTA. RESUME Le nombre croissant de cours légal dans le pays allié à des taux élevés d'échec dans les examens effectués par l'Association du Barreau du Brésil (OAB) sont autant de facteurs qui montrent la grave crise que est present dans l'éducation juridique au Brésil. La faible qualité de l'éducation et de l'absence des étudiants à entrer sur le marché du travail ne concerne pas seulement les secteurs de la région, mais surtout l'entreprise, avec des professionnels à une mauvaise formation. La situation est préjudiciable non seulement pour le droit constitutionnel à un enseignement de qualité, de mai, mais aussi de réduire le degré d'efficacité du principe de l'accès à la justice, quand il rend la justice. Par conséquent nécessaire de reformuler la méthode de l'enseignement juridique existant, théoriques et centré sur l'exégèse de la norme pour une école de promouvoir une éducation humaniste et critique. MOT-CLES: L'EDUCATION JURIDIQUE. CRISIS. FORMATION HUMANISTE ET CRITIQUE. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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LIMITAÇÕES DA FORMAÇÃO JURÍDICA: DA NECESSIDADE DE UM ENSINO CRÍTICO E HUMANISTA*

LIMITATIONS DE LA FORMATION JURIDIQUE : DE LA NÉCESSITÉ D'UN ENSEIGNEMENT CRITIQUE ET D'UN HUMANISTE

Ana Karmen Fontenele Guimarães Lima

RESUMO

O crescente número de cursos jurídicos no país aliado aos altos índices de reprovação nos exames promovidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são fatores que demonstram a grave crise que envolve o ensino jurídico no Brasil. A baixa qualidade do ensino e o despreparo dos estudantes para o ingresso no mercado de trabalho preocupa não somente setores da área, mas, principalmente, a sociedade, que contará com profissionais com precária formação. A situação acarreta não somente na ofensa ao direito constitucional a uma educação superior de qualidade, mas, ainda, poderá diminuir o grau de efetividade do princípio fundamental de acesso à justiça, quando esta se perfaz com a via jurisdicional. Necessário, portanto, reformular o método do ensino jurídico vigente, teórico e focado na exegese da norma, para um ensino que promova uma formação crítica e humanista.

PALAVRAS-CHAVES: ENSINO JURÍDICO. CRISE. FORMAÇÃO CRÍTICA E HUMANISTA.

RESUME

Le nombre croissant de cours légal dans le pays allié à des taux élevés d'échec dans les examens effectués par l'Association du Barreau du Brésil (OAB) sont autant de facteurs qui montrent la grave crise que est present dans l'éducation juridique au Brésil. La faible qualité de l'éducation et de l'absence des étudiants à entrer sur le marché du travail ne concerne pas seulement les secteurs de la région, mais surtout l'entreprise, avec des professionnels à une mauvaise formation. La situation est préjudiciable non seulement pour le droit constitutionnel à un enseignement de qualité, de mai, mais aussi de réduire le degré d'efficacité du principe de l'accès à la justice, quand il rend la justice. Par conséquent nécessaire de reformuler la méthode de l'enseignement juridique existant, théoriques et centré sur l'exégèse de la norme pour une école de promouvoir une éducation humaniste et critique.

MOT-CLES: L'EDUCATION JURIDIQUE. CRISIS. FORMATION HUMANISTE ET CRITIQUE.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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1 Introdução

A crise de qualidade do ensino jurídico no Brasil, acentuado nas últimas décadas, impõe-nos a necessidade de desenvolver um processo de questionamento e interpretação dessa realidade, não somente em busca de sua compreensão, mas, principalmente, de seu enfretamento.

A expansão de vagas no ensino superior atinge números nunca antes vistos, sem, no entanto, corresponder a uma almejada boa formação dos profissionais. A realidade nos cursos jurídicos apresenta-se mais dramática diante dos números de reprovação nos exames promovidos pela Ordem dos Advogados do Brasil, provas estas criadas para avaliar o conhecimento dos bacharéis em Direito após a conclusão do curso de graduação, tornando-os aptos ao exercício da advocacia.

A sociedade, por outro lado, anseia pela plenitude do acesso à justiça. O despreparo dos profissionais da seara jurídica pode diminuir o grau de efetividade deste direito fundamental, particularmente quando o acesso à justiça necessita da via jurisdicional.

Nesse contexto, o direito à educação resta também ofendido, pois não se pode conceber que o simples acesso às universidades atenda a expectativa de formar profissionais aptos ao pleno exercício da cidadania e com ampla capacidade para enfrentar as diversas e complexas situações que podem surgir na práxis jurídica.

Embora muito se critique as carências estruturais, a ineficiência do Poder Judiciário e a intensa morosidade com que conduz a solução dos litígios que lhes são apresentados, não se pode olvidar que estabelecer novos padrões administrativos, atualizar e racionalizar a legislação processual, modernizar equipamentos não serão medidas capazes de solucionar suas deficiências sem que estas mudanças sejam acompanhadas de um processo de aperfeiçoamento dos profissionais do Direito.

Sob tal perspectiva, então, serão feitas breves considerações acerca da problemática apresentada. Será objeto desta análise o desenvolvimento do ensino jurídico no país, a crise que o cerca, bem como uma visão humanista e crítica nos cursos jurídicos, como uma proposta essencial para a formação dos profissionais do Direito, tornando-os

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profissionais não apenas como mão-de-obra qualificada para o mercado, mas como agentes transformadores e sensíveis à realidade que os cerca.

Acreditamos que a formação do bacharel não deve se resumir a simples acumulação de informações, voltada para apenas o julgamento e para a instrumentalização burocrática de uma decisão judicial. Anseia-se muito mais dos operadores do direito.

Neste estudo, não planejamos, de modo algum, uma exposição completa, mas apenas um panorama geral da intrincada rede dos problemas que cercam o ensino jurídico. Nossa proposta centra-se na busca pela discussão do tema, despertando nos leitores a crítica que o tema certamente envolve. Ao final, propõe-se uma alternativa para uma nova cultura jurídica, que deverá ser pautada através de um ensino crítico e humanista.

2 Breve histórico acerca do ensino jurídico no Brasil

O surgimento do ensino jurídico no país deve-se muito aos brasileiros diplomados na Faculdade de Coimbra. Como ressalta Adriano Pinto, eles "contribuíram decisivamente com textos para a Constituição Imperial de 1824 com o arejamento de idéias democráticas e liberais". [1]

Com a Carta de Lei de 11 de agosto de 1827 foram instituídos os primeiros cursos de Direito no Brasil, quais sejam o de São Paulo e o de Olinda. Tais cursos foram instituídos sob a influência dos alunos com uma formação de cunho liberalista que viria ser implementado na Faculdade de Direito de Coimbra em virtude da Reforma do Marquês de Pombal no ensino jurídico.

O Curso de Direito de Pernambuco funcionou primeiro no Mosteiro de São Bento, em Olinda, sendo depois transferido para Recife, e o curso de São Paulo, com sede no Convento de São Francisco, na Capital. Ambos organizados no modelo liberal aos quais aos poucos viriam a se adaptar às faculdades européias. Os cursos tinham sido idealizados no mesmo ambiente da primeira constituição brasileira, através do projeto apresentado em 14 de julho de 1823, por José Feliciano Fernandes Pinheiro. [2]

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O ensino jurídico na sua fase inicial no Brasil representava apenas a ratificação do sistema liberal, de seus institutos, de suas idéias. [3] Servia-se a sua interpretação.

Nas palavras de Roberta Teles Bezerra

Estes primeiros momentos da história já demonstravam o que o ensino jurídico representaria para o Brasil, um estudo voltado exclusivamente para a elite e para a viabilização dos seus interesses. Consequentemente um estudo voltado a traduzir a ideologia política dominante - o liberalismo, e tinha por fim a manutenção do status quo da monarquia e da burguesia, esta, representada no Brasil pelos grandes proprietários de terra. [4]

Nas aulas adotava-se o sistema de aulas-conferência, nos moldes do Curso de Coimbra. Na área metodológica, como salienta Sérgio Rodrigo Martinez, "como foi insubsistente qualquer tentativa de avanço pedagógico, o resultado natural foi sua inclinação para a pedagogia tradicional". [5]

A mera transmissão do conhecimento, com aulas de exposição oral dos conteúdos, permitia apenas um processo de transferência de informações, numa formação dirigida dos futuros bacharéis, o que contribuía para a manutenção do modelo liberal vigente à época. [6]

A academia era voltada para a norma legislada, em completo isolamento do desenvolvimento do conhecimento e do raciocínio jurídico. A formação dos estudantes de Direito tinha como propósito maior a reprodução do sistema capitalista vigente.

A ausência de exigências qualitativas para a profissão de professor de Direito favoreceu a lei do mercado do "ensino livre", permitindo a fácil expansão quantitativa do ensino jurídico no aspecto da oferta de mão-de-obra docente. A escolha dos lentes, tendo por critério seu sucesso profissional como operador jurídico, resultou no modelo de "nivelamento pedagógico", baseado em levar para as salas de aula os melhores práticos. Essa fase encerra um momento de afirmação do Liberalismo na sociedade brasileira, cristalizado nos cursos de Direito por meio da baixa estruturação metodológica e do direcionamento privatista das grades curriculares. Isso contribuiu para a formação de um ciclo de reprodução da ideologia liberal na formação jurídica dos operadores brasileiros do Direito, contribuindo oportunamente para o surgimento do termo "fábricas de bacharéis". [7]

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Apenas após a Proclamação da República, houve mudanças no ensino jurídico, tendo em vista que os cursos de São Paulo e Recife não atendiam mais às novas demandas. A "reforma do ensino livre", sob a pressão da sociedade civil, surgiu com o objetivo de expandir a educação e propiciou a criação da Faculdade de Direito da Bahia, em 1891.

A reforma estimulou, ainda, a abertura de outros cursos, inclusive o da Faculdade de Direito do Ceará (1903), motivando uma série de críticas acerca da criação indiscriminada de cursos jurídicos. A idéia do laisse faire, laisse passer amoldou-se bem ao ensino jurídico.

Outrossim, a assimilação de dogmas liberais na política educacional, aliada ao método teórico-expositivo conjugavam os fatores que desencadearam uma crise epistemológica, didático e política no Direito, até hoje não contornada.

Após a primeira guerra mundial e a crise econômica de 1929, abriu-se caminho para uma nova realidade no país. O setor econômico estaria voltado às atividades do comércio e da indústria, e o Estado tornara-se dirigente, voltado ao bem-estar social, intervindo na economia e nas relações privadas.

A despeito das inúmeras modificações ocorridas no período de 1930 a 1945, o ensino jurídico não alcançou grandes avanços. Destaca Alberto Venâncio Filho que,

examinandos os quinze anos de evolução do ensino jurídico (1930-1945), vamos verificar que os resultados apresentados foram bem mofinos. Enquanto que no campo econômico e social as transformações eram bem significativas, no setor educacional nenhum sério esforço se realizava; inclusive em matéria de ensino superior, os cursos jurídicos mantinham-se na mesma linha estacionária. [8]

A mais importante reforma educacional do período ocorreu em 1931, [9]quando da promulgação do Estatuto das Universidades (Reforma "Francisco Campos"). O caráter tecnicista, profissionalizante, no entanto, permaneceu incrustado nas academias.

As mudanças do período marcaram a decadência do bacharel, tornando-o figura subalterna e em declínio. [10] A Reforma Francisco Campos tornou o bacharelado uma formação de operadores técnicos do direito, e o doutorado formaria os futuros professores e pesquisadores. [11]

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O método de ensino desarraigado de uma formação crítica perdurou durante todo o Estado Novo, permaneceu durante o período militar e alcançou os dias atuais.

Na tentativa de solucionar o descompasso social dos cursos jurídicos, foram implantadas, em 1961 e, depois, em 1972, reformas curriculares. A proposta de estabelecer um "currículo mínimo" não logrou muitos resultados na problemática do curso, já que as universidades se limitaram a ofertar o patamar mínimo de disciplinas. Os programas tradicionais continuavam a ser seguidos, bem como ainda se reproduziam os discursos e a metodologia liberal dos períodos antigos.

A articulação do Estado com a instauração de uma nova ordem política, social e jurídica, determinada pela Constituição de 1988, impôs aos profissionais do Direito uma nova formação, que lhes possibilitasse a capacidade para lidar com os direitos e garantias introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro.

A premente necessidade de melhoria do ensino jurídico motivou o Ministério da Educação e a Ordem dos Advogados do Brasil a proporem reformas nos cursos de Direito, permitindo-se que os egressos das faculdades de referido curso estivessem prontos para a perspectiva plural e humanista trazida pela Carta Política de 1988.

Do processo de avaliação do ensino jurídico, surgiu a Portaria nº. 1.886/94, que passaria a regular as diretrizes curriculares mínimas para os cursos do Direito no Brasil. O novel diploma passou a exigir carga horária mínima, criação de novas atividades, como a monografia jurídica, a obrigatoriedade de cumprimento de estágio de prática jurídica, um acervo jurídico mínimo de obras, dentre outras inovações. Senão vejamos, in verbis:

Art. 1º O curso jurídico será ministrado no mínimo de 3.300 horas de atividades, cuja integralização se fará em pelo menos cinco e no máximo oito anos letivos.

[...]

Art. 4º Independentemente do regime acadêmico que adotar o curso (seriado, crédito ou outro), serão destinados cinco a dez por cento da carga horária total para atividades complementares ajustadas entre o aluno e a direção ou coordenação do curso, incluindo

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pesquisa, extensão, seminários, simpósios, congressos, conferências, monitoria, iniciação científica e disciplinas não previstas no currículo pleno.

Art. 5º Cada curso jurídico manterá um acervo bibliográfico atualizado de no mínimo dez mil volumes de obras jurídicas e de referências as matérias do curso, além de periódicos de jurisprudência, doutrina e legislação.

Art. 6º O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio, compreenderá as seguintes matérias que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada curso:

I - Fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica, ética geral e profissional), Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política (com teoria do Estado);

II - Profissionalizantes Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e Direito Internacional.

Parágrafo único. As demais matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas em que se desdobrar o currículo pleno de cada curso, de acordo com suas peculiaridades e com observância de interdisciplinariedade.

[...]

Art. 9º Para conclusão do curso, será obrigatória apresentação e defesa de

monografia final, perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno.

Art. 10. O estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente.

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§ 1º O núcleo de prática jurídica, coordenado por professores do curso, disporá instalações adequadas para treinamento das atividades de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público.

§ 2º As atividades de prática jurídica poderão ser complementadas mediante

convênios com a Defensoria Pública outras entidades públicas judiciárias empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em dependência da própria instituição de ensino superior.

Em 2004, a portaria foi revogada pela Resolução nº. 9/2004, em que constam as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito. [12]

Os elementos estruturais e a organização do Curso de Direito se expressam através do Projeto Pedagógico que abrange o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso.

O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, como elementos estruturais: a concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às usas inserções institucional, política, geográfica e social; condições objetivas de oferta e vocação do curso; carga horária das atividades didáticas e de integralização do curso; modos de integração entre graduação e pós-graduação, quando houver; formas de realização da interdisciplinaridade; incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica; concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica; concepção e composição das atividades complementares e inclusão obrigatória do Trabalho do Curso (art. 2º).

A Resolução CNE/CES nº. 9, de 29 de setembro de 2004, indica que a graduação deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a

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uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica.

A Resolução destaca, ainda, que referida formação deverá trazer ao estudante inúmeras habilidades e competências. Senão vejamos:

Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação

profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II - interpretação e aplicação do Direito;

III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito;

IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;

V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;

VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;

VII - julgamento e tomada de decisões; e,

VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

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O Curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam a três eixos interligados de formação: a) o eixo de formação fundamental, que tem como objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia; b) o eixo de formação profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional Público e Direito Processual e c) o eixo de formação prática, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

3 O atual ensino jurídico no país: da crise e da ofensa a direitos fundamentais

A despeito das reformas curriculares no curso de direito, visando à melhoria e ao aperfeiçoamento da formação dos estudantes na área, constata-se que a práxis alcança realidade bem distante dos diplomas legais. Os cursos jurídicos não têm ocupado um papel formativo de relevo, com a priorização do ensino prático. [13]

Das Faculdades saem profissionais mal-preparados, com poucas habilidades e competências limitadas, sem senso crítico para solução de conflitos e compreensão da realidade que os cerca.

A despeito das mudanças no plano pedagógico (ou melhor, exógeno), verifica-se que estas foram pouco eficientes para restaurar a qualidade e o prestígio dos cursos de Direito.[14] Não tendo alcançado o âmbito interno (ou endógeno), a crise se mantém e alcança números vergonhosos.

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A cada exame promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil tem-se a notícia dos altos índices de reprovação. No 23º exame da OAB em São Paulo, v. g., dos 21.600 inscritos, apenas 2.878 conseguiram aprovação, o equivalente a 13,32% do total. [15] Os números de reprovação nos demais Estados também apontam índices alarmantes. [16] E com a unificação do exame, a expectativa é a de que a aprovação torna-se, cada vez mais, uma realidade distante para os bacharéis de Direito.

A tal fato, acrescente-se o incontrolável surto de privatização do ensino, estimulado pela ideologia neoliberal, instalando, por vez, a lógica do mercado no campo educacional. [17] Diversos cursos jurídicos foram criados, sem, porém, corresponder à almejada qualidade de ensino.

Com o florescimento do capitalismo foi que a atividade de ensino passou a ser vista sob a ótica especulativa, pois o capital transforma até Deus em moeda e possibilidade de lucro, aprimorando a praxe da igreja antiga, pioneira nessa exploração As Universitas nasceram sem pretensão especulativa, mas o capital, percebendo a possibilidade de lucro sobre as classes privilegiadas, apoderou-se de importante fatia desse quinhão. [...] Com a proliferação de cursos universitários, dentre os quais se destaca o de Direito a partir de 2000, o empresariado percebeu a "indústria da educação superior", surgindo a concorrência a qual passou a contar com um novo perfil de aluno/cliente: aquele que quer ser aprovado a qualquer custo e receber em sala de aula um professor gentil, disposto a ouvi-lo sempre, no compartilhamento dos problemas domésticos, que exija pouco, seja compreensivo e pródigo de notas; um empregado seu, na verdade. Um professor-psicólogo, psicanalista e, mais raramente, um assistente social; talvez um mutante, com superpoderes físicos e, sobretudo, mentais, um x-man (o professor Xavier cai bem). A qualquer desgosto surge a ameaça de mudar de Instituição, a temida transferência. Destarte, a IE preocupa-se em manter o aluno em seu curso e, ao mesmo tempo, tornar-se atrativa para o ingresso de outros, por vestibulares, seleções específicas ou transferências das IEs concorrentes. É um desafio ao qual se acrescenta a necessidade de manter a qualidade do curso. [18]

Nos próximos anos, a perspectiva é de que cresça o número de bacharéis em Direito, já que as Universidades e os Centros Universitários, após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), aumentaram as vagas dos cursos jurídicos. E a pressão para a criação de novas vagas continua.

O Governo Federal não se importa com a maneira com que se elevam os números de alunos na educação superior, pois a preocupação maior está voltada para garantir e facilitar o acesso às universidades. [19] A população estudantil, por seu turno, vislumbra o curso de direito como espaço de ascensão social, e as instituições de ensino concebem o curso como de baixo investimento e receita garantida, convertendo-se em "trem pagador" dos demais cursos e despesas. [20]

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Neste contexto, a universidade não tem conseguido contribuir, no plano concreto, para atingirmos a liberdade política com a igualdade social e o desenvolvimento. Talvez seja esse o ponto máximo da crise, que obriga a refletir sobre a efetividade social das universidades e buscar respostas para as questões básicas relacionadas à sua identidade e ao papel social que desejam desempenhar.

Verifica-se, assim, um profundo descompasso entre a universidade e a realidade brasileira, seja porque aquela não tem cumprido com o seu papel de agente estratégico do desenvolvimento nacional, seja porque não tem contribuído para a crítica acerca dos modelos de desenvolvimento implementados - em grande parte de forma autoritária e à margem dos anseios da maioria da população - no País. [21]

Importante destacar, ainda, que parte da doutrina defende que a crise na qual se insere o ensino jurídico tem de ser entendida numa amplitude maior de crise, que atinge a sociedade, com repercussões de ordem política, econômica e social.

Segundo Antônio Alberto Machado,

No quadro de crise que, de um modo geral, afeta as instituições no Brasil, pode-se mencionar, no plano político, a distorção do princípio da representatividade parlamentar, o descontrolado abuso eleitoreiro do poder econômico e a corrupção endêmica dos representantes eleitos; na esfera econômica, o prolongado processo inflacionário seguido de uma estabilização monetária com estagnação econômica e o consequente aumento do desemprego; no plano social, a injusta desigualdade na distribuição da renda, a falência dos serviços básicos e o empobrecimento da grande massa trabalhadora, com os consectários de miséria, violência e degradação humana inerentes a esses fatores; e no âmbito propriamente jurídico, a distribuição desigual de direitos fundamentais, a morosidade dos aparelhos judiciários e a perda da legitimidade de alguns órgãos integrantes do sistema de distribuição da justiça. [22]

Imersa nessa profunda crise, a universidade encontra resistências para superar seus déficits e vícios. Aprisionada no cárcere do mercado, passa a reproduzir informações nos moldes por eles impostos, formando profissionais para constituir apenas uma mão-de-obra qualificada. A neutralidade da técnica propiciou um distanciamento das questões sociais e a perda do compromisso com a emancipação do homem.

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A fetichização do conhecimento técnico e a absoluta ausência de crítica no espaço universitário, de pleno acordo com a lógica dos mercados - que confirma o saber científico apenas pelo desempenho descartando a reflexão crítica - apresentam-se como dois fatores relevantes e estruturalmente responsáveis por esse contexto de crise em que se encontra a universidade. Seja porque fizeram com que esta se desviasse do seu papel fundamental de refletir acerca das idéias, e da evolução do espírito humano; seja porque levaram a mesma a abandonar o pensamento crítico a respeito dos modelos econômicos propostos, deixando de refletir sobre sistemas de produção e a forma de organização política da sociedade. [23]

O bem cultural passa a ser mercadoria a ser consumida pelo mercado, avaliada pela sua lucratividade e não pelo valor que possa ter como obra científica, filosófica, literária, etc. Nesta indústria do consumo e mercantilização do conhecimento, o ensino jurídico é fortemente atingido.

Não bastasse a privatização, impulsionando a criação de inúmeros cursos no país, muitas obras jurídicas não são avaliadas pelo seu conteúdo científico, mas pela capacidade de venda. É, assim, que se prolifera a publicação de manuais, compêndios, trabalhos resumidos de doutrina sobre a dogmática jurídica ou comentários de jurisprudência.

Outrossim, acrescente-se a diversidade de eventos culturais, que trazem a falsa idéia de discussão e produção de saberes. O sucesso de congressos, palestras, seminários, dentre outros eventos, geralmente é avaliado pela quantidade de participantes ou mesmo pelo retorno financeiro que possam resultar. Nesta mesma seara, estão os "cursinhos preparatórios" para as carreiras jurídicas, muitas vezes com a oferta de cursos de especialização, tudo para atender uma clientela que almeja um treinamento para enfrentar e conseguir a tão sonhada aprovação nos concursos públicos.

Em consequência, as carreiras jurídicas passam a ser exercidas por profissionais que têm pouca ou reduzida consciência de suas funções sociais e dos papéis políticos que deveriam exercer. [24] A reprodução do conhecimento estritamente dogmático, com a aplicação exegética da jurisprudência embora intensamente criticada, não deixa de ser a fundamental. [25]

Sob tais perspectivas, deve-se considerar que a falta de contrapartida no aspecto qualitativo e de reprodução acrítica do conhecimento resultará na má formação do profissional de direito e esta desqualificação, por sua vez, poderá diminuir o grau de

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efetividade do princípio de acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, particularmente quando esse acesso necessita da via jurisdicional.

Certamente, saindo das escolas de direito os futuros magistrados, promotores, advogados, delegados de polícia, a formação com que tais profissionais são concebidos interfere, diretamente, na atuação do Poder Judiciário. [26]

Uma sociedade organizada com base em princípios democráticos requer amplo acesso à justiça, ao mesmo tempo ágil para a função de pacificação de conflitos e eticamente afeiçoada à natureza das soluções que produz. [27]

O acesso à justiça, mesmo quando considerada no sentido estrito de acesso ao judiciário, reclama medidas urgentes para sua eficácia, e estes reclamos passam, necessariamente, pela educação e pelo ensino jurídico de qualidade. A paridade de armas dada aos litigantes tem sido mantida cada vez mais distante da função jurisdicional do Estado, tendo em vista serem exitosos os que podem pagar os melhores advogados, os quais devem ser entendidos não necessariamente em razão da sua qualificação, mas da sua rede de relacionamentos. [28]

Por outro lado, a crise no ensino jurídico ofende o direito fundamental à educação, pois esta não deve ser concebida tão somente na ampla oferta de vagas. A garantia de real acesso de tal direito não poderá resumir-se no acesso às escolas e universidades.

O direito à educação deve ser prestado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, requisito para o exercício da cidadania e para a qualificação essencial ao desempenho laboral, conforme preconiza o art. 205 da CF/88.

No ensino jurídico dos cursos superiores estes princípios não têm sido atendidos na sua essência. O acesso é inquestionável, entretanto não se mostra suficiente para garantir a formação efetiva do futuro bacharel em direito.

Em um mundo onde os processos de comunicação desenvolvem de forma estarrecedora técnicas de persuasão, o home, que quer permanecer livre em suas decisões, deve exercitar ao máximo sua capacidade racionalizadora. A prática que desqualifica, ou não recorre às teorias adequadas, a captação assistemática da informação não é,

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evidentemente, um bom critério para a produção de decisões livres e conscientes. A interação humana desafiada a resolver formas de convivência elabora, muitas vezes, respostas míticas ou estereotipadas que só podem ser corrigidas com os recursos a uma rigorosa reflexão crítica logo convertida em prática. Uma reflexão que permita superar a compreensão do mundo em termos de puras emoções. Não pode haver acesso real a uma cultura na medida em que o processo educacional não proporcione a formação de uma capacidade problematizadora autônoma que supere a simples aquisição de conteúdos enciclopédicos e eruditos. [29]

Estando o problema imerso não somente nos assentos das universidades, mas, mais que isso, nos dos tribunais, repercutindo na intensa morosidade na solução de litígios, em decorrência da incapacidade da maior parte dos juristas de examinarem o conflito para além da leitura exegética da norma, em nítida ofensa a princípios instituídos pelo constituinte de 1988, exige-se a compreensão das causas do problema e soluções para o seu enfrentamento.

4 Por um ensino jurídico crítico e humanista

A crise que cerca o ensino jurídico brasileiro passa, além de inúmeros outros fatores, pela adoção de uma metodologia defasada. Hodiernamente, não há mais espaço para o dogmatismo e o exclusivo positivismo na metodologia do Direito.

Da criação de um curso jurídico voltado para atender aos anseios da elite política e à vontade do Estado no começo do século XIX, foi preciso repensar os objetivos a serem alcançados por este curso, pois o Direito não poderia ficar inerte a tantas mudanças sociais, políticas e econômicas.

Como bem salienta Franco Montoro

A formação jurídica não se confunde com o conhecimento de leis vigentes, para a sua aplicação mecânica aos casos concretos. Essa formação puramente legalista pode convir à figura ridícula de um João das Regras, decorador de textos e autômato na sua aplicação. A formação jurídica, objetivo fundamental do ensino do Direito, é outra coisa. [30]

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Os rumos determinados pela Constituição Federal de 1988 impuseram uma nova realidade aos juristas, que não poderiam mais limitar-se a uma formação puramente técnica.

As Faculdades de Direito não podem estar alheias aos desafios da sociedade científica e ao processo de formação e reflexão jurídica, social e política proposto pela nova Constituição Brasileira de 1988, que introduziu novos institutos de garantias da cidadania individual e coletiva, assim como fortaleceu o papel do Ministério Público e do Poder Judiciário e abriu espaços para a avaliação de novos e importantes âmbitos da vida jurídica, como a proteção aos direitos coletivos e difusos, o problema dos índios e do uso da terra, as questões do meio ambiente, a da proteção da vida privada e da intimidade individual. A Faculdade de Direito precisa retomar o seu lugar de reflexão e não apenas de ocupação de espaços institucionais, na vida da sociedade brasileira moderna. As sociedades que não incentivam a formação do pensamento jurídico e desenvolvimento das instituições serão sempre simulação de sociedades democráticas.[31]

No ensino jurídico, o sistema que parece o mais correto não é o de aprendizagem de normas jurídicas, mas o do poder do raciocínio jurídico. A formação crítica, nesse caso, é indispensável, uma vez que o direito trata-se, essencialmente, de uma área prática, social. Não pode, portanto, ver-se livre dos problemas da sociedade e da proposta de estudá-los e buscar sua solução. [32]

Inadiável, portanto, afastar dos palcos acadêmicos o ensino jurídico livreiro, desvinculado da prática, que não permite a capacidade criativa do processo pedagógico do direito. O modelo informativo, em que se constata a precária capacitação do profissional do direito e a ausência de estímulo ao raciocínio jurídico adequado, deve ceder espaço ao modelo humanista, fundado numa formação geral e sólida, permitindo que o operador do direito interaja com a sociedade e possua capacidade reflexiva e senso crítico e social.

Os egressos dos cursos jurídicos devem ter qualificação tal a permitir a leitura, a compreensão, a interpretação e a elaboração de textos jurídicos, incluindo necessariamente a correta utilização da terminologia jurídica. [...] O espírito crítico deve estar presente no perfil dos bacharéis, que devem estar aptos à utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão, bem como ao julgamento e tomada de decisões. [33]

É preciso perseguir o ponto de equilíbrio, entre formação básica (humanista) e formação profissional (técnica-científica e prática), alicerçada sobre a ética geral e profissional.

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Ao lado dessa proposta de ensino não se deve olvidar da importância do professor. É indiscutível sua importância no processo de aprendizagem, sobretudo nas atividades em sala de aula, desenvolvendo pesquisas e orientação de alunos. [34]

O professor não deve ter exclusivamente a preocupação de esgotar programas e a ambição de transmitir toda a matéria, mas sim, de propiciar o melhor aprendizado dos pontos basilares da disciplina lecionada, através da imprescindível inteligência dos princípios doutrinários e do aperfeiçoamento do raciocínio jurídico do aluno. [35]

Muitos professores de direito podem dominar com proficiência o conteúdo das disciplinas que ministra, no entanto não sabem utilizar uma forma adequada de apresentar seu conteúdo. Na maioria das vezes, mantêm-se distantes do corpo discente, o que dificulta o processo de aprendizagem. Para uma verdadeira revitalização do curso jurídico, é necessário que o professor saia do seu pedestal de auto-suficiência e onipotência.

Destaque-se, também, no exercício das suas atribuições estatutárias (art. 54, XV, da lei nº. 8906/94), o controle de qualidade dos cursos jurídicos pela Ordem dos Advogados do Brasil, seja através da análise responsável e criteriosa acerca da criação de novos cursos, seja da exigência de seus exames, seja através de relatórios recomendando determinados cursos de direito (Projeto "OAB recomenda").

A superação da crise, assim, somente poderá se tornar realidade quando forem realizadas reformas no plano interno, ou seja, nas salas de aula. Pouco importará a mudança de diretrizes curriculares se as aulas forem meramente teórico-expositivas, sem aguçar a crítica e o raciocínio jurídico do aluno.

Através de um ensino jurídico crítico e humanista, poderão ser formados cidadãos conscientes do seu papel e da sua atuação como veículo transformador da realidade social; ser formados bacharéis em direito aptos a exercer eticamente os variados segmentos da carreira jurídica, com visão crítica tanto dos fundamentos jurídicos quanto do contexto sócio-político; ser capacitados alunos a interpretar, explicar e utilizar as normas e princípios jurídicos, formando um profissional capaz de valorizar a cidadania e reconhecer a dignidade da pessoa humana; ser proporcionados por meio do ensino, pesquisa e extensão, instrumentos que habilitem o educando a desenvolver o pensamento jurídico e aplicá-lo de forma crítica no meio em que está inserido; ser fornecidas as bases materiais e instrumentais da formação jurídica, a partir do

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tratamento interdisciplinar dos conceitos e institutos da dogmática jurídica, dentro do contexto social. [36]

Ademais, poder-se-á desenvolver uma visão humanista que possibilite a formação de uma consciência sócio-política conjugada à técnica e ao raciocínio jurídico, essenciais a uma educação integral e à plena realização do acesso à Justiça; imprimir no meio acadêmico valores de ética e de cidadania, permitindo conjugar a expressão técnico-jurídica aos questionamentos filosóficos e sociais acerca da justiça, da legitimidade e da moral que alicerçam a prática jurídica, bem como promover a reflexão científica e a atualização do conhecimento, através de meios que propiciem o aprimoramento do pensamento lógico-instrumental e a percepção do dinamismo do Direito.

5 Considerações Finais

A crise que atualmente envolve o ensino jurídico no país requer ações urgentes e eficazes, em busca de uma educação de qualidade. A permanência e o agravamento do atual quadro trarão enormes prejuízos à sociedade, bem como representará uma ofensa ao direito de acesso à justiça, especialmente quando se recorre à via jurisdicional.

Qualquer reformulação dos cursos de Direito deve também está atrelada à reforma do método de ensino. Será imprescindível analisar um método que envolva uma abordagem questionadora e crítica do conteúdo jurídico, voltada para a realidade de nosso país. Assim, poderão ser formados profissionais capazes de promover mudanças sociais e jurídicas.

De todos os motivos para o distanciamento das Faculdades de Direito de sua finalidade de formar profissionais habilitados, destacam-se o despreparo humanista com que o aluno está saindo das acadêmicas e do exegetismo do Direito.

O ensino jurídico deve almejar conduzir o aluno ao raciocínio, instigando dúvidas, estimulando estudos e pesquisas, motivando-o a questionar e a formar convicções próprias. Tudo isso com o objetivo de incutir no aluno a capacidade de raciocinar e não apenas de que este aprenda a subsumir o fato à fria letra da lei.

O ensino jurídico deve superar métodos ultrapassados, falíveis, de pouco uso na prática e de interesses de poucos privilegiados e cada vez mais de restritos setores. De que vale

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o aluno dominar a teoria se não tem capacidade de aplicá-lo na prática? De que serve a interpretação puramente literal da lei, se não se tem uma adequada formação, que possibilite a construção de um raciocínio jurídico que permita solucionar problemas práticos que se apresentam no cotidiano?

É necessário dar ao estudante de Direito uma conceituação básica e ensinar-lhe os meios para a avaliação jurídica das situações sem as vendas limitadoras da legalidade formal. Apenas através de uma formação crítica e humanista, pode-se alcançar um ensino jurídico que promova uma formação adequada aos estudantes, preparando-os para os futuros problemas que enfrentarão ao decorrer da labuta profissional.

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[1] PINTO, Adriano. A OAB nos 170 anos do ensino jurídico. In Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília: OAB, 1997, p. 12.

[2] BEZERRA. Roberta Teles. Ensino jurídico e direitos fundamentais. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2008, p. 63-64.

[3] "É perceptível que essas conjunções sociais da primeira fase do Ensino Jurídico Brasileiro o mantiveram atrelado às bases ideológicas do momento, estritamente voltadas para o plano dos conteúdos curriculares da livre economia. O chamamento científico do momento histórico vivido era de afirmação do Estado Liberal e a academia necessitava reproduzir a regulação socialmente requerida. Desde seu marco inicial inspirado naquilo que já era idealizado em Coimbra, a academia jurídica brasileira tendeu para o afastamento total das influências eclesiásticas nas grades curriculares. Mantida na primeira grade curricular criada pela Carta de lei de 1827, a disciplina de Direito Eclesiástico tornou-se optativa em 1879 e foi definitivamente banida dos currículos na reforma de 1895. A ideologia do momento exigia a consolidação do poder da classe burguesa sobre a produção do conhecimento, como já ocorrera sobre as Ciências Naturais". MARTÍNEZ, Sérgio Rodrigo. Evolução do ensino jurídico no Brasil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8020>. Acesso em: 29 mai 2009.

[4] BEZERRA. Roberta Teles. Op. Cit., p. 65

[5]MARTÍNEZ, Sérgio Rodrigo. Evolução do ensino jurídico no Brasil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8020>. Acesso em: 29 mai 2009.

[6] Nesse contexto, interessante destacar que "seja no Império, seja na República, que a educação brasileira, sempre, historicamente caracterizou-se por uma preponderância da desigualdade com relação à igualdade. Nos diversos períodos da história brasileira, desde o colonialismo, existe uma educação para os ricos e uma educação para os pobres" (PILLETI, Nelson. A história da educação no Brasil. 7 ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 28-29). Esse modelo de ensino, conforme Eduardo Bittar, que privilegia uns em detrimento de outros, é, necessariamente, um aspecto importante da discussão do ensino universitário, uam vez que as condições de acesso ao ensino superior são determinadas por fatores anteriores ao ingresso nos quadros da Universidade. Por vezes, é mesmo a insuficiência do ensino fundamental e médio a causa da triagem dos menos afortunados das vagas das universidades públicas. (BITTAR, Eduardo C.B. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001, p. 69).

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[7] BITTAR, Eduardo C.B. Op. cit., p. 69.

[8] VENÂNCIO FILHO, Alberto apud MARTÍNEZ, Sérgio Rodrigo. Evolução do ensino jurídico no Brasil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8020>. Acesso em: 29 mai 2009.

[9] Aurélio Wander Bastos destaca que a "reforma de 1931, de Francisco campos, teve uma importância epistemológica muito grande para os advogados brasileiros. Francisco campos admitia que o conhecimento jurídico não é exclusivamente verborrágico, bacharalesco, de natureza retrógrada e verbal, mas, como tantos outros ramos do conhecimento, é um conhecimento de natureza científica". BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil e as suas personalidades históricas - uma recuperação de seu passado para reconhecer seu futuro. In: Ensino Jurídico OAB. 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília: OAB, 1997, p. 41-42.

[10] "O Bacharel do Império e da primeira república, filho da classe média e da classe rural é em nossos dias homem sem horizontes na política de sua Pátria. Diz-se que houve um progresso coma eliminação do papel que os bacharéis desempenhavam. Achamos, porém, que houve retrocesso e queda. Nunca se precisou tanto da elite jurídica do país. Nunca os bacharéis forma mais necessários do que nesse momento de barbarização dos costumes políticos, em que um povo, alarmado com a invasão do poder legislativo por aqueles que, à sombra de sua ignorância, atuam de maneira estranha ao interesse das coletividades, se acha hesitante e desorientado. A política destes tempos fez do bacharel figura subalterna, em declínio. Louva-se o técnico, o produtor, o militar. A consequência há sido funesta e imediatamente nociva para a vida do regi,e constitucional: a mediocrização do Congresso, a representação política entregue em grande parte, a homens que legislam de costas para o povo e para a coletividade". BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 176.

[11] RODRIGUES, Horácio Wanderley. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes curriculares, projetos pedagógicos e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 26-27.

[12] Sobre o assunto, conferir: BERTASI, Maria Odete Duque. Ensino Jurídico no Brasil. São Paulo: Lex Editora, 2008.

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[13] Como salienta Pedro Demo, "uma das características das ciências sociais é de terem uma vinculação intrínseca com a prática, de tal ordem que a omissão prática torna-se inevitavelmente uma espécie de prática. O descompromisso é uma forma de compromisso, já que a isenção é no fundo outra forma de tomar posição [...] Para as ciências sociais, uma teoria desligada da prática não chega sequer a ser uma teoria. É nesse sentido que muitos diriam ser a prática o critério da verdade teórica". O autor ressalta, ainda, que "fazer apenas teoria também é uma prática, mas uma prática alienada. Alienação, contudo, não é descompromisso, mas uma forma incoerente de compromisso ingênuo ou malicioso. Teoria alienada é precisamente aquela que não busca o teste da prática, nem realiza a coerência ideológica". DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1987, passim.

[14] Acerca da dos currículos dos cursos jurídicos, José Eduardo Faria, defende a institucionalização da sua "deslegalização", consagrando a flexibilização. Para o autor, "pobre de conteúdo e pouco reflexivo, o ensino jurídico hoje se destaca por uma organização curricular meramente 'geológica'". FARIA, José Eduardo. O Ensino Jurídico. In: MACIEL, Getulino do Espírito Santo; ENCARNAÇÃO, João Bosco (org.). Seis temas sobre o ensino jurídico. São Paulo: Cabral Editora, 1995, p. 101-102.

[15] OAB. Exame de Ordem em São Paulo reprova 86,68% dos candidatos. Conselho Federal da OAB, Brasílai, DF, 08 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia> Acesso em: 13 mar 2009.

[16] No mesmo exame, em muitos outros Estados o resultado do exame apontou a reprovação de mais da metade dos inscritos: o Estado de Mato Grosso teve 79% de reprovação, o Mato Grosso do Sul, 68,28%, Santa Catarina, 87,23%, a Paraíba, 74,50%, o Paraná, 86%, o Tocantins 79%, o Goiás, 75,68%, o Pará, 70%.

[17] Sobre o assunto, conferir: MURICY, Marília. A crise da universidade pública e o ensino jurídico. In Ensino Jurídico OAB: balanço de uma experiência. Brasília: OAB, 2000, p. 139-146.

[18] LIMA, Francisco Gérson Marques de. O professor no direito brasileiro: orientações fundamentais de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008, p. 2-4.

[19] Basta observar a quantidade de investimentos e subsídios fiscais criados para as universidades privadas, para que ofereçam vagas para alunos de baixa renda, em troca

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de redução da carga tributária. O investimento para a criação de vagas nas universidades públicas encontrou novos destinos.

[20] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Ensino Jurídico: realidade e perspectivas. A crise da universidade pública e o ensino jurídico. In Ensino Jurídico OAB: balanço de uma experiência. Brasília: OAB, 2000, p. 159.

[21] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP-FHDSS, 2005, p. 90.

[22] MACHADO, Antônio Alberto. Op. cit., p. 88-89.

[23] MACHADO, Antônio Alberto. Op. cit., p. 93.

[24] MACHADO, Antônio Alberto. Op., cit., p. 118.

[25] Nesse sentido, Jan Shapp salienta que "a doutrina central para a aplicação da lei é ainda sempre a doutrina da subsunção de um concreto estado de coisas sob uma lei universal. A história da metodologia mais recente é uma história de ataques a este "modelo subsuncional da aplicação do direito" e contudo este modelo subsuncional conseguiu-se afirmar-se no fundamental. Ele não é apenas ensinado aos estudantes como técnica da aplicação do direito, mas continua ocupando ainda um lugar de destaque nos tratados científicos e nos manuais". (SHAPP, Jan. Problemas fundamentais da metodologia jurídica. Trad. Ernildo Stein. Porto Alegre: Fabris, 1985, p. 8).

[26] "Um poder Judiciário passa inegavelmente pela melhoria do ensino jurídico em nosso país. Um Poder Judiciário que tenha pro objetivo reverter as exclusões existentes em nossa sociedade, que esteja preocupado com o exercício da cidadania, em que o respeito à Constituição esteja no centro das atenções. Um Poder Judiciário desse jaez não surge das prateleiras empoeiradas de sábios medievais, nem de concessões celestiais. Essa formação deve ser objeto do ensino nas faculdades de Direito e dos trabalhos acadêmicos delas resultantes, e não apenas da análise da dogmática jurídica, que acaba por ser revogada através de uma singela pincelada de caneta das autoridades de plantão. O cerne da discussão nas Escolas de Direito deve ser a busca pela justiça e pelo seu acesso, e não para a singela memorização do prazo de agravo de instrumento".

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(SCAFF, Fernando Facury. Ensino Jurídico: O controle público e social da atividade educacional. In: OAB recomenda: um retrato dos cursos jurídicos. Brasília: OAB, 2001, p. 63-64).

[27] MURICY, Marília. O ensino jurídico fundamental e as práticas de seleção para o mercado profissional. In: OAB Ensino Jurídico: formação profissional e inserção profissional. Brasília: OAB, 2003, p. 231.

[28] BEZERRA, Roberta Teles. Op. Cit., p. 44.

[29] WARAT, Luiz Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Técnicas e conteúdos no ensino do Direito. In: Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977, p. 60.

[30] MONTORO, Franco. In: MELO FILHO, Álvaro. Reflexões sobre o ensino jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 8.

[31] BASTOS, Aurélio Wander. Op. Cit., p. 53.

[32] Nesse sentido, Luiz Alberto Warat e Rosa Cunha indicam que "um novo processo educacional na párea do Direito deverá inclinar-se por uma metodologia orientada por uma filosofia de buscas e descobertas, mais do que para a instrução pura e simples".WARAT, Luiz Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977, p. 13.

[33] BEZERRA. Roberta Teles. Op. Cit., p. 87.

[34] Sobre o assunto, conferir: TORRES, Vicencia Barbosa de Andrade. Os valores docentes do professor universitário do curso de direito: limites e possibilidades no discurso e na prática docente. Um estudo na Faculdade de Direito do Recife - FDR. Recife, 2006. (Dissertação de mestrado da Universidade Federal de Pernambuco).

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[35] RAMY FILHO, Alfredo. In: MELO FILHO, Álvaro. Reflexões sobre o ensino jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 19.

[36] Nesse contexto, importante ressaltar o que preconizam Luiz Warat e Rosa Cardoso: "Quando alguém diz que a aula deve ser o mais possível dialogada ou que se deve despertar o raciocínio jurídico do aluno, sem se fazer referência a uma reelaboração crítica do conteúdo, é necessário ter presente que tal afirmação, aparentemente fiel aos métodos modernos e de grande efeito, na verdade, nada mais significam que um processo de realimentação do ensino dogmático. Isto porque, para atingir o diálogo e desenvolver o raciocínio jurídico, o aluno irá servir-se do único instrumental teórico que a cultura jurídica tradicional lhe permite conhecer". WARAT, Luiz Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977, p. 13.