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ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM
LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO
DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS
COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ
UFPI
TERESINA / 2004
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ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM
LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO
DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS
COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
UFPI
TERESINA / 2004
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ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM
LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO
DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS
COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Federal do Piauí, como
exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Políticas Públicas, sob a orientação da
Professora Doutora Rosângela Maria Sobrinho
Sousa.
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UFPI
TERESINA / 2004
TÍTULO
“Limites e Possibilidades de um Planejamento Descentralizado e
Participativo nas Instâncias Colegiadas de Gestão do SUS-PIAUÍ “
ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM
Dissertação de Mestrado submetida à Coordenação do Curso de Mestrado em
Políticas Públicas do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal
– Área de Concentração: Estado, Sociedade e Políticas Públicas.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________
Professora Doutora
Rosângela Maria Sobrinho Sousa
Universidade Federal do Piauí
Orientadora e Presidente
________________________________________________
Professor(a) Doutor (a)
_________________________________________________
Professor(a) Doutor (a)
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TERESINA / 2004
____________________________________________DEDICATÓRIA
Aos meus filhos Anna Carollina e Leo José, razão da minha existência, fonte
permanente de renovação e reafirmação de amor a DEUS, à vida e ao ser humano;
Ao meu marido Leovegildo, pela paciência, apoio e inestimável incentivo para
empreender a trajetória do mestrado e persistir quando tudo parecia tão difícil;
Aos meus pais Oscar e Terezinha, pelo amor incondicional e confiança
irrestrita na minha capacidade de alcançar o objetivo pretendido;
Aos meus irmãos Ceicinha, Oscarzinho, Katarine, Cristiane, Margareth e
Leonardo, embora fisicamente distantes, próximos no afeto e na comunhão de valores e
projetos de vida;
Aos meus Alunos do Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT e
Faculdade Santo Agostinho - FSA, que me ensinam todos os dias o valor da amizade, da
troca cotidiana e da humildade de aprender ensinando e ensinar aprendendo.
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______________________________________AGRADECIMENTOS
Principalmente, a DEUS, pela vida e pela graça de cumprir mais uma missão;
Especialmente aos meus Filhos, meu Marido, meus Pais e Irmãos,
por estarem presentes todos os dias na minha existência;
Minha Orientadora, Profª Dra. Rosângela Souza, pela orientação e apoio
irrestrito;
À Profª Dra. Rosário Silva, Coordenadora do Mestrado em Políticas Públicas da
UFPI, pela palavra “mágica” no momento decisivo da minha construção teórica;
De maneira muito especial à Profª Dra. Maria do Carmo Veloso, pela amizade, e
fundamental apoio, principalmente, nos momentos finais deste estudo quando tudo parecia
muito mais difícil;
Aos colegas Professores do CEUT, Rosário (Estatística), Eldelita (Inglês),
Aírton (Português), por terem compartilhado e deixado um pedacinho deles,
neste documento;
Aos Colegas do Curso de Mestrado, pela convivência e pelo aprendizado
constante;
Aos Professores do Mestrado, especialmente ao Prof. Dr. Francisco de Oliveira B.
Júnior e a Profª Dra. Lúcia Cristina dos Santos Rosa, por tudo que conseguiram ensinar,
despertar e aguçar;
Aos Sujeitos e Participantes diretos e indiretos da pesquisa realizada;
A TODOS que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui;
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OBRIGADA!
_________________________________________________RESUMO
AMORIM, ANA M.M.N.E. Limites e Possibilidades de um Planejamento Descentralizado e
Participativo nas Instâncias Colegiadas de Gestão do SUS-Piauí. Piauí: UFPI, Setembro 2.004.
Mestrado em Políticas Públicas. Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí.
Este estudo tem por objetivo compreender a dinâmica e as características do processo de
planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão do SUS-Piauí, seus desafios e
possibilidades enquanto prática descentralizada e participativa. Fundamenta-se no pressuposto de
que o planejamento, além do seu caráter instrumental e metodológico, assume, principalmente, no
âmbito da gestão do SUS, a dimensão política de processo e prática social, capaz de fomentar
articulações, explicitar conflitos, harmonizar interesses, viabilizar a negociação e a pactuação entre
os distintos atores sociais eficientizando, portanto, a gestão do sistema. São sujeitos da pesquisa os
membros do Conselho Estadual de Saúde e da Comissão Intergestores Bipartite, instâncias
colegiadas de gestão do SUS, heterogêneas, plurais, conflituosas e, principalmente, espaços
delimitados e direcionados de construção da cidadania e de exercício do controle social. O universo
do estudo compreende o conjunto dos 94 membros do CES e da CIB, identificados através de
análise documental, especialmente, quanto à esfera/entidade/instituição/segmento de representação
e tipo de inserção – se Titular ou Suplente. Mediante técnica da amostragem não-probabilística do
tipo intencional, selecionou-se 24 Conselheiros Estaduais de Saúde observando-se a exigência da
paridade (12 representantes de usuários, 6 de trabalhadores e 6 de prestadores de serviços) para
composição da amostra a pesquisar optando-se, no que concerne a CIB, por realizar o estudo com a
totalidade dos seus membros, ou seja, seus 31 representantes, 15 da esfera estadual e 16 da
esfera municipal. Dentre as técnicas selecionadas para coleta de dados utilizou-se um
questionário com o objetivo de apreender a opinião dos sujeitos sobre os aspectos organizativo
e relacional do funcionamento dessas instâncias, além de entrevistas para coleta de informações
complementares com 3 membros do CES e 2 da CIB. A observação participante nas reuniões
ocorridas foi, também, fonte inestimável de informações. Os dados analisados, portanto,
permitem afirmar que, embora, com limitações de caráter técnico, político e organizativo, o CES e a
CIB–Piauí tem se caracterizado como espaços efetivos de articulação, de interações comunicativas,
de negociação e interlocução de interesses, portanto, de planejamento e de gestão do SUS-PI,
consoante com o estágio de consolidação em que o sistema se encontra no âmbito do Estado.
Conselho Estadual de Saúde, Comissão Intergestores Bipartite, Planejamento Descentralizado e
Participativo, Sistema Único de Saúde-SUS/PI.
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_______________________________________________ABSTRACT
AMORIM, ANA M.M.N.E. Limits and Possibilities of Decentralized and Participative Planning at
theCollegiate Levels of the SUS – Piauí Administration
This study comprehends the dynamics and the characteristics of the planning process
implemented at the collegiate levels of the SUS – Piauí administration, as well as the challenges
and possibilities regarding decentralization and participation. Based on the supposition that
planning, besides its instrumental and methodological character, assumes, principally in the SUS
administrative environment, a political dimension of the process and practical social, capable of
developing articulations, clarifying conflicts, harmonizing interests, and making negotiation and
agreement among the distinct social participants, emphasizing, however, the administration of the
system. Research subjects included the members of the State Health Council (CES) and the
Bipartite Commission CIB), both collegiate levels of the SUS administration which are
heterogeneous, multipliers, conflicting and, principally, delimiting spheres and directions in the
construction of citizenship and the exercise of social control. The scope of this study includes the
94 (ninety – four) members of the CES and CIB, identified through analysis of documents,
especially regarding the sphere/ entity/ institution/ segment of representation and type of
participation – whether as entitled members or substitutes. By means of non - probabilistic
intentional samples, 24 State Health Counselors were included in the sample for the research,
observing parity (12 user representatives, 6 worker representatives, and 6 service rendering
representatives), opting to include the totality of the CIB members, that is, all 31 representatives, 15
of which were from the state sphere and 16 from the city. Among the techniques selected for the
collection of data, a questionaire was used, with the objective of learning opinions regarding
organizational and functional aspects of these collegiate levels. Interviews were also used for
complementary information with 3 members of the CES and 2 of the CIB. Participative observation
in the meetings was also a source of inestimable information. The data analyzed, however, permit
confirmation that, in spite limitations of a technical, political, and organizational character, the
CES and CIB – Piauí have characteristics as spheres of articulation, interactive communication,
negotiation and interchange of interests, therefore of planning and administration of SUS-PI,
appropriate to the stage of consolidation in which SUS finds itself in the state of Piauí.
State Health Council, Bipartite Commission, Decentralized and Participative Planning, SUS – Piauí
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________________________________________________SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................... 9
LISTADE QUADROS E GRÁFICOS............................................................................... 13
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
CAPÍTULO 1 ..................................................................................................................................... 21
FORMULAÇÃO DO PROBLEMA E CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA .................................................. 21
DA INQUIETAÇÃO À DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ..................................... 21
JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO TEMA .................................................................... 25
FORMULAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E DOS OBJETIVOS .................................. 30
CAMPO TEMÁTICO: ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E
NEGOCIAÇÃO .................................................................................................................. 32
PROCESSO METODOLÓGICO. ....................................................................................... 51
CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................... 62
PLANEJAMENTO: REFLEXÕES SOBRE A DIMENSÃO TÉCNICA E POLÍTICA NA CONSTRUÇÃO DO
VIR A SER .................................................................................................................................... 62
2.1 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES AO TEMA: O QUE É E O QUE DEVE SER O
PLANEJAMENTO .............................................................................................................. 62
2.2 O PLANEJAMENTO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA
E NO BRASIL ..................................................................................................................... 69
2.3 PRINCIPAIS ENFOQUES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS SOBRE PLANEJAMENTO EM
SAÚDE ............................................................................................................................... 80
2.3.1 O Pensamento Estratégico ........................................................................................... 81
2.3.2 O Enfoque Estratégico da Escola de Medellín ............................................................. 83
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218
2.3.3 O Planejamento Estratégico Situacional: pressupostos e metodologia .......................... 85
2.4 PROGRAMAÇÃO EM SAÚDE: DIMENSÃO TÉCNICA E OPERACIONAL DO
PLANEJAMENTO ..................................................................................................... 94
CAPÍTULO 3 .................................................................................................................................... 98
3. O SUS: UMA NOVA FORMA DE CONCEBER E INTERVIR NO PROCESSO SAÚDE X
DOENÇA ............................................................................................................................ 98
3.1 DETERMINANTES HISTÓRICOS DA CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA DE SAÚDE
FUNDADO NOS PRINCÍPIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO DE PODER E NA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL ................................................................................................. 98
3.1.1 O SUS no Contexto Brasileiro ................................................................................. 98
3.1.2 O SUS no Contexto Piauiense ................................................................................. 117
3.2 PAPEL E PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DAS INSTÂNCIAS COLEGIADAS DE
PLANEJAMENTO E GESTÃO DO SUS: CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE E
COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE ......................................................... 134
CAPÍTULO 4 ..................................................................................................................... 148
4 O PLANEJAMENTO POSSÍVEL NA GESTÃO DO SUS-PIAUÍ ...................................... 148
4.1 A DIMENSÃO POLÍTICA DO PLANEJAMENTO NO CONTEXTO DO CES E CIB -
PIAUÍ: CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................... 148
4.1.1............................................................................................................................ O
Processo de Planejamento no âmbito do CES-PI segundo a percepção dos Conselheiros Estaduais de
Saúde do Piauí .................................................................................................................... 153
4.1.2 O processo de Planejamento no âmbito da CIB-PI segundo a percepção dos representantes das
esferas estadual e municipal ................................................................................................ 172
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O CES e a CIB: o desafio da construção de espaços de
planejamento descentralizado e participativo na gestão do SUS-PI .............................. 193
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 200
7 ANEXOS ......................................................................................................................... 208
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_____________________LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGESPISA Águas e Esgotos do Piauí S/A
AIS Ações Integradas de Saúde
ASA Ação Social Arquidiocesana
ALP Assembléia Legislativa do Piauí
ABEN-PI Associação Brasileira de Enfermagem – Secção Piauí
ADEFT Associação dos Deficientes Físicos de Teresina
AFEPI Associação de Fisioterapia do Estado do Piauí
AOMP Associação Organizada da Mulher Piauiense
CAPs Caixa de Aposentadorias e Pensões
CDS Conselho de Desenvolvimento Social
CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CEPAL Centro de Estudos Econômicos para a América Latina
CENDES Centro Nacional de Desenvolvimento
CIB Comissão Intergestores Bipartite
CIMS Comissão Intermunicipal de Saúde
CIPLAN Comissão Interinstitucional de Planejamento
CIS Comissão Interinstitucional de Saúde
CIT Comissão Intergestores Tripartite
CNRS Comissão Nacional da Reforma Sanitária
CPC Comissão Pró-Conselho
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CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CNS¹ Conferência Nacional de Saúde
CES Conselho Estadual de Saúde
COSEMS Conselho de Secretários Municipais de Saúde
CMS Conselho Municipal de Saúde
CNS Conselho Nacional de Saúde
CONASS Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde
CRM Conselho Regional de Medicina
CRN Conselho Regional de Nutrição
CRO Conselho Regional de Odontologia
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
CUT Central Única dos Trabalhadores
CF Constituição Federal
DNERU Departamento Nacional de Endemias Rurais
DNS Departamento Nacional de Saúde
FACIME Faculdade de Ciências Médicas
FAMCC Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí
FETAG Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí
FETICM Federação dos Trabalhadores na Ind. da Construção e do Mobiliário do Estado do
Piauí
FCD Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes
FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
FSESP Fundação Serviços de Saúde Pública
HGV Hospital Getúlio Vargas
IAH Instituto de Administração Hospitalar
IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência Social
IAPs Instituto de Aposentadorias e Pensões
IAPFESP Instituto de Assistência e Previdência Ferroviários e Empregados do Serviço
Público
IAPM Instituto de Assistência e Previdência dos Marítimos
ILPES Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social
INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
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INPS Instituto Nacional de Previdência Social
IPASE Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado
LOM Lei Orgânica do Município
LOPS Lei Orgânica da Previdência Social
MEC Ministério da Educação e Cultura
MORHAN Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase
MOPS I Movimento Popular de Saúde I
MOPS II Movimento Popular de Saúde II
MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social
MS Ministério da Saúde
NESP Núcleo de Estudos em Saúde Pública
NOAS Norma Operacional da Assistência à Saúde
NOB Norma Operacional Básica
OMS Organização Mundial de Saúde
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
OPS¹ Organização Pan-Americana de Saúde
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PT Partido dos Trabalhadores
PC Pastoral da Criança
PS Pastoral da Saúde
PES Planejamento Estratégico Situacional
PPA Plano Pronta Ação
PNS Plano Nacional de Saúde
PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PREV-SAÚDE Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
POI Programação e Orçamentação Integrada
SPT – 2000 Saúde Para Todos no ano 2.000
SEPLAN Secretaria Estadual de Planejamento
SES Secretaria Estadual de Saúde
SESAPI Secretaria Estadual de Saúde do Piauí
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SAMDU Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência
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SINDESPI Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado do Piauí
SINDHOSPI Sindicato dos Hospitais do Piauí
SIMEPI Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí
SINSEPI Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Estado do Piauí
SINTRICON Sindicato dos Trabalhadores na Ind. da Construção e do Mobiliário do Médio
Parnaíba
SINTRAGRAP Sindicato dos Trabalhadores nas Ind. Gráficas no Estado do Piauí
SINTEPI Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Urbana do Estado do Piauí
SINTSPREV Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência Social no Estado do Piauí
SITEAR Sindicato dos Tecnólogos, Técnicos e Auxiliares em Radiologia do Estado do Piauí
SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SNS Sistema Nacional de Saúde
SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
SPCC Sociedade Piauiense de Combate ao Câncer
SUCAM Superintendência de Campanhas de Saúde Pública
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUHEPI Superintendência Hospitalar do Estado do Piauí
ULCONORTE União dos Líderes Comunitários da Zona Norte de Teresina
UFPI Universidade Federal do Piauí
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS
QUADROS
QUADRO I – Identificação dos Municípios que Integram a CIB segundo o
Porte/População Porte/População e Condição de Representação
QUADRO II – Identificação das Áreas Técnicas Representantes da Esfera Estadual
com Assento na CIB, segundo Condição de Representação.
GRÁFICOS
GRÁFICO I – Distribuição dos Conselheiros segundo Número de Mandatos Exercidos no
Conselho Estadual de Saúde do Piauí
GRÁFICO II – Número de Mandatos como Secretário de Saúde
GRÁFICO III – Tempo de Assento na CIB-PIAUÍ – 2003 - 2005
GRÁFICO IV – Porte dos Municípios Representados na CIB-PIAUÍ/2004
GRÁFICO V – Informação Prévia de Pauta e Cronograma – CIB-PIAUÍ 2003-2005
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a 524L Amorim, Ana Maria M.N.Eulálio
Limites e possibilidades de um planejamento descentralizado e participativo nas
instâncias colegiadas de gestão do SUS – Piauí / Ana Maria Menezes Neiva Eulálio
Amorim. – Teresina: UFPI, 2004.
251 f.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do
Piauí, 2004.
1. Política Pública 2. Planejamento em Saúde 3. Gestão Colegiado (SUS) 7.
Título
CDD 320.6
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___________________________________________INTRODUÇÃO
O presente estudo analisa, na área das políticas públicas, as características, limites e
possibilidades do planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão do Sistema Único
de Saúde no Piauí. Para tanto, assume como pressuposto a concepção de planejamento como
processo técnico, metodológico e principalmente político, em decorrência do seu recorte para a
saúde pública, especialmente, ao âmbito do SUS.
Assim, ao priorizar como campo de investigação os espaços coletivos e formalmente
constituídos de gestão quais sejam, Conselho Estadual de Saúde e Comissão Intergestores Bipartite,
reafirma a necessidade de fortalecê-los como condição imprescindível para a construção de um
sistema de saúde universal, gratuito, acessível, resolutivo e descentralizado no qual a participação
social na definição das prioridades e na tomada de decisão, constitui seu elemento diferenciador e
legitimador.
Expressa, ainda, a necessidade de um conhecimento mais realístico sobre o estágio de
desenvolvimento e de maturidade política em que se encontram essas instâncias gestoras,
principalmente, no que tange ao desafio de formular a Política Estadual de Saúde exercitando nesse
processo, um agir comunicativo e estratégias de negociação e pactuação, portanto, um
planejamento descentralizado e participativo pautado, principalmente, na perspectiva de ganhos
coletivos relacionados à melhoria da qualidade de vida e de saúde da população do Estado.
No desenvolvimento desse estudo, buscou-se resgatar os debates atuais acerca da
problemática de planejamento em saúde recorrendo-se às produções de pesquisadores e teóricos
expressivos tais como Carlos Matus, 1982; Rivera, 1989; Paim, 1983; Demo, 1998; Nogueira, 1997,
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cujas formulações teóricas extrapolam a percepção do planejamento como mero instrumento
metodológico de programação de ações, para percebê-lo, outrossim, como processo dinâmico,
situacional, historicamente determinado, portanto, dotado de uma dimensão política que qualifica a
gestão de sistemas sociais complexos, ao incorporar a negociação, a pactuação e a consideração dos
diferentes olhares de atores sociais inseridos no sistema, no processo deliberação e de tomada de
decisão.
É notório o reconhecimento de que ao longo desses 16 anos de existência, o Sistema
Único de Saúde no Estado do Piauí, em que pese às dificuldades observadas na trajetória de sua
construção e consolidação, tem avançado de maneira significativa capacitando-se contínua e
adequadamente, para responder às necessidades da população quanto ao acesso às ações e
serviços de saúde mais resolutivos, mais humanizados e de maior qualidade. Nesse sentido, os
Conselheiros Estaduais de Saúde como representantes dos diversos segmentos da sociedade civil
organizada, da mesma maneira que os Gestores Municipais e os Técnicos da Secretaria Estadual
de Saúde, com assento na Comissão Intergestores Bipartite do Piauí, tem desempenhado
importante papel nesse processo.
Para compreender a problemática estudada, qual seja, o Planejamento nas instâncias
gestão do SUS, fez-se necessário aportar um conjunto de conhecimentos e informações que dentre
outras temáticas, enfatizaram conceitos relativos a: Estado, Descentralização, Participação Social,
Negociação, SUS, Planejamento. Convém ressaltar, que apesar da complexidade,
multideterminação e abrangência do estudo, desenvolvê-lo revelou-se uma tarefa extremamente
prazerosa, por oportunizar o acesso e a apropriação de um conjunto de subsídios potencialmente
capazes de desvelarem as características políticas que o planejamento do SUS-Piauí vem assumindo
e fortalecendo no âmbito do Estado.
É oportuno destacar que o estudo desenvolvido assumiu, ao longo da sua construção,
distintas características, objetos e objetivos que, embora, diferissem em alguns aspectos do formato
atual preserva, no entanto, a coerência interna e a necessária interrelação entre os elementos
conceituais trabalhados. Objetiva-se com isso ressaltar que o produto final assumido neste
documento, resulta de um processo de desenvolvimento e de amadurecimento teórico e conceitual
que, encontra expressão nos textos produzidos e principalmente, na análise dos dados coletados.
É cabal o reconhecimento que a complexidade do tema priorizado e das categorias
conceituais que o perpassam transversalmente fundamentando a discussão, dificilmente seria
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esgotada no documento ora apresentado. No entanto, movida pela paixão que animou todo o
processo de construção é possível afirmar que, as conclusões aqui apresentadas correspondem ao
que de melhor pode ser construído no contexto atual. Representam, a partir da perspectiva e do
olhar da autora, a leitura de uma dada dinâmica social, cujas características transitivas e situacionais
estão impregnadas de forte subjetividade.
Embora, desde o inicio do processo de elaboração desse documento, o Planejamento na
Gestão do SUS-Piauí tenha sido definido como campo temático prioritário, somente após o Exame
de Qualificação realizado em 29 de outubro de 2003, delineou-se com maior clareza e precisão o
objeto e os objetivos a pesquisar. Nesse sentido foram extremamente valiosas as contribuições dos
professores convidados para comporem a banca examinadora Prof. Dr. Francisco de Oliveira Barros
Júnior e Profª Dra. Lúcia Cristina dos Santos Rosa, quando destacaram a necessidade de maior
precisão na definição dos objetivos e do processo metodológico. Essas recomendações foram
endossadas pela Orientadora Profª Dra. Rosângela Maria Sobrinho Sousa e assumidas pela
mestranda como úteis e pertinentes ao trabalho em curso naquela ocasião.
Convém ressaltar, ainda, que a opção de realizar a pesquisa junto aos Conselheiros
Estaduais de Saúde e Membros da Comissão Intergestores Bipartite acerca das características do
planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão a que se vinculavam, decorreu da
importância e necessidade de considerar as distintas dimensões de um processo de caráter
eminentemente político, que é Planejar no âmbito do SUS. Isso significa dizer que, se ao CES cabe
a prerrogativa legal de definir e deliberar sobre as prioridades da Política Estadual de Saúde, por
outro lado, compete a CIB definir, através da negociação e da pactuação quais os mecanismos,
recursos, estratégias, competências e responsabilidades pertinentes aos atores e às instâncias
diretamente envolvidas na implementação da política de saúde.
O estudo, portanto, está estruturado sob forma de Capítulos dos quais, quatro,
destinados à discussão teórica e à reflexão crítica acerca dos diferentes aspectos abordados no
trabalho cujos reflexos se fazem sentir no tema planejamento, além de um tópico voltado para a
apresentação das considerações finais, concebido à guisa de conclusão.
O primeiro capítulo caracteriza-se pela natureza reflexiva, problematizadora e introdutória ao
tema. Nele, procura-se situar o interesse da pesquisadora pela temática escolhida através dos
questionamentos que orientaram a pesquisa. Contextualiza-se e discute-se a importância e relevância do
planejamento na gestão de processos coletivos de trabalho e em especial, no campo da saúde pública. Além
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disso, apresenta-se a definição dos objetivos gerais e específicos que nortearam a investigação e a descrição
do processo metodológico utilizado ao longo do estudo. Ainda nesse capítulo, inicia-se a discussão teórica,
propriamente dita, dos temas que perpassam a construção analítica e fundamentam a discussão sobre o
planejamento na gestão do SUS – Piauí, quais sejam: Estado, Descentralização, Participação Social e
Negociação.
Dessa forma, as categorias conceituais acima referidas são abordadas como elementos
estratégicos e necessários à contextualização e caracterização do planejamento como processo técnico e
político. Deve-se ressaltar, no entanto, que não foi assumido como objetivo desse estudo, aprofundar a
análise conceitual sobre esses temas.
O segundo capítulo trata de resgatar os conceitos teóricos sobre o Planejamento, a partir
de duas vertentes principais de análise, quais sejam, a dimensão técnica ou instrumental e a dimensão
política ou de prática social. Esse capítulo pode ser considerado como o eixo estruturante a partir do
qual tornar-se-á possível caracterizar o processo de planejamento implementado no âmbito do SUS-
Piauí. Inicia com um resgate teórico sobre os principais conceitos de Planejamento avançando, em
seguida, para a discussão sobre as condições, características assumidas e determinantes da sua inserção
no bojo das Políticas Públicas na América Latina e no Brasil. Recortando-se a análise para o campo da
saúde pública, realiza-se um apanhado dos principais enfoques teóricos e metodológicos sobre
Planejamento em Saúde disponíveis na literatura enfatizando-se, aqueles relativos ao Planejamento
Estratégico Situacional – PES, especialmente de Carlos Matos, por percebê-lo capaz de orientar e
fundamentar a discussão pretendida.
O capítulo terceiro contextualiza e caracteriza o lócus específico em que o Planejamento,
como processo de gestão, assume concretude e visibilidade. Assim, é no âmbito do Sistema Único
de Saúde – SUS, considerado na atualidade um dos sistemas mais avançados do mundo quanto à
acessibilidade - pela via da gratuidade dos serviços - e quanto à cobertura populacional, que o
planejamento adquiri visibilidade política. Desta forma, este capítulo resgata o movimento
histórico de construção do SUS no Brasil e, principalmente, no Estado do Piauí. Nessa
contextualização, além da ênfase na identificação de fatos históricos relevantes para a compreensão
do processo, buscou-se acrescer ao relato um viés analítico e problematizador acerca dos
determinantes sociais, políticos e culturais que influenciaram a trajetória de construção e
consolidação do SUS, quer em âmbito local quer nacional.
Ainda neste capítulo, caracteriza-se o papel e as principais atribuições do Conselho
Estadual de Saúde e Comissão Intergestores Bipartite, como espaços formais e legalmente instituídos
para o exercício da gestão colegiada, descentralizada e participativa no âmbito do SUS.
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No capítulo quarto, realiza-se a análise dos dados coletados por meio de instrumentos
metodológicos de pesquisa utilizados no desenvolvimento do presente estudo tais como: observação
in loco, questionário e entrevistas. Neste capítulo, a realidade local adquire relevância, importância
e visibilidade. É o momento em que os sujeitos sociais se expressam e explicitam, possibilitando o
estabelecimento de interrelações entre os diferentes olhares e percepções sobre a realidade
pesquisada. Torna-se possível a partir desse momento, traçar o perfil do SUS no Estado do Piauí,
sua dinâmica de construção e consolidação e o papel desempenhado pelo planejamento nesse
processo.
Na análise dos dados coletados, capta-se a percepção dos distintos atores sociais sobre a
dimensão política do planejamento e sobre a maneira como esse processo vem se explicitando no
cotidiano da tomada de decisão, negociação e pactuação, no âmbito do CES e da CIB, com vistas a
viabilizar a implementação da Política de Saúde do Estado.
Esse momento do estudo caracteriza-se, também, como espaço de interação mais íntima e
mais ativa entre o sujeito pesquisador e o objeto pesquisado, no qual estabelece-se uma relação de
construção e reconstrução de saberes, de expressão de subjetividade, de exercício criativo,
possibilitando ao sujeito inferir, ousar, generalizar, abstrair, construir olhares a partir da articulação entre
informações oriundas do imediatamente visível, concreto e objetivo e aquelas provenientes da percepção
de aspectos nem sempre tangíveis e concretos, mas igualmente importantes para o fechamento da gestalt, na
medida em que se originam da subjetividade do sujeito.
A conclusão do estudo encontra-se sistematizada no item Considerações Finais, no bojo
do qual, de maneira sintética e genérica busca-se responder aos questionamentos que orientaram a
construção de presente estudo.
Deve-se ressaltar, no entanto, que mais do que avaliar ou pretender estabelecer juízo de valor
quanto à atuação do Conselho Estadual de Saúde e da Comissão Intergestores Bipartite no exercício do
planejamento descentralizado e participativo como ferramenta de gestão colegiada do SUS-Piauí, esse estudo
possibilita reafirmar e tornar visível a importância desse processo para a construção de um Sistema Único de
Saúde verdadeiramente público, democrático, qualitativo e transparente, no qual a participação da sociedade
na definição de prioridades, na deliberação e na tomada de decisão seja efetiva, permanente, autônoma e
respeitosa, prevalecendo no processo de pactuação e negociação, a supremacia de interesses que satisfaçam
às necessidades da sociedade com um todo, em especial, da sociedade Piauiense.
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230
Gravura
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231
______________________________________________CAPÍTULO 1
11.. FFOORRMMUULLAAÇÇÃÃOO DDOO PPRROOBBLLEEMMAA EE CCOONNSSTTRRUUÇÇÃÃOO MMEETTOODDOOLLÓÓGGIICCAA
11..11 DDAA IINNQQUUIIEETTAAÇÇÃÃOO ÀÀ DDEEFFIINNIIÇÇÃÃOO DDOO OOBBJJEETTOO DDEE EESSTTUUDDOO
“ ALICE – Poderia me dizer, por favor, qual
é o caminho para sair daqui ? GATO – Isso depende muito do lugar para
onde você quer ir.
ALICE – Não me importa muito onde.
GATO – Nesse caso, não importa qual caminho você vá. “
(trecho do livro “ Alice no País das Maravilhas ” de Lewis Carroll )
O termo Planejamento, embora com características concomitantemente reducionistas
e abrangentes, tem sido utilizado para exprimir a idéia de processo com uma direcionalidade,
uma determinação e um horizonte a alcançar.
Visto sob a perspectiva do diálogo transcrito acima, apresenta-se como prática e
exercício cotidiano que conduz e auxilia na tomada de decisão, favorecendo o alcance dos objetivos
pretendidos.
Inúmeras aplicações têm sido identificadas para o termo, desde sua utilização como
instrumento governamental de produção de políticas, até o seu uso como instrumento do processo
de gestão nas organizações. Dentre as possibilidades identificadas, destaca-se para fins do estudo
empreendido, sua aplicação como prática social.
Enquanto instrumento administrativo de apoio à definição de políticas de governo, o
planejamento experimentou enorme prestígio nos vários momentos da história da sociedade e, em
especial, no âmbito da saúde.
Surgindo nos anos 50 na vida política da União Soviética e na vida administrativa das
empresas americanas, caracterizou-se, à época, como uma grande panacéia das ciências políticas e
administrativas do século XX, tendo sido rapidamente incorporado pelos governos latino-
americanos, intimamente associado à idéia de planejamento econômico - ponto de partida para
sua vinculação a outros campos de atuação, em especial, ao âmbito da saúde.
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232
Os insucessos e dificuldades experimentados pelos vários planos governamentais e
empresariais empreendidos ao longo dos anos legaram significativo descrédito ao planejamento
como ferramenta capaz de garantir o alcance dos resultados desejados. No entanto, o
amadurecimento nos processos de gestão das organizações/instituições verificado nas últimas
décadas calcado, principalmente, no aprendizado de novas lições, favoreceu a reincorporação do
planejamento e dos planejadores ao dia-a-dia das práticas administrativas e de gestão participativa,
de tal modo que é possível afirmar que, na atualidade, o planejamento goza de uma posição de
credibilidade, desempenha um papel relevante e detém um valor expressivo como processo
essencial à gestão eficaz.
Incorporado ao setor saúde a partir dos anos 60, representou um grande avanço em
direção à melhoria do processo de gestão ao oportunizar, inicialmente, as condições racionais para a
organização e direção do sistema de saúde, de modo a possibilitar intervenções sobre a realidade
com o propósito de promover as mudanças necessárias ao setor.
Entretanto, em que pese à importância do papel desempenhado pelo planejamento na
dinâmica de organização e no funcionamento das instituições e dos sistemas de saúde, assim como
no direcionamento das práticas de trabalho, por si só - enquanto instrumental técnico e
metodológico -, ele não garante que as instituições ou sistemas cumpram sua missão e alcancem os
objetivos pretendidos. Concorre para isso, dentre outros aspectos, o fato de que a definição e a
opção de uma determinada prática de trabalho, ou enfoque metodológico de planejamento,
encontra-se condicionada a um conjunto de aspectos tais como: cultura das instituições,
peculiaridades dos sistemas, correlação de forças políticas dos distintos atores sociais envolvidos,
diversidade de interesses e, principalmente, estruturas mentais dos indivíduos que compõem essas
instituições ou sistemas.
Reforçando a necessidade de uma visão mais realista sobre as possibilidades e usos do
planejamento, em especial, no âmbito das políticas públicas de saúde, alia-se a constatação de que
não existem ferramentas ou modelos metodológicos acabados, perfeitos ou suficientemente
experimentados, a ponto de serem aplicados sem restrições ou adequações, a todas as organizações,
instituições e sistemas, sejam eles públicos ou privados.
Dessa forma, quando referenciada à área da saúde, especialmente ao âmbito do Sistema
Único de Saúde, a discussão acerca do planejamento assume dimensões que extrapolam a sua
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233
caracterização como processo meramente instrumental e metodológico, passando a incorporar
outros elementos que concorrem para configurá-lo como um processo eminentemente político.
O reconhecimento quase consensual acerca dos avanços alcançados no SUS, ao longo
desses quinze anos de implantação, torna possível reafirmar a importância e significado do
planejamento como processo técnico e político que em muito contribuiu para a reforma setorial
verificada no país, cujo impulso significativo resultou do movimento desencadeado por vários
atores sociais através de uma ação cotidiana de produção de saberes e práticas políticas, discursivas
e paradigmáticas.
A garantia legal e legitimidade conquistadas com o texto Constitucional e demais
legislações que orientam e estruturam a construção e consolidação do SUS ensejam o desafio para
a sociedade de transitar de um sistema desintegrado e centralizado, para um outro com comando
único em cada esfera de governo; de um sistema excludente e marginalizador, para um sistema
universal, acessível e resolutivo, onde a participação social se constitua o elemento diferenciador e
legitimador.
Neste sentido, a atuação dos Conselhos de Saúde na deliberação e tomada de decisão
sobre as prioridades do sistema de saúde e o processo de pactuação intergestores na Comissão
Bipartite objetivando as condições necessárias à implementação das decisões - aqui entendidas
como expressões concretas da dimensão técnico-política do planejamento em saúde - tiveram um
papel decisivo e imprescindível no desenvolvimento, fortalecimento e qualificação da participação
social e, por conseguinte, na gestão descentralizada do SUS. Portanto, enquanto instâncias
colegiadas de gestão do sistema de saúde formalmente institucionalizados pela via legal, atuam na
direção de criar as condições necessárias para viabilizar a descentralização e a municipalização,
conforme aprovado na 9ª Conferência Nacional de Saúde.
No entanto, em que pese aos avanços alcançados no SUS-PI, especialmente no que
se refere à definição de prioridades da política de saúde nas Conferências de Saúde, não se
dispõe de informações suficientes sobre como a participação social vem se qualificando e
consolidando nos demais espaços de gestão colegiada tais como, Conselho Estadual de Saúde
e Comissão Intergestores Bipartite, principalmente, no que concerne ao papel que os atores
sociais ali inseridos desempenham na discussão e no processo de pactuação das ações,
estratégias e recursos financeiros necessários à implementação das prioridades deliberadas nas
Conferências de Saúde e reafirmadas pela via da negociação no âmbito dessas instâncias.
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234
É na perspectiva de desvelar o entendimento que os atores sociais – Conselheiros
de Saúde e Membros da CIB – têm sobre o planejamento implementado no SUS-PI, enquanto
processo técnico e político de identificação e análise de problemas da e na realidade e, de
proposição de estratégias de intervenção sobre tal realidade que se realiza o presente estudo.
Assumindo como propósito identificar os desafios e possibilidades do planejamento como
processo político, participativo, ascendente e descentralizado no âmbito da gestão colegiada do
Sistema Único de Saúde no Piauí, especialmente, nos espaços formais de negociação e
deliberação do sistema: Conselho Estadual de Saúde e Comissão Intergestores Bipartite, optou-
se por recortar a problemática de estudo a partir do olhar dos Conselheiros de Saúde e dos
Membros da CIB/ Piauí utilizando-se, para tanto, de instrumentos e estratégias de pesquisa.
Explicitar a percepção desses atores em relação ao planejamento em saúde no
SUS/PI e as características que ele assume no âmbito do CES e CIB constitui, portanto, o objeto
central do presente estudo. Para tanto, a trajetória a ser percorrida inicia-se com a formulação
dos seguintes questionamentos:
Qual o entendimento dos atores sociais pesquisados em relação ao planejamento em
saúde no SUS ?
Como se caracteriza a atuação ou o papel desempenhado pelos Conselheiros
Estaduais de Saúde e Membros da Comissão Intergestores Bipartite, nos processos de deliberação e
negociação/pactuação ?
Quais princípios e normas identificados no processo de planejamento reafirmam o
papel do CES como instância de deliberação e da CIB como espaço de negociação e pactuação ?
Que características o processo de negociação e deliberação assume no âmbito da CIB
e do CES ?
Quais os obstáculos e facilidades na implementação de um planejamento
descentralizado e participativo no âmbito das instâncias colegiadas de gestão do SUS/PI ?
11..22 JJUUSSTTIIFFIICCAATTIIVVAA DDAA EESSCCOOLLHHAA DDOO TTEEMMAA
O Sistema Único de Saúde - SUS preconizado na Constituição Federal de 1988 e nas
Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080/90 e na Lei nº 8.142/90 encerra princípios e diretrizes que, uma
vez preservados na sua organização e no seu funcionamento, conferem-lhe a capacidade de orientar
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235
as políticas públicas na direção da melhoria da qualidade de vida da população e no estabelecimento
de um modelo de atenção à saúde capaz de desenvolver ações eficazes e efetivas perante os
problemas de saúde dos indivíduos e das coletividades.
No seu artigo 196, a Constituição Federal – Capítulo da Saúde – define a Saúde como
“direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua Promoção, Proteção e Recuperação”, portanto, um bem prioritário de significativa
relevância pública, uma condição indispensável para uma vida digna e produtiva do cidadão
brasileiro.
Por conseguinte, a nova concepção de saúde, ao fundamentar-se no reconhecimento da
determinação social das doenças, passa a requerer o reordenamento das políticas públicas do setor,
quer no seu arcabouço teórico, ideológico e conceitual, quer nos seus aspectos concretos e
operacionais. Como resultado desse novo paradigma, tornou-se imperativa, a adoção de novas
práticas nos serviços de saúde; a ênfase e o desenvolvimento, principalmente, de ações de caráter
preventivo, além da identificação de estratégias inovadoras para superação de problemas de saúde.
Essas estratégias, ao se basearem na intersetorialidade e na articulação entre vários
setores governamentais, visaram ao provimento de necessidades básicas relacionadas a outros
campos que, igualmente, atuavam como determinantes e condicionantes do adoecer dos indivíduos
em geral.
Assim, ao estabelecer a saúde como um direito de todos, a Constituição Federal instituiu
a necessidade de os diversos níveis de governo adotarem, nas suas políticas e projetos de
intervenção, um posicionamento claro quanto ao caráter público das ações e serviços de saúde, de
tal modo que a saúde fosse assumida como função típica de Estado. A proposição de um Sistema
Único de Saúde – SUS – público, gratuito, acessível a todos os cidadãos representou, portanto, a
grande conquista da sociedade brasileira e ao mesmo tempo, seu maior desafio.
Amparado em um conjunto de instrumentos legais – Leis Orgânicas e as Normas
Operacionais Básicas – NOBs – editadas em 1991/1993/1996 e Normas Operacionais da Assistência
à Saúde - NOAS-SUS 01/ 02 - o SUS, não pode prescindir de um arcabouço de princípios
doutrinários e organizativos que legitimem sua existência e norteiem seu funcionamento.
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Diante da perspectiva de implementar um sistema público de saúde voltado,
finalisticamente, para o desenvolvimento de ações que propiciassem a melhoria na qualidade de vida
da população, tornou-se imprescindível construir um modelo de atenção à saúde, capaz de implementar
ações de baixo custo e alto impacto sobre os problemas dos indivíduos e das coletividades. Esse novo
Modelo, assumindo como objetivo garantir acesso, acolhimento, resolubilidade, estabelecimento de
vínculo (usuário e equipe de saúde), petição e prestação de contas – controle social -, tomou por base
para sua estruturação, o enfoque educativo; a intervenção sobre problemas individuais -
compreendidos como expressão de formas de viver e de processos coletivos-; a incorporação de ações
de promoção e prevenção da saúde às ações curativas e reabilitadoras; o estabelecimento de
prioridades em bases epidemiológicas (centradas na realidade local) e, principalmente, a execução e
gestão dos serviços por meio de equipe multiprofissional.
Para incorporação desse modelo e reorientação das práticas de saúde até então
vigentes, definiu-se como diretriz constituinte do sistema a descentralização do poder e de
competências entre as três esferas de governo. Essa lógica de redistribuição de poder demandou
uma nova ordem na alocação e distribuição de recursos tendo como eixo principal critérios
epidemiológicos e populacionais previamente definidos.
O desafio de promover a eqüidade na alocação de recursos e no acesso às ações e
serviços de saúde em todos os níveis de atenção requereu o aporte de um instrumento ou de uma
ferramenta metodológica de planejamento e de programação de ações, capaz de dar visibilidade e
condições racionais à organização, direção, negociação permanente e pactuação entre as diversas
esferas de poder e de gestão do SUS, de modo a possibilitar o alcance do maior desafio atualmente
colocado para a sociedade brasileira, qual seja, consolidar um sistema público de saúde capaz de
alterar as desigualdades no acesso e na assistência integral à saúde do cidadão.
Universalidade, Eqüidade, Integralidade, Regionalização e Hierarquização,
Descentralização, Resolubilidade, Participação Social e Complementaridade do setor privado na
prestação de serviços de saúde constituem, portanto, os grandes princípios ou diretrizes orientadoras
do processo de construção e consolidação do Sistema Único de Saúde.
É, na perspectiva de viabilizar o alcance e a concretização desses princípios que o
planejamento e a programação em saúde se colocam como estratégias e como modelos para ação,
como métodos de trabalho ou instrumentos de racionalização da realidade e como ferramentas de
explicitação e negociação de interesses. Configuram-se, pois, como potencialmente capazes de
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conciliar a análise e interpretação da realidade a partir de uma dimensão técnica/instrumental e de
uma dimensão política, portanto, uma necessidade político-metodológica de dar visibilidade e
condições racionais à emergência, formulação, implementação, avaliação e gestão das políticas
públicas e sociais no âmbito da saúde.
No enfrentamento desses desafios, o planejamento, como ferramenta de gestão do SUS,
deve configurar-se como processo descentralizado, articulado e participativo. Sua
aplicação tanto no nível local, estadual e nacional, deve considerar e absorver elementos conceituais
e metodológicos que viabilizem o processo de reorientação das práticas sanitárias e o controle
social. Portanto, deve ser um processo ascendente, participativo, comunicativo, capaz de, em todos
os momentos, articular pessoas, lideranças locais, organizações e instituições, direta ou
indiretamente envolvidas na problemática de saúde.
É sobejamente sabido que a implementação de decisões é muito mais ágil e eficiente
quando as pessoas conhecem suas razões e origens e, em particular, quando tomam parte na decisão.
Objetivos amplamente discutidos e em relação aos quais há consenso são mais facilmente aceitos e
compreendidos por aqueles que, de alguma forma, participam da execução das tarefas necessárias para
atingi-los. Nesse sentido, é possível afirmar que a maior riqueza do planejamento está não apenas no
processo em si de planejar, mas, principalmente, na análise e discussão que levam ao diagnóstico, à
visão do futuro desejável e factível e ao estabelecimento dos objetivos, programas de trabalho,
responsabilidades e atribuições concernentes a cada ator envolvido.
Adotado como prática social, o processo de planejamento envolve uma ampla gama de
atores da sociedade civil exercendo, enquanto planejamento participativo, um forte poder de
aglutinação de pessoas e grupos, os quais passam a compreender e conviver com os anseios dos
outros atores sociais. Dessa forma, o exercício da negociação entre grupos, torna-se mais fácil e o
compromisso de todos com a concretização dos ideais, muito mais ampliado.
Essa constatação ganha força e consistência quando estendida às organizações de
saúde. Nesse campo, notadamente, no movimento de construção e consolidação do SUS, o
planejamento vem adquirindo uma relevância e uma importância acentuada, ao colocar-se como
estratégia capaz de articular pessoas, lideranças, organizações e instituições, fomentar, implementar
discussões que visem dar condições racionais para a organização e explicitação de um conjunto de
ações. Tais ações, ao objetivarem a implementação da política pública de saúde, possibilitam
intervir sobre a realidade com o propósito de promover as mudanças necessárias.
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Na contemporaneidade o planejamento, especialmente, o estratégico e situacional, assume a capacidade potencial de responder à s
demandas da realidade pelo fato de considerar a sua dinamicidade e complexidade. Assim, planejar no contexto das políticas públicas de saúde, em
nosso País, configura-se como um exercício político, dialético, que requer habilidade, conhecimento técnico, paciência e sabedoria política. Pressupõe
o reconhecimento do conflito como inerente ao processo social e a valorização da questão do poder - sem desconsiderar o técnico -, realçando a
natureza criativa, exploratória, antecipatória e, por que não dizer, emancipatória do ato de planejar na e a realidade social.
O conhecimento da realidade objetivado pela inteligência humana não é, portanto,
um reflexo mecânico num espelho passivo. Implica sempre certa seleção e
interpretação dos dados empíricos, uma certa tomada de posição, a escolha de um
esquema de princípios e conceitos, os quais não são estáticos, inatos, mas
elaborados e reelaborados historicamente. O Planejamento Estratégico e, em
especial, o Planejamento Estratégico de Carlos Matus concebido como “o intento do
homem de impor sua vontade às circunstâncias” representa a possibilidade do
homem ser, concomitantemente, Ator e Autor de sua própria história. (RIVERA,
1982, p. 83 ).
A Lei nº 8.080/90, ao corporificar a intervenção de atores sociais – participação da
comunidade - aponta diretrizes gerais para o setor deixando antever macrodefinições que sinalizam
para a necessidade de incorporar o processo de planejamento como estratégia e instrumento de
harmonização e integração de propósitos e objetivos. Assim, a Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de
1990, ao dispor sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde – SUS,
institui como instâncias colegiadas a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde em cada esfera
de governo.
Aos Conselhos de Saúde, órgãos colegiados, de caráter permanente e deliberativo,
compostos por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e
usuários, competem as funções de formular estratégias, controlar e fiscalizar a execução da
política de saúde, inclusive em seus aspectos financeiros.
Reforçando o princípio da participação social, em 20 de maio de 1993, o Ministério
da Saúde, ao editar a portaria GB/MS nº 545, institui as Comissões Intergestores Bipartite (de
âmbito estadual) e Tripartite (nacional), como importantes espaços de negociação, pactuação,
articulação, integração entre gestores. A mesma portaria aprova as normas e procedimentos
reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde – NOB-
SUS 01/93 - estabelecendo que o gerenciamento do processo de descentralização deve ter como
eixo a prática do planejamento integrado em cada esfera de governo e como fóruns de
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negociação e deliberação, respectivamente, as Comissões Intergestores e os Conselhos de
Saúde.
No âmbito estadual a Comissão Intergestores Bipartite é constituída, paritariamente,
por dirigentes da Secretaria Estadual de Saúde e por Secretários Municipais de Saúde com
assento no órgão de representação da categoria, qual seja, o Conselho de Secretários Municipais
de Saúde-COSEMS.
Dessa forma, na perspectiva de implementar o controle social preconizado na
legislação do SUS, garante-se, pela via da representação, a participação da população no
processo de gestão da saúde, objetivando-se assegurar que as ações do Estado, efetivamente,
estejam direcionadas para os interesses da coletividade.
O que é público deve estar sob o controle dos usuários: “ o controle social não
deve ser traduzido apenas em mecanismos formais e, sim, refletir-se no real poder da
população em modificar planos, políticas, não só no campo da saúde “ (IX CNS, 1993).
Torna-se, portanto, pertinente refletir sobre o papel que o Conselho Estadual de
Saúde e a Comissão Intergestores Bipartite têm desempenhado no planejamento do SUS-PI
- aqui entendido como processo intrínseco à gestão do sistema de saúde - que abarca no seu
âmbito a deliberação / tomada de decisão como resultado de processos comunicativos de
negociação / pactuação entre distintos atores sociais, portanto, assumindo feições claras de
prática social participativa e descentralizada.
Optar pela categoria Planejamento é pertinente e justifica-se face à aderência
desse processo à ação dos atores sociais selecionados para o estudo - Conselheiros de Saúde e
Membros da CIB (Gestores e Técnicos) - uma vez que deliberar e negociar são,
respectivamente, as atribuições legal e formalmente instituídas para essas instâncias colegiadas
de gestão do SUS.
Agrega valor e importância à escolha do tema planejamento, o interesse em explicitar a
dimensão política desse processo, tendo em vista que o ato de planejar tem se revestido,
usualmente, de uma premissa equivocada e centrada, exclusivamente, na dimensão técnica do
fazer, ou seja, na diretividade do processo, cujo fundamento encontra sustentação em duas
grandes convicções: de um lado, o compromisso de não deixar a leitura da realidade e da
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história correr à revelia das determinações do contexto social, político e econômico, ou seja,
ao acaso; de outro, não permitir que os sujeitos atuem segundo seus interesses pessoais.
Por conseguinte, assumir que o planejamento é um processo político e uma prática
social, que adquire visibilidade na deliberação colegiada e na negociação, implica assumir
uma proposta de planejamento participativo, ascendente, descentralizado que, ao reconhecer a
pretensão de condução da história, requer uma forma alternativa de direcionamento,
sobretudo, dotada de consciência histórica coletivamente assumida. Nesse sentido, o
planejamento participativo não é a ausência de qualquer normatividade ou direcionalidade no
desenho de uma situação futura e no estabelecimento das estratégias de intervenção sobre a
realidade, ou seja, o “não planejamento”, mas sim, uma proposta calcada na recusa do ator
social de entrar nesse processo como mero objeto ou espectador.
11.. 33 FFOORRMMUULLAAÇÇÃÃOO DDOO OOBBJJEETTOO DDEE EESSTTUUDDOO EE DDOOSS OOBBJJEETTIIVVOOSS
A sociedade brasileira vem atuando como um todo, quer diretamente, quer através das
suas instâncias formais de representação, partícipes do processo de gestão do Sistema Único de
Saúde, ativamente no enfrentamento dos desafios e responsabilidades decorrentes da consolidação
de um sistema de saúde capaz de alterar as desigualdades evidenciadas, especialmente, no que tange
ao acesso à assistência à saúde. Nesse sentido, tornou-se relevante empreender um estudo que,
dentre outros aspectos, possibilitasse compreender e desvelar os determinantes sociais, culturais e
políticos que conformam e condicionam o perfil da gestão colegiada do SUS no Estado do Piauí e
como esses determinantes se refletem na natureza das articulações e relações estabelecidas entre os
diversos atores que representam a sociedade nessas instâncias gestoras.
Segundo concepção expressa em documento do CONASS (2003, p.39), considera-se
gestão no âmbito do SUS a “atividade e responsabilidade de comandar um sistema de saúde
(municipal, estadual ou nacional) exercendo as funções de coordenação, articulação, negociação,
planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria”. Portanto, como processo
técnico/político, necessita, para ser dotado de eficácia, de uma instrumentação metodológica
fundamentada numa concepção de sujeito e de realidade como dimensões distintas de um mesmo
contexto mutuamente determinado e influenciado.
Assim, a gestão é tratada como atividade e responsabilidade pertinente aos diferentes
níveis de direção, cuja abrangência encontra-se referida ao comando de um sistema,
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especificamente, o sistema de saúde. Dessa forma, torna-se imperativo refletir criticamente sobre as
características da gestão colegiada do SUS/PI, sua configuração e o seu formato em um contexto que
exige eficácia e qualidade na prestação de serviços de saúde.
Partindo-se da concepção de gestão anteriormente explicitada e considerando-se a
multiplicidade, abrangência e complexidade dos aspectos que a conformam, optou-se por priorizar
no presente estudo a categoria planejamento. A opção por esse recorte ampara-se na constatação
de que, além da sua natureza precípua de ferramenta metodológica para diagnóstico das
necessidades de saúde, identificação de prioridades e de estratégias de ação, o planejamento assume,
principalmente, no âmbito da gestão do SUS, o caráter de processo político e de prática social, que,
ao fomentar a emergência de distintos interesses, também contribui para harmonizá-los pela via da
negociação e pactuação, tornando mais eficiente o processo de gestão. Priorizar a categoria
planejamento, por conseguinte, significa posicioná-lo como processo dotado do caráter de
essencialidade para o exercício da função gestora de articulação de um conjunto de saberes e
práticas, imprescindíveis à implementação da política de saúde
Recortando-se o estudo do planejamento a partir do “olhar” (percepção) ou do
referencial dos atores envolvidos na implementação dos processos políticos que lhe são intrínsecos,
foram selecionados como lócus privilegiado de análise os espaços formais e legalmente instituídos de
negociação e deliberação, portanto, de gestão colegiada do SUS, a saber: Comissão Intergestores
Bipartite-CIB e Conselho Estadual de Saúde – CES.
Assim, definiu-se como Objeto do Estudo, compreender a dinâmica e as características
do processo de planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão do SUS Piauí, seus
limites e possibilidades enquanto prática descentralizada e participativa. O objeto de estudo
delimitado enseja, ainda, a definição dos seguintes Objetivos Específicos:
1. Explicitar o entendimento (percepção) dos sujeitos da pesquisa quanto ao
planejamento em saúde no SUS;
2. Caracterizar, a partir da percepção dos próprios sujeitos da pesquisa, a atuação e o
papel que desempenham no processo de planejamento no SUS/Piauí;
3. Identificar e Caracterizar os principais desafios e facilidades na implementação de
um processo de planejamento descentralizado e participativo no âmbito das instâncias colegiadas de
gestão do SUS/PI;
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4. Analisar as características que o processo de negociação e deliberação assume nas
relações estabelecidas e na dinâmica de funcionamento da Comissão Intergestores Bipartite e do
Conselho Estadual de Saúde respectivamente.
1.4 CAMPO TEMÁTICO: ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E
NEGOCIAÇÃO
A análise da categoria Planejamento contempla uma gama diversificada de aspectos
que dificultam apreender a totalidade e a complexidade dos seus enfoques e aplicações. Essa
ressalva justifica-se pelo fato de que a pesquisa realizada recorta uma das dimensões do
planejamento – dimensão política - especialmente no âmbito de um contexto social dinâmico,
complexo, no qual as relações entre os atores sociais são marcadas por interesses distintos, nem
sempre convergentes e, por vezes, conflitantes.
O recorte do estudo exigiu, ainda, uma análise de natureza teórico-conceitual sobre as
temáticas que o perpassam transversalmente, tais como: Estado, Descentralização, Participação e
Negociação. Importa, para os objetivos pretendidos, compreender em que tipo de Estado o
planejamento se inscreve como processo no qual a negociação e a tomada de decisão,
conseqüentemente, a gestão abarcam dimensões técnicas e políticas. Interessa, também, compreender
como esse Estado se apropria técnica e politicamente do planejamento como ferramenta
metodológica para fazer prevalecer os seus interesses, bem como desvelar as possibilidades e limites
que se consegue identificar, no âmbito do Estado, portanto, da gestão do sistema público de saúde,
para o exercício de um planejamento descentralizado e participativo.
É fundamental, ainda, compreender o contexto de Estado em que o processo de
Descentralização ocorre, como se explicita no planejamento em saúde e como a Participação Social
se configura nesse processo, como estratégia viabilizadora da transformação nas relações entre
Estado - Sociedade.
Um outro eixo teórico importante para a discussão que se pretende realizar refere-se à
Negociação como processo de conciliação de interesses, na medida em que oportuniza pactuar ações
e recursos que emprestam visibilidade e concretude à deliberações da política de saúde e à gestão
do respectivo sistema. Entender as características que a negociação assume quando exercitada nas
instâncias colegiadas de gestão do SUS e no âmbito de um Estado democrático torna-se, portanto,
essencial para compreender a dinâmica de consolidação de um sistema público de saúde, de caráter
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universal, gratuito, integral, que tem como aspecto definidor e diferenciador a co-responsabilização
e participação efetiva da sociedade civil - pela via da representação - no seu processo de gestão.
Iniciando-se pela categoria Estado, o presente estudo o assume como materialização
normativa e institucional da regulação social; como agente indutor; como aquele que decide, legisla,
regula, mas que é dotado de flexibilidade, de capacidade para descentralizar funções e transferir
responsabilidades e manter, ao mesmo tempo, instrumentos de supervisão e controle. Portanto,
parte-se de uma concepção de Estado como responsável pela construção de uma base material de
consenso, que permite a abertura para outros interesses, provenientes de diferentes classes sociais.
Assumir essa concepção pressupõe compreender o Estado como resultante de uma
dinâmica societal marcada por contradições. Essa afirmação encontra sustentação na constatação
de que a vida em sociedade é marcada pela tensão permanente entre o individual e o coletivo, entre o
interesse público e o geral, entre negócios privados e públicos, classe social e nação. É, portanto, na
existência dessas contradições que emerge o Estado como lócus institucional das políticas sociais, com
a finalidade de gerir e regular a vida em sociedade. Segundo a concepção Weberiana, o Estado
caracteriza-se como ordem jurídica e política de regulação de um sistema de dominação do homem
pelo homem e de uma classe social por outra, de acordo com Marx e Engels.
A partir da obra de Maquiavel (1515), a acepção moderna concebe o Estado como
exigência histórica de se constituir em poder central, supremo e soberano para gerir conflitos sociais
e econômicos. Na visão liberal, o Estado é identificado com a nação, cabendo-lhe o papel de
garantir a liberdade dos indivíduos e ser agente do bem-estar coletivo e da justiça social.
Na crítica Marxista, o Estado é percebido como instrumento de opressão de uma classe
por outra sob a aparência do equilíbrio e da justiça, na medida em que faz passar por interesse geral
os interesses próprios da burguesia.
Com a emergência no cenário internacional, após a 2ª Guerra Mundial, do Estado de
Bem-Estar Social, os contornos do Estado configuram-no como detentor da responsabilidade pela
garantia de um mínimo padrão de vida para todos os cidadãos enquanto direito social. À
emergência desse Estado, implica atribuir aos governos o papel de proporcionar a garantia de um
mínimo padrão de vida para todos os cidadãos enquanto direito social. A essa premissa somou-se a
idéia do pleno emprego, a interferência estatal no mercado e os serviços sociais universais e da
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assistência social. No Brasil, em que pese à dinâmica do contexto mundial, emerge um Estado com
características intermediárias de um Estado mínimo e um Estado desenvolvimentista.
As transformações políticas vivenciadas pelo Brasil entre 1946 a 1964, no entanto,
apontaram na direção de uma maior liberação da vida política nacional requerendo um conjunto de
novas exigências decorrentes do processo de desenvolvimento associado à industrialização, à
modernização, à criação de uma sociedade de consumo e ao fortalecimento do projeto
capitalista, contribuindo para reforçar a crença na articulação entre o crescimento econômico
e justiça social.
O esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações, os
impasses político-sociais vivenciados pela sociedade como um todo, o desenvolvimento desigual e as
transformações econômicas e sociais ocorridas no país tornaram o Estado o depositário natural das
reivindicações emergentes que culminaram com as conquistas legitimadas na Constituição Cidadã de
1988.
Seria, portanto, esperada a emergência de um modelo de Estado com características
sociais democráticas, com caráter universal e redistributivista, que ensejasse um tipo de relação com
a sociedade capaz de contribuir para a superação da crise de governabilidade, dotado, ainda, de
capacidade de gestão e de captação de necessidades e demandas sociais. Para superação desse
desafio, seria necessário o fortalecimento e o aperfeiçoamento da sua capacidade política para,
segundo Guimarães (1990, p.266-269) “ ordenar as relações entre a sociedade civil organizada e as
instituições políticas, bem como, sua capacidade técnico-administrativa e de planejamento “.
Contrariamente ao movimento e ao processo de amadurecimento político da sociedade,
o desencadear da crise do Estado Brasileiro contribuiu, decisivamente, para a emergência de um
Estado forte, calcado no ideário neoliberal, no qual o papel de centralidade é bastante expressivo.
Nesse modelo, assumem-se como premissas fundamentais, a redução do Estado por meio das
privatrizações, a abertura da economia para o mercado internacional com a retomada dos
investimentos externos, a busca da estabilização da moeda com reforma monetária, fiscal e, a
desregulamentação.
Atualmente, a concepção de que a gestão dos problemas sociais integra o conjunto das
ações do Estado ganha crescentes níveis de institucionalidade, através dos quais
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produzem-se movimentos continuados destinados a instaurar e consolidar, na esfera pública,
mecanismos político-jurídicos de gestão de conflitos distributivos.
A emergência dessa concepção encontra justificativa no fato de o país ter adotado uma
opção de desenvolvimento que reproduziu e consolidou a estrutura da desigualdade social. O
crescimento do país e a concentração da renda produziram como conseqüência a ampliação das
políticas sociais e a absorção dos conflitos sociais por um sistema político-institucional de gestão
moderno-conservador e autoritário-controlista, no qual a ordem social e ordem econômica burguesa
foram revitalizadas.
A recessão econômica vivida pelo Brasil na década de 80, ao produzir, no âmbito
político, o aprofundamento da crise de hegemonia, ampliou a abertura democrática e o
revigoramento da sociedade civil, principalmente, em decorrência das inúmeras pressões populares e
de um amplo processo de discussão em torno das grandes questões nacionais que convergiram para
o Congresso Nacional na promulgação da nova Constituição Federal de 1988. Essa nova ordem, ao
consolidar conquistas, ampliou direitos sociais, representando um avanço em direção a uma ampla,
moderna e democrática concepção de seguridade social. Estabeleceu, dentre outros ganhos, a
cobertura universal na saúde - direito de todos e dever do Estado; a reafirmação do modelo não-
mercantil; a gestão pública e o financiamento através de contribuições sociais, no caso da previdência
social.
Nas sociedades modernas, o Estado desempenha um papel inevitável e necessário no
sentido de manter e oferecer serviços públicos básicos, de acesso universal.
O Estado como “res” pública deve ser instrumento de redução de desigualdade, na
medida em que sob intenso controle democrático trate a todos sem discriminação,
sobretudo acionando processos redistributivos de bens e poder. Convém assinalar,
no entanto, que não há democracia e também economia sem Estado, mas também,
que o Estado somente “equaliza oportunidades”, se, sob pressão democrática.
Deixado à sua lógica histórica preponderante, tenderá a concentrar vantagens e ao
acirramento das desigualdades sociais (DEMO,1988, p.139).
Ao Estado, portanto, em observância às atribuições executivas transcritas de modo geral
na Constituição Federal, cabem aquelas destinadas ao atendimento de necessidades básicas
universais, ao provimento das condições indispensáveis a seu pleno exercício sobressaindo-se,
especialmente, a saúde como direito fundamental do ser humano.
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Nesse sentido, é pertinente ao Estado a função explícita de planejamento, enquanto
instrumento para formulação de políticas, especificamente, de políticas de saúde conferindo-lhes
organicidade em termos de eficiência e eficácia, cumprindo, dessa forma, uma função técnica na
medida em que a formulação dessas propostas fundamenta-se, sobretudo, nas condições históricas e
reais para execução das políticas.
A utilização do planejamento está orientada, portanto, para uma linha de ação que tem
como situação-objetivo pretendida, principalmente, a transformação social. Nessa perspectiva o
planejamento constitui-se em instrumento para mobilizar, organizar, conscientizar e viabilizar a
participação de camadas cada vez mais significativas da população assumindo, dentre outras, a
função social de compromisso com a realidade histórica, cuja pertinência do encargo está
assegurada pelo fato de ter-lhe sido atribuído pela sociedade como um todo. Essa pertinência se
justifica e se legitima pelo fato de que o Estado, por si só, numa associação dependente do capital
internacional, tender a atribuir ao planejamento a dimensão de instrumento de mobilização mais
adequado para a manutenção do status quo, ao passo que, enquanto instrumento de compromisso
social, o planejamento tem sua dimensão social assegurada no momento em que este processo
considera os interesses e necessidades da sociedade civil.
No espaço das políticas sociais o Estado detém o papel essencial de instrumentador
de processos participativos populares na postura de serviços públicos Referido à sua
condição de instituição permanente de serviço público, sustentada e legitimada pela
base, via delegação, o Estado tem como uma de suas funções mais relevantes, de
acordo com o pensamento de Bobbio (1987), a equalização de oportunidades
(DEMO,1988, p.130 grifo do autor).
As políticas sociais, enquanto esforços planejados de redução das desigualdades sociais,
encontram, pois, na instrumentação econômica a condição fundamental de seu acerto cujo lócus de
construção situa-se no Estado.
O papel do Estado, quer pela sua condição de instituição permanente, quer pela sua
função de serviço público, que realiza atribuições da sociedade dentre as quais a efetivação de
direitos, é, pois, o de instrumentar acessos, normatizar e supervisionar e , acima de tudo, o de
possibilitar a cidadania. Assim sendo, a política social redistributiva e emancipatória, ao fundar-se
na cidadania organizada e produtiva, pressupõe uma emancipação social alicerçada na capacidade
de controle do Estado pela própria sociedade.
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Entendido desta forma, reafirma-se a sua função de favorecedor da cidadania postado
ao lado dos desiguais, que, mais do que quaisquer outros, necessitam de condições de acesso ao
controle democrático sobre o Estado. Esse controle se coloca como condição indispensável para
reafirmação da qualidade e do comprometimento do Estado com a equalização de oportunidades, do
que decorre a atribuição de uma função essencial, ainda que subsidiária, que é a de realizar um
planejamento participativo.
Na medida em que trate a todos sem discriminação e acione processos redistributivos de
bens e poder, o Estado desenha seu lugar próprio de delegação instrumental de serviço público sob
controle democrático, capaz de cumprir funções subsidiárias essenciais tais como:
manter a instrumentação física e financeira para o funcionamento de órgãos públicos
ligados à realização de direitos;
garantir acesso à informação estratégica para o exercício dos direitos e para o uso
adequado dos serviços públicos;
normatizar, de modo delegado, sobre as matérias pertinentes, dentro do contexto do
compromisso com a equalização de oportunidades;
supervisionar o funcionamento e a aplicação das regras do jogo da democracia;
dotar-se de competência técnica adequada para o trato de todas as questões
relevantes, econômicas e sociais, aí incluída a função de planejamento;
preservar a dimensão adequada da quantidade e da qualidade dos serviços públicos,
em particular daqueles dirigidos às periferias urbanas e áreas rurais marginalizadas.
Embora tenha a função explícita de planejamento, é necessário reafirmar que o Estado
que se quer democrático não deve apelar para formas autocráticas de planejamento, muitas vezes
definidas como tecnocráticas. Nesse sentido, conceber o planejamento como função do Estado requer
considerar que:
a função técnica do planejamento é conferir às políticas sociais organicidade em
termos de eficiência e eficácia fundamentada, sobretudo, nas condições históricas e reais para a
execução dessas políticas;
a função política é dimensionada na medida em que é utilizada para fundamentar
tecnicamente a proposta política de um governo, discutida e aprovada no processo eleitoral;
o planejamento pode ocupar espaços criativos, dependo da qualidade técnica e
política de seus integrantes, daí porque nunca deve se constituir numa proposta fechada;
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as estruturas de planejamento, que não são do governo, mas do Estado, devem
orientar-se basicamente pelo compromisso de serviço público, e não pela preocupação de
legitimação ideológica, reafirmando, portanto, o lugar do planejamento técnico, uma vez que aí
estaria a sua relevância técnica, pois só será bem feito se souber auscultar a sociedade, observar a
tendência dos movimentos sociais, inspirar-se nos anseios dos desiguais.
No entanto, faz-se necessário destacar que a análise da temática planejamento no âmbito
do poder público, encontra-se referida, principalmente, aos determinantes econômicos presentes no
contexto, uma vez que a base da intencionalidade do ato de planejar por parte do Estado tem suas
origens, principalmente, no processo de deterioração crescente das relações de