limites e possibilidades do programa ... -...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR FACULADADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE SADE COMUNITRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA
MESTRADO EM SADE PBLICA
ANDRA CARVALHO ARA JO MOREIRA
LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR
FORTALEZA 2011
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ANDRA CARVALHO ARAJO MOREIRA
LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR
Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade Pblica. rea de concentrao: Poltica, Gesto e Avaliao em Sade Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares Machado Co-orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Lindsay
Fortaleza-CE 2011
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M886l Moreira, Andra Carvalho Arajo Limites e possibilidades do Programa Bolsa Famlia, na
percepo de mulheres assistidas em Sobral, CE / Andra Carvalho Arajo Moreira. Fortaleza, 2011.
132 f.: il. Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares Machado
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Cear. Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva. Fortaleza, Cear.
1. Sade da Criana 2. Programas e Polticas de Nutrio e Alimentao 3. Nutrio do Lactente 4. Ateno Primria Sade I. Machado, Mrcia Maria Tavares (orient.) II. Ttulo.
CDD:362.5
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ANDRA CARVALHO ARAJO MOREIRA
LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva, da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Sade Pblica
Aprovada em: 22/06/2011.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________ Prof. Dr. Mrcia Maria Tavares Machado (Orientadora)
Universidade Federal do Cear UFC
___________________________________________________________ Prof. Dr. Maria Socorro de Arajo Dias (Membro efetivo)
Universidade Estadual Vale do Acara - UVA
___________________________________________________________ Prof. Dr. Alberto Novaes Ramos Jnior (Membro efetivo)
Universidade Federal do Cear UFC
___________________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Jos Soares Pontes (Membro suplente)
Universidade Federal do Cear - UFC
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Dedico este trabalho a Deus, que me concedeu o dom da vida e nela poder vivenciar o matrimnio, a maternidade, o trabalho e a pesquisa. Por ele possvel conciliar todos os nossos sonhos e sermos felizes!
Aos meus queridos filhos, Vtor e Arthur, que compreenderam que a Mame tambm tinha escola e precisava estudar... A minha querida Sofia, alegria inesperada enviada por Deus e que esteve comigo literalmente durante este processo.
Ao meu amado Francielery, com quem pude compartilhar tudo durante esta caminhada, inclusive o cuidado dos nossos filhos; sem seu apoio e incentivo nada teria sido possvel. Essa conquista nossa!
Vocs - Vtor, Arthur, Sofia e Francielery - constituram fonte de amor, sabedoria e fora, dimenses necessrias para concluir este trabalho to importante da minha vida. Amo vocs!
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Agradecimento especial
professora doutora Mrcia Maria Tavares Machado que me aceitou como sua orientanda e me fez acreditar que era possvel, mesmo nos momentos mais difceis. Pelo rico aprendizado que pude vivenciar ao seu lado, pelas lies de vida que pde me proporcionar. Voc um exemplo de mestre e pessoa.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela graa de ter concludo este trabalho.
s mes que aceitaram fazer parte do estudo, pela sua disponibilidade e abertura, pelo enriquecimento que foi, compartilhar um pouco da vida de cada uma. Sem a colaborao de vocs, o estudo no poderia haver sido efetivado. Muito obrigada!
minha famlia amada, que sempre me acolheu nas voltas para casa. Obrigada por tudo!
minha me, Teresinha, pelo apoio nas horas necessrias. Voc ser sempre um exemplo de vida!
Aos meus irmos Andrinne e Paulo Alceu, pelo amor fraterno; constitumos uma famlia admirvel!
minha querida Mrian, sobrinha e afilhada, por sua serenidade. Beth, Neide, Tia margarida e Tio Barbosa, que me acolheram no seu lar para
que eu pudesse realizar o mestrado em Fortaleza. Jamais vou esquecer o carinho, os momentos de f e a paz que reina nos seus lares!
professora doutora Ana Lindsay, coorientadora, que contribuiu com a realizao
deste estudo nas suas vindas ao Brasil. Obrigada pela ateno! s professoras doutoras Maria Socorro de Arajo Dias e Maria Lcia Magalhes
Bosi, por terem aceitado com carinho o convite para compor a banca examinadora de qualificao e prestado grandes contribuies para o trabalho.
amiga Ana Helena Bonfim, pela pessoa companheira que voc , pela escuta,
pelo ombro amigo, pelo que pude apreender estando ao seu lado nas idas e vindas de Fortaleza. Que nossa amizade possa se fortalecer cada vez mais.
amiga Adelane Monteiro, que sempre me incentivou a lutar pelo mestrado,
fazendo-me acreditar que era um sonho possvel. Voc um exemplo de pessoa pra mim. Obrigada pela amizade, pelo carinho e apoio sempre!
Ao grupo da Escola de Formao em Sade da Famlia Visconde de Sabia,
especialmente s Profas. Dras. Socorro Dias, Francisca Lopes e Alzeni Ponte, que compreenderam os momentos de dedicao a este trabalho. Meu muito obrigada!
Ao grupo de coordenadores e professores do Curso de Enfermagem das
Faculdades INTA que me incentivaram a concluir este ideal. Ao grupo de mestrandos, com o qual dividi meus momentos, aprendi e cresci
muito. Em especial, Ana Helena, Brbara, Solange e lvaro, com quem compartilhei muitos momentos. Obrigada pelo apoio nessa caminhada.
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Comisso Cientfica da Secretaria de Sade de Sobral, pela autorizao necessria realizao da pesquisa.
FUNCAP, pela bolsa de mestrado concedida, contribuindo para o conhecimento
na rea da Sade Pblica. Obrigada!
Enfim, meu muito obrigada a todos os amigos, familiares, colegas de profisso que incentivaram, apoiaram, pelas palavras amigas e pelo carinho que me fortaleceram nessa caminhada. Obrigada a todos.
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RESUMO
O Programa Bolsa Famlia (PBF) caracteriza-se como um programa de transferncia direta de renda que beneficia famlias em situao de pobreza e extrema pobreza. Dentre seus princpios, visa a contribuir para a melhoria da situao alimentar e nutricional das famlias beneficiadas. Portanto, estabeleceu-se como objetivo para este estudo compreender como o PBF contribui para as prticas nutricionais de crianas de zero a cinco anos, na percepo das mes beneficiadas, em Sobral-Cear. Estudo exploratrio-descritivo com abordagem qualitativa, realizado no perodo de maro a dezembro de 2010 no Municpio de Sobral-CE. Os sujeitos do estudo corresponderam a 19 mes residentes na zona urbana e 9 mes residentes na zona rural. Para coleta das informaes, foram utilizadas tcnicas de entrevista individual e grupo focal. As informaes referentes s entrevistas e grupo focal foram gravadas e posteriormente transcritas na ntegra. Submetemos o discurso das participantes anlise do discurso. A categorizao do material emprico indicou como eixos centrais de anlise: 1) A espera pelo benefcio; 2) O que se faz com o dinheiro recebido pelo PBF; 3) O que comiam e o que comem as crianas do PBF; 4) Fatores que interferem na prtica alimentar da criana beneficiada com o PBF; 5) Como ocorrem a aquisio, seleo e preparo dos alimentos das crianas beneficiria do PBF e 6) Sugestes apontadas pelas mes para melhoria do PBF. Percebeu-se que as mes, ao saberem que foram contempladas pelo PBF, ficam felizes por terem a segurana de uma renda fixa e a possibilidade de adquirir bens materiais para a famlia, alm de alimentos. A anlise do material discursivo sugeriu a presena de limitaes do Programa, quando revela uma longa espera pelo benefcio, falta de seguimento das famlias para orientao, suporte e empoderamento das famlias, em busca de sua autonomia e autossuficincia, alm do valor recebido, sugerindo aumento do recurso e maior fiscalizao na insero de famlias elegveis e desenvolvimento de programas de gerao de emprego e renda. Na perspectiva das mes, houve melhoria na variedade da alimentao dos filhos, quando o recurso ensejou a compra de alimentos bsicos para aliviar a fome, bem como a aquisio de produtos industrializados (especialmente iogurtes, achocolatados e biscoitos), antes no possveis, porm desejados. Apreendeu-se, tambm, a raridade no uso de frutas regionais, legumes e verduras no cardpio das crianas. Essa distoro de prticas alimentares saudveis passa a ser visvel, quando se insere um recurso s famlias, sem uma apropriada orientao de profissionais que acompanham essas crianas, oferecendo um alimento hipercalrico e sem os nutrientes essenciais para um bom crescimento infantil. Desta forma, percebem-se a necessidade contnua de articulao intersetorial no contexto das polticas pblicas nutricionais de sade, bem como a atuao multidisciplinar, para promover alimentao saudvel infantil e da populao brasileira, em geral. Reverter o modelo de assistncia ainda hegemnico implica buscar uma assistncia integral, equnime, e que garanta a qualidade de vida e a autonomia dos sujeitos inseridos no processo. Palavras-chave: Sade da Criana. Programas e Polticas de Nutrio e Alimentao. Bolsa Alimentao. Nutrio Infantil e Ateno Primria Sade.
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ABSTRACT
The Bolsa Famlia (BFP) is a program of direct income transfer that benefits families in poverty and extreme poverty. Among its principles is to contribute to improving food and nutrition situation of the families benefited. Therefore, it was established as a goal for this study to understand how the Bolsa Famlia Program (BFP) contributes to the nutritional practices of children aged 0 to 5 years in the perception of mothers benefited, in Sobral, Cear. Exploratory-descriptive study with a qualitative approach, carried out from March to December 2010 in Sobral, CE. The study subjects consisted of 19 mothers living in urban areas and 09 mothers living in rural areas. For data collection we used the techniques of interview and focus group. Information related to interviews and focus groups were taped and later transcribed. We subject the discourse of participants to discourse analysis. The categorization of empirical data indicated as central axes of analysis: 1) Wait for the benefit, 2) What is done with the money received by BFP, 3) What ate and what eat the children of BFP 4) Factors influencing Eating habits of children benefited from the BFP, 5) How does the acquisition, selection and preparation of foods for children in benefited by the BFP, 6) Suggestions for improvement of the program cited by the mothers of BFP. It was noticed that when the mothers realized they were covered by BFP became happy to have the security of a fixed income and the ability to acquire material goods for the family, besides food. The analysis of the discursive material suggested the presence of limitations of the program, revealing a long wait for benefits, the lack of follow-up of families for guidance, support and empowerment of families in search of their autonomy and self-reliance, the value received , suggesting an increase of the resource. Still, more oversight on the insertion of eligible families and developing programs to generate employment and income. In view of the mothers there was an improvement in the variety of food to children, when offered them to buy basic food to alleviate hunger, and the acquisition of manufactured products (especially yogurt, chocolate milk and cookies), not previously possible, but desired. It was also learned, the rare use of regional fruits and vegetables on the menu for children. This distortion of healthy eating habits becomes visible when you insert a resource to families, without a proper guidance from professionals who follow these children, offering a hyper-caloric food and without the essential nutrients for good growth in children. Thus, we see the continuing need for intersectoral coordination of public policies in the context of nutritional health, and multidisciplinary approach to promotion of healthy eating of children and of the Brazilian population in general. Reversing the hegemonic model of care involves seeking for a integral health care, equitable and that ensures the quality of life and independence of the subjects included in the process. Keywords: Child Health. Programs and Policies for Nutrition and Food. Bolsa Alimentao Program. Child Nutrition and Primary Health Care
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LISTA DE ABREVIATURAS CNAN Conselho Nacional de Alimentao e NutrioCNSA Conferncia Nacional de Segurana AlimentarCOBAL Companhia Brasileira de AlimentosCONSEA Conselho Nacional de Segurana AlimentarCRAS Centro de Referncia de Assistncia SocialDASP Departamento de Administrao do Setor PblicoFAE Fundao de Assistncia ao EstudanteFAO Organizao das Naes Unidas para Alimentao e AgriculturaIBASE Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e EconmicosIGD ndice de Gesto DescentralizadaINAN Instituto Nacional de Alimentao e NutrioLBA Legio Brasileira de AssistnciaMDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate FomeOMS Organizao Mundial da SadePBF Programa Bolsa FamliaPCA Programa de Complementao AlimentarPCCE Programa de Combate s Carncias Nutricionais EspecficasPFZ Programa Fome Zero PNA- Plano Nacional de AlimentaoPGRM Programas de Garantia de Renda MnimaPNAE Programa Nacional de Alimentao EscolarPRONAN Programa Nacional de Alimentao e NutrioPNME Programa Nacional de Merenda EscolarPNIAM Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento MaternoPNS Programa de Nutrio em SadePRODEA Programa de Distribuio Emergencial de AlimentosPAT Programa de Alimentao do TrabalhadorPROCAB Projeto de Aquisio de Alimentos em reas de Baixa RendaPROAB Programa de Abastecimento de Alimentos Bsicos em reas de Baixa RendaPNLCC Programa Nacional do Leite para Crianas CarentesSAN Segurana Alimentar e NutricionalSAPS Servio de Alimentao da Previdncia SocialSENARC Secretaria Nacional de Renda de CidadaniaSISVAN Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar e NutricionalSSAN Sistema de Segurana Alimentar e NutricionalSTAS Servio Tcnico de Alimentao SocialTCR Transferncia Condicionada de Renda
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SUMRIO
1 INTRODUO 13
2 ESTADO DA ARTE 17
2.1 Recuperao histrica dos programas nutricionais no Brasil 17
2.2 Programa Bolsa-Famlia (PBF) 30
2.2.1 Caracterizao do Programa Bolsa-Famlia 32
2.3 O iderio da alimentao infantil (0 a 5 anos) 38
2.3.1 Transio nutricional: o paradoxo das demandas nutricionais
infantis
45
2.4 Prticas alimentares e subjetividade 49
2.4.1 Estudos sobre prticas alimentares das crianas beneficiadas pelo
PBF
53
3 OBJETIVOS 60
3.1 Objetivo Geral 60
3.2 Objetivo Especfico 60
4 METODOLOGIA 61
4.1 Campo do Estudo 61
4.2 Informantes do Estudo 63
4.3 Procedimentos e instrumentos para coleta das informaes 65
4.4 Anlises das Informaes 70
4.5 Aspectos legais e ticos da pesquisa 71
5 RESULTADOS E DISCUSSO 74
5.1 CARACTERIZAO DOS SUJEITOS DO ESTUDO 74
5.2 TEMTICAS CENTRAIS E SUBCATEGORIAS 78
5.2.1 A insero das mes no Programa Bolsa Famlia 79
5.2..2 Repercusses na alimentao da criana de zero a cinco anos com
recursos procedentes do PBF
87
5.2.3 Limites e possibilidades relacionadas ao PBF 104
6 CONSIDERAES FINAIS 108
REFERNCIAS 110
APNDICES 125
ANEXOS 131
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1 INTRODUO
Nossas experincias profissionais permitiram a aproximao com a temtica em
estudo. Atuando no mbito da Estratgia Sade da Famlia no Municpio de Sobral, Cear, o
vnculo com os indivduos, famlias e comunidades num dado territrio favoreceu um contato
real, cotidiano, com essa populao, provocando uma reflexo crtica sobre as polticas sociais
e de sade no Brasil em confronto com as necessidades de sade da populao, de forma
especial, a Sade da Criana.
Logo aps a graduao, no ano de 2002, cursando a Residncia Multiprofissional
em Sade da Famlia, inserimo-nos na equipe de sade do Centro de Sade da Famlia Dr.
Grijalba Mendes Carneiro, como enfermeira da macrorea do Sem-Terra, da periferia de
Sobral, Cear. Tal denominao local condiz com o perfil social desta comunidade
caracterizada pela extrema pobreza, sem moradia digna, alimentao, emprego, presena da
criminalidade e trfego de drogas, enfim, sem condies favorveis para a sobrevivncia de
um cidado.
Para sempre ficar na nossa memria a primeira visita domiciliar a uma purpera
e recm-nascido, sendo a famlia composta por dez membros, residindo num domiclio com
dois cmodos, num ambiente escuro, sujo, sem condies hidrossanitrias satisfatrias.
Chegava prximo ao meio-dia, quando adentramos com todo um conhecimento tcnico-
cientfico sobre os cuidados gerais ao recm-nascido e do purprio, com objetivo de orientar
me e famlia, porm, ao presenciarmos a situao de fome daquela famlia, com crianas
chorando, por no terem o que comer, tal circunstncia nos inquietou, promovendo um
sentimento de impotncia.
Ultrapassando o crescimento profissional, tcnico, essa vivncia nos possibilitou
tambm um desenvolvimento pessoal, uma indignao com a problemtica das desigualdades
sociais em nosso Pas. Ao mesmo instante que nos traz uma responsabilizao, pela realidade
atual e um desafio de contribuir para transformar as polticas sociais vigentes.
Com efeito, sobre a assistncia sade da criana, estvamos num momento de
implementao do Programa Bolsa Famlia (PBF), que, ao nosso ver, minimizava a situao
de pobreza, e, de certa forma, garantia uma fonte de renda s famlias cadastradas. Assim
sendo, no seu iderio, as crianas beneficiadas teriam acesso a uma alimentao saudvel; em
contrapartida, seriam acompanhadas pelo servio de sade, obrigatoriamente comprometido
com a educao.
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Percebamos, no entanto, que os profissionais de Sade da Famlia no se
preocupavam em conhecer quais eram as famlias beneficiadas pelo PBF existentes na sua
rea adscrita. Consequentemente, no era trabalhadas com essa populao aes de promoo
da alimentao saudvel. Na vivncia da Estratgia Sade da Famlia, contudo, o que temos
acompanhado uma reduo do quadro de desnutrio, porm um aumento de obesidade
infantil e carncias nutricionais.
O PBF considerado iniciativa inovadora social tomada pelo Governo brasileiro,
chegando at o presente momento, a uma cobertura de cerca de 11 milhes de famlias,
abrangendo 46 milhes de pessoas (BRASIL, 2009). Destas famlias, grande parte
compreende a populao de baixa renda do Pas.
Trata-se de um programa de transferncia direta de renda, com certas
condicionalidades, que beneficia famlias em situao de pobreza (com renda mensal por
pessoa de at R$ 140,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de at R$ 70,00).
O PBF unificou quatro programas federais (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentao, Auxlio-Gs e
o Carto-Alimentao), no mbito da estratgia Fome Zero, que visa a assegurar o direito
humano alimentao adequada, promovendo a segurana alimentar e nutricional,
contribuindo para a erradicao da extrema pobreza, bem como a conquista da cidadania pela
parcela da populao mais vulnervel fome (BRASIL, 2009).
Maluf (2009) recupera o conceito de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN)
definido na II Conferncia Nacional de SAN, em Olinda- PE, no ano de 2004, ao concluir que
o direito a alimentao adequada vinculado intersetorialidade das aes diferencia-se dos
usos correntes da segurana alimentar utilizados por governos e organismos internacionais.
Segurana Alimentar e Nutricional a realizao do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base prticas alimentares promotoras de sade, que respeitam a diversidade cultural e que sejam social, econmica e ambientalmente sustentveis (II CONFERNCIA NACIONAL DE SAN. OLINDA, 2004).
A distribuio dos beneficirios do PBF pelas regies aponta que o Nordeste,
concentra metade do total das famlias beneficiadas. Em 2004, a Regio totalizava 3,3
milhes de famlias, o equivalente a 50,5%. Em 2007, o nmero de famlias atendidas pelo
PBF j era de 5,6 milhes, representando 50,47%, um crescimento de 67,9% em relao ao
ano de 2004. Em seguida, a regio Sudeste apresenta a segunda maior participao. Em
mdia, considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve participao de 26,3%, enquanto
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as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste) apresentaram uma distribuio espacial mdia
de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente (PEQUENO, 2009)
O Municpio de Sobral-CE, com estimativa populacional de 180.046 habitantes
em 2009, atualmente tem 18.459 famlias beneficiadas pelo PBF (SENARC, 2009). Em
contrapartida, as famlias beneficiadas se comprometem a cumprir as condicionalidades do
programa nas reas de sade e educao, que so: manter as crianas e adolescentes em idade
escolar frequentando a escola e cumprir os cuidados bsicos em sade, ou seja, o calendrio
de vacinao, para as crianas entre zero e seis anos, e a agenda pr e ps-natal para as
gestantes e mes em amamentao (BRASIL, 2009).
Dentre os seus propsitos, o PBF objetiva cobrir importantes resultados: oferecer
suporte, efetivamente, s famlias que dele necessitam e que atendam aos critrios de
incluso; ajudar a reduzir a extrema pobreza e a desigualdade, e contribuir para a melhoria da
situao alimentar e nutricional das famlias beneficiadas. Visa, tambm, a incentivar o
cuidado das famlias para com seus filhos nos aspectos referentes a sade e educao. Assim
sendo, objetiva favorecer a quebra do ciclo de transmisso intergeracional da pobreza e
reduzi-la no futuro.
bvio pensar, contudo, que a melhoria da renda das populaes pobres tenha
causado impacto na questo da segurana alimentar. A Pesquisa Nacional por Amostra de
Domiclios (PNAD), de 2004, em seu suplemento de Segurana Alimentar, identificou o fato
de que a proporo de insegurana alimentar de natureza grave diminui progressivamente
medida que aumentam os rendimentos mdios, mesmo em populao de baixa renda. Assim,
a proporo de insegurana alimentar moderada ou grave, em 2004, era de 61,2% na faixa de
rendimento de at 1/4 de salrio mnimo (SM) per capita, passando a 37,2% nas faixas de
mais de a e de 19% na faixa de mais de a 1 SM per capita (IBGE, 2006).
Questionamos, entretanto, se a garantia das prticas alimentares adequadas e a
segurana alimentar esto condicionadas apenas melhoria econmica da populao. Essa
reflexo decorre do fato de que podemos estar enfrentando a problemtica da disponibilidade
de muitos produtos de baixo valor nutricional a preos relativamente acessveis; a influncia
da mdia, incentivando o consumo desses produtos, dos valores simblicos e culturais da
alimentao construdos historicamente, especialmente no grupo infantil; a dificuldade de
muitas mes que necessitam trabalhar deixem seus filhos sob cuidados de terceiros e
providenciam alimentos que so mais fceis e rpidos no preparo; todos esses fatores
dificultam a promoo de uma alimentao saudvel, principalmente na ateno criana.
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At o momento, estudos sobre prticas alimentares das crianas beneficiadas pelo
PBF ainda so limitados. importante registrar o fato de que o estudo bibliogrfico que
realizamos no ms de janeiro de 2010 nas fontes do The Scientific Electronic Library Online
(SCIELO) e na Biblioteca Virtual do PBF sobre prticas alimentares das crianas e suas
famlias beneficirias do PBF, nos ltimos sete anos, detectam poucos trabalhos na rea. No
total, foram 11 artigos revisados.
Vale enfatizar que apenas dois artigos (02) eram de abordagem qualitativa. No
pretendemos negar a importncia de pesquisas que abordam os aspectos biolgicos e
epidemiolgicos do tema em foco, ao contrrio, eles necessitam ser pesquisados
constantemente. Restringir, porm, as discusses apenas aos aspectos mencionados limita o
conhecimento, na medida em que as prticas alimentares so consideradas um ato social,
imbricado por mltiplos fatores, principalmente no mundo infantil.
Neste mbito, portanto, poucos estudos exploram as prticas alimentares das
crianas beneficiadas pelo PBF sob o enfoque subjetivo, de forma a considerar o contexto
social, econmico e cultural dessa populao. Em resposta a esta necessidade, propomos
realizar uma pesquisa exploratria essencial para a sade pblica, que trar maiores dados
para subsidiar o planejamento de intervenes no enfoque da promoo da alimentao
saudvel criana. Assim sendo, o estudo proposto pretende responder ao seguinte
questionamento: O que as mes compram de alimentos para seus filhos menores de cinco
anos, desde o seu cadastramento no Programa Bolsa-Famlia? Como essas mes avaliam e
utilizam o PBF no auxilio s suas vidas cotidianas, especialmente nas condies nutricionais
de seus filhos?
Acreditamos que esta investigao contribuir para o desenvolvimento de futuros
estudos. Em um curto prazo, a pesquisa produzir informaes para propor intervenes e
subsdios, com base em informaes coletadas, para a proposio de um estudo de grande
escala, que poder, efetivamente, analisar a questo da insegurana alimentar e prticas
alimentares de crianas de baixa renda entre os municpios do Cear e em outros estados do
Brasil.
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2 ESTADO DA ARTE
A reviso bibliogrfica desta pesquisa fundamentou-se nos diversos campos que
permeiam o fenmeno complexo das prticas alimentares das crianas beneficiadas pelo o
Programa Bolsa Famlia (PBF). Primeiro, sob um enfoque poltico, buscamos uma
recuperao histrica dos programas nutricionais no Brasil at o momento em que surge o
Programa Fome Zero, em meados de 2000. Em outro captulo, retratamos o Programa Bolsa-
Famlia, caracterizando e discorrendo sobre sua funcionalidade. Aps, entramos na discusso
da alimentao infantil dentro dos aspectos biomdicos e, por fim, agregamos os aspectos
inerentes subjetividade das prticas alimentares, visando a exibir aspectos simblicos e
culturais deste fenmeno.
2.1 Recuperao Histrica dos Programas Nutricionais no Brasil
Conhecer o processo histrico-social no contexto das polticas pblicas de
alimentao e nutrio nos auxiliar na compreenso de como o debate sobre alimentao e
nutrio se deu ao longo de nossa histria, como tambm na interpretao dos princpios
ideais dos programas nutricionais vigorados mais recentemente ante as necessidades da
populao.
At meados de 1940, no temos nenhuma interveno poltica de repercusso
nacional inerente a alimentao e nutrio. Conforme Silva (2006), durante esta poca, a
fome era considerada um fenmeno natural. Tal concepo se pauta em alguns aspectos:
ausncia de grandes concentraes urbanas que demonstrassem o carter estrutural desse
fenmeno, com a escassez de meios de comunicao e a desorganizao poltica de uma
parcela da populao empobrecida, e o fato de o Estado e as elites optarem por esta ideia
como a mais verdadeira, de forma a absterem-se da responsabilidade de intervir para resolver
o problema.
Com a urbanizao e industrializao do Pas, entretanto, a classe trabalhadora
entrou no cenrio poltico brasileiro questionando melhores condies de vida, de forma
paralela. As pesquisas da poca, em especial, a desenvolvida por Josu de Castro, em 1946,
publicada no livro Geografia da Fome, A Fome no Brasil, mostraram que a origem da fome
era consequncia da desigualdade social (ANDRADE, 1997). Desde ento, tem curso a
expresso questo social, utilizada primeiramente por cientistas sociais.
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Para Silva (2006), a questo social tem estreita relao com o flagelo social.
Pode-se dizer que o flagelo social a questo social quando este deixa de ser apenas
referente s necessidades dos indivduos e passa a se constituir em demandas trazidas pelos
sujeitos ao quadro poltico.
O autor acrescenta que a transformao de necessidades em demandas passa a ser
objeto de debates, confrontos e interesses distintos entre os sujeitos, representantes do Estado
e de outros setores da sociedade no terreno poltico. O consenso criado neste panorama se
materializa na poltica social que, por sua vez, se expressa em uma deciso governamental.
Fleury (1994, p.43) assevera que a poltica social ; a resultante possvel e necessria das relaes que historicamente se estabeleceram no desenvolvimento das contradies entre capital e trabalho, mediadas pela interveno do Estado, e envolvendo pelo menos trs atores principais: a burocracia estatal, a burguesia industrial e os trabalhadores urbanos.
Assim sendo, est intrinsecamente relacionada noo de cidadania, uma vez que,
ao propiciar a elaborao de polticas, contribui concomitantemente para sua formulao.
Seguindo o mesmo raciocnio, Burlandy (2007, p. 2) apresenta claramente sua
concepo de poltica ou programa social. o formato de uma dada poltica ou programa social resultante de um complexo processo de intermediao de interesses, representados sob as mais variadas formas organizacionais e com diferentes graus de poder de influncia na agenda governamental. Expressa, desse modo, uma opo poltica, construda sob certas condies materiais, a partir de embates e alianas forjados por atores sociais diversos com capacidades tambm distintas de interferncia no processo decisrio de formulao de polticas pblicas.
Corroborando a idia de Escoda (1989), entendemos que a questo nutricional
deve ser compreendida no mbito geral da questo sanitria da populao. Luz (1989 apud
PINTO 2009) enfatiza que a poltica de alimentao e nutrio constitui a forma que o Estado
utiliza para contornar a questo alimentar e nutricional. Para tanto, pode-se utilizar de planos
de nutrio, explcitos ou no. A poltica est alm do projeto escrito, est presente na prtica
para adotar medidas que conduzam a questo.
De repercusso nacional, contudo, e de forma concreta, tivemos uma interveno
poltica de impacto na alimentao e nutrio no Brasil somente a partir do Governo Vargas.
Embora Uchimura e Bosi (2003), em seus estudos, relatem que a interveno do Poder
Pblico no setor da alimentao no Brasil, surgiu em meados de 1918, com a criao do
Comissariado de Alimentao Pblica, rgo com a finalidade de controlar os estoques e
tabelar os preos dos gneros alimentcios, Vasconcelos (2005) aponta que as aes
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especficas de poltica social de alimentao e nutrio foram implementadas somente ao
longo do Governo de Vargas.
A primeira interveno poltica de alimentao e nutrio surgiu na dcada de
1940, com a definio de um salrio mnimo. Anunciado pelo presidente Getlio Vargas, em
1 de maio de 1940, o piso salarial passou a ser um direito de todo trabalhador, sendo este
definido, sobretudo, com base no critrio da alimentao, que considerava as necessidades
nutritivas dos trabalhadores de acordo com as diferenas regionais do Pas e cujo custo
deveria corresponder entre 50% e 60% do salrio mnimo (SILVA, 2006).
Ainda na dcada de 1940, Getlio Vargas criou o Servio de Alimentao da
Previdncia Social (SAPS), que era administrado pelo Departamento de Administrao do
Setor Pblico (DASP). O SAPS tinha como principais atribuies atender os segurados da
previdncia social; selecionar produtos e baratear preos; educar em uma perspectiva de
solucionar os problemas de ordem alimentar e nutricional; promover a instalao e
funcionamento de restaurantes e fornecer alimentos bsicos. O SAPS implantou uma grande
rede de restaurantes destinada aos trabalhadores (SILVA, 2006).
Percebemos, ento, que as intervenes eram direcionadas aos trabalhadores
formais, sendo um modelo excludente, pois no beneficiavam os outros cidados que no
tinham renda ou trabalhadores informais. Para Silva (2006) mesmo caracterizando uma
poltica pblica calcada em uma concepo regulada da cidadania o SAPS ampliou alguns
benefcios para toda a populao, uma vez que intervinha no mercado de alimentos, utilizando
postos mveis nas feiras livres, onde eram oferecidos produtos a preos inferiores aos do
mercado.
Ressaltamos que o SAPS realizou pesquisas que comprovaram o deficit nutricional
de uma parcela significativa dos filhos dos trabalhadores e ficou na contingncia de elaborar
projetos nas reas de emprego, formao de mo de obra e alfabetizao de adultos. Isto
aconteceu em virtude da situao de um desafio (a fome) que cobrava polticas pblicas e
mudanas estruturais no Pas.
Em 1943, foi criado o Servio Tcnico de Alimentao Social (STAS), que tinha
como objetivo propor medidas para a melhoria alimentar e, logo em seguida, no ano de 1945,
criada a Comisso Nacional de Alimentao (CNA), que tinha como misso propor uma
poltica nacional de nutrio.
A CNA, a priori, era vinculada rea econmica, como rgo do Conselho
Federal de Comrcio Exterior, e passou a ser regulamentada e transferida, no ano de 1951,
para o Ministrio da Sade. Neste perodo, seguindo orientaes da Organizao para a
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Agricultura e Alimentao das Naes Unidas e da Organizao Mundial da Sade (OMS),
elaborou, em 1953, o Plano Nacional de Alimentao (PNA), que, segundo Burlandy (2003),
foi marcado por aes de suplementao alimentar para grupos biologicamente vulnerveis
(SILVA, 2006).
No ano de 1955, foi institucionalizado o Programa Nacional de Merenda Escolar
(PNME), que teve seu marco inicial no Decreto n 37.106, instituindo a Campanha de
Merenda Escolar, subordinada ao Ministrio da Educao.
O PNME passa por mudanas de nome, de vinculao institucional e de
estratgias, mas manteve seu foco na suplementao alimentar aos escolares de escolas
pblicas ou filantrpicas conveniadas. O Programa justifica-se pela oportunidade de garantir
aos escolares acesso a uma melhor alimentao, de forma permanente e, assim, contribuir
para o melhor desempenho escolar e para reduzir evaso. Dessa forma, pode-se considerar
que o PNAE atua na promoo da segurana alimentar para esse grupo social prioritrio
(SANTOS et al., 2007).
Tais polticas discutidas at o momento remontam ao perodo de 1940 a 1970.
Corroborando Burlandy (2003), as polticas desta poca caracterizaram-se por serem
verticais e centralizadas, por terem uma forte perspectiva desenvolvimentista e por
associarem o flagelo social (fome e desnutrio) ao subdesenvolvimento. Quase todas essas
polticas foram extintas, com exceo da merenda escolar, que vigora at hoje.
Com o fato marcante da ditadura militar em nosso pas, alm da extino de
algumas polticas, percebeu-se uma ruptura da discusso da fome como produto da
desigualdade social. Assim sendo, substituiu-se essa discusso pelo conceito nutricional,
incorporando o problema como se fosse exclusivamente de ordem biolgica.
Em 1972, contudo, apareceu o Instituto Nacional de Alimentao e Nutrio
(INAN), este rgo, vinculado ao Ministrio da Sade, que passou a ser o centralizador da
poltica alimentar por meio dos vrios programas nacionais de nutrio. O primeiro deles foi
o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio (PRONAN I), que era composto de vrios
subprogramas, tendo como objetivos prioritrios a assistncia alimentar aos grupos
vulnerveis e a promoo de programas de educao nutricional, no entanto no chegou a ser
operacionalizado (LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003).
No decorrer dos anos seguintes, as polticas e programas passaram a enfatizar a
assistncia alimentar e nutricional ao grupo materno-infantil e aos escolares, destacou o
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno PNIAM; o Programa Nacional de
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Alimentao Escolar PNAE e o Programa de Combate s Carncias Nutricionais
Especficas PCCE (SILVA, 1995; LEO; CASTRO, 2007)
Em 1976, foi criado o II Programa Nacional de Alimentao e Nutrio
(PRONAN II), caracterizado por uma estrutura dirigida aos grupos mais carentes, urbanos e
rurais. Conforme Uchimura e Bosi (2003), o PRONAN II se manteve at 1985, atuando em
trs vertentes - suplementao alimentar a diversos grupos da populao; racionalizao do
sistema de produo de alimentos, com nfase no estmulo ao pequeno produtor, e combate
s carncias nutricionais apoiado, em medidas de natureza tcnica e tecnolgica.
Na vertente de suplementao alimentar, incluam-se programas como o de
Nutrio em Sade (PNS), que distribua alimentos in natura, cobrindo 45% das necessidades
nutricionais dirias de crianas, gestantes e nutrizes. Ainda o Programa de Complementao
Alimentar (PCA), sob a coordenao da Legio Brasileira de Assistncia (LBA), do
Ministrio da Previdncia, que atendia com alimentos formulados a sua rede assistencial. O
Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE) que funcionava desde 1954, sob a
coordenao da Campanha Nacional de Alimentao Escolar (CNAE) e, posteriormente, da
Fundao de Assistncia ao Estudante (FAE), do Ministrio da Educao e Cultura, provendo
merenda para escolares de sete a 14 anos de idade, e o Programa de Alimentao do
Trabalhador (PAT), criado em 1977, sob a coordenao do Ministrio do Trabalho, que,
mediante incentivo fiscal, possibilitava s empresas fornecer refeies aos trabalhadores
(ARRUDA; ARRUDA, 2007).
Na vertente de racionalizao da produo de alimentos, Uchimura e Bosi (2003)
sublinham dois programas - o Projeto de Aquisio de Alimentos em reas de Baixa Renda
(PROCAB) e o Programa de Abastecimento de Alimentos Bsicos em reas de Baixa Renda
(PROAB).
O PROCAB adquiria os alimentos bsicos diretamente do produtor, por
intermdio da Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL), do Ministrio da Agricultura,
para programas do PRONAN, e o PROAB abastecia os pequenos varejistas de reas carentes,
com alimentos bsicos e preos reduzidos.
Pinheiro (2008, p.4) faz uma anlise crtica das estratgias executadas pelo INAN
e acentua que as contradies existentes nas polticas pblicas atuais j eram percebidas nesta
poca. [...] o INAN tinha como finalidade principal propor e coordenar uma poltica nacional de alimentao, alm de elaborar e propor o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio e funcionar como um rgo central de articulao das aes de alimentao e nutrio. No entanto, nesta poca, uma situao paradoxal j sinalizava uma contradio permanente no contexto das polticas pblicas de
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Estado: a tentativa de conciliar um conjunto de aes e projetos que visem defender e organizar o acmulo de capital (interesses econmicos) versus uma proposta de polticas de alimentao e nutrio que visem garantia da sade e bem-estar social da populao (interesses sociais). Se, por um lado, havia uma perspectiva interdisciplinar e articuladora do tema, atravs da proposta do PRONAN II (com integrao dos componentes relacionados produo e ao consumo alimentar), por outro lado, houve um claro investimento em polticas econmicas e agrcolas que privilegiaram a concentrao de renda e terras, alm da no liberao de recursos financeiros para consolidao da proposta do PRONAN II. A escassez de recursos destinados implantao do PRONAN demonstrava uma ntida falta de interesse do tema na agenda poltica brasileira.
Observamos, contudo, no final da dcada de 1980, uma ausncia de priorizao
dos programas de abastecimento popular de alimentao. Durante o perodo de 1984-1988,
perodo da Nova Repblica, algumas polticas de alimentao e nutrio permaneceram, as
quais foram o PROAB, PAT, PNS, que passou a ser chamado de Programa de Suplementao
Alimentar e o PNAE.
Em relao s novas polticas, destaca-se o Programa Nacional do Leite para
Crianas Carentes (PNLCC). Criado em 1986, visava distribuio de um litro de leite por
dia para famlias com renda mensal de at dois salrios-mnimos com crianas de at sete
anos de idade. Conhecido como o tquete do Sarney, por sua vinculao direta Presidncia
da Repblica, por intermdio da Secretaria Especial de Ao Comunitria, este programa foi
muito criticado na poca em virtude de problemas na sua implementao, tais como a
transformao do cupom em moeda corrente e a competio com as clientelas de outros
programas (COHN,1995).
No incio da Nova Repblica, por volta de 1985, no podemos deixar de destacar o
fato de que a segurana alimentar apareceu pela primeira vez como referncia de uma
proposta de poltica contra a fome. O documento intitulado Segurana Alimentar proposta
de uma poltica contra a fome, teve poucas consequncias prticas, porm j continha as
bases das principais proposies que surgiriam depois: encontram-se nele as diretrizes de uma
poltica nacional de segurana alimentar, bem como a proposta de instituir um Conselho
Nacional de Segurana Alimentar (CONSEA). O documento propunha como objetivos
atender as necessidades alimentares da populao e atingir a autossuficincia produtiva
nacional na produo de alimentos (MALUF, 2009)
Em 1987, toda efervescncia pela luta da democratizao das polticas sociais foi
canalizada para os trabalhos da Assembleia Constituinte. O estabelecimento de uma ordem
institucional democrtica supunha um (re) ordenamento das polticas sociais que respondesse
s demandas da sociedade por maior incluso social e equidade. Projetada para o sistema de
polticas sociais como um todo, tal demanda por incluso e reduo das desigualdades
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adquiriu conotaes de afirmao dos direitos sociais como parte da cidadania, j que o
sistema anterior de proteo social combinava incluso estratificada de poucas pessoas e
excluso da maioria da populao (FLEURY, 2007).
Na ptica dos direitos sociais compreendidos como exigncias elementares de
proteo s classes ou grupos sociais mais necessitados, a saber - sade, educao, trabalho -
o direito a alimentao assumiu um eixo elementar, bsico. Corroboramos o pensamento de
Yasbec (2004) para quem no h dvidas de que o direito humano segurana alimentar e
nutricional se localiza no conjunto dos mnimos sociais, a que tm direito todos os cidados
do Pas. Na definio dos mnimos sociais, o que est em questo o estabelecimento de um
padro bsico de incluso social que contenha a ideia de dignidade e cidadania (SPOSATI,
1997 apud YASBEC, 2004).
Explorando os momentos relevantes de definies de conceitos, deliberaes e
intervenes nesse campo, cabe relembrar: a) a VIII Conferncia Nacional de Sade, em
1986, em Braslia, cujas recomendaes conduziram aprovao da Lei Orgnica da Sade
(Lei n 8080/90), criando o Sistema nico de Sade e privilegiando a estruturao de
comisses permanentes, entre as quais a Comisso Intersetorial de Alimentao e Nutrio do
Conselho Nacional de Sade; b) a I Conferncia Nacional de Alimentao e Nutrio, em
Braslia, como desdobramento da VIII Conferncia Nacional de Sade, que props a criao
de um Conselho Nacional de Alimentao e Nutrio (CNAN) que formulasse a Poltica
Nacional de Alimentao e Nutrio a ser adotada, oficialmente, em 1999. Ressaltamos,
ainda, que a Conferncia sugeriu a instituio de um Sistema de Segurana Alimentar e
Nutricional (SSAN) ligado ao Ministrio do Planejamento, proposta que veio a ser retomada,
em 2004, pela II Conferncia de Segurana de Alimentao e Nutrio e pelo CONSEA.
Nessas proposies, restou clara a ampliao do conceito de segurana alimentar com a
incorporao do adjetivo nutricional noo de segurana alimentar.
Houve um debate infindvel sobre os limites e outros significados dos termos
alimentao e nutrio ou da interseo que justificaria num s conjunto as seguranas
alimentar e nutricional. Nessa discusso, enfatizamos a argumentao de Batista Filho (2003),
ao defender a inteligncia do emprego unificado de ambos na forma da expresso segurana
alimentar/nutricional, haja visto o reconhecimento de que so processos necessariamente
simultneos, pois, com a segurana alimentar, o objetivo alcanar um estado nutricional
adequado.
Na dcada de 1990, acrescentam-se importantes aes de mobilizao social e
articulao institucional, impulsionadas por movimentos sociais de luta por tica na poltica e
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pela urgncia na superao da pobreza e da fome aguda, at como pressuposto de
desenvolvimento equilibrado da economia. Nesse panorama, destaca-se a Ao da Cidadania
contra a Fome, a Misria e pela Vida, onde desempenhou papel de relevo o socilogo Herbert
de Souza (ARRUDA; ARRUDA, 2007; BURLANDY, 2009). Dentre os resultados dessa
mobilizao, verificam-se: a) a confeco do Mapa da Fome; b) a elaborao do Plano de
Combate Fome e Misria, e a criao do Conselho Nacional de Segurana Alimentar
(CONSEA) em maio de 1993; e c) a realizao, em Braslia, em julho de 1994, da I
Conferncia Nacional de Segurana Alimentar, que induziu um processo de mobilizao
nacional em torno da questo alimentar e da dimenso do problema da fome no Pas.
Aponta-se como fator fundamental para o desenvolvimento dessas aes a
aceitao das propostas h pouco mencionadas pelo ento presidente Itamar Franco. A matriz
da proposta de segurana alimentar e nutricional de seu governo era semelhante do
documento de 1985, acrescida das contribuies oriundas do campo da sade e nutrio e
ampliando o escopo da poltica de segurana alimentar. Entendia a segurana alimentar como
um objetivo estratgico de governo que nuclearia as polticas de produo agroalimentar,
comercializao, distribuio e consumo de alimentos, incorporando a perspectiva de
descentralizao e diferenciao regional. Fariam parte, ainda, as aes governamentais de
controle da qualidade dos alimentos e estmulo a prticas alimentares saudveis, bem como
um conjunto de outras medidas no campo da sade e da vigilncia (MALUF, 2009)
Conforme Pinheiro (2008), a partir da dcada de 1990, a rea de alimentao e
nutrio, no mbito do setor sade, assumiu a responsabilidade de avanar para o alcance da
segurana alimentar e nutricional e, assim como o setor da assistncia social, sempre
permaneceu margem das polticas pblicas sociais que, sem suporte oramentrio e
financeiro adequados, carentes de recursos humanos suficientes, apresentavam aes
contingentes e pulverizadas pelos escassos recursos e falta de transparncia.
De modo geral, os resultados das aes implementadas pelo CONSEA so
consideradas pouco significativas, o que pode ser atribudo ao seu curto perodo de
existncia, cerca de dois anos. Talvez a sua mais significativa realizao tenha sido a
promoo da I Conferncia Nacional de Segurana Alimentar (CNSA), em 1994. O relatrio
final da Conferncia compunha-se de um documento poltico em busca de estabelecer uma
Poltica Nacional de Segurana Alimentar. Em 1995, com a mudana do governo, o
CONSEA foi extinto (PESSANHA, 2002 apud LEITE; ARRAES, 2006).
Pinheiro (2008), em seus estudos, exprime que o CONSEA foi extinto e a
estratgia de fortalecimento da via econmica (ajuste estrutural) foi adotada em detrimento
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da formao de uma Poltica Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN), que saiu
da agenda poltica. Se a perspectiva de controle inflacionrio atuou como um aspecto
positivo, em termos de acesso ao alimento e poder de consumo da populao, por outro lado,
o enfraquecimento das relaes polticas com setores da sociedade civil (principalmente o
movimento da Ao da Cidadania que liderava o debate da Poltica de SAN) foi negativo,
pois desarticulou o apoio dos movimentos sociais.
Tambm no ano de 1995, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique
Cardoso, foi consolidada a estratgia Comunidade Solidria como um plano de ao de
combate pobreza e desigualdade. Dentre as suas atribuies, a mais complexa foi a de
coordenar a execuo do Programa de Distribuio Emergencial de Alimentos (PRODEA),
que teve incio em 1993.
Para Pessanha (2002), a estratgia do Programa Comunidade Solidria refletiu a
tendncia geral mais recente da focalizao e descentralizao da assistncia social, j que o
Programa direcionou suas polticas para os segmentos sociais mais empobrecidos. Tal
interveno, porm, no rompeu efetivamente com os velhos problemas inerentes
implementao de polticas sociais. Valente (1997) acrescenta que, durante os seus oito anos
de existncia, a Comunidade Solidria se limitou a discutir formas de incorporar o setor
privado, com e sem fins lucrativos, na elaborao e implementao, incluindo financiamento,
de projetos que colaborassem com aes estatais, ou mesmo substitussem o Poder Pblico
em papis tradicionalmente vistos como obrigao do Estado, tais como alfabetizao,
promoo da educao infantil etc.
Embora saibamos deste histrico, um aspecto positivo foi o apoio da Comunidade
Solidria aos planos de interlocuo que integraram a trajetria do enfoque da Segurana
Alimentar e Nutricional. O documento brasileiro Cpula Mundial props uma nova e
ampliada definio de segurana alimentar: Segurana alimentar significa garantir, a todos, condies de acesso a alimentos bsicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em prticas alimentares saudveis, contribuindo, assim para uma existncia digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana (II CPULA MUNDIAL DA ALIMENTAO, 2002).
Essa definio foi o ponto de partida para aquela que veio a ser aprovada na II
Conferncia Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (2004) e adotada pelo CONSEA
(MALUF, 2009).
O segundo mandato rompeu com qualquer perspectiva de debate de uma proposta
de segurana alimentar no contexto do Governo Federal. A discusso sobre o tema ficou
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restrita a debates internos relacionados a diferentes polticas setoriais e perdeu qualquer tipo
de ressonncia na elaborao de iniciativas mais amplas (VALENTE, 1997).
Com efeito, em 1998, teve incio a formulao da Poltica Nacional de
Alimentao e Nutrio e, em 1999, aps discusso com a sociedade, foi aprovada, pelo
Conselho Nacional de Sade, a Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PINHEIRO,
2008).
A Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN) tem como propsito a
garantia da qualidade dos alimentos colocados para consumo no Pas, a promoo de prticas
alimentares saudveis e a preveno e o controle dos distrbios nutricionais, bem como o
estmulo s aes intersetoriais que propiciem o acesso universal aos alimentos. Sete so as
diretrizes programticas desta Poltica, que tem como leitmotiv o Direito Humano
Alimentao e Segurana Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2005).
1 Estmulo a aes intersetoriais com vistas ao acesso universal aos alimentos.
2 Garantia da segurana e qualidade dos alimentos.
3 Monitoramento da situao alimentar e nutricional.
4 Promoo de prticas alimentares e estilos de vida saudveis.
5 Preveno e controle dos distrbios e doenas nutricionais.
6 Promoo do desenvolvimento de linhas de investigao.
7 Desenvolvimento e capacitao de recursos humanos em sade e
nutrio
Na contextura das aes propostas pela PNAN, a perspectiva de formulao de um
Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar e Nutricional (SISVAN), que articulasse o registro
sistemtico de dados relativos tanto produo quanto ao consumo alimentar, foi o ponto
central do debate na agenda poltica da Segurana Alimentar e Nutricional (PINHEIRO,
2008).
O SISVAN foi proposto como um instrumento que subsidia o conhecimento da
situao alimentar e nutricional de uma populao, contribuindo para a segurana alimentar.
Ele consiste num sistema de coleta, processamento e anlise contnua de dados, possibilitando
um diagnstico atualizado da situao nutricional e de suas tendncias temporais. Contribui
para que se conheam a natureza e magnitude dos problemas de nutrio, caracterizando
grupos sociais de risco e dando elementos para a formulao de polticas, estabelecimento de
programas e intervenes.
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Pesquisa de Monteiro e Conde (2000), realizada em So Paulo, demonstrou que a
alterao da estrutura socioeconmica da populao acompanhada da melhoria dos
indicadores de desnutrio, conforme dados obtidos nas dcadas de 1980 e 1990. Apesar
disso, a insuficincia alimentar ainda preocupante, e mostra forte associao intensacom
renda e escolaridade (MARINS; ALMEIDA, 2002). Em So Paulo, a renda familiar dobrou
entre os anos de 1980 e 1990, o nmero de famlias com baixo poder aquisitivo caiu 50% e a
escolaridade materna cresceu em 1,5 ano. A traduo dos indicadores nutricionais e de sade,
contudo, em um pas com dimenses territoriais to grandes e diversidades regionais deveras
marcantes, encobre realidades locais que apresentam particularidades, com ilhas de riqueza e
a continuidade de situaes de risco em bolses de pobreza, observando-se claramente a
interferncia do fator renda quando os dados so desagregados (DOMENE, 2003).
Na dcada de 2000, no clima de aprofundamento da crise econmica, mudanas
significativas inauguram programas sociais, em um movimento que se inicia timidamente no
Governo Fernando Henrique Cardoso, e no Governo Lula se expande, mas, ao mesmo tempo,
redireciona alguns processos anteriores (VAITSMAN et al., 2009).
Em 2001, o Instituto Cidadania apresentou o Projeto Fome Zero como proposta
de uma poltica nacional participativa de segurana alimentar e combate fome (BELIK;
SILVA; TAKAGI, 2001). Ento, as dimenses da segurana alimentar mais valorizadas so,
naturalmente, a erradicao da fome e o enfrentamento da desnutrio, tendo como elemento
principal programas de transferncias de renda e aes que promovam ou favoream o acesso
aos alimentos pelos segmentos mais pobres da populao (MALUF, 2009).
A seguir, na eleio presidencial de 2002, essa iniciativa passou a fazer parte do
conjunto de propostas do vitorioso candidato Lus Incio Lula da Silva, que, logo aps a
confirmao da vitria eleitoral, declarou que, ao fim de quatro anos de governo, asseguraria
trs refeies dirias a cada brasileiro. Tal fato representou a culminncia de sua misso
histrica (BETTO, 2003).
De acordo com Batista Filho (2003), o campo de proposies do Projeto Fome
Zero constitui referncia capaz de mudar o curso da histria poltica, econmica e social do
Brasil, com novas diretrizes ticas voltadas correo das distores estruturais da sociedade
brasileira. Em consonncia, a Organizao das Naes Unidas para Alimentao e
Agricultura (FAO) considerou que a iniciativa do agora Programa Fome Zero (PFZ) de
complementar um conjunto de aes compensatrias, com outras de gerao de renda,
configura um acerto estratgico digno de ser replicado noutros pases (TUBINO, 2007).
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Por outra vertente, Francisco de Oliveira, um dos fundadores do Partido dos
Trabalhadores (PT), sustenta que programas como Fome Zero so instrumentos de
"funcionalizao da misria", isto , tornaram a misria suportvel e funcional. Aquele
referenciado socilogo entende que tais iniciativas constituem um tipo de "ajuda
humanitria" para garantir a sobrevivncia dos mais pobres sem alterar a condio social
destes. Em outras palavras, esses programas no alteraram a estrutura de distribuio de
riquezas no Brasil. Nesse sentido, fragiliza-se o carter inovador e emancipatrio
eventualmente sustentado pelos defensores das polticas compensatrias (FIUZZA, 2004).
Portanto, compreendemos que o desafio maior do PFZ est relacionado s
mediaes polticas entre o mundo social e o universo pblico dos direitos e da cidadania.
Essas mediaes, a serem construdas e reinventadas, circunscrevem um campo de conflito
que tambm de disputa pelos sentidos de modernidade, cidadania e democracia (YASBEC,
2004).
A implantao do PFZ, a criao do Conselho Nacional de Segurana Alimentar e
Nutricional (CONSEA) e de um rgo executivo e articulador o Ministrio Extraordinrio
de Segurana Alimentar e Combate Fome - ambos vinculados Presidncia da Repblica,
j no primeiro ato legislativo do governo ento recm-empossado, explicitam claramente que
a segurana alimentar e nutricional retomou um espao perdido ao longo da ltima dcada
(GRAZIANO DA SILVA; TAKAGI, 2004)
Graziano da Silva e Takagi (2004) comentam sobre a concepo que norteou o
PFZ. Um primeiro aspecto que os autores ressaltam a importncia de estabelecer a
diferena entre insegurana alimentar e fome. O conceito de segurana alimentar envolve
pelo menos quatro dimenses: 1 a primeira a dimenso da quantidade. necessrio um
consumo mnimo de calorias, protenas e vitaminas para uma vida ativa e saudvel. 2 a
segunda a dimenso da qualidade. A populao deve ter acesso a alimentos nutritivos. 3 a
terceira de regularidade: comer pelo menos trs vezes por dia. tomar caf da manh,
almoar e jantar todos os dias. 4 a quarta a da dignidade. Uma pessoa que se alimenta de
restos de restaurantes ou de lixes no possui segurana alimentar, embora possa at no se
enquadrar na categoria de subnutridos pelo critrio biolgico.
Concordamos com Maluf (2009), porm, na idia de que esto em curso, desde
2003, as discusses sobre as vrias dimenses da SAN, que perpassa trs vias: a primeira
corresponde s iniciativas dos CONSEAs de transformar as diretrizes aprovadas nas
Conferncias de SAN. A segunda, em dilogo com a anterior, refere-se evoluo do PFZ e
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dos vrios programas na rea dos alimentos e da alimentao. A terceira via congrega
mltiplas iniciativas na rea alimentar e nutricional, oriundas das organizaes da sociedade
civil, dos movimentos e redes sociais. Destaca-se, ainda, o recente crescimento de pesquisas
acadmicas e levantamentos estatstico sobre SAN.
Para Burlandy (2007), a SAN considerada, no Brasil, como um direito humano,
um bem pblico que se realiza por intermdio de polticas universais, garantido na Lei
Orgnica de Segurana Alimentar e Nutricional aprovada em 2006. A abordagem do Direito
Humano Alimentao Adequada (DHAA) considera que no basta garantir a SAN se os
processos pelos quais as aes so implementadas se pautam em relaes clientelistas se
baseiam em troca de favores ou no respeitam os valores culturais dos grupos atendidos.
Respaldado pela Lei Orgnica da Segurana Alimentar (2006), Maluf (2009) aponta como
diretrizes gerais de uma Poltica Nacional de SAN:
- Adotar a tica da promoo do direito humano alimentao adequada e
saudvel, colocando a SAN como objetivo estratgico e permanente associado
soberania alimentar;
- assegurar o acesso universal e permanente a alimentos de qualidade,
prioritariamente, atravs de gerao de trabalho e renda, regulando as condies
em que os alimentos so disponibilizados populao e contemplando aes
educativas em SAN;
- promover a produo rural e urbana e a comercializao de alimentos realizados
em bases socialmente equitativas, ambientalmente sustentveis e culturalmente
adequadas, com nfase na agricultura familiar;
- buscar a transversalidade das aes atravs de planos articulados
intersetorialmente e com a participao social equitativa, e apoiar as iniciativas
no governamentais;
- respeitar a equidade de gnero e tica, reconhecendo a diversidade e valorizando
as culturas alimentares e
- reconhecer a gua como alimento essencial e patrimnio pblico.
Em anlise sobre as bases de sustentao da poltica social brasileira, contudo,
Nri (2004) destaca trs pontos. O primeiro o PFZ. O autor aponta como uma qualidade
desse programa a capacidade de mobilizar a sociedade, porm, mais do que operacionais, seus
problemas foram de concepes. Buscou-se um combate literal fome, cerceando a liberdade
do pobre de escolher o que podia ou no consumir. A tentativa era aumentar a produo
agrcola e a capacidade de gerao de renda local. A segunda, o Programa Bolsa-Famlia,
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(PBF), que uma funo do Estado, para a qual ele insubstituvel, busca uma racionalidade
de aplicao dos recursos, procura atender a uma constatao de que no se gasta pouco na
rea social. O Brasil despende 21% do Produto Interno Bruto (PIB) no social. Nenhum pas
da Amrica Latina gasta mais do que o nosso, s que gastamos mal, historicamente, esses
recursos, o que acontece at hoje, porque herdamos muitos desafios do passado e no
transformveis em pouco tempo. O terceiro, constitudo por aes metropolitanas, e a est
faltando uma poltica integrada na linha do Programa Bolsa Famlia. Ela exige efetiva
coordenao dos vrios nveis de governo com a sociedade civil.
Sobre o Programa Bolsa-Famlia (PBF), apresentaremos o levantamento das
discusses sobre esta interveno, no campo da alimentao e nutrio, no captulo a seguir.
Pelo fato de o objeto em estudo ter como pano de fundo tal programa, coerente explorarmos
ao mximo os contedos disponibilizados na literatura.
2.2 Programa Bolsa-Famlia (PBF)
Aps analisar a trajetria das polticas sociais brasileiras, sob enfoque da
alimentao e nutrio, constatamos que o Programa Bolsa Famlia resulta das iniciativas dos
programas de transferncia de renda do Brasil.
As recentes transformaes operacionalizadas no interior das economias mundiais,
com o crescimento do desemprego e a apario de novas formas e/ou agudizao da pobreza,
associados chamada crise do Welfare State1, trazem tona o debate acerca dos limites dos
tradicionais programas sociais em responder s crescentes demandas sociais, impondo, assim,
novos dilemas para a interveno pblica (SENA et al., 2007).
Nesse mbito, de acordo com Burlandy (2007), no Brasil, houve uma opo
evidente de investimento do Governo Federal na Transferncia Condicionada de Renda
(TCR), complementando ou substituindo outros tipos de intervenes, como a distribuio de
alimentos e os programas de cupom-alimentao (implementados em alguns estados do Pas).
1 Utiliza-se uma definio bastante ampla de Welfare State, que entendido como a mobilizao em larga escala do aparelho do Estado em uma sociedade capitalista, a fim de executar medidas orientadas diretamente ao bem-estar de sua populao. No Brasil, a expresso conhecida como Estado de Bem-Estar Social. De acordo com seus princpios todo o indivduo teria o direito, desde seu nascimento at sua morte, a um conjunto de bens e servios que devem ter seu fornecimento garantido, seja diretamente pelo Estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentao sobre a sociedade civil. Esses direitos incluem a educao em todos os nveis, a assistncia mdica gratuita, o auxlio ao desempregado, a garantia de uma renda mnima, recursos adicionais para a criao dos filhos etc (MEDEIROS, 2001).
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Desde 2001, as aes de distribuio de alimentos para gestantes, nutrizes e
crianas em risco nutricional foram progressivamente substitudas pela TCR, num crescendo
de expanso de cobertura.
Silva (2006) aponta cinco momentos relevantes na constituio histrica da
poltica de transferncia de renda. O primeiro, no ano de 1991, marcado pelo incio de um
debate que se ampliou nos anos subseqentes. O segundo, ainda em 1991, com a introduo
da ideia de articulao da garantia de uma renda mnima familiar com a educao. ento
proposta uma transferncia monetria equivalente a um salrio mnimo a toda famlia que
mantivesse seus filhos ou dependentes de sete a 14 anos de idade frequentando regularmente a
escola pblica. Portanto, era o vnculo com a escola pblica que garantia a focalizao dos
programas de renda mnima nas famlias pobres, pela dificuldade de comprovao de renda
entre estas. O terceiro momento ocorreu em meados de 1995, com iniciativas municipais em
Campinas, em Ribeiro Preto e em Santos (So Paulo), e em Braslia (Distrito Federal). Trata-
se de experincias bastante diversas no que se refere a critrios de seleo, valor do benefcio
e formas de operao, entre outros, compartilhando uma grande riqueza em termos de
inovaes institucionais (DRAIBE, 2006). Em 2001, penltimo ano do governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso, marcando o quarto momento, com a criao de programas, com
destaque a Bolsa-Escola e a Bolsa-Alimentao. Esses programas foram implementados de
modo descentralizado e alcanaram a maioria dos 5.561 municpios brasileiros, assumindo
uma abrangncia geogrfica significativa e passando a ser considerados, no discurso do ento
Presidente da Repblica, o eixo central de uma grande rede nacional de proteo social. O
ano de 2003 foi o incio do quinto momento quando criado o Programa Bolsa-Famlia com a
misso de unificar os programas nacionais de transferncia de renda.
Algumas avaliaes a respeito dos programas brasileiros de garantia de renda
mnima (PGRM) apontam a vantagem da transferncia monetria direta na diminuio dos
custos administrativos do programa e na reduo da incidncia de fraudes e desvios de
recursos, alm de permitir a liberdade de escolha dos produtos por parte dos beneficirios,
quando comparada clssica modalidade de distribuio do benefcio in natura (LAVINAS,
2004). Ao mesmo tempo, os PGRMs tm como proposta promover a articulao com outras
polticas e programas sociais, criando a possibilidade de, em tese, romper com a fragmentao
tpica das polticas sociais brasileiras e facilitar a adoo de aes intersetoriais (SENA et al.,
2007).
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2.2.1 Caracterizao do Programa Bolsa-Famlia (PBF)
A Medida Provisria n132, logo depois convertida na Lei n 10.836, de 2004,
criou o Programa Bolsa-Famlia (PBF) que tem por finalidade a unificao dos procedimentos
da gesto e execuo das aes de transferncia de renda em implementao no Pas
(BRASIL, 2009).
O PBF est vinculado ao Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate
Fome, mais especificamente Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), e
constitui uma das prioridades do Governo Federal para a rea social.
O objetivo proteger o grupo familiar e contribuir para o seu desenvolvimento,
alm de assegurar o direito alimentao e preservar vnculos e valores familiares. O PBF
tem ainda o objetivo de superar a fome e a pobreza. Para isso articula trs dimenses: o alvio
imediato da pobreza; a exigncia do exerccio dos direitos sociais bsicos na rea da sade e
educao e a integrao dos programas complementares situado nas quatro esferas de
governos que tenham por objetivo o desenvolvimento das famlias (BRASIL, 2008).
A opo pela unificao dos programas de transferncia de renda no Brasil,
viabilizada pelo PBF, d-se mediante o diagnstico sobre os programas sociais em
desenvolvimento, levantado durante a transio do governo Fernando Henrique Cardoso para
o governo Lula. Esse diagnstico apontou alguns problemas:
- existncia de programas concorrentes e sobrepostos nos seus objetivos e no seu
pblico-alvo;
- ausncia de uma coordenao geral dos programas, propiciando desperdcio de
recursos, alm de insuficincia de recursos alocados;
- ausncia de planejamento gerencial dos programas e disperso de comandos em
diversos Ministrios;
- incapacidade no alcance do pblico alvo conforme os critrios de elegibilidade
estabelecidos pelos programas (BRASIL, 2002 apud SILVA e SILVA, 2008)
Portanto, o PBF se consolidou como uma poltica intersetorial voltada ao
enfrentamento da pobreza, ao apoio pblico e emancipao das famlias em situao de
vulnerabilidade socioeconmica, requerendo, para sua efetividade, cooperao interfederativa
e coordenao das aes dos entes pblicos envolvidos em sua gesto e execuo (BRASIL,
2005).
A implementao descentralizada do PBF foi assumida pelos municpios mediante
a assinatura do Termo de Adeso, onde os municpios se comprometem a instituir comit ou
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conselho local de controle social e indicar o gestor municipal do PBF, por determinao da
Portaria n 246, de 20 de maio de 2005, art. 2.
Sena et al. (2007) assinalam que, diferentemente dos programas de transferncias
de renda anteriores, que consideravam inelegveis famlias sem filhos, gestantes ou nutrizes,
o Bolsa-Famlia amplia, at certo ponto, seu escopo de atendimento, ao permitir o acesso
desse tipo de famlia ao Programa. Importante salientar que se trata ainda de uma
perspectiva restritiva, haja vista que o acesso das famlias sem filhos somente permitido
quelas que estiverem em situao de pobreza extrema.
Dessa forma, o foco deve ser a famlia, entendida como unidade nuclear,
eventualmente ampliada por pessoas ligadas por laos de parentesco ou afinidade,
constituindo um grupo domstico que partilha teto e a manuteno da famlia com a
contribuio de seus membros (SILVA e SILVA, 2008).
Para seus idealizadores, o PBF considerado uma inovao, por se propor a
proteger o grupo familiar como um todo, representado, preferencialmente, pela me; pela
elevao do valor monetrio do benefcio; pela simplificao e elevao de recursos
destinados a programas dessa natureza, propondo-se, tambm, simplificar e racionalizar o
acesso das famlias aos benefcios. Para Draibe (2006), o foco na famlia foi a forma
encontrada pelos formuladores de tais polticas para atingir seu principal pblico-alvo,
crianas e adolescentes, e inclu-los em outras polticas, sobretudo a de educao, tornando os
pais e os responsveis meros intermedirios. Se, de algum modo, tal anlise pode ser
transposta para o PBF, necessrio pensar em que medida a famlia (ou no), na realidade, a
unidade privilegiada e interveno do Programa.
A incluso das famlias elegveis para o PBF d-se desde que estas estejam
inscritas no Cadastro nico para Programas Sociais do Governo Federal (Cadnico). O
Cadnico a base de dados utilizada para o registro de informaes sobre as famlias com
renda mensal de at meio salrio mnimo por pessoa. A partir dele que feita a seleo de
beneficirios de alguns programas do Governo Federal como o PBF. Dessa forma, o
cadastramento no significa a insero automtica da famlia no Bolsa-Famlia. A seleo
depender dos critrios do Programa (BRASIL, 2009).
Assim sendo, o PBF adota como critrios de elegibilidade a incluso de famlias
extremamente pobres, consideradas as famlias com renda per capita mensal de at R$ 70,00,
independentemente de sua composio familiar e de famlias pobres, com renda per capita
mensal de at R$ 140,00, com crianas ou adolescentes entre zero e 17 anos, gestantes ou
nutrizes.
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Recentemente, houve o quarto reajustamento dos valores do benefcio, desde sua
criao, em 2003. Conforme o Decreto 7.447, de 01 de maro de 2011, so trs tipos de
benefcios:
Quadro 1- Tipo e Valor do benefcio das famlias cadastradas no PBF
Tipo do benefcio Valor do benefcio Perfil da famlia *
Benefcio Bsico R$ 70,00 Famlias que se encontram
em situao de extrema
pobreza
Benefcio Varivel R$ 32, 00 Famlia que se encontram em
situao de pobreza ou
extrema pobreza e que
tenham em sua composio
gestantes ou nutrizes,
crianas entre 0 a 12 anos ou
adolescentes at 15 anos**
Benefcio Varivel vinculado
ao adolescente (BVJ)
R$ 38,00 Famlia que se encontra em
situao de pobreza ou
extrema pobreza e que
tenham em sua composio
adolescentes de 16 e 17 anos
que estejam freqentando a
escola***
* Os benefcios podem ser cumulativos conforme a renda e a composio da famlia.
** A famlia pode receber at 3 benefcios variveis.
*** A famlia pode receber at 2 BJV
As famlias tm liberdade na utilizao do dinheiro recebido e podem permanecer
no Programa enquanto estiverem dentro dos critrios de elegibilidade e cumpram as
condicionalidades indicadas, desde que lhes sejam oferecidas condies para tal (SILVA e
SILVA, 2008).
As condicionalidades so os compromissos que as famlias beneficiadas assumem
nas reas da sade, educao e assistncia social.
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Educao: freqncia escolar mnima de 85% para crianas e adolescentes entre 6 e 15
anos e mnima de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos.
Sade: acompanhamento do calendrio vacinal e do crescimento e desenvolvimento
para crianas menores de 7 anos; e pr-natal das gestantes e acompanhamento das
nutrizes na faixa etria de 14 a 44 anos.
Assistncia Social: freqncia mnima de 85% da carga horria relativa aos servios
scio-educativos para crianas e adolescentes de at 15 anos em risco ou retiradas do
trabalho infantil (BRASIL, 2009).
O objetivo das condicionalidades no punir as famlias, mas responsabilizar de
forma conjunta os beneficirios e o Poder Pblico, que deve identificar os motivos do no
cumprimento das condicionalidades e implementar polticas pblicas de acompanhamento
para essas famlias (BRASIL, 2009).
Os efeitos decorrentes do descumprimento das condicionalidades do PBF so
gradativos e aplicados de acordo com os descumprimentos identificados no histrico da
famlia. Esses efeitos vo desde a advertncia da famlia, passando pela suspenso do
benefcio, podendo chegar ao cancelamento se o descumprimento for repetido em cinco
perodos consecutivos. Conforme o seguinte:
- advertncia, no primeiro registro de descumprimento;
- bloqueio do benefcio por um ms, no segundo registro de descumprimento;
- suspenso do benefcio por dois meses, no terceiro registro de descumprimento;
- suspenso do benefcio por dois meses, no quarto registro de descumprimento;
- cancelamento do beneficio, no quinto registro de descumprimento
(BRASIL, 2009).
As famlias beneficirias do PBF, cujos adolescentes de 16 e 17 anos, que sejam
beneficirios do BVJ, descumprirem as condicionalidades, ficam sujeitas, no que se refere a
este benefcio, aos seguintes efeitos, aplicados de forma sucessiva:
- advertncia, no primeiro registro de descumprimento do adolescente;
- suspenso do BVJ por dois meses, no segundo registro de descumprimento do
adolescente;
- cancelamento do BVJ, no terceiro registro de descumprimento do adolescente
(PORTARIA 321 DE 29 DE SETEMBRO DE 2008).
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vlido salientar que existe um debate crtico de pensadores especializados na
rea em relao ao desenho do PBF sob a ptica dos direitos humanos.
Sobre a focalizao do Programa, Sena et al. (2007) criticam o fato de a renda
monetria ser critrio nico de seleo das famlias. Para os autores somente a renda no
suficiente para qualificar a pobreza, fenmeno multifacetado que engloba outras dimenses de
vulnerabilidade social, tais como: sade, esperana de vida, educao, saneamento e acesso a
bens e servios pblicos. Alm disso, a definio de um valor per capita muito baixo tende a
impossibilitar a incluso de famlias que, embora tenham uma renda um pouco acima do valor
definido, encontram-se em situao de pobreza. Outro aspecto do qual que no se pode
esquecer a questo de o valor definido estar desvinculado do salrio mnimo ou de qualquer
outro ndice de reajuste deste valor, o que implica tornar este critrio cada vez mais restritivo.
Zimmermann (2006) acrescenta que existe uma limitao da quantidade de
famlias a serem beneficiadas em cada municpio. Dessa forma, o Bolsa-Famlia no garante o
acesso irrestrito ao benefcio. Posto isso, o PBF no concebido com base na concepo de
garantir o benefcio a todos os que dele necessitem, ao contrrio, adota uma seletividade, por
vezes excludente.
Em relao s condicionalidades do Programa, existe uma polmica que perpasssa
o reconhecimento de que elas potencializam as demandas sobre os servios de educao e
sade, o que de certa forma, pode representar uma oportunidade para ampliar o acesso de uma
parcela significativa da populao aos circuitos de ofertas de servios sociais, porm, ao ser
exigido o cumprimento de obrigatoriedades como condio para o exerccio de um direito
social, os prprios princpios de cidadania podem estar ameaados (SENA et al., 2007).
Zimmermann (2006, p.151), ao analisar as condicionalidades do PBF recupera o
Comentrio Geral n. 12, elaborado pelo Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Naes Unidas, reforando o pensamento de
que essas condicionalidades ferem o direito individual a ser garantido de maneira universal e
incondicional ao ser humano. O Comentrio Geral n. 12 das Naes Unidas define que o direito alimentao adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criana, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso fsico e econmico, ininterruptamente, alimentao adequada. Para atingir tal propsito, cada Estado fica obrigado a assegurar a todos os indivduos, que se encontrem sob sua jurisdio, o acesso quantidade mnima essencial de alimentos. Ressalta-se que essa quantidade deve ser suficiente, garantindo que todos esses cidados estejam de fato livres da fome. Sob a tica dos direitos, a um direito no se deve impor contrapartidas, exigncias ou condicionalidades, uma vez que a condio de pessoa deve ser o requisito nico para a titularidade de direitos.
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Mencionado autor ainda ressalta que a responsabilidade em garantir o provimento
e a qualidade desses servios aos beneficiados compete aos poderes pblicos responsveis.
Com efeito, a obrigao do cumprimento das condicionalidades cabe a esses poderes e no s
pessoas. O Estado em hiptese alguma dever punir ou excluir as famlias beneficiadas pelo no cumprimento das condicionalidades. Dever- se- ia responsabilizar os municpios, estados e outros organismos governamentais pelo no cumprimento de sua obrigao em garantir o acesso aos direitos atualmente impostos com condicionalidades (ZIMMERMANN, 2006, p.152).
Deve-se expressar tambm que existem ainda municpios com limitaes em
trabalhar com banco de dados de forma sistemtica, ou ainda no se tem uma cobertura de
ateno bsica satisfatria. Ento, um erro de registro do resultado do acompanhamento das
condicionalidades e a no oferta de servios relativos s condicionalidades poderia acarretar
prejuzos s famlias beneficiadas, considerando que prerrogativa dos municpios manter
atualizados os sistemas de informao e ofertar os servios referentes s condicionalidades.
A rigor, a ideia-chave do acompanhamento das condicionalidades deveria
englobar aes sociais mais amplas, com vistas a potencializar uma rede de proteo social
em torno dos beneficirios do Programa. Desse modo, se, por um lado, essa perspectiva do
acompanhamento est vinculada concepo de condicionalidade como estratgia que visa a
interferir nas situaes estruturais responsveis pela persistncia da pobreza, de outra parte, a
legislao que regulamenta a forma da gesto do acompanhamento das condicionalidades se
aproxima bem mais da concepo de punio e fiscalizao do que propriamente dos
objetivos enunciados de insero social (MONERAT et al., 2007).
Outro ponto de vista importante a considerar trata-se da perspectiva de o PBF
estar tambm ancorado oferta de programas complementares, como os programas de
gerao de emprego e renda, por exemplo, que, na teoria, seria possvel sua operacionalizao
de forma cooperativa entre as esferas de governo e com base na intersetorialidade. Como
lembram Sena et al. (2007), contudo, mesmo reconhecendo a relevncia das aes
complementares, estas no aparecem como obrigao dos entes federados e, portanto, no
constituem contrapartidas. Neste caso, no h definio de estratgias de implementao, o
que demonstra total ausncia de induo para aes que so, no plano dos discursos oficiais,
consideradas porta de sada do Programa e da situao de pobreza.
Para apoiar os municpios nas aes da gesto do PBF, o Ministrio do
Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) criou o ndice de Gesto Descentralizada
(IGD), que mede a qualidade da gesto do Programa e garante o repasse mensal de recursos
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financeiros, de forma regular e automtica, aos municpios que apresentarem bom
desempenho (BRASIL, 2008). O IGD calculado com base em 4 (quatro) variveis que
representam, cada uma, 25% do seu valor total. So as seguintes:
- qualidade e integridade das informaes constantes no Cadastro nico;
- atualizao da base de dados do cadastro nico;
- informaes sobre as condicionalidades da rea de Educao e
- informaes sobre as condicionalidades da rea de Sade (BRASIL, 2008)
A orientao de que os municpios tm autonomia para definir quais as suas
prioridades para utilizao dos recursos do IGD. Essa deciso depender da necessidade de
cada municpio, de suas prioridades e da legislao financeira e oramentria local, que
determina de que forma os recursos podem ser incorporados ao oramento (BRASIL, 2008).
Conforme (BRASIL, 2009), o PBF atende mais de 11 milhes de famlias em
todos os municpios brasileiros. Dentre os principais resultados, apontam: o PBF est bem
focalizado, ou seja, efetivamente chega s famlias que dele necessitam e que atendem aos
critrios da lei; o Programa contribui de forma significativa para a reduo da extrema
pobreza e da desigualdade e contribui para a melhoria da situao alimentar e nutricional das
famlias beneficirias.
A distribuio dos beneficirios do PBF pelas regies aponta que o Nordeste,
concentra metade do total das famlias beneficiadas. Em 2004, a Regio totalizava 3,3
milhes de famlias, o equivalente a 50,5%. Em 2007, o nmero de famlias atendidas pelo
PBF j era de 5,6 milhes, representando 50,47%, um crescimento de 67,9% em relao ao
ano de 2004. Em seguida, a regio Sudeste apresentou a segunda maior participao. Em
mdia, considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve uma participao de 26,3%,
enquanto as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste) apresentaram uma distribuio
espacial mdia de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente (PEQUENO, 2009).
No h dvidas de que o Bolsa-Famlia vem atende quantitativamente a um
pblico altamente significativo, sobretudo se considerados os programas sociais anteriores
que se direcionavam ao atendimento de famlias pobres, com a cobertura de todos os
municpios brasileiros. H que se destacar, entretanto, o valor muito baixo transferido para as
famlias, fator limitante quando a proposio mais do que administrar ou controlar a
pobreza, mas a sua superao (SILVA e SILVA, 2008).
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Consideramos tambm que o valor repassado s famlias beneficiadas pelo PBF
insuficiente para promover uma alimentao saudvel s crianas beneficiadas e suas
famlias.
Zimmermann (2006) prope como critrio para a avaliao das polticas pblicas
de transferncia de renda o custo da cesta bsica nacional. A cesta bsica nacional calcula o
sustento e o bem-estar de uma pessoa em idade adulta, contendo quantidades balanceadas de
protenas, calorias, ferro, clcio e fsforo. De acordo com esse parmetro, os valores dos
programas de renda mnima, como o Bolsa-Famlia, deveriam ter como critrio o custo da
cesta bsica nacional.
O valor do Programa Bolsa Famlia, entretanto, viola o direito humano
alimentao, uma vez que o mesmo insuficiente para aliviar a fome de uma famlia
brasileira, conforme demonstram os dados da Cesta Bsica Nacional do Departamento
Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos (DIEESE). A pesquisa da Cesta
Bsica Nacional, realizada pelo mesmo rgo, em junho de 2005, em 16 capitais do Brasil,
considera que um trabalhador em idade adulta necessitaria do valor de R$ 159,29 para
satisfazer as necessidades alimentares mnimas (rao essencial mnima). Aumentar o valor
da transferncia do Bolsa-Famlia para o equivalente da Cesta Bsica Nacional do DIEESE
deve ser uma medida a ser adotada, para que se garanta minimamente o direito humano
alimentao, principalmente no que tange sua obrigao em adotar medidas concretas para
acabar com a fome (ZIMMERMANN 2006).
Com efeito, a discusso se dar agora especificamente para a questo da
alimentao infantil saudvel, aspecto de destaque no estudo e considerado pelo MSD (2009)
como um dos principais resultados do PBF, como vimos nas discusses acima.
2.3 O Iderio da Alimentao Infantil (zero a cinco anos)
A alimentao e a nutrio constituem requisitos bsicos para a promoo e a
proteo da sade, possibilitando a afirmao plena do potencial de crescimento e
desenvolvimento humano, com qualidade de vida.
Recentemente, no Brasil, se intensificou as discusses em torno da alimentao e
sua influncia no processo sade-doena, fato que a sabedoria popular e alguns estudiosos da
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antiguidade j afirmavam: Deixe que a alimentao seja o seu remdio e o remdio a sua
alimentao (Hipcrates). O destino das naes depende daquilo e de como as pessoas se
alimentam. (BRILLAT-SAVARIN, 1825 apud BRASIL, 2006).
Conforme Azevedo (2008), a partir dos anos 1990, o foco da educao nutricional
no Brasil foi a promoo de prticas alimentares saudveis, aliada discusso do acesso ao
alimento de qualidade em quantidade suficiente como um direito humano, e ao contexto da
alimentao com carter de preveno de doenas. Atualmente, esse enfoque persevera e, a
partir da Estratgia Global para a Promoo da Alimentao Saudvel, Atividade Fsica e
Sade, lanada em 2003 pela Organizao Mundial da Sade, o Programa Nacional de
Alimentao Saudvel elaborou uma estratgia brasileira, prevendo o estmulo a uma dieta
saudvel, aliada a prticas saudveis. Hoje, a Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio
(PNAN) ainda amplia os