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LÍDIA LEVY LYGIA SANTA MARIA AYRESSTELLA ARANHA
ORGANIZAÇÃO SOLANGE FERREIRA DE MOURA1ª edição
SESES
rio de janeiro 2014
Livro didático de Psicologia aplicada ao Direito
Comitê editorial externo lidia levy e lygia santa maria ayres
Comitê editorial interno solange ferreira de moura, camille guimarães e stella aranha
Organizadora do livro solange ferreira de moura
Autores dos originais lídia levy, lygia santa maria ayres e stella aranha
Projeto editorial roberto paes
Coordenação de produção rodrigo azevedo de oliveira
Projeto gráfico paulo vitor fernandes bastos
Diagramação paulo vitor fernandes bastos
Supervisão de revisão aderbal torres bezerra
Revisão linguística michele paiva
Estagiário ricardo ribeiro
Capa paulo vitor bastos
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
L784 Livro didático de Psicologia aplicada ao Direito
solange ferreira de moura [organizador].
— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2014.
128 p
isbn: 978-85-60923-21-2
1. Psicologia. 2. Direito. I. Título.
cdd 158
Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento
Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5
1. Breve história do encontro entre a Psicologia e o Direito 7
O que é Psicologia? Um breve percurso histórico 8
Psicologia científica e senso comum 11
Objetos de estudo da Psicologia e fenômenos psicológicos 13
Teorias da Psicologia 15
A Psicologia no Brasil 21
A interseção entre a Psicologia e o Direito 22
2. Noções introdutórias de Psicologia 27
A formação do indivíduo 28
Desenvolvimento humano 29
Personalidade 35
Psicologia social 39
3. A Família 47
A família e suas transformações: um breve histórico 48
Tipos de famílias 51
A construção da parentalidade: relações afetivas 56
Conjugalidade X Parentalidade: separações e recasamentos 58
O princípio constitucional do melhor interesse da criança 59
Alguns exemplos para reflexão 65
Paradoxos da contemporaneidade que merecem uma discussão 67
4. Abordagem psicológica da violência 71
Introdução 72
Definição de violência e agressividade 72
Algumas teorias sobre a agressividade 73
Formas de violência 74
Comportamentos antissociais 77
Transtorno desafiador opositivo 80
Transtorno de conduta 81
Transtorno de personalidade antissocial 82
Bullying e assédio moral 84
O psicólogo e a violência 87
5. A psicologia e suas interfaces com os sistemas jurídico e judiciário 91
Direito e Justiça 92
Psicologia, o Judiciário e a busca do acesso à justiça 93
Justiça Restaurativa X Justiça Retributiva ou Tradicional 94
Caracterização do conflito 97
Mecanismos de autocomposiçãodos conflitos 99
Técnicas para obter uma comunicação construtiva levando à solução de conflitos 100
6. As práticas psicológicas e suas aplicações no judiciário 105
A prática do psicólogo na área Cível e de Família 107
A prática do psicólogo e as questões da infância, juventude e do idoso 108
Atuação do Psicólogo nas Varas Criminais e no Sistema Penitenciário 113
A prática do psicólogo nos juizados especiais criminais e juizado da violência doméstica
e familiar contra a mulher 114
O processo de avaliação psicológica no judiciário: questões fundamentais 116
Perito psicólogo x assistente técnico 117
Documentos elaborados pelo psicólogo no judiciário 118
Questões éticas ligadas ao psicólogo no judiciário 120
Palavras finais 125
5
Prefácio
Caros Estudantes de Direito,
Este livro complementa o material didático do primeiro período dos Cursos de Direito
da Rede Estácio de Educação Superior.
O Direito é uma Ciência Social Aplicada e, como tal, dialoga com outras ciências —
essenciais para sua compreensão. A abordagem interdisciplinar da sua formação jurídica,
que ora se inicia, deverá nortear todos os seus estudos.
As relações entre a Psicologia e o Direito, bem como as noções introdutórias da Psicolo-
gia, foram o objeto desta obra, que contou com três autoras excepcionais tanto na compe-
tência técnica quanto na abordagem didática de temas científicos.
As noções de Psicologia são essenciais na formação dos profissionais para as carreiras
jurídicas. Por esta razão, constituem conteúdo mínimo obrigatório pelas diretrizes curricu-
lares do MEC, assim como a Antropologia, a Sociologia e a História.
Os livros didáticos de Fundamentos das Ciências Sociais, História do Direito Brasilei-
ro, Introdução ao Estudo do Direito e Psicologia Aplicada ao Direito foram concebidos de
modo orgânico, para que possibilitem a construção do conhecimento complexo, por meio
de relações estabelecidas sobre temas comuns, examinados à luz de ciências diferentes.
Os livros didáticos dialogam com os Planos de Ensino e de Aula das disciplinas, que de-
vem ser acessados, via ambiente virtual de aprendizagem, semanalmente, estudados antes
das aulas, assim como devem ser lidos os capítulos dos livros.
Estudando regularmente todas as disciplinas, com método, desde o primeiro período,
você estará sedimentando bases sólidas para a construção de seu conhecimento acadêmico.
Bons estudos!
profª. solange ferreira de moura.
diretora nacional do centro de ciências jurídicas
rede estácio de educação superior
Breve história do encontro entre a Psicologia e o Direito
lygia santa maria ayres
11
8 • capítulo 1
Pensar e problematizar o encontro entre a Psicologia e o Direito nos faz
necessariamente passear e transitar pela História desses dois campos
de atuação profissional. Vocês verão o universo do Direito, sem dúvida,
quase o tempo todo durante o curso de graduação, por isso o da Psico-
logia será aqui introduzido salientando seus primeiros caminhos, suas
influências, seus objetos de estudo e fenômenos psicológicos, os dife-
rentes marcos teóricos que fundamentam os fazeres psi, bem como sua
legitimação enquanto ciência e profissão no Brasil.
Indiscutivelmente nossa viagem será breve, mas profícua, na medida
em que o acúmulo de informações nos possibilitará tecer redes de conheci-
mento, de interseção entre essas duas disciplinas: a Psicologia e o Direito.
O que é Psicologia? Um breve percurso histórico
Tomemos inicialmente, sem maiores questionamentos, a Psicologia
como estudo do ser humano.
Começaremos nosso percurso histórico conhecendo a palavra
psicologia.
A definição de psicologia pode ser dada por sua origem
grega: Ψυχολογία =Psyche+logia. Psyche quer dizer alma ou
mente e também era o nome da Deusa Psiquê, onde, na mito-
logia grega era esposa de Eros, o nosso famoso cupido.
Notem que a primeira letra, Ψ (psi), é o
símbolo da Psicologia, a figura anterior. Lo-
gia vem de logos, que quer dizer: discurso, co-
nhecimento, ciência. Desse modo, Psicologia é a ciência da alma e da
mente. É a ciência que estuda a mente e o comportamento.
Como qualquer disciplina, a Psicologia não nasceu do nada, e sim
emergiu com fortes influências de outras áreas de conhecimento, den-
tre elas a Filosofia e a Fisiologia, e a Medicina, tentando compreender e
desvendar o binômio mente e corpo.
Influências Filosóficas
No que tange à Filosofia, Aristóteles foi um dos primeiros filósofos de real
importância para a Psicologia ao argumentar que nossos atos são contro-
lados pela razão, e nela reside o raciocínio com base nos dados dos senti-
ΨSímbolo da psicologia
1AUTOR
Aristóteles
Foi um filósofo grego, aluno de Platão. Seus
escritos abrangem diversos assuntos, como
a física, a metafísica, as leis da poesia e do
drama, e a música. Nasceu em 384 a.C. e
faleceu em 322 a.C. Suas principais obras
foram: Ética a Nicômaco e Política.
Breve história do encontro entre a Psicologia e o Direito
capítulo 1 • 9
dos. Para Aristóteles, o mundo é dividido em orgânico e inorgânico, sen-
do o orgânico que encerra em si a capacidade de se transformar. Afirma,
ainda, a alma como a essência do ser humano. Isto é, a função do homem
é a atividade da sua alma que segue ou implica um princípio racional, jus-
tificando sua afirmação de que o homem é um ser racional.
Descartes foi outro importante nome na história da Psicologia Mo-
derna. Sua maior contribuição funda-se na tentativa de resolução do
problema mente-corpo, que era uma questão controversa e que perdu-
rava desde o tempo de Platão. Descartes rompeu com o ideal monista
de corpo e mente como uma só entidade e trouxe a posição dualista, na
qual corpo e mente são entidades de naturezas distintas. Para o filósofo,
ambas têm a capacidade de influenciar e ser influenciada pela outra. Ou
seja, assim como a mente influencia o corpo, esse também influencia a
mente de um modo muito maior do que se podia imaginar. O dualismo
cartesiano (corpo e mente) ainda encontra eco na contemporaneidade.
Se não mais pela via corpo-mente mas pelo dualismo individuo x socie-
dade; normal x patológico.
Após Descartes, a Ciência Moderna e a Psicologia alavancaram e, em
meados do século XIX, o pensamento europeu foi impregnado por um
novo espírito: o Positivismo e AugusteComte foi o grande responsável
por essa concepção.
O Positivismo é uma corrente filosófica que tem como base a exalta-
ção dos fatos. O conhecimento se afirma em uma verdade comprovada,
utilizando o método experimental como um caminho para o pensamen-
to científico, no qual a verdade comprovada é inquestionada.
Concomitantemente, surgia na Europa, com John Locke, o pensa-
mento empirista.
A doutrina do empirismo foi definida explicitamente pela primeira vez
pelo filósofo inglês John Locke no século XVII. Locke argumentou que a
mente seria, originalmente, um “quadro em branco” (tábula rasa), sobre o
qual é gravado o conhecimento, cuja base é a sensação. Ou seja, todas as
pessoas, ao nascer, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impres-
são nenhuma, sem conhecimento algum. Todo o processo do conhecer, do
saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro.
Positivismo e empirismo converteram-se nos alicerces filosóficos de
uma nova Psicologia, na qual os fenômenos psicológicos eram constitu-
ídos de provas factuais, observacionais e quantitativas. O status de ciên-
cia rondava a Psicologia.
LEITURA
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: Romance da História da Filosofia. São Pau-
lo: Companhia das Letras, 1995.
AUTOR
Descartes
René Descartes foi um filósofo, físico
e matemático francês. Nasceu em 31
de março de 1596 e faleceu em 11 de
fevereiro de 1650, em Estocolmo, na
Suécia. Suas principais obras foram:
Discurso sobre o Método, Meditações
sobre Filosofia.
AUTOR
Auguste Comte
Isidore Auguste Marie François Xavier
Comte foi um filósofo francês, fundador
da Sociologia e do Positivismo, traba-
lhou intensamente na criação de uma
filosofia positiva. Nasceu em 19 de ja-
neiro de 1798 e morreu em 1857.
AUTOR
John Locke
John Locke foi um filósofo inglês e ide-
ólogo do liberalismo, sendo considerado
o principal representante do empirismo
britânico e um dos principais teóricos
do contrato social. Nasceu em 1632 e
morreu em 1704.
10 • capítulo 1
Influências Fisiológicas
Com relação à Fisiologia, esta propõe um estudo do homem como ser or-
ganizado e semelhante a outros seres que se organizam química e botani-
camente rejeitando, assim, o estudo da alma. A Fisiologia aposta no estu-
do do cérebro, onde se localizam as propriedades e as funções da alma.
As influências da Fisiologia, na Psicologia, ocorrem em virtude das
diferenças individuais dadas pelos fatores pessoais que foram recebidas
e sobre as quais não se tem controle. Trata-se da subjetividade influen-
ciando na percepção dos fatores cognitivos. Os cientistas, no final do sé-
culo XIX, passaram à investigação e ao estudo dos órgãos dos sentidos,
através dos quais recebemos a informações acerca do mundo.
Inúmeros foram os pesquisadores que se debruçaram sobre o méto-
do experimental no campo da Psicologia e realizaram estudos sobre o
comportamento, os movimentos involuntários, os reflexos, a memória,
o desenvolvimento infantil, entre outros.
O primeiro laboratório psicológico foi fundado pelo médico alemão
WilhelmWundt, em 1879, em Leipzig, na Alemanha. Seu interesse se ha-
via transferido do funcionamento do corpo humano para os processos
mais elementares de percepção e a velocidade dos processos mentais
mais simples. Esse laboratório formou a primeira geração de psicólogos
preocupados com a Fisiologia. Os trabalhos de Wundt, Weber, Titchener
foram pioneiros para a consolidação do estruturalismo na Psicologia.
Estruturalismo
O estruturalismo define a Psicologia como ciência da consciência ou
da mente, definição herdada de Wundt. Mostra-nos que a mente seria a
soma dos processos mentais.
Edward Titchener afirmava que cada totalidade psicológica com-
põe-se de elementos. O objetivo da Psicologia seria a tarefa de descobrir
quais são os elementos mentais, o conteúdo e a maneira pela qual se es-
trutura. Titchener considera que os elementos ou as unidades que com-
põem o conteúdo da mente são as sensações, as imagens, as afeições e
os sentimentos. Usa-se a introspecção para chegar a eles, por meio de
uma observação treinada e preparada para garantir os dois pontos es-
senciais de toda a observação: a atenção e o registro do fenômeno.
Introspecção é o ato pelo qual o sujeito observa os conteúdos de seus
próprios estados mentais, tomando consciência deles. Dentre os possí-
veis conteúdos mentais passíveis de introspecção, destacam-se as cren-
ças, as imagens mentais, memórias (sejam visuais, auditivas, olfativas,
sonoras, tácteis), as intenções, as emoções e o conteúdo do pensamento
em geral (conceitos, raciocínios, associações de ideias).
Fugindo ao estruturalismo, WilliamJames propôs o funcionalismo
que tem por base a afirmação de que a consciência é subjetiva, está em
AUTOR
Wilhelm Wundt
Wilhelm Maximilian Wundt foi um médi-
co, filósofo e psicólogo alemão. É consi-
derado um dos fundadores da moderna
Psicologia experimental junto com Ernst
Heinrich Weber e Gustav Theodor Fe-
chner. Nasceu em 1832 e faleceu em
1921, na Alemanha.
AUTOR
William James
William James foi um dos fundadores
da Psicologia Moderna e importante fi-
lósofo ligado ao pragmatismo; formado
como médico. Nasceu em Nova Iorque,
EUA, em 11 de janeiro de 1842, e fale-
ceu em Nova Hampshire, EUA, em 26
de agosto de 1910.
capítulo 1 • 11
constante movimento de evolução, é seletiva na escolha dos inúmeros
estímulos que a bombardeiam e tem como função principal a adaptabi-
lidade dos indivíduos aos seus ambientes.
Funcionalismo
Os funcionalistas queriam estudar o propósito, ou função da cons-
ciência e seus processos mentais básicos. Para os funcionalistas, o
estudo dos processos conscientes não se limitava a uma descrição de
elementos, conteúdos e estruturas. A mente consciente é, para ele,
um constante fluxo, uma característica da mente em constante inte-
ração com o meio ambiente. Por isso sua atenção estava mais voltada
para a função dos processos mentais conscientes. Na Psicologia, a
seu entender, deveria haver espaço para as emoções, a vontade, os
valores, as experiências religiosas e místicas — enfim, tudo o que faz
cada ser humano único.
Escapando de uma análise de certo modo cronológica das influên-
cias de outros saberes na Psicologia, Foucault nos apresenta outro cená-
rio. O autor, em seus estudos focados na problematização das relações
de verdade e de saber-poder na contemporaneidade, refere-se à inven-
ção da “Psicologia como um saber a serviço da disciplinarização”. Pode-
mos afirmar que, para Foucault, o surgimento, assim como a história da
Psicologia, não é somente um fato histórico do qual se pode contar seu
desenrolar. Mas uma convergência de inúmeros fatores como o exame,
a prática conjunta entre Direito e Medicina, a produção de mecanismos
de controle, as relações de poder e produções de verdade.
RESUMO
Respondendo à nossa demanda inicial, o que é a Psicologia?, concluímos que é uma
disciplina, uma profissão, uma área do conhecimento que, ao estudar o homem, convi-
ve com a Antropologia, com a Filosofia, com a Fisiologia, com a Medicina, com a Socio-
logia, com a Física, com o Direito numa relação horizontalizada e de atravessamentos.
A singularidade do saber psicológico centra-se nos estudos do Ho-
mem, seus desejos, percepções, discursos/práticas enquanto um ser so-
cial datado historicamente capaz de influenciar e ser influenciado por
diferentes atores e cenários socioeconômicos-políticos.
Psicologia científica e senso comum
Há milhares de anos, desde que o Homem se viu como um ser pen-
sante, inserido em um complexo que chamou de Natureza, ele vem
buscando respostas para seus questionamentos acerca da origem e
AUTOR
Foucault
Michel Foucault, filósofo francês e his-
toriador das ideias, nasceu na França,
em 1926, e faleceu em 1984. Possui
vasta obra que atravessam a Medicina,
a Psicologia e o Direito. Destacam-se:
Vigiar e Punir, A História da Loucura, A
verdade e as formas jurídicas, A ordem
do Discurso.
12 • capítulo 1
das causas das transformações do mundo. Nesse sentido, o compor-
tamento e a conduta humana são temas que sempre fascinaram aos
pensadores e estão registrados historicamente ao longo dos anos.
Ora, isso nos faz pensar que a Psicologia seja uma das mais antigas e
uma das mais novas disciplinas acadêmicas.
Entende-se por Psicologia do senso comum ou Psicologia ingênua,
o conjunto de ideias, crenças e convicções transmitidas culturalmente
e que cada indivíduo possui a respeito de como as pessoas funcionam,
se comportam, sentem e pensam. Essas crenças e convicções que estão
profundamente arraigadas no ser humano carecem de fundamentação
e estudo experimental, pois se sustentam nas observações do dia a dia
e servem de base para as decisões que as pessoas tomam no cotidiano.
Do ponto de vista da Psicologia ingênua, conhecer alguma coisa é estar
consciente dela. Nesse sentido, a teoria ingênua não se refere a ideias,
percepções, motivos ou sentimentos inconscientes.
FritzHeider (1958) foi um dos principais nomes ligados à formula-
ção dos princípios da Psicologia do senso comum. Para o autor, a teoria
do senso comum é um auxílio para a construção da teoria cientifica e
uma fonte de hipóteses.
Nesse sentido, defende que a tarefa da Psicologia científica não é
refutar a Psicologia do senso comum, mas desenvolvê-la e sistematizá
-la na medida em que a Psicologia ingênua contém um conhecimento
espontâneo das reações e relações humanas. Defende ainda a tese que
muitas teorias científicas de Psicologia podem ser compreendidas como
negações de uma ou outra suposição do senso comum. Por exemplo, a
Psicanálise se desenvolveu sob a negação da suposição de que todo pen-
samento é consciente, premissa da teoria ingênua.
Em contraponto à teoria do senso comum, a teoria científica se dedi-
ca à descrição, à explicação, à previsão e ao controle do desenvolvimento
do seu objeto de estudo.
Para se estabelecer enquanto ciência válida frente a um objeto de
pesquisa cambiante e errante, a Psicologia teve de se filiar à lógica das
ciências naturais, que neste momento já eram consolidadas no campo
epistemológico. A Psicologia foi herdeira então do pressuposto de que:
“... o caminho de todo conhecimento científico deve passar pela deter-
minação de relações quantitativas, pela construção de hipóteses e pela
verificação experimental” (FOUCAULT, 2011, p. 133).
A ciência psicológica, para ratificar as exigências naturalistas,
buscou no ser humano aquilo que respondesse às indagações quan-
titativas e empíricas, tendo como ferramenta central o comporta-
mento humano. Ao se firmar apenas neste solo naturalista, acabou
negando o próprio homem em sua humanidade, reduzindo-o àquilo
que pudesse ser visto e medido.
AUTOR
Fritz Heider
Fritz Heider era um psicólogo austría-
co que nasceu em 1896 e faleceu em
1988. Em 1958, publicou Psicologia
das relações interpessoais, que levou
15 anos para ser escrito.
capítulo 1 • 13
Objetos de estudo da Psicologia e fenômenos psi-cológicos
Como já vimos rapidamente, no item anterior, o objeto de estudo da Psicologia é indiscutivel-
mente o Homem em sua integralidade/humanidade.
Homem, enquanto ser simbólico, capaz de perceber, de refletir, de sentir e de signifi-
car e resignificar o mundo constantemente. Sua capacidade de linguagem e raciocínio o
possibilita transformar suas relações com o mundo e com os outros homens. Enquanto ser
histórico, é capaz de criar história, de perceber passado, presente e futuro, de ter planos,
projetos, medos, sonhos, expectativas e desejos.
Dois grandes vetores estabelecem os caminhos para o fazer psicológico:
1 A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO
Nesse instante, tentando entender os objetos da Psicologia, cabe uma indagação: Quem é,
então, o Homem na Psicologia?
• Há os que atribuem as características humanas a nossa herança genética, e o seu de-
senvolvimento a um processo de maturação. Para esses, os fenômenos psicológicos são
basicamente fenômenos orgânicos (neuropsicológicos) como: a percepção, a memória, as
emoções, a atenção, dentre outros.
• Outros pontuam o meio ambiente como o responsável pelo desenvolvimento de ha-
bilidades e de competências. A parcela de psicólogos que se ancora nessa concepção
teórica, apresenta uma preocupação em aplicar técnicas e métodos sem levar em conta a
realidade e as condições em que o indivíduo se insere, preocupando-se apenas em interpretar
os fenômenos psicológicos isoladamente. Dessa forma, tentam fazer com que o indivíduo se
adapte a determinado contexto, como se uma nova estruturação do homem fosse suficiente
para sua adequação psíquica e social, ignorando seus direitos como indivíduo diferenciado.
Os problemas que o indivíduo apresenta passam a ser interpretados como crises individuais,
ignorando-se que possam ser decorrentes das condições sociais do sujeito, acobertando a
realidade de vida e retornando ao indivíduo a total responsabilidade pelo seu bem-estar.
Dessa forma, a prática psicológica decorrente dessas concepções tem sua ênfase na doen-
ça, na falta, nas dificuldades, nos desequilíbrios e nos desajustes. Portanto, se definirá como
uma intervenção dita terapêutica, na direção de uma possível e desejável “cura”. O psicólogo
aparece, então, como alguém com condições para ajudar aos outros na busca daquilo que lhe
é desconhecido e que denominamos felicidade, equilíbrio ou algo parecido, sendo ele capaz
de acompanhar os destinos dos outros, converter muitas vezes suas percepções e “consciên-
cias”; estruturar e transformar personalidades. Enfim, supostamente “humanizar”.
• Outros apostam na visão sistêmica, isto é, sem negar a herança genética, propõem que nos
tornamos pessoas por intermédio de outras pessoas. Para estes, dentre os quais nos incluímos,
14 • capítulo 1
o desenvolvimento se dá nas e por meio das interações estabelecidas
com os outros seres humanos, em ambientes físicos e sociais, cultural-
mente e historicamente construídos. Nessa visão, o objeto de estudo da
Psicologia é o Homem pensado como um ser social datado e construído
historicamente, e a Psicologia como o estudo do ambiente social humano
enquanto uma rede de significações.
Resolvida então a questão do Homem na Psicologia passemos ao ou-
tro vetor.
2 MODO DE ABORDAR, INTERVIR E ESCUTAR O HOMEM
O segundo vetor refere-se ao modo de abordar, intervir e escutar o Ho-
mem. No processo de escuta se expressa tanto o que se deseja escutar,
o que se pede para falar e o que é falado, o que se oferta e o que se
demanda. Nesse sentido, o que é privilegiado no processo de escuta, o
que é desprezado, silenciado ou acolhido, diz respeito às implicações e
aos encontros que se efetuam entre os sujeitos em questão. Nessa ótica,
dentre milhares de possibilidades de construção de uma entrevista, de
uma escuta, duas delas nos interessam particularmente: a escuta-surda
e a escuta-experimentação.
• Escuta surda: essa tomada como retrato e dispositivo da norma avalia
apenas o entrevistado e tem o poder de julgar, determinar e punir que
se estende para além do comportamento do sujeito, por acreditar que tal
sujeito possui uma natureza humana, um caráter a ser revelado. O foco
deixa de ser o fato em si para centrar-se nas condutas ditas irregulares
do indivíduo investigado. Muitas vezes, tal indivíduo é avaliado por tercei-
ros, sem nunca ter tido a oportunidade de apresentar-se. A escolha por
essa metodologia nos leva a procedimentos definidos por Baptista, Luis
Antonio (2000) de “escuta surda”.
• Escuta-experimentação: a entrevista assume potência de dispositivo, que
abre múltiplas possibilidades de intervenção, ao ser conduzida por profis-
sional que não aposta nem na sua neutralidade nem em uma essência de
seu entrevistado a ser atribuída e desvendada. No contexto da escuta-expe-
rimentação, não se visa apreender uma realidade, uma verdade do sujeito,
mas, sim, abrir espaço para criação de modos de existência.
Afirmar a escuta como experimentação significa indicar que as
necessidades do outro precisam ser incluídas não por uma operação
humanista e piedosa, mas como elemento perturbador e analisador
dos modos de vida naturalizados. Uma escuta sensível implica, ne-
cessariamente, ouvir os vestígios, ver os movimentos. Envolve uma
CONCEITO
Escuta surda
Por escuta surda entendemos práticas
que ouvem sem escutar. Uma escuta
surda se constitui quando, no lugar de
indagar as evidências que nos consti-
tuem como sujeitos, nos deixamos con-
duzir por estas, reificando-as. Produz aí
uma Psicologia das evidências. Uma es-
cuta que acaba sendo reduzida a um ato
protocolar, uma técnica de coleta de evi-
dências, de sinais ou, ainda, a um jogo
interpretativo. A escuta surda produz
como efeito a tutela e a culpabilização
dos sujeitos.
capítulo 1 • 15
disponibilidade subjetiva de afetar e ser afetado pelo outro, colocar
em análise nossos preconceitos, endurecimentos e indiferenças.
REFLEXÃO
Optando por um caminho ou por outro, as entrevistas psicológicas transformam-se
em relatórios que, se não têm poder decisório por eles mesmos, podem, em muitos
casos, orientar a decisão do médico, do juiz, do professor. As palavras escolhidas
à confecção, os fatos privilegiados, os entrevistados a serem chamados ou não, a
impressão do psicólogo em cada caso, tudo deve ser problematizado e pensado,
não com o psicólogo como perito neutro a dizer no relatório a verdade sobre os
envolvidos, mas vendo nele um instrumento político que afetará histórias de vida
diversas, já que incide não apenas sobre a vida daquele que se apresenta, mas
também sobre a dos que com ele convivem e, não com menor importância, sobre a
prática do psicólogo nos espaços ocupados.
Em síntese, a opção por uma dessas concepções de Homem bem como a forma
de interação e de escuta desenham o fenômeno psicológico e marcam o caminho
traçado pelos psicólogos frente às demandas que lhes são endereçadas.
Teorias da Psicologia
Sabe-se que a Psicologia não é um campo unitário e hegemônico.
Há uma grande diversidade de teorias. Quando se diz que é psicó-
logo, logo a seguir, além de dizer qual a especialidade, se diz também
qual é a linha teórica que sustenta suas ações na medida em que são
muitas as abordagens teórico-práticas que atravessam a Psicologia
na contemporaneidade.
Pautaremos aqui, neste tópico, cinco perspectivas que podem ser
consideradas as de maiores forças e evidências. São elas: a psicanálise,
o behaviorismo (comportamentalismo), o humanismo, o gestaltismo
e o social pelo viés da matriz sócio-histórica.
A Psicanálise
A Psicanálise, influenciada pela Fisiologia, surgiu na década de 1890,
com SigmundFreud, um médico austríaco interessado em achar um tra-
tamento efetivo para pacientes com sintomas neuróticos ou histéricos.
Freud, conversando com os pacientes, acreditava que seus problemas
se originaram da não aceitação cultural, sendo assim reprimidos seus
desejos inconscientes.
Os fatores inconscientes são essenciais à constituição de uma boa
saúde mental, estando presentes nas mais diversas e ricas expressões do
ser humano. Encontram-se na gênese das criações artísticas e da forma-
CONCEITO
Hegemônico
Hegemonia é um conceito que indica
uma preponderância de uma teoria psi-
cológica em relação a outras. Não sig-
nifica que essa teoria é melhor que as
outras, mas que é seguida pela maioria
e tem um impacto na vida das pessoas.
AUTOR
Sigmund Freud
Sigmund Schlomo Freud, mais conhecido
como Sigmund Freud, foi um médico neu-
rologista e criador da Psicanálise. Freud
nasceu em uma família judaica, em Frei-
berg in Mähren, na época pertencente ao
Império Austríaco. Nasceu na República
Tcheca, em maio de 1856, e morreu em
Londres, em setembro de 1939.
16 • capítulo 1
ção dos grupos humanos e laços sociais, em estreita inter-relação com
as particularidades de cada época e de cada cultura.
Por outro lado, esses fatores inconscientes costumam ser a fonte
de consideráveis sofrimentos e de infelicidade, podendo se manifestar
na forma de sintomas reconhecíveis tais como: angústia, fobias, com-
pulsões e sentimentos de vazio. Também estão presentes na raiz das
perturbações, na estruturação da personalidade, nas dificuldades de
relacionamento no trabalho e/ou nos relacionamentos interpessoais e
amorosos, assim como nos sintomas psicossomáticos, nas alterações
do humor (depressão e euforia) e da autoestima.
O método básico da Psicanálise é a interpretação da transferência e
da resistência com a análise da livre associação. O analisado, numa pos-
tura relaxada, é solicitado a dizer tudo o que lhe vem à mente. Sonhos,
esperanças, desejos e fantasias são de interesse, como também as expe-
riências vividas nos primeiros anos de vida em família. Escutando o ana-
lisado, o analista tenta manter uma atitude empática de neutralidade.
Uma postura de não julgamento, visando a criar um ambiente seguro.
Desde Freud, a Psicanálise se desenvolveu de muitas maneiras e, atu-
almente, há diversas escolas que mesmo discordando em alguns pontos
da teoria freudiana não refutaram a ideia de inconsciente, pedra basilar
da Psicanálise, e criaram suas próprias linhas de pesquisa.
O Behaviorismo
O termo behaviorismo vem do inglês behavior, comportamento. Em por-
tuguês, podemos dizer tanto behaviorismo como comportamentalismo.
O behaviorismo influenciado pelo funcionalismo tem como pedra
basal o estudo dos comportamentos animais controlados em laborató-
rios de acordo com os estímulos que lhes eram apresentados. Segundo
os pesquisadores, era possível uma comparação entre os comportamen-
tos animais e humanos, o que justificava seu percurso experimental.
Esta corrente psicológica não aceita qualquer relação com o trans-
cendental, com a introspecção e os aspectos filosóficos, mas pretende
estudar comportamentos objetivos que podem ser observados.
Skinner, fazendo uso de experimentos com animais, desenvolveu o
conceito de condicionamento operante tomando como base as noções
de punição, reforço positivo e reforço negativo. Em outras palavras, um
comportamento vai ser controlado pelo que aconteceu antes e pelo que
pode acontecer depois. Para o psicólogo, a Psicologia não poderia utili-
zar elementos não observáveis para explicar a conduta humana.
Por exemplo, um aluno ao ser demandado a falar e apresentar em
sala de aula seu ponto de vista, o faz com argumentos claros, transpa-
rentes, e por isso é valorizado e reconhecido pelo professor e colegas,
tende a assumir esse comportamento como aceito e adequado e conse-
quentemente repeti-lo.
AUTOR
Skinner
Burrhus Frederic Skinner, autor e psi-
cólogo americano, nasceu na Pensilvâ-
nia, EUA, em março de 1904, e morreu
em Massachusetts, EUA, em agosto de
1990. Conduziu trabalhos pioneiros em
Psicologia experimental e foi o proposi-
tor do Behaviorismo Radical, abordagem
que busca entender o comportamento
como consequência do reforçamento.
capítulo 1 • 17
LEITURA
SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano.11.ed. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2003.
O Humanismo
A Psicologia humanista teve sua origem nos anos 1950, e sua importância
aumentou significativamente nas décadas de 1960 e 1970. Sendo um ramo
da Psicologia e mais concretamente da psicoterapia, a Psicologia Humanis-
ta surgiu como uma reação à análise exclusivamente feita ao behaviorismo.
A Psicologia Humanista não tem como propósito fazer uma revisão
ou adaptação de conceitos psicológicos já existentes, mas de ser uma
nova contribuição na área da Psicologia. Seus principais teóricos foram
Carl Rogers e Abraham Maslow.
Na esfera organizacional, Maslow, em 1962, desenvolveu o con-
ceito de motivação atrelado ao modelo de hierarquia de necessidades
construída com base numa pirâmide, na qual as necessidades são assim
firmadas. Na base na pirâmide estão as necessidades fisiológicas, em
seguida, as necessidades de segurança, necessidades sociais, de estima,
e no topo da pirâmide, as de autorrealização.
AUTORREALIZAÇÃO
STATUS - ESTIMA
SOCIAIS
SEGURANÇA
FISIOLÓGICAS
Pirâmide de Maslow
Em outras palavras, primeiro buscamos satisfazer:
A Necessidades fisiológicas — como fome e sono;
B Segurança — emprego, família, saúde;
C Amizade, relacionamentos amorosos;
D Necessidades de estima;
E Realização pessoal.
MULTIMÍDIA
Laranja Mecânica
Sinopse: no futuro, o violento Alex (Mal-
colm McDowell), líder de uma gangue
de delinquentes que matam, roubam e
estupram, cai nas mãos da polícia. Pre-
so, ele recebe a opção de participar em
um programa que pode reduzir o seu
tempo na cadeia. Alex vira cobaia de ex-
perimentos destinados a refrear os im-
pulsos destrutivos do ser humano, mas
acaba se tornando impotente para lidar
com a violência que o cerca.
18 • capítulo 1
Outro grande teórico da Psicologia Humanista foi Carl Rogers
(1902-1987), americano, que baseou seu trabalho no indivíduo,
criando a chamada terapiacentradanapessoa. Sua visão humanista
surgiu por meio do tratamento de pessoas emocionalmente pertur-
badas. Ele trabalhou com um conceito semelhante ao de Maslow, a
que deu o nome de tendência atualizante, que é a tendência inata
de cada pessoa atualizar suas capacidades e potenciais. Defendeu,
também, a ideia de autoconceito como um padrão organizado e cons-
ciente das características de cada um desde a infância que, à medida
que novas experiências surgem, esses conceitos podem ser substitu-
ídos ou reforçados.
Para ele, a capacidade do indivíduo de modificar consciente e ra-
cionalmente seus pensamentos e comportamentos fornece a base
para a formação de sua personalidade.
Para Rogers, os indivíduos bem ajustados psicologicamente têm au-
toconceitos realistas e a angústia psicológica é advinda da desarmonia
entre o autoconceito real (o que se é de fato) e o ideal para si (o que se de-
seja ser). Ele acreditava que o sujeito deveria dar a direção e o conteúdo
do tratamento psicológico por ter ele suficientes recursos de autoenten-
dimento para mudar seus conceitos.
O Gestaltismo
O gestaltismo, influenciado pelo fisiologismo, é uma corrente que deu
uma importante contribuição na construção da Psicologia como ciên-
cia. O principio básico da Teoria Gestalt é que a organização dos dados
que nos cercam é parte do processo perceptivo.
Para os psicólogos dessa linha teórica, toda percepção é uma gestalt,
um todo que não pode ser compreendido pela separação em partes.
Acreditam que uma pessoa percebe uma situação inteira em vez de seus
elementos individuais. Assim, o todo é mais do que meramente a soma
dos elementos, porque as pessoas tendem a organizar os elementos de
uma situação e depois acrescentam os elementos da experiência passa-
da. Isto é, o todo é mais que a soma das partes.
Assim, de acordo com os pressupostos da Gestalt, para aprender um
assunto, você deve, em primeiro lugar, ter uma visão de conjunto do tex-
to, do fato, do livro e depois estudar as partes.
Finalmente, ao juntar as partes, numa síntese, vai verificar que a to-
talidade (gestalt), a compreensão, o entendimento do texto não são ape-
nas a soma das partes que você estudou.
Segundo esses teóricos, as informações do meio externo são proces-
sadas em dois níveis: sensação e percepção. Apesar de ser possível dife-
renciá-los, sentir e perceber é, na realidade, um processo único, que é o
da recepção e interpretação de informações. Entretanto, percepção não
deve ser confundida com sensação.
LEITURA
Terapia centrada na pessoa
A terapia centrada na pessoa defen-
de a não diretividade do terapeuta, do
professor e apostando na liberdade de
escolha dos seres humanos.
ROGERS, C. A terapia centrada no pa-
ciente. Lisboa: Moraes, 1974.
capítulo 1 • 19
SENSAÇÃO
Sensação é o dado não processado recebido por um indivíduo através dos
sentidos, é como uma simples consciência dos componentes sensoriais e das
dimensões da realidade (mecanismo de recepção de informações).
PERCEPÇÃO
Percepção supõe as sensações acompanhadas dos significados que lhes
atribuímos como resultado da nossa experiência anterior. Pode-se dizer que
percepção é atribuição de significado à informação recebida pelos sentidos.
É, portanto, a interpretação da sensação (estímulo) em base de seus atribu-
tos físicos, de seu relacionamento com suas cercanias e das condições pre-
sentes dentro do indivíduo em um ponto específico do tempo. Assim, a per-
cepção está diretamente relacionada ao quadro de referência do indivíduo, e
um único estímulo será percebido de modo diferente pelo mesmo indivíduo
em ocasiões diferentes, dependendo das condições que se modificam.
ATENÇÃO
Os elementos que mais contribuem para o processo de percepção são: as caracte-
rísticas do estímulo e as experiências passadas, atitudes e características da perso-
nalidade do indivíduo.
Quem percebe seleciona aspectos do meio ambiente, pois não são
percebidos todos os estímulos do meio ambiente simultaneamente
pela mesma pessoa. A percepção é, assim, a seleção de estímulos por
meio da atenção.
O estado psicológico de quem percebe é um fator determinante da
percepção, seus motivos, emoções e expectativas fazem com que per-
ceba, preferencialmente, certos estímulos do meio. Temos tendência,
portanto, a perceber o mundo mais como cremos ou queremos que ele
seja do que como nos informam os diferentes estímulos que chegam
aos nossos órgãos dos sentidos.
O social, a matriz sócio-histórica
O referencial sócio-histórico considera o homem um ser social, histórico e
ativo. Imerso em um processo de interações sociais e relações com claras
marcas culturais, ele constrói e reconstrói a sociedade, a história social e
a si mesmo, de modo que o conhecimento sobre si próprio é marcado por
influências culturais. Nesse processo, a pessoa vai construindo a noção de
subjetividades com base em características sócio-históricas que são impu-
tadas aos sujeitos por meio da sua relação com os outros e com o mundo.
CONCEITO
Sócio-histórico
A matriz sócio-histórica é, portanto,
composta por elementos sociais, eco-
nômicos, políticos e culturais, todos his-
toricamente construídos e em continua
construção. Ela apresenta uma natureza
fundamentalmente semiótica e tem con-
cretude no aqui-agora das situações.
20 • capítulo 1
Ainda afirma-se que essa corrente teórica pode ser didaticamente
concebida como constituída por dois conceitos inter-relacionados.
As condições socioeconômicas-políticas as quais representam as concre-
tas condições de vida de uma comunidade especifica, nas quais a pessoa
nasce, cresce, vive e se constitui sujeito, além das pressões sociais mais
estáveis às quais as pessoas são submetidas.
O outro vetor refere-se às práticas discursivas que representam o domínio
das representações, dos símbolos religiosos, das fórmulas científicas etc.
Estas têm materialidade como um quadro, uma peça, um ritual, uma palavra
ou um comportamento humano.
As concretas condições de vida e as práticas discursivas encon-
tram-se dialeticamente inter-relacionadas, umas sustentando as ou-
tras, contrapondo-se e/ou transformando as outras em um todo em
contínuo desenvolvimento.
Essa matriz rompe com a noção de indivíduo uno, postulando a con-
cepção de sujeito plural, coletivo e dialógico. Ou ainda como nos afir-
mam Guattari e Rolnik (1996):
(...) quando vivemos nossa própria existência, nós a vivemos com as pa-
lavras de uma língua que pertence a cem milhões de pessoas; nós a
vivemos com um sistema de trocas econômicas que pertence a todo um
campo social; nos a vivemos com representações de modos de produção
totalmente serializados (...) (p. 69).
Essa noção, portanto, alcança o homem por meio de suas relações
sociais, por meio das características valorizadas socialmente que a defi-
nem e com as quais irá se defrontar no seu processo de significação de si
mesmo. Essas considerações revestem as investigações sobre a constru-
ção de relações com uma importância fundamental, na medida em que
elas ampliam a compreensão da natureza social do psiquismo.
RESUMO
Didaticamente, podemos sintetizar assim essas abordagens:
• A abordagem psicanalítica entende o comportamento humano como a resultante
de um processo de motivação inconsciente; o comportamento é visto, basicamente,
como uma expressão projetiva do mundo interno;
• Para os behavioristas, o comportamento é resultante do condicionamento de re-
flexos inatos;
• Para os humanistas, a terapia deve ser centrada na pessoa e não em teorias.
• Os gestaltistas clássicos entendem o comportamento como processo perceptivo
LEITURA
AMORIM, Katia de Souza et al. (orgs.).
Rede de Significações e o Estudo do
Desenvolvimento Humano. Porto Ale-
gre: Artmed, 2004.
capítulo 1 • 21
• A matriz sócio-histórica aposta na construção do sujeito coletivo, dialógico e
contextualizado.
A Psicologia no Brasil
Em 1962, pela lei nº 4.119, a profissão de psicólogo foi criada e regula-
mentada com a função de adequar, ajustar e adaptar o indivíduo ao mun-
do moderno, apesar de seu discurso psi já se encontrar disseminado, em
práticas cotidianas, na escola, no hospital e até mesmo no Judiciário.
Em 20 de dezembro de 1971, pela lei nº 5.766, com intuito de orien-
tar, fiscalizar e disciplinar, bem como zelar pela fiel observância dos
princípios éticos e contribuir para o desenvolvimento da Psicologia
como ciência e profissão, foram criados o Conselho Federal de Psico-
logia e sete (07) Conselhos Regionais. Dos sete (07) Regionais iniciais,
hoje contamos com 23 Conselhos Regionais.
À época, para a grande maioria dos profissionais psicólogos, as te-
orias psicológicas representavam o verdadeiro instrumento de desven-
damento da “essência humana”: eram a chave para se penetrar no “eu
real”. Coimbra (1995) refere-se à tal postura como a psicologização do
cotidiano que emergiu na década de 1970 e cristalizou-se nos anos 1980.
Pautada na crença de uma dicotomia entre normal/patológico, a
prática psicológica foi se constituindo enquanto uma ferramenta de
adequação e ajustamento do homem ao seu contexto social. Os testes
psicológicos ganharam força e visibilidade sendo utilizados em diferen-
tes espaços e estabelecimentos (hospitais, organizações, escolas, judici-
ário) enquanto um instrumento de avaliação da normalidade, da inteli-
gência, da personalidade, dentre outros.
Nessa concepção, calcada em uma abordagem reducionista de su-
jeito e sustentada por teorias que têm o seu foco voltado para a descri-
ção dos comportamentos patológicos, produzindo, dessa forma, téc-
nicas diagnósticas voltadas tanto para a cura como para a prevenção
desses comportamentos, os problemas eram percebidos e tratados
como individuais e não coletivos.
Em meados da década de 1980, marcada pela presença dos movimen-
tos sociais, algumas incursões na área da Psicologia Social foram experi-
mentadas fortalecendo-se a relação indivíduo/sociedade. Os dois termos
dessa relação eram percebidos como sistemas autônomos, apesar de inter
-relacionados, definindo dois espaços entendidos como privado e público,
onde os eventos individuais podem cruzar-se mas permanecendo distintos.
Segundo Bock (1997) “... a realidade social aparece apenas como
‘canteiro’, onde a natureza psíquica pode — se desenvolver...” (p.39).
Essa concepção, portanto, também individualizava e responsabilizava
os indivíduos por seus sucessos ou fracassos. Assim sendo, podemos
MULTIMÍDIA
Conselho Federal de Psicologia
Para saber mais, acesse o site do Conse-
lho Federal de Psicologia em http://site.
cfp.org.br/.
22 • capítulo 1
afirmar que até o fim do século XX, a Psicologia vinha apresentando
uma prática que frequentemente neutralizava o social,
REFLEXÃO
Podemos pensar que tendo a Psicologia resolvido sua questão no que concerne à rela-
ção Corpo x Mente, outro dualismo emergiu na década de 1980 que parece ainda dividir
a Psicologia: a relação indivíduo x sociedade.
Ainda, segundo Bock (2000), as crises políticas que ocorreram no Brasil na pós-ditadura:
... colocaram para a sociedade brasileira, e para as mais diversas profis-
sões, questões importantes que marcaram a necessidade de deixarmos
de reproduzir Psicologia, para passarmos a construir ou a reconstruir
uma Psicologia a partir das demandas e das necessidades de nossa so-
ciedade brasileira.
Desse modo, em consonância com o contexto histórico, após a queda do regime dita-
torial militar e promulgação da Constituição de 1988, e com base em um processo de
crítica e a reflexão sobre fazer o psicológico, a Psicologia brasileira passou a desen-
volver a área social comunitária, para atender a classe popular, que precisava de outra
forma de escuta e abordagem.
O psicólogo viu-se então diante da necessidade de ter condições práticas e experi-
ências concretas para que a construção de novas modalidades de atuação pudesse
ser efetivada. Assim sendo, pudemos observar a Psicologia conquistar o direito de
ocupar espaços nas políticas públicas de saúde, educação, habitação, em entidades
voltadas à defesa à garantia de direitos humanos.
CURIOSIDADE
Áreas de atuação do psicólogo
A Psicologia que nasceu basicamente no campo da clínica tem ainda, nessa
área de atuação, sua maior concentração profissional ainda que ancorada em
diferentes abordagens, como vimos anteriormente. Entretanto, seus saberes dis-
seminaram-se e, hoje, o psicólogo encontra espaço e legitimidade nas escolas,
nas universidades, nas organizações, nos hospitais, nos conselhos tutelares, no
judiciário, nas políticas públicas, o que expressa seus deslocamentos do universo
do privado para o público.
A interseção entre a Psicologia e o Direito
Iniciaremos nosso estudo com a conceituação de PsicologiaJurídica pro-
posta por Silva (2007) na medida em que sintetiza nosso pensamento.
CONCEITO
Psicologia Jurídica
A Psicologia Jurídica surge no contexto
em que o psicólogo coloca seus conheci-
mentos à disposição do juiz (que irá exer-
cer a função julgadora), assessorando-o
em aspectos relevantes para determina-
das ações judiciais, trazendo aos autos
uma realidade psicológica dos agentes
envolvidos que ultrapassa a literalidade
da lei, e que de outra forma não chegaria
ao conhecimento do julgador por ser um
trabalho que vai além da mera exposição
dos fatos; trata-se de uma análise apro-
fundada do contexto em que essas pes-
soas que acorreram ao Judiciário (agen-
tes) estão inseridas.
capítulo 1 • 23
A Psicologia Jurídica, ou seja, a interseção entre a Psicologia e o Di-
reito já em 1967 foi referendada por Mira y Lopes como uma importante
ferramenta no campo do Direito.
Afirma-nos o autor “é uma ciência que, pelo menos oferece as mes-
mas garantias de seriedade e eficiência que as restantes disciplinas bio-
lógicas” (MIRA; LOPES. Manual de Psicologia Jurídica 1945/1967/2008).
Nessa ótica, no entanto, parece-nos ser percebida como mais um
instrumental de avaliação, o que de certo modo é ratificado pelos estu-
dos acerca da emergência da Psicologia Jurídica.
Tal posição é ratificada por LeilaMariaTorracadeBrito (1999), que
em seus estudos nos esclarece que esta emerge:
... intensamente influenciada pelo ideário positivista e privilegiando o mé-
todo científico empregado pelas Ciências Naturais, particularmente a Bio-
logia, a Psicologia Jurídica também teve sua origem ligada à aplicação de
testes, quando determinava-se que a compreensão dos comportamentos
passiveis de ação jurídica deveria ser aferida através de instrumentos de
medida desenvolvidos pela Psicologia. (p.222)
Miranda Junior reafirma a Psicologia Jurídica enquanto um instru-
mento de avaliação, na medida em que pontua:
A primeira demanda que se fez à Psicologia em nome da justiça ocorreu
no campo da psicopatologia. O diagnóstico psicológico servia para clas-
sificar e controlar os indivíduos. Os psicólogos eram chamados a forne-
cerem um parecer técnico (pericial) , em que através do uso não crítico
dos instrumentos e técnicas de avaliação psicológica emitiam um laudo
informando à instituição judiciária, via seus representantes, um mapa
subjetivo do sujeito diagnosticado (p.29).
Se, no passado, a doença mental e a criminalidade foram o universo
de atuação da Psicologia no judiciário, hoje são as crianças, os jovens e
as famílias os principais protagonistas da intervenção psi.
Podemos pensar o novo ordenamento jurídico voltado à proteção inte-
gral de crianças e adolescentes (ECA) promulgado em, 13 de julho de 1990,
como um dos disparadores dessa transformação da interseção da Psicolo-
gia com o Direito. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus
artigos 150 e 151, aponta a necessidade de manutenção de equipe inter-
profissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude,
por meio de laudos escritos ou verbalmente, na audiência, o cargo efetivo
de psicólogo no quadro permanente da 1ª Instância do Poder Judiciário.
Entretanto, o cargo só foi criado em 17 de julho de 1996, por meio
da lei nº 2602, sendo o primeiro concurso público realizado em 1998 e
em 1999, e os primeiros psicólogos aprovados no Rio de Janeiro inicia-
ram suas atividades no juizado. No entanto, este especialista ali já se
AUTOR
Leila Maria Torraca de Brito
Psicóloga, professora doutora atuante
na graduação em Psicologia, na espe-
cialização da Psicologia Jurídica e no
Programa de Pós-Graduação em Psi-
cologia Social, da Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro, trabalhando a
relação da Psicologia com o Direito. É
referência e autora de inúmeras obras
nessa área do conhecimento.
24 • capítulo 1
assentava desde a década de 1980. Nessa ocasião, o serviço de Psicologia funcionava com
profissionais cedidos de outras instituições governamentais, servidores do quadro admi-
nistrativo da justiça com formação em Psicologia, em desvio de função ou voluntariado.
Ainda hoje, na instituição justiça, a demanda encaminhada à Psicologia concentra-
se, basicamente, na solicitação de laudos psicológicos que orientam o juiz em suas de-
cisões. Percebemos, entretanto, que a Psicologia é demandada, na maioria das vezes,
quando “detecta-se” alguma situação-problema, ou seja, quando sentem os operadores
do direito a necessidade de se “desvendar a verdadeira essência do indivíduo”, seus “re-
ais” desejos e impulsos.
Entretanto, escapando de um discurso/prática mais positivista, na atualidade os psicó-
logos do judiciário vêm construindo outra prática psicológica — uma intervenção que ve-
nha a dar a palavra, dar legitimidade a pessoas que habitualmente não têm a possibilidade,
o direito de se inserir nos meios intelectuais para dizer o que para elas é a realidade, ouvir
suas trajetórias, suas ansiedades, suas formas de perceber e estar no mundo.
Tal postura vem possibilitando a efetivação de uma Psicologia realmente calcada
de/na realidade social brasileira, pois uma gama de psicólogos acredita como André Levy
(1995) que a história individual é uma forma de acesso particularmente rica à história de
uma sociedade, pois a história de cada indivíduo fala da história de um tempo, de um lugar.
Nessa direção, escapando de uma escuta-surda e se embrenhando pela lógica da escuta
-experimentação, Miranda Junior (1998) reforça:
(...) não uma escuta que se reduza ao individual, subjetivo, mas que, considerando-o, possa estar
aberta à muiticausalidade do ato humano (...) . Entretanto, se escuta não se mantiver crítica, cor-
re-se o risco de cair na psicologização de todo ato considerado socialmente “desviante” (p. 30).
Considerando que o psicólogo no judiciário tem o papel de interlocutor entre a ins-
tituição para a qual presta serviço e a criança, adolescente e ou família, seu cliente, vale
ressaltar que as intervenções do profissional psicólogo na esfera do Judiciário devem
estar de acordo com os estudos e as práticas reconhecidas pela Psicologia e referenda-
das pelo Conselho Federal de Psicologia, dentre elas o Código de Ética do Profissional
Psicólogo (CEPP 2005) e a Resolução CFP 007/2003 que instituiu o Manual de Elabora-
ção de Documentos Escritos.
Esse documento afirma que:
... o processo de avaliação psicológica deve considerar que os objetos desse procedimento (as
questões de ordem psicológica) têm determinações históricas, sociais, econômicas e políticas,
sendo as mesmas elementos constitutivos no processo de subjetivação (p. 4).
Os psicólogos, na elaboração de tais documentos, devem...
... se basear exclusivamente nos instrumentos técnicos (entrevistas, testes, observações, dinâ-
micas de grupos, escuta e intervenções verbais) que se configurem como métodos e técnicas
psicológicas para a coleta de dados, estudos e interpretações de informações a respeito da
pessoa ou grupos atendidos” (p. 4).
capítulo 1 • 25
Finalmente, há que se entender que por ser a Psicologia no Judiciário um campo de
interlocução entre duas áreas de conhecimento distintas, regulamentadas, a relação en-
tre elas deve ser da ordem da horizontalidade e da complementaridade sem assujeita-
mento de uma sobre a outra.
Nesse sentido, cabe aos profissionais do Direito, bem como os da Psicologia, colocar
sempre em análise tanto as encomendas quanto as demandas que lhes são endereçadas.
LEITURA
COMBRA, Cecilia; AYRES, Lygia, NASCIMENTO, Maria Lívia (orgs.) PIVETES: Encontros entre a Psicologia
e o Judiciário. Curitiba: Juruá, 2008.
BRITO, Leila MT. “Anotações sobre a Psicologia Jurídica”. In: Psicologia Ciência e Profissão. CFP: Brasília,
v. 32, 2012.
BRITO, Leila MT (org.) Temas de Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
RESUMO
Neste capítulo, você conheceu um pouco da Psicologia, ciência que nasceu no início do século XX influen-
ciada pela Filosofia, Fisiologia, Medicina e por outras áreas do conhecimento como a Antropologia, com o
propósito de conhecer, explicar e modificar os comportamentos e os sentimentos humanos.
Aprendeu também que o encontro da Psicologia com o Direito ocorreu por volta dos anos 1940, no Brasil,
sendo a produção de laudos sua maior demanda. Atualmente, vem ocupando outros espaços no Judiciário,
dando voz e visibilidade àqueles que ali aportam.
ATIVIDADE
1. Com relação à produção escrita (laudos ou pareceres) elaborada pelos psicólogos no universo do judi-
ciário é correto afirmar que:
a. Essa produção deve apontar, conclusivamente, uma alternativa de encaminhamento à demanda solicitada.
certo errado
b. Essa produção deve considerar os discursos e as percepções do demandado.
certo errado
2. No que tange à atuação do psicólogo, no contexto prisional, julgue as afirmativas abaixo:
a. O profissional de Psicologia que atua no sistema prisional deve entender a complexidade das questões
relacionadas ao encarceramento e promover a construção da cidadania em detrimento da primazia da
segurança e da vingança social.
certo errado
b. Em caso de perícias de processos penais, o estudo do delito é secundário, sendo o indivíduo que co-
meteu o delito o foco principal.
certo errado
26 • capítulo 1
3. De acordo com a matriz sócio-histórica da Psicologia, é correto afirmar com relação ao sujeito:
a. a história de vida do indivíduo não é importante na construção de sua singularidade.
b. as experiências da primeira infância são decisivas na formação da identidade do indivíduo.
c. o indivíduo é um ser social em constante interação com as relações sociais, econômicas e políticas.
d. na constituição do sujeito não há articulação entre dimensões pessoais e coletivas.
e. nenhuma das respostas acima.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Artmed, 2004.
BAPTISTA, Luis Antônio. A fábrica de interiores: a formação psi em questão. Niterói: EDUFF, 2000.
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BOCK, A.M. Psicologias: Uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1997.
BOCK, A. M 1ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia. In: Jornal do Psicólogo, 10, 2000.
BRITO, LMT. “Rumos e rumores da Psicologia Jurídica”. In: A.M. Jacó-Vilela; D. MANCEBO (Org.). Psicologia Social:
abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. Rio de janeiro: EdUerj, 1999.
Conselho Federal de Psicologia. (2003). Resolução CFP nº 007/2003. Institui o Manual de Elaboração de
Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica, e revoga a Resolução CFP nº
17/2002. Brasília, DF.
Conselho Federal de Psicologia. (2005). Resolução CFP nº 010/05. Aprova o Código de Ética do Profissional
Psicólogo. Brasília, DF.
COIMBRA, Cecilia B. Guardiães da ordem: uma viagem pelas práticas Psi no Brasil do “Milagre”. Rio de Janeiro:
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FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,1979.
FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
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MIRANDA, JR. H.C. “Psicologia e Justiça — A Psicologia e as Práticas Judiciárias na construção do Ideal de Justiça”.
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MIRA Y LOPEZ, E. Manual de Psicologia Jurídica. 2. ed. São Paulo: Impactus, 2008.
SILVA, Denise Maria Perissini da. “Psicologia Jurídica, uma ciência em expansão”. Psique Especial Ciência & Vida, São
Paulo, ano I, n. 5, p. 06-07, 2007.
Noções introdutórias de Psicologia
stella aranha
12
28 • capítulo 2
2 Noções introdutóriasde Psicologia
De acordo com o psicólogo institucional JoséBleger, em seu livro Psico-
logia da Conduta, existem três mitos filosóficos que influenciaram as
CiênciasHumanas sobre a formação do Homem. São eles:
O MITO DO HOMEM NATURAL
O homem tem uma “essência original” que é boa, mas
por influência da sociedade, essas qualidades se per-
deriam, se manifestariam ou seriam modificadas.
O MITO DO HOMEM ISOLADO
Propõe o homem como ser isolado, não social, que,
aos poucos, desenvolve a necessidade de relacionar-
se com os outros indivíduos.
O MITO DO HOMEM
ABSTRATO
O homem é um ser cujas características independem
de suas situações de vida.
Nosso ponto de vista, neste livro, será o de que o homem não deve
ser visto como natural, porque ele apresenta características históricas e
não pode ser analisado como um ser isolado, porque se torna humano
na sua relação com a sociedade. Além disso, não deve ser considerado
abstrato porque ele é um conjunto de suas relações sociais.
Vamos, agora, compreender como nos constituímos como indivíduos.
A formação do indivíduo
Vamos começar com uma frase para pensarmos:
“[...] Cada indivíduo aprende a ser um homem.” (LEONTIEV, 2004, p. 285)
O que este autor estaria querendo dizer com esta afirmativa? Acredi-
tamos, com base nessa colocação, que nossa natureza é social, isto é, o
ser humano não está só frente ao mundo que o cerca. Por exemplo, uma
criança entra em relação com os fenômenos do mundo por intermédio
de outras pessoas, ou seja, em um processo de comunicação com elas,
em vários momentos históricos.
Viver com outros humanos é uma condição para se humanizar e se
individualizar. Essa condição implica no aprendizado de várias situações
que vão além daquilo que poderíamos realizar sozinhos. É na sociedade
AUTOR
José Bleger
José Bleger (1923-1972) foi um psi-
quiatra e psicanalista argentino. Ele
nasceu em Ceres, Santa Fe. Militava
no Partido Comunista. Se separaram
quando ele publicou seu livro Psicaná-
lise e Materialismo Dialético. É um dos
principais autores da Escola Psicanalí-
tica da Argentina. Em 1959, ele come-
çou a ensinar no curso de Psicologia
,da Universidade de Buenos Aires, no
primeiro programa inserido sobre Psi-
canálise nas Universidades Argentinas.
CONCEITO
Ciências Humanas
As Ciências Humanas ou Humanidades
são conhecimentos criteriosamente or-
ganizados em áreas científicas e que tra-
tam dos aspectos do ser humano como
indivíduo e como ser social, tais como
Sociologia, Ciência Política, Antropologia,
História, Linguística, Pedagogia, Econo-
mia, Administração, Comunicação Social,
Contabilidade, Geografia, Direito, Arque-
ologia, Psicologia, Relações Internacio-
nais, entre outras. (Disponível em http://
pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAncias_
humanas Acesso em 7 set.2014)
capítulo 2 • 29
que temos a oportunidade de entrarmos em contato com a cultura. É por
meio de nossas relações sociais que vamos construindo nossa identidade,
desenvolvendo aptidões, aprendendo a usar qualquer ferramenta ou ob-
jeto cultural, criando pertencimento à determinada sociedade.
Desde o nascimento, os seres humanos vivem em curso de interação
com os seus semelhantes denominado processo de interaçãosocial. E é
com base nessa interação que vai sendo construído o processo de sociali-
zação. O indivíduo adquire padrões de comportamento que são habituais
e aceitos nos seus grupos sociais. É nessa situação que aprendemos a ser
membros de uma família, de uma comunidade ou de um grupo maior.
Esse processo começa na infância e nos acompanha por toda a vida.
A cultura do meio em que o indivíduo vive influencia as característi-
cas do seu comportamento, suas atitudes, seus valores, seus motivos. A
família, no início deste desenvolvimento, é o maior agente socializante
deste indivíduo, que é multideterminado.
Contudo, como ocorre o desenvolvimento humano?
Desenvolvimento humano
Quando falamos “Essa menina está tão grande! Ela está bem desenvol-
vida!”, será que nos referimos ao desenvolvimento ou ao crescimento
físico? Se você respondeu “crescimento físico”, acertou. Já o psicólogo,
ao falar de desenvolvimento, considera os aspectos biológicos, emocio-
nais, intelectuais e sociais.
Desenvolvimento é um processo que tem início na concepção e só
termina com a morte. O estudo do desenvolvimento humano é o conhe-
cimento da história do homem desde o seu nascimento (mesmo antes
dele), até a sua morte. Na verdade, é compreender o que ocorre em cada
idade, cada fase da vida.
Os psicólogos do desenvolvimento estudam a interação entre os pa-
drões biologicamente pré-determinados e um ambiente dinâmico, em
constante mudança. Mas, quais seriam os fatores importantes para o
desenvolvimento humano? Os fatores básicos são dois: a hereditarie-
dade e o ambiente. A hereditariedade é formada pela composição ge-
nética do indivíduo que influencia o crescimento e o desenvolvimento
ao longo da vida. O ambiente pode ser constituído das influências dos
familiares, das amizades, a educação, a nutrição e todas as experiên-
cias as quais as pessoas estão expostas.
Ainda resta uma dúvida, como e em que medida hereditariedade e
ambiente produzem efeitos no indivíduo? Essa pergunta foi proposta
pela primeira vez como uma questão que opunha natureza X ambien-
te. Os psicólogos, atualmente, concordam que tanto a hereditariedade
como o ambiente produzem padrões de desenvolvimento específicos.
Ninguém está livre das influências ambientais, mas também não cresce
CONCEITO
Interação social
É o processo que se dá entre dois ou
mais indivíduos, em que a ação de um
deles é, ao mesmo tempo, resposta
para o outro indivíduo e estímulo para
as ações deste. As ações de um são, ao
mesmo tempo, resultado e causa das
ações do outro. (BRAGUIROLLI, E.M. et
al. Psicologia geral. Rio de Janeiro: Vo-
zes, 2002. p. 60)
MULTIMÍDIA
Guerra do Fogo
Sinopse: a reconstituição da pré-histó-
ria, tendo como eixo a descoberta do
fogo. A saga de uma tribo e seu líder,
Naoh, que tenta recuperar o precioso
fogo recém-descoberto e já roubado.
Em pântanos e neve, Naoh encontra três
outras tribos, cada uma em um estágio
diferente de evolução, caminhando para
a atual civilização em que vivemos.
O enigma de Kaspar Hauser
Sinopse: baseando-se em registros his-
tóricos, Herzog conta o estranho caso
de Kaspar Hauser, um jovem encontra-
do perdido numa praça em 1828. Ele
não falava e não conseguia ficar em pé.
Passara a vida inteira trancado num po-
rão. Seria possível civilizá-lo?
30 • capítulo 2
sem ser afetado pela bagagem genética. Esse debate sobre as influências
desses dois fatores permanece com diferentes abordagens e teorias que
enfatizam, em maior ou menor grau, a hereditariedade ou o ambiente.
Algumas teorias do desenvolvimento enfatizam o papel da apren-
dizagem no desenvolvimento; outras, o papel da hereditariedade e da
maturação, produzindo modificação no desenvolvimento. Embora as
teorias expressem diferenças, os psicólogos do desenvolvimento con-
cordam com alguns fatores. Os fatores genéticos fornecem o potencial
para que os comportamentos emerjam ou não. Os fatores ambientais,
por sua vez, permitem que as pessoas alcancem as capacidades que sua
base genética permitir.
Os psicólogos do desenvolvimento usam diversas abordagens para
determinar as influências dos diferentes fatores no comportamento.
O estudo do desenvolvimento humano é muito importante para várias
questões jurídicas que devem ser avaliadas a partir da etapa do desen-
volvimento em que o indivíduo se encontra. Por exemplo, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) pressupõe certo entendimento sobre a
infância e a adolescência; o Estatuto do Idoso abrange sujeitos que estão
em outro ciclovital, com características específicas; e, o Código Penal
está fundamentado em questões da maioridade.
LEITURA
Estatuto da Criança e do Adolescente — Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm Acesso em 7de
setembro de 2014.
Estatuto do idoso — Lei nº 10.741 de 03 de outubro de 2003. Disponível em http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm Acesso em 07 set. 2014.
Sem a presunção de esgotar o tema, e muito menos de afirmar que
esta ou aquela teoria é a melhor ou a mais completa para explicar o desen-
volvimento humano, apresentaremos algumas abordagens que nos pare-
cem ser interessantes para a utilização em análises jurídicas, nesta área.
Freud (já apresentado no capítulo anterior), no início do século
XX, realizou estudos sobre o desenvolvimento humano, que geraram
polêmica no meio científico. Para esse autor, os primeiros anos de
vida são fundamentais na formação da personalidade. De acordo
com Freud, é a partir da infância que se estrutura a vida adulta, tanto
para a saúde mental e adaptação como para o comportamento pato-
lógico. Para ele, o ser humano passa por diferentes estágios, no seu
desenvolvimento, que são marcados pela evolução da sua psicosse-
xualidade. Mas, o que é essa psicossexualidade? Há, em todos nós,
uma energia psíquica de natureza sexual denominada, por Freud, de
libido. Em cada estágio do desenvolvimento há certa quantidade des-
ta energia, que está ligada a uma zona corporal específica.
LEITURA
Influências
PORTAL EDUCAÇÃO. Influências da
hereditariedade e o ambiente para o
indivíduo.
Disponível em: http://www.portaleduca-
cao.com.br/psicologia/artigos/27318/
influencias-da-hereditariedade-e-o-am-
biente-para-o-individuo. Acesso em 07
set. 2014.
CONCEITO
Ciclo vital
Compreende o nascimento, o cresci-
mento, a maturidade, a velhice e a morte
dos organismos.
Disponível em http://www.sobiologia.
com.br/conteudos/Glossario/c.php
Acesso em 07 set. 2014.
capítulo 2 • 31
Ao ocorrer um trauma, seja ambiental, constitucional, ou ambos, o
desenvolvimento ficaria fixado nesta etapa. Esta energia participará de
todos os aspectos da vida da pessoa: profissional, afetivo, religioso etc.
A forma como este desenvolvimento ocorreu nos primeiros anos de vida
será determinante no modo como o adulto irá se relacionar com o am-
biente. De acordo com Freud, a cada estágio do desenvolvimento corres-
ponde um padrão de comportamento. Quando, na idade adulta, a pessoa
apresenta aspectos libidinosos de alguma fase anterior, que deveria estar
superada sob o ponto de vista do desenvolvimento, chamamos de fixação
da libido. Essa teoria afirma que frente a uma frustração, o indivíduo re-
gride a essa etapa do desenvolvimento, buscando alívio ou solução para
aquela situação.
LEITURA
SANDIM, Emerson Odilon. A importância das fases psicossexuais do desenvolvi-
mento infantil, segundo Freud, para melhor proteger o psiquismo da criança e do
adolescente. Exegese psicanalítica propiciadora de completa efetividade ao art. 17,
do ECA. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, nº 2824, 26 mar. 2011. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/18760>. Acesso em 6 set. 2014.
Um dos seguidores da Escola criada por Freud (Psicanálise), Erik
Erikson destacou a importância da sociedade para o desenvolvimento
humano. Para Freud, como já vimos, as primeiras experiências na in-
fância moldam o indivíduo; para Erikson, o desenvolvimento continu-
aria por toda a vida e seria influenciado pela sociedade. Sendo assim, o
desenvolvimento para Erikson tem um aspecto psicossocial e está di-
vidido em oito estágios durante o ciclo vital. Cada estágio envolve uma
crise que surge de acordo com a maturação do indivíduo e que deve ser
resolvida de forma satisfatória para um desenvolvimento saudável.
ESQUEMA DE DESENVOLVIMENTO DE ERIK ERICKSON
Confiança X Desconfiança (até um
ano de idade)
Durante o primeiro ano de vida, a criança é subs-
tancialmente dependente das pessoas que cuidam
dela, requerendo cuidado quanto à alimentação, hi-
giene, locomoção, aprendizado de palavras e seus
significados, bem como estimulação para perceber
que existe um mundo em movimento ao seu redor.
O amadurecimento ocorrerá de forma equilibrada
se a criança sentir que tem segurança e afeto, ad-
quirindo confiança nas pessoas e no mundo.
AUTOR
Erik Erickson
Psicanalista de origem alemã, Erik
Homburger Erikson nasceu a 15 de
junho de 1902, no início do século,
em Frankfurt, na Alemanha. Erikson
concebe oito estágios de desenvolvi-
mento, cada um deles confrontando o
indivíduo com as suas próprias exigên-
cias psicossociais, que prossegue até
a terceira idade. O desenvolvimento da
personalidade, segundo Erikson, atra-
vessa uma série de crises que têm de
ser ultrapassadas e interiorizadas pelo
indivíduo como preparação para o está-
gio seguinte de desenvolvimento. Erik-
son morreu em maio de 1994 deixando
um legado teórico vasto. Disponível em:
http://www.infopedia.pt/$erik-erikson.
Acesso em 10 out. 2014.
LEITURA
MELO, M. A. S. Teoria do desenvolvi-
mento psicossocial em Erikson. Dis-
ponível em: https://psicologado.com/
psicologia-geral/desenvolvimento-hu-
mano/teoria-psicossocial-do-desenvol-
vimento-em-erik-erikson. Acesso em 07
set. 2014.
32 • capítulo 2
Autonomia X Vergonha e Dúvida (segundo e
terceiro ano)
Neste período, a criança passa a ter controle de suas necessidades fisiológi-
cas e a responder por sua higiene pessoal, o que dá a ela grande autonomia,
confiança e liberdade para tentar novas coisas sem medo de errar. Se, no en-
tanto, for criticada ou ridicularizada desenvolverá vergonha e dúvida quanto a
sua capacidade de ser autônoma, provocando uma volta ao estágio anterior,
ou seja, a dependência.
Iniciativa X Culpa (quarto e quinto ano)
Durante este período, a criança passa a perceber as diferenças sexuais, os
papéis desempenhados por mulheres e homens na sua cultura (conflito edi-
piano para Freud) entendendo de forma diferente o mundo que a cerca. Se a
sua curiosidade “sexual” e intelectual, natural, for reprimida e castigada, poderá
desenvolver sentimento de culpa e diminuir sua iniciativa de explorar novas
situações ou de buscar novos conhecimentos.
Construtividade X Inferioridade (dos 6
aos 11 anos)
Neste período, a criança está sendo alfabetizada e frequentando a escola,
o que propicia o convívio com pessoas que não são seus familiares, o que
exigirá maior sociabilização, trabalho em conjunto, cooperatividade, e outras
habilidades necessárias. Caso tenha dificuldades, o próprio grupo irá criticá
-la, passando a viver a inferioridade em vez da construtividade.
Identidade X Confusão de Papéis (dos 12 aos
18 anos)
O quinto estágio ganha contornos diferentes devido à crise psicossocial que
nele acontece, ou seja, Identidade Versus Confusão. Neste contexto, o termo
crise não possui uma acepção dramática por tratar-se de algo pontual e locali-
zado com polos positivos e negativos.
Intimidade X Isolamento (jovem
adulto)
Neste momento, o interesse, além de profissional, gravita em torno da cons-
trução de relações profundas e duradouras, podendo vivenciar momentos de
grande intimidade e entrega afetiva. Caso ocorra uma decepção, a tendência
será o isolamento temporário ou duradouro.
Produtividade X Estagnação (meia
idade)
Pode aparecer uma dedicação à sociedade à sua volta uma realização de va-
liosas contribuições, ou grande preocupação com o conforto físico e material.
Integridade X Desesperança
(velhice)
Se o envelhecimento ocorre com sentimento de produtividade e valorização
do que foi vivido, sem arrependimentos e lamentações sobre oportunidades
perdidas ou erros cometidos haverá integridade e ganhos, do contrário, um
sentimento de tempo perdido e a impossibilidade de começar de novo trará
tristeza e desesperança.
Disponível em https://psicologado.com/psicologia-geral/desenvolvimento-humano/teoria-psicos-
social-do-desenvolvimento-em-erik-erikson
Acesso em 10 out. 2014.
capítulo 2 • 33
A contribuição mais importante, na teoria de Erikson, foi o seu estudo sobre a ado-
lescência e a construção de sua identidade. O desenvolvimento de suas ideias forma,
até os dias atuais, o fundamento para muitos autores na área da infância e juventude
fazerem uma leitura sobre o adolescente em conflito com a lei. Várias são as teorias do
desenvolvimento e vários são os aspectos enfatizados em cada uma delas. Não há uma
teoria melhor ou mais completa. O que temos são teorias em razão das Escolas nas quais
os autores desenvolveram seus estudos.
Você deve estar perguntando, neste momento, “qual teoria utilizar quando estiver traba-
lhando em um processo que requeira uma justificativa fundamentada no desenvolvimento
humano?”. Assim como os psicólogos, os profissionais de outras áreas fazem uma escolha
em relação à teoria que mais se adéqua à sua compreensão sobre o ser humano. O ideal,
neste caso, é que você busque um auxílio especializado para a realização desse documento.
No entanto, é importante que você tenha, pelo menos, noções sobre o desenvolvimento,
entendendo que cada estágio é formado por um período de tempo que é definido por um
conjunto de características físicas, emocionais, intelectuais e sociais, que são desenvolvi-
das e assimiladas de forma diferente e única por cada pessoa.
Alguns autores da Psicologia Geral e do Desenvolvimento, como Holmes (1977), Bee
(1997) e Tyson (1993), citados por Trindade (2007), dividiram os estágios do desenvolvi-
mento e descreveram as características de cada etapa, segundo aspectos físicos, intelectu-
ais, sociais e emocionais. Acreditamos que seja um material importante para o seu apren-
dizado, nesta área, e vamos apresentá-lo a seguir:
Estágio pré-natal (concepção até
nascimento)
Formação da estrutura e órgãos corporais básicos. O crescimento físico é mais
rápido do que nos demais períodos, havendo grande vulnerabilidade às influên-
cias ambientais.
Primeira infância (nascimento até 3
anos)
O recém-nascido é dependente, porém competente. Todos os sentidos fun-
cionam a partir do nascimento, sendo rápidos o crescimento físico e o de-
senvolvimento das habilidades motoras. A compreensão e a linguagem de-
senvolvem-se velozmente. O apego aos pais e a outras pessoas familiares vai
se alicerçando, e a autoconsciência se estabelece em torno do segundo ano.
Posteriormente, o interesse por outras crianças aumenta.
Segunda infância(3 a 6 anos)
As forças e as habilidades motoras simples e complexas aumentam. Embora a
compreensão da perspectiva dos outros vá aumentando progressivamente, o
comportamento continua predominantemente egocêntrico. A imaturidade cog-
nitiva leva a muitas ideias ilógicas acerca do mundo, expandindo-se através do
brincar, da criatividade e da imaginação, que se tornam mais elaborados. A inde-
pendência, o autocontrole e os cuidados próprios aumentam. A família ainda é o
núcleo da vida, embora outras crianças comecem a se tornar importantes.
34 • capítulo 2
Terceira infância (6 a 12 anos)
O crescimento físico não é tão intenso como no período anterior, mas a aqui-
sição de habilidades físicas aumenta e se aperfeiçoa. O egocentrismo diminui,
e o pensamento organiza-se de modo mais lógico, embora ainda permaneça
predominantemente concreto. A memória e as habilidades de linguagem au-
mentam. Os ganhos cognitivos são cumulativos e permitem um melhor apro-
veitamento da educação formal. A autoimagem aperfeiçoa-se, afetando a au-
toestima, e os amigos assumem importância fundamental, fazendo progredir o
processo de socialização.
Adolescência (12 a 20 anos)
As mudanças físicas são rápidas e profundas. Atinge-se a maturidade re-
produtiva. Desenvolve-se a capacidade de pensar abstratamente e de usar o
pensamento científico. Nessa etapa, a busca de identidade constitui um fator
primordial, justificando a vida em grupos de iguais, a adoção de modelos e de
comportamentos estandardizados, que facilitam o caminho da identificação.
Jovem adulto (20 a 40 anos)
Como regra, a saúde física atinge o apogeu, decaindo ligeiramente nos anos
posteriores. As habilidades cognitivas assumem maior complexidade. As deci-
sões sobre relacionamentos ocupam o cenário principal, assim como a escolha
vocacional e laboral devem encontrar melhor definição.
Meia-idade (40 a 60 anos)
Ocorre uma relativa deterioração da saúde física e inicia o declínio da re-
sistência e da perícia das habilidades. Em geral, a capacidade de resolução
de problemas práticos é acentuada pela experiência e sabedoria. Porém,
a capacidade de resolver novos problemas declina. O senso de identidade
continua a se desenvolver, com a dupla responsabilidade de cuidar dos
filhos e de pais idosos, fato que pode ser fonte de preocupações e de
estresse. A partida dos filhos devolve o casal a si mesmo, podendo gerar
sentimentos de vazio ou abandono. Para alguns, o sucesso na carreira e
os ganhos atingem o ponto mais elevado, enquanto outros podem experi-
mentar um esgotamento profissional. A busca pelo sentido da vida assume
importância fundamental, podendo sobrevir a denominada crise da meia-i-
dade, geralmente associada à consciência do tempo e da finitude.
Terceira idade (60 anos em diante)
A maioria das pessoas se mantém saudável e ativa, embora a saúde e a
capacidade física apresentem tendência ao declínio. O retardamento do
tempo de reação afeta muitos aspectos do funcionamento cognitivo, e a
inteligência e a memória podem apresentar sinais de deterioramento em
algumas áreas, levando à busca por modos alternativos de compensação.
A aposentadoria pode criar mais tempo para o lazer, mas pode também
significar diminuição da renda econômica, decrescendo ainda a capacidade
laborativa. Nessa etapa, costuma haver o enfrentamento de algumas per-
das e se agudiza a ideia de finitude.
Disponível em: http://direitonoturnoicec.files.wordpress.com/2012/05/material-de-psicologa1.pdf
capítulo 2 • 35
Agora que já conhecemos um pouco o nosso desenvolvimento, va-
mos passar para um tema que é sempre atraente para qualquer área do
conhecimento: o estudo da personalidade.
Personalidade
Todos nós ouvimos, lemos e usamos, muitas vezes, a palavra persona-
lidade. Geralmente, falamos: “Fulano tem uma personalidade forte.” e
“Fulana, coitada, não tem personalidade”. Mas será que empregamos
esse termo como o psicólogo estuda e entende? Existem vários signifi-
cados para a palavra personalidade, dependendo do campo de estudo
em que ela esteja sendo usada, por exemplo, no Direito, na Filosofia, na
Teologia, na Sociologia, na Psicologia etc.
LEITURA
LEITE, Gisele Pereira Jorge. “A questão da personalidade jurídica”. In: Âmbito Jurídico,
Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10384. Acesso em set. 2014.
Vamos, então, entender o que o psicólogo considera personalida-
de e como ele a avalia. Primeiro, vejamos a origem da palavra. A pala-
vra personalidade parece ter se originado de persona. Este era o nome
dado à máscara que os atores do antigo teatro romano usavam para re-
presentar seus papéis. Você deve estar percebendo que, pela origem da
palavra, estamos falando de aparência externa da pessoa, assim como
falamos no início do Fulano e da Fulana. Para os psicólogos, de uma
forma geral, a personalidade pode ser definida como um padrão de
características duradouras que produzem consistência nas atitudes,
comportamentos e individualidade. Explicando melhor, nossa perso-
nalidade é única e nos diferencia dos outros.
Para Trindade (2009, p. 64), “personalidade é um conjunto biopsicossocial
dinâmico que possibilita a adaptação do homem consigo mesmo e com o
meio, numa equação de fatores hereditários e vivenciais”.
Você deve estar percebendo que, assim como o nosso desenvolvimento,
nossa personalidade recebe influências do meio e de nossa bagagem gené-
tica. Nossa personalidade, então, está em contínua transformação, funda-
mentada em uma construção que tem início com a vida, se modificando e
se aperfeiçoando ao longo do desenvolvimento. Não é um grupo de caracte-
rísticas adquiridas a partir do nascimento, que não se transformam. Como
outra área da Psicologia que já vimos (Psicologia do Desenvolvimento), o
estudo da personalidade, pela Psicologia, inclui várias abordagens. Para o
MULTIMÍDIA
Olha quem está falando
Sinopse: Mollie está procurando o pai
ideal para seu filho, Mikey, e encontra
James Ubriacco (John Travolta), um ta-
xista que parece ser perfeito (pois esta-
va em cena quando entrou em trabalho
de parto) para ela e Mikey, que, apesar
de ser um bebê, é um observador cínico
e sarcástico do mundo.
CONCEITO
Personalidade
Do latim, personare, persona = ressoar,
máscara. Do latim, per se esse = ser por
si. É um termo abstrato utilizado para
descrever e dar uma explicação teórica
do conjunto de peculiaridades de um
indivíduo que o caracterizam e diferen-
ciam dos outros.
36 • capítulo 2
profissional da área do Direito, é importante um conhecimento geral des-
tes estudos, para que, em um trabalho interdisciplinar, este profissional
possa entender o que o psicólogo está interpretando e, desta forma, possa
utilizar melhor esse conhecimento em suas argumentações.
Para que você se familiarize, segue um resumo das principais abor-
dagens sobre personalidade na Psicologia, tomando como base as cor-
rentes já mencionadas no Capítulo 1.
Abordagens psicodinâmicas da personalidade
Essas abordagens se baseiam na ideia de que a personalidade é forma-
da por forças e conflitos internos sobre as quais as pessoas têm pouco
conhecimento e, consequentemente, sobre os quais têm pouco con-
trole. Lembra-se da teoria do desenvolvimento psicossexual? Pois é, o
mais importante e pioneiro nesta abordagem foi Freud. Para ele, nossa
experiência consciente é apenas uma pequena parte de nossa estrutu-
ra de personalidade. A maior parte de nosso comportamento é moti-
vada pelo inconsciente, que é uma fração de nosso mundo psíquico.
Além disso, temos o pré-consciente contendo situações que não são
ameaçadoras e, por isso, chegam facilmente à consciência.
Freud descreveu a estrutura da personalidade em três componen-
tes que são apresentados, de forma didática, em separado, mas são
interativos e relacionados a aspectos conscientes e inconscientes.
São eles: Id, Ego e Superego. Eles são conceitos abstratos que descre-
vem uma interação que motiva o nosso comportamento. Em linhas
gerais, e para não nos estendermos em apenas uma teoria, o Id é a
parte mais primitiva da personalidade, buscando o máximo de satis-
fação. O Ego busca equilibrar os desejos do Id e a realidade do mun-
do objetivo externo, mantendo o indivíduo em segurança e integrado
à sociedade. E o Superego representa o que é certo e errado em uma
sociedade, conforme o que foi apresentado pelo ambiente, que no
início do desenvolvimento está representado pela família, professo-
res e pessoas significativas para o indivíduo. Outros autores, dentro
desta abordagem, desenvolveram ou rejeitaram algumas ideias de
Freud, nesta área, dando origem a outras teorias.
Abordagens sóciocognitivas
Estas abordagens enfatizam a influência da cognição — pensamen-
tos, sentimentos, expectativas e valores — e da observação do com-
portamento de outras pessoas na determinação da personalidade.
Por exemplo, uma criança que vê uma pessoa importante na sua vida
se comportando de forma agressiva, tenderá a se comportar de for-
ma semelhante. Nessas teorias são desenvolvidos estudos, principal-
mente, sobre a autoeficácia e a autoestima.
CONCEITO
Cognição
É o ato ou processo da aquisição do
conhecimento que se dá por meio da
percepção, da atenção, memória, racio-
cínio, juízo, imaginação, pensamento e
linguagem.
Autoeficácia
Designa, em Psicologia, a convicção de
uma pessoa de ser capaz de realizar
uma tarefa específica.
Autoestima
Valorização que uma pessoa confere a
si própria, permitindo-lhe ter confiança
nos próprios atos e pensamentos.
capítulo 2 • 37
Abordagens Humanistas
Os teóricos desta abordagem acreditam que a base da personalidade
está na habilidade humana consciente e automotivada de mudar e se
aprimorar. A bondade é inerente às pessoas, assim como a tendência
humana de buscar propósitos mais elevados. As pessoas têm uma ne-
cessidade fundamental de buscar a autorrealização. Esse processo pode
ser vitalício para alguns, e outros podem nunca alcançar. Outra neces-
sidade básica, nessas teorias, é o desejo de ser amado e respeitado. Um
aspecto importante, nessas abordagens, diz respeito à consideraçãopo-
sitivaincondicionalemrelaçãoaooutro.
Abordagens biológicas e evolucionistas
Essas abordagens sugerem que os componentes da personalidade são
herdados. A personalidade é determinada, em parte, pelos nossos ge-
nes. Complementando, as características da personalidade que tiveram
sucesso entre os nossos ancestrais apresentam mais chances de serem
preservadas e passadas para as próximas gerações. A importância dos
fatores genéticos, na personalidade, é demonstrada, nestas aborda-
gens, por meio dos estudos com gêmeos.
Alguns pesquisadores afirmam que existem genes específicos rela-
cionados à personalidade. Será que a identificação de genes ligados à
personalidade significa que estamos destinados a certos tipos de per-
sonalidade? É bem improvável, porque os genes interagem com o meio
produzindo novas interações. Certos aspectos da personalidade apre-
sentam componentes genéticos importantes, mas é a interação entre
fatores genéticos e ambiente que determina a personalidade.
Abordagem dos traços da personalidade
Você deve estar se perguntando, o que seriam traços e o que eles têm
a ver com a nossa personalidade. Traços, para os teóricos dessa abor-
dagem, seriam características do comportamento consistentes, que
aparecem em diferentes situações. Estes estudos buscam identificar
os traços básicos que formam a personalidade das pessoas. O grau em
que os traços se apresentam nas pessoas variam. O principal desafio,
para esses teóricos é identificar os principais traços predominantes
em nossa personalidade. Estes estudos explicam a personalidade em
termos de traços, mas diferem em termos de quais e quantos traços
são considerados mais flexíveis.
Uma das abordagens mais conhecidas nesta área de estudo é a
dos cinco traços ou fatores. Estes traços são: socialização/amabilida-
de, extroversão, realização/conscenciosidade, abertura para experi-
ências, e neuroticismo.
CONCEITO
Consideração positiva incondi-cional em relação ao outro
Ter uma experiência de consideração
positiva incondicional em relação a
outra pessoa significa aceitar caloro-
samente cada aspecto da experiência
desta pessoa. Significa não colocar
condições para a aceitação ou para a
apreciação desta pessoa. A conside-
ração positiva incondicional implica um
cuidado não possessivo, uma forma de
apreciar o outro como uma pessoa in-
dividualizada a quem se permite ter os
seus próprios sentimentos, suas pró-
prias experiências.
38 • capítulo 2
LEITURA
LIMA, M.P. de; SIMÕES, A. A teoria dos cinco factores: Uma proposta inovadora ou apenas uma boa arru-
mação do caleidoscópio personológico? In: Análise Psicológica (2000), 2 (XVIII): 171-179. Disponível em:
http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v18n2/v18n2a03.pdf. Acesso em set. 2014.
Depois de estudarmos algumas abordagens em relação à personalidade, você deve es-
tar questionando: Qual dessas abordagens fornece o estudo mais completo sobre a perso-
nalidade? Dada a complexidade de nossa personalidade, cada estudioso tentou analisar a
personalidade sobre determinado ângulo, sobre um aspecto diferente, formador de nos-
sa personalidade. Se olharmos as abordagens em conjunto, perceberemos que, apesar de
analisarem aspectos diferentes, se complementam em suas colocações e nos mostram as
várias possibilidades de explicarmos a nossa personalidade.
E agora que já nos familiarizamos com alguns conceitos sobre a personalidade, cabe a
indagação: Como o psicólogo avalia a personalidade de uma pessoa? Você deve se lembrar
de como a Psicologia surgiu e quais os instrumentos utilizados pelo psicólogo para investigar
o seu objeto de estudo naquela época. Se você ainda não se recordou, vamos ajudá-lo: eram
instrumentos para medir e avaliar comportamentos específicos em laboratórios, que foram,
gradativamente, dando origem a novos instrumentos denominados testes psicológicos.
Os testes psicológicos são medidas criadas para avaliar o comportamento e a persona-
lidade utilizadas pelos psicólogos. Eles devem ter fidedignidade e validade. Mas, será que
podemos medir tudo o que somos? É lógico que não. No entanto, algumas características
podem ser avaliadas. Vejamos, resumidamente, com quais instrumentos o psicólogo pode
avaliar estas características:
ENTREVISTAS — podem ser mais ou menos estruturadas, consistindo em um diálogo que
possui um propósito definido.
ESCALAS DE AVALIAÇÃO GRÁFICA
— podem ser respondidas pela própria pessoa ou pelo avaliador; con-
sistem em um registro em determinado ponto do gráfico um julgamento
referente ao objeto de análise.
INVENTÁRIOS DE PERSONALIDADE
— são questionários bem extensos e minuciosos que o indivíduo responde
fornecendo informações sobre si mesmo; pode medir uma ou várias carac-
terísticas da personalidade.
TESTES PROJETIVOS
— caracterizam-se por respostas a estímulos pouco estruturados e bas-
tante ambíguos; o objetivo dos testes projetivos é a revelação de aspectos
inconscientes e profundos da personalidade.
TESTES SITUACIONAIS
— os psicólogos observam o comportamento do indivíduo numa situação
simulada da vida real.
capítulo 2 • 39
A avaliação psicológica é feita com entrevistas e testes que embasam
as entrevistas finais de orientação psicológica, além de um relatório por
escrito. Este é um tema instigante, na Psicologia, e se você tiver interesse
em aprender um pouco mais não deixe de ler o texto de Carvalho, Bar-
tholomeu e Silva (2009).
LEITURA
CARVALHO, Lucas de Francisco; BARTHOLOMEU, Daniel; SILVA, Marjorie Cristina
Rocha da. Instrumentos para Avaliação dos Transtornos da Personalidade no Brasil. Aval.
Psicol., Porto Alegre, v. 9, n. 2, ago. 2010 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677=04712010000200013-&lng=pt&nrm-
iso>. Acesso em 14 set. 2014.
Psicologia social
No Capítulo 1, você teve contato com a Psicologia Social pelo viés da
matriz sócio-histórica. Podemos entender, também, a Psicologia Social
como um estudo das condutas humanas que são influenciadas por ou-
tras pessoas. Isto é, o seu objeto de estudo, somos nós mesmos, partici-
pando das mais variadas interações sociais. Como bem esclarece o psi-
cólogo social HelmutKrüger (1986, p. 1):
... o principal ponto de partida [...], neste setor [...]: são seres humanos en-
tregues às suas múltiplas atividades e afazeres desde de que de alguma
forma — seja direta e imediata ou ao contrário — haja como referência uma
outra pessoa ou grupo de pessoas.
Um dos principais temas de pesquisa da Psicologia Social é o das ati-
tudes sociais, que veremos a seguir.
Definição de atitudes sociais
Para o senso comum, atitude é sinônimo de comportamento. Por
exemplo: Fulana tomou uma atitude com relação ao seu chefe. Em ge-
ral, a atitude de tornar a situação clara é coerente com o comportamen-
to, por exemplo, de Fulana ir conversar com seu chefe. Você já deve ter
percebido que atitude é uma predisposição mental e comportamento
é a ação. Para ficar mais claro, podemos entender atitude como uma
organização duradoura de pensamentos e crenças (cognições), dota-
da de uma carga afetiva pró ou contra um objeto social que predispõe
o indivíduo para a ação. Os componentes das atitudes então serão: a
cognição, o afeto e o comportamento.
MULTIMÍDIA
Paprika
Sinopse: em um futuro próximo, o Dr.
Tokita (Tôru Furuya) inventa um pode-
roso aparelho chamado DC-Mini, que
torna possível o acesso aos sonhos
das pessoas.
AUTOR
Helmut Krüger
O professor Helmuth Krüger é formado
em Filosofia e em Psicologia, pela Uni-
versidade do Estado da Guabanabara
(atual UERJ), é mestre em Psicologia
Aplicada e doutor em Psicologia pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV), e por
mais de vinte anos foi professor efetivo
da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (UFRJ), Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) e Universi-
dade Gama Filho (UGF). Sem dúvidas
o Professor Krüger é um dos grandes
nomes da Psicologia nacional, além
de ter orientado uma grande geração
de pesquisadores da Psicologia social
comprometidos com a Ciência e a Ética
na Psicologia.
40 • capítulo 2
Retornando ao nosso exemplo anterior, a atitude de Fulana de gostar
das situações esclarecidas tem origem nas suas experiênciassubjetivas,
que incluíram uma avaliação da situação, influenciando o seu compor-
tamento, que é ir conversar com seu chefe. As atitudes são construídas
ao longo da história de vida do sujeito. São aprendidas por meio da vi-
vência da pessoa, da imitação e da observação. Neste momento, torna-se
necessário apresentar o seguinte esclarecimento: conhecer, poder expli-
car e prever são acontecimentos ligados a variáveis ideológicas, políticas
e morais, que fazem parte de nossas atitudes. Agora, já podemos expli-
car preconceito, estereótipo e discriminação.
Preconceito, estereótipo e discriminação
Considera-se preconceito uma atitude que apresenta duas característi-
cas específicas: se forma sempre em torno de um núcleo afetivamente
negativo; e é dirigido contra um grupo de pessoas. Estamos falando de
preconceitos étnicos, religiosos, políticos, culturais, ideológicos e pro-
fissionais. Pela sua amplitude e gravidade, é de interesse social investi-
gar as suas causas e construir técnicas psicológicas como forma de pre-
venção, controle ou extinção.
Temos também os estereótipos que são colocações de certas ca-
racterísticas a pessoas pertencentes a determinados grupos sociais.
Os estereótipos podem ser definidos por atitudes positivas ou negati-
vas, em relação a estas pessoas. Comece a pensar em alguns estereó-
tipos positivos e negativos.
E, por fim, a discriminação, que é o comportamento que deriva do
preconceito e do estereótipo. Geralmente, a discriminação é negativa e
pode intensificar-se em situações de crise (política, econômica, social e
emocional). Mas por que razão existem estereótipos, preconceitos e dis-
criminações? Para a Psicologia, os estereótipos nos permitem simplificar
a realidade social. Por meio deles, reconhecemo-nos em determinado
grupo e nos diferenciamos de outros grupos. Sempre que nos sentimos
pertencentes a um grupo, desenvolvemos sentimentos de proteção com
quem nos identificamos, e de hostilidade e rejeição em relação aos dife-
rentes de nós. Como já vimos, a discriminação é o resultado dos dois fato-
res descritos, preconceito e estereótipo. Em cada cultura, em cada época,
existem diferentes formas de discriminação e diferentes grupos-vítimas
desta atitude. E o estigma? Qual a sua relação com todos estes conceitos?
Estigma
Na atualidade, segundo Goffman (1993), a palavra estigma representa
algo de mal, que deve ser evitado. Uma ameaça à sociedade. A sociedade
estabelece um modelo de categorias e tenta catalogar as pessoas de acor-
do com os atributos considerados naturais e comuns para ela. Alguém
CONCEITO
Experiências subjetivas
Experiências que se referem ao indiví-
duo (sujeito) ou fazem parte dele.
AUTOR
Goffman
Erving Goffman (Mannville, Alberta, 11
de junho de 1922 — Filadélfia, 19 de no-
vembro de 1982) foi um cientista social
e escritor canadense. Estudou a intera-
ção social no dia a dia, especialmente
em lugares públicos. Em Estigma — No-
tas sobre a manipulação da identidade
deteriorada, reexamina os conceitos de
estigma e identidade social, o alinha-
mento grupal e a identidade pessoal, o
eu e o outro, o controle da informação,
os desvios e o comportamento desviante,
abordando a “comunidade dos estigmati-
zados”, constituída por aqueles conside-
rados como “engajados numa espécie de
negação coletiva da ordem social” — bo-
êmios, delinquentes, prostitutas, ciganos,
malandros de praia, mendigos e até mes-
mo os músicos de jazz. Goffman tem um
importante papel na antipsiquiatria e no
movimento antimanicomial no Brasil gra-
ças à suas considerações sobre a função
social da psiquiatria em nossa sociedade.
capítulo 2 • 41
que demonstra pertencer a uma categoria com atributos incomuns ou
diferentes e pouco aceitos pelo grupo social, ou em casos extremos, é
considerado mau e perigoso. Dessa forma, essa pessoa estigmatizada é
anulada quanto à sua produção técnica, científica e humana. A socieda-
de limita e delimita a ação do sujeito estigmatizado, marcando-o como
desacreditado e determinando os malefícios que pode causar. Quanto
mais visível for a “marca”, menor será a possibilidade de reverter esta
situação. E agora, chegamos aos conceitos de normalidade e anormali-
dade ou comportamento patológico.
Questionamentos sobre a noção de normalidade
Esta é uma discussão antiga e atual, ao mesmo tempo. As ideias e os cri-
térios de avaliação destes termos foram sendo construídas com base no
desenvolvimento científico, na cultura e nos comportamentos daqueles
que avaliam os indivíduos. Surge, então, uma questão: o conceito de
normal e patológico é relativo. Sob o ponto de vista cultural, o que em
uma sociedade é considerado normal, aceito e valorizado, em outra so-
ciedade, ou na mesma sociedade, em outro momento histórico, pode
ser considerado anormal, desviante ou patológico.
Alguns critérios são estabelecidos para caracterizar a normalidade,
no entanto, você não deve esquecer que eles dependem de opções filo-
sóficas, ideológicas e pragmáticas. Para ilustrar essa questão tão contro-
vertida, segue uma apresentação esquemática de como podemos esta-
belecer a normalidade.
NORMALIDADE COMO
AUSÊNCIA DE DOENÇA
O critério que se utiliza é de saúde como “ausência
de sintomas, de sinais ou de doenças. Normal, desse
ponto de vista, seria aquele indivíduo que simples-
mente não é portador de um transtorno mental de-
finido. A normalidade é estabelecida não por aquilo
que ela supostamente é, mas, sim, por aquilo que ela
não é, pelo que lhe falta.
NORMALIDADE “IDEAL”
É estabelecido arbitrariamente uma norma ideal, o
que é supostamente “sadio” e mais “evoluído”. Trata-
se de uma norma constituída e referendada social-
mente. Depende de critérios socioculturais e ideoló-
gicos arbitrários.
NORMALIDADE ESTATÍSTICA
É um conceito de normalidade que se aplica especial-
mente a fenômenos quantitativos, com determinada dis-
tribuição estatística na população geral — como peso,
altura, tensão arterial, horas de sono etc. O normal passa
a ser aquilo que se observa com maior frequência.
MULTIMÍDIA
A outra história americana
Sinopse: Derek Vinyard (Edward Nor-
ton), o carismático líder de uma gangue
que prega a supremacia racial branca,
está na prisão por cometer um brutal
assassinato. Depois de solto, envergo-
nhado pelo seu passado e empenhado
em mudar, Derek percebe que deve
salvar seu irmão Danny (Edward Fur-
long) do mesmo destino.
Crash — No limite
Sinopse: Crash é um filme que mostra o
preconceito das pessoas escancarada-
mente. O filme provoca reações bastante
diversas e intrigantes, porém bem realis-
ta no mundo atual globalizado. A maioria
das cenas gira em torno dos preconcei-
tos racial, econômico, sexual e social. O
filme tem representantes dos grupos
étnicos mais diversos. Tem negros, bran-
cos, asiáticos e latino-americanos.
42 • capítulo 2
NORMALIDADE COMO BEM-
ESTAR
Determinada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É um conceito
criticado por ser muito vasto e muito impreciso. Bem-estar é algo difícil de
definir objetivamente.
NORMALIDADE FUNCIONAL
O disfuncional provoca sofrimento para o indivíduo e para o seu grupo social.
NORMALIDADE COMO
PROCESSO
Leva em conta aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, orga-
nizações e reorganizações ao longo do tempo, crises e mudanças próprias
dos períodos do desenvolvimento.
NORMALIDADE SUBJETIVA
Percepção subjetiva do indivíduo em relação a sua saúde e vivências subjetivas.
NORMALIDADE COMO
LIBERDADE
Propõe conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial.
A saúde mental estaria vinculada às possibilidades de transitar, com graus
distintos de liberdade, sobre o mundo e sobre o próprio destino.
NORMALIDADE OPERACIONAL
É um critério assumidamente arbitrário. Define-se o que é normal e patoló-
gico inicialmente, e busca-se trabalhar com tais conceitos.
A discussão sobre normalidade revela o poder que a ciência tem de, com base em diagnósti-
co de um especialista, fundamentado em algum critério, no caso da Medicina ou da Psicologia,
estabelecer o destino da pessoa rotulada, estigmatizada. Esse poder está fundamentado em co-
nhecimentos polêmicos, porque em outros momentos históricos, na mesma sociedade ou em
outras sociedades, não são considerados anormais.
A Organização Mundial de Saúde — OMS — afirma que não existe definição “oficial”
de saúde mental. As diferenças culturais, os julgamentos subjetivos e as diferentes teorias
com relação a este tema afetam o modo como a “saúde mental” é definida. Saúde mental é
um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional (Secre-
taria da Saúde do Governo do Paraná. Disponível em http://www.saude.pr.gov.br/modules/
conteudo/conteudo.php?conteudo=1059. Acesso em 10 out. 2014.
A saúde mental pode incluir a capacidade de um indivíduo para apreciar a vida e procurar um equi-
líbrio entre as suas atividades e os seus esforços para atingir a resiliência psicológica. Admite-se,
entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de transtornos mentais.
Os seguintes itens foram identificados como critérios de saúde mental:
1. Atitudes positivas em relação a si próprio;
2. Crescimento, desenvolvimento e autorrealização;
3. Integração e resposta emocional;
4. Autonomia e autodeterminação;
5. Percepção apurada da realidade;
6. Domínio ambiental e competência social.
capítulo 2 • 43
Secretaria da Saúde do Governo do Paraná. Disponível em http://www.saude.pr.gov.br/modu-
les/conteudo/conteudo.php?conteudo=1059. Acesso em 10 out. 2014.
CONCEITO
Resiliência psicológica
A resiliência é um conceito psicológico emprestado da Física, definido como a capacidade de o indivíduo
lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas — choque, estresse
etc. — sem entrar em surto psicológico. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Resili%C3%AAncia_
(psicologia). Acesso em 10 out. 2014.
No que diz respeito à doença mental, a polêmica persiste. Em Psiquiatria e em Psico-
logia prefere-se falar em transtornos ou perturbações ou disfunções ou distúrbios psíqui-
cos no lugar de doença. Transtorno revela um conceito que descreve um comportamento
diferente. A este termo são acrescentadas as palavras mental, psíquico e psiquiátrico para
descrever qualquer anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica
e/ou mental. Os transtornos mentais são um campo de investigação interdisciplinar que
envolve várias áreas das Ciências, como a Psicologia e a Psiquiatria.
No entanto, o que fazem os profissionais nestas áreas? Quais as diferenças de tratamen-
to em relação aos transtornos mentais? O psiquiatra é um profissional da Medicina que
após ter concluído sua formação, opta pela especialização em Psiquiatria. Esta é realizada
em 2 ou 3 anos e abrange estudos em Neurologia, Psicofarmacologia e treinamento especí-
fico para diferentes modalidades de atendimento, tendo por objetivo tratar os transtornos
mentais. Ele é apto a prescrever medicamentos no seu tratamento.
O psicólogo tem formação superior em Psicologia, ciência que estuda os processos
mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. O curso tem
duração de 4 anos para o bacharelado e licenciatura, e 5 anos para obtenção do título
de psicólogo. No decorrer do curso, a teoria é complementada por estágios supervisio-
nados que habilitam o psicólogo a realizar psicodiagnóstico, psicoterapia, orientação,
entre outras atividades, relacionadas aos transtornos mentais. Como não é um médico,
não pode prescrever medicamentos.
É importante que você compreenda que, muitos transtornos mentais necessitam da
prescrição de uma medicação específica, e o profissional mais adequado e preparado
para esta situação, na área médica, é o psiquiatra. Muitas pessoas têm vergonha de ir ao
consultório desses profissionais e acabam procurando outros especialistas que receitam
medicamentos, nem sempre mais adequados, para o transtorno mental apresentado pelo
indivíduo. Podemos dizer que, infelizmente, ainda existe discriminação em relação ao tra-
tamento psiquiátrico, que, em geral, é o mais correto para certos transtornos mentais.
No Brasil, a Câmara Federal aprovou, em 17 de março de 2009, em caráter conclusivo, o Projeto
de Lei nº 6013/2001, do deputado Jutahy Junior (PSDB-BA), que conceitua transtorno mental,
padroniza a denominação de enfermidade psíquica e assegura aos portadores deste transtorno
44 • capítulo 2
o direito a um diagnóstico conclusivo, conforme classificação internacional.
Este projeto determina que transtorno mental é o termo adequado para de-
signar o gênero enfermidade mental e substituiu termos como “alienação
mental” e outros equivalentes, que estereotipavam as pessoas portadoras.
Algumas abordagens críticas como a Antipsiquiatria e a Psiquiatria
Social denunciaram o saber científico, nesta área, como manipulação,
retirada da humanidade e dignidade dos portadores de transtornos
mentais, além das condições inadequadas de tratamento e internação.
Essas abordagens não negam que os transtornos mentais existam, mas
se propõem a enfrentá-los, utilizando uma postura crítica aos métodos
tradicionais. Acreditam que o portador de transtorno mental não é um
monstro, por isso, não deve ser desumanizado, mas, sim, avaliado por
meio de sua história de vida.
A famosa frase de FrancoBasaglia de que “a Psiquiatria é muito impor-
tante para ficar nas mãos só dos psiquiatras” não é uma declaração contra a
Psiquiatria, é uma declaração antimanicomial. Com base nestas posições,
no Brasil, também começou a se pensar na situação dos portadores de trans-
tornos mentais e surgiu a lei antimanicomial. Passemos para esta área.
As funções da lei antimanicomial
Você sabia que o portador de transtornos mentais tem direitos ga-
rantidos por uma lei especial? Em 1987, em um Encontro Nacional
de Trabalhadores da Saúde Mental, nasceu o Movimento da Luta An-
timanicomial. Seu lema era “Por uma sociedade sem manicômios”.
Nesta época, foram denunciados abusos e violações dos direitos hu-
manos dos portadores de transtornos mentais dentro dos manicô-
mios. A luta travada era pelo fim da internação e pela criação de aten-
dimentos alternativos. Uma das conquistas deste Movimento foi a lei
nº 10.216/2001, que determinou o fechamento progressivo dos hos-
pitais psiquiátricos e a instalação de serviços substitutivos. A partir
desta lei, o Brasil tem eliminado leitos psiquiátricos e substituído pe-
los serviços dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), residências
terapêuticas, programas de redução de danos, centros de convivência,
oficinas de geração de renda, entre outros programas.
LEITURA
BRASIL. lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm
Acesso em 07 set. 2014.
CONCEITO
Antipsiquiatria
É um termo que se refere a um conjunto
de movimentos que visa a criticar as te-
orias e as práticas fundamentais da Psi-
quiatria tradicional. A antipsiquiatria inspi-
rou mudanças significativas na Psiquiatria
e na origem de outros movimentos, como
o orgulho autista. No Brasil, ela está na
raiz da reforma psiquiátrica.
AUTOR
Franco Basaglia
Franco Basaglia era médico e psiquiatra,
e foi o precursor do movimento italiano
de reforma psiquiátrica conhecido como
Psiquiatria Democrática. Nasceu no ano
de 1924, em Veneza, Itália, e faleceu em
1980. Basaglia criticava a postura tradi-
cional da cultura médica, que transfor-
mava o indivíduo e seu corpo em meros
objetos de intervenção clínica. No cam-
po das relações entre a sociedade e a
loucura, ele assumia uma posição crítica
para com a Psiquiatria clássica e hospi-
talar, por ela se centrar no princípio do
isolamento do louco (a internação como
modelo de tratamento), sendo, portanto,
excludente e repressora.
capítulo 2 • 45
ESCOLA MUNICIPAL DE SAÚDE. Cartilha Programa Rede Sampa — Saúde Mental
Paulistana.
Disponível em: http://pt.slideshare.net/escolamunicipaldesaude/cartilha-programa
-rede-sampa-sade-mental-paulistana
Acesso em 07 set. 2014.
A lei nº 10.216/2001 surgiu como uma garantia de direitos e de rein-
serção social das pessoas estigmatizadas por serem portadoras de trans-
tornos mentais. Ainda se faz necessária uma luta mais ampla pelo res-
peito e garantia de direitos à diversidade e à singularidade de cada um.
O Museu de Imagens do Inconsciente foi criado em 20 de maio de 1952,
no Centro Psiquiátrico Pedro II (atualmente chamado Instituto Municipal
Nise da Silveira), no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, por iniciativa da
psiquiatra Nise da Silveira. Nise, oposta aos tratamentos psiquiátricos vi-
gentes na década de 1940 (eletrochoque, lobotomia), implantou, em 1946,
no Centro Psiquiátrico Pedro II, o Serviço de Terapêutica Ocupacional. Fo-
ram criados ateliês de pintura e modelagem, permitindo aos internos uma
nova forma de expressão e tratamento psiquiátrico, ainda inédito no Brasil.
O museu é fundado com a finalidade de preservar os trabalhos produzidos
nos ateliês, que servirão de base para uma maior compreensão dos pa-
cientes. Assim, por meio desse museu, Nise da Silveira conseguiu levar as
discussões do campo da saúde mental para toda a sociedade utilizando-
se, principalmente, de várias exposições.
RESUMO
Neste capítulo, você estudou a importância do desenvolvimento humano no proces-
so de socialização do indivíduo. Nossa personalidade pode ser explicada com base
em várias teorias que formam o corpo teórico da Psicologia, sendo este conceito um
dos mais estudados nesta Ciência.
Alguns conceitos da Psicologia Social foram expostos para que você pudesse per-
ceber a importância das situações que levam à formação de estereótipos, precon-
ceitos e discriminações.
Foram discutidas algumas questões sobre os critérios de normalidade e doença.
Finalizando, você conheceu a lei antimanicomial, que é de fundamental importância
na garantia dos direitos humanos para os portadores de doença mental.
ATIVIDADE
1. Pesquise, nos meios eletrônicos de comunicação, situações que expressam es-
tereótipos positivos e negativos, classificando-os quanto aos tipos (étnico, social,
cultural, religioso, profissional).
MULTIMÍDIA
Um estranho no ninho
Sinopse: Randle Patrick McMurphy, um
prisioneiro, simula estar insano para
não trabalhar e vai para uma instituição
para doentes mentais, onde estimula
os internos a se revoltarem contra as
rígidas normas impostas pela enfer-
meira-chefe Ratched, mas ele não tem
ideia do preço que irá pagar por desa-
fiar uma clínica “especializada”.
Bicho de sete cabeças
Sinopse: Wilson (Othon Bastos) e seu fi-
lho Neto (Rodrigo Santoro) possuem um
relacionamento difícil, com um vazio entre
eles aumentando cada vez mais. Wilson
despreza o mundo de Neto e este não
suporta a presença do pai. A situação
entre os dois atinge seu limite, e Neto é
enviado para um manicômio, onde terá de
suportar as agruras de um sistema que
lentamente devora suas presas.
46 • capítulo 2
2. Vincent Van Gogh nasceu na Holanda, no dia 30 de março de 1853. Começou sua carreira muito
jovem, com aproximadamente 15 anos. Depois de cinco anos se mudou para Londres e posteriormen-
te para Paris, devido ao reconhecimento que teve. Ele entrou para a História como um dos exemplos
mais notórios do artista maldito, do gênio desajustado, do homem incompreendido por seu tempo, mas
que foi aclamado pela posteridade. Ao longo da vida, sofreu uma série interminável de infortúnios:
desilusões amorosas, crises nervosas, misérias financeiras. Foi tratado como louco, ficou várias vezes
exposto à fome, à solidão e ao frio. Ridicularizado pela maioria de seus contemporâneos, hoje é con-
siderado um dos maiores mestres da pintura universal.
Durante sua vida, Van Gogh não conseguiu vender nenhuma de suas obras de arte. No final do ano de
1888, o pintor cortou sua orelha direita. Alguns biógrafos do artista afirmam que o ato seria uma espécie
de vingança contra sua amante Virginie, depois de descobrir que ela estava apaixonada pelo artista Paul
Gauguin. Segundo essa versão, o artista teria enviado sua orelha ensanguentada para a amante dentro de
um envelope. Desde sua morte, e infelizmente nunca antes disso, o pintor holandês Vincent van Gogh tem
sido objeto de fascínio e curiosidade. E não apenas pelos apreciadores de sua arte, mas também por estu-
diosos da mente humana que se dedicam a reconstruir os caminhos que o levaram ao suicídio, em 1890.
Você conseguiria incluir Van Gogh em algum critério de normalidade, estudado neste capítulo, lembrando
como este conceito é relativo e depende de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas?
3. Marque a resposta correta:
A Psicologia do Desenvolvimento tem como objetivo:
a. Estudar o desenvolvimento do ser humano apenas inserido em seu contexto social.
b. Estudar o desenvolvimento do ser humano apenas quanto ao seu intelecto e aspectos afetivoemocional.
c. Estudar o desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos: físicomotor, intelectual, afetivo-
emocional e social desde o nascimento até a velhice.
d. Estudar o desenvolvimento do ser humano apenas quanto ao seu aspecto intelectual e a construção de
seu conhecimento desde a infância até a vida adulta.
e. Estudar o desenvolvimento do ser humano e sua personalidade na infância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BOCK, A.M.B.; FURTADO,O.; TEIXEIRA, M de L.T. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. 13. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
_______. Psicologia fácil. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRAGHIROLLI, E.M. et al. Psicologia Geral. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
FRIEDMAN,H.S.; SCHUSTACK,M.W. Teorias da Personalidade. 2. ed. São Paulo: Pearson, 2004.
GOFFMAN, E. Estigma. La identidade deteriorada. 5. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1993.
KRUGER, H. Introdução à Psicologia Social. São Paulo: EPU, 1986.
LANE, S.T.M.; CODO, W. Psicologia Social: o homem em movimento. 12. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
PISANI, E.N.; PEREIRA,S.; RIZZON, L.A. Temas de Psicologia Social. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
RENNER, T.; MORISSEY,J.; MAE, L.; FELDMAN, R.S.; MAJORS, M. Psico. Porto Alegre: AMGH, 2012.
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
A Família
profa. lídia levy
13
48 • capítulo 3
3 A Família
A família e suas transformações: um breve histórico
O ser humano ao nascer é completamente dependente. Para se manter
vivo, ele necessita de outro ser humano que o alimente, o mantenha
aquecido, cuide dele física e emocionalmente. A família é, em princípio,
o primeiro grupo ao qual o ser humano pertence.
A família, enquanto instituição, pode ser entendida como uma cons-
trução social que varia ao longo da história da humanidade, portanto, vem
sofrendo algumas importantes modificações no decorrer dos tempos.
Na civilização romana antiga, a consanguinidade (o parentesco
biológico) não era necessária para o pertencimento à família. Se par-
tirmos da família patriarcal, observaremos que esta não era composta
apenas de marido, mulher e filhos. Ela se caracterizava como família
extensa e poderia incluir parentes, criados, escravos, e todos aqueles
que vivessem sob o comando do patriarca.
O patriarca detinha o poder sobre qualquer indivíduo da organi-
zação social da qual fazia parte. Crianças, adolescentes e suas mães
eram propriedades do senhor. Cabia-lhe o poder de tomar decisões,
sendo estas inquestionáveis. Cabia-lhe decidir sobre o futuro dos fi-
lhos e manter a unidade da família. Até a Idade Média, o casamento
era um contrato articulado pelos pais dos noivos para servir de base
a alianças entre as famílias. O pai da jovem transferia a tutela de sua
filha para o marido, sem que a existência de amor e a possibilidade de
escolha fossem consideradas.
O sentimento de família, como nós o conhecemos, começou a ser
desenvolvido a partir do século XVI. Antes disso, a família não era en-
tendida como um espaço privado. As relações sociais não permitiam a
intimidade da vida familiar, e a casa da família era considerada, social-
mente, um lugar público.
Segundo Ariès, a família antiga toma por objetivo a manutenção dos
bens e o exercício de um ofício comum, de modo que a socialização das
crianças não se fazia na intimidade do lar, mas era comunitária. A crian-
ça era, muitas vezes, afastada de sua família para apreender um ofício.
O período de supremacia do patriarcado permaneceu por vários sé-
culos. Foi a partir da Revolução Francesa que tal forma de organização
da sociedade começou a ser questionada. Os ideais de liberdade, igual-
dade e fraternidade e o respeito à singularidade de cada um na rede
social ganharam força e o patriarcado foi lentamente entrando em de-
CONCEITO
Patriarcal
O termo patriarcalismo é oriundo de Pa-
triarcado, que, por sua vez, tem origem na
palavra grega pater (pai) e designa a pre-
ponderância do homem na organização
social e, consequentemente, na família.
AUTOR
Ariès
Philippe Ariès foi um importante histo-
riador francês que estudou a família e
a infância. É autor de História Social da
Criança e da Família (1981).
capítulo 3 • 49
AUTOR
Giddens
Anthony Giddens é um sociólogo britâ-
nico contemporâneo, renomado por sua
Teoria da Estruturação. Esta teoria sus-
tenta que toda ação humana é ao menos
parcialmente predeterminada com base
nas regras variáveis do contexto em que
ela ocorre. No entanto, a estrutura e as
regras não são permanentes, mas são
sustentadas e modificadas pela ação
humana. É autor de A transformação da
Intimidade (1993) e As consequências
da modernidade (1991).
CONCEITO
Individualismo
Individualismo é um conceito que expri-
me a afirmação e a liberdade do indiví-
duo frente a um grupo, à sociedade ou
ao Estado. O exercício da liberdade indi-
vidual implica, necessariamente, na pos-
sibilidade de fazer escolhas e por elas se
responsabilizar.
clínio. Um movimento denominado “individualismo” foi inaugurado e
teve consequências nas transformações da família ocidental.
É importante lembrar que o casamento foi instituído pela Igreja como
lugar legítimo para a sexualidade desde que voltado para o fim de procria-
ção. A sociedade burguesa, que se desenvolveu no final do século XVII,
passou a reconhecer e valorizar a sexualidade, mas construiu uma verda-
de regulada sobre esta, ou seja, manteve-a restrita aos limites da relação
conjugal. Como consequência, o casamento por amor foi se estabelecendo
como o desejável e, entre os séculos XVIII e XIX, o amor romântico se tor-
na o ideal de casamento e deu sustentação ao casamento monogâmico e à
família nuclear burguesa, ou seja, aquela composta por pai, mãe e filhos.
Com a modernidade e o crescimento do individualismo, amor, se-
xualidade e casamento se associaram. Um novo ideal de conjugalidade
fez do casamento o lugar de promessa de felicidade onde o amor e a
sexualidade são condições fundamentais. Valoriza-se a complementa-
ridade entre os gêneros, a fidelidade mútua, a atração sexual, a intenção
de constituir família e perpetuá-la. Valoriza-se a intimidade e o caráter
reparador de uma relação amorosa. Giddens nos lembra das categorias
de “para sempre e único” do amor romântico. Havia a expectativa de vi-
ver um “amor à primeira vista”, que levaria o sujeito ao encontro de sua
“alma gêmea” e esta viria preencher o vazio em sua existência.
No final do século XIX e início do século XX, o discurso disciplinador
começou a perder força; ou seja, passamos de uma sociedade repressiva
para uma sociedade mais permissiva. Com o início do declínio do mo-
delo patriarcal no meio doméstico, a relação entre pais e filhos se modi-
ficou. O domínio do homem neste terreno se enfraqueceu, e a mulher
se consagrou como rainha do lar. Assim é que o espaço privado passou
a ser o território feminino, enquanto o espaço público se consolidou
como território masculino. Neste sentido, o modelo patriarcal se man-
tém, apesar das transformações.
Ainda segundo Giddens, nesta época, ocorreu a chamada invenção
da maternidade, quando se exaltou a importância da mãe na criação dos
filhos. A criança tornava-se propriedade exclusiva da mãe, havendo pra-
ticamente um desconhecimento do pai no início de sua vida. Verificou-
se um deslocamento da autoridade patriarcal na família para um valor
conferido aos cuidados maternos.
A família se firmou como base de sustentação da sociedade. A famí-
lia patriarcal evoluiu e deu lugar à família caracterizada como um gru-
po vinculado pelo afeto. A família moderna passou a ser compreendida
como uma entidade socioafetiva que tem o dever de afeto entre os seus
membros. É no seio familiar que são transmitidos os valores morais e
sociais que servirão de base para o processo de socialização da criança,
bem como as tradições e os costumes perpetuados através de gerações.
A família tornou-se responsável pela garantia da ordem e pela formação
educacional e afetiva de sua prole. Cabe-lhe procriar e oferecer às crian-
50 • capítulo 3
ças os elementos necessários para a constituição de suas identidades e
para a sua socialização. Espera-se que seja capaz de imprimir a noção de
limite necessária ao desenvolvimento do ser humano.
Como vimos anteriormente, até meados do século passado, desejava-
se que o amor, e consequentemente, o casamento, durassem para sem-
pre e se sustentassem em projetos comuns. Não era raro que os sujeitos
se mantivessem casados em nome dos filhos. Trocava-se uma parcela
de felicidade por segurança. Ainda no início do século XX, o casamento
e os valores familiares nele implicados ocupavam um lugar privilegiado
e costumavam funcionar como referências que conferiam alguma esta-
bilidade e segurança ao sujeito. Algumas ideologias conduziam com cla-
reza os rumos que os indivíduos deveriam tomar para serem respeitados
na sociedade. As restrições que lhes eram impostas, em princípio, lhes
fornecia segurança, apesar de nem sempre felicidade.
As idealizações construídas em torno do amor romântico, entretanto,
provocavam constantes conflitos, resultantes da desilusão pelo não aten-
dimento das expectativas criadas; consequentemente, essas idealizações
começaram a se romper. Paralelamente, a inserção da mulher no mer-
cado de trabalho e as possibilidades por ela adquiridas de controle da
natalidade contribuíram para o declínio progressivo do patriarcado. A pí-
lula anticoncepcional concedeu às mulheres mais liberdade em sua vida
sexual, e também o divórcio levou a mudanças significativas na dinâmica
familiar. Pode-se dizer que a estrutura familiar tradicional foi redefinida
com a diluição da supremacia do homem no contexto familiar.
Hoje não mais se espera que os sujeitos permaneçam presos a um ca-
samento infeliz, e muitos casais optam pela ruptura do vínculo em caso
de insatisfação mesmo que transitória. Não mais se aceita o casamento
sem desejo e sem amor, e as exigências atuais do individualismo pressio-
nam os parceiros no sentido da ruptura de uma relação que não se encai-
xe nos moldes considerados ideais. Em princípio, o laço conjugal só se
mantém se for capaz de proporcionar satisfações a ambos os parceiros.
Novas formas de amar e de se relacionar vão sendo construídas
para responder às exigências de uma sociedade onde os valores estão
em constante mutação. A contemporaneidade produz a crença de que
a conjugalidade não deve interferir na individualidade e, cada vez mais,
os indivíduos parecem acreditar que não se deve abrir mão do prazer em
nome da estabilidade da relação conjugal.
Para Féres-Carneiro (1998), o casal contemporâneo é confrontado
com o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Os ide-
ais individualistas de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a
satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Se
por um lado, estimula-se a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o
casal deve respeitar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por
outro, surge a necessidade de vivenciar o cotidiano comum, os desejos
e projetos conjugais. Valorizar os espaços individuais significa, muitas
AUTOR
Féres-Carneiro
Terezinha Féres-Carneiro é uma psicó-
loga brasileira especialista em terapia
de família e casal, autora, dentre outros
trabalhos de Casamento contemporâ-
neo: o difícil convívio da individualidade
com a conjugalidade (1998).
capítulo 3 • 51
vezes, fragilizar os espaços conjugais, assim como fortalecer a conjugali-
dade demanda, quase sempre, ceder diante das individualidades.
Na mesma linha de raciocínio, Ehrenberg busca compreender certas
mudanças na individualidade contemporânea referidas à crescente auto-
nomia do indivíduo. Estimula-se a busca de prazer constante, o que, pa-
radoxalmente, resulta em uma experiência de insuficiência e fracasso. Ao
mesmo tempo em que a autonomia é desejada, ela é fonte de novos sofri-
mentos para aqueles que não conseguem alcançar os ideais que a socieda-
de lhe impõe e não contam com os laços sociais, hoje cada vez mais frágeis.
Verifica-se uma expansão da sociedade de consumo e uma fragi-
lização das instituições tradicionais como o Estado e a família. Para
Bauman, se anteriormente a sociedade dita moderna era vivida como
sólida, com ideologias que indicavam direções claras, hoje, vive-se uma
espécie de modernidade líquida, fluida e com um consumismo exacer-
bado. As compulsões geradas pelo estímulo ao consumo levam cada vez
mais ao isolamento afetivo como formas de proteção. Há um impulso
para uma ação sem limites na busca do prazer e do poder. Provoca-se
no ser humano o desejo de consumir ilimitadamente. Consequente-
mente, a exacerbação do individualismo e a cultura do descartável re-
percutem na conjugalidade e na parentalidade.
ATENÇÃO
Em decorrência do que foi até aqui exposto, a nova dinâmica de laços familiares ga-
nhou mobilidade e flexibilidade, mas paralelamente à autonomia do homem atual en-
contramos a solidão como uma das características marcantes da contemporaneidade.
Tipos de famílias
Família nucelar
Quando pensamos na família padrão, dita tradicional, referimo-nos à
família nuclear, tal como estabelecida entre os séculos XIX e XX. Na se-
gunda metade do século XX, novas formas de família começam a ser
construídas, causando estranheza. O aumento do número de casais
separados provocou diversos arranjos familiares que, inicialmente,
confrontados ao modelo tradicional, geravam preconceito. Vale lem-
brar que, em época não tão distante, eram comuns as profecias sobre
o destino dos filhos de pais separados e os problemas emocionais que
os atingiriam. A tendência da sociedade, em seu processo de transfor-
mação, foi tornar-se cada vez mais flexível para acolher novas configu-
rações das relações conjugais e familiares.
AUTOR
Ehrenberg
Alain Ehrenberg é um sociólogo fran-
cês, autor de O culto da performance —
da aventura empreendedora à depres-
são nervosa (2010).
AUTOR
Bauman
Zygmunt Bauman é um sociólogo polo-
nês autor de livros como A modernidade
líquida (2001) e Amor líquido: Sobre a
fragilidade dos laços humanos (2004).
MULTIMÍDIA
O poderoso chefão
Sinopse: O poderoso chefão é um filme
clássico, que trata da dependência, sub-
missão e admiração dos membros de
uma família de formato patriarcal em re-
lação ao patriarca. Apresentado como um
“padrinho”, um protetor; o personagem
principal recebe cumprimentos e promes-
sas de lealdade da família e de clientes e,
em troca, lhes oferece sua proteção.
52 • capítulo 3
O casamento formal, heterossexual com fins de constituição da família, continua sen-
do uma referência e um valor importante, mas convive com outras formas de relaciona-
mento conjugal como as uniões consensuais, os casamentos sem filhos ou sem cohabita-
ção, e também as uniões homoafetivas.
Também a família nuclear ou tradicional, ou seja, pais casados morando junto com
seus filhos biológicos, convive com novas configurações familiares não mais definidas pelo
biológico e pelo conjugal. Os novos arranjos familiares são formas de ligação afetiva que
fogem aos padrões considerados tradicionais como as famílias monoparentais, reconsti-
tuídas, adotivas, homoafetivas com filhos adotivos ou nascidos por inseminação artificial.
Encontramos, cada vez mais, recomposições familiares e recasamentos sucessivos de um
ou de ambos os pais, tendo ocorrido as separações quando os filhos ainda eram bebês.
A família monoparental
É aquela em que apenas um dos pais de uma criança arca com as responsabilidades de
criar o filho. Isto ocorre, por exemplo, quando o pai não reconhece o filho e abandona a
mãe, quando um dos pais morre ou quando dissolvem a família pela separação ou divórcio.
Observa-se, na atualidade, um número cada vez maior de famílias monoparentais. Na rea-
lidade brasileira, com frequência encontramos famílias chefiadas por mulheres, arcando
com o sustento e a educação dos filhos sem a participação paterna.
Famílias monoparentais podem ser beneficiadas por uma rede de apoio social e afetiva,
ou seja, pela presença de pessoas significativas, sejam da família extensa, amigos ou mem-
bros da comunidade, com os quais possam manter relações afetivas. As redes funcionam
suprindo, em parte, as funções da figura parental ausente, impedindo o isolamento e aju-
dando na socialização das crianças.
Famílias recompostas
O crescente número de divórcios vem sendo acompanhado de um número igualmente
crescente de famílias recompostas: aquelas em que ao menos um dos membros do casal
possui filhos de relações anteriores. A família reconstituída define-se pela presença, no lar,
de filhos provenientes de uniões anteriores de um ou de outro cônjuge, ou seja, uma pessoa
que já tem uma família leva seus filhos, oriundos desta família, para conviverem com a sua
nova relação, que pode também já ter filhos. Não existe uma família recomposta típica,
pois cada um dos parceiros pode já ter tido um ou mais casamentos, um ou mais filhos das
relações anteriores, residindo ou não com eles, e filho (s) gerado (s) no casamento atual.
Famílias homoafetivas
As famílias homoafetivas colocam em questão o modelo tradicional fundado na reprodução
biológica e a heterossexualidade do casal, pois as crianças não nasceram de sua união sexual.
O desejo de filho e de formar família não é mais privativo dos casais heterossexuais, visto que
sujeitos vivendo uma relação homoafetiva recorrem cada vez mais à adoção ou a procedimen-
tos advindos da Biotecnologia. A homoparentalidade levantou questões sobre se o exercício
das funções parentais deveria estar vinculado ao gênero dos pais ou se qualquer sujeito, em
capítulo 3 • 53
uma relação homoafetiva, poderia exercê-las. Pesquisas atuais têm en-
contrado resultados que confirmam esta última hipótese. Verifica-se que
a saúde psíquica dos pais e as motivações inconscientes implicadas no
desejo de ter um filho, e não o seu sexo, são aspectos a serem privilegiados
quando se trata de pensar a parentalidade.
A opção por não constituir família
Existe, ainda, outra situação que vem sendo observada com alguma re-
gularidade e nos leva a desconstruir o conceito de casamento referido à
formação de uma família. Isso porque o casamento contemporâneo não
necessariamente envolve um projeto de filiação e descendência e vem
crescendo o número de casais que optam por não ter filhos. Existe, po-
rém, ainda uma estigmatização e uma pressão social sofrida por casais
que optam por não ter filhos. Muitas mulheres relatam que sentem o
preconceito, principalmente, quando são rotuladas de egoístas.
CURIOSIDADE
• No site da Globo News, em 06/08/2013, foi publicado um comentário sobre a
capa da revista americana Time daquela semana. Nela, estava estampada a foto de
dois jovens em trajes de banho, tranquilos, deitados na areia da praia. A imagem fazia
referência a uma reportagem sobre a vida de casais que optaram por não ter crianças.
Discute-se que a mudança de comportamento está relacionada com as conquistas das
mulheres e que uma das motivações frequentemente alegada é a questão financeira.
• Na Revista Abril, de junho de 2008, encontramos o seguinte relato:
à primeira vista, a pedagoga Cristiane Ferreira, paulistana de 32 anos, pa-
rece ter seguido o caminho estabelecido pela geração de seus pais — con-
cluiu o curso universitário, arranjou um bom emprego e casou-se com o na-
morado da adolescência. A semelhança entre as histórias, porém, só vai até
essa fase da vida. A mãe de Cristiane teve três filhos. A pedagoga, por sua
vez, não pretende ter herdeiros. Não porque tenha algum problema de saúde
que a impeça. Apenas não quer. “Já durante o namoro deixei bem claro que
a maternidade não era para mim”, ela conta. O artista plástico Sebastião
Carvalho, de 34 anos, com quem Cristiane é casada há quatro, concordou.
Embora a decisão cause estranheza entre amigos e parentes, o casal é taxa-
tivo ao dizer que é definitiva. “Já avisei meu pai que, se depender de mim, ele
não será avô”, assegura ela. Cristiane não está sozinha. Renunciar aos filhos
tornou-se uma opção frequente entre os casais de poder aquisitivo elevado
no Brasil. Segundo o IBGE, nos últimos 12 anos, o total de casais sem filhos
aumentou 50% no país. Entre os casais nos quais ambos os cônjuges traba-
lham, o número simplesmente dobrou. Nesse grupo, há mais de 2 milhões de
casais brasileiros que optaram por não ter filhos, contra 1 milhão em 1996.
MULTIMÍDIA
Minhas mães e meu pai
Sinopse: dois irmãos adolescentes, Joni
(Mia Wasikowaska) e Laser (Josh Hu-
tcherson), são filhos do casal Jules (Ju-
lianne Moore) e Nic (Annette Bening),
concebidos por inseminação artificial de
um doador anônimo. Contudo, ao com-
pletar a maioridade, Joni encoraja o irmão
a embarcar numa aventura para encon-
trar o pai biológico sem que as mães
saibam. Quando Paul (Mark Ruffalo) apa-
rece, tudo muda, já que logo ela passa a
fazer parte do cotidiano da família.
54 • capítulo 3
Como vimos, neste item do capítulo, o modelo de família tradicional era, até então, mo-
delo de “normalidade”. Acreditava-se que para a produção de “crianças saudáveis” era ne-
cessária a presença indispensável do par homem/mulher contribuindo para sua formação.
Não podemos esquecer que, até bem recentemente, a “ausência paterna” costumava ser
apontada como uma das principais causas da desestruturação familiar. Diante da realida-
de de uma população, onde cada vez mais a mulher é a provedora do lar, arcando sozinha
com a educação dos filhos, a figura paterna praticamente inexistente era com frequência
a explicação rapidamente encontrada para justificar a problemática emocional de uma
criança ou adolescente. Em contraposição, encontramos no discurso de mulheres que, por
exemplo, adotam sozinhas uma criança, a certeza de inexistirem garantias de que esta seria
mais feliz e equilibrada emocionalmente, vivendo numa família constituída por pai e mãe.
Hoje, verifica-se que não existe uma forma de organização familiar ideal que, garanta um
desenvolvimento mais sadio ou mais patogênico. A falta de um dos genitores (monoparenta-
lidade) ou os divórcios e recasamentos dos genitores, ou ainda a presença de duas pessoas do
mesmo sexo (homoparentalidade) exercendo as funções parentais não são necessariamente
causas de patologias. Estas também se desenvolvem no contexto da família tradicional.
A família, portanto, independentemente de sua forma, é concebida como o primeiro
sistema no qual um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais são vivenciados.
O mundo infantil adquire significado pela troca intersubjetiva com as pessoas que a cer-
cam e constituem o primeiro referencial para a formação da sua identidade. Ao nascer, a
criança já encontra um mundo organizado segundo parâmetros construídos pela socieda-
de e incorporados por sua família, que, por sua vez, também carrega uma cultura própria.
Além das figuras parentais, outros agentes sociais, como os avós, funcionam como media-
dores na relação entre a criança e a sociedade. Essa cultura familiar e social que lhe é trans-
mitida fará parte de sua história.
LEITURA
DIAS, Maria Berenice. Novos tempos, novos termos. Disponível em: http://www.mbdias.com.br/hartigos.
aspx?23,8 Acesso em 10 out. 2014.
FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA AS TRANSFORMAÇÕES SOFRIDASPELA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE
1. Os progressos da Medicina contribuíram para desconectar procriação e sexualidade, de modo que a
filiação não é mais associada à realidade biológica, isto é, os pais não são necessariamente os genitores
de seus filhos. A existência de “barrigas de aluguel” ou do banco de sêmen contribui para modificar as
antigas certezas sobre a filiação. Lembremos que a paternidade, no Direito Romano, era estabelecida
por lei, não se considerando a “verdade biológica”. O casamento determinava quem era o genitor/pai.
A partir dos progressos da biotecnologia e dos exames de DNA, a presunção de que a filiação decorre
do casamento passou a poder ser questionada, confrontada com o critério da “verdade biológica”. Hoje,
discute-se em que dimensão a natureza ou a sociedade se impõe para designar a filiação e se é possí-
vel privilegiar os critérios biológicos, os legais ou os afetivos para definir a maternidade e a paternidade.
capítulo 3 • 55
2. O Direito ampliou o conceito de paternidade ao valorizar o parentesco psicológico que prevale-
ce sobre a verdade biológica e a realidade legal. Neste sentido, a filiação socioafetiva ganha espa-
ço na legislação. A parentalidade passa a ser definida não apenas pela Biologia, mas por fatores
sociais e afetivos. Este conceito abarca as experiências de mulheres e homens em “tornar-se pais”,
como uma construção mais ampla que o registro biológico.
3. As funções de pai e mãe começaram a ser pensadas conjuntamente com a utilização de
uma mesma palavra, ou seja, “parental”. O conceito de parentalidade amplia não só a noção de
paternidade, mas também desfez a associação entre a função materna e uma mulher e a função
paterna e um homem. Tais funções foram distribuídas para mais de uma pessoa, de modo que
não apenas genitor e genitora podem exercê-las. Cabe lembrar, por exemplo, que o pai biológico,
o pai legal (que perfilha a criança e lhe dá ou não o nome) e o pai que a cria não são encarna-
dos necessariamente nas mesmas pessoas, ou seja, são lugares que podem ser assumidos por
diferentes homens. A parentalidade pode ser retomada por outros membros da família ou pela
família em seu conjunto visto que outros vínculos também são capazes de sustentar as funções
indispensáveis à estruturação do sujeito.
4. Por longo tempo homens e mulheres tiveram lugares e funções bem definidos. Se considerar-
mos a concepção tradicional de paternidade seremos remetidos a um indivíduo do sexo masculino,
ocupando o lugar de pai, legitimado pela inscrição de seu nome na certidão de nascimento do
filho. Deste homem esperava-se que fosse o provedor da família e desse os limites necessários à
educação de seus filhos. Da maternidade, tradicionalmente referida à genitora, são pressupostos
os cuidados básicos, o acolhimento e a nomeação das necessidades físicas e emocionais do filho.
Temos, hoje, uma tendência à redefinição desses papéis. Verifica-se que os papéis maternos e
paternos são multidimensionais e complexos, e que pais e mães desempenham papéis diferentes
em contextos culturais diferentes.
5. Acreditava-se que o homem era biologicamente despreparado para os cuidados infantis. No
final do século XX, a divisão do trabalho doméstico entre os membros do casal, considerando-se
que ambos trabalham fora de casa, aumentou gradativamente o envolvimento paternal nas tarefas
ligadas ao cotidiano dos filhos. Hoje, é comum ouvir falar dos “novos pais”, que romperam o modelo
no qual foram criados. O “novo homem” seria mais participativo na vida afetiva e familiar, dividindo
com a mulher os âmbitos público e privado. Nesse sentido, o papel do pai vem sendo cada vez
mais discutido e repensado. Constata-se, entretanto, que, mesmo que atualmente o pai pareça
estar assumindo um papel mais participativo na vida dos filhos, as crenças e os valores herdados
do patriarcado e presentes no imaginário social não se transformam com facilidade. Essas mudan-
ças vêm sendo ainda ensaiadas, mas não é fácil romper com a dicotomia entre o que é feminino
e o que é masculino em nossa cultura. A educação dos meninos hoje, ainda que de forma menos
intensa, estimula a virilidade e a força numa postura ativa frente à sociedade e, ao mesmo tempo,
demanda-se que se transforme em um homem mais sensível e participativo nas relações afetivas.
Observa-se que o novo convive com o tradicional e provoca conflitos.
56 • capítulo 3
6. Em decorrência das transformações já mencionadas e com a atribuição de
direitos e deveres iguais para homens e mulheres, gradativamente, foi ocorren-
do a substituição do Pátrio Poder pelo Poder Familiar, isto é, o poder paterno
foi substituído por uma autoridade compartilhada. Hoje, cabe ao casal parental
a responsabilidade conjunta de criar, educar, manter e representar os filhos.
7. Em relação à construção da conjugalidade, entende-se que ela é hoje
modificada pela emancipação feminina, pela liberação sexual, pela possibili-
dade de divórcio e da escolha amorosa entre os parceiros. Sendo assim, seu
objetivo primeiro pode não ser a constituição de uma família.
A construção da parentalidade: relações afetivas
Historicamente, a tarefa de cuidar tem sido associada ao gênero femi-
nino, e o papel de mãe ainda é idealizado culturalmente, sendo o amor
materno ainda cobrado como incondicional.
Começaremos a discutir o tema da construção da parentalidade
e da importância dos investimentos afetivos com base no trabalho de
Elizabeth Badinter sobre o “mito do amor materno”. Para a referida
autora, o amor materno enquanto instinto (universal e natural), é um
mito construído sócio-historicamente. O amor materno, portanto, não
é inato nem inscrito desde sempre na natureza feminina. Para Badinter,
costumava-se descrever o que se acreditava ser o instinto materno como
“uma tendência primordial que cria, em toda mulher normal, um dese-
jo de maternidade e que, uma vez satisfeito esse desejo, incita a mulher
a zelar pela proteção física e moral dos filhos”. A mulher era feita para
ser mãe, e uma boa mãe. As exceções eram consideradas patológicas. É
comum encontrarmos mulheres se sentindo culpadas por não agirem
ou não sentirem o que delas se espera.
Entretanto, uma mulher pode ser “normal” sem ser mãe, e nem toda
mãe tem um impulso irresistível de se ocupar do filho. Observam-se dife-
rentes circunstâncias nas quais não existem condições propícias ao apego,
e o sentimento de amor por um filho simplesmente não ocorre. O amor ma-
terno, portanto, não é uma norma, mas é adquirido ao longo dos dias pas-
sados ao lado do filho, e por ocasião dos cuidados que lhe são dispensados.
Da mesma forma, não se pode falar de uma essência masculina, de
caráter abstrato e universal, mas, sim, de um homem e de um pai mul-
tifacetados, situados temporal e relacionalmente. Assim, masculino e
feminino são categorias inscritas no social que ganham significados di-
versos em função do contexto.
AUTOR
Elizabeth Badinter
Elisabeth Badinter é uma filósofa fran-
cesa que representa um modelo de
pensamento feminista. É autora de Um
amor conquistado: O mito do amor ma-
terno (1985).
capítulo 3 • 57
Partindo dessas considerações, é possível afirmar que a parentalida-
de não se estabelece automaticamente a partir da chegada de um filho,
mas é um complexo e lento processo. Não basta ser genitor ou genitora,
há um trabalho psíquico a ser feito para alguém tornar-se pai ou mãe
e investir afetivamente a criança, reconhecendo-a como filho. Assim
sendo, costuma-se dizer que qualquer criança, não importando em que
tipo de família esteja inserida, precisa ser adotada. Se a filiação não está
apoiada apenas na realidade genética, mas deve ser fundada no desejo e
na disponibilidade de assumir a função parental, a expressão “laços do
coração”, utilizada para caracterizar a filiação adotiva, poderia ser refe-
rida a qualquer filiação, seja ela adotiva ou não. São laços fundados no
desejo dos pais e em sua disponibilidade de assumir a função parental.
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
(20/11/89), ao estipular, em seu Artigo 8, que os Estados partes deverão
se comprometer a respeitar o direito da criança à sua identidade, inclui,
enquanto elementos básicos da identidade de um indivíduo, a naciona-
lidade, o nome e as relações familiares. Ao nascer, a criança recebe o di-
reito à cidadania, ou seja, é natural de algum lugar. Nome e sobrenome
indicam pertencimento a um grupo familiar. Quando nomeada, a crian-
ça é incluída em uma rede de parentesco a qual se vinculará, e a família
será responsável pela produção de sua identidade social.
Entretanto, não é apenas o fato de ter o sobrenome daqueles que se
intitulam pais que irá inscrever o sujeito em uma família. É necessário
também que tenha sido tratado, educado e mantido por aqueles como
filho e, portanto, reconhecido como tal pela sociedade e pela família.
São fatos que constituem uma “verdade socioafetiva” e atribuem o esta-
tuto de pais àqueles que amam e educam. A filiação afetiva ganha cada
vez mais espaço e diferentes adultos podem assumir funções parentais,
mesmo não sendo os pais legais nem os genitores.
No caso de uma adoção não existe gestação, mas os pais adotivos
vão falar de uma “gestação psicológica”, que indica seu desejo de rece-
ber a criança adotada como filho. Qualquer processo de construção da
parentalidade se inicia com uma criança imaginária, sonhada pela mãe
durante a gravidez. Também no período de espera pela chegada do filho
adotivo, seus pais vão construir, em seu imaginário, as características da
criança que aguardam, e fantasiar os pais que irão ser. Este processo faz
parte do investimento afetivo que precede a chegada de um filho.
Caso isso não ocorra, as crianças adoecem na medida em que não
encontram resposta às suas necessidades de amor e reconhecimento.
Ao segurar a criança, olhá-la, investir nela seu afeto, a mãe, adotiva ou
não, fornece ao filho a experiência de ser contido e possibilita-lhe cons-
truir uma identidade. Ela lhe transmite seu desejo e as expectativas que
fabricou sobre o lugar que o filho iria ocupar em sua vida. Não é difícil
perceber o quanto uma criança parece reviver tão logo uma adoção é fei-
ta por pais investidos e determinados.
MULTIMÍDIA
Um sonho possível
Sinopse: é um filme lançado no Brasil,
em 2010, que ilustra a construção de
uma filiação socioafetiva. O filme conta
a história real de um jovem negro vindo
de um lar destruído, que é acolhido por
uma família branca de classe alta.
58 • capítulo 3
Conjugalidade X Parentalidade: separações e reca-samentos
A vida em casal é ainda hoje sentida como um dos principais espaços psíquicos de satisfa-
ção, neste sentido, o laço conjugal tem um valor organizador que justificaria a troca de uma
parcela das possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança. Um dos grandes
desafios dos casais da atualidade é redefinir expectativas e idealizações sobre o casamento.
Isso significa ultrapassar a dificuldade de lidar com frustações e com os limites do parceiro.
Dois sujeitos, com suas diferentes histórias de vida, se unem e estabelecem uma rela-
ção, uma conjugalidade. A criança é o elemento que inaugura a família e são os laços afe-
tivos que organizam o grupo familiar. O casal conjugal funda-se nas relações sexuais e no
afeto recíproco entre os cônjuges, enquanto o casal parental, responde pela necessidade de
levar bem a criação de seus filhos.
Embora o divórcio possa ser, às vezes, a melhor solução para um casal cujos mem-
bros não se consideram capazes de continuar tentando ultrapassar suas dificuldades,
ele é sempre vivenciado como uma situação extremamente dolorosa e estressante. A se-
paração provoca, nos cônjuges, sentimentos de fracasso, impotência e perda, havendo
um luto a ser elaborado.
O fracasso conjugal dos pais não impede que se continue a assegurar conjuntamente
as funções parentais. Os laços conjugais se rompem, mas há necessidade de cuidar dos
laços parentais. Portanto, mesmo que o laço matrimonial se desfaça, espera-se que o
laço parental se fortaleça e, idealmente, os ex-cônjuges devem permanecer pais em con-
junto e de comum acordo.
ATENÇÃO
Vale reforçar a compreensão de que a ruptura do vínculo conjugal não deveria ameaçar o vínculo existente
entre pais e filhos, nem implicar em separação parental. O desejável seria que, após uma separação con-
jugal, os pais pudessem transmitir segurança aos filhos, em relação ao amor parental, e acordar sobre a
melhor maneira de com eles conviver.
O número crescente de separações parentais tem exigido que o valor dos vínculos
de filiação seja reforçado a fim de que estes se tornem pontos de apoio suficientemente
sólidos e permitam à criança definir-se socialmente e diferenciar-se psiquicamente.
Quando pai/mãe e filho deixam de viver juntos, espera-se que a relação entre eles per-
maneça sólida, e que a relação entre pai e mãe esteja suficientemente elaborada para que
todos possam sustentar com clareza os lugares que ocupam. Ou seja, espera-se que os fi-
lhos não precisem ocupar o lugar de um dos pais nem que disputem o lugar do ex-cônjuge.
Um aspecto importante ainda a ser considerado é o justo desejo de ambos ex-cônjuges
de terem suas vidas afetivas refeitas. Após a separação, a criança é levada, por vezes, a in-
tegrar uma ou duas novas famílias em decorrência da trajetória da vida de seus pais. Com
isto, a criança irá se defrontar com a multiplicação dos papéis parentais e a distribuição da
função de pai e mãe para outros homens e mulheres, na medida em que padrastos e ma-
drastas passam a conviver com ela.
capítulo 3 • 59
Os cônjuges dos pais, sem substituir os pais biológicos, são relevantes na nova dinâmica
familiar que se estabelece. É bem verdade que não existe um estatuto que dê legitimidade a
sua participação na vida dos enteados, ou seja, não existe uma lei que reconheça o vínculo en-
tre enteado e padrasto ou madrasta ou que estabeleça direitos e deveres para regular esta re-
lação. Tantas são as configurações possíveis que não se conseguiria definir antecipadamente
que lugar irá ocupar a madrasta ou o padrasto na vida de uma criança. Eles podem ser chama-
dos a exercer algumas prerrogativas em relação à criança, mas, por exemplo, é comum obser-
var-se que o padrasto exerce apenas a função que a genitora de seus enteados lhe conceder.
O papel social de padrastos e madrastas precisa ser inventado no cotidiano vivenciado
por eles. A construção desta relação não necessariamente reproduzirá os estereótipos das
madrastas dos contos de fada. Vale lembrar como muitos enteados vêm substituindo a pa-
lavra “madrasta” por “boadrasta”. Entretanto, pode ocorrer que o vínculo do pai com quem
não se convive seja tão intenso, que a criança se recuse a investir no novo companheiro da
mãe com quem passa a conviver.
O sucesso dessas construções dependerá do tipo de relação estabelecida entre os pais,
entre estes e os novos cônjuges e do lugar que a criança ocupará em cada uma das suas
novas famílias. Famílias que introduzirão em suas vidas novos personagens, na medida em
que passam a conviver com um número maior de “avós”, “tios” e “primos”.
Como vimos até agora, é fundamental que a figura parental que estiver provisoria-
mente ausente do cotidiano do filho, em decorrência da separação, deva poder continu-
ar convivendo com ele sem que se faça um movimento de tentar substituí-lo pelo novo
parceiro do pai ou da mãe.
O princípio constitucional do melhor interesse da criança
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a convivência familiar foi entendida
como um direito fundamental da infância, e a filiação sócioafetiva foi valorizada. Isso por-
que a ordem de prioridade de interesses foi invertida, visto que antigamente, se houvesse
algum conflito decorrente da posse do estado de filho, entre a filiação biológica e a filiação
sócioafetiva, os interesses dos pais biológicos se sobrepunham aos interesses do filho.
Dentre os princípios norteadores que são estabelecidos para a família está o prin-
cípio do Melhor Interesse da Criança, previsto em seu artigo 227, mas também no Estatuto
da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º e 5º. Isso significa que, ao tratar da filiação,
os operadores do Direito devem observar o que realmente é o melhor para a criança e/ou
adolescente, de modo a favorecer sua realização pessoal, independentemente da relação
biológica que tenha com seus pais.
A Constituição consagra a Doutrina da Proteção integral. A criança passa a ser sujeito
de direitos, nas diversas esferas sociais e jurídicas, e a ela devem ser concedidos cuidados
essenciais para viver com saúde, incluindo a física, a emocional e a intelectual.
O artigo 227 já citado estipula ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
60 • capítulo 3
ATENÇÃO
Em 1990, a lei n° 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), regulamentou o artigo 227 e exigiu
a reformulação de muitas condutas até então cristalizadas, em todos os seguimentos sociais, para que a
criança tivesse efetivamente seus direitos protegidos. O ECA ampliou a lista de direitos da infância e da
adolescência e acentuou a importância da família, das instituições e da comunidade, como responsáveis
pela formação desses indivíduos.
A guarda compartilhada
No processo de dissolução do vínculo conjugal por separação judicial ou pelo divórcio
consensual, espera-se que os pais possam entrar em acordo sobre a guarda dos filhos. Até
recentemente, o mais comum era a adoção do modelo de guarda unilateral, geralmente
concedida à mãe, por se acreditar que ela teria melhores condições para exercê-la. Esse
modelo baseava-se em preconceitos e teorias hoje questionadas de que apenas a mulher
teria condição, inerente ao seu gênero, de cuidar dos filhos menores.
A crença de que os filhos não podiam ficar sem os cuidados da mãe fazia com que o
cuidado masculino fosse considerado dispensável, provocando certa desresponsabilização
paterna frente aos cuidados e envolvimento com os filhos.
Com base nesse modelo de guarda, cabia ao pai visitas quinzenais aos fins de semana,
um rodízio em datas especiais e metade das férias dos filhos. Muitos desses pais se descre-
viam como “pais de fins de semana” ou pais “Mac Donald’s”, sofrendo com o afastamento
do convívio dos filhos. Alguns deles, durante o tempo em que estiveram casados, não se
encarregavam de tarefas domésticas nem dos cuidados básicos prestados aos filhos, mas
descobrem, após a separação, que são bem mais competentes do que supunham nas ativi-
dades até então ditas femininas.
Por outro lado, algumas mães que haviam obtido a guarda unilateral sentiam-se so-
brecarregadas, sem condições de se desenvolver afetiva, profissional e economicamente,
quando o ex-companheiro se limitava a ser “pai Mac Donald’s”, reservando apenas ao lazer
de fim de semana a convivência com os filhos. Observa-se ser comum, nestas situações, que
as crianças construam uma imagem da mãe como impositiva e “chata”, enquanto o pai é
percebido como divertido e liberal.
As mulheres foram conquistando, em nossa sociedade, igualdade de direitos e opor-
tunidades, mas também os homens têm buscado ocupar um maior espaço no cotidiano
familiar e igualdade de direitos na participação da educação dos filhos. Com as transfor-
mações sociais, com as alterações na dinâmica familiar, começa a ficar evidente o quanto a
manutenção da presença contínua de ambos os genitores é importante para a criança. Pai
e mãe são modelos de identificação para seus filhos e não se justificaria que qualquer um
deles perdesse a possibilidade de um convívio em decorrência da separação parental.
Os pais passam a questionar, inclusive na Justiça, seu direito de participar mais ati-
vamente na vida dos filhos. É interessante mencionar que, em 2002, foi colocado no
ar um site denominado Pai Legal, composto por uma equipe de pais que lutam pelo
direito de viver com seus filhos e poder oferecer uma paternidade de excelência. Sua
capítulo 3 • 61
apresentação, no site, é feita da seguinte forma: “Somos pais que resolveram arregaçar
as mangas e construir um site para atender as nossas necessidades de pai na criação
de nossos filhos, seja lutando pelo nosso direito à convivência com eles após a separa-
ção do casal como também pela qualidade de nossa paternidade. O público-alvo do Pai
Legal é o pai, em quem temos concentrado as nossas atenções. Mães e filhos têm tam-
bém colaborado para alcançarmos o nosso objetivo — de sermos e ajudarmos outros
homens a serem pais plenos.”
A lei nº 11.698/2008 representa uma nova compreensão do modelo de família e estabe-
lece como preferencial o modelo de guarda compartilhada, que permite repensar a concep-
ção vigente até então quanto aos papeis de pai e de mãe na formação de um filho.
A lei nº 11.698/2008 altera os arts. 1.583 e 1.584 da lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002
— Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada. A partir desta altera-
ção, encontramos, no art. 1.583, da lei n. 10.406, alterado em 2008, as seguintes definições:
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o
substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada, a responsabilização conjunta e o exer-
cício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao
poder familiar dos filhos comuns.
Por sua vez, no art. 1.584, § 2, fica claro que a guarda compartilhada deverá ser aplicada
sempre que possível.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I — requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de
separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II — decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distri-
buição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1 Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda com-
partilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as
sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2 Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sem-
pre que possível, a guarda compartilhada.
§ 3 Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda
compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em
orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.
§ 4 A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral
ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusi-
ve quanto ao número de horas de convivência com o filho.
§ 5 Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá
a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de pre-
ferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) já indicava ser direi-
to da criança conservar relações pessoais com ambos os pais. Deve-se garantir a manu-
62 • capítulo 3
tenção da coparentalidade, independentemente da preservação ou
não do vínculo conjugal, visto que a separação ocorre entre os cônju-
ges, e não entre pais e filhos.
Verifica-se que, com a guarda compartilhada, pretende-se atenuar o
impacto negativo da ruptura conjugal, mantendo ambos os pais envol-
vidos na criação dos filhos. Sua proposta é corresponsabilizar ambos os
genitores em todas as decisões e nas atividades referentes aos filhos, de
modo que possam participar em igualdade de condições. Isso não im-
plica necessariamente em alternância de domicílios em determinados
dias, semanas ou meses (Guarda Alternada). O que se compartilha é a
guarda jurídica, seus deveres e direitos legais em relação à assistência
prestada aos filhos e não, necessariamente, à guarda física.
Uma questão que normalmente causa tensão no que se refere à guar-
da dos filhos é o fato de, muitas vezes, existir uma diferença significativa
entre os ex-cônjuges, quanto a sua compreensão de mundo e a melhor
forma de educar os filhos. Contudo, essas diferenças não podem justifi-
car que um dos genitores perca o direito de participar da educação dos
filhos. Eles deverão compreender que as diferentes características de
personalidade e as diferenças promovidas pela história de cada um de
seus pais não são certas nem erradas, são apenas diferentes. Aliás, esta
questão não causa discórdias apenas entre pais separados, mas está,
muitas vezes, presente na vida daqueles que se mantém casados.
Alienação parental
Dificuldades no exercício da parentalidade e divergências entre os pais
quanto às decisões relativas à educação e ao cotidiano dos filhos podem
dar margem a demandas feitas à Justiça.
A alienação parental tem sido cada vez mais alegada pelas partes
em litígio nos processos inerentes às Varas de Família. Veremos como
a Alienação Parental fere o melhor interesse da criança, pois o interesse
dos pais prevalece sobre os interesses dos filhos, provocando danos em
seu desenvolvimento.
O termo alienação parental foi utilizado em meados dos anos 1980
por Richard Gardner, indicando a existência de um distúrbio psíquico.
Por este motivo, o autor denominou de Síndrome de Alienação Parental
(SAP) o que seria um distúrbio infantil provocado em menores de idade
expostos às disputas judiciais entre seus pais. A criança demonstraria
uma intensa rejeição a um dos genitores (o genitor alienado) como re-
sultado de manipulação psicológica realizada pelo outro genitor (o geni-
tor alienador), sem que houvesse uma justificativa para isso.
Atualmente, questiona-se a classificação de tal comportamento como
uma síndrome, pois se entende que existem muitos fatores que podem
contribuir para sua ocorrência e não apenas a patologia dos genitores.
Devemos considerar fatores como idade, sexo, características individuais
CONCEITO
Síndrome
Síndrome é um conjunto de sinais e
sintomas que define as manifestações
clínicas de uma ou várias doenças ou
condições clínicas, independentemente
do que as tenha causado.
capítulo 3 • 63
das crianças e adolescentes além de outros presentes, no contexto fami-
liar, que possam contribuir para minimizar os efeitos da separação e para
auxiliar a criança a superar os efeitos do litígio entre os pais.
Na lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental, ela é
descrita como sendo a interferência na formação psicológica da criança
ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos
avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autorida-
de, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo
ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com ele.
Existem 7 itens elencados, no parágrafo único do Art. 2, da referida
lei, em que são exemplificadas formas de alienação parental, que corres-
pondem a uma série de situações criadas para dificultar ou para impedir
a visitação daquele que não tem a guarda do filho.
1Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no
exercício da paternidade ou maternidade;
2 Dificultar o exercício da autoridade parental;
3 Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
4 Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
5Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes
sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alte-
rações de endereço;
6Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou
contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a crian-
ça ou adolescente;
7Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a di-
ficultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor,
com familiares deste ou com avós.
MariaBereniceDias comenta que a ruptura da vida conjugal pode ge-
rar, na mãe, sentimentos de abandono, de rejeição, de traição, surgindo
uma intensa tendência vingativa. Quando ela não consegue elaborar ade-
quadamente o luto da separação, um processo de destruição, de desmo-
ralização, de descrédito do ex-cônjuge é desencadeado. Além do mais, ao
perceber o interesse do pai em preservar a convivência com o filho, encon-
tra aí um caminho para a vingança. Para Dias, a criança, sentindo-se órfã
AUTOR
Maria Berenice Dias
Maria Berenice Dias é advogada espe-
cialista em Direito das Famílias e das
sucessões e Vice-Presidente Nacional
do Instituto Brasileiro de Direito das
Famílias (IBDFAM). Dentre diversas pu-
blicações é autora de Manual de direito
das famílias (2007) e União homosse-
xual: o preconceito e a justiça (2006).
64 • capítulo 3
do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor alienador e passa a aceitar como
verdadeiro tudo que lhe é informado. Neste sentido, o detentor da guarda assume o controle
total, enquanto o outro passa a ser considerado um invasor a ser afastado a qualquer preço.
O fato de deter uma guarda unilateral acaba conferindo ao guardião um poder que pode
ser utilizado para dominar a situação e provocar inúmeros constrangimentos ao outro genitor.
Como já foi visto anteriormente, este tipo de guarda era de forma conservadora até então de-
ferida à mãe e, talvez por isto encontremos um maior número de mulheres no lugar de aliena-
dor. Entretanto, não são raras as situações nas quais o genitor alienador é o pai, principalmen-
te em decorrência da humilhação por este sentida, quando a mulher sai de casa para viver com
outro homem. Pode ocorrer também que, tendo sofrido com a violência masculina durante o
casamento, a mulher abandone o lar, deixando os filhos com o pai por temer suas ameaças.
REFLEXÃO
Como podemos entender o que está envolvido nas situações que têm sido reconhecidas como alienação
parental? Que fatores emocionais estão presentes numa disputa judicial após uma separação conjugal?
Como o contexto familiar e social contribui para a intensificação das dificuldades que já existiam antes do
processo de separação ser iniciado?
A separação costuma afetar a autoimagem de cada um e rompe com alguns ideais que
estiveram presentes na construção do laço conjugal. Ameaçados em sua autoestima e du-
vidando de seu valor, os ex-cônjuges podem defensivamente negar as próprias fraquezas
e exagerar as do ex-parceiro. Sentimentos de abandono, de rejeição, de traição podem dar
origem a estratégias de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro.
A expectativa do alienador é que o outro desista de suas tentativas de aproximar-se do
filho, comprovando assim sua tese de que aquele não era merecedor de confiança e, por-
tanto, sua posição de vítima seria reconhecida. Entretanto, qualquer dos ex-cônjuges que
pretenda sozinho preencher as funções de pai ou de mãe, excluindo deliberadamente o
outro cônjuge estará comprometendo o desenvolvimento emocional de seus filhos.
O alienador confunde conjugalidade e parentalidade. A separação conjugal não deve-
ria implicar em separação parental. A ruptura do vínculo conjugal não deveria ameaçar o
vínculo existente com a criança, não deveria implicar em separação parental; assim, após
uma separação conjugal, espera-se que os pais possam transmitir segurança aos filhos em
relação ao amor parental, espera-se que possam entrar em acordo sobre a melhor maneira
de com eles conviver. Envolver a criança no conflito, esperando que faça alianças e tome
partido, só provocará dificuldades psicológicas que a acompanharão em sua vida.
É importante destacar que os homens têm participado de forma progressiva na educa-
ção e nos cuidados a seus filhos e, com frequência têm uma presença efetiva no cotidiano
deles. Assim é que, após uma separação, não mais aceitam o que era líquido e certo no pas-
sado, ou seja, a guarda plena dada à genitora, não mais aceitam o rótulo de “pais de fim de
semana”. Desejam participar da vida do filho, sem a presença e o controle da ex-esposa e, se
a separação é litigiosa, podem vir a disputar judicialmente a guarda daquele.
Por outro lado, são significativos os efeitos desestabilizadores provocados nos filhos em
função de processos e de litígios que se eternizam. Sabemos que o divórcio dos pais é uma
realidade confusa para os filhos que, por um tempo, mantém o desejo e a esperança de
capítulo 3 • 65
reaproximá-los. Confrontada com a separação parental, a criança é invadida por um in-
tenso sentimento de perda e pela ameaça de que o vínculo que a une a cada um deles seja
igualmente rompido. Uma separação será mais dolorosa se os conflitos persistirem entre
os pais e se perpetuarem judicialmente, levando a criança a se sentir forçada a envolver-se
no conflito, a fazer alianças e a precisar desistir de um deles.
A criança envolvida em um contexto de separação marcada por reações passionais,
certamente se desestabilizará, pois dificilmente se encontra preparada para lidar com tais
situações. Não tem elementos para entender o que está ocorrendo, ainda não tem matu-
ridade para elaborar as alterações em sua vida, e não tem apoio do laço familiar para lhe
dar sustentação. Cria-se um movimento de interpretar a separação como uma luta do bem
contra o mal, sendo mau, aquele que rompeu o laço conjugal.
Ocorre, ainda, que diante da depressão e da solidão de um dos pais, a criança frequente-
mente tende a culpabilizar o outro e a se oferecer como aquela que irá reparar o sofrimento
do pai vitimizado. Mais uma vez, estamos diante de uma situação que pode contribuir e
comprometer o equilíbrio psíquico da criança e seu processo de desenvolvimento.
A menos que um dos pais seja física ou psicologicamente nocivo para o filho, nada justi-
fica a privação do exercício da função parental, sendo a convivência com ambos os pais um
direito inalienável atribuído à criança. A criança, enfim, tem o direito de continuar ligada
às duas famílias e ser impregnada por suas histórias.
Alguns exemplos para reflexão
Ricardo Vainer é um psicólogo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que escre-
veu um livro — Anatomia de um Divórcio Interminável — cuja proposta é a de entender por
que tantos casais se separam litigiosamente, arrastando o difícil processo de separação por
meio de diversas ações na Justiça. Foram selecionados deste texto dois exemplos de casos
comuns em Varas de Família, que serão sintetizados e aqui reproduzidos para uma reflexão
e articulação com os conceitos até agora apresentados.
EXEMPLO
1. Chico separou-se de Geni quando o filho do casal estava com nove meses. “Após a separação, Chico passou
a visitar o filho à noite e sem respeitar horários. Ela entrou, então, com ação de regulamentação de visitas.”
“Geni reclamava que Chico não cumpria as visitas ou chegava fora do horário. As dificuldades foram cres-
cendo, e Junior não queria ver o pai. Ia à força e voltava chorando, com medo, vomitando algumas vezes.
Queixava-se de maus tratos e episódios de magia negra, não esclarecidos.”
“A ação atual se deve ao fato de Chico solicitar a Geni que o filho pernoitasse com ele em sua casa. Ela
não concorda com o pedido, em virtude das atitudes do pai frente ao filho. Em audiência, ficou estipulado
que as visitas se fariam no salão de festas do prédio de Geni na presença da bisavó materna. Geni reclama
que Chico não compareceu a nenhuma das visitas agendadas.”
“Com relação às visitas, Chico narra que, quando ia buscá-lo para passear, Junior chorava muito. Desistiu
então de sair com ele, restringindo-se a ficar com ele apenas no pátio do prédio da ex-esposa.”
“Após a regulamentação de visitas passou a sair com ele, mas percebia que algumas vezes o garoto não
queria ir, todavia, com o passar do tempo, foi se acostumando. Geni começou a questioná-lo dizendo que
66 • capítulo 3
Junior lhe dizia que o pai lhe batia. Chico nega que grite ou bata no filho, embora ache que, às vezes, o
pai deva ser rígido e até chamar a atenção do filho de forma ríspida.”
“Na sequência destes acontecimentos, Geni consegue uma liminar que suspende as visitas de modo que
elas só deveriam ser feitas no prédio e na presença da bisavó da criança. Chico se nega a aceitar tal deci-
são, recusa-se a visitar os filhos tanto no salão de festas quanto na sala de visita do Foro, dizendo ser o pai
da criança e que “não é nenhum criminoso.”
2. Trata-se de uma ação de regulamentação de visitas proposta por “Kurosawa, 46 anos, solteiro, oficial
de Justiça, instrução universitária”, diante de “Severina, 30 anos, solteira, vendedora, sem instrução”. Ela
conheceu Kurosawa aos 18 anos, quando veio de Pernambuco para São Paulo.
“Embora ele lhe oferecesse a oportunidade de estudar, o que para ela era impotente, Kurosawa era ex-
cessivamente ciumento, o que tornava o relacionamento muito ruim e cheio de agressões mútuas. Após 4
anos de convivência tiveram uma filha”.
“O relacionamento continuava conturbado, chegando inclusive a agressões físicas de ambos os lados,
segundo Severina”. Em função dos ciúmes dele, romperam 4 anos depois e Severina abandona o lar,
deixando a filha com o companheiro. “Mesmo fora do lar, continuou frequentando a casa dele, dormindo
lá esporadicamente.” Quando rompe definitivamente se vê impedida de ver a filha. Passou a se relacionar
com outro homem e tentou ver a filha algumas vezes, mas a reação dela foi negativa, chorando muito ao
ver a mãe. Sempre que ia à casa do ex-marido, brigas violentas ocorriam na presença da filha. Severina
entende que a atitude do ex-marido é uma forma de castigá-la por não ter aceitado reatar com ele.
Kurosawa acreditava que a maternidade levaria Severina a uma melhora em seu comportamento provo-
cativo, mas ele entende que com o nascimento da filha a situação se agravou, pois ela esperava muito um
menino e começou a rejeitar o bebê, desde a ultrassonografia pré-natal. Impede as visitas de Severina,
alegando estar a filha traumatizada pelas brigas e agressões. Recusa-se a fazer qualquer coisa que o leva
na direção de ultrapassar seu ressentimento.
Outro exemplo interessante é relatado por Miranda Junior, em seu livro Um psicólogo
no Tribunal de Família, e pretende mostrar como o trabalho realizado pelo psicólogo, que
atuava no tribunal, provocou um efeito de “pacificação”.
EXEMPLO
Dois anos depois da separação de seu segundo casamento, quando sua filha já estava com cerca de
cinco anos, I começou a se irritar com os obstáculos que J, a mãe da criança, colocava ou criava nos dias
e horários dos encontros entre ele e a filha. Rapidamente ele monta um processo judicial para modificar
a guarda da filha, como resposta a esses obstáculos. É fato que a mãe havia criado alguns obstáculos,
porém não da forma ou na intensidade que ele afirmava ter acontecido. O que se destacava nesse caso,
contudo, era a insistência com que I queria provar que tentava ser pai e era impedido por J. I produzia
sem cessar vários tipos de “documentos” para provar sua tese. Ele insistia no argumento jurídico de que
“contra documentos não há argumentos”, porém grande parte dos documentos que ele apresentava nos
autos ou levava para as entrevistas, era frágil.
Parecia que I precisava provar que não era sua culpa se ele não conseguia ser pai como era preciso ser ou
como esperasse ser. Em uma entrevista com o psicólogo, I mais uma vez, além de mostrar novos “documen-
tos”, relata o último encontro com sua filha e menciona a conversa que com ela havia tido. Ele lhe diz que
tinha se decepcionado novamente com J, “porque ela teria dito à filha que o pai não queria encontrá-la em
capítulo 3 • 67
um dia em que ele se atrasou. Mais uma vez I tentava provar à filha que ele se esforçava por ser pai, mas a
ex-mulher tentava impedi-lo. Nesse momento de sua narração, ele relatou que a filha teria dito: ‘Ah, pai, mas
eu nem acreditei!’” Quando o psicólogo lhe chama a atenção para esta fala e comenta que sua filha lhe dizia
que acreditava nele, I fica em silêncio naquele momento, como se tentasse entender o que havia dito sob uma
nova perspectiva. Constata-se, posteriormente, que ao levá-lo a, de fato, escutar o que a filha lhe dizia, uma
mudança foi provocada. Ele para com a produção de provas e começa a flexibilizar os encontros, trocando
datas em função de eventos familiares.
Para o psicólogo ficou claro que “a intervenção sobre a palavra da filha parecia ter lhe assegurado uma
possibilidade de ser pai independentemente das provas, pelo menos naquele momento”. A palavra da filha
o reconheceu como pai, o que demonstra, como diz o autor, que “pai e mãe não são substâncias palpáveis”.
Ou seja, como já foi dito, no início deste capítulo, a paternidade e a maternidade precisam ser construídas
e são múltiplos os fatores que interferem nesta construção.
Paradoxos da contemporaneidade que merecem uma discussão
Há, na atualidade, uma expectativa de que cada um deve afirmar sua liberdade e indepen-
dência e, ao mesmo tempo, verifica-se uma forte cobrança para que correspondam aos ideais
impostos pela cultura. Que sofrimentos esta demanda paradoxal pode gerar?
A evidente dificuldade dos sujeitos de lidar com as imperfeições da vida cotidiana tem provo-
cado o aumento do número de divórcios, contudo, a visão do casamento encerra hoje um mo-
vimento paradoxal que consiste no fato de os indivíduos continuarem se casando, a despeito
das separações, e recasando. O que este fato pode estar revelando?
Coexistem hoje discursos que mantém o papel do homem como provedor e o da mulher como
mãe e esposa, e discursos que enfatizam a necessidade de participação do pai no cotidiano
dos filhos e a participação da mulher no espaço público. Como estes discursos afetam a di-
nâmica familiar?
Ao mesmo tempo em que não é possível afirmar a existência de uma essência feminina ou
masculina de caráter universal, o imaginário social tem uma tendência a fixar papéis de gê-
nero. Por que é necessário para que se entenda o processo de construção da paternidade/
maternidade entender os discursos e as possibilidades próprios ao contexto sócio-histórico da
época que se pretende estudar?
Quais argumentos você utilizaria para defender a ideia de que hoje não existe uma forma de
organização familiar ideal que garanta um desenvolvimento mais ou menos sadio.
68 • capítulo 3
ATIVIDADE
1. Vimos como a lei nº 11.698/2008 representa uma nova compreensão do modelo de família. Com base
no que foi apresentado neste capítulo, analise as afirmações abaixo:
I - Por ocasião de um divórcio, quando não houver acordo, a guarda deverá ser atribuída à mãe.
II - A guarda compartilhada implica na responsabilização conjunta e no exercício de direitos e
deveres por parte de ambos os genitores.
III - Caso se verifique que os pais não apresentam condições de exercer a guarda do filho, o
juiz poderá deferi-la a uma outra pessoa, considerados, de preferência, o grau de parentesco e
as relações de afinidade e afetividade.
IV- A manutenção da presença contínua de ambos os genitores não é importante para a criança.
V- Diferenças quanto à forma de educar podem justificar que um dos genitores perca o direito
de participar da educação dos filhos.
Estão corretas as afirmativas:
a. I e II
b. II e III
c. III e IV
d. IV e V
e. I e V
2. Considerando os princípios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, analise as afirma-
ções abaixo:
I - O princípio do Melhor Interesse da Criança indica que é obrigação dos operadores do Direito
verificar as medidas mais adequadas para favorecer o desenvolvimento da criança em questão.
II - A convivência familiar é entendida como um direito fundamental da infância, mas a filiação
socioafetiva é menos valorizada do que a filiação biológica.
III - Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos.
IV - Crianças e adolescentes são objetos de intervenção e de tutela.
V - Os pais têm o direito de cometer atos violentos em relação à criança e ao adolescente, se
sua intenção é educá-la.
Estão corretas as afirmativas:
a. I e II
b. II e III
c. I e III
d. I e V
e. II e V
capítulo 3 • 69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei federal 8.069/1990 de 13.07.1990. Brasília: Palácio do Planalto, 1990.
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MIRANDA JR., H.C. Um psicólogo no Tribunal de Família: A prática na interface Direito e Psicanálise. Belo Horizonte:
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VAINER, R. Anatomia de um divórcio interminável. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
Abordagem psicológica da violência
stella aranha
14
72 • capítulo 4
4 Abordagem psicológica da violência
Introdução
A violência é um comportamento cada vez mais presente nas relações interpessoais, em
todos os lugares, em todas as sociedades. As ações humanas são complexas, por natureza,
devendo ser analisadas com base em quem as pratica, os estímulos externos e internos que
as motivam e o contexto onde ocorrem. Não é possível analisar qualquer comportamento
humano desvinculado do seu contexto.
A sociedade violenta desenvolve estratégias tecnológicas, materiais e humanas para li-
dar com a violência e, elas acabam por serem incorporadas à vida das pessoas. Todos esses
aparatos exigem uma substancial parcela nos orçamentos públicos e privados que deixam
de ser aplicados em questões mais construtivas como educação e saúde.
Vamos estudar algumas situações ligadas à violência, na tentativa de levar você a perceber
a complexidade dessas questões e lembrar que, muitas vezes, a mera existência ou aplicação
da lei não dá conta deste fenômeno. Comecemos com a definição de violência e agressividade.
Definição de violência e agressividade
O Dicionário Houaiss define violência como a “ação ou efeito de violentar, de empregar força
física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade,
força”. No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físi-
co ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau
significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Mas os especialistas afirmam que o conceito é
muito mais amplo e ambíguo do que uma simples constatação de que a violência é a impo-
sição de dor e a agressão é cometida por uma pessoa contra outra.
Na Comunidade Internacional de Direitos Humanos, a violência é compreendida como
todas as violações dos direitos civis (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência
e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habi-
tação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de
manter e manifestar sua própria cultura).
Na Psicologia, Bock, Furtado e Teixeira (1995, p. 283) definem violência como o uso de-
sejado da agressividade, com fins destrutivos, podendo ser voluntário, racional e consciente
ou involuntário, irracional e inconsciente. Mangini (2008), citada por Fiorelli, José Osmir;
Mangini, Rosana C. Ragazzoni (2009, p. 266) diz que a violência ocorre quando a agressivida-
de não está relacionada à proteção de interesses vitais, trazendo em si a ideia de destruição
entre seres da mesma espécie quando outras vias de solução poderiam ser empregadas.
Você pode perceber que, em geral, as pessoas empregam os termos agressividade
e violência como sinônimos. Por exemplo: dizer que X é agressivo é o mesmo que cha-
má-lo de violento. No entanto, vamos diferenciá-los. A agressividade, segundo Mangini
capítulo 4 • 73
(2008), citada por Fiorelli e Mangini (2010), é como se fosse uma força, um compor-
tamento, algo que ajuda a sobrevivência e a adaptação do indivíduo. Para essa autora
(Mangini, 2008), a agressividade é uma característica da personalidade que aparece no
comportamento da pessoa.
No entanto, você deve estar questionando, “e quando a pessoa não consegue canalizar
a agressividade para fins produtivos?”. Neste caso, será visível a falta de estabilidade emo-
cional, a impulsividade e a baixa tolerância a frustrações. Existem diversos mecanismos de
controle da agressividade, por exemplo, a educação, a lei e a tradição. Além disso, desde a
infância, o ser humano é levado a aprender a reprimir e a não expressar de forma descon-
trolada a agressividade. O mundo também cria condições para que o indivíduo possa trans-
formar seus impulsos agressivos em produções consideradas socialmente positivas, como
a criação intelectual, as artes e o esporte.
A violência traz a ideia de destruição entre seres da mesma espécie, quando, na ver-
dade, outras vias de solução poderiam ser utilizadas. A violência ultrapassa o aceitável so-
cialmente e legalmente. Por exemplo, quando a defesa de interesses vem acompanhada de
intimidação e transgressão de regras legais ou sociais, desrespeitando a integridade física
e psíquica dos outros, estamos diante de uma situação de violência.
Não há como estudar violência e agressividade se não considerarmos o contexto social
e cultural no qual o ato é realizado. O comportamento agressivo em um contexto pode ser
considerado violência em outro, e vice-versa. Você deve entender que não há uma linha
divisória entre a agressividade e a violência. A interpretação dessas situações dependerá do
contexto legal e sociocultural. Além disso, essa interpretação é dinâmica porque se modifi-
ca na medida em que os costumes se modificam.
Não há uma posição única quanto à origem e à manifestação do comportamento
violento. Muito ainda tem de ser estudado, no entanto, o que se percebe é uma tendên-
cia para conjugar os aspectos sociais e pessoais a este comportamento. Alguns estudos
sugerem que o comportamento violento não está associado às características da perso-
nalidade agressiva. Isso ocorre porque, há pessoas que são vistas como agressivas, mas
nunca se tornam violentas.
Em contrapartida, outras pessoas aparentemente “tranquilas” e socialmente adapta-
das cometem atos de violência inesperados e impensáveis para seu comportamento. Você
percebeu que é complexa a relação entre violência e agressividade. Devemos sempre pen-
sar nos fatores individuais, sociais e culturais conduzindo a essas práticas. Mesmo que o
comportamento agressivo não se transforme em violência, conviver com a agressividade é
uma situação muito difícil.
Algumas teorias sobre a agressividade
Neste item, você recordará algumas teorias da Psicologia, no que tange suas abordagens so-
bre a agressividade. Você deve estar lembrado que cada teoria escolhia um objeto de estudo
para desenvolver suas ideias sobre o comportamento e os fenômenos psicológicos. Agora,
você terá a oportunidade de perceber a predominância desses objetos nas explicações teó-
ricas sobre a agressividade. Este item não tem a pretensão de esgotar nem as teorias psico-
lógicas nem o tema agressividade, que é amplo, e (porque não dizer?) inesgotável.
74 • capítulo 4
Começaremos pela Psicanálise. Esta teoria afirma que a agressivida-
de é constitutiva do ser humano e, ao mesmo tempo, afirma-se a impor-
tância da cultura, da vida social, como reguladoras dos impulsosdestru-
tivos. A função de controle dos impulsos destrutivos ocorre no processo
de socialização em que é esperado que as ligações significativas com os
outros sejam determinantes.
Winnicott (2012), psicanalista inglês, afirma que a agressividade
e a destrutividade humanas estão intrinsecamente relacionadas à
questão da constituição do sentido da realidade externa. Atendo-se,
sobretudo aos estágios iniciais do desenvolvimento, em que se mos-
tram as raízes da agressividade.
A Gestalt destaca este tema afirmando que a agressividade é resulta-
do de uma percepção inadequada dos comportamentos realizados, ou
seja, a pessoa não conseguiu discriminar os detalhes que diferenciam
um comportamento agressivo de outro socialmente adaptado.
O Behaviorismo explica que existe a possibilidade do comportamen-
to agressivo ser aprendido por meio de um condicionamento operan-
te por reforço positivo. Fiorelli e Mangini (2009, p. 271) fornecem um
exemplo característico: o indivíduo apresenta um comportamento
agressivo; consegue o que quer; ele volta a agredir pelo mesmo ou outro
motivo e obtém novamente sucesso. Torna-se cada vez mais agressivo.
A abordagem psicológica da linha social-cognitiva afirma que a
agressividade pode ter origem nos modelos: a criança e o adolescente
aprendem o que é considerado agressividade ou violência com os pais,
colegas de escola, ídolos etc. A partir daí, passam a se comportar de for-
ma a repeti-los, para estar “à altura deles” ou mais perto deles.
Outros enfoques poderiam ter sido feitos, mas as possibilidades de
explicação não se esgotam, como já mencionamos. O importante é você
perceber que todas as perspectivas podem ser integradas. As visões teóri-
cas da Psicologia não se contradizem, se complementam, reforçam-se e
possibilitam a compreensão deste fenômeno sob diferentes visões.
Formas de violência
Muitas vezes, em nosso cotidiano, lidamos e vivenciamos com situa-
ções em que a violência não é “perceptível”. Ou melhor, nem sempre
a violência é física.
Violência estrutural
Começaremos com a violência estrutural. Nesse grupo de classificação
da violência se enquadram aquelas violências que negam a cidadania
para alguns indivíduos ou determinados grupos de pessoas, pautados
principalmente na discriminação social contra os “diferentes”.
CONCEITO
impulsos destrutivos
São estímulos que possuem força sufi-
ciente para levar a pessoa a fazer deter-
minada ação, que neste caso é destrutiva.
AUTOR
Winnicott
Donald Woods Winnicott nasceu em 7
de abril de 1896, em Plymouth, na Ingla-
terra. Filho de John Frederick Winnicott
e Elizabeth Martha Woods Winnicott.
Durante os anos de guerra trabalhou
como consultor psiquiátrico de crianças
seriamente transtornadas que tinham
sido evacuadas de Londres e outras ci-
dades grandes, e se separado de suas
famílias. Entre 1939 e 1962, ele parti-
cipou de cerca de cinquenta programas
sobre uma enorme gama de assuntos,
que variaram desde “a contribuição do
pai”, “o filho único”, “a importância de
visitar as crianças no hospital”, e “a dinâ-
mica da adoção”, até “a psicologia dos
pais adotivos”, “o significado do ciúme”
e “as vicissitudes da culpa”.
capítulo 4 • 75
Violência urbana
As formas de violência, tipificadas como violação da lei penal, como: 1) assassinatos, 2)
sequestros, 3) roubos e, 4) outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio
formam um conjunto que se convencionou chamar de violência urbana, porque se mani-
festa principalmente no espaço das grandes cidades. A violência urbana, no entanto, não
compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que provocam sobre as pessoas e as re-
gras de convívio na cidade. A violência urbana prejudica a qualidade das relações sociais,
destrói a qualidade de vida das pessoas.
Gangues urbanas, depredação do espaço público, o trânsito caótico, as praças malcuida-
das, sujeira em período eleitoral compõem o quadro da perda da qualidade de vida. Certa-
mente, o tráfico de drogas, talvez a ramificação mais visível do crime organizado, acentua
esse quadro, sobretudo nas grandes e problemáticas periferias. Um dos principais fatores
que gera a violência urbana é o crescimento acelerado e desordenado das cidades. Como con-
sequência, surgem graves problemas sociais como fome, miséria, desemprego e marginali-
zação, que associados à ineficiência das políticas de segurança pública contribuem para o
aumento dos atos de violência.
Quando se trata de direitos humanos, a violência abrange todos os atos de violação dos
direitos: civis (liberdade, privacidade, proteção igualitária); sociais (saúde, educação, se-
gurança, habitação); econômicos (emprego e salário); culturais (manifestação da própria
cultura) e políticos (participação política, voto).
Violência institucional
A violência institucional é aquela praticada nas instituições prestadoras de serviços públi-
cos como hospitais, postos de saúde, escolas, delegacias, judiciário. É perpetrada por agen-
tes que deveriam proteger as vítimas de violência garantindo-lhes uma atenção humaniza-
da, preventiva e também reparadora de danos.
Violência simbólica
Já a violência simbólica é um tipo de atentado, desvalorização ou restrição do patrimônio ma-
terial ou imaterial de determinado grupo identificado culturalmente. Ou, em outras palavras,
são relações estabelecidas entre grupos dominantes e dominados que aparecem de forma “na-
turalizada”. É importante ressaltar, assim como no caso da violência psicológica, que a violên-
cia simbólica é sutil e permeia nosso cotidiano de forma implícita. Ela se expressa como uma
forma “legítima” de relação entre dominantes e dominados. É possível exemplificar a violência
simbólica com a frequente associação feita pela mídia entre o terrorismo e os povos árabes, a
presença majoritária de pessoas de cor de pele branca em comerciais de TV, ou mesmo a difu-
são da ideia de que homens são mais fortes que mulheres o que “justifica” serem “violentos”.
Violência doméstica
A violência doméstica é o tipo de violência que ocorre no lar, compreendido como o espaço
de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadica-
76 • capítulo 4
mente agregadas. Abusos sexuais a crianças e maus tratos a idosos também constituem
violência doméstica. Existem cinco tipos de violência doméstica: física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral. A negligência é o ato de omissão do responsável pela criança/idoso/
outra (pessoa dependente de outrem) em proporcionar as necessidades básicas, necessá-
rias para a sua sobrevivência, para o seu desenvolvimento. Os danos causados pela negli-
gência podem ser permanentes e graves.
Violência psicológica
Violência psicológica é um tipo de violência que geralmente ocorre de forma “indireta”,
como humilhações, ameaças, palavrões, privação de liberdade, entre outras. Diferente da
forma “direta” e explícita da violência física é importante ressaltar o caráter implícito da
violência psicológica. A agressão não ocorre necessariamente em seu corpo, mas a violên-
cia gera transtornos de natureza psicológica, constrangendo a vítima a adotar comporta-
mentos contra sua vontade ou tirando-lhe a liberdade. Neste caso, a pessoa agredida pode
se sentir culpada pelos transtornos que lhe ocorrem, o que dificulta a posterior responsabi-
lização dos autores dessa violência.
Violência sexual
Encontramos também a violência sexual na qual o agressor abusa do poder que tem sobre
a vítima para obter gratificação sexual, sem o seu consentimento, sendo induzida ou obri-
gada a práticas sexuais com ou sem violência física. A violência sexual acaba por englobar o
medo, a vergonha e a culpa sentidos pela vítima, mesmo naquelas que acabam por denun-
ciar o agressor, por essa razão, a ocorrência desses crimes tende a ser ocultada.
Violência verbal
Muitas pessoas confundem a violência verbal. Ela pode ocorrer através do silêncio, que
muitas vezes é muito mais violento do que os métodos utilizados habitualmente, como as
ofensas morais (insultos), depreciações e os interrogatórios infindáveis.
Violência física
E para terminar nossa exposição sobre as formas de violência, temos a violência física, que
é o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comuns,
murros, tapas e agressões com diversos objetos e queimaduras. Sem maiores aprofunda-
mentos, estudiosos afirmam que além da investigação dos comportamentos violentos, de-
ve-se buscar estratégias de implantação de comportamentos de paz, por uma cultura de
não violência (no Capítulo 5, item 5.4., você tomará contato com alguns aspectos ligados à
Comunicação não violenta).
capítulo 4 • 77
Comportamentos antissociais
Neste item, vamos explicar as relações, às vezes, mal interpretadas en-
tre problemas emocionais e violência, gerando comportamentos antis-
sociais. As “doenças” mais frequentemente relacionadas com violência
são os distúrbios da personalidade, as dependênciasdeálcooledrogas
eadeficiênciamental. Existe alguma evidência de associação entre vio-
lência e psicose (este termo será desenvolvido mais tarde), especialmen-
te, nos casos de ideaçãoparanoide, mas somente uma pequena minoria
de todos os doentes que praticam atos violentos são psicóticos e uma
vasta maioria de pessoas mentalmente doentes não são mais perigosas
do que os membros da população geral.
Os quadros psiquiátricos onde mais comumente podemos encon-
trar comportamentos antissociais são: distúrbio explosivo da perso-
nalidade; distúrbio antissocial da personalidade (veremos separada-
mente, mais adiante); distúrbio borderline da personalidade; psicose;
e episódio maníaco.
Distúrbio explosivo da personalidade
No distúrbio explosivo da personalidade, encontramos, como caracterís-
tica mais marcante, a tendência a agir impulsivamente, desprezando as
eventuais consequências do ato impulsivo, acompanhada de instabilidade
afetiva. Os frequentes acessos de raiva podem levar à violência ou à explo-
sões comportamentais. Essas situações podem ser desencadeadas mais fa-
cilmente quando as suas atitudes são criticadas ou impedidas pelos outros.
Este distúrbio é caracterizado pela instabilidade do estado de âni-
mo com possibilidades de explosões de raiva, ódio, violência ou afei-
ção. A violência pode ser física ou verbal e as explosões de raiva fogem
ao controle destas pessoas. Entretanto, estes indivíduos não têm pro-
blemas de socialização, ao contrário, são simpáticos, bem falantes,
sociáveis e educados quando fora das crises. Há uma extrema sensibi-
lidade aos aborrecimentos causados por pequenas situações ambien-
tais que irão produzir, nos explosivos, respostas de súbita violência e
agressividade sem controle. Normalmente, chamamos essas pessoas
de “pavio-curto” ou de “cinco-segundos”.
Distúrbio borderline da personalidade
O distúrbio borderline da personalidade é um distúrbio mental com um
padrão característico de instabilidade na regulação do afeto, no controle
de impulsos, nos relacionamentos interpessoais e na imagem de si mes-
mo. O termo borderline, que na língua inglesa significa “fronteiriço” não
se refere ao limite entre um estado normal e um psicótico, mas a uma
instabilidade constante de humor. São indivíduos sujeitos a acessos de
LEITURA
Dependências de álcool e drogas e a deficiência mental
Violência. Informação. Investigação.
Intervenção.
Disponível em: http://www.violencia.on-
line.pt/artigos/artigos.htm?idseccao=6
Acesso em 11 set. 2014.
CONCEITO
Ideação paranoide
É a ideia que o indivíduo tem envolven-
do suspeitas ou a crença de que está
sendo assediado, perseguido ou injus-
tamente tratado.
78 • capítulo 4
ira e verdadeiros ataques de fúria ou de mau gênio, em completa inade-
quação ao estímulo desencadeante. Essas crises de fúria e agressividade
acontecem de forma inesperada, intempestivamente e costumam ter
por alvo pessoas do convívio mais íntimo, como os pais, irmãos, familia-
res, amigos, namoradas, cônjuges etc.
Embora o borderline mantenha condutas até bastante adequadas
em bom número de situações, ele tropeça em outras simples. O limiar
de tolerância às frustrações é extremamente sensível nessas pessoas.
Esse tipo de distúrbio da personalidade está sujeito a grandes manifes-
tações de instabilidade afetiva, oscilando bruscamente entre emoções
como o amor e ódio, entre a indiferença ou apatia e o entusiasmo exa-
gerado, alegria efusiva e tristeza profunda. A vida conjugal com essas
pessoas pode ser muito problemática, pois, ao mesmo tempo em que
se apegam ao outro e se confessam dependentes e carentes desse ou-
tro, de repente, são capazes de maltratá-lo cruelmente. Eles vivem exi-
gindo apoio, afeto e amor continuadamente. Sem isso, aparece o medo
à solidão ou a incapacidade de ficar só, em presença de si mesmo.
Psicose
A psicose é um quadro psicopatológico clássico, reconhecido pela Psi-
quiatria, pela Psicologia Clínica e pela Psicanálise como um estado
psíquico no qual se verifica certa “perda de contato com a realidade”.
Nos períodos de crises mais intensas podem ocorrer (variando de caso a
caso) alucinações (é a percepção real de um objeto inexistente), delírios
(é um juízo falso da realidade), desorganização psíquica que inclui pen-
samento desorganizado, acentuada inquietude psicomotora (é caracte-
rizada por um estado de excitação mental e atividade motora aumenta-
das), sensações de angústia intensa (estado psicológico de inquietação,
de medo difuso, sem objeto aparentemente determinado e que pode ser
acompanhado de manifestações orgânicas) e opressão e insônia severa
(se caracteriza pela incapacidade de conciliar o sono e pode manifestar-
se em seu período inicial, intermediário ou final).
Tal situação mental é frequentemente acompanhada por uma falta
de “crítica” ou de “insight”, que se traduz numa incapacidade de reco-
nhecer o caráter estranho ou bizarro do seu comportamento. Desta for-
ma surgem também, nos momentos de crise, dificuldades de interação
social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária, podendo
gerar comportamentos violentos, muitas vezes, defensivos e em função
das alucinações ou delírios decorrentes de seu estado.
Episódio maníaco
O episódio maníaco é caracterizado por uma excitação eufórica do hu-
mor, por uma intensa agitação motora, distraibilidade, logorreia e por
MULTIMÍDIA
Psicose
Sinopse: em Phoenix, Arizona, Marion
Crane (Anne Heche), secretária de uma
imobiliária, rouba 40 mil dólares do seu
patrão. Com este dinheiro, ela sonha
recomeçar sua vida com o homem que
ama e, quando ruma ao seu encontro,
acaba se perdendo e decide pernoitar
em um velho motel administrado por
Norman Bates (Vince Vaughn).
CONCEITO
Distraibilidade
Estado de instabilidade marcante na
atenção e dificuldade ou incapacidade
para fixar a atenção ou mantê-la em
qualquer coisa que implique esforço
produtivo.
Logorreia
Produção verbal anormal intensa e ace-
lerada, frequentemente associada à
fuga de ideias e distraibilidade.
capítulo 4 • 79
uma reduzida necessidade de sono. O sujeito pode supervalorizar-se e fa-
zer coisas que normalmente não faria, pois distorce a realidade de modo
a não enxergar os perigos envolvidos em suas ações. A agitação predomi-
nante do humor pode ser a irritabilidade quando os desejos da pessoa
são frustrados. Além disso, devido à elevação da autoconfiança, ideias
grandiosas podem chegar a evoluir para delírios grandiosos ou religiosos
de identidade ou papéis.
Os indivíduos com um episódio maníaco com frequência não reco-
nhecem que estão doentes e resistem às tentativas de tratamento. Eles
podem viajar impulsivamente para outras cidades, perdendo contato
com parentes e responsáveis. Também podem envolver-se em atividades
desorganizadas ou estranhas como distribuir doces, dinheiro ou conse-
lhos a estranhos que passam na rua. As preocupações éticas podem ser
desconsideradas, mesmo por indivíduos bastante conscienciosos. Por
exemplo, um corretor da bolsa de valores pode comprar e vender ações
ilegalmente, sem conhecimento ou permissão do seu cliente; um cien-
tista pode apoderar-se de descobertas alheias. Além disso, o indivíduo,
com esse tipo de distúrbio, pode mostrar-se hostil e fisicamente amea-
çador para com outros.
Dependência de álcool e drogas
Os transtornos por dependência de álcool e drogas exercem conside-
rável impacto sobre os indivíduos, suas famílias e a comunidade, de-
terminando prejuízo à saúde física e mental, comprometimento das
relações, perdas econômicas e, algumas vezes, chegando a problemas
legais. Vários estudos assinalam a associação entre transtorno do uso
de substânciaspsicoativas e álcool, e violência doméstica, acidente de
trânsito e crime. Em um estudo realizado por Chalub e Telles (2006), a
maior parte das pesquisas aponta a presença de associação entre trans-
tornos do uso de substâncias e álcool e a criminalidade. É alta a pro-
porção de atos violentos quando álcool ou drogas estão presentes entre
agressores e suas vítimas, ou em ambos.
No entanto, a variabilidade dos efeitos provocada pelas drogas e ál-
cool, em diferentes indivíduos, sugere que pensemos na contribuição
de fatores orgânicos, socioculturais e de personalidade. É importante
que você saiba que pessoas com o mesmo grau de intoxicação, por subs-
tâncias ou álcool, têm respostas emocionais diferentes e condutas diver-
sas. Dessa forma, a associação entre álcool, drogas e violência merece
seguir sendo estudada, na busca de mais conhecimentos e práticas que
possam contribuir para a prevenção da violência.
De acordo com Palomba (2003), os deficientes mentais podem
apresentar apenas deficiências de inteligência, sem desvios de condu-
ta, mas outros podem apresentar acentuadamente desvio de conduta,
por alto nível de energia para reações emocionais e da vontade, indife-
LEITURA
CHALUB, M; TELLES, L.E. de.B. “Álcool,
drogas e crime”. In: Revista Brasileira de
Psiquiatria. 2006; 28(Supl II ) p. 69-73.
CONCEITO
Substância psicoativa
É a substância química que age prin-
cipalmente no sistema nervoso central,
onde altera a função cerebral e tempo-
rariamente muda a percepção, o humor,
o comportamento e a consciência.
80 • capítulo 4
rença e instabilidade emocional. A falta de crítica completaria o qua-
dro clínico desses indivíduos. O retardo mental também pode ser um
fator que leve à possibilidade de comportamentos antissociais, porque
o indivíduo é menos capaz intelectualmente de lidar com situações de
estresse e, dessa forma, pode ficar facilmente frustrado ou irritado, re-
agindo de forma inadequada quando contrariado. Em outras palavras,
essas pessoas são incapazes de ter crítica em relação à antijuridicidade
de seus atos, deixando-se levar facilmente por impulsos hostis, agindo
de forma despropositada e impulsiva.
Você pode perceber que a violência aparece em alguns transtornos
mentais e, em geral, continuam sendo objeto de estudos epidemio-
lógicos em todo o mundo. No entanto, destacamos para aprofundar
mais os seus conhecimentos, nesta área, seis situações que conside-
ramos primordiais em relação ao comportamento violento, que serão
desenvolvidas nos itens a seguir.
Transtorno desafiador opositivo
O transtorno desafiador opositivo, em geral, se manifesta antes dos 8
anos e, com frequência, não depois do início da adolescência. Os sin-
tomas opositivos, em sua maioria, emergem no contexto doméstico,
mas, com o tempo, podem aparecer também em outras situações. Pode-
mos falar que é um padrão frequente de comportamento realizado pela
criança considerado: negativista, desafiador, desobediente e hostil para
com pessoas que representam autoridade para ela.
Podemos caracterizar este transtorno, quando ele persiste, por pelo
menos 6 meses, como o comportamento da criança. Em geral, é percebi-
do a ocorrência frequente de pelo menos quatro dos seguintes compor-
tamentos: perder a paciência, discutir com adultos, desafiar ativamente
ou recusar-se a obedecer a solicitações ou regras dos adultos, delibera-
damente fazer coisas que aborrecem outras pessoas, responsabilizar
outras pessoas por seus próprios erros ou mau comportamento, ser sus-
cetível ou facilmente aborrecido pelos outros, mostrar-se enraivecido e
ressentido, ou ser rancoroso ou vingativo.
O início é, tipicamente, gradual, em geral se estendendo por meses
ou anos. Deve-se ter cuidado neste diagnóstico porque o comportamen-
to opositor é uma característica típica de certos estágios do desenvol-
vimento (por exemplo, infância ou adolescência). Um diagnóstico de
transtorno desafiador opositivo deve ser considerado apenas se os com-
portamentos ocorrem com mais frequência e têm consequências mais
sérias do que se observa, tipicamente, em outros indivíduos de estágio
evolutivo comparável e se acarretam prejuízo significativo no funciona-
mento social, acadêmico ou ocupacional. Em uma proporção signifi-
cativa dos casos, o Transtorno Desafiador Opositivo é um antecedente
LEITURA
PALOMBA, G. A. Tratado de Psiquiatria
Forense. São Paulo: Atheneu, 2003.
CONCEITO
Estudos epidemiológicos
A epidemiologia pode ser definida como
o estudo da distribuição e dos determi-
nantes das doenças ou das condições
relacionadas à saúde em populações
especificadas. Os estudos epidemiológi-
cos incluem vigilância, análise e experi-
mentação dos fatores físicos, biológicos,
sociais, culturais e comportamentais
que influenciam a saúde.
LEITURA
Transtorno desafiador opositivo
Disponível em: http://www.psiqweb.
med.br/site/DefaultLimpo.aspx?are-
a=ES/VerClassificacoes&idZClassifi-
cacoes=22. Acesso em 10 set. 2014.
capítulo 4 • 81
evolutivo do Transtorno de Conduta. (Disponível em: http://casadospro-
fessoresespeciais.blogspot.com/2006/11/transtorno-desafiador-oposi-
tivo.html Acesso em 10 out. 2014.)
Transtorno de conduta
Para ser considerado transtorno de conduta, esse tipo de comporta-
mento problemático deve alcançar violações importantes, além das ex-
pectativas apropriadas à idade da pessoa e, portanto, de natureza mais
grave que as travessuras ou a rebeldia normal de um adolescente ou
uma criança mais velha. Este tipo comportamento antissocial parece
preocupar muito mais os outros do que a própria criança ou adoles-
cente que sofre da perturbação.
Certos comportamentos como mentir ou matar aula podem ocor-
rer em qualquer criança ou adolescente sem que isso signifique desvios
do comportamento, contudo a partir de certos limites pode significar.
Para se diferenciar o comportamento desviante do normal é necessário
verificar a presença de outras características de comportamentos des-
viantes e a permanência delas ao longo do tempo. Além das circunstân-
cias em que o comportamento se dá, as companhias, o ambiente fami-
liar, os valores e os exemplos que são transmitidos devem ser avaliados
para uma classificação adequada.
Para que você entenda melhor, este transtorno, basicamente, consis-
te em uma série de comportamentos que perturbam quem está próximo,
com atividades perigosas e até mesmo ilegais. Esses jovens e crianças não
se importam com os sentimentos dos outros nem apresentam sofrimento
psíquico por atos moralmente reprováveis. Assim o comportamento deles
apresenta maior impacto nos outros do que nos próprios. Essas crianças
ou adolescentes costumam apresentar precocemente um comportamen-
to violento, reagindo agressivamente a tudo e a todos, supervalorizando
apenas o seu prazer, mesmo que em detrimento do bem-estar alheio.
Elas podem também exibir um comportamento de provocação,
ameaça ou intimidação, iniciando lutas corporais, inclusive com even-
tual uso de armas ou objetos capazes de causar sério dano físico, como
tacos e bastões, tijolos, garrafas quebradas, facas ou mesmo arma de
fogo. Outra característica no comportamento do portador de transtor-
no de conduta é a crueldade com outras pessoas e/ou com animais. Não
é raro que a violência física possa assumir a forma de estupro, agressão
ou, em outros casos, homicídio. Alguns autores afirmam que o trans-
torno de conduta é uma espécie de personalidade antissocial na juven-
tude. Como a personalidade não está formada, antes dos 18 anos, não
se pode dar o diagnóstico de personalidade patológica para menores,
mas a correspondência que existe entre a personalidade antissocial e o
transtorno de conduta é muito próxima.
LEITURA
Transtorno de conduta
Disponível em: http://www.psiqweb.
med.br/site/?area=NO/LerNoticia&id-
Noticia=136. Acesso em 10 set. 2014.
MULTIMÍDIA
Pixote: a lei do mais fraco
Sinopse: Pixote (Fernando Ramos da Sil-
va) foi abandonado por seus pais e rouba
para viver nas ruas. Ele já esteve interna-
do em reformatórios, e isso só ajudou na
sua “educação”, pois conviveu com todo
o tipo de criminoso e jovens delinquen-
tes que seguem o mesmo caminho. Ele
sobrevive se tornando um pequeno tra-
ficante de drogas, cafetão e assassino,
mesmo tendo apenas 11 anos.
82 • capítulo 4
Transtorno de personalidade antissocial
Segundo Trindade (2007), na prática forense é comum tratar o transtor-
no de personalidade antissocial como sinônimo de psicopatia. Para esse
autor, são conceitos diferentes e seguiremos a sua linha de pensamento,
até mesmo porque é uma figura de referência em nosso país nesta área.
Para ele, a diferença está fundamentada no tipo de abordagem da ava-
liação. Isto é, o diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial
é baseado em critérios comportamentais. O diagnóstico de psicopatia
está mais ligado aos traços de personalidade, avaliados por meio de ins-
trumentos, como a Escala HARE. A psicopatia, para Trindade (2007),
pode ser uma evolução do comportamento antissocial, ou seja, teria
todas as características do comportamento antissocial, mas com uma
atenção específica aos fatores psicológicos.
De acordo com este autor (TRINDADE, 2007), o transtorno de persona-
lidade antissocial é fruto de uma combinação de fatores genéticos e am-
bientais. Há uma predisposição genética para a impulsividade e a família
e o contexto social podem não exercer o controle sobre esta impulsivida-
de. Essas pessoas são muito inteligentes, com habilidades verbais, sociais
e de racionalizar seu comportamento inadequado de modo a favorecê-lo e
justificá-lo. Parece incapaz de beneficiar-se com o castigo ou com a puni-
ção, parecendo que estas não exercem nenhum efeito sobre ele.
No transtorno de personalidade antissocial, costumamos encon-
trar indivíduos destrutivos e emocionalmente prejudiciais. Costu-
mam desorganizar o meio e as relações sociais, causando sofrimento
nas pessoas que vivem ao seu redor. Apesar de causar problemas para
os outros, são pessoas que estão sempre bem, não sentindo culpa
nem necessidade de reparar os prejuízos que causam. O mais conhe-
cido tipo de indivíduo com transtorno de personalidade antissocial
é o estelionatário, porém algumas pessoas com características an-
tissociais podem jamais enfrentar problemas legais. Para este autor
(TRINDADE, 2007), a criminalidade não é sinônimo de transtorno de
personalidade antissocial.
Uma forma de diagnosticar este transtorno seria indicada por pelo
menos três dos seguintes critérios:
1Fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a compor-
tamentos legais, indicado pela execução repetida de atos que cons-
tituem motivo de detenção;
2Propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar
nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais
ou prazer;
AUTOR
Trindade
Jorge Trindade graduou-se em Ciências
Jurídicas e Sociais (Direito) em 1975.
Trindade sempre foi um estudioso. Em
1987, concluiu sua segunda graduação,
a de Psicologia. Doutor em Psicologia
Clínica e Saúde Mental, pela Wiscon-
sin/Concordia University. Em 2000, foi
nomeado Livre Docente em Psicologia
Jurídica pela Ulbra. Jorge Trindade já
trilhou um longo caminho na esfera pú-
blica. Como promotor de Justiça, atuou
nas Comarcas de Tapes, Guaíba, Ca-
choeira do Sul, São Jerônimo, Gravataí
e Porto Alegre; e, como Procurador de
Justiça, perante o Tribunal de Alçada,
Tribunal de Justiça, Tribunal Militar e Tri-
bunal de Contas.
LEITURA
Escala Hare
Disponível em: http://psicopatiapenal.
blogspot.com.br/p/diagnostico-de-psi-
copatia.html. Acesso em 10 set. 2014.
capítulo 4 • 83
3 Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro;
4Irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais
ou agressões físicas;
5 Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia;
6Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso
em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obri-
gações financeiras;
7Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por
ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa.
Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Antissocial fre-
quentemente não possuem empatia e tendem a ser insensíveis e cíni-
cos e a desprezar os sentimentos, direitos e sofrimentos alheios. Eles
podem ter uma autoestima acentuada e arrogante (por exemplo, achar
que um trabalho comum não está à sua altura, ou não ter uma preocu-
pação realista com seus problemas atuais ou seu futuro) e podem ser
excessivamente autossuficientes ou vaidosos. Esses indivíduos podem
também ser irresponsáveis e exploradores em seus relacionamentos se-
xuais. Eles podem ter uma história de múltiplos parceiros sexuais, sem
jamais ter mantido um relacionamento monogâmico. Essas pessoas po-
dem ser irresponsáveis na condição de pai ou mãe. Esse transtorno não
é considerado uma doença ou um transtorno mental que qualifique este
indivíduo como inimputável. Não há prejuízo na capacidade de controle
das suas emoções, além de saber diferenciar o que é certo e errado.
Na situação da psicopatia, para Trindade (2007), este termo é utili-
zado, muitas vezes, em um sentido amplo e não técnico, servindo para
confundir mais esse conceito. Esse termo surgiu no século XVIII, para
designar comportamentos que não eram classificados em qualquer ca-
tegoria de transtorno mental. A psicopatia é um modelo particular de
personalidade. Ela é resultado da interação de diferentes fatores, sociais
e biológicos, como o transtorno de personalidade antissocial. O fato
como agem em relação às normas sociais e jurídicas fez com que fos-
sem também nomeados de sociopatas. Os psicopatas cometem delitos
violentos que abalam a humanidade.
É frequente a sobreposição de psicopatia, transtorno de personali-
dade antissocial e criminalidade. Nem todos os psicopatas são obrigato-
riamente criminosos. Porém, quando o são, diferem qualitativamente.
São mais frios, menos reativos, mais impulsivos e violentos. De acordo
com a Escala Hare, os psicopatas preenchem os critérios para o transtor-
CONCEITO
Inimputável
Aquele que por anomalia psíquica ou re-
tardo mental não pode responder por si
judicialmente.
84 • capítulo 4
no de personalidade antissocial, mas nem todos os indivíduos com este
transtorno não preenchem os critérios para psicopatia. Em contextos
forenses, há uma prevalência duas a três vezes maior de transtornos de
personalidade antissocial do que de psicopatas.
Por meio da crueldade com que agem, fazem das suas vítimas pre-
sas e são vistos como predadores. Sua escala de valores não é a mesma
de seu meio social. Para ele, o importante é satisfazer os seus desejos a
qualquer preço. Não internalizam a noção de lei como a cultura e a so-
ciedade estabelecem, criando as suas próprias normas, de acordo com
seu prazer. Seu comportamento é planejado e utilitário. Não se sentem
responsáveis pelos seus atos, porque o outro é sempre responsável por
eles. O outro só tem existência como alguém a ser usado, como uma
coisa ou um objeto. É por isso que não conseguem aprender com seus
erros. Eles constroem uma carreira criminosa marcada por crimes co-
metidos de várias formas, principalmente violentos. O conhecimento
sobre o funcionamento e a estruturação psíquica do psicopata pode ser
importante na predição de comportamentos futuros destes sujeitos.
Bullying e assédio moral
Em relação ao bullying, as pesquisas sobre o assunto, tiveram maior ex-
pressão a partir da década de 1970. Um pesquisador — educador, no-
rueguês, chamado DanOlweus, desenvolveu um estudo, nesta época.
Para ele, bullying ou vitimização pode ser descrito quando um estudante
é exposto, repetidamente e durante um tempo, a ações negativas de um
ou mais estudantes. Uma ação é negativa quando alguém intencional-
mente inflige, ou tenta infligir, dano ou desconforto em outro. As ações
negativas podem ser por meio de palavras (verbalmente), por exemplo,
ameaçando, “pegando no pé”, gozando e dando apelidos. Também é
uma ação negativa quando alguém bate, empurra, chuta, belisca ou
contém alguém — por contato físico. Também é possível realizar ações
negativas sem o uso de palavras ou contato físico, como fazer caretas ou
gestos, excluir intencionalmente alguém de um grupo, ou recusar-se a
obedecer à vontade da pessoa.
No Brasil, temos duas pioneiras nesta área, Cleo Fante, para o
bullying escolar, e Margarida Barreto, para a situação de assédio moral.
Para efeitos didáticos, vamos dividir estas duas situações. Em linhas
gerais, não existe tradução exata para o bullying. Pode ser considerado
um assédio moral. Podemos descrever como atos de denegrir, violentar,
agredir, destruir a estrutura emocional de uma pessoa sem motivação
alguma e de forma repetida. Para Cleo Fante, consiste em um conjunto
de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem moti-
vação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causan-
do dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis,
LEITURA
TRINDADE, J. “Transtorno de conduta,
transtorno de personalidade antissocial
e psicopatia”. In: Manual de Psicologia
Jurídica para operadores do Direito.
Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007. p.198-213.
AUTOR
Dan Olweus
Dan Olweus nasceu na Suécia, fez dou-
torado na Universidade de Umea, na
Suécia, em 1969. De 1970 a 1995 foi
professor de Psicologia na Universidade
de Bergen, na Noruega. Desde 1996,
ele tem sido professor e pesquisador
da Psicologia, afiliado com o Centro de
Pesquisa para a Promoção da Saúde
(HEMIL) na mesma universidade. O livro
Bullying na escola: o que sabemos e o
que podemos fazer (Olweus, 1993) foi
publicado em mais de 25 línguas.
AUTOR
Cléo Fante
Cléo Fante é a maior especialista do
Brasil sobre bullying. Ela é educadora,
pesquisadora, conferencista, escritora,
graduada em História e Pedagogia, pós-
graduada em Didática do Ensino Superior
e doutoranda em Ciências da Educação
pela Universidade de Ilhas Baleares, Es-
panha. É presidente do Centro de Estu-
dos do Bullying Escolar, em Brasília-DF.
É autora do programa antibullying Educar
para a Paz, implantado em inúmeras es-
colas brasileiras e em Portugal.
capítulo 4 • 85
gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de
grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alu-
nos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são
algumas das manifestações do “comportamento bullying”.
As diferenças entre bullying e outras formas de violência e “brinca-
deiras” podem ser classificadas, no caso do bullying, em: ações repe-
titivas contra a mesma vítima em um período prolongado de tempo;
ocorrência de um desequilíbrio de poder, entre agressor e vítima, difi-
cultando a defesa da vítima; e, ausência de motivos que justifiquem os
ataques. Quanto às formas como essa violência pode ocorrer destacam-
se: a direção horizontal descrita como o bullying ocorrendo entre pesso-
as do mesmo nível, mesma posição; e, na direção vertical, abrangendo
pessoas de níveis diferentes e posições diferentes. Como participantes
desta situação temos: agressores, vítimas, espectadores passivos e víti-
mas-agressoras. Passemos a uma breve descrição destas posições.
Os agressores (bullies) são descritos como pessoas que manifestam
pouca empatia. Além disso, têm baixa resistência às frustrações, custan-
do a adaptar-se às normas, porque gostam de poder e de controle e, as-
sim, adotam condutas antissociais. As vítimas são pessoas consideradas
diferentes ou “esquisitas”. Essas diferenças podem ser de raça, religião,
opção sexual, desenvolvimento acadêmico, sotaque, maneira de ser e
de se vestir. Encontramos também bullying em relação a pessoas que se
destacam no seu meio e pessoas novatas em diferentes situações. Os es-
pectadores passivos ou testemunhas silenciosas que, em geral, mantêm
alguma relação com as vítimas e com os agressores, são pessoas que, na
grande maioria, não concordam, mas preferem ficar em silêncio porque
têm medo que os agressores as “elejam” para esses ataques. E, por fim, as
vítimas-agressores que são pessoas que sofreram o bullying e passam a ser
agressoras. Desta forma, reproduzem os maus tratos sofridos, integrando
grupos para hostilizar os seus agressores ou elegendo outras vítimas.
As consequências para as pessoas que sofrem bullying são, em geral,
prejudiciais ao seu desenvolvimento emocional e, muitas vezes, físico.
Muitas delas desenvolvem uma reação de estresse levando à baixa da
resistência imunológica e a sintomaspsicossomáticos, principalmente,
nos horários próximos à ida para a escola. Pode afetar o ambiente da
escolar, tendo como causa mais grave o suicídio.
O Brasil não tem uma lei federal sobre o combate ao bullying. Um
projeto de lei propõe que as ações de combate ao bullying sejam detalha-
das na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação. O projeto aguarda
votação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. A pro-
posta, de autoria do senador Gim Argello (PTB-DF), quer incluir, entre
as incumbências dos estabelecimentos de ensino, a promoção de am-
biente escolar seguro e a adoção de estratégias de prevenção e combate
a intimidações e agressões. Alguns estados e municípios, no entanto,
adotaram leis de combate ao bullying. No entanto, em nosso ordena-
CONCEITO
Empatia
Significa a capacidade psicológica para
sentir o que sentiria outra pessoa caso
estivesse na mesma situação vivencia-
da por ela. Consiste em tentar compre-
ender sentimentos e emoções, procu-
rando experimentar de forma objetiva e
racional o que sente outro indivíduo.
Estresse
O estresse pode ser causado por qual-
quer evento ou sensação que o faz se
sentir frustrado, irritado ou nervoso. O
estresse é uma sensação de medo, des-
conforto e preocupação.
Sintomas psicossomáticos
A causa principal deste sintoma que
aparece no corpo, está dentro do emo-
cional da pessoa, ligada, portanto à sua
mente, aos seus sentimentos, à sua
afetividade. E essa variável emocional
se torna importante tanto no desenca-
deamento de um episódio, de uma crise,
quanto no aumento e/ou manutenção
do sintoma, conforme cada pessoa.
86 • capítulo 4
mento jurídico constitucional, podemos encontrar no artigo 5º e alguns
incisos, da Constituição Federal (1988), referência ao tratamento desi-
gual e desumano, que não deve ser tolerado pela sociedade.
Constituição Federal
Artigo 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade...
III — ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XLI — a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liber-
dades fundamentais.
Quanto ao assédio moral, Hirigoyen (2002) considera um assassina-
to psíquico, um processo contínuo de agressões que destrói lentamente
a dignidade do sujeito. Podemos dizer que o assédio moral é uma co-
ação social, que pode ser instalada em qualquer tipo de hierarquia ou
relação que se sustente pela desigualdade social e pela autoridade. Na
verdade, o assédio moral é um fenômeno antigo, no entanto sua im-
portância atual deve-se ao novo cenário no trabalho, onde os vínculos
e interesses próprios elevam sempre à uma disputa competitiva. Nossa
realidade atual, no mundo do trabalho, requer sempre o aumento da
produtividade e um alto nível de competitividade.
O conceito de assédio moral é amplo, subjetivo e tem diversas ver-
tentes. Para MargaridaBarreto, o assédio moral pode ser definido como
a exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e
humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva e
prolongada ao longo da jornada de trabalho. É uma atitude desumana,
violenta e sem ética nas relações de trabalho, que afeta a dignidade, a
identidade e viola os direitos fundamentais dos indivíduos (2008). Você
deve ficar atento porque o assédio moral é diferente de situações confli-
tivas e estressantes, más condições de trabalho e imposições profissio-
nais. Além disso, ele não é um evento isolado, uma agressão pontual ou
desavenças esporádicas. É uma situação que mantém uma continuida-
de e assiduidade que leva a pessoa que sofre este tipo de situação a um
danopsíquicoprolongado.
Este dano psíquico leva a uma desorganização interna que tem como
consequências: a modificação do seu comportamento; o afastamento
das pessoas; o sentimento de impotência frente às situações; podendo
levar a uma impossibilidade para a execução de suas tarefas. O compor-
tamento do agressor a este estado pode ser a recusa à comunicação di-
CONCEITO
Dano psíquico prolongado
Modificações significativas na perso-
nalidade podendo evoluir para uma
doença mental.
AUTOR
Margarida Barreto
Margarida Barreto integra o grupo de
profissionais responsável pelo site Assé-
dio moral no trabalho. Chega de humi-
lhação!, e viaja por todo o país divulgando
e incentivando discussões sobre a ques-
tão que afeta um sem-número de tra-
balhadores. “Só no site, nós recebemos
cerca de 300 denúncias por dia”, disse
Margarida, que é autora do livro Violên-
cia, saúde, trabalho — uma jornada de
humilhações (Educ, 2000 e 2006).
capítulo 4 • 87
reta com alguém; a desqualificação do indivíduo ou de seu trabalho; o
descrédito frente aos outros; isolamento da pessoa; situações de cons-
trangimento; e, muitas vezes, provocação de equívocos nas tarefas.
Não pretendendo esgotar este assunto, para finalizar, seria impor-
tante assinalar a dificuldade em penalizar, identificar e sinalizar os ca-
sos, apesar dos danos físicos, psíquicos e patrimoniais daqueles que
sofrem este tipo de assédio. Segundo autores da área, o Código Civil
adotou a teoria da responsabilidade civil, com base no parágrafo único
do artigo 927, na modalidade de “risco ocupacional”. O empregador as-
sume o risco pelo tratamento dispensado ao empregado.
O psicólogo e a violência
Vamos chamar a atenção para o fato de que a violência se manifesta em
diferentes contextos — urbano, familiar, trabalho, entre outros. Assim,
de acordo com a compreensão de violência anteriormente descrita, o
agente que causa maiores danos dentro de uma situação de violência
é aquele que detém maior poder em cada um desses contextos, e, por
isso, é identificado como autor da violência. A violência causa muitos
danos àqueles que são submetidos a ela, tais como: danos físicos, da-
nos emocionais e, em última instância, a morte. Assim, estudos e pro-
gramas voltados à promoção da saúde de pessoas envolvidas em situa-
ções de violência (autores e vítimas) são de muita importância na busca
da eliminação e prevenção de violências, bem como na promoção de
cuidados àqueles já expostos a elas.
Desde a década de 1970, a Psicologia destina especial atenção às
práticas que ampliem o compromisso do psicólogo com os problemas
sociais do nosso país (SAWAIA, 2003). Assim, as práticas de muitos psicó-
logos passaram a ser orientadas pelo desafio de compreender esse novo
campo de trabalho, o que implica também em mudanças em suas pró-
prias concepções sobre os fenômenos que se tornaram parte do seu coti-
diano profissional (CFP, 2007). Essa perspectiva é expressa nas Referên-
cias Técnicas para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS (CFP, 2007):
Temos muito que ver fora dos consultórios, dos settings convencionais.
Temos a oportunidade de estabelecer muitos olhares, muitas conexões,
muitas redes. Temos a oportunidade de trabalhar com a vida, não com o
pobre, o pouco, o menos. Temos o dever de devolver para a sociedade a
contradição, quando muitos não usufruem de um lugar de cidadania, que
deveria ser garantido a todos, como direito (p. 12).
Quanto ao papel do psicólogo, constata-se a necessidade de um
olhar mais amplo, que contemple, além das demandas particulares
de cada sujeito (tratamento do agressor e da vítima), um envolvimento
LEITURA
BARRETO, M. Violência, saúde, traba-
lho: uma jornada de humilhações. São
Paulo: EDUC; PAREA FAPESP, 2003.
BARRETO, M.; FREITAS, M.E.;HELOA-
NI, R. Assédio moral no trabalho. São
Paulo: Cengage, 2008.
MULTIMÍDIA
Bullying
Sinopse: Bobby Kent (Nick Stahl) vive
amedrontando os garotos de sua esco-
la. Cansados de sua atitude, eles se jun-
tam e decidem lhe dar uma lição, atrain-
do-o até um pântano e espancando-o
até sua morte. Entre os garotos estão
também alguns amigos de Bobby, que
aproveitam a oportunidade para tomar
seu lugar. O assasinato provoca reações
distintas na comunidade em que vivem,
que vão do choque pela brutalidade do
ocorrido até mesmo à sensação de que
Bobby recebeu o que merecia.
O diabo veste Prada
Sinopse: Andrea Sachs (Anne Ha-
thaway) é uma jovem que conseguiu um
emprego na Runaway Magazine, a mais
importante revista de moda de Nova
York. Ela passa a trabalhar como assis-
tente de Miranda Priestly (Meryl Streep),
principal executiva da revista. Apesar da
chance que muitos sonhariam em con-
seguir, logo Andrea nota que trabalhar
com Miranda não é tão simples assim.
88 • capítulo 4
maior com o social, pois não se pode isolar a violência do contexto social em que ela está
inserida. Os profissionais, que trabalham com este fenômeno, devem estar mais flexíveis,
dispostos a traçar novos caminhos, criar novas alternativas que possam contemplar as de-
mandas trazidas da forma mais integrada possível. A violência, para o psicólogo, deve ser
tratada e não punida. Ele utilizará a investigação das causas, usará as pesquisas já realiza-
das para, a partir de um trabalho em equipe, tornar viável a reestruturação da situação onde
ocorreu a violência. É preciso, desta forma, uma maior qualificação, para o psicólogo, como
profissional e como pessoa, para que ele possa trabalhar nesta área.
RESUMO
Neste capítulo, você pode perceber as diferentes formas de violência e como elas interagem no cotidiano
das pessoas. Muitas delas, nem são consideradas violências em determinados grupos sociais ou cultu-
rais. Você foi apresentado a algumas características de comportamentos antissociais em portadores de
transtornos emocionais que podem chegar a situações de violência. Você percebeu que determinados
comportamentos violentos começam na infância e, se não forem tratados, podem evoluir para uma situa-
ção grave na idade adulta. Como a violência permeia o nosso dia a dia, você aprendeu sobre o bullying e
o assédio moral e constatou as consequências trágicas para aqueles que sofrem esta situação. A atuação
do psicólogo é fundamental nestas situações em que as pessoas precisam resgatar a sua autoestima e,
muitas vezes, a sua vontade de viver.
capítulo 4 • 89
ATIVIDADE
01. Pesquisa
Utilizando os meios de comunicação, faça uma pesquisa buscando reportagens em que você deverá iden-
tificar uma situação de psicopatia e uma situação de transtorno de personalidade antissocial, apontando
as diferenças entre estes fatores, segundo os parâmetros estabelecido por Trindade (2007) neste capítulo.
02. Texto
Causas da violência no Brasil
Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais violentas do mundo. Hoje,
o país tem altíssimos índices de violência urbana (...); violência doméstica (...); violência familiar e violência
contra a mulher, que, em geral, é praticada pelo marido, namorado, ex-companheiro etc.
A questão que precisamos descobrir é porque esses índices aumentaram tanto nos últimos anos. Onde
estaria a raiz do problema? (...)
Já é tempo de a sociedade brasileira se conscientizar de que violência não é ação. Violência é, na verdade,
reação. O ser humano não comete violência sem motivo. É verdade que algumas vezes as violências reca-
em sobre pessoas erradas, (pessoas inocentes que não cometeram as ações que estimularam a violência).
No entanto, as ações erradas existiram e alguém as cometeu, caso contrário não haveria violência.
Em todo o mundo as principais causas da violência são: o desrespeito, a prepotência, crises de raiva cau-
sadas por fracassos e frustrações, crises mentais (...).
No Brasil, a principal “ação errada”, que antecede a violência é o desrespeito. O desrespeito é consequente
das injustiças e afrontamentos, sejam sociais, sejam econômicos, sejam de relacionamentos conjugais
etc. A irreverência e o excesso de liberdades (...) também produzem desrespeito. E o desrespeito produz
desejos de vingança que se transformam em violências. (...)
(Valvim M Dutra — Extraído do Capítulo 9 do livro Renasce Brasil — www.renascebrasil.com.br/p_livro)
02.1. De acordo com o texto, é correto afirmar que:
a. A violência acontece somente dentro de casa.
b. O Brasil apresenta altos índices de violência nas cidades.
c. A violência acontece somente em relação à mulher.
d. Somente ex-companheiros brigam.
02.2. Segundo o texto, a(s) principal(is)causa(s) da violência:
a. É a fome.
b. São sempre os ciúmes entre namorados.
c. É a pouca escolaridade que as pessoas têm.
d. É o desrespeito.
02.3. Considerando-se as ideias do texto, é correto afirmar que:
a. Praticamos ações violentas sem qualquer motivo.
b. A violência é ação.
c. É necessária a existência de um motivo para que se pratiquem ações violentas.
d. As ações violentas são sempre praticadas por doentes mentais.
90 • capítulo 4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WINNICOTT, D.W. Privação e delinquência. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
A Psicologia e suas interfaces com os sistemas jurídico e judiciário
stella aranha
15
92 • capítulo 5
5 A Psicologia e suas interfaces com os sistemas jurídico e judiciário
Direito e Justiça
Direito e Justiça são palavras que trazem complexos e diferentes sig-
nificados. Entretanto, é fácil entendê-las e assimilar o seu significa-
do, pois, desde os primeiros anos de vida, as pessoas sabem o que
lhes pertence e sabem defendê-lo dos outros que se aventuram a to-
mar para si o referido bem.
De acordo com Mafra (2005), à medida que crescemos e aprende-
mos o significado de Direito como um conjunto de normas da vida
social, também desenvolvemos a noção de que justiça, dentre outros
significados, tem o sentido de uma norma cumprida, observada e
respeitada. Desta forma, fazer justiça é respeitar o direito e não re-
alizar qualquer ação que perturbe o equilíbrio social em relação ao
respeito das leis por cada um de nós.
Para Cavalieri Filho (2002), Direito e Justiça são considerados
pela sociedade como uma coisa só. No entanto, sabemos que nem
sempre é assim. Nem tudo que é Direito é justo nem tudo que é justo
é Direito. A ideia de Justiça envolve valores inerentes ao ser huma-
no, tais como a liberdade, igualdade, fraternidade, o que vem sendo
chamado de Direito natural desde a Antiguidade. O Direito, em con-
trapartida, é uma invenção humana, um fenômeno histórico e cul-
tural, considerado uma técnica de pacificação social e de realização
de justiça. A Justiça é um sistema aberto de valores, em constante
modificação, o Direito, para este autor (Cavalieri Filho, 2002) é um
conjunto de princípios e regras destinado a realizá-la. Nem sempre o
Direito alcança essa finalidade, quer por não conseguir acompanhar
as transformações sociais, quer pela incapacidade daqueles que o
conceberam, e, além disso, por falta de disposição política para im-
plementá-lo, tornando-se por isso um direito injusto. Pode-se dizer
que o direito está em permanente busca da justiça e, por isso, em
permanente transformação.
Sabemos a finalidade do Direito, mas e a finalidade da Justiça? Po-
deríamos dizer que é a transformação social, na busca de uma socie-
dade justa. Outra pergunta poderia ser feita: O que é uma sociedade
justa? Segundo Cavalieri Filho (2002), é uma sociedade sem precon-
ceitos e discriminação de raça, sexo, cor ou idade; uma sociedade livre,
solidária, sem pobreza e desigualdades sociais, na qual a cidadania e
a dignidade da pessoa humana são as principais metas. O operador
do Direito deve adequar o Direito à Justiça. Isso ocorre porque sendo
a Justiça um sistema aberto de valores e suscetível às mudanças, por
LEITURA
MAFRA, Francisco. “O Direito e a Justi-
ça”. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII,
n. 20, fev 2005.
Disponível em: <http://www.ambi-
to-juridico.com.br/site/index.php?n_
link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=870>Acesso em set. 2014.
CAVALIERI FILHO, S. “Direito, Justiça
e sociedade”. In: Revista da EMERJ, v.5,
n.18, 2002.
capítulo 5 • 93
AUTOR
Kazuo Watanabe
Possui graduação em Direito pela Uni-
versidade de São Paulo (USP — 1959),
mestrado em Direito pela USP (1978)
e doutorado em Direito também pela
USP (1985). Atualmente é professor
doutor da Universidade de São Pau-
lo. Tem experiência na área de Direito,
com ênfase em Direito Processual Civil,
atuando principalmente nos seguintes
temas: processo coletivo, políticas pú-
blicas, controle jurisdicional, solução de
conflitos e código de proteção e defesa
do consumidor.
LEITURA
Sobre o Conselho Nacional de Justiça.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/
sobre-o-cnj
melhor que seja a lei, sempre terá de ser ajustada às transformações
sociais e aos novos ideais de Justiça. Por isso, vamos falar adiante de
Justiça Restaurativa.
Psicologia, o Judiciário e a busca do acesso à justiça
O acesso à justiça pressupõe a capacidade e oportunidade de realização
de um direito, principalmente, dos direitos humanos que configuram a
verdadeira cidadania. Mas o que o psicólogo tem a ver com esta questão?
— você deve estar se perguntando. Os princípios fundamentais do Código
de Ética dos Psicólogos afirmam que o psicólogo baseará o seu trabalho no
respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da in-
tegridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Além disso, trabalhará visando a promo-
ver a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contri-
buirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discrimina-
ção, exploração, violência, crueldade e opressão. Por isso, trabalhar por
uma justiça mais justa, também é dever do psicólogo porque, desta forma,
este profissional estará concretizando os princípios fundamentais de sua
profissão. Sendo assim, torna-se uma preocupação, também, para o psicó-
logo, o acesso à justiça, como uma forma de lutar contra a discriminação.
ATENÇÃO
É importante destacar que acesso à justiça não se confunde, ou não se deve confun-
dir com acesso ao Judiciário. O Judiciário é um ambiente, muitas vezes, impenetrável,
diferente, formal e ligado à hierarquização das relações, dos cargos e das pessoas.
Como bem defende KazuoWatanabe, o acesso à Justiça não se es-
gota no acesso ao Judiciário nem no próprio universo do direito estatal,
tampouco nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já exis-
tentes. Não se trata, pois, de conceder o acesso à Justiça enquanto insti-
tuição estatal, mas, em verdade, viabilizar o acesso à ordem jurídica jus-
ta. A democratização do acesso à Justiça não pode ser confundida com
a mera busca pela inclusão dos segmentos sociais ao processo judicial.
Desde meados de 2007, a Secretaria de Reforma do Judiciário do Minis-
tério da Justiça, definiu o tema “Democratização do Acesso à Justiça” como
eixo prioritário de suas ações. Esta Secretaria é a articuladora de uma políti-
ca nacional voltada à democratização do acesso ao Sistema de Justiça, que é
constituída pelo debate coletivo e executada em conjunto com as estruturas
do sistema de Justiça, instituições de ensino, pesquisa e entidades da socie-
dade civil. Na tentativa de dar mais visibilidade à Justiça Restaurativa, em
94 • capítulo 5
14 de agosto de 2014, o Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
assinou um acordo para incentivar a Justiça Restaurativa com o objetivo de
diminuir a judicialização de infrações e reparar relações sociais.
Justiça Restaurativa X Justiça Retributiva ou Tradicional
A Justiça Restaurativa surgiu na Nova Zelândia, a partir de um movimen-
to da comunidade local, em sua grande maioria descendentes de tribos
aborígenes, especialmente Maoris. Eles estavam insatisfeitos em rela-
ção aos procedimentos adotados pela justiça formal com os jovens que
praticavam atos infracionais. Propuseram um resgate das tradições de
suas tribos que seria uma forma alternativa para resolução de conflitos.
A partir de então, essas práticas têm sido utilizadas regularmente e pro-
porcionam resultados positivos.
Como princípios importantes da Justiça Restaurativa, temos a volun-
tariedade, em que não há obrigação de participar, todos são convidados
e devem sentir-se livres para aceitar o convite ou recusá-lo sem que isso
cause prejuízo a nenhuma das partes. Outro princípio a ser destacado é
a horizontalidade. Em um procedimento restaurativo, todos são iguais
na condição de seres humanos; não existe uma hierarquia, não há a im-
posição de poder de uns sobre os outros.
Também é reforçada a importância do resgate de valores que ficam
prejudicados quando se pratica um ato infracional. Os valores mais im-
portantes, nesta situação, são: participação, respeito, honestidade, hu-
mildade, interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança.
Pelos princípios da justiça restaurativa, busca-se alcançar a responsa-
bilização do autor do ato infracional, sem deixar de oferecer-lhe o apoio
de que necessita. Paralelamente, é oferecido à vítima atendimento e aco-
lhimento de sua dor, bem como a oportunidade de ressignificação e res-
tituição de dano, mesmo que simbolicamente. Nesta abordagem, todos
são protagonistas: vítima, ofensor e sua comunidade. A participação da
comunidade neste processo é fundamental, pois se entende que ela tam-
bém sofre e é, também, responsável pelo conflito que rompe e interfere
nas relações existentes naquele local.
Seguindo essa recomendação da Organização das Nações Uni-
das (ONU), alguns países já introduziram a justiça restaurativa em
sua legislação, merecendo destaque a Colômbia, que a inscreveu na
Constituição (art. 250) e na legislação (Art. 518 e seguintes, do novo
Código de Processo Penal), e a Nova Zelândia, que desde 1989 já a
introduziu na legislação infantojuvenil.
Você, agora, terá possibilidade de comparar pelos quadros as ações da
Justiça Restaurativa em relação à Justiça Retributiva ou Tradicional.
CONCEITO
Empoderamento
Conscientização; criação; socialização
do poder entre os cidadãos; conquista
da condição e da capacidade de partici-
pação; inclusão social e exercício da ci-
dadania. Empoderamento é a conscien-
tização e a participação com relação a
dimensões da vida social.
LEITURA
PINTO, Renato Sócrates Gomes. “A
construção da Justiça Restaurativa no
Brasil. O impacto no sistema de Justi-
ça criminal”. In: Jus Navigandi, Teresina,
ano 12, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/9878>.
Acesso em 01 set. 2014.)
capítulo 5 • 95
VALORES
JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Conceito estritamente jurídico de Crime — Vio-
lação da Lei Penal — ato contra a sociedade
representada pelo Estado.
Conceito amplo de Crime — ato que afeta a ví-
tima, o próprio autor e a comunidade causando-
lhe uma variedade de danos.
Primado do Interesse Público (Sociedade, re-
presentada pelo Estado, o Centro) — Monopólio
estatal da Justiça Criminal.
Primado do Interesse das Pessoas Envolvidas
e Comunidade — Justiça Criminal participativa.
Culpabilidade Individual voltada para o passado
— Estigmatização.
Responsabilidade, pela restauração, numa di-
mensão social, compartilhada coletivamente e
voltada para o futuro.
Uso Dogmático do Direito Penal Positivo. Uso Crítico e Alternativo do Direito.
Indiferença do Estado quanto às necessidades
do infrator, vítima e comunidade afetados —
desconexão.
Comprometimento com a inclusão e Justiça So-
cial gerando conexões.
Monocultural e excludente.Culturalmente flexível (respeito à diferença, to-
lerância).
Dissuasão. Persuasão.
PROCEDIMENTOS
JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Ritual Solene e Público.Ritual informal e comunitário, com as pessoas
envolvidas.
Indisponibilidade da Ação Penal. Princípio da Oportunidade.
Contencioso e contraditório. Voluntário e colaborativo.
Linguagem, normas e procedimentos formais e
complexos — garantias.Procedimento informal com confidencialidade.
Atores principais — autoridades (representando
o Estado) e profissionais do Direito.
Atores principais –— vítimas, infratores, pesso-
as da Comunidade, ONGs.
Processo Decisório a cargo de autoridades (Po-
licial, Delegado, Promotor, Juiz e profissionais
do Direito) — Unidimensionalidade.
Processo Decisório compartilhado com as pes-
soas envolvidas (vítima, infrator e comunidade)
— Multidimensionalidade.
96 • capítulo 5
RESULTADOS
JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Prevenção Geral e Especial
— Foco no infrator para intimidar e punir.
Abordagem do Crime e suas consequências
— Foco nas relações entre as partes, para res-
taurar.
Penalização
Penas privativas de liberdade, restritivas de di-
reitos, multa.
Estigmatização e Discriminação.
Pedido de Desculpas, Reparação, restituição,
prestação de serviços comunitários.
Reparação do trauma moral e dos Prejuízos
emocionais — Restauração e Inclusão.
Tutela Penal de Bens e Interesses, com a Puni-
ção do Infrator e Proteção da Sociedade.
Resulta responsabilização espontânea por par-
te do infrator.
Penas desarrazoadas e desproporcionais em
regime carcerário desumano, cruel, degradante
e criminógeno — ou penas alternativas inefica-
zes (cestas básicas).
Proporcionalidade e Razoabilidade das Obriga-
ções Assumidas no Acordo Restaurativo.
Vítima e Infrator isolados, desamparados e de-
sintegrados. Ressocialização Secundária.Reintegração do Infrator e da vítima prioritárias.
Paz Social com Tensão. Paz Social com Dignidade.
EFEITOS PARA A VÍTIMA
JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Pouquíssima ou nenhuma consideração, ocu-
pando lugar periférico e alienado no processo.
Não tem participação nem proteção, mal sabe o
que se passa.
Ocupa o centro do processo, com um papel e
com voz ativa. Participa e tem controle sobre o
que se passa.
Praticamente nenhuma assistência psicológica,
social, econômica ou jurídica do Estado.
Recebe assistência, afeto, restituição de perdas
materiais e reparação.
Frustração e Ressentimento com o sistema.
Tem ganhos positivos. Suprem-se as necessi-
dades individuais e coletivas da vítima e comu-
nidade.
capítulo 5 • 97
EFEITOS PARA O INFRATOR
JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Infrator considerado em suas faltas e sua má-
formação.
Infrator visto no seu potencial de responsabili-
zar-se pelos danos e consequências do delito.
Raramente tem participação. Participa ativa e diretamente.
Comunica-se com o sistema por advogado. Interage com a vítima e com a comunidade.
É desestimulado e mesmo inibido a dialogar
com a vítima.
Tem oportunidade de desculpar-se ao sensibi-
lizar-se com o trauma da vítima.
É desinformado e alienado sobre os fatos pro-
cessuais.
É informado sobre os fatos do processo res-
taurativo e contribui para a decisão.
Não é efetivamente responsabilizado, mas pu-
nido pelo fato.
É inteirado das consequências do fato para a
vítima e comunidade.
Fica intocável. Fica acessível e se vê envolvido no processo.
Não tem suas necessidades consideradas. Supre-se suas necessidades.
Disponível em: http://jus.com.br/artigos/9878/a-construcao-da-justica-restaurativa-no-brasil#ixzz3C5tfDMMz
Você deve ter observado que a Justiça Restaurativa apresenta uma forma diferente de
compreender o conflito entre as pessoas e resolvê-lo. Vamos entender como é caracteriza-
do e tratado o conflito nesta área.
Caracterização do conflito
Como você viu no item anterior, a Justiça Restaurativa trabalha com uma nova compreen-
são do conflito que chega até o Judiciário. Mas de que forma é analisado esse conflito? O
conflito faz parte de nossa vida. Ele se estabelece a partir de expectativas, valores e interes-
ses que são contrariados. Nessas situações, costumamos tratar os outros como inimigos ou
adversários. Cada uma das partes envolvidas no conflito busca encontrar argumentos para
reforçar suas posições e, desta forma, enfraquecer e destruir os argumentos da outra parte.
É por causa deste estado emocional gerado pela disputa, que as pessoas não conseguem
perceber que, mesmo nesta situação, têm interesses comuns.
Numa proposta restaurativa, vamos perceber o conflito como parte das relações huma-
nas e resultado de percepções e posições divergentes que envolvem, também, expectativas,
valores e interesses comuns, como já foi dito. O conflito não deve ser considerado negativo.
É quando compreendemos que o conflito é inevitável que vamos ser capazes de desenvol-
ver soluções autocompositivas. Quando não encaramos o conflito com responsabilidade,
a nossa tendência é convertê-lo em confronto ou disputa. Quando consideramos o outro
98 • capítulo 5
como adversário, não escutamos a sua fala porque já estamos nos prepa-
rando para uma nova argumentação. Isso pode ocorrer, também, com a
outra pessoa e, desta forma, se todos não se sentem escutados e enten-
didos, a tendência é que a situação se agrave ainda mais, com as pessoas
mantendo suas posições irreversíveis em relação à mudança.
O conflito interpessoal compreende três aspectos: o relacional —
valores, crenças e expectativas; o objetivo — interesse envolvido; e a
trama — o conjunto de valores, crenças e expectativas, ligadas ao in-
teresse envolvido. Por exemplo: um ex-casal está em conflito por cau-
sa da guarda de seus filhos (objetivo). Cada um tem uma forma de ser
diferente em relação às expectativas, valores e crenças (relacional).
Dessa forma, os dois acreditam que seriam merecedores da guarda
das crianças, porque se julgam, com base em suas diferenças, os mais
aptos para esta função (trama).
Além disso, os conflitos são divididos em quatro espécies que po-
dem aparecer conjugadas em algumas situações. São elas: conflitos
de valores — diferenças em relação a moral, ideologia e religião, por
exemplo, conflito entre israelenses e árabes; conflitos de informação
— informação distorcida ou com um significado negativo, por exem-
plo, conflitos em relação a um contrato de compra de um produto;
conflitos estruturais — diferenças políticas e econômicas entre os
envolvidos, por exemplo, conflito entre empregador e empregado; e,
conflitos de interesses — contradições em questões ligadas a bens
e direitos comuns, por exemplo, conflitos entre herdeiros sobre os
direitos a uma herança.
Muitas pessoas pensam que o conflito deve ser suprimido ou elimi-
nado da vida social porque, para elas, a paz social seria o resultado da
ausência de conflito. Usando uma perspectiva restauradora, entende-
mos que “a paz é um bem precariamente conquistado por pessoas ou
sociedades que aprenderam a lidar com conflitos” (Vasconcelos, 2008).
Falando em paz social, é importante que você conheça a comu-
nicação não violenta, desenvolvida por Marshall Rosemberg. Este
psicólogo nos ensina a descobrir os sentimentos que estão em nós
por trás das aparências. Mostra, também, como nossas ações são ba-
seadas em necessidades humanas que todos buscamos preencher.
Quando entendemos nossas necessidades verdadeiras, criamos uma
aproximação com nossos interlocutores e os relacionamentos tor-
nam-se mais proveitosos, a comunicação passa a ser mais adequada.
Em suas palavras:
“A comunicação não violenta se baseia em habilidades de linguagem e
de comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos
mesmo em condições adversas” (ROSENBERG, 2006, p. 21).
AUTORMarshall Rosenberg
Psicólogo americano nascido em De-
troit em 1934. Em 1961, obteve seu
PhD em Psicologia Clínica pela Uni-
versidade de Wisconsin — Madison.
Desenvolveu um método comunicativo
chamado Comunicação Não Violenta
(CNV) servindo de guia para resolução
de conflitos em mais de 65 países ao
redor do mundo, nos diversos conti-
nentes. A CNV também é aplicada no
desenvolvimento de novos sistemas
sociais, orientado em prol de parceria e
o compartilhamento de poder, principal-
mente na área de educação, e também
no caso de Círculos Restaurativos, prá-
tica de Justiça Restaurativa aplicada em
mais de 11 países.
capítulo 5 • 99
Mecanismos de autocomposição dos conflitos
Negociação, mediação, conciliação e arbitragem são, em geral, chama-
dos de meios alternativos ou extrajudiciais de resolução de disputas
(Alternative Dispute Resolutions — ADRs). Eles são também conheci-
dos como meios alternativos de resolução de controvérsias (MASCs) ou
meios extrajudiciais de resolução de controvérsias (MESCs).
Vamos começar definindo o que é a Negociação. Chamamos de nego-
ciação quando pessoas com problemas e/ou processos entre elas lidam
diretamente para a transformação e restauração de relações, buscando
a solução para as suas disputas ou trocas de interesses. A negociação
está baseada em princípios, sendo o mais importante a cooperação,
buscando um acordo com ganhos mútuos.
No entanto, nem sempre se consegue negociar diretamente com
o outro e, nesses casos, na busca de uma retomada da comunicação,
contamos com a ajuda de uma terceira pessoa. Neste caso, podemos
falar da Mediação.
A mediação é um meio de solução de conflitos em que duas ou mais
pessoas, com a colaboração de um terceiro, que é o mediador, expõem o
problema. O mediador as escuta, questiona e vai trabalhando com elas
a comunicação, de forma construtiva, para chegar, eventualmente, a um
acordo. Esse profissional deve ser capacitado, imparcial, independente
e escolhido ou aceito pelas partes.
Falamos da mediação como um método interdisciplinar com conhe-
cimentos científicos oriundos da Psicologia, Sociologia, Antropologia,
Direito e Teoria dos Sistemas. Os mediandos, na mediação, não são tra-
tados nem devem se comportar como adversários, mas como coautores
da solução daquele conflito, auxiliados pelo mediador.
Daí podermos falar que a mediação, assim como a conciliação que
será descrita a seguir, são procedimentos não adversariais de solução de
conflitos, diferente dos métodos adversariais como processos judiciais
e arbitrais. Mais adiante, estaremos desenvolvendo os procedimentos
necessários para realizar a mediação.
Outra situação que envolve um terceiro, na tentativa de ajudar a
solucionar o conflito, é a conciliação. De acordo com o Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, “a conciliação é um meio alternativo de
resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pes-
soa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na
construção de um acordo”.
O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua, de forma volun-
tária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os
envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à
aproximação de interesses e à harmonização das relações.
MULTIMÍDIA
Mediação
Para que você possa reforçar a sua
compreensão sobre o que é mediação,
assista ao vídeo Mediação, temos certe-
za de que será bem esclarecedor neste
momento da sua aprendizagem.
Disponível em https://www.youtube.com
/watch?v=c143Pr5vj_Y
100 • capítulo 5
A conciliação é judicial quando se dá em conflitos já ajuizados, nos quais atua como con-
ciliador o próprio juiz do processo ou conciliador treinado e nomeado. O conciliador, em
relação às partes, toma iniciativas, faz recomendações, advertências e apresenta sugestões,
com a finalidade de obter o acordo entre as partes. Podemos compreender que o conciliador
exerce uma autoridade hierárquica em relação às partes, visando uma conciliação entre elas.
Para os mediadores e conciliadores no Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, na
Resolução 125/2010, desenvolveu um conteúdo programático mínimo e ações voltadas à
capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos, para magistrados da Justiça
Estadual e da Justiça Federal, servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores
da solução consensual de controvérsias.
Técnicas para obter uma comunicação construtiva levando à solução de conflitos
Já sabemos que as relações humanas são interações que levam à uma comunicação. Como já
vimos na comunicação não violenta, devemos aprender a nos comunicarmos de forma cons-
trutiva, deixando de lado as características de uma comunicação dominadora, onde estamos
sempre buscando provar o quanto temos de razão naquilo que estamos falando, ou muitas
vezes, tornando o outro um adversário. Uma comunicação construtiva habilita as pessoas a
negociações mais eficazes e à gestão de conflitos de forma mais positiva. Na sociedade atual,
esse tipo de comunicação torna-se fundamental. Segundo Vasconcelos (2008), uma comu-
nicação construtiva contempla dez preceitos, que, para este autor, significam elementos de
uma linguagem para uma cultura de paz e de direitos humanos. Veremos a seguir:
1. Conotação positiva
A comunicação construtiva tem início com o acolhimento do outro por meio de uma lingua-
gem estimulante e apreciativa sobre aquilo que a pessoa está relatando. Respeitar e acolher
aquilo que o outro está comunicando é reconhecer o outro enquanto ser humano, indepen-
dente de seus valores, direitos e obrigações. Por outro lado, uma comunicação dominadora
estimula um julgamento antecipado e a ideia de uma verdade única.
Ter uma conotação positiva em relação ao que o outro comunica expressa uma atitu-
de de reconhecimento do outro, não obrigatoriamente concordância com o outro, mas
que leva a uma atitude de empatia, fundamental para o processo de comunicação e de
interação entre as pessoas.
Os mediadores e negociadores utilizam a conotação positiva para desenvolver o proces-
so comunicativo e aumentar as possibilidades de uma comunicação construtiva.
2. Escuta ativa
Escutar é, antes de tudo, reconhecer, e esta é uma necessidade básica de todo ser humano:
ser reconhecido. A escuta ativa é uma escuta atenta daquilo que está sendo falado e sentido
pelo outro. Por isso, deve ser levada em conta, também, a expressão corporal. Mas escutar
capítulo 5 • 101
ativamente não é apenas ouvir, é identificar-se com o outro, sem julgamentos e aceitar as
suas contradições. As pessoas que se sentem escutadas também estarão dispostas a escutar.
As pessoas precisam dizer o que sentem e é importante reconhecer a necessidade que
o outro tem de expressar. Escutar sem aconselhar. Aquele que aconselha coloca-se numa
posição de superioridade com suas supostas verdades. Além disso, o conselho não permite
que a pessoa se expresse, crie suas próprias soluções e cresça a partir do conflito que está
vivenciando. Permitir a escuta é uma forma de dar continuidade à comunicação.
3. Perguntas sem julgamento
As perguntas apropriadas acompanham o processo de escutar e reconhecer as pessoas. É
por meio da pergunta que a pessoa continua narrando o que aconteceu e pode chegar a
interpretar a forma como está se comportando. As perguntas ajudam a esclarecer, contex-
tualizar as situações e capacitar a pessoa a pensar sobre o que está ocorrendo. Com base
nas perguntas sem julgamento é dada a responsabilidade e o poder de reelaboração de po-
sições para as pessoas.
A pergunta é uma forma de substituir o julgamento em relação ao outro e o hábito de
dar conselhos. O conselho, como já vimos, desequilibra a relação e não deve ser usados para
que o outro possa ter a possibilidade de repensar sobre as situações em que se vê envolvido.
4. Reciprocidade discursiva
Deve ser estabelecido em uma relação, o direito de todos a falar. O equilíbrio no direito de
expressão corresponde a um equilíbrio de poder na relação. A comunicação é “uma via de
mão dupla”, e as pessoas que não deixam o outro falar se comunicam negativamente. A
comunicação construtiva é uma coconstrução, ou seja, é construída por cada um no pro-
cesso de comunicação. O diálogo para que seja produtivo deve ser sempre circular entre as
pessoas e não deve haver interferência na fala do outro.
5. Mensagem como opinião pessoal
É importante, na comunicação, quando falamos sobre alguém, usemos a primeira pessoa.
Desta forma, estamos evitando que se fale pelo outro. É o que Vasconcelos (2008), chama
de “linguagem do eu”. Uma expressão como: “Você não devia ter dito isso” se transforma
em “Eu penso que isto poderia ter sido dito de outra forma”. Em uma comunicação cons-
trutiva devem ser evitadas as acusações e devem ser valorizadas as percepções e sentimen-
tos de cada um sobre o problema.
6. Assertividade
Ser assertivo não é ser agressivo. Ser assertivo é ter clareza e segurança nas suas respostas e
posições. A pessoa assertiva costuma ser confiável porque se baseia em princípios e busca
valorizá-los. É uma habilidade social de fazer afirmação dos próprios direitos e expressar
pensamentos, sentimentos e crenças de maneira direta, clara, honesta e apropriada ao
contexto, de modo a não violar o direito das outras pessoas. O comportamento assertivo
102 • capítulo 5
pode ser considerado uma virtude, pois se mantém no entre dois extre-
mos inadequados, um por excesso (agressão), outro por falta (submis-
são). Ser assertivo é dizer “sim” e “não” quando for necessário.
7. Priorizar a relação
É sempre importante separar o problema pessoal do problema material.
Quando houver um problema pessoal e material, o principal é restaurar
a relação pessoal. Devem ser reelaborados sentimentos e percepções,
para que se estabeleça uma comunicação construtiva, voltada para os
interesses comuns e opções de soluções.
8. Reconhecimento da diferença
Como seres humanos, vivendo em um contexto cultural e social, ten-
demos a hierarquizar nossos valores que são construídos com base em
nossas necessidades de autoafirmação. Quando se consegue sair de sua
posição, com seus valores e sua forma de pensar, e se imaginar no lugar
do outro (situação empática, já tratada anteriormente), a pessoa com-
preende as razões, as necessidades e os valores do outro.
Quando reconhecemos as diferenças, somos capazes de superar os
estereótipos que criamos sobre pessoas, lugares e situações.
9. Não reação
A não reação quer dizer reformulação de uma acusação injusta, por
exemplo. A reformulação é uma prática transformadora de uma intera-
ção agressiva, em que é rompido o ciclo ofensa-reação. A reformulação
pode ser feita por meio de uma pergunta. Ao perguntar, estamos dando
oportunidade ao outro de reformular. Esta atitude é fundamental para
uma cultura de paz. Por exemplo: uma pessoa ao ser acusada de ser de-
sonesta, no lugar de reagir a esta acusação, perguntaria: Por que você
acha que sou desonesta?
10. Não ameaça
Ameaçar o outro é levar o outro a provar que é mais forte e reduzir a rela-
ção a um jogo de ganha-perde. A ameaça, em geral, conduz à violência.
Para evitar a ameaça é importante ter uma atitude de escuta ativa, reci-
procidade discursiva e mensagem como opinião pessoal.
CONCEITO
Estereótipos
Ideias e convicções classificatórias e
preconcebidas sobre algo ou alguém.
São formados com base em expectati-
vas, julgamentos ou falsas generaliza-
ções (Vasconcelos, 2008).
capítulo 5 • 103
RESUMO
Neste capítulo, você pôde tomar contato com questões ligadas a como o senso comum entende o Direito
e a Justiça, mas também o que esses termos realmente querem dizer, na opinião de autores consagrados
em nosso país. Apresentamos a diferença entre acesso à justiça e acesso ao Judiciário e a ligação destas
questões com o trabalho do psicólogo.
Você comparou as características da Justiça Tradicional ou Retributiva com as características da Jus-
tiça Restaurativa, e pôde perceber que esta última está bem próxima do que chamamos de acesso à
justiça. Além disso, neste caso, a forma de entender e caracterizar o conflito é diferente daquela que
estamos habituados a utilizar.
Você reconheceu os vários mecanismos de autocomposição de conflitos e algumas técnicas para obter
uma comunicação construtiva levando à solução de conflitos.
ATIVIDADE
1. Na busca por novas formas de resoluções de conflitos acerca de condutas criminalizadas, face ao no-
tório insucesso e crise do tradicional modelo de Justiça Penal, vem emergindo a Justiça Restaurativa, que
se destaca por ser alternativa condizente com o respeito aos Direitos Humanos e à dignidade da pessoa
humana para dirimir conflitos tanto na esfera Penal quanto no âmbito da Infância e Juventude. Em relação
à Justiça Restaurativa, avalie se as assertivas a seguir são falsas (F) ou verdadeiras (V) e assinale a opção
correta. (TJ-PR — 2010 — TJ-PR — Juiz)
( ) Sistema retributivo baseado no delito como ofensa à seguridade social.
( ) Identificada como uma justiça penal social inclusiva.
( ) Revitalização da vítima em processo dialogado e fundado no princípio consensual.
( ) Modelo retributivo, de resposta imposta verticalmente e concretizada pela aplicação de pena pelo Esta-
do ao autor da conduta criminalizada.
a. F, V, V, F;
b. V, V, V, V;
c. V, F, V, V;
d. V, F, F, V;
e. F, F, V, V.
2. Marque a alternativa correta:
Os mecanismos de autocomposição dos conflitos que se caracterizam pelo rompimento com as formas
tradicionais do direito processual (formal) buscam:
a. a prestação do serviço jurisdicional.
b. a avaliação das pessoas no processo judicial.
c. a conscientização do litígio como solução.
d. a permanência do conflito entre as partes.
e. a adoção de procedimentos mais simples e informais.
104 • capítulo 5
3. Analise as afirmativas apresentadas:
I- A angústia que o conflito causa no indivíduo requer tratamento diferenciado na resolução da
questão litigiosa.
II- A carga emocional contida em um conflito não deve ser levada em conta, visto que dificulta
a solução do litígio.
III- As partes devem ser orientadas a se concentrarem nos aspectos jurídicos envolvidos no
conflito, durante uma mediação.
IV- Um prolongado processo de resolução do conflito traz um maior sofrimento para as partes
em litígio.
Marque a opção correta:
a. I e II são verdadeiras.
b. III e IV são falsas.
c. I e IV são verdadeiras.
d. II e IV são falsas.
e. II e III são verdadeiras.
4. Pesquise em jornais, revistas e sites de notícias atuais sobre a Justiça Restaurativa e faça um resumo
sobre o tema abordado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n°9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a Arbitragem. Disponível em: www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l9307.htm Acesso em 1 set. 2014.
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resolução de conflitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. Disponível em: http://www.ambito-juridico.
com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7946 Acesso em set. 2014.
CAVALIERI FILHO, S. “Direito, Justiça e sociedade”. In: Revista da EMERJ, v.5, nº18, 2002.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Portal do CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj. Acesso em set. 2014.
MAFRA, Francisco. “O Direito e a Justiça”. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 20, fev 2005. Disponível em: <http://
www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=870> Acesso em set. 2014.
PINTO, Renato Sócrates Gomes. “A construção da Justiça Restaurativa no Brasil. O impacto no sistema de Justiça
criminal”. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9878>.
Acesso em set. 2014.
ROSENBERG, M. Comunicação não violenta. São Paulo: Ágora, 2006.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Site oficial. Disponível em: https://www.tjpr.jus.br/conciliacao
Acesso em setembro de 2014.
VASCONCELOS, C.E.de. Mediação de conflitos e práticas restauradoras. São Paulo: Método, 2008.
As práticas psicológicas e suas aplicações no judiciário
stella aranha
16
106 • capítulo 6
6 As práticas psicológicas e suas aplicações no judiciário
As transformações ocorridas nos últimos tempos têm apresentado in-
contáveis desafios para a Psicologia. No âmbito do Judiciário, os psicó-
logos têm a oportunidade de ocupar espaços organizados pelas relações
jurídicas, não apenas avaliando, mas também na perspectiva de traba-
lhar pela humanização da Justiça e concretização de direitos.
As atribuições do psicólogo são fixadas pelas Instituições Judiciárias
através de Portarias e Provimentos. Elas são normatizadas através da lei
que regulamenta a profissão de psicólogo, o Código de Ética Profissio-
nal do psicólogo e Resoluções do Conselho Federal de Psicologia. Além
disso, também estão de acordo com as legislações pertinentes a várias
áreas como: Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Processo
Civil, entre outros. As normas internacionais como a Convenção dos Di-
reitos da Criança e Regras de Beijing, entre outros, também fazem parte
destes documentos de orientação.
LEITURA
Lei da regulamentação da profissão de psicólogo — Lei 4.119 de 27 de agosto
1962 — Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4119.htm.
Acesso em 09 set. 2014.
Código de ética profissional do psicólogo — Disponível em: http://site.cfp.org.br/
legislacao/codigo-de-etica. Acesso em 09 set. 2014.
Convenção de direitos da criança — Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em 09 set. 2014.
Regras de Beijing — Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/
lex47.htm. Acesso em 09 set. 2014.
Nos Fóruns, tradicionalmente, o psicólogo realiza trabalhos de ava-
liação psicológica, elaboração de documentos, acompanhamento de
casos, aconselhamento psicológico, orientação, mediação, fiscalização
de instituições, programas de atendimentos à infância, adolescência e
idoso e encaminhamentos.
O trabalho desenvolvido atualmente pelos psicólogos, nesta área,
tem passado por reflexões críticas sobre as condições em que são rea-
lizadas e desenvolvidas as intervenções psicológicas, de que forma elas
têm contribuído para a qualidade dos serviços prestados à população
por este profissional.
Vamos passar agora para algumas práticas psicológicas aplicadas
em diferentes áreas do Judiciário.
CONCEITO
Portaria
Um documento de ato administrativo de
qualquer autoridade pública, que contém
ordens, instruções acerca da aplicação de
leis ou regulamentos, recomendações de
caráter geral e normas sobre a execução
de serviços, a fim de esclarecer ou in-
formar sobre atos ou eventos realizados
internamente em órgão público, tal como
nomeações, demissões, medidas de or-
dem disciplinar, pedidos de férias, licenças
por luto, licenças para tratamento de saú-
de, licença em razão de casamento (gala)
de funcionários públicos, ou qualquer ou-
tra determinação da sua competência.
Provimento
Forma de investidura em um cargo pú-
blico. Neste sentido, provimento é o ato
de preencher o cargo ou ofício público
por meio de nomeação, promoção, re-
adaptação, reversão, aproveitamento,
reintegração e recondução.
Resolução
Ato da administração ou assembleia,
esclarecendo, solucionando, deliberan-
do ou regulando certa matéria.
capítulo 6 • 107
A prática do psicólogo na área Cível e de Família
De acordo com França (2004), o psicólogo jurídico atua na área cível nos
casos de interdição, sucessões e indenizações, entre outras ocorrências
cíveis. No entanto, é na área do Direito de Família que vamos encontrar
maior expressão na atuação do psicólogo.
Em geral, o psicólogo na área do Direito de Família trabalha as-
sessorando o juiz, principalmente, nos casos de guarda e regulamen-
tação de convivência nas separações que ocorrem de forma litigio-
sa. A separação implica no fim da conjugalidade (como já vimos no
Capítulo 3), mas não da parentalidade. Nas separações e divórcios
não consensuais, em geral, podemos observar uma longa “batalha”
por direitos que cada uma das partes supõe ter ou luta para manter,
usando a Justiça para dar uma solução aos conflitos emocionais ori-
ginários desta relação.
Na maior parte das situações que envolvem uma separação con-
jugal litigiosa, as partes disputam entre si seus filhos, não reconhe-
cendo a importância do papel do pai e da mãe. As necessidades das
crianças e adolescentes, por sua vez, também não são consideradas.
Nos casos de disputa de guarda e regulamentação de convivência,
torna-se necessário um trabalho interdisciplinar que conjugue os as-
pectos jurídicos e psicossociais. Aparece, com frequência, uma dis-
puta de poder entre as partes, que se configura na disputa de guarda
pelos filhos.
O psicólogo que trabalha nas Varas de Família, ao receber esse tipo
de situação encaminhada pelo juiz para avaliação, deve realizar uma
compreensão abrangente da situação, buscando soluções com base no
próprio grupo familiar. Os fatos e as necessidades deste grupo devem
ser analisados a partir do momento atual. Quando possível, o impor-
tante é que todos os filhos possam partilhar, sem discriminações, de
companhia, afeto, atenção e cuidados do pai e da mãe. O papel dos ge-
nitores é fundamental como referência e formação da personalidade
dos filhos. Não se deve esquecer também a importância do relaciona-
mento com o grupo familiar extenso (avós, tios, primos).
A guarda compartilhada, já vista no Capítulo 3, propõe a participa-
ção conjunta dos pais nas decisões importantes na vida dos filhos, con-
firmando o fato de que a parentalidade permanece após a separação. Na
verdade, podemos afirmar que não existe ex-pai ou ex-mãe, não é mes-
mo? É neste cenário de disputa pela guarda e regulamentação de con-
vivência que pode ocorrer a alienação parental. Segundo o psiquiatra
norte-americano, RichardGardner, estudioso do assunto:
CONCEITO
Interdição
É uma medida judicial que visa declarar
a incapacidade de pessoa com mais de
18 anos de idade, para a prática de atos
da vida civil. Decretada a interdição será
nomeado curador para a proteção da pes-
soa e dos bens do interdito.
Sucessões
Significa transferência, por morte, da
herança, ou do legado, ao herdeiro ou
legatário, em razão de lei ou testamento.
Indenizações
Compensação devida a alguém de ma-
neira a anular ou reduzir um dano, ge-
ralmente, de natureza moral ou material,
originado por incumprimento total, ou
cumprimento deficiente de uma obriga-
ção, ou através da violação de um direito.
Litígiosa
São as discordâncias entre as partes
(autor e réu) que compõem um proces-
so judicial.
108 • capítulo 6
A alienação parental consiste em programar uma criança para que ela
odeie um de seus genitores, sem justificativa, por influência do outro ge-
nitor com quem a criança mantém um vínculo de dependência afetiva e
estabelece um pacto de lealdade inconsciente (1985).
LEITURA
Lei da guarda compartilhada — Lei nº 11.698 de 13 de junho de 2008. Institui
e disciplina a guarda compartilhada. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm. Acesso em 09 set. 2014.
Muitas são as consequências para os filhos em relação a este com-
portamento de um dos genitores. Podem aparecer vários problemas
emocionais que, se não tratados, acompanharão o desenvolvimento
destas pessoas. No Brasil, já temos um dispositivo legal, já estudado no
Capítulo 3, para dar conta dessas situações, não apenas estabelecendo
critérios de identificação, como também estabelecendo sanções para os
alienadores e determinações nas situações de convivência.
LEITURA
Síndrome da alienação parental: da Teoria Norte-Americana à Nova Lei Bra-
sileira. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pcp/v31n2/v31n2a06. Acesso
em 09 set. 2014.
Lei da alienação parental. Lei nº 12.318 de 26 de agosto de 2010. Dispõe
sobre a alienação parental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm. Acesso em 09 set. 2014.
Como você percebeu, o trabalho do psicólogo nas Varas de Família
visa a auxiliar na revelação das motivações e comunicações latentes dos
indivíduos nos processos judiciais que envolvem conflitos familiares.
A prática do psicólogo e as questões da infância, juventude e do idoso
Os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são assegurados
pela Constituição Federal (1988) e pelo Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA 1990). O ECA é identificado como a lei federal nº 8.069/1990,
cujo pilar é a doutrina de proteção integral. O ECA tratou de direitos das
crianças e adolescentes porque seus direitos estavam sendo violados e
necessitavam ser revistos, organizados e divulgados. Com base nesse
documento, crianças e adolescentes passaram a ser considerados cida-
MULTIMÍDIA
Kramer versus Kramer
Sinopse: Ted Kramer (Dustin Hoffman)
é um profissional para quem o trabalho
vem antes da família. Joanna (Meryl
Streep), sua mulher, não pode mais
suportar esta situação e sai de casa,
deixando Billy (Justin Henry), o filho do
casal. Quando Ted consegue finalmen-
te ajustar seu trabalho às novas respon-
sabilidades, Joanna reaparece exigindo
a guarda da criança. Ted não aceita, e
os dois vão para o tribunal lutar pela
custódia do garoto.
A guerra dos Roses
Sinopse: Olivier (Douglas) e Barbara
(Turner) Rose estão juntos há 18 anos.
Agora Barbara quer o divórcio, mas o
problema é decidir quem fica com sua
luxuosa mansão, nenhum dos dois quer
ceder um milímetro. O advogado de Oli-
vier (DeVito) oferece conselhos, mas já
é tarde demais. Olivier e Barbara envol-
vem-se em um emaranhado de senti-
mentos de ódio e vingança, à medida
que Guerra dos Roses se encaminha
para seu surpreendente final.
capítulo 6 • 109
dãos detentores de direitos. Na formulação das políticas e no controle das ações ligadas às
crianças e adolescentes, não apenas o Estado, mas a sociedade e a família são convocados
para uma participação ativa e responsável.
Na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, o ECA afirma que elas devem ser pro-
tegidas de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. Como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, as crianças e os ado-
lescentes precisam ser tratados com dignidade e respeito. Muitos críticos desta Doutrina
afirmam que a partir deste documento, as crianças passaram a ter só direitos. No entanto,
ser tratado com respeito e dignidade não quer dizer que “tudo é livre” e não há limites.
LEITURA
Uma reflexão crítica sobre o Estatuto da criança e do adolescente. Disponível em: http://www.ambi-
tojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3143. Acesso em 01 set. 2014.
Nas áreas da infância e juventude, no estabelecimento de medidas protetivas, o psicó-
logo trabalhará com questões ligadas à violência contra crianças e adolescentes em con-
sonância com o Conselho Tutelar no atendimento destes, de seus responsáveis e nas si-
tuações de abrigamento de crianças e adolescentes, quando é impossível a convivência e
segurança em seus lares. Nestes casos, o psicólogo irá elaborar relatório que possa funda-
mentar a decisão da autoridade judiciária competente pela possibilidade de reintegração
familiar ou colocação em família substituta destas crianças e adolescentes.
A Adoção
Outra questão importante é a adoção. O psicólogo terá um papel fundamental nesses ca-
sos. Há previsão no ECA de intervenção obrigatória de uma equipe técnica interprofis-
sional na adoção, com o intuito de elaborar laudo psicossocial (artigo 197-C do ECA). O
objetivo desse laudo é “analisar a capacidade e o preparo dos candidatos para o exercício
de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta
Lei”. Cumpre a essa equipe interprofissional, da qual o psicólogo faz parte, atuando jun-
tamente com o Ministério Público na fase de habilitação, analisar os motivos que levam o
habilitante a querer adotar, porque não se pode concordar com uma adoção se os motivos
que a embasam são ilegítimos, desumanos, imorais ou se não visam a proporcionar o me-
lhor interesse para o adotando e não implicam em benefício para ele.
Após a habilitação dos adotantes, no curso do processo de adoção, o psicólogo irá
analisar por um lado, o contexto psicológico de quem está sendo adotado, do outro,
tudo que envolve o adotante, como suas expectativas, compreensões da realidade, ca-
pacidade econômica, estrutura psicológica, entre outros dados relevantes que podem
interferir na futura convivência entre as partes. A subjetividade do adotado deve ser ana-
lisada, pois o momento anterior à adoção é destinado à verificação de sua capacidade de
adaptação em um novo contexto familiar.
Segundo a Nova Lei de Adoção Nacional (2009), o psicólogo, integrante da equipe inter-
disciplinar, fará um trabalho de avaliação, acompanhamento e de intervenção focal antes,
durante e após a adoção: com familiares que oferecem consentimento do poder familiar;
110 • capítulo 6
com os pretendentes à adoção; e com crianças e adolescentes em con-
dições de serem adotados. Além disso, realizará: preparação prévia com
os interessados em adotar; preparação prévia das crianças e adolescen-
tes a serem adotados; e, acompanhamento do estágio de convivência da
criança ou adolescente e o(s) adotante(s).
LEITURA
Nova lei da adoção. Lei nº 12.010 de 3 de agosto de 2009. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm. Acesso em
01 set. 2014.
O adolescente e o conflito com a lei
Para entendermos as questões ligadas ao adolescente e o ato infracio-
nal, precisamos entender um pouco da história sobre o enfrentamento
do adolescente em conflito com a lei, a partir da evolução histórico-dou-
trinária da legislação da infância e juventude. Em 1927, surgiu o Código
Mello Mattos (Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927). Havia o
que se chamava de Juízo Privativo de Menores na década de 1920, e o
primeiro Juiz de Menores do Brasil foi o Dr.JoséCândidoAlbuquerque
MelloMattos. Ele foi o primeiro expoente do pensamento da legislação
da infância e juventude no Brasil, criou vários estabelecimentos de as-
sistência e proteção à infância abandonada e delinquente, assim como
organizou o primeiro código, que ganhou o seu nome.
A prática do Código de Menores era recolher os menores em desa-
cordo com a lei, objetivando selecioná-los para destinos diversos, sendo
a prática de internação uma das mais comuns para o efeito de civilizar
o incivilizado. Para aperfeiçoar essa prática nacionalmente, surgiu, em
1941, o SAM — Serviço de Assistência aos Menores, “funcionando como
um equivalente do sistema penitenciário para a população infantoju-
venil”. Em 1964, o regime militar criou a PNBEM — Política Nacional
do Bem-Estar do Menor para o lugar do SAM, reconhecendo o fracasso
até então de se assistir os chamados menores abandonados e corrigir
os chamados menores infratores. O governo federal criaria o novo Códi-
go de Menores, em 1979, que reconhecia os menores abandonados e os
menores infratores como estando em situação irregular pela sua condi-
ção de marginalizados.
No Capítulo 3, você estudou que entre os princípios norteadores que
são estabelecidos para a família está o princípio do Melhor Interesse da
Criança, previsto no artigo 227, da Constituição da República Federativa
do Brasil — CRFB (1988). Com base nesta Carta Magna (1988), surgiu a
demanda pela criação de uma nova legislação, com um olhar humaniza-
do e multidisciplinar sobre crianças e adolescentes.
AUTOR
Dr. José Cândido Albuquerque Mello Mattos
Nascido em Salvador-BA, em 19 de mar-
ço de 1864. Mello Mattos seria não ape-
nas o seu idealizador, mas também o 1º
juiz de Menores do Brasil, nomeado em
02 de fevereiro de 1924, exercendo o
cargo na, então capital federal, cidade do
Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de
1923, até o seu falecimento, em 1934.
capítulo 6 • 111
O Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado por meio da lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, contemplou em seus artigos 4º e 5º,
o previsto no artigo 227 da CRFB (1988). Esse Estatuto (BRASIL, 1990)
compreende o adolescente como sujeito de direitos e em condição pe-
culiar de desenvolvimento. Não utiliza o termo menor, uma vez que este
nos remete a noção de inferioridade.
Além disso, proíbe o cumprimento de penas para os adolescentes
em conflito com a lei, e estabelece o cumprimento de medidas socioe-
ducativas. São elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação
de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de
semiliberdade, internação em estabelecimento educacional, além de
medidas protetivas que visem ao acompanhamento do adolescente na
família, escola, comunidade, serviços de saúde etc.
As medidas socioeducativas fundamentam suas ações com caráter
tanto sancionatório quanto educativo, responsabilizando o adolescente
pelas consequências lesivas do ato cometido, incentivando a reparação
dos danos causados e garantindo — sempre que possível — a integração
familiar, comunitária e social.
Sendo assim, a proposta do psicólogo é a de promover intervenções
críticas no programa de atendimento para a execução de medidas socio-
educativas que incentivem os adolescentes a (re)pensarem seus desejos,
seus valores, seus ideais e os modos possíveis de transformar a realidade
vivida, além da realização de relatórios fornecendo subsídios à decisão
judicial sobre a aplicação das medidas.
Dentre as ações técnicas dos psicólogos, definidas em legislação fe-
deral e normas profissionais, acrescidas das ações institucionais deter-
minadas aos psicólogos e demais técnicos pela gestão socioeducativa,
nos casos de internação estão:
O atendimento ao adolescente, prioritariamente individual e semanal;
O atendimento familiar (entrevista, contatos telefônicos e apoio psicológico);
Estudo de caso, individualmente ou em reunião;
Levantamento de dados sobre o adolescente, rede sociofamiliar e o com-
portamento na instituição, a fim de elaborar propostas de intervenção e
encaminhá-las ao poder judiciário ou rede externa;
Relatório técnico, por meio da avaliação psicológica obtida com entrevistas, ob-
servações e, eventualmente, outros recursos psicológicos, acrescida pelo estu-
do de caso, o psicólogo organiza e redige o relatório técnico multiprofissional;
MULTIMÍDIA
Juízo
Sinopse: Juízo acompanha a trajetória de
jovens com menos de 18 anos de idade
diante da lei. Meninas e meninos pobres
entre o instante da prisão e o do julga-
mento por roubo, tráfico, homicídio. Como
a identificação de jovens infratores é ve-
dada por lei, no filme eles são represen-
tados por jovens não infratores que vivem
em condições sociais similares.
112 • capítulo 6
Visita domiciliar, conforme tempo hábil e necessidade de acompanhamen-
to, entre outras atuações.
Idoso
No que diz respeito ao idoso, também com base na Constituição Federal
de 1988, visando a uma maior proteção a esta parcela da população, foi
criado o Estatuto do Idoso, por meio da lei federal nº 10.741, de 1º de
outubro de 2003. É uma legislação apta a proteger e a tutelar os direitos
do idoso, combatendo a violência por meio da análise de seus principais
aspectos penais e processuais penais.
Em qualquer pesquisa feita sobre a violência contra o idoso, infeliz-
mente a constatação a que chegamos é de que, além das omissões do
Estado, são os familiares os maiores agressores, e a violência ocorre
mesmo dentro de suas casas. Essa violência contra os idosos pode acon-
tecer de várias formas, desde a violência psicológica, que se manifesta
pela negligência e pelo descaso, até as agressões físicas. São comuns os
casos de filhos que batem nos pais, tomam seu dinheiro, dopam-nos,
deixam passar fome ou não dão os remédios na hora marcada, é o cha-
mado abandono material.
Ainda que a responsabilidade imediata pelo trato dos idosos seja
delegada prioritariamente à família, o Estado não está desobrigado de
um conjunto de atribuições que lhe são destinadas tanto pela Política
quanto pelo Estatuto do Idoso. A notificação da violência contra o ido-
so, exigida pela lei, tem um papel fundamental no combate à violência
contra o idoso. No entanto, esse papel não deve se limitar apenas a pu-
nir o culpado. A notificação pode ser um instrumento de proteção aos
direitos do idoso, e uma medida que permite articular ações e recursos
públicos e privados que somem esforços para promover ações solidá-
rias e reconstruir relações afetivas.
As práticas institucionais da Psicologia em prol de um envelhe-
cimento com dignidade devem usar a notificação de violência para
ampliar a análise da dinâmica das relações intra e extrafamiliares; e
também a compreensão das condições sociais, econômicas e culturais
que afetam a dinâmica familiar. O psicólogo deve criar alternativas de
intervenção sobre os conflitos existentes, respeitando os direitos e de-
veres estabelecidos em lei. Seu trabalho deve priorizar a proteção aos
idosos vítimas de violência, no entanto, deve proteger a todos, traba-
lhando para a promoção de relações com menos conflitos e preservan-
do as trocas afetivas entre as pessoas.
MULTIMÍDIA
Video: Maus tratos contra idosos podem ser denunciados
Disponível em : http://globotv.globo.
com/rede-globo/netv-1a-edicao/v/
maus-tratos-contra-idosos-podem-
ser-denunciados-em-delegacia-espe-
cializada/3503651/
Acesso em 07 set. 2014.
capítulo 6 • 113
Atuação do Psicólogo nas Varas Criminais e no Sistema Penitenciário
Na realidade brasileira, a Psicologia aplicada à área criminal é talvez o mais antigo campo
de atuação do psicólogo jurídico. O trabalho nessa área relaciona-se com o Direito Penal
(orienta-se pelo Código Penal, Código de Processo penal e as Leis que regulamentam o as-
sunto) e insere-se em diversos campos tais como: Inquérito Policial, efetuando avaliações
em indiciados, para averiguar seu estado psíquico, sua eventual periculosidade etc. Nos
Processos criminais realizando avaliações de incidente de insanidade mental, dependên-
cia toxicológica, entre outros. Outro setor onde o psicólogo atua na área criminal é como
perito do juiz (esta atuação será descrita no item 6.6.), elaborando estudos que resultam em
laudos que constituirão também provas.
Em 2010, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução 009/2010, que orienta
a atuação do psicólogo no sistema prisional. Este é um tema importante e polêmico porque
envolve conceitos como justiça, castigo, punição e liberdade. Há muita discussão sobre o
papel que o psicólogo quer e pode ocupar no sistema prisional. Muitos são os desafios colo-
cados à Psicologia, nesta área. Os profissionais, nestes locais, tentam desenvolver seus tra-
balhos lidando com as contradições do mesmo. O trabalho do psicólogo deve estar voltado
para a criação de estratégias de sobrevivência nesta instituição.
A função do psicólogo na prisão participando de Comissões Técnicas de Classificação
(CTCs) e realizando exames criminológicos (EC) é determinada pela Lei de Execução Penal
(LEP). As CTCs são compostas por profissionais técnicos e agentes penitenciários. A parti-
cipação do psicólogo nessas Comissões é muito discutida porque, nesse exame, o que se
pretende é inferir sobre a periculosidade do sujeito, tendendo a naturalizar as determina-
ções do crime, ocultando os processos de produção social da criminalidade.
As atribuições do profissional, em todas as práticas do sistema prisional, devem ser re-
alizadas e fundamentadas no respeito e promoção dos direitos humanos; na participação
nos processos de construção da cidadania, desconstruindo o conceito de que o crime está
relacionado unicamente à patologia ou à história individual; enfatizar os dispositivos so-
ciais que promovem o processo de criminalização; elaborar estratégias de fortalecimento
dos laços sociais, com uma ampla participação dos sujeitos, por meio de projetos interdis-
ciplinares que resgatem a cidadania e a inserção na sociedade extramuros.
Dessa forma, o trabalho possível do psicólogo nesta Instituição, dependendo de sua
organização e postura frente ao processo de encarceramento, será: acompanhamento psi-
cológico dos presos, possibilitando para eles atendimentos individuais e em grupos em
que se abordem o fato de estar preso, questões familiares e dificuldades surgidas no cárce-
re. Sendo assim, psicólogo trabalhará de forma a amenizar o sofrimento pelos quais essas
pessoas passam ajudando a elaborar a condição de encarcerado,independente de serem
inocentes ou culpados. Outra área importante de trabalho é na elaboração de políticas pú-
blicas para atender as necessidades deste setor.
114 • capítulo 6
A prática do psicólogo nos juizados especiais criminais e juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher
Os JuizadosEspeciais são um importante meio de acesso à justiça, pois
permitem aos cidadãos buscarem soluções para seus conflitos cotidia-
nos de forma rápida, eficiente e gratuita. Estes Juizados são órgãos do
Poder Judiciário, disciplinados pela lei nº 9.099/1995. Leis estaduais
criam e regulamentam em cada unidade da Federação esses órgãos.
Já sabemos que o procedimento do psicólogo na área jurídica não
tem objetivo clínico, e sim subsidiar o juiz nos processos judiciais. Nes-
ses Juizados, em geral, quando há psicólogos, ocorre o encaminhamento
do juiz e após a coleta dos dados e identificação do caráter da questão, por
este profissional, será feita uma avaliação. A devolução da avaliação para
as partes e para o juiz terá ligação com a intervenção realizada. As pes-
soas, então, serão direcionadas para os acompanhamentos mais apro-
priados. Além disso, o psicólogo, nesta área, pode estar identificando as
dificuldades vivenciadas para o cumprimento das resoluções judiciais.
O psicólogo também pode orientar e encaminhar as pessoas para os
recursos da comunidade como Hospitais Psiquiátricos, Tratamentos
psicoterápicos, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), grupos de auto-
ajuda, Conselhos Tutelares, entre outros. Pode participar de audiências
quando se fazem necessários esclarecimentos envolvendo partes com
graves patologias de ordem psiquiátrica ou psicológica e/ou quando en-
volve situações de encaminhamento aos recursos da comunidade. Além
disso, pode realizar o acompanhamento destes encaminhamentos, du-
rante um período de tempo. É importante deixar claro que cada Juizado
Especial, de acordo com seus recursos humanos, poderá contar com vá-
rias formas de atuação do psicólogo.
Quanto à violência contra a mulher, é considerado qualquer ato ou
conduta baseada no gênero que cause morte, dano, sofrimento físico, se-
xual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como privada. A Lei
MariadaPenha ou lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006, surgiu com o obje-
tivo de responder às necessidades e anseios das mulheres vítimas de vio-
lência conjugal, diante dos problemas relativos à aplicação da lei nº 9.099
de 2005 (que você já tomou contato), em situações de violência doméstica.
Os relacionamentos conjugais envolvem uma parceria, e a violência
pode ser uma forma patológica de comunicação entre os parceiros. Na
violência contra a mulher, muitas vezes, aquela situação mais grave de
violência não surge de repente, mas é a expressão de uma situação crô-
nica que vai, aos poucos, destruindo as defesas da mulher, até deixá-la
completamente entregue ao agressor, sem condições de pedir ajuda.
Uma das formas de entender a violência nas relações de casal é
através da compreensão de que esta situação é a expressão de uma re-
LEITURA
Juizados Especiais
Leia mais sobre os Juizados Especiais
em: http://www.cnj.jus.br/programas-
de-a-a-z/acesso-a-justica/juizados
-especiais. Acesso em 01 set. 2014.
CURIOSIDADE
Maria da Penha
Maria da Penha Maia Fernandes (For-
taleza, Ceará, 1945) é uma biofarma-
cêutica brasileira que lutou para que
seu agressor viesse a ser condenado.
Depois de ter seu sofrimento conhecido
em todo o mundo, é que Maria da Penha
viu o Brasil reconhecer a necessidade
de criar uma lei que punisse a violência
doméstica contra as mulheres. Para ela,
que se tornou símbolo desta luta, a lei nº
11.340 significou dar às mulheres uma
outra possibilidade de vida. Hoje, ela é
líder de movimentos de defesa dos di-
reitos das mulheres, vítima emblemática
da violência doméstica.
capítulo 6 • 115
lação de poder, em que se encontra presente a dinâmica subordinação/
dominação. Neste contexto, é a mulher que, na maioria das vezes, está
em situação desfavorável. É importante que você saiba que este tipo de
violência acarreta uma série de consequências para a saúde mental da
mulher. Podemos destacar, entre elas: síndrome de estresse pós-trau-
mático, disfunçõessexuais, desordensalimentares, depressão, além de
consequências fatais como suicídios e homicídios.
Para que você se familiarize mais com esta lei (2006), apresentare-
mos parte do seu artigo 5° que determina o que será considerado violên-
cia doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 5º Para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:
I — no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II — no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços natu-
rais, por afinidade ou por vontade expressa;
III — em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo indepen-
dem de orientação sexual.
Vamos agora descrever os vários tipos de violência elencados nesta Lei:
VIOLÊNCIA FÍSICA
Qualquer conduta que ofenda a integridade ou saú-
de corporal.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Qualquer conduta que cause dano emocional e dimi-
nuição da autoestima ou que prejudique e perturbe
o pleno desenvolvimento.
VIOLÊNCIA SEXUAL
Qualquer conduta que constranja a presenciar, a man-
ter ou participar de relação sexual não desejada, me-
diante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
VIOLÊNCIA PATRIMONIAL
Qualquer conduta que configure a retenção, subtração,
destruição total ou parcial de seus objetos, instrumentos
de trabalho, bens, valores e recursos econômicos, in-
cluindo os destinados a satisfazer as suas necessidades.
CONCEITO
Síndrome de estresse pós-traumático
É um transtorno psicológico que ocorre
em resposta a uma situação ou evento
estressante (de curta ou longa duração),
de natureza excepcionalmente ameaça-
dora ou catastrófica.
Disfunções sexuais
As disfunções sexuais femininas podem
afetar o desejo sexual e/ou alterar as
respostas psicológicas e fisiológicas do
corpo frente aos estímulos sexuais, cau-
sando sofrimento e insatisfação não só
na pessoa, como também no seu par.
Desordens alimentares
Qualquer padrão de comportamentos ali-
mentares que causam severos prejuízos
à saúde de um indivíduo.
Depressão
É um distúrbio afetivo que acompanha
a humanidade ao longo de sua história.
No sentido patológico, há presença de
tristeza, pessimismo, baixa autoestima,
que aparecem com frequência e podem
combinar-se entre si.
116 • capítulo 6
VIOLÊNCIA MORAL
Qualquer conduta que configure calúnia, difamação
e injúria.
Obs.: as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual.
O trabalho do psicólogo nas situações de violência contra a mulher
é realizado em equipe multidisciplinar. O psicólogo irá fornecer subsí-
dios ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante lau-
dos ou oralmente, em audiências. Além disso, pode desenvolver traba-
lhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras ações voltadas
para a mulher, o agressor e os familiares envolvidos nestas situações.
O processo de avaliação psicológica no judiciário: questões fundamentais
O processo de avaliação psicológica no Judiciário é uma prática que vem
sendo discutida. Em geral, a natureza dos processos judiciais e os sujeitos
em questão, nestes processos, determinam a forma de abordagem da situ-
ação pelo psicólogo. O compromisso do psicólogo, na avaliação, não está
restrito ao fornecimento de informações ao juiz, para subsidiar decisões no
processo judicial. O psicólogo trabalha todas as dimensões do processo en-
caminhado, visando promover e manter os direitos das pessoas avaliadas.
O relacionamento do psicólogo com as pessoas, partes no processo,
envolve uma avaliação psicológica, buscando compreender a realidade
dos envolvidos nestas questões judiciais. Poderá, a partir daí, realizar
intervenções, estabelecer recomendações, sempre dentro de sua área de
atuação. É importante você saber que as técnicas de avaliação psicológi-
ca são instrumentos científicos, oferecendo ao examinador condições
de apontar algumas características do examinado. Entretanto, a avalia-
ção não deve ser usada para excluir ou segregar socialmente as pessoas.
O psicólogo não é um adivinho nem tem respostas prontas e precisas
para oferecer sobre o ser humano.
Atualmente, há uma posição na Psicologia, quanto à avaliação, que
reforça a importância de um trabalho crítico, qualificado e ligado aos
direitos humanos, com o psicólogo assumindo um compromisso social
frente às pessoas que são encaminhadas para esse tipo de atendimen-
to. O psicólogo tem procurado construir uma nova forma de trabalhar o
conflito jurídico, para além da avaliação, buscando resgatar a subjetivi-
dade das ações e analisando, junto com as pessoas atendidas, a respon-
sabilidade de cada um naquela situação.
Não há mais espaço para o psicólogo, como aquele que detém uma
verdade total. O psicólogo não atende simplesmente a demanda sem fa-
CONCEITO
Subjetividade
Subjetividade é o que se passa no íntimo
do indivíduo (sujeito). É como ele vê, sen-
te, pensa a respeito sobre algo e que não
segue um padrão, pois sofre influências
da cultura, educação, religião e experiên-
cias adquiridas.
capítulo 6 • 117
zer uma reflexão sobre o que causa este encaminhamento. O psicólogo,
ao realizar uma avaliação no Judiciário, estabelece um planejamento de
sua atuação, fundamentado nos estudos dos autos, onde constam todos
os documentos e provas que formam o processo judicial.
Os instrumentos utilizados na avaliação psicológica são escolhidos pelo
psicólogo com base no seu conhecimento técnico sobre exames psicológi-
cos, sua formação teórica, as condições institucionais para realizar a avalia-
ção e a situação emocional das partes do processo judicial. Na avaliação psi-
cológica no Judiciário, deve ser considerada pelo psicólogo a especificidade
desta situação. As pessoas que são avaliadas não escolheram nem a inter-
venção do psicólogo nem o profissional que a está atendendo ou a atendeu,
colocando-se, por esta razão, na maioria das vezes, em posição defensiva.
O psicólogo deve estar atento às características situacionais da avaliação,
além do fato de estar sendo realizada em uma situação de crise.
Perito psicólogo x assistente técnico
Como observamos, o processo de avaliação psicológica, no Judiciá-
rio. Envolve questões que vão além de fornecer dados para o discer-
nimento do juiz. A natureza contenciosa, de alguns processos, tem
demandado a atuação específica do psicólogo, previsto no Código de
Processo Civil, como perito.
A perícia, segundo este Código, é um estudo realizado por especia-
listas escolhidos pelos magistrados, de acordo com a matéria. Esse es-
tudo é considerado uma prova no processo, complementando as provas
documentais, confessionais e testemunhais. Os peritos são os profissio-
nais de confiança do juízo e têm alguns compromissos: a imparcialida-
de na avaliação do caso; apresentar um parecer técnico para o magistra-
do; e responder aos quesitos formulados no documento.
O psicólogo perito fornece um documento, que veremos no próxi-
mo item, com informações sobre o processo judicial e a problemática
avaliada. Nas situações em que encontramos partes em oposição, além
da perícia, está previsto o direito de contratação de assistentes técnicos.
Esses profissionais, psicólogos, estarão acompanhando os resultados
do trabalho realizado pelo perito, profissional de confiança do juiz, con-
firmando ou rejeitando suas conclusões.
LEITURA
Resolução 008/2010 do Conselho Federal de Psicologia — Dispõe so-
bre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judici-
ário. Disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolu-
cao2010_008.pdf. Acesso em 09 set. 2014.
CONCEITO
Contenciosa
Que é contestado, litigioso.
Quesito
Tópico ou assunto sobre o qual se ques-
tiona o ponto de vista ou o juízo de alguém.
118 • capítulo 6
Para que essas diferenças entre estes dois profissionais fiquem claras, utilizaremos a
tabela abaixo:
PERITO ASSISTENTE TÉCNICO
Profissional de confiança do juiz. Profissional de confiança das partes.
A função de perito existe sem o assistente
técnico.
A função de assistente técnico não existe
se não houver perito.
Não cabe fazer interpretações ou suges-
tões às partes.
Faz interpretações e sugestões aos seus
clientes.
Produz um documento para auxiliar o juiz
em suas decisões.
A defesa do advogado está fundamentada
no parecer que o assistente técnico faz so-
bre o trabalho do perito.
O psicólogo para atuar, seja como perito ou assistente técnico, deve ter bem claro o pa-
pel que ocupa no processo. O assistente técnico deve conhecer as normas que determinam
sua posição e as implicações de determinado processo antes de aceitá-lo. É necessário que
ele comunique suas funções para a parte e os advogados, porque nem sempre o que eles
querem pode ser o que o assistente técnico vai concluir.
“As equipes interdisciplinares nos fóruns contam com o psicólogo, que é concursado e/ou se-
lecionado pelos Tribunais de Justiça. O perito pode ser nomeado como figura de confiança do
juízo, independente de fazer parte do quadro funcional do Judiciário. O assistente técnico é
contratado pelas partes, geralmente, indicados pelos advogados das mesmas.” (BERNARDES,
D. Avaliação no âmbito das Instituições Judiciárias.
Disponível em: http://www.aasptjsp.org.br/artigo/avalia%C3%A7%C3%A3o-psicol%C3%B-
3gica-no-%C3%A2mbito-das-institui%C3%A7%C3%B5es-judici%C3%A1rias
Acesso em 09 set. 2014.
Documentos elaborados pelo psicólogo no judiciário
Para a elaboração de documentos, resultados das avaliações no Judiciário, o psicólogo
conta com a Resolução 007 /2003. É com base nessa Resolução que o psicólogo irá reali-
zar sua comunicação nos autos. No Judiciário, os documentos elaborados pelo psicólogo
são provas processuais, auxiliando para esclarecer controvérsias e decisões judiciais. Es-
ses documentos são complementares aos elaborados pelas equipes multiprofissionais
do Judiciário ou por outros profissionais (psiquiatras, psicopedagogos, psicoterapeutas)
quando estes participam do processo.
A elaboração de informações sobre as partes encaminhadas pelo juízo para avaliação
é a primeira comunicação do psicólogo nos autos. Com o objetivo de elaborar um docu-
capítulo 6 • 119
mento, o psicólogo realizará a avaliação psicológica podendo utilizar
instrumentais próprios de sua técnica (entrevistas, testes, observa-
ções, dinâmicas) que servem para coletar dados, realizar estudos e in-
terpretações de informações sobre as pessoas atendidas. Esses instru-
mentos utilizados pelo psicólogo devem observar condições mínimas
de qualidade e uso, sendo adequados ao que se propõem a investigar.
Nestes documentos, o psicólogo deve ter cuidado com a linguagem e o
uso de termos e conceitos psicológicos. A comunicação deve ser clara,
fundamentada e concisa.
Segundo a Resolução 007 de 2003:
“Sendo uma peça de natureza e valor científicos, deve conter narrativa de-
talhada e didática, com clareza, precisão e harmonia, tornando-se acessível
e compreensível ao destinatário.”
Vamos ver resumidamente os tipos de documentos elaborados
pelo psicólogo:
DECLARAÇÃO
É um documento que informa a ocorrência de fatos e situações objetivas
relacionadas ao atendimento psicológico. Por exemplo: o Sr. X está em aten-
dimento psicológico há dois anos, na frequência de duas vezes por semana,
terças e quintas-feiras, às 11 horas.
ATESTADO
É um documento elaborado pelo psicólogo que informa determinada situação
ou estado emocional da pessoa atendida. Na realidade, pode ser usado para
justificar faltas, impedimentos, aptidões ou não para realizar atividades, afasta-
mentos ou dispensas. No atestado pressupõe-se que a pessoa foi avaliada pelo
psicólogo. Poderíamos ter como exemplo:
“Atesto para os devidos fins que a Sra. Y não pôde comparecer à audiência por
estar apresentando um quadro depressivo, neste momento.” Os atestados po-
dem vir com os quadros emocionais codificados através do DSM-V e do CID-10
para não expor a pessoa.
RELATÓRIO PSICOLÓGICO OU LAUDO PSICOLÓGICO
É uma apresentação descritiva sobre situações e/ou condições psicológicas
acompanhadas de suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais.
Ele é formado pelos dados que foram colhidos na avaliação psicológica e ana-
lisados a partir de um referencial teórico e técnico, adotado pelo profissional.
CONCEITO
DSM-V
É um manual diagnóstico e estatístico
feito pela Associação Americana de Psi-
quiatria para definir como é feito o diag-
nóstico de transtornos mentais.
CID-10
A Classificação Internacional de Doen-
ças e Problemas Relacionados à Saúde
(também conhecida como Classificação
Internacional de Doenças — CID 10) é
publicada pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) e visa padronizar a codi-
ficação de doenças e outros problemas
relacionados à saúde.
120 • capítulo 6
PARECER
É um documento fundamentado e resumido sobre uma questão psicológica que se quer esclarecer.
O resultado do parecer pode ser indicativo ou conclusivo. Esse documento é produzido por uma
pessoa considerada “expert” na área. Podemos dizer que é a avaliação de um especialista sobre
uma “questão-problema”. O objetivo é tentar resolver dúvidas em relação a uma tomada de decisão.
É importante que você compreenda que uma sentença judicial pode encerrar o proces-
so juridicamente, mas nem sempre a situação está resolvida, porque a solução depende
da articulação de recursos pessoais dos envolvidos, além de recursos sociais e, em alguns
casos, recursos institucionais.
Ao elaborar esses documentos, o psicólogo deve ter cuidado com as questões éticas que
estão envolvidas nessas situações. Vejamos algumas destas questões, principalmente, as
que dizem respeito à relação do psicólogo com profissionais de outras áreas.
Questões éticas ligadas ao psicólogo no judiciário
O psicólogo que trabalha no e para o Judiciário deve sempre ter uma postura reflexiva no
que diz respeito às questões éticas do seu trabalho. Este profissional deve estar atento
ao fato de que o resultado de sua avaliação pode ser a principal fundamentação de uma
decisão judicial, apesar do magistrado não estar compromissado com o laudo para cons-
truir o seu discernimento. O Código é a expressão da identidade profissional daqueles
que nele vão buscar inspirações, conselhos, normas de conduta. Ele é, ao mesmo tempo,
uma pergunta e uma resposta.
O Código de Ética Profissional do Psicólogo foi aprovado em 2005, a partir de múlti-
plos espaços de discussão sobre a ética da profissão, suas responsabilidades e compro-
missos com a promoção da cidadania. O processo ocorreu ao longo de três anos, em todo
o país, com a participação direta dos psicólogos e aberto à sociedade. Sendo um docu-
mento que vai determinar a conduta do psicólogo, está formado a partir de princípios
fundamentais. São eles:
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Princípio que é estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: liberdade, igualda-
de e integridade do ser humano.
PROMOÇÃO DA SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS E COLETIVIDADES
Atuando contra a negligência, discriminação, opressão, violência e crueldade.
capítulo 6 • 121
RESPONSABILIDADE SOCIAL
DIVULGAÇÃO DOS CONCEITOS ÉTICOS E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS.
RECONHECIMENTO DAS RELAÇÕES DE PODER NOS CONTEXTOS EM QUE ATUA E OS IMPACTOS DESTAS RELAÇÕES.
LEITURA
Resolução 010 de 2005 — Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em: http://
site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2005/07/resolucao2005_10.pdf. Acesso em 09 set. 2014.
Alguns artigos, deste Código merecem destaque em relação à prática do psicólogo no
Judiciário. Vejamos a seguir:
Art. 2º — Ao psicólogo é vedado:
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual
ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica;
h) Interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar seus
resultados ou fazer declarações falsas;
k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profis-
sionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelida-
de aos resultados da avaliação;
Art. 6º — O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:
a. Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados demandas que extrapo-
lem seu campo de atuação;
b. Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguar-
dando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as
receber, de preservar o sigilo.
Art. 9º — É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger por meio da
confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no
exercício profissional
Art.10º — Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do dis-
posto no Art.9° e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os
casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra do sigilo, baseando sua decisão
na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único. Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá
restringir-se a prestar informações estritamente necessárias.
Art.11º — Quando requisitado a depor em juízo, o psicólogo poderá prestar informações, consi-
derando o previsto neste Código;
Art.12º — Nos documentos que embasam as atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo
122 • capítulo 6
registrará apenas as informações necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho;
Art.13º — No atendimento à criança, ao adolescente ou ao interdito, deve ser comunicado aos
responsáveis o estritamente essencial para se promoverem medidas em seu benefício.
Você deve ter percebido que em todos esses artigos descritos sobre o Código de Ética do
psicólogo prevalece o cuidado e o respeito em relação à pessoa atendida, para que, dessa
forma, a relação entre o psicólogo e o indivíduo não fique comprometida. Até em relação
às crianças e adolescentes, há um sigilo em relação às informações divulgadas, mesmo aos
responsáveis, de acordo com o Código.
RESUMO
Neste capítulo, você pôde ter contato com as diferentes práticas do psicólogo em diferentes áreas ligadas à
Justiça e ao Judiciário. Percebeu como é importante o trabalho deste profissional para a promoção da cida-
dania das pessoas por ele atendidas. Sua avaliação é um procedimento que envolve conhecimentos técnicos.
Os documentos produzidos, com base na avaliação, devem estar fundamentados em um referencial teórico
e técnico que garanta a seriedade e cientificidade deste trabalho. Sua postura ética é primordial não é, en-
tretanto, só o Código que confere identidade ao psicólogo, mas, sim, sua participação no mundo moderno,
sobretudo através do seu engajamento em propostas concretas de uma visão aberta do mundo voltada
para o social e o político.
ATIVIDADE
1. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê medidas de proteção aplicáveis quando direitos
forem ameaçados ou violados, determinando medidas específicas. Com base no ECA, é correto afirmar
que essas medidas de proteção:
a) Não são de conteúdo relevante ao psicólogo, já que se trata de determinações meramente administrativas.
b) Asseguram temporariamente a orientação, o apoio e o acompanhamento de crianças e adolescentes.
c) Não atribuem valor significativo à tutela da sanidade mental da criança e do adolescente, uma vez que
não o declara explicitamente.
d) Desestimulam o fortalecimento dos vínculos familiares, sendo esses vistos como potencialmente pre-
judiciais ao menor.
e) Não requerem avaliação psicológica para determinar os seus casos de aplicação, bastando a interpre-
tação da norma, que deve ser de conhecimento do psicólogo.
2. O juiz determinará estudo pericial de um caso quando:
a) Não possuir o tempo necessário para se debruçar sobre a matéria.
b) A prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
c) Conhecer as partes e necessitar não se envolver pessoalmente com a avaliação da prova.
d) Necessitar melhorar o fluxo de processos em seu cartório.
e) Necessitar ouvir crianças com dificuldade de expressão dos sentimentos.
capítulo 6 • 123
3. Segundo o ECA, o adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será encaminhado:
a) Aos familiares, desde que apresentado corretamente o endereço.
b) À autoridade policial competente.
c) À autoridade judiciária.
d) À diretoria do estabelecimento de ensino em que o adolescente infrator estiver matriculado.
e) À sua residência, uma vez que não é permitido prender o adolescente sem que o policial esteja acom-
panhado de um membro do conselho tutelar.
4. (PSICOLOGIA — ENADE 2006) Analise a seguinte situação:
Um psicólogo é indicado pelo juiz da Vara de Família para realizar perícia psicológica, a fim de trazer ele-
mentos que contribuam para a decisão do juiz, no seguinte caso.
Trata-se de um casal, ambos profissionais de nível superior, a mãe com 34 anos e o pai com 38, divorciados
há três anos e atualmente em litígio. O pai solicita mudança da guarda da filha de 9 anos, atualmente com
a mãe, pois queixa- se de que a filha não tem comparecido às visitas quinzenais de fins de semana e que
ele quer acompanhar o desenvolvimento da filha e ter a chance de contribuir em sua educação e formação.
Acredita que a menina não compareça às visitas por influência da mãe, que pretende afastá-lo do convívio
com sua filha. Acha que uma criança de 9 anos é muito pequena para decidir sobre isso e solicita interven-
ção da justiça. A mãe relata que seu ex-marido sempre foi violento, que a filha tem muito medo do pai e
não manifesta vontade em vê-lo nas visitas quinzenais. Acredita que o pai solicite a guarda neste momento
apenas movido por interesses financeiros, para não ter de pagar pensão alimentícia e também por querer
atormentá-la. Pede à justiça que a vontade da filha seja respeitada.
a) O que seria esperado da atuação do psicólogo?
b) Relacione os pontos que você considera importantes, explicitando os aspectos éticos envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRUZ, R.M.; MACIEL, S.K.; RAMIREZ,D.C. (Orgs.). O trabalho do psicólogo no campo jurídico. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2005.
FIORELLI, J.O.; FIORELLI, M.R.; MALHADAS JUNIOR, M.J.O.(Orgs.). Psicologia aplicada ao Direito. 3. ed. São Paulo:
LTR, 2010
PEREIRA, R. da C. Direito de Família. Uma abordagem psicanalítica. 2. ed.Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
SILVA, D.P. da. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
SOUSA, Analícia Martins de; BRITO, Leila Maria Torraca de. “Síndrome da alienação parental: da Teoria Norte-
Americana à Nova Lei Brasileira”. In: Psicologia: Ciência e Profissão, 2011, 31 (2), 268-283
TRINDADE, J. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007.
Palavras finais
Este livro constitui um diálogo inicial entre a Psicologia e o Direito. Nesse sentido, não pre-
tendeu esgotar os temas propostos, e sim descortinar esse encontro.
Nosso objetivo principal foi demonstrar a importância da abordagem psicológica dos
conflitos, que são a matéria-prima do trabalho da maioria das carreiras jurídicas, mas tam-
bém destacar que afetos e desejos se entrelaçam aos conflitos.
A partir do segundo semestre do Curso de Direito você poderá cursar a disciplina eletiva
Mediação de Conflitos, essencial para a formação de profissionais capazes de solucionar
conflitos extrajudicialmente.
Continue seus estudos com enfoque interdisciplinar, ao longo de todo o Curso de
Direito e sua compreensão de todas as matérias será mais efetiva e sua formação aca-
dêmica diferenciada.
Guarde este livro, para que possa voltar a consultá-lo futuramente.
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