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LÍDIA LEVY LYGIA SANTA MARIA AYRESSTELLA ARANHA

ORGANIZAÇÃO SOLANGE FERREIRA DE MOURA1ª edição

SESES

rio de janeiro 2014

Livro didático de Psicologia aplicada ao Direito

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Comitê editorial externo lidia levy e lygia santa maria ayres

Comitê editorial interno solange ferreira de moura, camille guimarães e stella aranha

Organizadora do livro solange ferreira de moura

Autores dos originais lídia levy, lygia santa maria ayres e stella aranha

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção rodrigo azevedo de oliveira

Projeto gráfico paulo vitor fernandes bastos

Diagramação paulo vitor fernandes bastos

Supervisão de revisão aderbal torres bezerra

Revisão linguística michele paiva

Estagiário ricardo ribeiro

Capa paulo vitor bastos

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-

quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou

banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

L784 Livro didático de Psicologia aplicada ao Direito

solange ferreira de moura [organizador].

— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2014.

128 p

isbn: 978-85-60923-21-2

1. Psicologia. 2. Direito. I. Título.

cdd 158

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento

Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa

Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063

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Sumário

Prefácio 5

1. Breve história do encontro entre a Psicologia e o Direito 7

O que é Psicologia? Um breve percurso histórico 8

Psicologia científica e senso comum 11

Objetos de estudo da Psicologia e fenômenos psicológicos 13

Teorias da Psicologia 15

A Psicologia no Brasil 21

A interseção entre a Psicologia e o Direito 22

2. Noções introdutórias de Psicologia 27

A formação do indivíduo 28

Desenvolvimento humano 29

Personalidade 35

Psicologia social 39

3. A Família 47

A família e suas transformações: um breve histórico 48

Tipos de famílias 51

A construção da parentalidade: relações afetivas 56

Conjugalidade X Parentalidade: separações e recasamentos 58

O princípio constitucional do melhor interesse da criança 59

Alguns exemplos para reflexão 65

Paradoxos da contemporaneidade que merecem uma discussão 67

4. Abordagem psicológica da violência 71

Introdução 72

Definição de violência e agressividade 72

Algumas teorias sobre a agressividade 73

Formas de violência 74

Comportamentos antissociais 77

Transtorno desafiador opositivo 80

Transtorno de conduta 81

Transtorno de personalidade antissocial 82

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Bullying e assédio moral 84

O psicólogo e a violência 87

5. A psicologia e suas interfaces com os sistemas jurídico e judiciário 91

Direito e Justiça 92

Psicologia, o Judiciário e a busca do acesso à justiça 93

Justiça Restaurativa X Justiça Retributiva ou Tradicional 94

Caracterização do conflito 97

Mecanismos de autocomposiçãodos conflitos 99

Técnicas para obter uma comunicação construtiva levando à solução de conflitos 100

6. As práticas psicológicas e suas aplicações no judiciário 105

A prática do psicólogo na área Cível e de Família 107

A prática do psicólogo e as questões da infância, juventude e do idoso 108

Atuação do Psicólogo nas Varas Criminais e no Sistema Penitenciário 113

A prática do psicólogo nos juizados especiais criminais e juizado da violência doméstica

e familiar contra a mulher 114

O processo de avaliação psicológica no judiciário: questões fundamentais 116

Perito psicólogo x assistente técnico 117

Documentos elaborados pelo psicólogo no judiciário 118

Questões éticas ligadas ao psicólogo no judiciário 120

Palavras finais 125

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5

Prefácio

Caros Estudantes de Direito,

Este livro complementa o material didático do primeiro período dos Cursos de Direito

da Rede Estácio de Educação Superior.

O Direito é uma Ciência Social Aplicada e, como tal, dialoga com outras ciências —

essenciais para sua compreensão. A abordagem interdisciplinar da sua formação jurídica,

que ora se inicia, deverá nortear todos os seus estudos.

As relações entre a Psicologia e o Direito, bem como as noções introdutórias da Psicolo-

gia, foram o objeto desta obra, que contou com três autoras excepcionais tanto na compe-

tência técnica quanto na abordagem didática de temas científicos.

As noções de Psicologia são essenciais na formação dos profissionais para as carreiras

jurídicas. Por esta razão, constituem conteúdo mínimo obrigatório pelas diretrizes curricu-

lares do MEC, assim como a Antropologia, a Sociologia e a História.

Os livros didáticos de Fundamentos das Ciências Sociais, História do Direito Brasilei-

ro, Introdução ao Estudo do Direito e Psicologia Aplicada ao Direito foram concebidos de

modo orgânico, para que possibilitem a construção do conhecimento complexo, por meio

de relações estabelecidas sobre temas comuns, examinados à luz de ciências diferentes.

Os livros didáticos dialogam com os Planos de Ensino e de Aula das disciplinas, que de-

vem ser acessados, via ambiente virtual de aprendizagem, semanalmente, estudados antes

das aulas, assim como devem ser lidos os capítulos dos livros.

Estudando regularmente todas as disciplinas, com método, desde o primeiro período,

você estará sedimentando bases sólidas para a construção de seu conhecimento acadêmico.

Bons estudos!

profª. solange ferreira de moura.

diretora nacional do centro de ciências jurídicas

rede estácio de educação superior

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Breve história do encontro entre a Psicologia e o Direito

lygia santa maria ayres

11

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8 • capítulo 1

Pensar e problematizar o encontro entre a Psicologia e o Direito nos faz

necessariamente passear e transitar pela História desses dois campos

de atuação profissional. Vocês verão o universo do Direito, sem dúvida,

quase o tempo todo durante o curso de graduação, por isso o da Psico-

logia será aqui introduzido salientando seus primeiros caminhos, suas

influências, seus objetos de estudo e fenômenos psicológicos, os dife-

rentes marcos teóricos que fundamentam os fazeres psi, bem como sua

legitimação enquanto ciência e profissão no Brasil.

Indiscutivelmente nossa viagem será breve, mas profícua, na medida

em que o acúmulo de informações nos possibilitará tecer redes de conheci-

mento, de interseção entre essas duas disciplinas: a Psicologia e o Direito.

O que é Psicologia? Um breve percurso histórico

Tomemos inicialmente, sem maiores questionamentos, a Psicologia

como estudo do ser humano.

Começaremos nosso percurso histórico conhecendo a palavra

psicologia.

A definição de psicologia pode ser dada por sua origem

grega: Ψυχολογία =Psyche+logia. Psyche quer dizer alma ou

mente e também era o nome da Deusa Psiquê, onde, na mito-

logia grega era esposa de Eros, o nosso famoso cupido.

Notem que a primeira letra, Ψ (psi), é o

símbolo da Psicologia, a figura anterior. Lo-

gia vem de logos, que quer dizer: discurso, co-

nhecimento, ciência. Desse modo, Psicologia é a ciência da alma e da

mente. É a ciência que estuda a mente e o comportamento.

Como qualquer disciplina, a Psicologia não nasceu do nada, e sim

emergiu com fortes influências de outras áreas de conhecimento, den-

tre elas a Filosofia e a Fisiologia, e a Medicina, tentando compreender e

desvendar o binômio mente e corpo.

Influências Filosóficas

No que tange à Filosofia, Aristóteles foi um dos primeiros filósofos de real

importância para a Psicologia ao argumentar que nossos atos são contro-

lados pela razão, e nela reside o raciocínio com base nos dados dos senti-

ΨSímbolo da psicologia

1AUTOR

Aristóteles

Foi um filósofo grego, aluno de Platão. Seus

escritos abrangem diversos assuntos, como

a física, a metafísica, as leis da poesia e do

drama, e a música. Nasceu em 384 a.C. e

faleceu em 322 a.C. Suas principais obras

foram: Ética a Nicômaco e Política.

Breve história do encontro entre a Psicologia e o Direito

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capítulo 1 • 9

dos. Para Aristóteles, o mundo é dividido em orgânico e inorgânico, sen-

do o orgânico que encerra em si a capacidade de se transformar. Afirma,

ainda, a alma como a essência do ser humano. Isto é, a função do homem

é a atividade da sua alma que segue ou implica um princípio racional, jus-

tificando sua afirmação de que o homem é um ser racional.

Descartes foi outro importante nome na história da Psicologia Mo-

derna. Sua maior contribuição funda-se na tentativa de resolução do

problema mente-corpo, que era uma questão controversa e que perdu-

rava desde o tempo de Platão. Descartes rompeu com o ideal monista

de corpo e mente como uma só entidade e trouxe a posição dualista, na

qual corpo e mente são entidades de naturezas distintas. Para o filósofo,

ambas têm a capacidade de influenciar e ser influenciada pela outra. Ou

seja, assim como a mente influencia o corpo, esse também influencia a

mente de um modo muito maior do que se podia imaginar. O dualismo

cartesiano (corpo e mente) ainda encontra eco na contemporaneidade.

Se não mais pela via corpo-mente mas pelo dualismo individuo x socie-

dade; normal x patológico.

Após Descartes, a Ciência Moderna e a Psicologia alavancaram e, em

meados do século XIX, o pensamento europeu foi impregnado por um

novo espírito: o Positivismo e AugusteComte foi o grande responsável

por essa concepção.

O Positivismo é uma corrente filosófica que tem como base a exalta-

ção dos fatos. O conhecimento se afirma em uma verdade comprovada,

utilizando o método experimental como um caminho para o pensamen-

to científico, no qual a verdade comprovada é inquestionada.

Concomitantemente, surgia na Europa, com John Locke, o pensa-

mento empirista.

A doutrina do empirismo foi definida explicitamente pela primeira vez

pelo filósofo inglês John Locke no século XVII. Locke argumentou que a

mente seria, originalmente, um “quadro em branco” (tábula rasa), sobre o

qual é gravado o conhecimento, cuja base é a sensação. Ou seja, todas as

pessoas, ao nascer, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impres-

são nenhuma, sem conhecimento algum. Todo o processo do conhecer, do

saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro.

Positivismo e empirismo converteram-se nos alicerces filosóficos de

uma nova Psicologia, na qual os fenômenos psicológicos eram constitu-

ídos de provas factuais, observacionais e quantitativas. O status de ciên-

cia rondava a Psicologia.

LEITURA

GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: Romance da História da Filosofia. São Pau-

lo: Companhia das Letras, 1995.

AUTOR

Descartes

René Descartes foi um filósofo, físico

e matemático francês. Nasceu em 31

de março de 1596 e faleceu em 11 de

fevereiro de 1650, em Estocolmo, na

Suécia. Suas principais obras foram:

Discurso sobre o Método, Meditações

sobre Filosofia.

AUTOR

Auguste Comte

Isidore Auguste Marie François Xavier

Comte foi um filósofo francês, fundador

da Sociologia e do Positivismo, traba-

lhou intensamente na criação de uma

filosofia positiva. Nasceu em 19 de ja-

neiro de 1798 e morreu em 1857.

AUTOR

John Locke

John Locke foi um filósofo inglês e ide-

ólogo do liberalismo, sendo considerado

o principal representante do empirismo

britânico e um dos principais teóricos

do contrato social. Nasceu em 1632 e

morreu em 1704.

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10 • capítulo 1

Influências Fisiológicas

Com relação à Fisiologia, esta propõe um estudo do homem como ser or-

ganizado e semelhante a outros seres que se organizam química e botani-

camente rejeitando, assim, o estudo da alma. A Fisiologia aposta no estu-

do do cérebro, onde se localizam as propriedades e as funções da alma.

As influências da Fisiologia, na Psicologia, ocorrem em virtude das

diferenças individuais dadas pelos fatores pessoais que foram recebidas

e sobre as quais não se tem controle. Trata-se da subjetividade influen-

ciando na percepção dos fatores cognitivos. Os cientistas, no final do sé-

culo XIX, passaram à investigação e ao estudo dos órgãos dos sentidos,

através dos quais recebemos a informações acerca do mundo.

Inúmeros foram os pesquisadores que se debruçaram sobre o méto-

do experimental no campo da Psicologia e realizaram estudos sobre o

comportamento, os movimentos involuntários, os reflexos, a memória,

o desenvolvimento infantil, entre outros.

O primeiro laboratório psicológico foi fundado pelo médico alemão

WilhelmWundt, em 1879, em Leipzig, na Alemanha. Seu interesse se ha-

via transferido do funcionamento do corpo humano para os processos

mais elementares de percepção e a velocidade dos processos mentais

mais simples. Esse laboratório formou a primeira geração de psicólogos

preocupados com a Fisiologia. Os trabalhos de Wundt, Weber, Titchener

foram pioneiros para a consolidação do estruturalismo na Psicologia.

Estruturalismo

O estruturalismo define a Psicologia como ciência da consciência ou

da mente, definição herdada de Wundt. Mostra-nos que a mente seria a

soma dos processos mentais.

Edward Titchener afirmava que cada totalidade psicológica com-

põe-se de elementos. O objetivo da Psicologia seria a tarefa de descobrir

quais são os elementos mentais, o conteúdo e a maneira pela qual se es-

trutura. Titchener considera que os elementos ou as unidades que com-

põem o conteúdo da mente são as sensações, as imagens, as afeições e

os sentimentos. Usa-se a introspecção para chegar a eles, por meio de

uma observação treinada e preparada para garantir os dois pontos es-

senciais de toda a observação: a atenção e o registro do fenômeno.

Introspecção é o ato pelo qual o sujeito observa os conteúdos de seus

próprios estados mentais, tomando consciência deles. Dentre os possí-

veis conteúdos mentais passíveis de introspecção, destacam-se as cren-

ças, as imagens mentais, memórias (sejam visuais, auditivas, olfativas,

sonoras, tácteis), as intenções, as emoções e o conteúdo do pensamento

em geral (conceitos, raciocínios, associações de ideias).

Fugindo ao estruturalismo, WilliamJames propôs o funcionalismo

que tem por base a afirmação de que a consciência é subjetiva, está em

AUTOR

Wilhelm Wundt

Wilhelm Maximilian Wundt foi um médi-

co, filósofo e psicólogo alemão. É consi-

derado um dos fundadores da moderna

Psicologia experimental junto com Ernst

Heinrich Weber e Gustav Theodor Fe-

chner. Nasceu em 1832 e faleceu em

1921, na Alemanha.

AUTOR

William James

William James foi um dos fundadores

da Psicologia Moderna e importante fi-

lósofo ligado ao pragmatismo; formado

como médico. Nasceu em Nova Iorque,

EUA, em 11 de janeiro de 1842, e fale-

ceu em Nova Hampshire, EUA, em 26

de agosto de 1910.

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capítulo 1 • 11

constante movimento de evolução, é seletiva na escolha dos inúmeros

estímulos que a bombardeiam e tem como função principal a adaptabi-

lidade dos indivíduos aos seus ambientes.

Funcionalismo

Os funcionalistas queriam estudar o propósito, ou função da cons-

ciência e seus processos mentais básicos. Para os funcionalistas, o

estudo dos processos conscientes não se limitava a uma descrição de

elementos, conteúdos e estruturas. A mente consciente é, para ele,

um constante fluxo, uma característica da mente em constante inte-

ração com o meio ambiente. Por isso sua atenção estava mais voltada

para a função dos processos mentais conscientes. Na Psicologia, a

seu entender, deveria haver espaço para as emoções, a vontade, os

valores, as experiências religiosas e místicas — enfim, tudo o que faz

cada ser humano único.

Escapando de uma análise de certo modo cronológica das influên-

cias de outros saberes na Psicologia, Foucault nos apresenta outro cená-

rio. O autor, em seus estudos focados na problematização das relações

de verdade e de saber-poder na contemporaneidade, refere-se à inven-

ção da “Psicologia como um saber a serviço da disciplinarização”. Pode-

mos afirmar que, para Foucault, o surgimento, assim como a história da

Psicologia, não é somente um fato histórico do qual se pode contar seu

desenrolar. Mas uma convergência de inúmeros fatores como o exame,

a prática conjunta entre Direito e Medicina, a produção de mecanismos

de controle, as relações de poder e produções de verdade.

RESUMO

Respondendo à nossa demanda inicial, o que é a Psicologia?, concluímos que é uma

disciplina, uma profissão, uma área do conhecimento que, ao estudar o homem, convi-

ve com a Antropologia, com a Filosofia, com a Fisiologia, com a Medicina, com a Socio-

logia, com a Física, com o Direito numa relação horizontalizada e de atravessamentos.

A singularidade do saber psicológico centra-se nos estudos do Ho-

mem, seus desejos, percepções, discursos/práticas enquanto um ser so-

cial datado historicamente capaz de influenciar e ser influenciado por

diferentes atores e cenários socioeconômicos-políticos.

Psicologia científica e senso comum

Há milhares de anos, desde que o Homem se viu como um ser pen-

sante, inserido em um complexo que chamou de Natureza, ele vem

buscando respostas para seus questionamentos acerca da origem e

AUTOR

Foucault

Michel Foucault, filósofo francês e his-

toriador das ideias, nasceu na França,

em 1926, e faleceu em 1984. Possui

vasta obra que atravessam a Medicina,

a Psicologia e o Direito. Destacam-se:

Vigiar e Punir, A História da Loucura, A

verdade e as formas jurídicas, A ordem

do Discurso.

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12 • capítulo 1

das causas das transformações do mundo. Nesse sentido, o compor-

tamento e a conduta humana são temas que sempre fascinaram aos

pensadores e estão registrados historicamente ao longo dos anos.

Ora, isso nos faz pensar que a Psicologia seja uma das mais antigas e

uma das mais novas disciplinas acadêmicas.

Entende-se por Psicologia do senso comum ou Psicologia ingênua,

o conjunto de ideias, crenças e convicções transmitidas culturalmente

e que cada indivíduo possui a respeito de como as pessoas funcionam,

se comportam, sentem e pensam. Essas crenças e convicções que estão

profundamente arraigadas no ser humano carecem de fundamentação

e estudo experimental, pois se sustentam nas observações do dia a dia

e servem de base para as decisões que as pessoas tomam no cotidiano.

Do ponto de vista da Psicologia ingênua, conhecer alguma coisa é estar

consciente dela. Nesse sentido, a teoria ingênua não se refere a ideias,

percepções, motivos ou sentimentos inconscientes.

FritzHeider (1958) foi um dos principais nomes ligados à formula-

ção dos princípios da Psicologia do senso comum. Para o autor, a teoria

do senso comum é um auxílio para a construção da teoria cientifica e

uma fonte de hipóteses.

Nesse sentido, defende que a tarefa da Psicologia científica não é

refutar a Psicologia do senso comum, mas desenvolvê-la e sistematizá

-la na medida em que a Psicologia ingênua contém um conhecimento

espontâneo das reações e relações humanas. Defende ainda a tese que

muitas teorias científicas de Psicologia podem ser compreendidas como

negações de uma ou outra suposição do senso comum. Por exemplo, a

Psicanálise se desenvolveu sob a negação da suposição de que todo pen-

samento é consciente, premissa da teoria ingênua.

Em contraponto à teoria do senso comum, a teoria científica se dedi-

ca à descrição, à explicação, à previsão e ao controle do desenvolvimento

do seu objeto de estudo.

Para se estabelecer enquanto ciência válida frente a um objeto de

pesquisa cambiante e errante, a Psicologia teve de se filiar à lógica das

ciências naturais, que neste momento já eram consolidadas no campo

epistemológico. A Psicologia foi herdeira então do pressuposto de que:

“... o caminho de todo conhecimento científico deve passar pela deter-

minação de relações quantitativas, pela construção de hipóteses e pela

verificação experimental” (FOUCAULT, 2011, p. 133).

A ciência psicológica, para ratificar as exigências naturalistas,

buscou no ser humano aquilo que respondesse às indagações quan-

titativas e empíricas, tendo como ferramenta central o comporta-

mento humano. Ao se firmar apenas neste solo naturalista, acabou

negando o próprio homem em sua humanidade, reduzindo-o àquilo

que pudesse ser visto e medido.

AUTOR

Fritz Heider

Fritz Heider era um psicólogo austría-

co que nasceu em 1896 e faleceu em

1988. Em 1958, publicou Psicologia

das relações interpessoais, que levou

15 anos para ser escrito.

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capítulo 1 • 13

Objetos de estudo da Psicologia e fenômenos psi-cológicos

Como já vimos rapidamente, no item anterior, o objeto de estudo da Psicologia é indiscutivel-

mente o Homem em sua integralidade/humanidade.

Homem, enquanto ser simbólico, capaz de perceber, de refletir, de sentir e de signifi-

car e resignificar o mundo constantemente. Sua capacidade de linguagem e raciocínio o

possibilita transformar suas relações com o mundo e com os outros homens. Enquanto ser

histórico, é capaz de criar história, de perceber passado, presente e futuro, de ter planos,

projetos, medos, sonhos, expectativas e desejos.

Dois grandes vetores estabelecem os caminhos para o fazer psicológico:

1 A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO

Nesse instante, tentando entender os objetos da Psicologia, cabe uma indagação: Quem é,

então, o Homem na Psicologia?

• Há os que atribuem as características humanas a nossa herança genética, e o seu de-

senvolvimento a um processo de maturação. Para esses, os fenômenos psicológicos são

basicamente fenômenos orgânicos (neuropsicológicos) como: a percepção, a memória, as

emoções, a atenção, dentre outros.

• Outros pontuam o meio ambiente como o responsável pelo desenvolvimento de ha-

bilidades e de competências. A parcela de psicólogos que se ancora nessa concepção

teórica, apresenta uma preocupação em aplicar técnicas e métodos sem levar em conta a

realidade e as condições em que o indivíduo se insere, preocupando-se apenas em interpretar

os fenômenos psicológicos isoladamente. Dessa forma, tentam fazer com que o indivíduo se

adapte a determinado contexto, como se uma nova estruturação do homem fosse suficiente

para sua adequação psíquica e social, ignorando seus direitos como indivíduo diferenciado.

Os problemas que o indivíduo apresenta passam a ser interpretados como crises individuais,

ignorando-se que possam ser decorrentes das condições sociais do sujeito, acobertando a

realidade de vida e retornando ao indivíduo a total responsabilidade pelo seu bem-estar.

Dessa forma, a prática psicológica decorrente dessas concepções tem sua ênfase na doen-

ça, na falta, nas dificuldades, nos desequilíbrios e nos desajustes. Portanto, se definirá como

uma intervenção dita terapêutica, na direção de uma possível e desejável “cura”. O psicólogo

aparece, então, como alguém com condições para ajudar aos outros na busca daquilo que lhe

é desconhecido e que denominamos felicidade, equilíbrio ou algo parecido, sendo ele capaz

de acompanhar os destinos dos outros, converter muitas vezes suas percepções e “consciên-

cias”; estruturar e transformar personalidades. Enfim, supostamente “humanizar”.

• Outros apostam na visão sistêmica, isto é, sem negar a herança genética, propõem que nos

tornamos pessoas por intermédio de outras pessoas. Para estes, dentre os quais nos incluímos,

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14 • capítulo 1

o desenvolvimento se dá nas e por meio das interações estabelecidas

com os outros seres humanos, em ambientes físicos e sociais, cultural-

mente e historicamente construídos. Nessa visão, o objeto de estudo da

Psicologia é o Homem pensado como um ser social datado e construído

historicamente, e a Psicologia como o estudo do ambiente social humano

enquanto uma rede de significações.

Resolvida então a questão do Homem na Psicologia passemos ao ou-

tro vetor.

2 MODO DE ABORDAR, INTERVIR E ESCUTAR O HOMEM

O segundo vetor refere-se ao modo de abordar, intervir e escutar o Ho-

mem. No processo de escuta se expressa tanto o que se deseja escutar,

o que se pede para falar e o que é falado, o que se oferta e o que se

demanda. Nesse sentido, o que é privilegiado no processo de escuta, o

que é desprezado, silenciado ou acolhido, diz respeito às implicações e

aos encontros que se efetuam entre os sujeitos em questão. Nessa ótica,

dentre milhares de possibilidades de construção de uma entrevista, de

uma escuta, duas delas nos interessam particularmente: a escuta-surda

e a escuta-experimentação.

• Escuta surda: essa tomada como retrato e dispositivo da norma avalia

apenas o entrevistado e tem o poder de julgar, determinar e punir que

se estende para além do comportamento do sujeito, por acreditar que tal

sujeito possui uma natureza humana, um caráter a ser revelado. O foco

deixa de ser o fato em si para centrar-se nas condutas ditas irregulares

do indivíduo investigado. Muitas vezes, tal indivíduo é avaliado por tercei-

ros, sem nunca ter tido a oportunidade de apresentar-se. A escolha por

essa metodologia nos leva a procedimentos definidos por Baptista, Luis

Antonio (2000) de “escuta surda”.

• Escuta-experimentação: a entrevista assume potência de dispositivo, que

abre múltiplas possibilidades de intervenção, ao ser conduzida por profis-

sional que não aposta nem na sua neutralidade nem em uma essência de

seu entrevistado a ser atribuída e desvendada. No contexto da escuta-expe-

rimentação, não se visa apreender uma realidade, uma verdade do sujeito,

mas, sim, abrir espaço para criação de modos de existência.

Afirmar a escuta como experimentação significa indicar que as

necessidades do outro precisam ser incluídas não por uma operação

humanista e piedosa, mas como elemento perturbador e analisador

dos modos de vida naturalizados. Uma escuta sensível implica, ne-

cessariamente, ouvir os vestígios, ver os movimentos. Envolve uma

CONCEITO

Escuta surda

Por escuta surda entendemos práticas

que ouvem sem escutar. Uma escuta

surda se constitui quando, no lugar de

indagar as evidências que nos consti-

tuem como sujeitos, nos deixamos con-

duzir por estas, reificando-as. Produz aí

uma Psicologia das evidências. Uma es-

cuta que acaba sendo reduzida a um ato

protocolar, uma técnica de coleta de evi-

dências, de sinais ou, ainda, a um jogo

interpretativo. A escuta surda produz

como efeito a tutela e a culpabilização

dos sujeitos.

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capítulo 1 • 15

disponibilidade subjetiva de afetar e ser afetado pelo outro, colocar

em análise nossos preconceitos, endurecimentos e indiferenças.

REFLEXÃO

Optando por um caminho ou por outro, as entrevistas psicológicas transformam-se

em relatórios que, se não têm poder decisório por eles mesmos, podem, em muitos

casos, orientar a decisão do médico, do juiz, do professor. As palavras escolhidas

à confecção, os fatos privilegiados, os entrevistados a serem chamados ou não, a

impressão do psicólogo em cada caso, tudo deve ser problematizado e pensado,

não com o psicólogo como perito neutro a dizer no relatório a verdade sobre os

envolvidos, mas vendo nele um instrumento político que afetará histórias de vida

diversas, já que incide não apenas sobre a vida daquele que se apresenta, mas

também sobre a dos que com ele convivem e, não com menor importância, sobre a

prática do psicólogo nos espaços ocupados.

Em síntese, a opção por uma dessas concepções de Homem bem como a forma

de interação e de escuta desenham o fenômeno psicológico e marcam o caminho

traçado pelos psicólogos frente às demandas que lhes são endereçadas.

Teorias da Psicologia

Sabe-se que a Psicologia não é um campo unitário e hegemônico.

Há uma grande diversidade de teorias. Quando se diz que é psicó-

logo, logo a seguir, além de dizer qual a especialidade, se diz também

qual é a linha teórica que sustenta suas ações na medida em que são

muitas as abordagens teórico-práticas que atravessam a Psicologia

na contemporaneidade.

Pautaremos aqui, neste tópico, cinco perspectivas que podem ser

consideradas as de maiores forças e evidências. São elas: a psicanálise,

o behaviorismo (comportamentalismo), o humanismo, o gestaltismo

e o social pelo viés da matriz sócio-histórica.

A Psicanálise

A Psicanálise, influenciada pela Fisiologia, surgiu na década de 1890,

com SigmundFreud, um médico austríaco interessado em achar um tra-

tamento efetivo para pacientes com sintomas neuróticos ou histéricos.

Freud, conversando com os pacientes, acreditava que seus problemas

se originaram da não aceitação cultural, sendo assim reprimidos seus

desejos inconscientes.

Os fatores inconscientes são essenciais à constituição de uma boa

saúde mental, estando presentes nas mais diversas e ricas expressões do

ser humano. Encontram-se na gênese das criações artísticas e da forma-

CONCEITO

Hegemônico

Hegemonia é um conceito que indica

uma preponderância de uma teoria psi-

cológica em relação a outras. Não sig-

nifica que essa teoria é melhor que as

outras, mas que é seguida pela maioria

e tem um impacto na vida das pessoas.

AUTOR

Sigmund Freud

Sigmund Schlomo Freud, mais conhecido

como Sigmund Freud, foi um médico neu-

rologista e criador da Psicanálise. Freud

nasceu em uma família judaica, em Frei-

berg in Mähren, na época pertencente ao

Império Austríaco. Nasceu na República

Tcheca, em maio de 1856, e morreu em

Londres, em setembro de 1939.

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16 • capítulo 1

ção dos grupos humanos e laços sociais, em estreita inter-relação com

as particularidades de cada época e de cada cultura.

Por outro lado, esses fatores inconscientes costumam ser a fonte

de consideráveis sofrimentos e de infelicidade, podendo se manifestar

na forma de sintomas reconhecíveis tais como: angústia, fobias, com-

pulsões e sentimentos de vazio. Também estão presentes na raiz das

perturbações, na estruturação da personalidade, nas dificuldades de

relacionamento no trabalho e/ou nos relacionamentos interpessoais e

amorosos, assim como nos sintomas psicossomáticos, nas alterações

do humor (depressão e euforia) e da autoestima.

O método básico da Psicanálise é a interpretação da transferência e

da resistência com a análise da livre associação. O analisado, numa pos-

tura relaxada, é solicitado a dizer tudo o que lhe vem à mente. Sonhos,

esperanças, desejos e fantasias são de interesse, como também as expe-

riências vividas nos primeiros anos de vida em família. Escutando o ana-

lisado, o analista tenta manter uma atitude empática de neutralidade.

Uma postura de não julgamento, visando a criar um ambiente seguro.

Desde Freud, a Psicanálise se desenvolveu de muitas maneiras e, atu-

almente, há diversas escolas que mesmo discordando em alguns pontos

da teoria freudiana não refutaram a ideia de inconsciente, pedra basilar

da Psicanálise, e criaram suas próprias linhas de pesquisa.

O Behaviorismo

O termo behaviorismo vem do inglês behavior, comportamento. Em por-

tuguês, podemos dizer tanto behaviorismo como comportamentalismo.

O behaviorismo influenciado pelo funcionalismo tem como pedra

basal o estudo dos comportamentos animais controlados em laborató-

rios de acordo com os estímulos que lhes eram apresentados. Segundo

os pesquisadores, era possível uma comparação entre os comportamen-

tos animais e humanos, o que justificava seu percurso experimental.

Esta corrente psicológica não aceita qualquer relação com o trans-

cendental, com a introspecção e os aspectos filosóficos, mas pretende

estudar comportamentos objetivos que podem ser observados.

Skinner, fazendo uso de experimentos com animais, desenvolveu o

conceito de condicionamento operante tomando como base as noções

de punição, reforço positivo e reforço negativo. Em outras palavras, um

comportamento vai ser controlado pelo que aconteceu antes e pelo que

pode acontecer depois. Para o psicólogo, a Psicologia não poderia utili-

zar elementos não observáveis para explicar a conduta humana.

Por exemplo, um aluno ao ser demandado a falar e apresentar em

sala de aula seu ponto de vista, o faz com argumentos claros, transpa-

rentes, e por isso é valorizado e reconhecido pelo professor e colegas,

tende a assumir esse comportamento como aceito e adequado e conse-

quentemente repeti-lo.

AUTOR

Skinner

Burrhus Frederic Skinner, autor e psi-

cólogo americano, nasceu na Pensilvâ-

nia, EUA, em março de 1904, e morreu

em Massachusetts, EUA, em agosto de

1990. Conduziu trabalhos pioneiros em

Psicologia experimental e foi o proposi-

tor do Behaviorismo Radical, abordagem

que busca entender o comportamento

como consequência do reforçamento.

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capítulo 1 • 17

LEITURA

SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano.11.ed. São Paulo: Martins Fon-

tes, 2003.

O Humanismo

A Psicologia humanista teve sua origem nos anos 1950, e sua importância

aumentou significativamente nas décadas de 1960 e 1970. Sendo um ramo

da Psicologia e mais concretamente da psicoterapia, a Psicologia Humanis-

ta surgiu como uma reação à análise exclusivamente feita ao behaviorismo.

A Psicologia Humanista não tem como propósito fazer uma revisão

ou adaptação de conceitos psicológicos já existentes, mas de ser uma

nova contribuição na área da Psicologia. Seus principais teóricos foram

Carl Rogers e Abraham Maslow.

Na esfera organizacional, Maslow, em 1962, desenvolveu o con-

ceito de motivação atrelado ao modelo de hierarquia de necessidades

construída com base numa pirâmide, na qual as necessidades são assim

firmadas. Na base na pirâmide estão as necessidades fisiológicas, em

seguida, as necessidades de segurança, necessidades sociais, de estima,

e no topo da pirâmide, as de autorrealização.

AUTORREALIZAÇÃO

STATUS - ESTIMA

SOCIAIS

SEGURANÇA

FISIOLÓGICAS

Pirâmide de Maslow

Em outras palavras, primeiro buscamos satisfazer:

A Necessidades fisiológicas — como fome e sono;

B Segurança — emprego, família, saúde;

C Amizade, relacionamentos amorosos;

D Necessidades de estima;

E Realização pessoal.

MULTIMÍDIA

Laranja Mecânica

Sinopse: no futuro, o violento Alex (Mal-

colm McDowell), líder de uma gangue

de delinquentes que matam, roubam e

estupram, cai nas mãos da polícia. Pre-

so, ele recebe a opção de participar em

um programa que pode reduzir o seu

tempo na cadeia. Alex vira cobaia de ex-

perimentos destinados a refrear os im-

pulsos destrutivos do ser humano, mas

acaba se tornando impotente para lidar

com a violência que o cerca.

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18 • capítulo 1

Outro grande teórico da Psicologia Humanista foi Carl Rogers

(1902-1987), americano, que baseou seu trabalho no indivíduo,

criando a chamada terapiacentradanapessoa. Sua visão humanista

surgiu por meio do tratamento de pessoas emocionalmente pertur-

badas. Ele trabalhou com um conceito semelhante ao de Maslow, a

que deu o nome de tendência atualizante, que é a tendência inata

de cada pessoa atualizar suas capacidades e potenciais. Defendeu,

também, a ideia de autoconceito como um padrão organizado e cons-

ciente das características de cada um desde a infância que, à medida

que novas experiências surgem, esses conceitos podem ser substitu-

ídos ou reforçados.

Para ele, a capacidade do indivíduo de modificar consciente e ra-

cionalmente seus pensamentos e comportamentos fornece a base

para a formação de sua personalidade.

Para Rogers, os indivíduos bem ajustados psicologicamente têm au-

toconceitos realistas e a angústia psicológica é advinda da desarmonia

entre o autoconceito real (o que se é de fato) e o ideal para si (o que se de-

seja ser). Ele acreditava que o sujeito deveria dar a direção e o conteúdo

do tratamento psicológico por ter ele suficientes recursos de autoenten-

dimento para mudar seus conceitos.

O Gestaltismo

O gestaltismo, influenciado pelo fisiologismo, é uma corrente que deu

uma importante contribuição na construção da Psicologia como ciên-

cia. O principio básico da Teoria Gestalt é que a organização dos dados

que nos cercam é parte do processo perceptivo.

Para os psicólogos dessa linha teórica, toda percepção é uma gestalt,

um todo que não pode ser compreendido pela separação em partes.

Acreditam que uma pessoa percebe uma situação inteira em vez de seus

elementos individuais. Assim, o todo é mais do que meramente a soma

dos elementos, porque as pessoas tendem a organizar os elementos de

uma situação e depois acrescentam os elementos da experiência passa-

da. Isto é, o todo é mais que a soma das partes.

Assim, de acordo com os pressupostos da Gestalt, para aprender um

assunto, você deve, em primeiro lugar, ter uma visão de conjunto do tex-

to, do fato, do livro e depois estudar as partes.

Finalmente, ao juntar as partes, numa síntese, vai verificar que a to-

talidade (gestalt), a compreensão, o entendimento do texto não são ape-

nas a soma das partes que você estudou.

Segundo esses teóricos, as informações do meio externo são proces-

sadas em dois níveis: sensação e percepção. Apesar de ser possível dife-

renciá-los, sentir e perceber é, na realidade, um processo único, que é o

da recepção e interpretação de informações. Entretanto, percepção não

deve ser confundida com sensação.

LEITURA

Terapia centrada na pessoa

A terapia centrada na pessoa defen-

de a não diretividade do terapeuta, do

professor e apostando na liberdade de

escolha dos seres humanos.

ROGERS, C. A terapia centrada no pa-

ciente. Lisboa: Moraes, 1974.

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capítulo 1 • 19

SENSAÇÃO

Sensação é o dado não processado recebido por um indivíduo através dos

sentidos, é como uma simples consciência dos componentes sensoriais e das

dimensões da realidade (mecanismo de recepção de informações).

PERCEPÇÃO

Percepção supõe as sensações acompanhadas dos significados que lhes

atribuímos como resultado da nossa experiência anterior. Pode-se dizer que

percepção é atribuição de significado à informação recebida pelos sentidos.

É, portanto, a interpretação da sensação (estímulo) em base de seus atribu-

tos físicos, de seu relacionamento com suas cercanias e das condições pre-

sentes dentro do indivíduo em um ponto específico do tempo. Assim, a per-

cepção está diretamente relacionada ao quadro de referência do indivíduo, e

um único estímulo será percebido de modo diferente pelo mesmo indivíduo

em ocasiões diferentes, dependendo das condições que se modificam.

ATENÇÃO

Os elementos que mais contribuem para o processo de percepção são: as caracte-

rísticas do estímulo e as experiências passadas, atitudes e características da perso-

nalidade do indivíduo.

Quem percebe seleciona aspectos do meio ambiente, pois não são

percebidos todos os estímulos do meio ambiente simultaneamente

pela mesma pessoa. A percepção é, assim, a seleção de estímulos por

meio da atenção.

O estado psicológico de quem percebe é um fator determinante da

percepção, seus motivos, emoções e expectativas fazem com que per-

ceba, preferencialmente, certos estímulos do meio. Temos tendência,

portanto, a perceber o mundo mais como cremos ou queremos que ele

seja do que como nos informam os diferentes estímulos que chegam

aos nossos órgãos dos sentidos.

O social, a matriz sócio-histórica

O referencial sócio-histórico considera o homem um ser social, histórico e

ativo. Imerso em um processo de interações sociais e relações com claras

marcas culturais, ele constrói e reconstrói a sociedade, a história social e

a si mesmo, de modo que o conhecimento sobre si próprio é marcado por

influências culturais. Nesse processo, a pessoa vai construindo a noção de

subjetividades com base em características sócio-históricas que são impu-

tadas aos sujeitos por meio da sua relação com os outros e com o mundo.

CONCEITO

Sócio-histórico

A matriz sócio-histórica é, portanto,

composta por elementos sociais, eco-

nômicos, políticos e culturais, todos his-

toricamente construídos e em continua

construção. Ela apresenta uma natureza

fundamentalmente semiótica e tem con-

cretude no aqui-agora das situações.

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20 • capítulo 1

Ainda afirma-se que essa corrente teórica pode ser didaticamente

concebida como constituída por dois conceitos inter-relacionados.

As condições socioeconômicas-políticas as quais representam as concre-

tas condições de vida de uma comunidade especifica, nas quais a pessoa

nasce, cresce, vive e se constitui sujeito, além das pressões sociais mais

estáveis às quais as pessoas são submetidas.

O outro vetor refere-se às práticas discursivas que representam o domínio

das representações, dos símbolos religiosos, das fórmulas científicas etc.

Estas têm materialidade como um quadro, uma peça, um ritual, uma palavra

ou um comportamento humano.

As concretas condições de vida e as práticas discursivas encon-

tram-se dialeticamente inter-relacionadas, umas sustentando as ou-

tras, contrapondo-se e/ou transformando as outras em um todo em

contínuo desenvolvimento.

Essa matriz rompe com a noção de indivíduo uno, postulando a con-

cepção de sujeito plural, coletivo e dialógico. Ou ainda como nos afir-

mam Guattari e Rolnik (1996):

(...) quando vivemos nossa própria existência, nós a vivemos com as pa-

lavras de uma língua que pertence a cem milhões de pessoas; nós a

vivemos com um sistema de trocas econômicas que pertence a todo um

campo social; nos a vivemos com representações de modos de produção

totalmente serializados (...) (p. 69).

Essa noção, portanto, alcança o homem por meio de suas relações

sociais, por meio das características valorizadas socialmente que a defi-

nem e com as quais irá se defrontar no seu processo de significação de si

mesmo. Essas considerações revestem as investigações sobre a constru-

ção de relações com uma importância fundamental, na medida em que

elas ampliam a compreensão da natureza social do psiquismo.

RESUMO

Didaticamente, podemos sintetizar assim essas abordagens:

• A abordagem psicanalítica entende o comportamento humano como a resultante

de um processo de motivação inconsciente; o comportamento é visto, basicamente,

como uma expressão projetiva do mundo interno;

• Para os behavioristas, o comportamento é resultante do condicionamento de re-

flexos inatos;

• Para os humanistas, a terapia deve ser centrada na pessoa e não em teorias.

• Os gestaltistas clássicos entendem o comportamento como processo perceptivo

LEITURA

AMORIM, Katia de Souza et al. (orgs.).

Rede de Significações e o Estudo do

Desenvolvimento Humano. Porto Ale-

gre: Artmed, 2004.

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capítulo 1 • 21

• A matriz sócio-histórica aposta na construção do sujeito coletivo, dialógico e

contextualizado.

A Psicologia no Brasil

Em 1962, pela lei nº 4.119, a profissão de psicólogo foi criada e regula-

mentada com a função de adequar, ajustar e adaptar o indivíduo ao mun-

do moderno, apesar de seu discurso psi já se encontrar disseminado, em

práticas cotidianas, na escola, no hospital e até mesmo no Judiciário.

Em 20 de dezembro de 1971, pela lei nº 5.766, com intuito de orien-

tar, fiscalizar e disciplinar, bem como zelar pela fiel observância dos

princípios éticos e contribuir para o desenvolvimento da Psicologia

como ciência e profissão, foram criados o Conselho Federal de Psico-

logia e sete (07) Conselhos Regionais. Dos sete (07) Regionais iniciais,

hoje contamos com 23 Conselhos Regionais.

À época, para a grande maioria dos profissionais psicólogos, as te-

orias psicológicas representavam o verdadeiro instrumento de desven-

damento da “essência humana”: eram a chave para se penetrar no “eu

real”. Coimbra (1995) refere-se à tal postura como a psicologização do

cotidiano que emergiu na década de 1970 e cristalizou-se nos anos 1980.

Pautada na crença de uma dicotomia entre normal/patológico, a

prática psicológica foi se constituindo enquanto uma ferramenta de

adequação e ajustamento do homem ao seu contexto social. Os testes

psicológicos ganharam força e visibilidade sendo utilizados em diferen-

tes espaços e estabelecimentos (hospitais, organizações, escolas, judici-

ário) enquanto um instrumento de avaliação da normalidade, da inteli-

gência, da personalidade, dentre outros.

Nessa concepção, calcada em uma abordagem reducionista de su-

jeito e sustentada por teorias que têm o seu foco voltado para a descri-

ção dos comportamentos patológicos, produzindo, dessa forma, téc-

nicas diagnósticas voltadas tanto para a cura como para a prevenção

desses comportamentos, os problemas eram percebidos e tratados

como individuais e não coletivos.

Em meados da década de 1980, marcada pela presença dos movimen-

tos sociais, algumas incursões na área da Psicologia Social foram experi-

mentadas fortalecendo-se a relação indivíduo/sociedade. Os dois termos

dessa relação eram percebidos como sistemas autônomos, apesar de inter

-relacionados, definindo dois espaços entendidos como privado e público,

onde os eventos individuais podem cruzar-se mas permanecendo distintos.

Segundo Bock (1997) “... a realidade social aparece apenas como

‘canteiro’, onde a natureza psíquica pode — se desenvolver...” (p.39).

Essa concepção, portanto, também individualizava e responsabilizava

os indivíduos por seus sucessos ou fracassos. Assim sendo, podemos

MULTIMÍDIA

Conselho Federal de Psicologia

Para saber mais, acesse o site do Conse-

lho Federal de Psicologia em http://site.

cfp.org.br/.

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22 • capítulo 1

afirmar que até o fim do século XX, a Psicologia vinha apresentando

uma prática que frequentemente neutralizava o social,

REFLEXÃO

Podemos pensar que tendo a Psicologia resolvido sua questão no que concerne à rela-

ção Corpo x Mente, outro dualismo emergiu na década de 1980 que parece ainda dividir

a Psicologia: a relação indivíduo x sociedade.

Ainda, segundo Bock (2000), as crises políticas que ocorreram no Brasil na pós-ditadura:

... colocaram para a sociedade brasileira, e para as mais diversas profis-

sões, questões importantes que marcaram a necessidade de deixarmos

de reproduzir Psicologia, para passarmos a construir ou a reconstruir

uma Psicologia a partir das demandas e das necessidades de nossa so-

ciedade brasileira.

Desse modo, em consonância com o contexto histórico, após a queda do regime dita-

torial militar e promulgação da Constituição de 1988, e com base em um processo de

crítica e a reflexão sobre fazer o psicológico, a Psicologia brasileira passou a desen-

volver a área social comunitária, para atender a classe popular, que precisava de outra

forma de escuta e abordagem.

O psicólogo viu-se então diante da necessidade de ter condições práticas e experi-

ências concretas para que a construção de novas modalidades de atuação pudesse

ser efetivada. Assim sendo, pudemos observar a Psicologia conquistar o direito de

ocupar espaços nas políticas públicas de saúde, educação, habitação, em entidades

voltadas à defesa à garantia de direitos humanos.

CURIOSIDADE

Áreas de atuação do psicólogo

A Psicologia que nasceu basicamente no campo da clínica tem ainda, nessa

área de atuação, sua maior concentração profissional ainda que ancorada em

diferentes abordagens, como vimos anteriormente. Entretanto, seus saberes dis-

seminaram-se e, hoje, o psicólogo encontra espaço e legitimidade nas escolas,

nas universidades, nas organizações, nos hospitais, nos conselhos tutelares, no

judiciário, nas políticas públicas, o que expressa seus deslocamentos do universo

do privado para o público.

A interseção entre a Psicologia e o Direito

Iniciaremos nosso estudo com a conceituação de PsicologiaJurídica pro-

posta por Silva (2007) na medida em que sintetiza nosso pensamento.

CONCEITO

Psicologia Jurídica

A Psicologia Jurídica surge no contexto

em que o psicólogo coloca seus conheci-

mentos à disposição do juiz (que irá exer-

cer a função julgadora), assessorando-o

em aspectos relevantes para determina-

das ações judiciais, trazendo aos autos

uma realidade psicológica dos agentes

envolvidos que ultrapassa a literalidade

da lei, e que de outra forma não chegaria

ao conhecimento do julgador por ser um

trabalho que vai além da mera exposição

dos fatos; trata-se de uma análise apro-

fundada do contexto em que essas pes-

soas que acorreram ao Judiciário (agen-

tes) estão inseridas.

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capítulo 1 • 23

A Psicologia Jurídica, ou seja, a interseção entre a Psicologia e o Di-

reito já em 1967 foi referendada por Mira y Lopes como uma importante

ferramenta no campo do Direito.

Afirma-nos o autor “é uma ciência que, pelo menos oferece as mes-

mas garantias de seriedade e eficiência que as restantes disciplinas bio-

lógicas” (MIRA; LOPES. Manual de Psicologia Jurídica 1945/1967/2008).

Nessa ótica, no entanto, parece-nos ser percebida como mais um

instrumental de avaliação, o que de certo modo é ratificado pelos estu-

dos acerca da emergência da Psicologia Jurídica.

Tal posição é ratificada por LeilaMariaTorracadeBrito (1999), que

em seus estudos nos esclarece que esta emerge:

... intensamente influenciada pelo ideário positivista e privilegiando o mé-

todo científico empregado pelas Ciências Naturais, particularmente a Bio-

logia, a Psicologia Jurídica também teve sua origem ligada à aplicação de

testes, quando determinava-se que a compreensão dos comportamentos

passiveis de ação jurídica deveria ser aferida através de instrumentos de

medida desenvolvidos pela Psicologia. (p.222)

Miranda Junior reafirma a Psicologia Jurídica enquanto um instru-

mento de avaliação, na medida em que pontua:

A primeira demanda que se fez à Psicologia em nome da justiça ocorreu

no campo da psicopatologia. O diagnóstico psicológico servia para clas-

sificar e controlar os indivíduos. Os psicólogos eram chamados a forne-

cerem um parecer técnico (pericial) , em que através do uso não crítico

dos instrumentos e técnicas de avaliação psicológica emitiam um laudo

informando à instituição judiciária, via seus representantes, um mapa

subjetivo do sujeito diagnosticado (p.29).

Se, no passado, a doença mental e a criminalidade foram o universo

de atuação da Psicologia no judiciário, hoje são as crianças, os jovens e

as famílias os principais protagonistas da intervenção psi.

Podemos pensar o novo ordenamento jurídico voltado à proteção inte-

gral de crianças e adolescentes (ECA) promulgado em, 13 de julho de 1990,

como um dos disparadores dessa transformação da interseção da Psicolo-

gia com o Direito. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus

artigos 150 e 151, aponta a necessidade de manutenção de equipe inter-

profissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude,

por meio de laudos escritos ou verbalmente, na audiência, o cargo efetivo

de psicólogo no quadro permanente da 1ª Instância do Poder Judiciário.

Entretanto, o cargo só foi criado em 17 de julho de 1996, por meio

da lei nº 2602, sendo o primeiro concurso público realizado em 1998 e

em 1999, e os primeiros psicólogos aprovados no Rio de Janeiro inicia-

ram suas atividades no juizado. No entanto, este especialista ali já se

AUTOR

Leila Maria Torraca de Brito

Psicóloga, professora doutora atuante

na graduação em Psicologia, na espe-

cialização da Psicologia Jurídica e no

Programa de Pós-Graduação em Psi-

cologia Social, da Universidade do Es-

tado do Rio de Janeiro, trabalhando a

relação da Psicologia com o Direito. É

referência e autora de inúmeras obras

nessa área do conhecimento.

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24 • capítulo 1

assentava desde a década de 1980. Nessa ocasião, o serviço de Psicologia funcionava com

profissionais cedidos de outras instituições governamentais, servidores do quadro admi-

nistrativo da justiça com formação em Psicologia, em desvio de função ou voluntariado.

Ainda hoje, na instituição justiça, a demanda encaminhada à Psicologia concentra-

se, basicamente, na solicitação de laudos psicológicos que orientam o juiz em suas de-

cisões. Percebemos, entretanto, que a Psicologia é demandada, na maioria das vezes,

quando “detecta-se” alguma situação-problema, ou seja, quando sentem os operadores

do direito a necessidade de se “desvendar a verdadeira essência do indivíduo”, seus “re-

ais” desejos e impulsos.

Entretanto, escapando de um discurso/prática mais positivista, na atualidade os psicó-

logos do judiciário vêm construindo outra prática psicológica — uma intervenção que ve-

nha a dar a palavra, dar legitimidade a pessoas que habitualmente não têm a possibilidade,

o direito de se inserir nos meios intelectuais para dizer o que para elas é a realidade, ouvir

suas trajetórias, suas ansiedades, suas formas de perceber e estar no mundo.

Tal postura vem possibilitando a efetivação de uma Psicologia realmente calcada

de/na realidade social brasileira, pois uma gama de psicólogos acredita como André Levy

(1995) que a história individual é uma forma de acesso particularmente rica à história de

uma sociedade, pois a história de cada indivíduo fala da história de um tempo, de um lugar.

Nessa direção, escapando de uma escuta-surda e se embrenhando pela lógica da escuta

-experimentação, Miranda Junior (1998) reforça:

(...) não uma escuta que se reduza ao individual, subjetivo, mas que, considerando-o, possa estar

aberta à muiticausalidade do ato humano (...) . Entretanto, se escuta não se mantiver crítica, cor-

re-se o risco de cair na psicologização de todo ato considerado socialmente “desviante” (p. 30).

Considerando que o psicólogo no judiciário tem o papel de interlocutor entre a ins-

tituição para a qual presta serviço e a criança, adolescente e ou família, seu cliente, vale

ressaltar que as intervenções do profissional psicólogo na esfera do Judiciário devem

estar de acordo com os estudos e as práticas reconhecidas pela Psicologia e referenda-

das pelo Conselho Federal de Psicologia, dentre elas o Código de Ética do Profissional

Psicólogo (CEPP 2005) e a Resolução CFP 007/2003 que instituiu o Manual de Elabora-

ção de Documentos Escritos.

Esse documento afirma que:

... o processo de avaliação psicológica deve considerar que os objetos desse procedimento (as

questões de ordem psicológica) têm determinações históricas, sociais, econômicas e políticas,

sendo as mesmas elementos constitutivos no processo de subjetivação (p. 4).

Os psicólogos, na elaboração de tais documentos, devem...

... se basear exclusivamente nos instrumentos técnicos (entrevistas, testes, observações, dinâ-

micas de grupos, escuta e intervenções verbais) que se configurem como métodos e técnicas

psicológicas para a coleta de dados, estudos e interpretações de informações a respeito da

pessoa ou grupos atendidos” (p. 4).

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capítulo 1 • 25

Finalmente, há que se entender que por ser a Psicologia no Judiciário um campo de

interlocução entre duas áreas de conhecimento distintas, regulamentadas, a relação en-

tre elas deve ser da ordem da horizontalidade e da complementaridade sem assujeita-

mento de uma sobre a outra.

Nesse sentido, cabe aos profissionais do Direito, bem como os da Psicologia, colocar

sempre em análise tanto as encomendas quanto as demandas que lhes são endereçadas.

LEITURA

COMBRA, Cecilia; AYRES, Lygia, NASCIMENTO, Maria Lívia (orgs.) PIVETES: Encontros entre a Psicologia

e o Judiciário. Curitiba: Juruá, 2008.

BRITO, Leila MT. “Anotações sobre a Psicologia Jurídica”. In: Psicologia Ciência e Profissão. CFP: Brasília,

v. 32, 2012.

BRITO, Leila MT (org.) Temas de Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

RESUMO

Neste capítulo, você conheceu um pouco da Psicologia, ciência que nasceu no início do século XX influen-

ciada pela Filosofia, Fisiologia, Medicina e por outras áreas do conhecimento como a Antropologia, com o

propósito de conhecer, explicar e modificar os comportamentos e os sentimentos humanos.

Aprendeu também que o encontro da Psicologia com o Direito ocorreu por volta dos anos 1940, no Brasil,

sendo a produção de laudos sua maior demanda. Atualmente, vem ocupando outros espaços no Judiciário,

dando voz e visibilidade àqueles que ali aportam.

ATIVIDADE

1. Com relação à produção escrita (laudos ou pareceres) elaborada pelos psicólogos no universo do judi-

ciário é correto afirmar que:

a. Essa produção deve apontar, conclusivamente, uma alternativa de encaminhamento à demanda solicitada.

certo errado

b. Essa produção deve considerar os discursos e as percepções do demandado.

certo errado

2. No que tange à atuação do psicólogo, no contexto prisional, julgue as afirmativas abaixo:

a. O profissional de Psicologia que atua no sistema prisional deve entender a complexidade das questões

relacionadas ao encarceramento e promover a construção da cidadania em detrimento da primazia da

segurança e da vingança social.

certo errado

b. Em caso de perícias de processos penais, o estudo do delito é secundário, sendo o indivíduo que co-

meteu o delito o foco principal.

certo errado

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26 • capítulo 1

3. De acordo com a matriz sócio-histórica da Psicologia, é correto afirmar com relação ao sujeito:

a. a história de vida do indivíduo não é importante na construção de sua singularidade.

b. as experiências da primeira infância são decisivas na formação da identidade do indivíduo.

c. o indivíduo é um ser social em constante interação com as relações sociais, econômicas e políticas.

d. na constituição do sujeito não há articulação entre dimensões pessoais e coletivas.

e. nenhuma das respostas acima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, Katia de Souza et al. (orgs.) Rede de significações e o estudo do desenvolvimento humano. Porto Alegre:

Artmed, 2004.

BAPTISTA, Luis Antônio. A fábrica de interiores: a formação psi em questão. Niterói: EDUFF, 2000.

BARDIN, L. Análise do conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.

BOCK, A.M. Psicologias: Uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1997.

BOCK, A. M 1ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia. In: Jornal do Psicólogo, 10, 2000.

BRITO, LMT. “Rumos e rumores da Psicologia Jurídica”. In: A.M. Jacó-Vilela; D. MANCEBO (Org.). Psicologia Social:

abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. Rio de janeiro: EdUerj, 1999.

Conselho Federal de Psicologia. (2003). Resolução CFP nº 007/2003. Institui o Manual de Elaboração de

Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica, e revoga a Resolução CFP nº

17/2002. Brasília, DF.

Conselho Federal de Psicologia. (2005). Resolução CFP nº 010/05. Aprova o Código de Ética do Profissional

Psicólogo. Brasília, DF.

COIMBRA, Cecilia B. Guardiães da ordem: uma viagem pelas práticas Psi no Brasil do “Milagre”. Rio de Janeiro:

Oficina do Autor, 1995.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,1979.

FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

FRANÇA, Fátima. Reflexões sobre Psicologia Jurídica e seu panorama no Bras. Psicologia: Teoria e Prática. São

Paulo, v. 6, n. 1, p. 73-80,2004.

HEIDER, Fritz. The Psychology of Interpersonal Relations. New York: Wiley, 1958.

GUATTARI, F; ROLNIK, Sueli. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.

LEVY, Andre. O vínculo entre historia individual e historia coletiva. Série Documenta ano III nº 6 Rio de Janeiro,

Programa EICOS, UFRJ. 1995.

MIRANDA, JR. H.C. “Psicologia e Justiça — A Psicologia e as Práticas Judiciárias na construção do Ideal de Justiça”.

In: Revista Psicologia Ciência e Profissão, CFP, Brasília, 1998.

MIRA Y LOPEZ, E. Manual de Psicologia Jurídica. 2. ed. São Paulo: Impactus, 2008.

SILVA, Denise Maria Perissini da. “Psicologia Jurídica, uma ciência em expansão”. Psique Especial Ciência & Vida, São

Paulo, ano I, n. 5, p. 06-07, 2007.

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Noções introdutórias de Psicologia

stella aranha

12

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28 • capítulo 2

2 Noções introdutóriasde Psicologia

De acordo com o psicólogo institucional JoséBleger, em seu livro Psico-

logia da Conduta, existem três mitos filosóficos que influenciaram as

CiênciasHumanas sobre a formação do Homem. São eles:

O MITO DO HOMEM NATURAL

O homem tem uma “essência original” que é boa, mas

por influência da sociedade, essas qualidades se per-

deriam, se manifestariam ou seriam modificadas.

O MITO DO HOMEM ISOLADO

Propõe o homem como ser isolado, não social, que,

aos poucos, desenvolve a necessidade de relacionar-

se com os outros indivíduos.

O MITO DO HOMEM

ABSTRATO

O homem é um ser cujas características independem

de suas situações de vida.

Nosso ponto de vista, neste livro, será o de que o homem não deve

ser visto como natural, porque ele apresenta características históricas e

não pode ser analisado como um ser isolado, porque se torna humano

na sua relação com a sociedade. Além disso, não deve ser considerado

abstrato porque ele é um conjunto de suas relações sociais.

Vamos, agora, compreender como nos constituímos como indivíduos.

A formação do indivíduo

Vamos começar com uma frase para pensarmos:

“[...] Cada indivíduo aprende a ser um homem.” (LEONTIEV, 2004, p. 285)

O que este autor estaria querendo dizer com esta afirmativa? Acredi-

tamos, com base nessa colocação, que nossa natureza é social, isto é, o

ser humano não está só frente ao mundo que o cerca. Por exemplo, uma

criança entra em relação com os fenômenos do mundo por intermédio

de outras pessoas, ou seja, em um processo de comunicação com elas,

em vários momentos históricos.

Viver com outros humanos é uma condição para se humanizar e se

individualizar. Essa condição implica no aprendizado de várias situações

que vão além daquilo que poderíamos realizar sozinhos. É na sociedade

AUTOR

José Bleger

José Bleger (1923-1972) foi um psi-

quiatra e psicanalista argentino. Ele

nasceu em Ceres, Santa Fe. Militava

no Partido Comunista. Se separaram

quando ele publicou seu livro Psicaná-

lise e Materialismo Dialético. É um dos

principais autores da Escola Psicanalí-

tica da Argentina. Em 1959, ele come-

çou a ensinar no curso de Psicologia

,da Universidade de Buenos Aires, no

primeiro programa inserido sobre Psi-

canálise nas Universidades Argentinas.

CONCEITO

Ciências Humanas

As Ciências Humanas ou Humanidades

são conhecimentos criteriosamente or-

ganizados em áreas científicas e que tra-

tam dos aspectos do ser humano como

indivíduo e como ser social, tais como

Sociologia, Ciência Política, Antropologia,

História, Linguística, Pedagogia, Econo-

mia, Administração, Comunicação Social,

Contabilidade, Geografia, Direito, Arque-

ologia, Psicologia, Relações Internacio-

nais, entre outras. (Disponível em http://

pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAncias_

humanas Acesso em 7 set.2014)

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capítulo 2 • 29

que temos a oportunidade de entrarmos em contato com a cultura. É por

meio de nossas relações sociais que vamos construindo nossa identidade,

desenvolvendo aptidões, aprendendo a usar qualquer ferramenta ou ob-

jeto cultural, criando pertencimento à determinada sociedade.

Desde o nascimento, os seres humanos vivem em curso de interação

com os seus semelhantes denominado processo de interaçãosocial. E é

com base nessa interação que vai sendo construído o processo de sociali-

zação. O indivíduo adquire padrões de comportamento que são habituais

e aceitos nos seus grupos sociais. É nessa situação que aprendemos a ser

membros de uma família, de uma comunidade ou de um grupo maior.

Esse processo começa na infância e nos acompanha por toda a vida.

A cultura do meio em que o indivíduo vive influencia as característi-

cas do seu comportamento, suas atitudes, seus valores, seus motivos. A

família, no início deste desenvolvimento, é o maior agente socializante

deste indivíduo, que é multideterminado.

Contudo, como ocorre o desenvolvimento humano?

Desenvolvimento humano

Quando falamos “Essa menina está tão grande! Ela está bem desenvol-

vida!”, será que nos referimos ao desenvolvimento ou ao crescimento

físico? Se você respondeu “crescimento físico”, acertou. Já o psicólogo,

ao falar de desenvolvimento, considera os aspectos biológicos, emocio-

nais, intelectuais e sociais.

Desenvolvimento é um processo que tem início na concepção e só

termina com a morte. O estudo do desenvolvimento humano é o conhe-

cimento da história do homem desde o seu nascimento (mesmo antes

dele), até a sua morte. Na verdade, é compreender o que ocorre em cada

idade, cada fase da vida.

Os psicólogos do desenvolvimento estudam a interação entre os pa-

drões biologicamente pré-determinados e um ambiente dinâmico, em

constante mudança. Mas, quais seriam os fatores importantes para o

desenvolvimento humano? Os fatores básicos são dois: a hereditarie-

dade e o ambiente. A hereditariedade é formada pela composição ge-

nética do indivíduo que influencia o crescimento e o desenvolvimento

ao longo da vida. O ambiente pode ser constituído das influências dos

familiares, das amizades, a educação, a nutrição e todas as experiên-

cias as quais as pessoas estão expostas.

Ainda resta uma dúvida, como e em que medida hereditariedade e

ambiente produzem efeitos no indivíduo? Essa pergunta foi proposta

pela primeira vez como uma questão que opunha natureza X ambien-

te. Os psicólogos, atualmente, concordam que tanto a hereditariedade

como o ambiente produzem padrões de desenvolvimento específicos.

Ninguém está livre das influências ambientais, mas também não cresce

CONCEITO

Interação social

É o processo que se dá entre dois ou

mais indivíduos, em que a ação de um

deles é, ao mesmo tempo, resposta

para o outro indivíduo e estímulo para

as ações deste. As ações de um são, ao

mesmo tempo, resultado e causa das

ações do outro. (BRAGUIROLLI, E.M. et

al. Psicologia geral. Rio de Janeiro: Vo-

zes, 2002. p. 60)

MULTIMÍDIA

Guerra do Fogo

Sinopse: a reconstituição da pré-histó-

ria, tendo como eixo a descoberta do

fogo. A saga de uma tribo e seu líder,

Naoh, que tenta recuperar o precioso

fogo recém-descoberto e já roubado.

Em pântanos e neve, Naoh encontra três

outras tribos, cada uma em um estágio

diferente de evolução, caminhando para

a atual civilização em que vivemos.

O enigma de Kaspar Hauser

Sinopse: baseando-se em registros his-

tóricos, Herzog conta o estranho caso

de Kaspar Hauser, um jovem encontra-

do perdido numa praça em 1828. Ele

não falava e não conseguia ficar em pé.

Passara a vida inteira trancado num po-

rão. Seria possível civilizá-lo?

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30 • capítulo 2

sem ser afetado pela bagagem genética. Esse debate sobre as influências

desses dois fatores permanece com diferentes abordagens e teorias que

enfatizam, em maior ou menor grau, a hereditariedade ou o ambiente.

Algumas teorias do desenvolvimento enfatizam o papel da apren-

dizagem no desenvolvimento; outras, o papel da hereditariedade e da

maturação, produzindo modificação no desenvolvimento. Embora as

teorias expressem diferenças, os psicólogos do desenvolvimento con-

cordam com alguns fatores. Os fatores genéticos fornecem o potencial

para que os comportamentos emerjam ou não. Os fatores ambientais,

por sua vez, permitem que as pessoas alcancem as capacidades que sua

base genética permitir.

Os psicólogos do desenvolvimento usam diversas abordagens para

determinar as influências dos diferentes fatores no comportamento.

O estudo do desenvolvimento humano é muito importante para várias

questões jurídicas que devem ser avaliadas a partir da etapa do desen-

volvimento em que o indivíduo se encontra. Por exemplo, o Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA) pressupõe certo entendimento sobre a

infância e a adolescência; o Estatuto do Idoso abrange sujeitos que estão

em outro ciclovital, com características específicas; e, o Código Penal

está fundamentado em questões da maioridade.

LEITURA

Estatuto da Criança e do Adolescente — Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm Acesso em 7de

setembro de 2014.

Estatuto do idoso — Lei nº 10.741 de 03 de outubro de 2003. Disponível em http://

www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm Acesso em 07 set. 2014.

Sem a presunção de esgotar o tema, e muito menos de afirmar que

esta ou aquela teoria é a melhor ou a mais completa para explicar o desen-

volvimento humano, apresentaremos algumas abordagens que nos pare-

cem ser interessantes para a utilização em análises jurídicas, nesta área.

Freud (já apresentado no capítulo anterior), no início do século

XX, realizou estudos sobre o desenvolvimento humano, que geraram

polêmica no meio científico. Para esse autor, os primeiros anos de

vida são fundamentais na formação da personalidade. De acordo

com Freud, é a partir da infância que se estrutura a vida adulta, tanto

para a saúde mental e adaptação como para o comportamento pato-

lógico. Para ele, o ser humano passa por diferentes estágios, no seu

desenvolvimento, que são marcados pela evolução da sua psicosse-

xualidade. Mas, o que é essa psicossexualidade? Há, em todos nós,

uma energia psíquica de natureza sexual denominada, por Freud, de

libido. Em cada estágio do desenvolvimento há certa quantidade des-

ta energia, que está ligada a uma zona corporal específica.

LEITURA

Influências

PORTAL EDUCAÇÃO. Influências da

hereditariedade e o ambiente para o

indivíduo.

Disponível em: http://www.portaleduca-

cao.com.br/psicologia/artigos/27318/

influencias-da-hereditariedade-e-o-am-

biente-para-o-individuo. Acesso em 07

set. 2014.

CONCEITO

Ciclo vital

Compreende o nascimento, o cresci-

mento, a maturidade, a velhice e a morte

dos organismos.

Disponível em http://www.sobiologia.

com.br/conteudos/Glossario/c.php

Acesso em 07 set. 2014.

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capítulo 2 • 31

Ao ocorrer um trauma, seja ambiental, constitucional, ou ambos, o

desenvolvimento ficaria fixado nesta etapa. Esta energia participará de

todos os aspectos da vida da pessoa: profissional, afetivo, religioso etc.

A forma como este desenvolvimento ocorreu nos primeiros anos de vida

será determinante no modo como o adulto irá se relacionar com o am-

biente. De acordo com Freud, a cada estágio do desenvolvimento corres-

ponde um padrão de comportamento. Quando, na idade adulta, a pessoa

apresenta aspectos libidinosos de alguma fase anterior, que deveria estar

superada sob o ponto de vista do desenvolvimento, chamamos de fixação

da libido. Essa teoria afirma que frente a uma frustração, o indivíduo re-

gride a essa etapa do desenvolvimento, buscando alívio ou solução para

aquela situação.

LEITURA

SANDIM, Emerson Odilon. A importância das fases psicossexuais do desenvolvi-

mento infantil, segundo Freud, para melhor proteger o psiquismo da criança e do

adolescente. Exegese psicanalítica propiciadora de completa efetividade ao art. 17,

do ECA. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, nº 2824, 26 mar. 2011. Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/18760>. Acesso em 6 set. 2014.

Um dos seguidores da Escola criada por Freud (Psicanálise), Erik

Erikson destacou a importância da sociedade para o desenvolvimento

humano. Para Freud, como já vimos, as primeiras experiências na in-

fância moldam o indivíduo; para Erikson, o desenvolvimento continu-

aria por toda a vida e seria influenciado pela sociedade. Sendo assim, o

desenvolvimento para Erikson tem um aspecto psicossocial e está di-

vidido em oito estágios durante o ciclo vital. Cada estágio envolve uma

crise que surge de acordo com a maturação do indivíduo e que deve ser

resolvida de forma satisfatória para um desenvolvimento saudável.

ESQUEMA DE DESENVOLVIMENTO DE ERIK ERICKSON

Confiança X Desconfiança (até um

ano de idade)

Durante o primeiro ano de vida, a criança é subs-

tancialmente dependente das pessoas que cuidam

dela, requerendo cuidado quanto à alimentação, hi-

giene, locomoção, aprendizado de palavras e seus

significados, bem como estimulação para perceber

que existe um mundo em movimento ao seu redor.

O amadurecimento ocorrerá de forma equilibrada

se a criança sentir que tem segurança e afeto, ad-

quirindo confiança nas pessoas e no mundo.

AUTOR

Erik Erickson

Psicanalista de origem alemã, Erik

Homburger Erikson nasceu a 15 de

junho de 1902, no início do século,

em Frankfurt, na Alemanha. Erikson

concebe oito estágios de desenvolvi-

mento, cada um deles confrontando o

indivíduo com as suas próprias exigên-

cias psicossociais, que prossegue até

a terceira idade. O desenvolvimento da

personalidade, segundo Erikson, atra-

vessa uma série de crises que têm de

ser ultrapassadas e interiorizadas pelo

indivíduo como preparação para o está-

gio seguinte de desenvolvimento. Erik-

son morreu em maio de 1994 deixando

um legado teórico vasto. Disponível em:

http://www.infopedia.pt/$erik-erikson.

Acesso em 10 out. 2014.

LEITURA

MELO, M. A. S. Teoria do desenvolvi-

mento psicossocial em Erikson. Dis-

ponível em: https://psicologado.com/

psicologia-geral/desenvolvimento-hu-

mano/teoria-psicossocial-do-desenvol-

vimento-em-erik-erikson. Acesso em 07

set. 2014.

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32 • capítulo 2

Autonomia X Vergonha e Dúvida (segundo e

terceiro ano)

Neste período, a criança passa a ter controle de suas necessidades fisiológi-

cas e a responder por sua higiene pessoal, o que dá a ela grande autonomia,

confiança e liberdade para tentar novas coisas sem medo de errar. Se, no en-

tanto, for criticada ou ridicularizada desenvolverá vergonha e dúvida quanto a

sua capacidade de ser autônoma, provocando uma volta ao estágio anterior,

ou seja, a dependência.

Iniciativa X Culpa (quarto e quinto ano)

Durante este período, a criança passa a perceber as diferenças sexuais, os

papéis desempenhados por mulheres e homens na sua cultura (conflito edi-

piano para Freud) entendendo de forma diferente o mundo que a cerca. Se a

sua curiosidade “sexual” e intelectual, natural, for reprimida e castigada, poderá

desenvolver sentimento de culpa e diminuir sua iniciativa de explorar novas

situações ou de buscar novos conhecimentos.

Construtividade X Inferioridade (dos 6

aos 11 anos)

Neste período, a criança está sendo alfabetizada e frequentando a escola,

o que propicia o convívio com pessoas que não são seus familiares, o que

exigirá maior sociabilização, trabalho em conjunto, cooperatividade, e outras

habilidades necessárias. Caso tenha dificuldades, o próprio grupo irá criticá

-la, passando a viver a inferioridade em vez da construtividade.

Identidade X Confusão de Papéis (dos 12 aos

18 anos)

O quinto estágio ganha contornos diferentes devido à crise psicossocial que

nele acontece, ou seja, Identidade Versus Confusão. Neste contexto, o termo

crise não possui uma acepção dramática por tratar-se de algo pontual e locali-

zado com polos positivos e negativos.

Intimidade X Isolamento (jovem

adulto)

Neste momento, o interesse, além de profissional, gravita em torno da cons-

trução de relações profundas e duradouras, podendo vivenciar momentos de

grande intimidade e entrega afetiva. Caso ocorra uma decepção, a tendência

será o isolamento temporário ou duradouro.

Produtividade X Estagnação (meia

idade)

Pode aparecer uma dedicação à sociedade à sua volta uma realização de va-

liosas contribuições, ou grande preocupação com o conforto físico e material.

Integridade X Desesperança

(velhice)

Se o envelhecimento ocorre com sentimento de produtividade e valorização

do que foi vivido, sem arrependimentos e lamentações sobre oportunidades

perdidas ou erros cometidos haverá integridade e ganhos, do contrário, um

sentimento de tempo perdido e a impossibilidade de começar de novo trará

tristeza e desesperança.

Disponível em https://psicologado.com/psicologia-geral/desenvolvimento-humano/teoria-psicos-

social-do-desenvolvimento-em-erik-erikson

Acesso em 10 out. 2014.

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capítulo 2 • 33

A contribuição mais importante, na teoria de Erikson, foi o seu estudo sobre a ado-

lescência e a construção de sua identidade. O desenvolvimento de suas ideias forma,

até os dias atuais, o fundamento para muitos autores na área da infância e juventude

fazerem uma leitura sobre o adolescente em conflito com a lei. Várias são as teorias do

desenvolvimento e vários são os aspectos enfatizados em cada uma delas. Não há uma

teoria melhor ou mais completa. O que temos são teorias em razão das Escolas nas quais

os autores desenvolveram seus estudos.

Você deve estar perguntando, neste momento, “qual teoria utilizar quando estiver traba-

lhando em um processo que requeira uma justificativa fundamentada no desenvolvimento

humano?”. Assim como os psicólogos, os profissionais de outras áreas fazem uma escolha

em relação à teoria que mais se adéqua à sua compreensão sobre o ser humano. O ideal,

neste caso, é que você busque um auxílio especializado para a realização desse documento.

No entanto, é importante que você tenha, pelo menos, noções sobre o desenvolvimento,

entendendo que cada estágio é formado por um período de tempo que é definido por um

conjunto de características físicas, emocionais, intelectuais e sociais, que são desenvolvi-

das e assimiladas de forma diferente e única por cada pessoa.

Alguns autores da Psicologia Geral e do Desenvolvimento, como Holmes (1977), Bee

(1997) e Tyson (1993), citados por Trindade (2007), dividiram os estágios do desenvolvi-

mento e descreveram as características de cada etapa, segundo aspectos físicos, intelectu-

ais, sociais e emocionais. Acreditamos que seja um material importante para o seu apren-

dizado, nesta área, e vamos apresentá-lo a seguir:

Estágio pré-natal (concepção até

nascimento)

Formação da estrutura e órgãos corporais básicos. O crescimento físico é mais

rápido do que nos demais períodos, havendo grande vulnerabilidade às influên-

cias ambientais.

Primeira infância (nascimento até 3

anos)

O recém-nascido é dependente, porém competente. Todos os sentidos fun-

cionam a partir do nascimento, sendo rápidos o crescimento físico e o de-

senvolvimento das habilidades motoras. A compreensão e a linguagem de-

senvolvem-se velozmente. O apego aos pais e a outras pessoas familiares vai

se alicerçando, e a autoconsciência se estabelece em torno do segundo ano.

Posteriormente, o interesse por outras crianças aumenta.

Segunda infância(3 a 6 anos)

As forças e as habilidades motoras simples e complexas aumentam. Embora a

compreensão da perspectiva dos outros vá aumentando progressivamente, o

comportamento continua predominantemente egocêntrico. A imaturidade cog-

nitiva leva a muitas ideias ilógicas acerca do mundo, expandindo-se através do

brincar, da criatividade e da imaginação, que se tornam mais elaborados. A inde-

pendência, o autocontrole e os cuidados próprios aumentam. A família ainda é o

núcleo da vida, embora outras crianças comecem a se tornar importantes.

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34 • capítulo 2

Terceira infância (6 a 12 anos)

O crescimento físico não é tão intenso como no período anterior, mas a aqui-

sição de habilidades físicas aumenta e se aperfeiçoa. O egocentrismo diminui,

e o pensamento organiza-se de modo mais lógico, embora ainda permaneça

predominantemente concreto. A memória e as habilidades de linguagem au-

mentam. Os ganhos cognitivos são cumulativos e permitem um melhor apro-

veitamento da educação formal. A autoimagem aperfeiçoa-se, afetando a au-

toestima, e os amigos assumem importância fundamental, fazendo progredir o

processo de socialização.

Adolescência (12 a 20 anos)

As mudanças físicas são rápidas e profundas. Atinge-se a maturidade re-

produtiva. Desenvolve-se a capacidade de pensar abstratamente e de usar o

pensamento científico. Nessa etapa, a busca de identidade constitui um fator

primordial, justificando a vida em grupos de iguais, a adoção de modelos e de

comportamentos estandardizados, que facilitam o caminho da identificação.

Jovem adulto (20 a 40 anos)

Como regra, a saúde física atinge o apogeu, decaindo ligeiramente nos anos

posteriores. As habilidades cognitivas assumem maior complexidade. As deci-

sões sobre relacionamentos ocupam o cenário principal, assim como a escolha

vocacional e laboral devem encontrar melhor definição.

Meia-idade (40 a 60 anos)

Ocorre uma relativa deterioração da saúde física e inicia o declínio da re-

sistência e da perícia das habilidades. Em geral, a capacidade de resolução

de problemas práticos é acentuada pela experiência e sabedoria. Porém,

a capacidade de resolver novos problemas declina. O senso de identidade

continua a se desenvolver, com a dupla responsabilidade de cuidar dos

filhos e de pais idosos, fato que pode ser fonte de preocupações e de

estresse. A partida dos filhos devolve o casal a si mesmo, podendo gerar

sentimentos de vazio ou abandono. Para alguns, o sucesso na carreira e

os ganhos atingem o ponto mais elevado, enquanto outros podem experi-

mentar um esgotamento profissional. A busca pelo sentido da vida assume

importância fundamental, podendo sobrevir a denominada crise da meia-i-

dade, geralmente associada à consciência do tempo e da finitude.

Terceira idade (60 anos em diante)

A maioria das pessoas se mantém saudável e ativa, embora a saúde e a

capacidade física apresentem tendência ao declínio. O retardamento do

tempo de reação afeta muitos aspectos do funcionamento cognitivo, e a

inteligência e a memória podem apresentar sinais de deterioramento em

algumas áreas, levando à busca por modos alternativos de compensação.

A aposentadoria pode criar mais tempo para o lazer, mas pode também

significar diminuição da renda econômica, decrescendo ainda a capacidade

laborativa. Nessa etapa, costuma haver o enfrentamento de algumas per-

das e se agudiza a ideia de finitude.

Disponível em: http://direitonoturnoicec.files.wordpress.com/2012/05/material-de-psicologa1.pdf

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capítulo 2 • 35

Agora que já conhecemos um pouco o nosso desenvolvimento, va-

mos passar para um tema que é sempre atraente para qualquer área do

conhecimento: o estudo da personalidade.

Personalidade

Todos nós ouvimos, lemos e usamos, muitas vezes, a palavra persona-

lidade. Geralmente, falamos: “Fulano tem uma personalidade forte.” e

“Fulana, coitada, não tem personalidade”. Mas será que empregamos

esse termo como o psicólogo estuda e entende? Existem vários signifi-

cados para a palavra personalidade, dependendo do campo de estudo

em que ela esteja sendo usada, por exemplo, no Direito, na Filosofia, na

Teologia, na Sociologia, na Psicologia etc.

LEITURA

LEITE, Gisele Pereira Jorge. “A questão da personalidade jurídica”. In: Âmbito Jurídico,

Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/

index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10384. Acesso em set. 2014.

Vamos, então, entender o que o psicólogo considera personalida-

de e como ele a avalia. Primeiro, vejamos a origem da palavra. A pala-

vra personalidade parece ter se originado de persona. Este era o nome

dado à máscara que os atores do antigo teatro romano usavam para re-

presentar seus papéis. Você deve estar percebendo que, pela origem da

palavra, estamos falando de aparência externa da pessoa, assim como

falamos no início do Fulano e da Fulana. Para os psicólogos, de uma

forma geral, a personalidade pode ser definida como um padrão de

características duradouras que produzem consistência nas atitudes,

comportamentos e individualidade. Explicando melhor, nossa perso-

nalidade é única e nos diferencia dos outros.

Para Trindade (2009, p. 64), “personalidade é um conjunto biopsicossocial

dinâmico que possibilita a adaptação do homem consigo mesmo e com o

meio, numa equação de fatores hereditários e vivenciais”.

Você deve estar percebendo que, assim como o nosso desenvolvimento,

nossa personalidade recebe influências do meio e de nossa bagagem gené-

tica. Nossa personalidade, então, está em contínua transformação, funda-

mentada em uma construção que tem início com a vida, se modificando e

se aperfeiçoando ao longo do desenvolvimento. Não é um grupo de caracte-

rísticas adquiridas a partir do nascimento, que não se transformam. Como

outra área da Psicologia que já vimos (Psicologia do Desenvolvimento), o

estudo da personalidade, pela Psicologia, inclui várias abordagens. Para o

MULTIMÍDIA

Olha quem está falando

Sinopse: Mollie está procurando o pai

ideal para seu filho, Mikey, e encontra

James Ubriacco (John Travolta), um ta-

xista que parece ser perfeito (pois esta-

va em cena quando entrou em trabalho

de parto) para ela e Mikey, que, apesar

de ser um bebê, é um observador cínico

e sarcástico do mundo.

CONCEITO

Personalidade

Do latim, personare, persona = ressoar,

máscara. Do latim, per se esse = ser por

si. É um termo abstrato utilizado para

descrever e dar uma explicação teórica

do conjunto de peculiaridades de um

indivíduo que o caracterizam e diferen-

ciam dos outros.

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36 • capítulo 2

profissional da área do Direito, é importante um conhecimento geral des-

tes estudos, para que, em um trabalho interdisciplinar, este profissional

possa entender o que o psicólogo está interpretando e, desta forma, possa

utilizar melhor esse conhecimento em suas argumentações.

Para que você se familiarize, segue um resumo das principais abor-

dagens sobre personalidade na Psicologia, tomando como base as cor-

rentes já mencionadas no Capítulo 1.

Abordagens psicodinâmicas da personalidade

Essas abordagens se baseiam na ideia de que a personalidade é forma-

da por forças e conflitos internos sobre as quais as pessoas têm pouco

conhecimento e, consequentemente, sobre os quais têm pouco con-

trole. Lembra-se da teoria do desenvolvimento psicossexual? Pois é, o

mais importante e pioneiro nesta abordagem foi Freud. Para ele, nossa

experiência consciente é apenas uma pequena parte de nossa estrutu-

ra de personalidade. A maior parte de nosso comportamento é moti-

vada pelo inconsciente, que é uma fração de nosso mundo psíquico.

Além disso, temos o pré-consciente contendo situações que não são

ameaçadoras e, por isso, chegam facilmente à consciência.

Freud descreveu a estrutura da personalidade em três componen-

tes que são apresentados, de forma didática, em separado, mas são

interativos e relacionados a aspectos conscientes e inconscientes.

São eles: Id, Ego e Superego. Eles são conceitos abstratos que descre-

vem uma interação que motiva o nosso comportamento. Em linhas

gerais, e para não nos estendermos em apenas uma teoria, o Id é a

parte mais primitiva da personalidade, buscando o máximo de satis-

fação. O Ego busca equilibrar os desejos do Id e a realidade do mun-

do objetivo externo, mantendo o indivíduo em segurança e integrado

à sociedade. E o Superego representa o que é certo e errado em uma

sociedade, conforme o que foi apresentado pelo ambiente, que no

início do desenvolvimento está representado pela família, professo-

res e pessoas significativas para o indivíduo. Outros autores, dentro

desta abordagem, desenvolveram ou rejeitaram algumas ideias de

Freud, nesta área, dando origem a outras teorias.

Abordagens sóciocognitivas

Estas abordagens enfatizam a influência da cognição — pensamen-

tos, sentimentos, expectativas e valores — e da observação do com-

portamento de outras pessoas na determinação da personalidade.

Por exemplo, uma criança que vê uma pessoa importante na sua vida

se comportando de forma agressiva, tenderá a se comportar de for-

ma semelhante. Nessas teorias são desenvolvidos estudos, principal-

mente, sobre a autoeficácia e a autoestima.

CONCEITO

Cognição

É o ato ou processo da aquisição do

conhecimento que se dá por meio da

percepção, da atenção, memória, racio-

cínio, juízo, imaginação, pensamento e

linguagem.

Autoeficácia

Designa, em Psicologia, a convicção de

uma pessoa de ser capaz de realizar

uma tarefa específica.

Autoestima

Valorização que uma pessoa confere a

si própria, permitindo-lhe ter confiança

nos próprios atos e pensamentos.

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capítulo 2 • 37

Abordagens Humanistas

Os teóricos desta abordagem acreditam que a base da personalidade

está na habilidade humana consciente e automotivada de mudar e se

aprimorar. A bondade é inerente às pessoas, assim como a tendência

humana de buscar propósitos mais elevados. As pessoas têm uma ne-

cessidade fundamental de buscar a autorrealização. Esse processo pode

ser vitalício para alguns, e outros podem nunca alcançar. Outra neces-

sidade básica, nessas teorias, é o desejo de ser amado e respeitado. Um

aspecto importante, nessas abordagens, diz respeito à consideraçãopo-

sitivaincondicionalemrelaçãoaooutro.

Abordagens biológicas e evolucionistas

Essas abordagens sugerem que os componentes da personalidade são

herdados. A personalidade é determinada, em parte, pelos nossos ge-

nes. Complementando, as características da personalidade que tiveram

sucesso entre os nossos ancestrais apresentam mais chances de serem

preservadas e passadas para as próximas gerações. A importância dos

fatores genéticos, na personalidade, é demonstrada, nestas aborda-

gens, por meio dos estudos com gêmeos.

Alguns pesquisadores afirmam que existem genes específicos rela-

cionados à personalidade. Será que a identificação de genes ligados à

personalidade significa que estamos destinados a certos tipos de per-

sonalidade? É bem improvável, porque os genes interagem com o meio

produzindo novas interações. Certos aspectos da personalidade apre-

sentam componentes genéticos importantes, mas é a interação entre

fatores genéticos e ambiente que determina a personalidade.

Abordagem dos traços da personalidade

Você deve estar se perguntando, o que seriam traços e o que eles têm

a ver com a nossa personalidade. Traços, para os teóricos dessa abor-

dagem, seriam características do comportamento consistentes, que

aparecem em diferentes situações. Estes estudos buscam identificar

os traços básicos que formam a personalidade das pessoas. O grau em

que os traços se apresentam nas pessoas variam. O principal desafio,

para esses teóricos é identificar os principais traços predominantes

em nossa personalidade. Estes estudos explicam a personalidade em

termos de traços, mas diferem em termos de quais e quantos traços

são considerados mais flexíveis.

Uma das abordagens mais conhecidas nesta área de estudo é a

dos cinco traços ou fatores. Estes traços são: socialização/amabilida-

de, extroversão, realização/conscenciosidade, abertura para experi-

ências, e neuroticismo.

CONCEITO

Consideração positiva incondi-cional em relação ao outro

Ter uma experiência de consideração

positiva incondicional em relação a

outra pessoa significa aceitar caloro-

samente cada aspecto da experiência

desta pessoa. Significa não colocar

condições para a aceitação ou para a

apreciação desta pessoa. A conside-

ração positiva incondicional implica um

cuidado não possessivo, uma forma de

apreciar o outro como uma pessoa in-

dividualizada a quem se permite ter os

seus próprios sentimentos, suas pró-

prias experiências.

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38 • capítulo 2

LEITURA

LIMA, M.P. de; SIMÕES, A. A teoria dos cinco factores: Uma proposta inovadora ou apenas uma boa arru-

mação do caleidoscópio personológico? In: Análise Psicológica (2000), 2 (XVIII): 171-179. Disponível em:

http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v18n2/v18n2a03.pdf. Acesso em set. 2014.

Depois de estudarmos algumas abordagens em relação à personalidade, você deve es-

tar questionando: Qual dessas abordagens fornece o estudo mais completo sobre a perso-

nalidade? Dada a complexidade de nossa personalidade, cada estudioso tentou analisar a

personalidade sobre determinado ângulo, sobre um aspecto diferente, formador de nos-

sa personalidade. Se olharmos as abordagens em conjunto, perceberemos que, apesar de

analisarem aspectos diferentes, se complementam em suas colocações e nos mostram as

várias possibilidades de explicarmos a nossa personalidade.

E agora que já nos familiarizamos com alguns conceitos sobre a personalidade, cabe a

indagação: Como o psicólogo avalia a personalidade de uma pessoa? Você deve se lembrar

de como a Psicologia surgiu e quais os instrumentos utilizados pelo psicólogo para investigar

o seu objeto de estudo naquela época. Se você ainda não se recordou, vamos ajudá-lo: eram

instrumentos para medir e avaliar comportamentos específicos em laboratórios, que foram,

gradativamente, dando origem a novos instrumentos denominados testes psicológicos.

Os testes psicológicos são medidas criadas para avaliar o comportamento e a persona-

lidade utilizadas pelos psicólogos. Eles devem ter fidedignidade e validade. Mas, será que

podemos medir tudo o que somos? É lógico que não. No entanto, algumas características

podem ser avaliadas. Vejamos, resumidamente, com quais instrumentos o psicólogo pode

avaliar estas características:

ENTREVISTAS — podem ser mais ou menos estruturadas, consistindo em um diálogo que

possui um propósito definido.

ESCALAS DE AVALIAÇÃO GRÁFICA

— podem ser respondidas pela própria pessoa ou pelo avaliador; con-

sistem em um registro em determinado ponto do gráfico um julgamento

referente ao objeto de análise.

INVENTÁRIOS DE PERSONALIDADE

— são questionários bem extensos e minuciosos que o indivíduo responde

fornecendo informações sobre si mesmo; pode medir uma ou várias carac-

terísticas da personalidade.

TESTES PROJETIVOS

— caracterizam-se por respostas a estímulos pouco estruturados e bas-

tante ambíguos; o objetivo dos testes projetivos é a revelação de aspectos

inconscientes e profundos da personalidade.

TESTES SITUACIONAIS

— os psicólogos observam o comportamento do indivíduo numa situação

simulada da vida real.

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capítulo 2 • 39

A avaliação psicológica é feita com entrevistas e testes que embasam

as entrevistas finais de orientação psicológica, além de um relatório por

escrito. Este é um tema instigante, na Psicologia, e se você tiver interesse

em aprender um pouco mais não deixe de ler o texto de Carvalho, Bar-

tholomeu e Silva (2009).

LEITURA

CARVALHO, Lucas de Francisco; BARTHOLOMEU, Daniel; SILVA, Marjorie Cristina

Rocha da. Instrumentos para Avaliação dos Transtornos da Personalidade no Brasil. Aval.

Psicol., Porto Alegre, v. 9, n. 2, ago. 2010 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/

scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677=04712010000200013-&lng=pt&nrm-

iso>. Acesso em 14 set. 2014.

Psicologia social

No Capítulo 1, você teve contato com a Psicologia Social pelo viés da

matriz sócio-histórica. Podemos entender, também, a Psicologia Social

como um estudo das condutas humanas que são influenciadas por ou-

tras pessoas. Isto é, o seu objeto de estudo, somos nós mesmos, partici-

pando das mais variadas interações sociais. Como bem esclarece o psi-

cólogo social HelmutKrüger (1986, p. 1):

... o principal ponto de partida [...], neste setor [...]: são seres humanos en-

tregues às suas múltiplas atividades e afazeres desde de que de alguma

forma — seja direta e imediata ou ao contrário — haja como referência uma

outra pessoa ou grupo de pessoas.

Um dos principais temas de pesquisa da Psicologia Social é o das ati-

tudes sociais, que veremos a seguir.

Definição de atitudes sociais

Para o senso comum, atitude é sinônimo de comportamento. Por

exemplo: Fulana tomou uma atitude com relação ao seu chefe. Em ge-

ral, a atitude de tornar a situação clara é coerente com o comportamen-

to, por exemplo, de Fulana ir conversar com seu chefe. Você já deve ter

percebido que atitude é uma predisposição mental e comportamento

é a ação. Para ficar mais claro, podemos entender atitude como uma

organização duradoura de pensamentos e crenças (cognições), dota-

da de uma carga afetiva pró ou contra um objeto social que predispõe

o indivíduo para a ação. Os componentes das atitudes então serão: a

cognição, o afeto e o comportamento.

MULTIMÍDIA

Paprika

Sinopse: em um futuro próximo, o Dr.

Tokita (Tôru Furuya) inventa um pode-

roso aparelho chamado DC-Mini, que

torna possível o acesso aos sonhos

das pessoas.

AUTOR

Helmut Krüger

O professor Helmuth Krüger é formado

em Filosofia e em Psicologia, pela Uni-

versidade do Estado da Guabanabara

(atual UERJ), é mestre em Psicologia

Aplicada e doutor em Psicologia pela

Fundação Getúlio Vargas (FGV), e por

mais de vinte anos foi professor efetivo

da Universidade Federal do Rio de Ja-

neiro (UFRJ), Universidade do Estado

do Rio de Janeiro (UERJ) e Universi-

dade Gama Filho (UGF). Sem dúvidas

o Professor Krüger é um dos grandes

nomes da Psicologia nacional, além

de ter orientado uma grande geração

de pesquisadores da Psicologia social

comprometidos com a Ciência e a Ética

na Psicologia.

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40 • capítulo 2

Retornando ao nosso exemplo anterior, a atitude de Fulana de gostar

das situações esclarecidas tem origem nas suas experiênciassubjetivas,

que incluíram uma avaliação da situação, influenciando o seu compor-

tamento, que é ir conversar com seu chefe. As atitudes são construídas

ao longo da história de vida do sujeito. São aprendidas por meio da vi-

vência da pessoa, da imitação e da observação. Neste momento, torna-se

necessário apresentar o seguinte esclarecimento: conhecer, poder expli-

car e prever são acontecimentos ligados a variáveis ideológicas, políticas

e morais, que fazem parte de nossas atitudes. Agora, já podemos expli-

car preconceito, estereótipo e discriminação.

Preconceito, estereótipo e discriminação

Considera-se preconceito uma atitude que apresenta duas característi-

cas específicas: se forma sempre em torno de um núcleo afetivamente

negativo; e é dirigido contra um grupo de pessoas. Estamos falando de

preconceitos étnicos, religiosos, políticos, culturais, ideológicos e pro-

fissionais. Pela sua amplitude e gravidade, é de interesse social investi-

gar as suas causas e construir técnicas psicológicas como forma de pre-

venção, controle ou extinção.

Temos também os estereótipos que são colocações de certas ca-

racterísticas a pessoas pertencentes a determinados grupos sociais.

Os estereótipos podem ser definidos por atitudes positivas ou negati-

vas, em relação a estas pessoas. Comece a pensar em alguns estereó-

tipos positivos e negativos.

E, por fim, a discriminação, que é o comportamento que deriva do

preconceito e do estereótipo. Geralmente, a discriminação é negativa e

pode intensificar-se em situações de crise (política, econômica, social e

emocional). Mas por que razão existem estereótipos, preconceitos e dis-

criminações? Para a Psicologia, os estereótipos nos permitem simplificar

a realidade social. Por meio deles, reconhecemo-nos em determinado

grupo e nos diferenciamos de outros grupos. Sempre que nos sentimos

pertencentes a um grupo, desenvolvemos sentimentos de proteção com

quem nos identificamos, e de hostilidade e rejeição em relação aos dife-

rentes de nós. Como já vimos, a discriminação é o resultado dos dois fato-

res descritos, preconceito e estereótipo. Em cada cultura, em cada época,

existem diferentes formas de discriminação e diferentes grupos-vítimas

desta atitude. E o estigma? Qual a sua relação com todos estes conceitos?

Estigma

Na atualidade, segundo Goffman (1993), a palavra estigma representa

algo de mal, que deve ser evitado. Uma ameaça à sociedade. A sociedade

estabelece um modelo de categorias e tenta catalogar as pessoas de acor-

do com os atributos considerados naturais e comuns para ela. Alguém

CONCEITO

Experiências subjetivas

Experiências que se referem ao indiví-

duo (sujeito) ou fazem parte dele.

AUTOR

Goffman

Erving Goffman (Mannville, Alberta, 11

de junho de 1922 — Filadélfia, 19 de no-

vembro de 1982) foi um cientista social

e escritor canadense. Estudou a intera-

ção social no dia a dia, especialmente

em lugares públicos. Em Estigma — No-

tas sobre a manipulação da identidade

deteriorada, reexamina os conceitos de

estigma e identidade social, o alinha-

mento grupal e a identidade pessoal, o

eu e o outro, o controle da informação,

os desvios e o comportamento desviante,

abordando a “comunidade dos estigmati-

zados”, constituída por aqueles conside-

rados como “engajados numa espécie de

negação coletiva da ordem social” — bo-

êmios, delinquentes, prostitutas, ciganos,

malandros de praia, mendigos e até mes-

mo os músicos de jazz. Goffman tem um

importante papel na antipsiquiatria e no

movimento antimanicomial no Brasil gra-

ças à suas considerações sobre a função

social da psiquiatria em nossa sociedade.

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capítulo 2 • 41

que demonstra pertencer a uma categoria com atributos incomuns ou

diferentes e pouco aceitos pelo grupo social, ou em casos extremos, é

considerado mau e perigoso. Dessa forma, essa pessoa estigmatizada é

anulada quanto à sua produção técnica, científica e humana. A socieda-

de limita e delimita a ação do sujeito estigmatizado, marcando-o como

desacreditado e determinando os malefícios que pode causar. Quanto

mais visível for a “marca”, menor será a possibilidade de reverter esta

situação. E agora, chegamos aos conceitos de normalidade e anormali-

dade ou comportamento patológico.

Questionamentos sobre a noção de normalidade

Esta é uma discussão antiga e atual, ao mesmo tempo. As ideias e os cri-

térios de avaliação destes termos foram sendo construídas com base no

desenvolvimento científico, na cultura e nos comportamentos daqueles

que avaliam os indivíduos. Surge, então, uma questão: o conceito de

normal e patológico é relativo. Sob o ponto de vista cultural, o que em

uma sociedade é considerado normal, aceito e valorizado, em outra so-

ciedade, ou na mesma sociedade, em outro momento histórico, pode

ser considerado anormal, desviante ou patológico.

Alguns critérios são estabelecidos para caracterizar a normalidade,

no entanto, você não deve esquecer que eles dependem de opções filo-

sóficas, ideológicas e pragmáticas. Para ilustrar essa questão tão contro-

vertida, segue uma apresentação esquemática de como podemos esta-

belecer a normalidade.

NORMALIDADE COMO

AUSÊNCIA DE DOENÇA

O critério que se utiliza é de saúde como “ausência

de sintomas, de sinais ou de doenças. Normal, desse

ponto de vista, seria aquele indivíduo que simples-

mente não é portador de um transtorno mental de-

finido. A normalidade é estabelecida não por aquilo

que ela supostamente é, mas, sim, por aquilo que ela

não é, pelo que lhe falta.

NORMALIDADE “IDEAL”

É estabelecido arbitrariamente uma norma ideal, o

que é supostamente “sadio” e mais “evoluído”. Trata-

se de uma norma constituída e referendada social-

mente. Depende de critérios socioculturais e ideoló-

gicos arbitrários.

NORMALIDADE ESTATÍSTICA

É um conceito de normalidade que se aplica especial-

mente a fenômenos quantitativos, com determinada dis-

tribuição estatística na população geral — como peso,

altura, tensão arterial, horas de sono etc. O normal passa

a ser aquilo que se observa com maior frequência.

MULTIMÍDIA

A outra história americana

Sinopse: Derek Vinyard (Edward Nor-

ton), o carismático líder de uma gangue

que prega a supremacia racial branca,

está na prisão por cometer um brutal

assassinato. Depois de solto, envergo-

nhado pelo seu passado e empenhado

em mudar, Derek percebe que deve

salvar seu irmão Danny (Edward Fur-

long) do mesmo destino.

Crash — No limite

Sinopse: Crash é um filme que mostra o

preconceito das pessoas escancarada-

mente. O filme provoca reações bastante

diversas e intrigantes, porém bem realis-

ta no mundo atual globalizado. A maioria

das cenas gira em torno dos preconcei-

tos racial, econômico, sexual e social. O

filme tem representantes dos grupos

étnicos mais diversos. Tem negros, bran-

cos, asiáticos e latino-americanos.

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42 • capítulo 2

NORMALIDADE COMO BEM-

ESTAR

Determinada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É um conceito

criticado por ser muito vasto e muito impreciso. Bem-estar é algo difícil de

definir objetivamente.

NORMALIDADE FUNCIONAL

O disfuncional provoca sofrimento para o indivíduo e para o seu grupo social.

NORMALIDADE COMO

PROCESSO

Leva em conta aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, orga-

nizações e reorganizações ao longo do tempo, crises e mudanças próprias

dos períodos do desenvolvimento.

NORMALIDADE SUBJETIVA

Percepção subjetiva do indivíduo em relação a sua saúde e vivências subjetivas.

NORMALIDADE COMO

LIBERDADE

Propõe conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial.

A saúde mental estaria vinculada às possibilidades de transitar, com graus

distintos de liberdade, sobre o mundo e sobre o próprio destino.

NORMALIDADE OPERACIONAL

É um critério assumidamente arbitrário. Define-se o que é normal e patoló-

gico inicialmente, e busca-se trabalhar com tais conceitos.

A discussão sobre normalidade revela o poder que a ciência tem de, com base em diagnósti-

co de um especialista, fundamentado em algum critério, no caso da Medicina ou da Psicologia,

estabelecer o destino da pessoa rotulada, estigmatizada. Esse poder está fundamentado em co-

nhecimentos polêmicos, porque em outros momentos históricos, na mesma sociedade ou em

outras sociedades, não são considerados anormais.

A Organização Mundial de Saúde — OMS — afirma que não existe definição “oficial”

de saúde mental. As diferenças culturais, os julgamentos subjetivos e as diferentes teorias

com relação a este tema afetam o modo como a “saúde mental” é definida. Saúde mental é

um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional (Secre-

taria da Saúde do Governo do Paraná. Disponível em http://www.saude.pr.gov.br/modules/

conteudo/conteudo.php?conteudo=1059. Acesso em 10 out. 2014.

A saúde mental pode incluir a capacidade de um indivíduo para apreciar a vida e procurar um equi-

líbrio entre as suas atividades e os seus esforços para atingir a resiliência psicológica. Admite-se,

entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de transtornos mentais.

Os seguintes itens foram identificados como critérios de saúde mental:

1. Atitudes positivas em relação a si próprio;

2. Crescimento, desenvolvimento e autorrealização;

3. Integração e resposta emocional;

4. Autonomia e autodeterminação;

5. Percepção apurada da realidade;

6. Domínio ambiental e competência social.

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capítulo 2 • 43

Secretaria da Saúde do Governo do Paraná. Disponível em http://www.saude.pr.gov.br/modu-

les/conteudo/conteudo.php?conteudo=1059. Acesso em 10 out. 2014.

CONCEITO

Resiliência psicológica

A resiliência é um conceito psicológico emprestado da Física, definido como a capacidade de o indivíduo

lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas — choque, estresse

etc. — sem entrar em surto psicológico. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Resili%C3%AAncia_

(psicologia). Acesso em 10 out. 2014.

No que diz respeito à doença mental, a polêmica persiste. Em Psiquiatria e em Psico-

logia prefere-se falar em transtornos ou perturbações ou disfunções ou distúrbios psíqui-

cos no lugar de doença. Transtorno revela um conceito que descreve um comportamento

diferente. A este termo são acrescentadas as palavras mental, psíquico e psiquiátrico para

descrever qualquer anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica

e/ou mental. Os transtornos mentais são um campo de investigação interdisciplinar que

envolve várias áreas das Ciências, como a Psicologia e a Psiquiatria.

No entanto, o que fazem os profissionais nestas áreas? Quais as diferenças de tratamen-

to em relação aos transtornos mentais? O psiquiatra é um profissional da Medicina que

após ter concluído sua formação, opta pela especialização em Psiquiatria. Esta é realizada

em 2 ou 3 anos e abrange estudos em Neurologia, Psicofarmacologia e treinamento especí-

fico para diferentes modalidades de atendimento, tendo por objetivo tratar os transtornos

mentais. Ele é apto a prescrever medicamentos no seu tratamento.

O psicólogo tem formação superior em Psicologia, ciência que estuda os processos

mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. O curso tem

duração de 4 anos para o bacharelado e licenciatura, e 5 anos para obtenção do título

de psicólogo. No decorrer do curso, a teoria é complementada por estágios supervisio-

nados que habilitam o psicólogo a realizar psicodiagnóstico, psicoterapia, orientação,

entre outras atividades, relacionadas aos transtornos mentais. Como não é um médico,

não pode prescrever medicamentos.

É importante que você compreenda que, muitos transtornos mentais necessitam da

prescrição de uma medicação específica, e o profissional mais adequado e preparado

para esta situação, na área médica, é o psiquiatra. Muitas pessoas têm vergonha de ir ao

consultório desses profissionais e acabam procurando outros especialistas que receitam

medicamentos, nem sempre mais adequados, para o transtorno mental apresentado pelo

indivíduo. Podemos dizer que, infelizmente, ainda existe discriminação em relação ao tra-

tamento psiquiátrico, que, em geral, é o mais correto para certos transtornos mentais.

No Brasil, a Câmara Federal aprovou, em 17 de março de 2009, em caráter conclusivo, o Projeto

de Lei nº 6013/2001, do deputado Jutahy Junior (PSDB-BA), que conceitua transtorno mental,

padroniza a denominação de enfermidade psíquica e assegura aos portadores deste transtorno

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44 • capítulo 2

o direito a um diagnóstico conclusivo, conforme classificação internacional.

Este projeto determina que transtorno mental é o termo adequado para de-

signar o gênero enfermidade mental e substituiu termos como “alienação

mental” e outros equivalentes, que estereotipavam as pessoas portadoras.

Algumas abordagens críticas como a Antipsiquiatria e a Psiquiatria

Social denunciaram o saber científico, nesta área, como manipulação,

retirada da humanidade e dignidade dos portadores de transtornos

mentais, além das condições inadequadas de tratamento e internação.

Essas abordagens não negam que os transtornos mentais existam, mas

se propõem a enfrentá-los, utilizando uma postura crítica aos métodos

tradicionais. Acreditam que o portador de transtorno mental não é um

monstro, por isso, não deve ser desumanizado, mas, sim, avaliado por

meio de sua história de vida.

A famosa frase de FrancoBasaglia de que “a Psiquiatria é muito impor-

tante para ficar nas mãos só dos psiquiatras” não é uma declaração contra a

Psiquiatria, é uma declaração antimanicomial. Com base nestas posições,

no Brasil, também começou a se pensar na situação dos portadores de trans-

tornos mentais e surgiu a lei antimanicomial. Passemos para esta área.

As funções da lei antimanicomial

Você sabia que o portador de transtornos mentais tem direitos ga-

rantidos por uma lei especial? Em 1987, em um Encontro Nacional

de Trabalhadores da Saúde Mental, nasceu o Movimento da Luta An-

timanicomial. Seu lema era “Por uma sociedade sem manicômios”.

Nesta época, foram denunciados abusos e violações dos direitos hu-

manos dos portadores de transtornos mentais dentro dos manicô-

mios. A luta travada era pelo fim da internação e pela criação de aten-

dimentos alternativos. Uma das conquistas deste Movimento foi a lei

nº 10.216/2001, que determinou o fechamento progressivo dos hos-

pitais psiquiátricos e a instalação de serviços substitutivos. A partir

desta lei, o Brasil tem eliminado leitos psiquiátricos e substituído pe-

los serviços dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), residências

terapêuticas, programas de redução de danos, centros de convivência,

oficinas de geração de renda, entre outros programas.

LEITURA

BRASIL. lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos

das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial

em saúde mental.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm

Acesso em 07 set. 2014.

CONCEITO

Antipsiquiatria

É um termo que se refere a um conjunto

de movimentos que visa a criticar as te-

orias e as práticas fundamentais da Psi-

quiatria tradicional. A antipsiquiatria inspi-

rou mudanças significativas na Psiquiatria

e na origem de outros movimentos, como

o orgulho autista. No Brasil, ela está na

raiz da reforma psiquiátrica.

AUTOR

Franco Basaglia

Franco Basaglia era médico e psiquiatra,

e foi o precursor do movimento italiano

de reforma psiquiátrica conhecido como

Psiquiatria Democrática. Nasceu no ano

de 1924, em Veneza, Itália, e faleceu em

1980. Basaglia criticava a postura tradi-

cional da cultura médica, que transfor-

mava o indivíduo e seu corpo em meros

objetos de intervenção clínica. No cam-

po das relações entre a sociedade e a

loucura, ele assumia uma posição crítica

para com a Psiquiatria clássica e hospi-

talar, por ela se centrar no princípio do

isolamento do louco (a internação como

modelo de tratamento), sendo, portanto,

excludente e repressora.

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capítulo 2 • 45

ESCOLA MUNICIPAL DE SAÚDE. Cartilha Programa Rede Sampa — Saúde Mental

Paulistana.

Disponível em: http://pt.slideshare.net/escolamunicipaldesaude/cartilha-programa

-rede-sampa-sade-mental-paulistana

Acesso em 07 set. 2014.

A lei nº 10.216/2001 surgiu como uma garantia de direitos e de rein-

serção social das pessoas estigmatizadas por serem portadoras de trans-

tornos mentais. Ainda se faz necessária uma luta mais ampla pelo res-

peito e garantia de direitos à diversidade e à singularidade de cada um.

O Museu de Imagens do Inconsciente foi criado em 20 de maio de 1952,

no Centro Psiquiátrico Pedro II (atualmente chamado Instituto Municipal

Nise da Silveira), no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, por iniciativa da

psiquiatra Nise da Silveira. Nise, oposta aos tratamentos psiquiátricos vi-

gentes na década de 1940 (eletrochoque, lobotomia), implantou, em 1946,

no Centro Psiquiátrico Pedro II, o Serviço de Terapêutica Ocupacional. Fo-

ram criados ateliês de pintura e modelagem, permitindo aos internos uma

nova forma de expressão e tratamento psiquiátrico, ainda inédito no Brasil.

O museu é fundado com a finalidade de preservar os trabalhos produzidos

nos ateliês, que servirão de base para uma maior compreensão dos pa-

cientes. Assim, por meio desse museu, Nise da Silveira conseguiu levar as

discussões do campo da saúde mental para toda a sociedade utilizando-

se, principalmente, de várias exposições.

RESUMO

Neste capítulo, você estudou a importância do desenvolvimento humano no proces-

so de socialização do indivíduo. Nossa personalidade pode ser explicada com base

em várias teorias que formam o corpo teórico da Psicologia, sendo este conceito um

dos mais estudados nesta Ciência.

Alguns conceitos da Psicologia Social foram expostos para que você pudesse per-

ceber a importância das situações que levam à formação de estereótipos, precon-

ceitos e discriminações.

Foram discutidas algumas questões sobre os critérios de normalidade e doença.

Finalizando, você conheceu a lei antimanicomial, que é de fundamental importância

na garantia dos direitos humanos para os portadores de doença mental.

ATIVIDADE

1. Pesquise, nos meios eletrônicos de comunicação, situações que expressam es-

tereótipos positivos e negativos, classificando-os quanto aos tipos (étnico, social,

cultural, religioso, profissional).

MULTIMÍDIA

Um estranho no ninho

Sinopse: Randle Patrick McMurphy, um

prisioneiro, simula estar insano para

não trabalhar e vai para uma instituição

para doentes mentais, onde estimula

os internos a se revoltarem contra as

rígidas normas impostas pela enfer-

meira-chefe Ratched, mas ele não tem

ideia do preço que irá pagar por desa-

fiar uma clínica “especializada”.

Bicho de sete cabeças

Sinopse: Wilson (Othon Bastos) e seu fi-

lho Neto (Rodrigo Santoro) possuem um

relacionamento difícil, com um vazio entre

eles aumentando cada vez mais. Wilson

despreza o mundo de Neto e este não

suporta a presença do pai. A situação

entre os dois atinge seu limite, e Neto é

enviado para um manicômio, onde terá de

suportar as agruras de um sistema que

lentamente devora suas presas.

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46 • capítulo 2

2. Vincent Van Gogh nasceu na Holanda, no dia 30 de março de 1853. Começou sua carreira muito

jovem, com aproximadamente 15 anos. Depois de cinco anos se mudou para Londres e posteriormen-

te para Paris, devido ao reconhecimento que teve. Ele entrou para a História como um dos exemplos

mais notórios do artista maldito, do gênio desajustado, do homem incompreendido por seu tempo, mas

que foi aclamado pela posteridade. Ao longo da vida, sofreu uma série interminável de infortúnios:

desilusões amorosas, crises nervosas, misérias financeiras. Foi tratado como louco, ficou várias vezes

exposto à fome, à solidão e ao frio. Ridicularizado pela maioria de seus contemporâneos, hoje é con-

siderado um dos maiores mestres da pintura universal.

Durante sua vida, Van Gogh não conseguiu vender nenhuma de suas obras de arte. No final do ano de

1888, o pintor cortou sua orelha direita. Alguns biógrafos do artista afirmam que o ato seria uma espécie

de vingança contra sua amante Virginie, depois de descobrir que ela estava apaixonada pelo artista Paul

Gauguin. Segundo essa versão, o artista teria enviado sua orelha ensanguentada para a amante dentro de

um envelope. Desde sua morte, e infelizmente nunca antes disso, o pintor holandês Vincent van Gogh tem

sido objeto de fascínio e curiosidade. E não apenas pelos apreciadores de sua arte, mas também por estu-

diosos da mente humana que se dedicam a reconstruir os caminhos que o levaram ao suicídio, em 1890.

Você conseguiria incluir Van Gogh em algum critério de normalidade, estudado neste capítulo, lembrando

como este conceito é relativo e depende de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas?

3. Marque a resposta correta:

A Psicologia do Desenvolvimento tem como objetivo:

a. Estudar o desenvolvimento do ser humano apenas inserido em seu contexto social.

b. Estudar o desenvolvimento do ser humano apenas quanto ao seu intelecto e aspectos afetivoemocional.

c. Estudar o desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos: físicomotor, intelectual, afetivo-

emocional e social desde o nascimento até a velhice.

d. Estudar o desenvolvimento do ser humano apenas quanto ao seu aspecto intelectual e a construção de

seu conhecimento desde a infância até a vida adulta.

e. Estudar o desenvolvimento do ser humano e sua personalidade na infância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, C.S.G. Pontos de Psicologia Geral. São Paulo: Ática, 1992.

BOCK, A.M.B.; FURTADO,O.; TEIXEIRA, M de L.T. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. 13. ed. São

Paulo: Saraiva, 2005.

_______. Psicologia fácil. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRAGHIROLLI, E.M. et al. Psicologia Geral. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

FRIEDMAN,H.S.; SCHUSTACK,M.W. Teorias da Personalidade. 2. ed. São Paulo: Pearson, 2004.

GOFFMAN, E. Estigma. La identidade deteriorada. 5. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1993.

KRUGER, H. Introdução à Psicologia Social. São Paulo: EPU, 1986.

LANE, S.T.M.; CODO, W. Psicologia Social: o homem em movimento. 12. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.

PISANI, E.N.; PEREIRA,S.; RIZZON, L.A. Temas de Psicologia Social. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

RENNER, T.; MORISSEY,J.; MAE, L.; FELDMAN, R.S.; MAJORS, M. Psico. Porto Alegre: AMGH, 2012.

TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

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A Família

profa. lídia levy

13

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48 • capítulo 3

3 A Família

A família e suas transformações: um breve histórico

O ser humano ao nascer é completamente dependente. Para se manter

vivo, ele necessita de outro ser humano que o alimente, o mantenha

aquecido, cuide dele física e emocionalmente. A família é, em princípio,

o primeiro grupo ao qual o ser humano pertence.

A família, enquanto instituição, pode ser entendida como uma cons-

trução social que varia ao longo da história da humanidade, portanto, vem

sofrendo algumas importantes modificações no decorrer dos tempos.

Na civilização romana antiga, a consanguinidade (o parentesco

biológico) não era necessária para o pertencimento à família. Se par-

tirmos da família patriarcal, observaremos que esta não era composta

apenas de marido, mulher e filhos. Ela se caracterizava como família

extensa e poderia incluir parentes, criados, escravos, e todos aqueles

que vivessem sob o comando do patriarca.

O patriarca detinha o poder sobre qualquer indivíduo da organi-

zação social da qual fazia parte. Crianças, adolescentes e suas mães

eram propriedades do senhor. Cabia-lhe o poder de tomar decisões,

sendo estas inquestionáveis. Cabia-lhe decidir sobre o futuro dos fi-

lhos e manter a unidade da família. Até a Idade Média, o casamento

era um contrato articulado pelos pais dos noivos para servir de base

a alianças entre as famílias. O pai da jovem transferia a tutela de sua

filha para o marido, sem que a existência de amor e a possibilidade de

escolha fossem consideradas.

O sentimento de família, como nós o conhecemos, começou a ser

desenvolvido a partir do século XVI. Antes disso, a família não era en-

tendida como um espaço privado. As relações sociais não permitiam a

intimidade da vida familiar, e a casa da família era considerada, social-

mente, um lugar público.

Segundo Ariès, a família antiga toma por objetivo a manutenção dos

bens e o exercício de um ofício comum, de modo que a socialização das

crianças não se fazia na intimidade do lar, mas era comunitária. A crian-

ça era, muitas vezes, afastada de sua família para apreender um ofício.

O período de supremacia do patriarcado permaneceu por vários sé-

culos. Foi a partir da Revolução Francesa que tal forma de organização

da sociedade começou a ser questionada. Os ideais de liberdade, igual-

dade e fraternidade e o respeito à singularidade de cada um na rede

social ganharam força e o patriarcado foi lentamente entrando em de-

CONCEITO

Patriarcal

O termo patriarcalismo é oriundo de Pa-

triarcado, que, por sua vez, tem origem na

palavra grega pater (pai) e designa a pre-

ponderância do homem na organização

social e, consequentemente, na família.

AUTOR

Ariès

Philippe Ariès foi um importante histo-

riador francês que estudou a família e

a infância. É autor de História Social da

Criança e da Família (1981).

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capítulo 3 • 49

AUTOR

Giddens

Anthony Giddens é um sociólogo britâ-

nico contemporâneo, renomado por sua

Teoria da Estruturação. Esta teoria sus-

tenta que toda ação humana é ao menos

parcialmente predeterminada com base

nas regras variáveis do contexto em que

ela ocorre. No entanto, a estrutura e as

regras não são permanentes, mas são

sustentadas e modificadas pela ação

humana. É autor de A transformação da

Intimidade (1993) e As consequências

da modernidade (1991).

CONCEITO

Individualismo

Individualismo é um conceito que expri-

me a afirmação e a liberdade do indiví-

duo frente a um grupo, à sociedade ou

ao Estado. O exercício da liberdade indi-

vidual implica, necessariamente, na pos-

sibilidade de fazer escolhas e por elas se

responsabilizar.

clínio. Um movimento denominado “individualismo” foi inaugurado e

teve consequências nas transformações da família ocidental.

É importante lembrar que o casamento foi instituído pela Igreja como

lugar legítimo para a sexualidade desde que voltado para o fim de procria-

ção. A sociedade burguesa, que se desenvolveu no final do século XVII,

passou a reconhecer e valorizar a sexualidade, mas construiu uma verda-

de regulada sobre esta, ou seja, manteve-a restrita aos limites da relação

conjugal. Como consequência, o casamento por amor foi se estabelecendo

como o desejável e, entre os séculos XVIII e XIX, o amor romântico se tor-

na o ideal de casamento e deu sustentação ao casamento monogâmico e à

família nuclear burguesa, ou seja, aquela composta por pai, mãe e filhos.

Com a modernidade e o crescimento do individualismo, amor, se-

xualidade e casamento se associaram. Um novo ideal de conjugalidade

fez do casamento o lugar de promessa de felicidade onde o amor e a

sexualidade são condições fundamentais. Valoriza-se a complementa-

ridade entre os gêneros, a fidelidade mútua, a atração sexual, a intenção

de constituir família e perpetuá-la. Valoriza-se a intimidade e o caráter

reparador de uma relação amorosa. Giddens nos lembra das categorias

de “para sempre e único” do amor romântico. Havia a expectativa de vi-

ver um “amor à primeira vista”, que levaria o sujeito ao encontro de sua

“alma gêmea” e esta viria preencher o vazio em sua existência.

No final do século XIX e início do século XX, o discurso disciplinador

começou a perder força; ou seja, passamos de uma sociedade repressiva

para uma sociedade mais permissiva. Com o início do declínio do mo-

delo patriarcal no meio doméstico, a relação entre pais e filhos se modi-

ficou. O domínio do homem neste terreno se enfraqueceu, e a mulher

se consagrou como rainha do lar. Assim é que o espaço privado passou

a ser o território feminino, enquanto o espaço público se consolidou

como território masculino. Neste sentido, o modelo patriarcal se man-

tém, apesar das transformações.

Ainda segundo Giddens, nesta época, ocorreu a chamada invenção

da maternidade, quando se exaltou a importância da mãe na criação dos

filhos. A criança tornava-se propriedade exclusiva da mãe, havendo pra-

ticamente um desconhecimento do pai no início de sua vida. Verificou-

se um deslocamento da autoridade patriarcal na família para um valor

conferido aos cuidados maternos.

A família se firmou como base de sustentação da sociedade. A famí-

lia patriarcal evoluiu e deu lugar à família caracterizada como um gru-

po vinculado pelo afeto. A família moderna passou a ser compreendida

como uma entidade socioafetiva que tem o dever de afeto entre os seus

membros. É no seio familiar que são transmitidos os valores morais e

sociais que servirão de base para o processo de socialização da criança,

bem como as tradições e os costumes perpetuados através de gerações.

A família tornou-se responsável pela garantia da ordem e pela formação

educacional e afetiva de sua prole. Cabe-lhe procriar e oferecer às crian-

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50 • capítulo 3

ças os elementos necessários para a constituição de suas identidades e

para a sua socialização. Espera-se que seja capaz de imprimir a noção de

limite necessária ao desenvolvimento do ser humano.

Como vimos anteriormente, até meados do século passado, desejava-

se que o amor, e consequentemente, o casamento, durassem para sem-

pre e se sustentassem em projetos comuns. Não era raro que os sujeitos

se mantivessem casados em nome dos filhos. Trocava-se uma parcela

de felicidade por segurança. Ainda no início do século XX, o casamento

e os valores familiares nele implicados ocupavam um lugar privilegiado

e costumavam funcionar como referências que conferiam alguma esta-

bilidade e segurança ao sujeito. Algumas ideologias conduziam com cla-

reza os rumos que os indivíduos deveriam tomar para serem respeitados

na sociedade. As restrições que lhes eram impostas, em princípio, lhes

fornecia segurança, apesar de nem sempre felicidade.

As idealizações construídas em torno do amor romântico, entretanto,

provocavam constantes conflitos, resultantes da desilusão pelo não aten-

dimento das expectativas criadas; consequentemente, essas idealizações

começaram a se romper. Paralelamente, a inserção da mulher no mer-

cado de trabalho e as possibilidades por ela adquiridas de controle da

natalidade contribuíram para o declínio progressivo do patriarcado. A pí-

lula anticoncepcional concedeu às mulheres mais liberdade em sua vida

sexual, e também o divórcio levou a mudanças significativas na dinâmica

familiar. Pode-se dizer que a estrutura familiar tradicional foi redefinida

com a diluição da supremacia do homem no contexto familiar.

Hoje não mais se espera que os sujeitos permaneçam presos a um ca-

samento infeliz, e muitos casais optam pela ruptura do vínculo em caso

de insatisfação mesmo que transitória. Não mais se aceita o casamento

sem desejo e sem amor, e as exigências atuais do individualismo pressio-

nam os parceiros no sentido da ruptura de uma relação que não se encai-

xe nos moldes considerados ideais. Em princípio, o laço conjugal só se

mantém se for capaz de proporcionar satisfações a ambos os parceiros.

Novas formas de amar e de se relacionar vão sendo construídas

para responder às exigências de uma sociedade onde os valores estão

em constante mutação. A contemporaneidade produz a crença de que

a conjugalidade não deve interferir na individualidade e, cada vez mais,

os indivíduos parecem acreditar que não se deve abrir mão do prazer em

nome da estabilidade da relação conjugal.

Para Féres-Carneiro (1998), o casal contemporâneo é confrontado

com o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Os ide-

ais individualistas de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a

satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Se

por um lado, estimula-se a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o

casal deve respeitar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por

outro, surge a necessidade de vivenciar o cotidiano comum, os desejos

e projetos conjugais. Valorizar os espaços individuais significa, muitas

AUTOR

Féres-Carneiro

Terezinha Féres-Carneiro é uma psicó-

loga brasileira especialista em terapia

de família e casal, autora, dentre outros

trabalhos de Casamento contemporâ-

neo: o difícil convívio da individualidade

com a conjugalidade (1998).

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capítulo 3 • 51

vezes, fragilizar os espaços conjugais, assim como fortalecer a conjugali-

dade demanda, quase sempre, ceder diante das individualidades.

Na mesma linha de raciocínio, Ehrenberg busca compreender certas

mudanças na individualidade contemporânea referidas à crescente auto-

nomia do indivíduo. Estimula-se a busca de prazer constante, o que, pa-

radoxalmente, resulta em uma experiência de insuficiência e fracasso. Ao

mesmo tempo em que a autonomia é desejada, ela é fonte de novos sofri-

mentos para aqueles que não conseguem alcançar os ideais que a socieda-

de lhe impõe e não contam com os laços sociais, hoje cada vez mais frágeis.

Verifica-se uma expansão da sociedade de consumo e uma fragi-

lização das instituições tradicionais como o Estado e a família. Para

Bauman, se anteriormente a sociedade dita moderna era vivida como

sólida, com ideologias que indicavam direções claras, hoje, vive-se uma

espécie de modernidade líquida, fluida e com um consumismo exacer-

bado. As compulsões geradas pelo estímulo ao consumo levam cada vez

mais ao isolamento afetivo como formas de proteção. Há um impulso

para uma ação sem limites na busca do prazer e do poder. Provoca-se

no ser humano o desejo de consumir ilimitadamente. Consequente-

mente, a exacerbação do individualismo e a cultura do descartável re-

percutem na conjugalidade e na parentalidade.

ATENÇÃO

Em decorrência do que foi até aqui exposto, a nova dinâmica de laços familiares ga-

nhou mobilidade e flexibilidade, mas paralelamente à autonomia do homem atual en-

contramos a solidão como uma das características marcantes da contemporaneidade.

Tipos de famílias

Família nucelar

Quando pensamos na família padrão, dita tradicional, referimo-nos à

família nuclear, tal como estabelecida entre os séculos XIX e XX. Na se-

gunda metade do século XX, novas formas de família começam a ser

construídas, causando estranheza. O aumento do número de casais

separados provocou diversos arranjos familiares que, inicialmente,

confrontados ao modelo tradicional, geravam preconceito. Vale lem-

brar que, em época não tão distante, eram comuns as profecias sobre

o destino dos filhos de pais separados e os problemas emocionais que

os atingiriam. A tendência da sociedade, em seu processo de transfor-

mação, foi tornar-se cada vez mais flexível para acolher novas configu-

rações das relações conjugais e familiares.

AUTOR

Ehrenberg

Alain Ehrenberg é um sociólogo fran-

cês, autor de O culto da performance —

da aventura empreendedora à depres-

são nervosa (2010).

AUTOR

Bauman

Zygmunt Bauman é um sociólogo polo-

nês autor de livros como A modernidade

líquida (2001) e Amor líquido: Sobre a

fragilidade dos laços humanos (2004).

MULTIMÍDIA

O poderoso chefão

Sinopse: O poderoso chefão é um filme

clássico, que trata da dependência, sub-

missão e admiração dos membros de

uma família de formato patriarcal em re-

lação ao patriarca. Apresentado como um

“padrinho”, um protetor; o personagem

principal recebe cumprimentos e promes-

sas de lealdade da família e de clientes e,

em troca, lhes oferece sua proteção.

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52 • capítulo 3

O casamento formal, heterossexual com fins de constituição da família, continua sen-

do uma referência e um valor importante, mas convive com outras formas de relaciona-

mento conjugal como as uniões consensuais, os casamentos sem filhos ou sem cohabita-

ção, e também as uniões homoafetivas.

Também a família nuclear ou tradicional, ou seja, pais casados morando junto com

seus filhos biológicos, convive com novas configurações familiares não mais definidas pelo

biológico e pelo conjugal. Os novos arranjos familiares são formas de ligação afetiva que

fogem aos padrões considerados tradicionais como as famílias monoparentais, reconsti-

tuídas, adotivas, homoafetivas com filhos adotivos ou nascidos por inseminação artificial.

Encontramos, cada vez mais, recomposições familiares e recasamentos sucessivos de um

ou de ambos os pais, tendo ocorrido as separações quando os filhos ainda eram bebês.

A família monoparental

É aquela em que apenas um dos pais de uma criança arca com as responsabilidades de

criar o filho. Isto ocorre, por exemplo, quando o pai não reconhece o filho e abandona a

mãe, quando um dos pais morre ou quando dissolvem a família pela separação ou divórcio.

Observa-se, na atualidade, um número cada vez maior de famílias monoparentais. Na rea-

lidade brasileira, com frequência encontramos famílias chefiadas por mulheres, arcando

com o sustento e a educação dos filhos sem a participação paterna.

Famílias monoparentais podem ser beneficiadas por uma rede de apoio social e afetiva,

ou seja, pela presença de pessoas significativas, sejam da família extensa, amigos ou mem-

bros da comunidade, com os quais possam manter relações afetivas. As redes funcionam

suprindo, em parte, as funções da figura parental ausente, impedindo o isolamento e aju-

dando na socialização das crianças.

Famílias recompostas

O crescente número de divórcios vem sendo acompanhado de um número igualmente

crescente de famílias recompostas: aquelas em que ao menos um dos membros do casal

possui filhos de relações anteriores. A família reconstituída define-se pela presença, no lar,

de filhos provenientes de uniões anteriores de um ou de outro cônjuge, ou seja, uma pessoa

que já tem uma família leva seus filhos, oriundos desta família, para conviverem com a sua

nova relação, que pode também já ter filhos. Não existe uma família recomposta típica,

pois cada um dos parceiros pode já ter tido um ou mais casamentos, um ou mais filhos das

relações anteriores, residindo ou não com eles, e filho (s) gerado (s) no casamento atual.

Famílias homoafetivas

As famílias homoafetivas colocam em questão o modelo tradicional fundado na reprodução

biológica e a heterossexualidade do casal, pois as crianças não nasceram de sua união sexual.

O desejo de filho e de formar família não é mais privativo dos casais heterossexuais, visto que

sujeitos vivendo uma relação homoafetiva recorrem cada vez mais à adoção ou a procedimen-

tos advindos da Biotecnologia. A homoparentalidade levantou questões sobre se o exercício

das funções parentais deveria estar vinculado ao gênero dos pais ou se qualquer sujeito, em

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capítulo 3 • 53

uma relação homoafetiva, poderia exercê-las. Pesquisas atuais têm en-

contrado resultados que confirmam esta última hipótese. Verifica-se que

a saúde psíquica dos pais e as motivações inconscientes implicadas no

desejo de ter um filho, e não o seu sexo, são aspectos a serem privilegiados

quando se trata de pensar a parentalidade.

A opção por não constituir família

Existe, ainda, outra situação que vem sendo observada com alguma re-

gularidade e nos leva a desconstruir o conceito de casamento referido à

formação de uma família. Isso porque o casamento contemporâneo não

necessariamente envolve um projeto de filiação e descendência e vem

crescendo o número de casais que optam por não ter filhos. Existe, po-

rém, ainda uma estigmatização e uma pressão social sofrida por casais

que optam por não ter filhos. Muitas mulheres relatam que sentem o

preconceito, principalmente, quando são rotuladas de egoístas.

CURIOSIDADE

• No site da Globo News, em 06/08/2013, foi publicado um comentário sobre a

capa da revista americana Time daquela semana. Nela, estava estampada a foto de

dois jovens em trajes de banho, tranquilos, deitados na areia da praia. A imagem fazia

referência a uma reportagem sobre a vida de casais que optaram por não ter crianças.

Discute-se que a mudança de comportamento está relacionada com as conquistas das

mulheres e que uma das motivações frequentemente alegada é a questão financeira.

• Na Revista Abril, de junho de 2008, encontramos o seguinte relato:

à primeira vista, a pedagoga Cristiane Ferreira, paulistana de 32 anos, pa-

rece ter seguido o caminho estabelecido pela geração de seus pais — con-

cluiu o curso universitário, arranjou um bom emprego e casou-se com o na-

morado da adolescência. A semelhança entre as histórias, porém, só vai até

essa fase da vida. A mãe de Cristiane teve três filhos. A pedagoga, por sua

vez, não pretende ter herdeiros. Não porque tenha algum problema de saúde

que a impeça. Apenas não quer. “Já durante o namoro deixei bem claro que

a maternidade não era para mim”, ela conta. O artista plástico Sebastião

Carvalho, de 34 anos, com quem Cristiane é casada há quatro, concordou.

Embora a decisão cause estranheza entre amigos e parentes, o casal é taxa-

tivo ao dizer que é definitiva. “Já avisei meu pai que, se depender de mim, ele

não será avô”, assegura ela. Cristiane não está sozinha. Renunciar aos filhos

tornou-se uma opção frequente entre os casais de poder aquisitivo elevado

no Brasil. Segundo o IBGE, nos últimos 12 anos, o total de casais sem filhos

aumentou 50% no país. Entre os casais nos quais ambos os cônjuges traba-

lham, o número simplesmente dobrou. Nesse grupo, há mais de 2 milhões de

casais brasileiros que optaram por não ter filhos, contra 1 milhão em 1996.

MULTIMÍDIA

Minhas mães e meu pai

Sinopse: dois irmãos adolescentes, Joni

(Mia Wasikowaska) e Laser (Josh Hu-

tcherson), são filhos do casal Jules (Ju-

lianne Moore) e Nic (Annette Bening),

concebidos por inseminação artificial de

um doador anônimo. Contudo, ao com-

pletar a maioridade, Joni encoraja o irmão

a embarcar numa aventura para encon-

trar o pai biológico sem que as mães

saibam. Quando Paul (Mark Ruffalo) apa-

rece, tudo muda, já que logo ela passa a

fazer parte do cotidiano da família.

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54 • capítulo 3

Como vimos, neste item do capítulo, o modelo de família tradicional era, até então, mo-

delo de “normalidade”. Acreditava-se que para a produção de “crianças saudáveis” era ne-

cessária a presença indispensável do par homem/mulher contribuindo para sua formação.

Não podemos esquecer que, até bem recentemente, a “ausência paterna” costumava ser

apontada como uma das principais causas da desestruturação familiar. Diante da realida-

de de uma população, onde cada vez mais a mulher é a provedora do lar, arcando sozinha

com a educação dos filhos, a figura paterna praticamente inexistente era com frequência

a explicação rapidamente encontrada para justificar a problemática emocional de uma

criança ou adolescente. Em contraposição, encontramos no discurso de mulheres que, por

exemplo, adotam sozinhas uma criança, a certeza de inexistirem garantias de que esta seria

mais feliz e equilibrada emocionalmente, vivendo numa família constituída por pai e mãe.

Hoje, verifica-se que não existe uma forma de organização familiar ideal que, garanta um

desenvolvimento mais sadio ou mais patogênico. A falta de um dos genitores (monoparenta-

lidade) ou os divórcios e recasamentos dos genitores, ou ainda a presença de duas pessoas do

mesmo sexo (homoparentalidade) exercendo as funções parentais não são necessariamente

causas de patologias. Estas também se desenvolvem no contexto da família tradicional.

A família, portanto, independentemente de sua forma, é concebida como o primeiro

sistema no qual um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais são vivenciados.

O mundo infantil adquire significado pela troca intersubjetiva com as pessoas que a cer-

cam e constituem o primeiro referencial para a formação da sua identidade. Ao nascer, a

criança já encontra um mundo organizado segundo parâmetros construídos pela socieda-

de e incorporados por sua família, que, por sua vez, também carrega uma cultura própria.

Além das figuras parentais, outros agentes sociais, como os avós, funcionam como media-

dores na relação entre a criança e a sociedade. Essa cultura familiar e social que lhe é trans-

mitida fará parte de sua história.

LEITURA

DIAS, Maria Berenice. Novos tempos, novos termos. Disponível em: http://www.mbdias.com.br/hartigos.

aspx?23,8 Acesso em 10 out. 2014.

FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA AS TRANSFORMAÇÕES SOFRIDASPELA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE

1. Os progressos da Medicina contribuíram para desconectar procriação e sexualidade, de modo que a

filiação não é mais associada à realidade biológica, isto é, os pais não são necessariamente os genitores

de seus filhos. A existência de “barrigas de aluguel” ou do banco de sêmen contribui para modificar as

antigas certezas sobre a filiação. Lembremos que a paternidade, no Direito Romano, era estabelecida

por lei, não se considerando a “verdade biológica”. O casamento determinava quem era o genitor/pai.

A partir dos progressos da biotecnologia e dos exames de DNA, a presunção de que a filiação decorre

do casamento passou a poder ser questionada, confrontada com o critério da “verdade biológica”. Hoje,

discute-se em que dimensão a natureza ou a sociedade se impõe para designar a filiação e se é possí-

vel privilegiar os critérios biológicos, os legais ou os afetivos para definir a maternidade e a paternidade.

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capítulo 3 • 55

2. O Direito ampliou o conceito de paternidade ao valorizar o parentesco psicológico que prevale-

ce sobre a verdade biológica e a realidade legal. Neste sentido, a filiação socioafetiva ganha espa-

ço na legislação. A parentalidade passa a ser definida não apenas pela Biologia, mas por fatores

sociais e afetivos. Este conceito abarca as experiências de mulheres e homens em “tornar-se pais”,

como uma construção mais ampla que o registro biológico.

3. As funções de pai e mãe começaram a ser pensadas conjuntamente com a utilização de

uma mesma palavra, ou seja, “parental”. O conceito de parentalidade amplia não só a noção de

paternidade, mas também desfez a associação entre a função materna e uma mulher e a função

paterna e um homem. Tais funções foram distribuídas para mais de uma pessoa, de modo que

não apenas genitor e genitora podem exercê-las. Cabe lembrar, por exemplo, que o pai biológico,

o pai legal (que perfilha a criança e lhe dá ou não o nome) e o pai que a cria não são encarna-

dos necessariamente nas mesmas pessoas, ou seja, são lugares que podem ser assumidos por

diferentes homens. A parentalidade pode ser retomada por outros membros da família ou pela

família em seu conjunto visto que outros vínculos também são capazes de sustentar as funções

indispensáveis à estruturação do sujeito.

4. Por longo tempo homens e mulheres tiveram lugares e funções bem definidos. Se considerar-

mos a concepção tradicional de paternidade seremos remetidos a um indivíduo do sexo masculino,

ocupando o lugar de pai, legitimado pela inscrição de seu nome na certidão de nascimento do

filho. Deste homem esperava-se que fosse o provedor da família e desse os limites necessários à

educação de seus filhos. Da maternidade, tradicionalmente referida à genitora, são pressupostos

os cuidados básicos, o acolhimento e a nomeação das necessidades físicas e emocionais do filho.

Temos, hoje, uma tendência à redefinição desses papéis. Verifica-se que os papéis maternos e

paternos são multidimensionais e complexos, e que pais e mães desempenham papéis diferentes

em contextos culturais diferentes.

5. Acreditava-se que o homem era biologicamente despreparado para os cuidados infantis. No

final do século XX, a divisão do trabalho doméstico entre os membros do casal, considerando-se

que ambos trabalham fora de casa, aumentou gradativamente o envolvimento paternal nas tarefas

ligadas ao cotidiano dos filhos. Hoje, é comum ouvir falar dos “novos pais”, que romperam o modelo

no qual foram criados. O “novo homem” seria mais participativo na vida afetiva e familiar, dividindo

com a mulher os âmbitos público e privado. Nesse sentido, o papel do pai vem sendo cada vez

mais discutido e repensado. Constata-se, entretanto, que, mesmo que atualmente o pai pareça

estar assumindo um papel mais participativo na vida dos filhos, as crenças e os valores herdados

do patriarcado e presentes no imaginário social não se transformam com facilidade. Essas mudan-

ças vêm sendo ainda ensaiadas, mas não é fácil romper com a dicotomia entre o que é feminino

e o que é masculino em nossa cultura. A educação dos meninos hoje, ainda que de forma menos

intensa, estimula a virilidade e a força numa postura ativa frente à sociedade e, ao mesmo tempo,

demanda-se que se transforme em um homem mais sensível e participativo nas relações afetivas.

Observa-se que o novo convive com o tradicional e provoca conflitos.

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56 • capítulo 3

6. Em decorrência das transformações já mencionadas e com a atribuição de

direitos e deveres iguais para homens e mulheres, gradativamente, foi ocorren-

do a substituição do Pátrio Poder pelo Poder Familiar, isto é, o poder paterno

foi substituído por uma autoridade compartilhada. Hoje, cabe ao casal parental

a responsabilidade conjunta de criar, educar, manter e representar os filhos.

7. Em relação à construção da conjugalidade, entende-se que ela é hoje

modificada pela emancipação feminina, pela liberação sexual, pela possibili-

dade de divórcio e da escolha amorosa entre os parceiros. Sendo assim, seu

objetivo primeiro pode não ser a constituição de uma família.

A construção da parentalidade: relações afetivas

Historicamente, a tarefa de cuidar tem sido associada ao gênero femi-

nino, e o papel de mãe ainda é idealizado culturalmente, sendo o amor

materno ainda cobrado como incondicional.

Começaremos a discutir o tema da construção da parentalidade

e da importância dos investimentos afetivos com base no trabalho de

Elizabeth Badinter sobre o “mito do amor materno”. Para a referida

autora, o amor materno enquanto instinto (universal e natural), é um

mito construído sócio-historicamente. O amor materno, portanto, não

é inato nem inscrito desde sempre na natureza feminina. Para Badinter,

costumava-se descrever o que se acreditava ser o instinto materno como

“uma tendência primordial que cria, em toda mulher normal, um dese-

jo de maternidade e que, uma vez satisfeito esse desejo, incita a mulher

a zelar pela proteção física e moral dos filhos”. A mulher era feita para

ser mãe, e uma boa mãe. As exceções eram consideradas patológicas. É

comum encontrarmos mulheres se sentindo culpadas por não agirem

ou não sentirem o que delas se espera.

Entretanto, uma mulher pode ser “normal” sem ser mãe, e nem toda

mãe tem um impulso irresistível de se ocupar do filho. Observam-se dife-

rentes circunstâncias nas quais não existem condições propícias ao apego,

e o sentimento de amor por um filho simplesmente não ocorre. O amor ma-

terno, portanto, não é uma norma, mas é adquirido ao longo dos dias pas-

sados ao lado do filho, e por ocasião dos cuidados que lhe são dispensados.

Da mesma forma, não se pode falar de uma essência masculina, de

caráter abstrato e universal, mas, sim, de um homem e de um pai mul-

tifacetados, situados temporal e relacionalmente. Assim, masculino e

feminino são categorias inscritas no social que ganham significados di-

versos em função do contexto.

AUTOR

Elizabeth Badinter

Elisabeth Badinter é uma filósofa fran-

cesa que representa um modelo de

pensamento feminista. É autora de Um

amor conquistado: O mito do amor ma-

terno (1985).

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capítulo 3 • 57

Partindo dessas considerações, é possível afirmar que a parentalida-

de não se estabelece automaticamente a partir da chegada de um filho,

mas é um complexo e lento processo. Não basta ser genitor ou genitora,

há um trabalho psíquico a ser feito para alguém tornar-se pai ou mãe

e investir afetivamente a criança, reconhecendo-a como filho. Assim

sendo, costuma-se dizer que qualquer criança, não importando em que

tipo de família esteja inserida, precisa ser adotada. Se a filiação não está

apoiada apenas na realidade genética, mas deve ser fundada no desejo e

na disponibilidade de assumir a função parental, a expressão “laços do

coração”, utilizada para caracterizar a filiação adotiva, poderia ser refe-

rida a qualquer filiação, seja ela adotiva ou não. São laços fundados no

desejo dos pais e em sua disponibilidade de assumir a função parental.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

(20/11/89), ao estipular, em seu Artigo 8, que os Estados partes deverão

se comprometer a respeitar o direito da criança à sua identidade, inclui,

enquanto elementos básicos da identidade de um indivíduo, a naciona-

lidade, o nome e as relações familiares. Ao nascer, a criança recebe o di-

reito à cidadania, ou seja, é natural de algum lugar. Nome e sobrenome

indicam pertencimento a um grupo familiar. Quando nomeada, a crian-

ça é incluída em uma rede de parentesco a qual se vinculará, e a família

será responsável pela produção de sua identidade social.

Entretanto, não é apenas o fato de ter o sobrenome daqueles que se

intitulam pais que irá inscrever o sujeito em uma família. É necessário

também que tenha sido tratado, educado e mantido por aqueles como

filho e, portanto, reconhecido como tal pela sociedade e pela família.

São fatos que constituem uma “verdade socioafetiva” e atribuem o esta-

tuto de pais àqueles que amam e educam. A filiação afetiva ganha cada

vez mais espaço e diferentes adultos podem assumir funções parentais,

mesmo não sendo os pais legais nem os genitores.

No caso de uma adoção não existe gestação, mas os pais adotivos

vão falar de uma “gestação psicológica”, que indica seu desejo de rece-

ber a criança adotada como filho. Qualquer processo de construção da

parentalidade se inicia com uma criança imaginária, sonhada pela mãe

durante a gravidez. Também no período de espera pela chegada do filho

adotivo, seus pais vão construir, em seu imaginário, as características da

criança que aguardam, e fantasiar os pais que irão ser. Este processo faz

parte do investimento afetivo que precede a chegada de um filho.

Caso isso não ocorra, as crianças adoecem na medida em que não

encontram resposta às suas necessidades de amor e reconhecimento.

Ao segurar a criança, olhá-la, investir nela seu afeto, a mãe, adotiva ou

não, fornece ao filho a experiência de ser contido e possibilita-lhe cons-

truir uma identidade. Ela lhe transmite seu desejo e as expectativas que

fabricou sobre o lugar que o filho iria ocupar em sua vida. Não é difícil

perceber o quanto uma criança parece reviver tão logo uma adoção é fei-

ta por pais investidos e determinados.

MULTIMÍDIA

Um sonho possível

Sinopse: é um filme lançado no Brasil,

em 2010, que ilustra a construção de

uma filiação socioafetiva. O filme conta

a história real de um jovem negro vindo

de um lar destruído, que é acolhido por

uma família branca de classe alta.

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58 • capítulo 3

Conjugalidade X Parentalidade: separações e reca-samentos

A vida em casal é ainda hoje sentida como um dos principais espaços psíquicos de satisfa-

ção, neste sentido, o laço conjugal tem um valor organizador que justificaria a troca de uma

parcela das possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança. Um dos grandes

desafios dos casais da atualidade é redefinir expectativas e idealizações sobre o casamento.

Isso significa ultrapassar a dificuldade de lidar com frustações e com os limites do parceiro.

Dois sujeitos, com suas diferentes histórias de vida, se unem e estabelecem uma rela-

ção, uma conjugalidade. A criança é o elemento que inaugura a família e são os laços afe-

tivos que organizam o grupo familiar. O casal conjugal funda-se nas relações sexuais e no

afeto recíproco entre os cônjuges, enquanto o casal parental, responde pela necessidade de

levar bem a criação de seus filhos.

Embora o divórcio possa ser, às vezes, a melhor solução para um casal cujos mem-

bros não se consideram capazes de continuar tentando ultrapassar suas dificuldades,

ele é sempre vivenciado como uma situação extremamente dolorosa e estressante. A se-

paração provoca, nos cônjuges, sentimentos de fracasso, impotência e perda, havendo

um luto a ser elaborado.

O fracasso conjugal dos pais não impede que se continue a assegurar conjuntamente

as funções parentais. Os laços conjugais se rompem, mas há necessidade de cuidar dos

laços parentais. Portanto, mesmo que o laço matrimonial se desfaça, espera-se que o

laço parental se fortaleça e, idealmente, os ex-cônjuges devem permanecer pais em con-

junto e de comum acordo.

ATENÇÃO

Vale reforçar a compreensão de que a ruptura do vínculo conjugal não deveria ameaçar o vínculo existente

entre pais e filhos, nem implicar em separação parental. O desejável seria que, após uma separação con-

jugal, os pais pudessem transmitir segurança aos filhos, em relação ao amor parental, e acordar sobre a

melhor maneira de com eles conviver.

O número crescente de separações parentais tem exigido que o valor dos vínculos

de filiação seja reforçado a fim de que estes se tornem pontos de apoio suficientemente

sólidos e permitam à criança definir-se socialmente e diferenciar-se psiquicamente.

Quando pai/mãe e filho deixam de viver juntos, espera-se que a relação entre eles per-

maneça sólida, e que a relação entre pai e mãe esteja suficientemente elaborada para que

todos possam sustentar com clareza os lugares que ocupam. Ou seja, espera-se que os fi-

lhos não precisem ocupar o lugar de um dos pais nem que disputem o lugar do ex-cônjuge.

Um aspecto importante ainda a ser considerado é o justo desejo de ambos ex-cônjuges

de terem suas vidas afetivas refeitas. Após a separação, a criança é levada, por vezes, a in-

tegrar uma ou duas novas famílias em decorrência da trajetória da vida de seus pais. Com

isto, a criança irá se defrontar com a multiplicação dos papéis parentais e a distribuição da

função de pai e mãe para outros homens e mulheres, na medida em que padrastos e ma-

drastas passam a conviver com ela.

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capítulo 3 • 59

Os cônjuges dos pais, sem substituir os pais biológicos, são relevantes na nova dinâmica

familiar que se estabelece. É bem verdade que não existe um estatuto que dê legitimidade a

sua participação na vida dos enteados, ou seja, não existe uma lei que reconheça o vínculo en-

tre enteado e padrasto ou madrasta ou que estabeleça direitos e deveres para regular esta re-

lação. Tantas são as configurações possíveis que não se conseguiria definir antecipadamente

que lugar irá ocupar a madrasta ou o padrasto na vida de uma criança. Eles podem ser chama-

dos a exercer algumas prerrogativas em relação à criança, mas, por exemplo, é comum obser-

var-se que o padrasto exerce apenas a função que a genitora de seus enteados lhe conceder.

O papel social de padrastos e madrastas precisa ser inventado no cotidiano vivenciado

por eles. A construção desta relação não necessariamente reproduzirá os estereótipos das

madrastas dos contos de fada. Vale lembrar como muitos enteados vêm substituindo a pa-

lavra “madrasta” por “boadrasta”. Entretanto, pode ocorrer que o vínculo do pai com quem

não se convive seja tão intenso, que a criança se recuse a investir no novo companheiro da

mãe com quem passa a conviver.

O sucesso dessas construções dependerá do tipo de relação estabelecida entre os pais,

entre estes e os novos cônjuges e do lugar que a criança ocupará em cada uma das suas

novas famílias. Famílias que introduzirão em suas vidas novos personagens, na medida em

que passam a conviver com um número maior de “avós”, “tios” e “primos”.

Como vimos até agora, é fundamental que a figura parental que estiver provisoria-

mente ausente do cotidiano do filho, em decorrência da separação, deva poder continu-

ar convivendo com ele sem que se faça um movimento de tentar substituí-lo pelo novo

parceiro do pai ou da mãe.

O princípio constitucional do melhor interesse da criança

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a convivência familiar foi entendida

como um direito fundamental da infância, e a filiação sócioafetiva foi valorizada. Isso por-

que a ordem de prioridade de interesses foi invertida, visto que antigamente, se houvesse

algum conflito decorrente da posse do estado de filho, entre a filiação biológica e a filiação

sócioafetiva, os interesses dos pais biológicos se sobrepunham aos interesses do filho.

Dentre os princípios norteadores que são estabelecidos para a família está o prin-

cípio do Melhor Interesse da Criança, previsto em seu artigo 227, mas também no Estatuto

da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º e 5º. Isso significa que, ao tratar da filiação,

os operadores do Direito devem observar o que realmente é o melhor para a criança e/ou

adolescente, de modo a favorecer sua realização pessoal, independentemente da relação

biológica que tenha com seus pais.

A Constituição consagra a Doutrina da Proteção integral. A criança passa a ser sujeito

de direitos, nas diversas esferas sociais e jurídicas, e a ela devem ser concedidos cuidados

essenciais para viver com saúde, incluindo a física, a emocional e a intelectual.

O artigo 227 já citado estipula ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar

à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,

à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma

de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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60 • capítulo 3

ATENÇÃO

Em 1990, a lei n° 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), regulamentou o artigo 227 e exigiu

a reformulação de muitas condutas até então cristalizadas, em todos os seguimentos sociais, para que a

criança tivesse efetivamente seus direitos protegidos. O ECA ampliou a lista de direitos da infância e da

adolescência e acentuou a importância da família, das instituições e da comunidade, como responsáveis

pela formação desses indivíduos.

A guarda compartilhada

No processo de dissolução do vínculo conjugal por separação judicial ou pelo divórcio

consensual, espera-se que os pais possam entrar em acordo sobre a guarda dos filhos. Até

recentemente, o mais comum era a adoção do modelo de guarda unilateral, geralmente

concedida à mãe, por se acreditar que ela teria melhores condições para exercê-la. Esse

modelo baseava-se em preconceitos e teorias hoje questionadas de que apenas a mulher

teria condição, inerente ao seu gênero, de cuidar dos filhos menores.

A crença de que os filhos não podiam ficar sem os cuidados da mãe fazia com que o

cuidado masculino fosse considerado dispensável, provocando certa desresponsabilização

paterna frente aos cuidados e envolvimento com os filhos.

Com base nesse modelo de guarda, cabia ao pai visitas quinzenais aos fins de semana,

um rodízio em datas especiais e metade das férias dos filhos. Muitos desses pais se descre-

viam como “pais de fins de semana” ou pais “Mac Donald’s”, sofrendo com o afastamento

do convívio dos filhos. Alguns deles, durante o tempo em que estiveram casados, não se

encarregavam de tarefas domésticas nem dos cuidados básicos prestados aos filhos, mas

descobrem, após a separação, que são bem mais competentes do que supunham nas ativi-

dades até então ditas femininas.

Por outro lado, algumas mães que haviam obtido a guarda unilateral sentiam-se so-

brecarregadas, sem condições de se desenvolver afetiva, profissional e economicamente,

quando o ex-companheiro se limitava a ser “pai Mac Donald’s”, reservando apenas ao lazer

de fim de semana a convivência com os filhos. Observa-se ser comum, nestas situações, que

as crianças construam uma imagem da mãe como impositiva e “chata”, enquanto o pai é

percebido como divertido e liberal.

As mulheres foram conquistando, em nossa sociedade, igualdade de direitos e opor-

tunidades, mas também os homens têm buscado ocupar um maior espaço no cotidiano

familiar e igualdade de direitos na participação da educação dos filhos. Com as transfor-

mações sociais, com as alterações na dinâmica familiar, começa a ficar evidente o quanto a

manutenção da presença contínua de ambos os genitores é importante para a criança. Pai

e mãe são modelos de identificação para seus filhos e não se justificaria que qualquer um

deles perdesse a possibilidade de um convívio em decorrência da separação parental.

Os pais passam a questionar, inclusive na Justiça, seu direito de participar mais ati-

vamente na vida dos filhos. É interessante mencionar que, em 2002, foi colocado no

ar um site denominado Pai Legal, composto por uma equipe de pais que lutam pelo

direito de viver com seus filhos e poder oferecer uma paternidade de excelência. Sua

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capítulo 3 • 61

apresentação, no site, é feita da seguinte forma: “Somos pais que resolveram arregaçar

as mangas e construir um site para atender as nossas necessidades de pai na criação

de nossos filhos, seja lutando pelo nosso direito à convivência com eles após a separa-

ção do casal como também pela qualidade de nossa paternidade. O público-alvo do Pai

Legal é o pai, em quem temos concentrado as nossas atenções. Mães e filhos têm tam-

bém colaborado para alcançarmos o nosso objetivo — de sermos e ajudarmos outros

homens a serem pais plenos.”

A lei nº 11.698/2008 representa uma nova compreensão do modelo de família e estabe-

lece como preferencial o modelo de guarda compartilhada, que permite repensar a concep-

ção vigente até então quanto aos papeis de pai e de mãe na formação de um filho.

A lei nº 11.698/2008 altera os arts. 1.583 e 1.584 da lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002

— Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada. A partir desta altera-

ção, encontramos, no art. 1.583, da lei n. 10.406, alterado em 2008, as seguintes definições:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o

substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada, a responsabilização conjunta e o exer-

cício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao

poder familiar dos filhos comuns.

Por sua vez, no art. 1.584, § 2, fica claro que a guarda compartilhada deverá ser aplicada

sempre que possível.

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I — requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de

separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II — decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distri-

buição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

§ 1 Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda com-

partilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as

sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

§ 2 Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sem-

pre que possível, a guarda compartilhada.

§ 3 Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda

compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em

orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

§ 4 A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral

ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusi-

ve quanto ao número de horas de convivência com o filho.

§ 5 Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá

a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de pre-

ferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) já indicava ser direi-

to da criança conservar relações pessoais com ambos os pais. Deve-se garantir a manu-

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62 • capítulo 3

tenção da coparentalidade, independentemente da preservação ou

não do vínculo conjugal, visto que a separação ocorre entre os cônju-

ges, e não entre pais e filhos.

Verifica-se que, com a guarda compartilhada, pretende-se atenuar o

impacto negativo da ruptura conjugal, mantendo ambos os pais envol-

vidos na criação dos filhos. Sua proposta é corresponsabilizar ambos os

genitores em todas as decisões e nas atividades referentes aos filhos, de

modo que possam participar em igualdade de condições. Isso não im-

plica necessariamente em alternância de domicílios em determinados

dias, semanas ou meses (Guarda Alternada). O que se compartilha é a

guarda jurídica, seus deveres e direitos legais em relação à assistência

prestada aos filhos e não, necessariamente, à guarda física.

Uma questão que normalmente causa tensão no que se refere à guar-

da dos filhos é o fato de, muitas vezes, existir uma diferença significativa

entre os ex-cônjuges, quanto a sua compreensão de mundo e a melhor

forma de educar os filhos. Contudo, essas diferenças não podem justifi-

car que um dos genitores perca o direito de participar da educação dos

filhos. Eles deverão compreender que as diferentes características de

personalidade e as diferenças promovidas pela história de cada um de

seus pais não são certas nem erradas, são apenas diferentes. Aliás, esta

questão não causa discórdias apenas entre pais separados, mas está,

muitas vezes, presente na vida daqueles que se mantém casados.

Alienação parental

Dificuldades no exercício da parentalidade e divergências entre os pais

quanto às decisões relativas à educação e ao cotidiano dos filhos podem

dar margem a demandas feitas à Justiça.

A alienação parental tem sido cada vez mais alegada pelas partes

em litígio nos processos inerentes às Varas de Família. Veremos como

a Alienação Parental fere o melhor interesse da criança, pois o interesse

dos pais prevalece sobre os interesses dos filhos, provocando danos em

seu desenvolvimento.

O termo alienação parental foi utilizado em meados dos anos 1980

por Richard Gardner, indicando a existência de um distúrbio psíquico.

Por este motivo, o autor denominou de Síndrome de Alienação Parental

(SAP) o que seria um distúrbio infantil provocado em menores de idade

expostos às disputas judiciais entre seus pais. A criança demonstraria

uma intensa rejeição a um dos genitores (o genitor alienado) como re-

sultado de manipulação psicológica realizada pelo outro genitor (o geni-

tor alienador), sem que houvesse uma justificativa para isso.

Atualmente, questiona-se a classificação de tal comportamento como

uma síndrome, pois se entende que existem muitos fatores que podem

contribuir para sua ocorrência e não apenas a patologia dos genitores.

Devemos considerar fatores como idade, sexo, características individuais

CONCEITO

Síndrome

Síndrome é um conjunto de sinais e

sintomas que define as manifestações

clínicas de uma ou várias doenças ou

condições clínicas, independentemente

do que as tenha causado.

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capítulo 3 • 63

das crianças e adolescentes além de outros presentes, no contexto fami-

liar, que possam contribuir para minimizar os efeitos da separação e para

auxiliar a criança a superar os efeitos do litígio entre os pais.

Na lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental, ela é

descrita como sendo a interferência na formação psicológica da criança

ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos

avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autorida-

de, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo

ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com ele.

Existem 7 itens elencados, no parágrafo único do Art. 2, da referida

lei, em que são exemplificadas formas de alienação parental, que corres-

pondem a uma série de situações criadas para dificultar ou para impedir

a visitação daquele que não tem a guarda do filho.

1Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no

exercício da paternidade ou maternidade;

2 Dificultar o exercício da autoridade parental;

3 Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

4 Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

5Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes

sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alte-

rações de endereço;

6Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou

contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a crian-

ça ou adolescente;

7Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a di-

ficultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor,

com familiares deste ou com avós.

MariaBereniceDias comenta que a ruptura da vida conjugal pode ge-

rar, na mãe, sentimentos de abandono, de rejeição, de traição, surgindo

uma intensa tendência vingativa. Quando ela não consegue elaborar ade-

quadamente o luto da separação, um processo de destruição, de desmo-

ralização, de descrédito do ex-cônjuge é desencadeado. Além do mais, ao

perceber o interesse do pai em preservar a convivência com o filho, encon-

tra aí um caminho para a vingança. Para Dias, a criança, sentindo-se órfã

AUTOR

Maria Berenice Dias

Maria Berenice Dias é advogada espe-

cialista em Direito das Famílias e das

sucessões e Vice-Presidente Nacional

do Instituto Brasileiro de Direito das

Famílias (IBDFAM). Dentre diversas pu-

blicações é autora de Manual de direito

das famílias (2007) e União homosse-

xual: o preconceito e a justiça (2006).

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64 • capítulo 3

do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor alienador e passa a aceitar como

verdadeiro tudo que lhe é informado. Neste sentido, o detentor da guarda assume o controle

total, enquanto o outro passa a ser considerado um invasor a ser afastado a qualquer preço.

O fato de deter uma guarda unilateral acaba conferindo ao guardião um poder que pode

ser utilizado para dominar a situação e provocar inúmeros constrangimentos ao outro genitor.

Como já foi visto anteriormente, este tipo de guarda era de forma conservadora até então de-

ferida à mãe e, talvez por isto encontremos um maior número de mulheres no lugar de aliena-

dor. Entretanto, não são raras as situações nas quais o genitor alienador é o pai, principalmen-

te em decorrência da humilhação por este sentida, quando a mulher sai de casa para viver com

outro homem. Pode ocorrer também que, tendo sofrido com a violência masculina durante o

casamento, a mulher abandone o lar, deixando os filhos com o pai por temer suas ameaças.

REFLEXÃO

Como podemos entender o que está envolvido nas situações que têm sido reconhecidas como alienação

parental? Que fatores emocionais estão presentes numa disputa judicial após uma separação conjugal?

Como o contexto familiar e social contribui para a intensificação das dificuldades que já existiam antes do

processo de separação ser iniciado?

A separação costuma afetar a autoimagem de cada um e rompe com alguns ideais que

estiveram presentes na construção do laço conjugal. Ameaçados em sua autoestima e du-

vidando de seu valor, os ex-cônjuges podem defensivamente negar as próprias fraquezas

e exagerar as do ex-parceiro. Sentimentos de abandono, de rejeição, de traição podem dar

origem a estratégias de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro.

A expectativa do alienador é que o outro desista de suas tentativas de aproximar-se do

filho, comprovando assim sua tese de que aquele não era merecedor de confiança e, por-

tanto, sua posição de vítima seria reconhecida. Entretanto, qualquer dos ex-cônjuges que

pretenda sozinho preencher as funções de pai ou de mãe, excluindo deliberadamente o

outro cônjuge estará comprometendo o desenvolvimento emocional de seus filhos.

O alienador confunde conjugalidade e parentalidade. A separação conjugal não deve-

ria implicar em separação parental. A ruptura do vínculo conjugal não deveria ameaçar o

vínculo existente com a criança, não deveria implicar em separação parental; assim, após

uma separação conjugal, espera-se que os pais possam transmitir segurança aos filhos em

relação ao amor parental, espera-se que possam entrar em acordo sobre a melhor maneira

de com eles conviver. Envolver a criança no conflito, esperando que faça alianças e tome

partido, só provocará dificuldades psicológicas que a acompanharão em sua vida.

É importante destacar que os homens têm participado de forma progressiva na educa-

ção e nos cuidados a seus filhos e, com frequência têm uma presença efetiva no cotidiano

deles. Assim é que, após uma separação, não mais aceitam o que era líquido e certo no pas-

sado, ou seja, a guarda plena dada à genitora, não mais aceitam o rótulo de “pais de fim de

semana”. Desejam participar da vida do filho, sem a presença e o controle da ex-esposa e, se

a separação é litigiosa, podem vir a disputar judicialmente a guarda daquele.

Por outro lado, são significativos os efeitos desestabilizadores provocados nos filhos em

função de processos e de litígios que se eternizam. Sabemos que o divórcio dos pais é uma

realidade confusa para os filhos que, por um tempo, mantém o desejo e a esperança de

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capítulo 3 • 65

reaproximá-los. Confrontada com a separação parental, a criança é invadida por um in-

tenso sentimento de perda e pela ameaça de que o vínculo que a une a cada um deles seja

igualmente rompido. Uma separação será mais dolorosa se os conflitos persistirem entre

os pais e se perpetuarem judicialmente, levando a criança a se sentir forçada a envolver-se

no conflito, a fazer alianças e a precisar desistir de um deles.

A criança envolvida em um contexto de separação marcada por reações passionais,

certamente se desestabilizará, pois dificilmente se encontra preparada para lidar com tais

situações. Não tem elementos para entender o que está ocorrendo, ainda não tem matu-

ridade para elaborar as alterações em sua vida, e não tem apoio do laço familiar para lhe

dar sustentação. Cria-se um movimento de interpretar a separação como uma luta do bem

contra o mal, sendo mau, aquele que rompeu o laço conjugal.

Ocorre, ainda, que diante da depressão e da solidão de um dos pais, a criança frequente-

mente tende a culpabilizar o outro e a se oferecer como aquela que irá reparar o sofrimento

do pai vitimizado. Mais uma vez, estamos diante de uma situação que pode contribuir e

comprometer o equilíbrio psíquico da criança e seu processo de desenvolvimento.

A menos que um dos pais seja física ou psicologicamente nocivo para o filho, nada justi-

fica a privação do exercício da função parental, sendo a convivência com ambos os pais um

direito inalienável atribuído à criança. A criança, enfim, tem o direito de continuar ligada

às duas famílias e ser impregnada por suas histórias.

Alguns exemplos para reflexão

Ricardo Vainer é um psicólogo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que escre-

veu um livro — Anatomia de um Divórcio Interminável — cuja proposta é a de entender por

que tantos casais se separam litigiosamente, arrastando o difícil processo de separação por

meio de diversas ações na Justiça. Foram selecionados deste texto dois exemplos de casos

comuns em Varas de Família, que serão sintetizados e aqui reproduzidos para uma reflexão

e articulação com os conceitos até agora apresentados.

EXEMPLO

1. Chico separou-se de Geni quando o filho do casal estava com nove meses. “Após a separação, Chico passou

a visitar o filho à noite e sem respeitar horários. Ela entrou, então, com ação de regulamentação de visitas.”

“Geni reclamava que Chico não cumpria as visitas ou chegava fora do horário. As dificuldades foram cres-

cendo, e Junior não queria ver o pai. Ia à força e voltava chorando, com medo, vomitando algumas vezes.

Queixava-se de maus tratos e episódios de magia negra, não esclarecidos.”

“A ação atual se deve ao fato de Chico solicitar a Geni que o filho pernoitasse com ele em sua casa. Ela

não concorda com o pedido, em virtude das atitudes do pai frente ao filho. Em audiência, ficou estipulado

que as visitas se fariam no salão de festas do prédio de Geni na presença da bisavó materna. Geni reclama

que Chico não compareceu a nenhuma das visitas agendadas.”

“Com relação às visitas, Chico narra que, quando ia buscá-lo para passear, Junior chorava muito. Desistiu

então de sair com ele, restringindo-se a ficar com ele apenas no pátio do prédio da ex-esposa.”

“Após a regulamentação de visitas passou a sair com ele, mas percebia que algumas vezes o garoto não

queria ir, todavia, com o passar do tempo, foi se acostumando. Geni começou a questioná-lo dizendo que

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66 • capítulo 3

Junior lhe dizia que o pai lhe batia. Chico nega que grite ou bata no filho, embora ache que, às vezes, o

pai deva ser rígido e até chamar a atenção do filho de forma ríspida.”

“Na sequência destes acontecimentos, Geni consegue uma liminar que suspende as visitas de modo que

elas só deveriam ser feitas no prédio e na presença da bisavó da criança. Chico se nega a aceitar tal deci-

são, recusa-se a visitar os filhos tanto no salão de festas quanto na sala de visita do Foro, dizendo ser o pai

da criança e que “não é nenhum criminoso.”

2. Trata-se de uma ação de regulamentação de visitas proposta por “Kurosawa, 46 anos, solteiro, oficial

de Justiça, instrução universitária”, diante de “Severina, 30 anos, solteira, vendedora, sem instrução”. Ela

conheceu Kurosawa aos 18 anos, quando veio de Pernambuco para São Paulo.

“Embora ele lhe oferecesse a oportunidade de estudar, o que para ela era impotente, Kurosawa era ex-

cessivamente ciumento, o que tornava o relacionamento muito ruim e cheio de agressões mútuas. Após 4

anos de convivência tiveram uma filha”.

“O relacionamento continuava conturbado, chegando inclusive a agressões físicas de ambos os lados,

segundo Severina”. Em função dos ciúmes dele, romperam 4 anos depois e Severina abandona o lar,

deixando a filha com o companheiro. “Mesmo fora do lar, continuou frequentando a casa dele, dormindo

lá esporadicamente.” Quando rompe definitivamente se vê impedida de ver a filha. Passou a se relacionar

com outro homem e tentou ver a filha algumas vezes, mas a reação dela foi negativa, chorando muito ao

ver a mãe. Sempre que ia à casa do ex-marido, brigas violentas ocorriam na presença da filha. Severina

entende que a atitude do ex-marido é uma forma de castigá-la por não ter aceitado reatar com ele.

Kurosawa acreditava que a maternidade levaria Severina a uma melhora em seu comportamento provo-

cativo, mas ele entende que com o nascimento da filha a situação se agravou, pois ela esperava muito um

menino e começou a rejeitar o bebê, desde a ultrassonografia pré-natal. Impede as visitas de Severina,

alegando estar a filha traumatizada pelas brigas e agressões. Recusa-se a fazer qualquer coisa que o leva

na direção de ultrapassar seu ressentimento.

Outro exemplo interessante é relatado por Miranda Junior, em seu livro Um psicólogo

no Tribunal de Família, e pretende mostrar como o trabalho realizado pelo psicólogo, que

atuava no tribunal, provocou um efeito de “pacificação”.

EXEMPLO

Dois anos depois da separação de seu segundo casamento, quando sua filha já estava com cerca de

cinco anos, I começou a se irritar com os obstáculos que J, a mãe da criança, colocava ou criava nos dias

e horários dos encontros entre ele e a filha. Rapidamente ele monta um processo judicial para modificar

a guarda da filha, como resposta a esses obstáculos. É fato que a mãe havia criado alguns obstáculos,

porém não da forma ou na intensidade que ele afirmava ter acontecido. O que se destacava nesse caso,

contudo, era a insistência com que I queria provar que tentava ser pai e era impedido por J. I produzia

sem cessar vários tipos de “documentos” para provar sua tese. Ele insistia no argumento jurídico de que

“contra documentos não há argumentos”, porém grande parte dos documentos que ele apresentava nos

autos ou levava para as entrevistas, era frágil.

Parecia que I precisava provar que não era sua culpa se ele não conseguia ser pai como era preciso ser ou

como esperasse ser. Em uma entrevista com o psicólogo, I mais uma vez, além de mostrar novos “documen-

tos”, relata o último encontro com sua filha e menciona a conversa que com ela havia tido. Ele lhe diz que

tinha se decepcionado novamente com J, “porque ela teria dito à filha que o pai não queria encontrá-la em

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capítulo 3 • 67

um dia em que ele se atrasou. Mais uma vez I tentava provar à filha que ele se esforçava por ser pai, mas a

ex-mulher tentava impedi-lo. Nesse momento de sua narração, ele relatou que a filha teria dito: ‘Ah, pai, mas

eu nem acreditei!’” Quando o psicólogo lhe chama a atenção para esta fala e comenta que sua filha lhe dizia

que acreditava nele, I fica em silêncio naquele momento, como se tentasse entender o que havia dito sob uma

nova perspectiva. Constata-se, posteriormente, que ao levá-lo a, de fato, escutar o que a filha lhe dizia, uma

mudança foi provocada. Ele para com a produção de provas e começa a flexibilizar os encontros, trocando

datas em função de eventos familiares.

Para o psicólogo ficou claro que “a intervenção sobre a palavra da filha parecia ter lhe assegurado uma

possibilidade de ser pai independentemente das provas, pelo menos naquele momento”. A palavra da filha

o reconheceu como pai, o que demonstra, como diz o autor, que “pai e mãe não são substâncias palpáveis”.

Ou seja, como já foi dito, no início deste capítulo, a paternidade e a maternidade precisam ser construídas

e são múltiplos os fatores que interferem nesta construção.

Paradoxos da contemporaneidade que merecem uma discussão

Há, na atualidade, uma expectativa de que cada um deve afirmar sua liberdade e indepen-

dência e, ao mesmo tempo, verifica-se uma forte cobrança para que correspondam aos ideais

impostos pela cultura. Que sofrimentos esta demanda paradoxal pode gerar?

A evidente dificuldade dos sujeitos de lidar com as imperfeições da vida cotidiana tem provo-

cado o aumento do número de divórcios, contudo, a visão do casamento encerra hoje um mo-

vimento paradoxal que consiste no fato de os indivíduos continuarem se casando, a despeito

das separações, e recasando. O que este fato pode estar revelando?

Coexistem hoje discursos que mantém o papel do homem como provedor e o da mulher como

mãe e esposa, e discursos que enfatizam a necessidade de participação do pai no cotidiano

dos filhos e a participação da mulher no espaço público. Como estes discursos afetam a di-

nâmica familiar?

Ao mesmo tempo em que não é possível afirmar a existência de uma essência feminina ou

masculina de caráter universal, o imaginário social tem uma tendência a fixar papéis de gê-

nero. Por que é necessário para que se entenda o processo de construção da paternidade/

maternidade entender os discursos e as possibilidades próprios ao contexto sócio-histórico da

época que se pretende estudar?

Quais argumentos você utilizaria para defender a ideia de que hoje não existe uma forma de

organização familiar ideal que garanta um desenvolvimento mais ou menos sadio.

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68 • capítulo 3

ATIVIDADE

1. Vimos como a lei nº 11.698/2008 representa uma nova compreensão do modelo de família. Com base

no que foi apresentado neste capítulo, analise as afirmações abaixo:

I - Por ocasião de um divórcio, quando não houver acordo, a guarda deverá ser atribuída à mãe.

II - A guarda compartilhada implica na responsabilização conjunta e no exercício de direitos e

deveres por parte de ambos os genitores.

III - Caso se verifique que os pais não apresentam condições de exercer a guarda do filho, o

juiz poderá deferi-la a uma outra pessoa, considerados, de preferência, o grau de parentesco e

as relações de afinidade e afetividade.

IV- A manutenção da presença contínua de ambos os genitores não é importante para a criança.

V- Diferenças quanto à forma de educar podem justificar que um dos genitores perca o direito

de participar da educação dos filhos.

Estão corretas as afirmativas:

a. I e II

b. II e III

c. III e IV

d. IV e V

e. I e V

2. Considerando os princípios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, analise as afirma-

ções abaixo:

I - O princípio do Melhor Interesse da Criança indica que é obrigação dos operadores do Direito

verificar as medidas mais adequadas para favorecer o desenvolvimento da criança em questão.

II - A convivência familiar é entendida como um direito fundamental da infância, mas a filiação

socioafetiva é menos valorizada do que a filiação biológica.

III - Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos.

IV - Crianças e adolescentes são objetos de intervenção e de tutela.

V - Os pais têm o direito de cometer atos violentos em relação à criança e ao adolescente, se

sua intenção é educá-la.

Estão corretas as afirmativas:

a. I e II

b. II e III

c. I e III

d. I e V

e. II e V

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capítulo 3 • 69

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Abordagem psicológica da violência

stella aranha

14

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72 • capítulo 4

4 Abordagem psicológica da violência

Introdução

A violência é um comportamento cada vez mais presente nas relações interpessoais, em

todos os lugares, em todas as sociedades. As ações humanas são complexas, por natureza,

devendo ser analisadas com base em quem as pratica, os estímulos externos e internos que

as motivam e o contexto onde ocorrem. Não é possível analisar qualquer comportamento

humano desvinculado do seu contexto.

A sociedade violenta desenvolve estratégias tecnológicas, materiais e humanas para li-

dar com a violência e, elas acabam por serem incorporadas à vida das pessoas. Todos esses

aparatos exigem uma substancial parcela nos orçamentos públicos e privados que deixam

de ser aplicados em questões mais construtivas como educação e saúde.

Vamos estudar algumas situações ligadas à violência, na tentativa de levar você a perceber

a complexidade dessas questões e lembrar que, muitas vezes, a mera existência ou aplicação

da lei não dá conta deste fenômeno. Comecemos com a definição de violência e agressividade.

Definição de violência e agressividade

O Dicionário Houaiss define violência como a “ação ou efeito de violentar, de empregar força

física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade,

força”. No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físi-

co ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau

significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Mas os especialistas afirmam que o conceito é

muito mais amplo e ambíguo do que uma simples constatação de que a violência é a impo-

sição de dor e a agressão é cometida por uma pessoa contra outra.

Na Comunidade Internacional de Direitos Humanos, a violência é compreendida como

todas as violações dos direitos civis (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência

e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habi-

tação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de

manter e manifestar sua própria cultura).

Na Psicologia, Bock, Furtado e Teixeira (1995, p. 283) definem violência como o uso de-

sejado da agressividade, com fins destrutivos, podendo ser voluntário, racional e consciente

ou involuntário, irracional e inconsciente. Mangini (2008), citada por Fiorelli, José Osmir;

Mangini, Rosana C. Ragazzoni (2009, p. 266) diz que a violência ocorre quando a agressivida-

de não está relacionada à proteção de interesses vitais, trazendo em si a ideia de destruição

entre seres da mesma espécie quando outras vias de solução poderiam ser empregadas.

Você pode perceber que, em geral, as pessoas empregam os termos agressividade

e violência como sinônimos. Por exemplo: dizer que X é agressivo é o mesmo que cha-

má-lo de violento. No entanto, vamos diferenciá-los. A agressividade, segundo Mangini

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capítulo 4 • 73

(2008), citada por Fiorelli e Mangini (2010), é como se fosse uma força, um compor-

tamento, algo que ajuda a sobrevivência e a adaptação do indivíduo. Para essa autora

(Mangini, 2008), a agressividade é uma característica da personalidade que aparece no

comportamento da pessoa.

No entanto, você deve estar questionando, “e quando a pessoa não consegue canalizar

a agressividade para fins produtivos?”. Neste caso, será visível a falta de estabilidade emo-

cional, a impulsividade e a baixa tolerância a frustrações. Existem diversos mecanismos de

controle da agressividade, por exemplo, a educação, a lei e a tradição. Além disso, desde a

infância, o ser humano é levado a aprender a reprimir e a não expressar de forma descon-

trolada a agressividade. O mundo também cria condições para que o indivíduo possa trans-

formar seus impulsos agressivos em produções consideradas socialmente positivas, como

a criação intelectual, as artes e o esporte.

A violência traz a ideia de destruição entre seres da mesma espécie, quando, na ver-

dade, outras vias de solução poderiam ser utilizadas. A violência ultrapassa o aceitável so-

cialmente e legalmente. Por exemplo, quando a defesa de interesses vem acompanhada de

intimidação e transgressão de regras legais ou sociais, desrespeitando a integridade física

e psíquica dos outros, estamos diante de uma situação de violência.

Não há como estudar violência e agressividade se não considerarmos o contexto social

e cultural no qual o ato é realizado. O comportamento agressivo em um contexto pode ser

considerado violência em outro, e vice-versa. Você deve entender que não há uma linha

divisória entre a agressividade e a violência. A interpretação dessas situações dependerá do

contexto legal e sociocultural. Além disso, essa interpretação é dinâmica porque se modifi-

ca na medida em que os costumes se modificam.

Não há uma posição única quanto à origem e à manifestação do comportamento

violento. Muito ainda tem de ser estudado, no entanto, o que se percebe é uma tendên-

cia para conjugar os aspectos sociais e pessoais a este comportamento. Alguns estudos

sugerem que o comportamento violento não está associado às características da perso-

nalidade agressiva. Isso ocorre porque, há pessoas que são vistas como agressivas, mas

nunca se tornam violentas.

Em contrapartida, outras pessoas aparentemente “tranquilas” e socialmente adapta-

das cometem atos de violência inesperados e impensáveis para seu comportamento. Você

percebeu que é complexa a relação entre violência e agressividade. Devemos sempre pen-

sar nos fatores individuais, sociais e culturais conduzindo a essas práticas. Mesmo que o

comportamento agressivo não se transforme em violência, conviver com a agressividade é

uma situação muito difícil.

Algumas teorias sobre a agressividade

Neste item, você recordará algumas teorias da Psicologia, no que tange suas abordagens so-

bre a agressividade. Você deve estar lembrado que cada teoria escolhia um objeto de estudo

para desenvolver suas ideias sobre o comportamento e os fenômenos psicológicos. Agora,

você terá a oportunidade de perceber a predominância desses objetos nas explicações teó-

ricas sobre a agressividade. Este item não tem a pretensão de esgotar nem as teorias psico-

lógicas nem o tema agressividade, que é amplo, e (porque não dizer?) inesgotável.

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74 • capítulo 4

Começaremos pela Psicanálise. Esta teoria afirma que a agressivida-

de é constitutiva do ser humano e, ao mesmo tempo, afirma-se a impor-

tância da cultura, da vida social, como reguladoras dos impulsosdestru-

tivos. A função de controle dos impulsos destrutivos ocorre no processo

de socialização em que é esperado que as ligações significativas com os

outros sejam determinantes.

Winnicott (2012), psicanalista inglês, afirma que a agressividade

e a destrutividade humanas estão intrinsecamente relacionadas à

questão da constituição do sentido da realidade externa. Atendo-se,

sobretudo aos estágios iniciais do desenvolvimento, em que se mos-

tram as raízes da agressividade.

A Gestalt destaca este tema afirmando que a agressividade é resulta-

do de uma percepção inadequada dos comportamentos realizados, ou

seja, a pessoa não conseguiu discriminar os detalhes que diferenciam

um comportamento agressivo de outro socialmente adaptado.

O Behaviorismo explica que existe a possibilidade do comportamen-

to agressivo ser aprendido por meio de um condicionamento operan-

te por reforço positivo. Fiorelli e Mangini (2009, p. 271) fornecem um

exemplo característico: o indivíduo apresenta um comportamento

agressivo; consegue o que quer; ele volta a agredir pelo mesmo ou outro

motivo e obtém novamente sucesso. Torna-se cada vez mais agressivo.

A abordagem psicológica da linha social-cognitiva afirma que a

agressividade pode ter origem nos modelos: a criança e o adolescente

aprendem o que é considerado agressividade ou violência com os pais,

colegas de escola, ídolos etc. A partir daí, passam a se comportar de for-

ma a repeti-los, para estar “à altura deles” ou mais perto deles.

Outros enfoques poderiam ter sido feitos, mas as possibilidades de

explicação não se esgotam, como já mencionamos. O importante é você

perceber que todas as perspectivas podem ser integradas. As visões teóri-

cas da Psicologia não se contradizem, se complementam, reforçam-se e

possibilitam a compreensão deste fenômeno sob diferentes visões.

Formas de violência

Muitas vezes, em nosso cotidiano, lidamos e vivenciamos com situa-

ções em que a violência não é “perceptível”. Ou melhor, nem sempre

a violência é física.

Violência estrutural

Começaremos com a violência estrutural. Nesse grupo de classificação

da violência se enquadram aquelas violências que negam a cidadania

para alguns indivíduos ou determinados grupos de pessoas, pautados

principalmente na discriminação social contra os “diferentes”.

CONCEITO

impulsos destrutivos

São estímulos que possuem força sufi-

ciente para levar a pessoa a fazer deter-

minada ação, que neste caso é destrutiva.

AUTOR

Winnicott

Donald Woods Winnicott nasceu em 7

de abril de 1896, em Plymouth, na Ingla-

terra. Filho de John Frederick Winnicott

e Elizabeth Martha Woods Winnicott.

Durante os anos de guerra trabalhou

como consultor psiquiátrico de crianças

seriamente transtornadas que tinham

sido evacuadas de Londres e outras ci-

dades grandes, e se separado de suas

famílias. Entre 1939 e 1962, ele parti-

cipou de cerca de cinquenta programas

sobre uma enorme gama de assuntos,

que variaram desde “a contribuição do

pai”, “o filho único”, “a importância de

visitar as crianças no hospital”, e “a dinâ-

mica da adoção”, até “a psicologia dos

pais adotivos”, “o significado do ciúme”

e “as vicissitudes da culpa”.

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capítulo 4 • 75

Violência urbana

As formas de violência, tipificadas como violação da lei penal, como: 1) assassinatos, 2)

sequestros, 3) roubos e, 4) outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio

formam um conjunto que se convencionou chamar de violência urbana, porque se mani-

festa principalmente no espaço das grandes cidades. A violência urbana, no entanto, não

compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que provocam sobre as pessoas e as re-

gras de convívio na cidade. A violência urbana prejudica a qualidade das relações sociais,

destrói a qualidade de vida das pessoas.

Gangues urbanas, depredação do espaço público, o trânsito caótico, as praças malcuida-

das, sujeira em período eleitoral compõem o quadro da perda da qualidade de vida. Certa-

mente, o tráfico de drogas, talvez a ramificação mais visível do crime organizado, acentua

esse quadro, sobretudo nas grandes e problemáticas periferias. Um dos principais fatores

que gera a violência urbana é o crescimento acelerado e desordenado das cidades. Como con-

sequência, surgem graves problemas sociais como fome, miséria, desemprego e marginali-

zação, que associados à ineficiência das políticas de segurança pública contribuem para o

aumento dos atos de violência.

Quando se trata de direitos humanos, a violência abrange todos os atos de violação dos

direitos: civis (liberdade, privacidade, proteção igualitária); sociais (saúde, educação, se-

gurança, habitação); econômicos (emprego e salário); culturais (manifestação da própria

cultura) e políticos (participação política, voto).

Violência institucional

A violência institucional é aquela praticada nas instituições prestadoras de serviços públi-

cos como hospitais, postos de saúde, escolas, delegacias, judiciário. É perpetrada por agen-

tes que deveriam proteger as vítimas de violência garantindo-lhes uma atenção humaniza-

da, preventiva e também reparadora de danos.

Violência simbólica

Já a violência simbólica é um tipo de atentado, desvalorização ou restrição do patrimônio ma-

terial ou imaterial de determinado grupo identificado culturalmente. Ou, em outras palavras,

são relações estabelecidas entre grupos dominantes e dominados que aparecem de forma “na-

turalizada”. É importante ressaltar, assim como no caso da violência psicológica, que a violên-

cia simbólica é sutil e permeia nosso cotidiano de forma implícita. Ela se expressa como uma

forma “legítima” de relação entre dominantes e dominados. É possível exemplificar a violência

simbólica com a frequente associação feita pela mídia entre o terrorismo e os povos árabes, a

presença majoritária de pessoas de cor de pele branca em comerciais de TV, ou mesmo a difu-

são da ideia de que homens são mais fortes que mulheres o que “justifica” serem “violentos”.

Violência doméstica

A violência doméstica é o tipo de violência que ocorre no lar, compreendido como o espaço

de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadica-

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76 • capítulo 4

mente agregadas. Abusos sexuais a crianças e maus tratos a idosos também constituem

violência doméstica. Existem cinco tipos de violência doméstica: física, psicológica, sexual,

patrimonial e moral. A negligência é o ato de omissão do responsável pela criança/idoso/

outra (pessoa dependente de outrem) em proporcionar as necessidades básicas, necessá-

rias para a sua sobrevivência, para o seu desenvolvimento. Os danos causados pela negli-

gência podem ser permanentes e graves.

Violência psicológica

Violência psicológica é um tipo de violência que geralmente ocorre de forma “indireta”,

como humilhações, ameaças, palavrões, privação de liberdade, entre outras. Diferente da

forma “direta” e explícita da violência física é importante ressaltar o caráter implícito da

violência psicológica. A agressão não ocorre necessariamente em seu corpo, mas a violên-

cia gera transtornos de natureza psicológica, constrangendo a vítima a adotar comporta-

mentos contra sua vontade ou tirando-lhe a liberdade. Neste caso, a pessoa agredida pode

se sentir culpada pelos transtornos que lhe ocorrem, o que dificulta a posterior responsabi-

lização dos autores dessa violência.

Violência sexual

Encontramos também a violência sexual na qual o agressor abusa do poder que tem sobre

a vítima para obter gratificação sexual, sem o seu consentimento, sendo induzida ou obri-

gada a práticas sexuais com ou sem violência física. A violência sexual acaba por englobar o

medo, a vergonha e a culpa sentidos pela vítima, mesmo naquelas que acabam por denun-

ciar o agressor, por essa razão, a ocorrência desses crimes tende a ser ocultada.

Violência verbal

Muitas pessoas confundem a violência verbal. Ela pode ocorrer através do silêncio, que

muitas vezes é muito mais violento do que os métodos utilizados habitualmente, como as

ofensas morais (insultos), depreciações e os interrogatórios infindáveis.

Violência física

E para terminar nossa exposição sobre as formas de violência, temos a violência física, que

é o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comuns,

murros, tapas e agressões com diversos objetos e queimaduras. Sem maiores aprofunda-

mentos, estudiosos afirmam que além da investigação dos comportamentos violentos, de-

ve-se buscar estratégias de implantação de comportamentos de paz, por uma cultura de

não violência (no Capítulo 5, item 5.4., você tomará contato com alguns aspectos ligados à

Comunicação não violenta).

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capítulo 4 • 77

Comportamentos antissociais

Neste item, vamos explicar as relações, às vezes, mal interpretadas en-

tre problemas emocionais e violência, gerando comportamentos antis-

sociais. As “doenças” mais frequentemente relacionadas com violência

são os distúrbios da personalidade, as dependênciasdeálcooledrogas

eadeficiênciamental. Existe alguma evidência de associação entre vio-

lência e psicose (este termo será desenvolvido mais tarde), especialmen-

te, nos casos de ideaçãoparanoide, mas somente uma pequena minoria

de todos os doentes que praticam atos violentos são psicóticos e uma

vasta maioria de pessoas mentalmente doentes não são mais perigosas

do que os membros da população geral.

Os quadros psiquiátricos onde mais comumente podemos encon-

trar comportamentos antissociais são: distúrbio explosivo da perso-

nalidade; distúrbio antissocial da personalidade (veremos separada-

mente, mais adiante); distúrbio borderline da personalidade; psicose;

e episódio maníaco.

Distúrbio explosivo da personalidade

No distúrbio explosivo da personalidade, encontramos, como caracterís-

tica mais marcante, a tendência a agir impulsivamente, desprezando as

eventuais consequências do ato impulsivo, acompanhada de instabilidade

afetiva. Os frequentes acessos de raiva podem levar à violência ou à explo-

sões comportamentais. Essas situações podem ser desencadeadas mais fa-

cilmente quando as suas atitudes são criticadas ou impedidas pelos outros.

Este distúrbio é caracterizado pela instabilidade do estado de âni-

mo com possibilidades de explosões de raiva, ódio, violência ou afei-

ção. A violência pode ser física ou verbal e as explosões de raiva fogem

ao controle destas pessoas. Entretanto, estes indivíduos não têm pro-

blemas de socialização, ao contrário, são simpáticos, bem falantes,

sociáveis e educados quando fora das crises. Há uma extrema sensibi-

lidade aos aborrecimentos causados por pequenas situações ambien-

tais que irão produzir, nos explosivos, respostas de súbita violência e

agressividade sem controle. Normalmente, chamamos essas pessoas

de “pavio-curto” ou de “cinco-segundos”.

Distúrbio borderline da personalidade

O distúrbio borderline da personalidade é um distúrbio mental com um

padrão característico de instabilidade na regulação do afeto, no controle

de impulsos, nos relacionamentos interpessoais e na imagem de si mes-

mo. O termo borderline, que na língua inglesa significa “fronteiriço” não

se refere ao limite entre um estado normal e um psicótico, mas a uma

instabilidade constante de humor. São indivíduos sujeitos a acessos de

LEITURA

Dependências de álcool e drogas e a deficiência mental

Violência. Informação. Investigação.

Intervenção.

Disponível em: http://www.violencia.on-

line.pt/artigos/artigos.htm?idseccao=6

Acesso em 11 set. 2014.

CONCEITO

Ideação paranoide

É a ideia que o indivíduo tem envolven-

do suspeitas ou a crença de que está

sendo assediado, perseguido ou injus-

tamente tratado.

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78 • capítulo 4

ira e verdadeiros ataques de fúria ou de mau gênio, em completa inade-

quação ao estímulo desencadeante. Essas crises de fúria e agressividade

acontecem de forma inesperada, intempestivamente e costumam ter

por alvo pessoas do convívio mais íntimo, como os pais, irmãos, familia-

res, amigos, namoradas, cônjuges etc.

Embora o borderline mantenha condutas até bastante adequadas

em bom número de situações, ele tropeça em outras simples. O limiar

de tolerância às frustrações é extremamente sensível nessas pessoas.

Esse tipo de distúrbio da personalidade está sujeito a grandes manifes-

tações de instabilidade afetiva, oscilando bruscamente entre emoções

como o amor e ódio, entre a indiferença ou apatia e o entusiasmo exa-

gerado, alegria efusiva e tristeza profunda. A vida conjugal com essas

pessoas pode ser muito problemática, pois, ao mesmo tempo em que

se apegam ao outro e se confessam dependentes e carentes desse ou-

tro, de repente, são capazes de maltratá-lo cruelmente. Eles vivem exi-

gindo apoio, afeto e amor continuadamente. Sem isso, aparece o medo

à solidão ou a incapacidade de ficar só, em presença de si mesmo.

Psicose

A psicose é um quadro psicopatológico clássico, reconhecido pela Psi-

quiatria, pela Psicologia Clínica e pela Psicanálise como um estado

psíquico no qual se verifica certa “perda de contato com a realidade”.

Nos períodos de crises mais intensas podem ocorrer (variando de caso a

caso) alucinações (é a percepção real de um objeto inexistente), delírios

(é um juízo falso da realidade), desorganização psíquica que inclui pen-

samento desorganizado, acentuada inquietude psicomotora (é caracte-

rizada por um estado de excitação mental e atividade motora aumenta-

das), sensações de angústia intensa (estado psicológico de inquietação,

de medo difuso, sem objeto aparentemente determinado e que pode ser

acompanhado de manifestações orgânicas) e opressão e insônia severa

(se caracteriza pela incapacidade de conciliar o sono e pode manifestar-

se em seu período inicial, intermediário ou final).

Tal situação mental é frequentemente acompanhada por uma falta

de “crítica” ou de “insight”, que se traduz numa incapacidade de reco-

nhecer o caráter estranho ou bizarro do seu comportamento. Desta for-

ma surgem também, nos momentos de crise, dificuldades de interação

social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária, podendo

gerar comportamentos violentos, muitas vezes, defensivos e em função

das alucinações ou delírios decorrentes de seu estado.

Episódio maníaco

O episódio maníaco é caracterizado por uma excitação eufórica do hu-

mor, por uma intensa agitação motora, distraibilidade, logorreia e por

MULTIMÍDIA

Psicose

Sinopse: em Phoenix, Arizona, Marion

Crane (Anne Heche), secretária de uma

imobiliária, rouba 40 mil dólares do seu

patrão. Com este dinheiro, ela sonha

recomeçar sua vida com o homem que

ama e, quando ruma ao seu encontro,

acaba se perdendo e decide pernoitar

em um velho motel administrado por

Norman Bates (Vince Vaughn).

CONCEITO

Distraibilidade

Estado de instabilidade marcante na

atenção e dificuldade ou incapacidade

para fixar a atenção ou mantê-la em

qualquer coisa que implique esforço

produtivo.

Logorreia

Produção verbal anormal intensa e ace-

lerada, frequentemente associada à

fuga de ideias e distraibilidade.

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capítulo 4 • 79

uma reduzida necessidade de sono. O sujeito pode supervalorizar-se e fa-

zer coisas que normalmente não faria, pois distorce a realidade de modo

a não enxergar os perigos envolvidos em suas ações. A agitação predomi-

nante do humor pode ser a irritabilidade quando os desejos da pessoa

são frustrados. Além disso, devido à elevação da autoconfiança, ideias

grandiosas podem chegar a evoluir para delírios grandiosos ou religiosos

de identidade ou papéis.

Os indivíduos com um episódio maníaco com frequência não reco-

nhecem que estão doentes e resistem às tentativas de tratamento. Eles

podem viajar impulsivamente para outras cidades, perdendo contato

com parentes e responsáveis. Também podem envolver-se em atividades

desorganizadas ou estranhas como distribuir doces, dinheiro ou conse-

lhos a estranhos que passam na rua. As preocupações éticas podem ser

desconsideradas, mesmo por indivíduos bastante conscienciosos. Por

exemplo, um corretor da bolsa de valores pode comprar e vender ações

ilegalmente, sem conhecimento ou permissão do seu cliente; um cien-

tista pode apoderar-se de descobertas alheias. Além disso, o indivíduo,

com esse tipo de distúrbio, pode mostrar-se hostil e fisicamente amea-

çador para com outros.

Dependência de álcool e drogas

Os transtornos por dependência de álcool e drogas exercem conside-

rável impacto sobre os indivíduos, suas famílias e a comunidade, de-

terminando prejuízo à saúde física e mental, comprometimento das

relações, perdas econômicas e, algumas vezes, chegando a problemas

legais. Vários estudos assinalam a associação entre transtorno do uso

de substânciaspsicoativas e álcool, e violência doméstica, acidente de

trânsito e crime. Em um estudo realizado por Chalub e Telles (2006), a

maior parte das pesquisas aponta a presença de associação entre trans-

tornos do uso de substâncias e álcool e a criminalidade. É alta a pro-

porção de atos violentos quando álcool ou drogas estão presentes entre

agressores e suas vítimas, ou em ambos.

No entanto, a variabilidade dos efeitos provocada pelas drogas e ál-

cool, em diferentes indivíduos, sugere que pensemos na contribuição

de fatores orgânicos, socioculturais e de personalidade. É importante

que você saiba que pessoas com o mesmo grau de intoxicação, por subs-

tâncias ou álcool, têm respostas emocionais diferentes e condutas diver-

sas. Dessa forma, a associação entre álcool, drogas e violência merece

seguir sendo estudada, na busca de mais conhecimentos e práticas que

possam contribuir para a prevenção da violência.

De acordo com Palomba (2003), os deficientes mentais podem

apresentar apenas deficiências de inteligência, sem desvios de condu-

ta, mas outros podem apresentar acentuadamente desvio de conduta,

por alto nível de energia para reações emocionais e da vontade, indife-

LEITURA

CHALUB, M; TELLES, L.E. de.B. “Álcool,

drogas e crime”. In: Revista Brasileira de

Psiquiatria. 2006; 28(Supl II ) p. 69-73.

CONCEITO

Substância psicoativa

É a substância química que age prin-

cipalmente no sistema nervoso central,

onde altera a função cerebral e tempo-

rariamente muda a percepção, o humor,

o comportamento e a consciência.

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80 • capítulo 4

rença e instabilidade emocional. A falta de crítica completaria o qua-

dro clínico desses indivíduos. O retardo mental também pode ser um

fator que leve à possibilidade de comportamentos antissociais, porque

o indivíduo é menos capaz intelectualmente de lidar com situações de

estresse e, dessa forma, pode ficar facilmente frustrado ou irritado, re-

agindo de forma inadequada quando contrariado. Em outras palavras,

essas pessoas são incapazes de ter crítica em relação à antijuridicidade

de seus atos, deixando-se levar facilmente por impulsos hostis, agindo

de forma despropositada e impulsiva.

Você pode perceber que a violência aparece em alguns transtornos

mentais e, em geral, continuam sendo objeto de estudos epidemio-

lógicos em todo o mundo. No entanto, destacamos para aprofundar

mais os seus conhecimentos, nesta área, seis situações que conside-

ramos primordiais em relação ao comportamento violento, que serão

desenvolvidas nos itens a seguir.

Transtorno desafiador opositivo

O transtorno desafiador opositivo, em geral, se manifesta antes dos 8

anos e, com frequência, não depois do início da adolescência. Os sin-

tomas opositivos, em sua maioria, emergem no contexto doméstico,

mas, com o tempo, podem aparecer também em outras situações. Pode-

mos falar que é um padrão frequente de comportamento realizado pela

criança considerado: negativista, desafiador, desobediente e hostil para

com pessoas que representam autoridade para ela.

Podemos caracterizar este transtorno, quando ele persiste, por pelo

menos 6 meses, como o comportamento da criança. Em geral, é percebi-

do a ocorrência frequente de pelo menos quatro dos seguintes compor-

tamentos: perder a paciência, discutir com adultos, desafiar ativamente

ou recusar-se a obedecer a solicitações ou regras dos adultos, delibera-

damente fazer coisas que aborrecem outras pessoas, responsabilizar

outras pessoas por seus próprios erros ou mau comportamento, ser sus-

cetível ou facilmente aborrecido pelos outros, mostrar-se enraivecido e

ressentido, ou ser rancoroso ou vingativo.

O início é, tipicamente, gradual, em geral se estendendo por meses

ou anos. Deve-se ter cuidado neste diagnóstico porque o comportamen-

to opositor é uma característica típica de certos estágios do desenvol-

vimento (por exemplo, infância ou adolescência). Um diagnóstico de

transtorno desafiador opositivo deve ser considerado apenas se os com-

portamentos ocorrem com mais frequência e têm consequências mais

sérias do que se observa, tipicamente, em outros indivíduos de estágio

evolutivo comparável e se acarretam prejuízo significativo no funciona-

mento social, acadêmico ou ocupacional. Em uma proporção signifi-

cativa dos casos, o Transtorno Desafiador Opositivo é um antecedente

LEITURA

PALOMBA, G. A. Tratado de Psiquiatria

Forense. São Paulo: Atheneu, 2003.

CONCEITO

Estudos epidemiológicos

A epidemiologia pode ser definida como

o estudo da distribuição e dos determi-

nantes das doenças ou das condições

relacionadas à saúde em populações

especificadas. Os estudos epidemiológi-

cos incluem vigilância, análise e experi-

mentação dos fatores físicos, biológicos,

sociais, culturais e comportamentais

que influenciam a saúde.

LEITURA

Transtorno desafiador opositivo

Disponível em: http://www.psiqweb.

med.br/site/DefaultLimpo.aspx?are-

a=ES/VerClassificacoes&idZClassifi-

cacoes=22. Acesso em 10 set. 2014.

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capítulo 4 • 81

evolutivo do Transtorno de Conduta. (Disponível em: http://casadospro-

fessoresespeciais.blogspot.com/2006/11/transtorno-desafiador-oposi-

tivo.html Acesso em 10 out. 2014.)

Transtorno de conduta

Para ser considerado transtorno de conduta, esse tipo de comporta-

mento problemático deve alcançar violações importantes, além das ex-

pectativas apropriadas à idade da pessoa e, portanto, de natureza mais

grave que as travessuras ou a rebeldia normal de um adolescente ou

uma criança mais velha. Este tipo comportamento antissocial parece

preocupar muito mais os outros do que a própria criança ou adoles-

cente que sofre da perturbação.

Certos comportamentos como mentir ou matar aula podem ocor-

rer em qualquer criança ou adolescente sem que isso signifique desvios

do comportamento, contudo a partir de certos limites pode significar.

Para se diferenciar o comportamento desviante do normal é necessário

verificar a presença de outras características de comportamentos des-

viantes e a permanência delas ao longo do tempo. Além das circunstân-

cias em que o comportamento se dá, as companhias, o ambiente fami-

liar, os valores e os exemplos que são transmitidos devem ser avaliados

para uma classificação adequada.

Para que você entenda melhor, este transtorno, basicamente, consis-

te em uma série de comportamentos que perturbam quem está próximo,

com atividades perigosas e até mesmo ilegais. Esses jovens e crianças não

se importam com os sentimentos dos outros nem apresentam sofrimento

psíquico por atos moralmente reprováveis. Assim o comportamento deles

apresenta maior impacto nos outros do que nos próprios. Essas crianças

ou adolescentes costumam apresentar precocemente um comportamen-

to violento, reagindo agressivamente a tudo e a todos, supervalorizando

apenas o seu prazer, mesmo que em detrimento do bem-estar alheio.

Elas podem também exibir um comportamento de provocação,

ameaça ou intimidação, iniciando lutas corporais, inclusive com even-

tual uso de armas ou objetos capazes de causar sério dano físico, como

tacos e bastões, tijolos, garrafas quebradas, facas ou mesmo arma de

fogo. Outra característica no comportamento do portador de transtor-

no de conduta é a crueldade com outras pessoas e/ou com animais. Não

é raro que a violência física possa assumir a forma de estupro, agressão

ou, em outros casos, homicídio. Alguns autores afirmam que o trans-

torno de conduta é uma espécie de personalidade antissocial na juven-

tude. Como a personalidade não está formada, antes dos 18 anos, não

se pode dar o diagnóstico de personalidade patológica para menores,

mas a correspondência que existe entre a personalidade antissocial e o

transtorno de conduta é muito próxima.

LEITURA

Transtorno de conduta

Disponível em: http://www.psiqweb.

med.br/site/?area=NO/LerNoticia&id-

Noticia=136. Acesso em 10 set. 2014.

MULTIMÍDIA

Pixote: a lei do mais fraco

Sinopse: Pixote (Fernando Ramos da Sil-

va) foi abandonado por seus pais e rouba

para viver nas ruas. Ele já esteve interna-

do em reformatórios, e isso só ajudou na

sua “educação”, pois conviveu com todo

o tipo de criminoso e jovens delinquen-

tes que seguem o mesmo caminho. Ele

sobrevive se tornando um pequeno tra-

ficante de drogas, cafetão e assassino,

mesmo tendo apenas 11 anos.

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82 • capítulo 4

Transtorno de personalidade antissocial

Segundo Trindade (2007), na prática forense é comum tratar o transtor-

no de personalidade antissocial como sinônimo de psicopatia. Para esse

autor, são conceitos diferentes e seguiremos a sua linha de pensamento,

até mesmo porque é uma figura de referência em nosso país nesta área.

Para ele, a diferença está fundamentada no tipo de abordagem da ava-

liação. Isto é, o diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial

é baseado em critérios comportamentais. O diagnóstico de psicopatia

está mais ligado aos traços de personalidade, avaliados por meio de ins-

trumentos, como a Escala HARE. A psicopatia, para Trindade (2007),

pode ser uma evolução do comportamento antissocial, ou seja, teria

todas as características do comportamento antissocial, mas com uma

atenção específica aos fatores psicológicos.

De acordo com este autor (TRINDADE, 2007), o transtorno de persona-

lidade antissocial é fruto de uma combinação de fatores genéticos e am-

bientais. Há uma predisposição genética para a impulsividade e a família

e o contexto social podem não exercer o controle sobre esta impulsivida-

de. Essas pessoas são muito inteligentes, com habilidades verbais, sociais

e de racionalizar seu comportamento inadequado de modo a favorecê-lo e

justificá-lo. Parece incapaz de beneficiar-se com o castigo ou com a puni-

ção, parecendo que estas não exercem nenhum efeito sobre ele.

No transtorno de personalidade antissocial, costumamos encon-

trar indivíduos destrutivos e emocionalmente prejudiciais. Costu-

mam desorganizar o meio e as relações sociais, causando sofrimento

nas pessoas que vivem ao seu redor. Apesar de causar problemas para

os outros, são pessoas que estão sempre bem, não sentindo culpa

nem necessidade de reparar os prejuízos que causam. O mais conhe-

cido tipo de indivíduo com transtorno de personalidade antissocial

é o estelionatário, porém algumas pessoas com características an-

tissociais podem jamais enfrentar problemas legais. Para este autor

(TRINDADE, 2007), a criminalidade não é sinônimo de transtorno de

personalidade antissocial.

Uma forma de diagnosticar este transtorno seria indicada por pelo

menos três dos seguintes critérios:

1Fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a compor-

tamentos legais, indicado pela execução repetida de atos que cons-

tituem motivo de detenção;

2Propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar

nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais

ou prazer;

AUTOR

Trindade

Jorge Trindade graduou-se em Ciências

Jurídicas e Sociais (Direito) em 1975.

Trindade sempre foi um estudioso. Em

1987, concluiu sua segunda graduação,

a de Psicologia. Doutor em Psicologia

Clínica e Saúde Mental, pela Wiscon-

sin/Concordia University. Em 2000, foi

nomeado Livre Docente em Psicologia

Jurídica pela Ulbra. Jorge Trindade já

trilhou um longo caminho na esfera pú-

blica. Como promotor de Justiça, atuou

nas Comarcas de Tapes, Guaíba, Ca-

choeira do Sul, São Jerônimo, Gravataí

e Porto Alegre; e, como Procurador de

Justiça, perante o Tribunal de Alçada,

Tribunal de Justiça, Tribunal Militar e Tri-

bunal de Contas.

LEITURA

Escala Hare

Disponível em: http://psicopatiapenal.

blogspot.com.br/p/diagnostico-de-psi-

copatia.html. Acesso em 10 set. 2014.

Page 84: Livro didático de Psicologia aplicada ao Direito - Login - …portaldoaluno.webaula.com.br/biblioteca/Acervo/Basico/… ·  · 2016-03-24Sumário Prefácio 5 1. Breve história

capítulo 4 • 83

3 Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro;

4Irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais

ou agressões físicas;

5 Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia;

6Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso

em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obri-

gações financeiras;

7Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por

ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa.

Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Antissocial fre-

quentemente não possuem empatia e tendem a ser insensíveis e cíni-

cos e a desprezar os sentimentos, direitos e sofrimentos alheios. Eles

podem ter uma autoestima acentuada e arrogante (por exemplo, achar

que um trabalho comum não está à sua altura, ou não ter uma preocu-

pação realista com seus problemas atuais ou seu futuro) e podem ser

excessivamente autossuficientes ou vaidosos. Esses indivíduos podem

também ser irresponsáveis e exploradores em seus relacionamentos se-

xuais. Eles podem ter uma história de múltiplos parceiros sexuais, sem

jamais ter mantido um relacionamento monogâmico. Essas pessoas po-

dem ser irresponsáveis na condição de pai ou mãe. Esse transtorno não

é considerado uma doença ou um transtorno mental que qualifique este

indivíduo como inimputável. Não há prejuízo na capacidade de controle

das suas emoções, além de saber diferenciar o que é certo e errado.

Na situação da psicopatia, para Trindade (2007), este termo é utili-

zado, muitas vezes, em um sentido amplo e não técnico, servindo para

confundir mais esse conceito. Esse termo surgiu no século XVIII, para

designar comportamentos que não eram classificados em qualquer ca-

tegoria de transtorno mental. A psicopatia é um modelo particular de

personalidade. Ela é resultado da interação de diferentes fatores, sociais

e biológicos, como o transtorno de personalidade antissocial. O fato

como agem em relação às normas sociais e jurídicas fez com que fos-

sem também nomeados de sociopatas. Os psicopatas cometem delitos

violentos que abalam a humanidade.

É frequente a sobreposição de psicopatia, transtorno de personali-

dade antissocial e criminalidade. Nem todos os psicopatas são obrigato-

riamente criminosos. Porém, quando o são, diferem qualitativamente.

São mais frios, menos reativos, mais impulsivos e violentos. De acordo

com a Escala Hare, os psicopatas preenchem os critérios para o transtor-

CONCEITO

Inimputável

Aquele que por anomalia psíquica ou re-

tardo mental não pode responder por si

judicialmente.

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84 • capítulo 4

no de personalidade antissocial, mas nem todos os indivíduos com este

transtorno não preenchem os critérios para psicopatia. Em contextos

forenses, há uma prevalência duas a três vezes maior de transtornos de

personalidade antissocial do que de psicopatas.

Por meio da crueldade com que agem, fazem das suas vítimas pre-

sas e são vistos como predadores. Sua escala de valores não é a mesma

de seu meio social. Para ele, o importante é satisfazer os seus desejos a

qualquer preço. Não internalizam a noção de lei como a cultura e a so-

ciedade estabelecem, criando as suas próprias normas, de acordo com

seu prazer. Seu comportamento é planejado e utilitário. Não se sentem

responsáveis pelos seus atos, porque o outro é sempre responsável por

eles. O outro só tem existência como alguém a ser usado, como uma

coisa ou um objeto. É por isso que não conseguem aprender com seus

erros. Eles constroem uma carreira criminosa marcada por crimes co-

metidos de várias formas, principalmente violentos. O conhecimento

sobre o funcionamento e a estruturação psíquica do psicopata pode ser

importante na predição de comportamentos futuros destes sujeitos.

Bullying e assédio moral

Em relação ao bullying, as pesquisas sobre o assunto, tiveram maior ex-

pressão a partir da década de 1970. Um pesquisador — educador, no-

rueguês, chamado DanOlweus, desenvolveu um estudo, nesta época.

Para ele, bullying ou vitimização pode ser descrito quando um estudante

é exposto, repetidamente e durante um tempo, a ações negativas de um

ou mais estudantes. Uma ação é negativa quando alguém intencional-

mente inflige, ou tenta infligir, dano ou desconforto em outro. As ações

negativas podem ser por meio de palavras (verbalmente), por exemplo,

ameaçando, “pegando no pé”, gozando e dando apelidos. Também é

uma ação negativa quando alguém bate, empurra, chuta, belisca ou

contém alguém — por contato físico. Também é possível realizar ações

negativas sem o uso de palavras ou contato físico, como fazer caretas ou

gestos, excluir intencionalmente alguém de um grupo, ou recusar-se a

obedecer à vontade da pessoa.

No Brasil, temos duas pioneiras nesta área, Cleo Fante, para o

bullying escolar, e Margarida Barreto, para a situação de assédio moral.

Para efeitos didáticos, vamos dividir estas duas situações. Em linhas

gerais, não existe tradução exata para o bullying. Pode ser considerado

um assédio moral. Podemos descrever como atos de denegrir, violentar,

agredir, destruir a estrutura emocional de uma pessoa sem motivação

alguma e de forma repetida. Para Cleo Fante, consiste em um conjunto

de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem moti-

vação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causan-

do dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis,

LEITURA

TRINDADE, J. “Transtorno de conduta,

transtorno de personalidade antissocial

e psicopatia”. In: Manual de Psicologia

Jurídica para operadores do Direito.

Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007. p.198-213.

AUTOR

Dan Olweus

Dan Olweus nasceu na Suécia, fez dou-

torado na Universidade de Umea, na

Suécia, em 1969. De 1970 a 1995 foi

professor de Psicologia na Universidade

de Bergen, na Noruega. Desde 1996,

ele tem sido professor e pesquisador

da Psicologia, afiliado com o Centro de

Pesquisa para a Promoção da Saúde

(HEMIL) na mesma universidade. O livro

Bullying na escola: o que sabemos e o

que podemos fazer (Olweus, 1993) foi

publicado em mais de 25 línguas.

AUTOR

Cléo Fante

Cléo Fante é a maior especialista do

Brasil sobre bullying. Ela é educadora,

pesquisadora, conferencista, escritora,

graduada em História e Pedagogia, pós-

graduada em Didática do Ensino Superior

e doutoranda em Ciências da Educação

pela Universidade de Ilhas Baleares, Es-

panha. É presidente do Centro de Estu-

dos do Bullying Escolar, em Brasília-DF.

É autora do programa antibullying Educar

para a Paz, implantado em inúmeras es-

colas brasileiras e em Portugal.

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capítulo 4 • 85

gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de

grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alu-

nos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são

algumas das manifestações do “comportamento bullying”.

As diferenças entre bullying e outras formas de violência e “brinca-

deiras” podem ser classificadas, no caso do bullying, em: ações repe-

titivas contra a mesma vítima em um período prolongado de tempo;

ocorrência de um desequilíbrio de poder, entre agressor e vítima, difi-

cultando a defesa da vítima; e, ausência de motivos que justifiquem os

ataques. Quanto às formas como essa violência pode ocorrer destacam-

se: a direção horizontal descrita como o bullying ocorrendo entre pesso-

as do mesmo nível, mesma posição; e, na direção vertical, abrangendo

pessoas de níveis diferentes e posições diferentes. Como participantes

desta situação temos: agressores, vítimas, espectadores passivos e víti-

mas-agressoras. Passemos a uma breve descrição destas posições.

Os agressores (bullies) são descritos como pessoas que manifestam

pouca empatia. Além disso, têm baixa resistência às frustrações, custan-

do a adaptar-se às normas, porque gostam de poder e de controle e, as-

sim, adotam condutas antissociais. As vítimas são pessoas consideradas

diferentes ou “esquisitas”. Essas diferenças podem ser de raça, religião,

opção sexual, desenvolvimento acadêmico, sotaque, maneira de ser e

de se vestir. Encontramos também bullying em relação a pessoas que se

destacam no seu meio e pessoas novatas em diferentes situações. Os es-

pectadores passivos ou testemunhas silenciosas que, em geral, mantêm

alguma relação com as vítimas e com os agressores, são pessoas que, na

grande maioria, não concordam, mas preferem ficar em silêncio porque

têm medo que os agressores as “elejam” para esses ataques. E, por fim, as

vítimas-agressores que são pessoas que sofreram o bullying e passam a ser

agressoras. Desta forma, reproduzem os maus tratos sofridos, integrando

grupos para hostilizar os seus agressores ou elegendo outras vítimas.

As consequências para as pessoas que sofrem bullying são, em geral,

prejudiciais ao seu desenvolvimento emocional e, muitas vezes, físico.

Muitas delas desenvolvem uma reação de estresse levando à baixa da

resistência imunológica e a sintomaspsicossomáticos, principalmente,

nos horários próximos à ida para a escola. Pode afetar o ambiente da

escolar, tendo como causa mais grave o suicídio.

O Brasil não tem uma lei federal sobre o combate ao bullying. Um

projeto de lei propõe que as ações de combate ao bullying sejam detalha-

das na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação. O projeto aguarda

votação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. A pro-

posta, de autoria do senador Gim Argello (PTB-DF), quer incluir, entre

as incumbências dos estabelecimentos de ensino, a promoção de am-

biente escolar seguro e a adoção de estratégias de prevenção e combate

a intimidações e agressões. Alguns estados e municípios, no entanto,

adotaram leis de combate ao bullying. No entanto, em nosso ordena-

CONCEITO

Empatia

Significa a capacidade psicológica para

sentir o que sentiria outra pessoa caso

estivesse na mesma situação vivencia-

da por ela. Consiste em tentar compre-

ender sentimentos e emoções, procu-

rando experimentar de forma objetiva e

racional o que sente outro indivíduo.

Estresse

O estresse pode ser causado por qual-

quer evento ou sensação que o faz se

sentir frustrado, irritado ou nervoso. O

estresse é uma sensação de medo, des-

conforto e preocupação.

Sintomas psicossomáticos

A causa principal deste sintoma que

aparece no corpo, está dentro do emo-

cional da pessoa, ligada, portanto à sua

mente, aos seus sentimentos, à sua

afetividade. E essa variável emocional

se torna importante tanto no desenca-

deamento de um episódio, de uma crise,

quanto no aumento e/ou manutenção

do sintoma, conforme cada pessoa.

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86 • capítulo 4

mento jurídico constitucional, podemos encontrar no artigo 5º e alguns

incisos, da Constituição Federal (1988), referência ao tratamento desi-

gual e desumano, que não deve ser tolerado pela sociedade.

Constituição Federal

Artigo 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-

reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país

a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e

à propriedade...

III — ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante;

X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação;

XLI — a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liber-

dades fundamentais.

Quanto ao assédio moral, Hirigoyen (2002) considera um assassina-

to psíquico, um processo contínuo de agressões que destrói lentamente

a dignidade do sujeito. Podemos dizer que o assédio moral é uma co-

ação social, que pode ser instalada em qualquer tipo de hierarquia ou

relação que se sustente pela desigualdade social e pela autoridade. Na

verdade, o assédio moral é um fenômeno antigo, no entanto sua im-

portância atual deve-se ao novo cenário no trabalho, onde os vínculos

e interesses próprios elevam sempre à uma disputa competitiva. Nossa

realidade atual, no mundo do trabalho, requer sempre o aumento da

produtividade e um alto nível de competitividade.

O conceito de assédio moral é amplo, subjetivo e tem diversas ver-

tentes. Para MargaridaBarreto, o assédio moral pode ser definido como

a exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e

humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva e

prolongada ao longo da jornada de trabalho. É uma atitude desumana,

violenta e sem ética nas relações de trabalho, que afeta a dignidade, a

identidade e viola os direitos fundamentais dos indivíduos (2008). Você

deve ficar atento porque o assédio moral é diferente de situações confli-

tivas e estressantes, más condições de trabalho e imposições profissio-

nais. Além disso, ele não é um evento isolado, uma agressão pontual ou

desavenças esporádicas. É uma situação que mantém uma continuida-

de e assiduidade que leva a pessoa que sofre este tipo de situação a um

danopsíquicoprolongado.

Este dano psíquico leva a uma desorganização interna que tem como

consequências: a modificação do seu comportamento; o afastamento

das pessoas; o sentimento de impotência frente às situações; podendo

levar a uma impossibilidade para a execução de suas tarefas. O compor-

tamento do agressor a este estado pode ser a recusa à comunicação di-

CONCEITO

Dano psíquico prolongado

Modificações significativas na perso-

nalidade podendo evoluir para uma

doença mental.

AUTOR

Margarida Barreto

Margarida Barreto integra o grupo de

profissionais responsável pelo site Assé-

dio moral no trabalho. Chega de humi-

lhação!, e viaja por todo o país divulgando

e incentivando discussões sobre a ques-

tão que afeta um sem-número de tra-

balhadores. “Só no site, nós recebemos

cerca de 300 denúncias por dia”, disse

Margarida, que é autora do livro Violên-

cia, saúde, trabalho — uma jornada de

humilhações (Educ, 2000 e 2006).

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capítulo 4 • 87

reta com alguém; a desqualificação do indivíduo ou de seu trabalho; o

descrédito frente aos outros; isolamento da pessoa; situações de cons-

trangimento; e, muitas vezes, provocação de equívocos nas tarefas.

Não pretendendo esgotar este assunto, para finalizar, seria impor-

tante assinalar a dificuldade em penalizar, identificar e sinalizar os ca-

sos, apesar dos danos físicos, psíquicos e patrimoniais daqueles que

sofrem este tipo de assédio. Segundo autores da área, o Código Civil

adotou a teoria da responsabilidade civil, com base no parágrafo único

do artigo 927, na modalidade de “risco ocupacional”. O empregador as-

sume o risco pelo tratamento dispensado ao empregado.

O psicólogo e a violência

Vamos chamar a atenção para o fato de que a violência se manifesta em

diferentes contextos — urbano, familiar, trabalho, entre outros. Assim,

de acordo com a compreensão de violência anteriormente descrita, o

agente que causa maiores danos dentro de uma situação de violência

é aquele que detém maior poder em cada um desses contextos, e, por

isso, é identificado como autor da violência. A violência causa muitos

danos àqueles que são submetidos a ela, tais como: danos físicos, da-

nos emocionais e, em última instância, a morte. Assim, estudos e pro-

gramas voltados à promoção da saúde de pessoas envolvidas em situa-

ções de violência (autores e vítimas) são de muita importância na busca

da eliminação e prevenção de violências, bem como na promoção de

cuidados àqueles já expostos a elas.

Desde a década de 1970, a Psicologia destina especial atenção às

práticas que ampliem o compromisso do psicólogo com os problemas

sociais do nosso país (SAWAIA, 2003). Assim, as práticas de muitos psicó-

logos passaram a ser orientadas pelo desafio de compreender esse novo

campo de trabalho, o que implica também em mudanças em suas pró-

prias concepções sobre os fenômenos que se tornaram parte do seu coti-

diano profissional (CFP, 2007). Essa perspectiva é expressa nas Referên-

cias Técnicas para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS (CFP, 2007):

Temos muito que ver fora dos consultórios, dos settings convencionais.

Temos a oportunidade de estabelecer muitos olhares, muitas conexões,

muitas redes. Temos a oportunidade de trabalhar com a vida, não com o

pobre, o pouco, o menos. Temos o dever de devolver para a sociedade a

contradição, quando muitos não usufruem de um lugar de cidadania, que

deveria ser garantido a todos, como direito (p. 12).

Quanto ao papel do psicólogo, constata-se a necessidade de um

olhar mais amplo, que contemple, além das demandas particulares

de cada sujeito (tratamento do agressor e da vítima), um envolvimento

LEITURA

BARRETO, M. Violência, saúde, traba-

lho: uma jornada de humilhações. São

Paulo: EDUC; PAREA FAPESP, 2003.

BARRETO, M.; FREITAS, M.E.;HELOA-

NI, R. Assédio moral no trabalho. São

Paulo: Cengage, 2008.

MULTIMÍDIA

Bullying

Sinopse: Bobby Kent (Nick Stahl) vive

amedrontando os garotos de sua esco-

la. Cansados de sua atitude, eles se jun-

tam e decidem lhe dar uma lição, atrain-

do-o até um pântano e espancando-o

até sua morte. Entre os garotos estão

também alguns amigos de Bobby, que

aproveitam a oportunidade para tomar

seu lugar. O assasinato provoca reações

distintas na comunidade em que vivem,

que vão do choque pela brutalidade do

ocorrido até mesmo à sensação de que

Bobby recebeu o que merecia.

O diabo veste Prada

Sinopse: Andrea Sachs (Anne Ha-

thaway) é uma jovem que conseguiu um

emprego na Runaway Magazine, a mais

importante revista de moda de Nova

York. Ela passa a trabalhar como assis-

tente de Miranda Priestly (Meryl Streep),

principal executiva da revista. Apesar da

chance que muitos sonhariam em con-

seguir, logo Andrea nota que trabalhar

com Miranda não é tão simples assim.

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88 • capítulo 4

maior com o social, pois não se pode isolar a violência do contexto social em que ela está

inserida. Os profissionais, que trabalham com este fenômeno, devem estar mais flexíveis,

dispostos a traçar novos caminhos, criar novas alternativas que possam contemplar as de-

mandas trazidas da forma mais integrada possível. A violência, para o psicólogo, deve ser

tratada e não punida. Ele utilizará a investigação das causas, usará as pesquisas já realiza-

das para, a partir de um trabalho em equipe, tornar viável a reestruturação da situação onde

ocorreu a violência. É preciso, desta forma, uma maior qualificação, para o psicólogo, como

profissional e como pessoa, para que ele possa trabalhar nesta área.

RESUMO

Neste capítulo, você pode perceber as diferentes formas de violência e como elas interagem no cotidiano

das pessoas. Muitas delas, nem são consideradas violências em determinados grupos sociais ou cultu-

rais. Você foi apresentado a algumas características de comportamentos antissociais em portadores de

transtornos emocionais que podem chegar a situações de violência. Você percebeu que determinados

comportamentos violentos começam na infância e, se não forem tratados, podem evoluir para uma situa-

ção grave na idade adulta. Como a violência permeia o nosso dia a dia, você aprendeu sobre o bullying e

o assédio moral e constatou as consequências trágicas para aqueles que sofrem esta situação. A atuação

do psicólogo é fundamental nestas situações em que as pessoas precisam resgatar a sua autoestima e,

muitas vezes, a sua vontade de viver.

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capítulo 4 • 89

ATIVIDADE

01. Pesquisa

Utilizando os meios de comunicação, faça uma pesquisa buscando reportagens em que você deverá iden-

tificar uma situação de psicopatia e uma situação de transtorno de personalidade antissocial, apontando

as diferenças entre estes fatores, segundo os parâmetros estabelecido por Trindade (2007) neste capítulo.

02. Texto

Causas da violência no Brasil

Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais violentas do mundo. Hoje,

o país tem altíssimos índices de violência urbana (...); violência doméstica (...); violência familiar e violência

contra a mulher, que, em geral, é praticada pelo marido, namorado, ex-companheiro etc.

A questão que precisamos descobrir é porque esses índices aumentaram tanto nos últimos anos. Onde

estaria a raiz do problema? (...)

Já é tempo de a sociedade brasileira se conscientizar de que violência não é ação. Violência é, na verdade,

reação. O ser humano não comete violência sem motivo. É verdade que algumas vezes as violências reca-

em sobre pessoas erradas, (pessoas inocentes que não cometeram as ações que estimularam a violência).

No entanto, as ações erradas existiram e alguém as cometeu, caso contrário não haveria violência.

Em todo o mundo as principais causas da violência são: o desrespeito, a prepotência, crises de raiva cau-

sadas por fracassos e frustrações, crises mentais (...).

No Brasil, a principal “ação errada”, que antecede a violência é o desrespeito. O desrespeito é consequente

das injustiças e afrontamentos, sejam sociais, sejam econômicos, sejam de relacionamentos conjugais

etc. A irreverência e o excesso de liberdades (...) também produzem desrespeito. E o desrespeito produz

desejos de vingança que se transformam em violências. (...)

(Valvim M Dutra — Extraído do Capítulo 9 do livro Renasce Brasil — www.renascebrasil.com.br/p_livro)

02.1. De acordo com o texto, é correto afirmar que:

a. A violência acontece somente dentro de casa.

b. O Brasil apresenta altos índices de violência nas cidades.

c. A violência acontece somente em relação à mulher.

d. Somente ex-companheiros brigam.

02.2. Segundo o texto, a(s) principal(is)causa(s) da violência:

a. É a fome.

b. São sempre os ciúmes entre namorados.

c. É a pouca escolaridade que as pessoas têm.

d. É o desrespeito.

02.3. Considerando-se as ideias do texto, é correto afirmar que:

a. Praticamos ações violentas sem qualquer motivo.

b. A violência é ação.

c. É necessária a existência de um motivo para que se pratiquem ações violentas.

d. As ações violentas são sempre praticadas por doentes mentais.

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90 • capítulo 4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARRETO, M.; FREITAS, M.E.; HELOANI,R. Assédio moral no trabalho. São Paulo: Cengage, 2008.

BARRETO, M. Assédio moral: risco não visível no ambiente de trabalho. Entrevista. Disponível em: http://

www.assediomoral.org/spip.php?article372. Acesso em 10 set. 2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado, 1998.

CHALUB, M; TELLES, L.E. de. B. “Álcool, drogas e crime”. In: Revista Brasileira de Psiquiatria. 2006;

28(Supl. II):S69-73

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Referências Técnicas para atuação do/a Psicólogo/a no

CRAS/SUAS. Brasília-DF, 2007.

DIAS, Elsa Olivei ra. Winnicott: agressividade e teoria do amadurecimento. In: Nat. hum., São Paulo, v.2, n.1,

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FANTE, C. Fenômeno bullying. São Paulo: Verus, 2005.

FIORELLI, J.O.; MANGINI, R.C.R. Psicologia Jurídica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho — redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand

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PALOMBA, G. A. Tratado de psiquiatria forense. São Paulo: Atheneu; 2003.

SAWAIA, B. B. “Comunidade: a apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade”.

In: CAMPOS, R. H. de F. (Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis:Vo-

zes,2003. p.42-53.

TRINDADE, J. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advo-

gado, 2007.

WINNICOTT, D.W. Privação e delinquência. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

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A Psicologia e suas interfaces com os sistemas jurídico e judiciário

stella aranha

15

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92 • capítulo 5

5 A Psicologia e suas interfaces com os sistemas jurídico e judiciário

Direito e Justiça

Direito e Justiça são palavras que trazem complexos e diferentes sig-

nificados. Entretanto, é fácil entendê-las e assimilar o seu significa-

do, pois, desde os primeiros anos de vida, as pessoas sabem o que

lhes pertence e sabem defendê-lo dos outros que se aventuram a to-

mar para si o referido bem.

De acordo com Mafra (2005), à medida que crescemos e aprende-

mos o significado de Direito como um conjunto de normas da vida

social, também desenvolvemos a noção de que justiça, dentre outros

significados, tem o sentido de uma norma cumprida, observada e

respeitada. Desta forma, fazer justiça é respeitar o direito e não re-

alizar qualquer ação que perturbe o equilíbrio social em relação ao

respeito das leis por cada um de nós.

Para Cavalieri Filho (2002), Direito e Justiça são considerados

pela sociedade como uma coisa só. No entanto, sabemos que nem

sempre é assim. Nem tudo que é Direito é justo nem tudo que é justo

é Direito. A ideia de Justiça envolve valores inerentes ao ser huma-

no, tais como a liberdade, igualdade, fraternidade, o que vem sendo

chamado de Direito natural desde a Antiguidade. O Direito, em con-

trapartida, é uma invenção humana, um fenômeno histórico e cul-

tural, considerado uma técnica de pacificação social e de realização

de justiça. A Justiça é um sistema aberto de valores, em constante

modificação, o Direito, para este autor (Cavalieri Filho, 2002) é um

conjunto de princípios e regras destinado a realizá-la. Nem sempre o

Direito alcança essa finalidade, quer por não conseguir acompanhar

as transformações sociais, quer pela incapacidade daqueles que o

conceberam, e, além disso, por falta de disposição política para im-

plementá-lo, tornando-se por isso um direito injusto. Pode-se dizer

que o direito está em permanente busca da justiça e, por isso, em

permanente transformação.

Sabemos a finalidade do Direito, mas e a finalidade da Justiça? Po-

deríamos dizer que é a transformação social, na busca de uma socie-

dade justa. Outra pergunta poderia ser feita: O que é uma sociedade

justa? Segundo Cavalieri Filho (2002), é uma sociedade sem precon-

ceitos e discriminação de raça, sexo, cor ou idade; uma sociedade livre,

solidária, sem pobreza e desigualdades sociais, na qual a cidadania e

a dignidade da pessoa humana são as principais metas. O operador

do Direito deve adequar o Direito à Justiça. Isso ocorre porque sendo

a Justiça um sistema aberto de valores e suscetível às mudanças, por

LEITURA

MAFRA, Francisco. “O Direito e a Justi-

ça”. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII,

n. 20, fev 2005.

Disponível em: <http://www.ambi-

to-juridico.com.br/site/index.php?n_

link=revista_artigos_leitura&artigo_

id=870>Acesso em set. 2014.

CAVALIERI FILHO, S. “Direito, Justiça

e sociedade”. In: Revista da EMERJ, v.5,

n.18, 2002.

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capítulo 5 • 93

AUTOR

Kazuo Watanabe

Possui graduação em Direito pela Uni-

versidade de São Paulo (USP — 1959),

mestrado em Direito pela USP (1978)

e doutorado em Direito também pela

USP (1985). Atualmente é professor

doutor da Universidade de São Pau-

lo. Tem experiência na área de Direito,

com ênfase em Direito Processual Civil,

atuando principalmente nos seguintes

temas: processo coletivo, políticas pú-

blicas, controle jurisdicional, solução de

conflitos e código de proteção e defesa

do consumidor.

LEITURA

Sobre o Conselho Nacional de Justiça.

Disponível em: http://www.cnj.jus.br/

sobre-o-cnj

melhor que seja a lei, sempre terá de ser ajustada às transformações

sociais e aos novos ideais de Justiça. Por isso, vamos falar adiante de

Justiça Restaurativa.

Psicologia, o Judiciário e a busca do acesso à justiça

O acesso à justiça pressupõe a capacidade e oportunidade de realização

de um direito, principalmente, dos direitos humanos que configuram a

verdadeira cidadania. Mas o que o psicólogo tem a ver com esta questão?

— você deve estar se perguntando. Os princípios fundamentais do Código

de Ética dos Psicólogos afirmam que o psicólogo baseará o seu trabalho no

respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da in-

tegridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração

Universal dos Direitos Humanos. Além disso, trabalhará visando a promo-

ver a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contri-

buirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discrimina-

ção, exploração, violência, crueldade e opressão. Por isso, trabalhar por

uma justiça mais justa, também é dever do psicólogo porque, desta forma,

este profissional estará concretizando os princípios fundamentais de sua

profissão. Sendo assim, torna-se uma preocupação, também, para o psicó-

logo, o acesso à justiça, como uma forma de lutar contra a discriminação.

ATENÇÃO

É importante destacar que acesso à justiça não se confunde, ou não se deve confun-

dir com acesso ao Judiciário. O Judiciário é um ambiente, muitas vezes, impenetrável,

diferente, formal e ligado à hierarquização das relações, dos cargos e das pessoas.

Como bem defende KazuoWatanabe, o acesso à Justiça não se es-

gota no acesso ao Judiciário nem no próprio universo do direito estatal,

tampouco nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já exis-

tentes. Não se trata, pois, de conceder o acesso à Justiça enquanto insti-

tuição estatal, mas, em verdade, viabilizar o acesso à ordem jurídica jus-

ta. A democratização do acesso à Justiça não pode ser confundida com

a mera busca pela inclusão dos segmentos sociais ao processo judicial.

Desde meados de 2007, a Secretaria de Reforma do Judiciário do Minis-

tério da Justiça, definiu o tema “Democratização do Acesso à Justiça” como

eixo prioritário de suas ações. Esta Secretaria é a articuladora de uma políti-

ca nacional voltada à democratização do acesso ao Sistema de Justiça, que é

constituída pelo debate coletivo e executada em conjunto com as estruturas

do sistema de Justiça, instituições de ensino, pesquisa e entidades da socie-

dade civil. Na tentativa de dar mais visibilidade à Justiça Restaurativa, em

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94 • capítulo 5

14 de agosto de 2014, o Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

assinou um acordo para incentivar a Justiça Restaurativa com o objetivo de

diminuir a judicialização de infrações e reparar relações sociais.

Justiça Restaurativa X Justiça Retributiva ou Tradicional

A Justiça Restaurativa surgiu na Nova Zelândia, a partir de um movimen-

to da comunidade local, em sua grande maioria descendentes de tribos

aborígenes, especialmente Maoris. Eles estavam insatisfeitos em rela-

ção aos procedimentos adotados pela justiça formal com os jovens que

praticavam atos infracionais. Propuseram um resgate das tradições de

suas tribos que seria uma forma alternativa para resolução de conflitos.

A partir de então, essas práticas têm sido utilizadas regularmente e pro-

porcionam resultados positivos.

Como princípios importantes da Justiça Restaurativa, temos a volun-

tariedade, em que não há obrigação de participar, todos são convidados

e devem sentir-se livres para aceitar o convite ou recusá-lo sem que isso

cause prejuízo a nenhuma das partes. Outro princípio a ser destacado é

a horizontalidade. Em um procedimento restaurativo, todos são iguais

na condição de seres humanos; não existe uma hierarquia, não há a im-

posição de poder de uns sobre os outros.

Também é reforçada a importância do resgate de valores que ficam

prejudicados quando se pratica um ato infracional. Os valores mais im-

portantes, nesta situação, são: participação, respeito, honestidade, hu-

mildade, interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança.

Pelos princípios da justiça restaurativa, busca-se alcançar a responsa-

bilização do autor do ato infracional, sem deixar de oferecer-lhe o apoio

de que necessita. Paralelamente, é oferecido à vítima atendimento e aco-

lhimento de sua dor, bem como a oportunidade de ressignificação e res-

tituição de dano, mesmo que simbolicamente. Nesta abordagem, todos

são protagonistas: vítima, ofensor e sua comunidade. A participação da

comunidade neste processo é fundamental, pois se entende que ela tam-

bém sofre e é, também, responsável pelo conflito que rompe e interfere

nas relações existentes naquele local.

Seguindo essa recomendação da Organização das Nações Uni-

das (ONU), alguns países já introduziram a justiça restaurativa em

sua legislação, merecendo destaque a Colômbia, que a inscreveu na

Constituição (art. 250) e na legislação (Art. 518 e seguintes, do novo

Código de Processo Penal), e a Nova Zelândia, que desde 1989 já a

introduziu na legislação infantojuvenil.

Você, agora, terá possibilidade de comparar pelos quadros as ações da

Justiça Restaurativa em relação à Justiça Retributiva ou Tradicional.

CONCEITO

Empoderamento

Conscientização; criação; socialização

do poder entre os cidadãos; conquista

da condição e da capacidade de partici-

pação; inclusão social e exercício da ci-

dadania. Empoderamento é a conscien-

tização e a participação com relação a

dimensões da vida social.

LEITURA

PINTO, Renato Sócrates Gomes. “A

construção da Justiça Restaurativa no

Brasil. O impacto no sistema de Justi-

ça criminal”. In: Jus Navigandi, Teresina,

ano 12, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível

em: <http://jus.com.br/artigos/9878>.

Acesso em 01 set. 2014.)

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capítulo 5 • 95

VALORES

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Conceito estritamente jurídico de Crime — Vio-

lação da Lei Penal — ato contra a sociedade

representada pelo Estado.

Conceito amplo de Crime — ato que afeta a ví-

tima, o próprio autor e a comunidade causando-

lhe uma variedade de danos.

Primado do Interesse Público (Sociedade, re-

presentada pelo Estado, o Centro) — Monopólio

estatal da Justiça Criminal.

Primado do Interesse das Pessoas Envolvidas

e Comunidade — Justiça Criminal participativa.

Culpabilidade Individual voltada para o passado

— Estigmatização.

Responsabilidade, pela restauração, numa di-

mensão social, compartilhada coletivamente e

voltada para o futuro.

Uso Dogmático do Direito Penal Positivo. Uso Crítico e Alternativo do Direito.

Indiferença do Estado quanto às necessidades

do infrator, vítima e comunidade afetados —

desconexão.

Comprometimento com a inclusão e Justiça So-

cial gerando conexões.

Monocultural e excludente.Culturalmente flexível (respeito à diferença, to-

lerância).

Dissuasão. Persuasão.

PROCEDIMENTOS

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Ritual Solene e Público.Ritual informal e comunitário, com as pessoas

envolvidas.

Indisponibilidade da Ação Penal. Princípio da Oportunidade.

Contencioso e contraditório. Voluntário e colaborativo.

Linguagem, normas e procedimentos formais e

complexos — garantias.Procedimento informal com confidencialidade.

Atores principais — autoridades (representando

o Estado) e profissionais do Direito.

Atores principais –— vítimas, infratores, pesso-

as da Comunidade, ONGs.

Processo Decisório a cargo de autoridades (Po-

licial, Delegado, Promotor, Juiz e profissionais

do Direito) — Unidimensionalidade.

Processo Decisório compartilhado com as pes-

soas envolvidas (vítima, infrator e comunidade)

— Multidimensionalidade.

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96 • capítulo 5

RESULTADOS

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Prevenção Geral e Especial

— Foco no infrator para intimidar e punir.

Abordagem do Crime e suas consequências

— Foco nas relações entre as partes, para res-

taurar.

Penalização

Penas privativas de liberdade, restritivas de di-

reitos, multa.

Estigmatização e Discriminação.

Pedido de Desculpas, Reparação, restituição,

prestação de serviços comunitários.

Reparação do trauma moral e dos Prejuízos

emocionais — Restauração e Inclusão.

Tutela Penal de Bens e Interesses, com a Puni-

ção do Infrator e Proteção da Sociedade.

Resulta responsabilização espontânea por par-

te do infrator.

Penas desarrazoadas e desproporcionais em

regime carcerário desumano, cruel, degradante

e criminógeno — ou penas alternativas inefica-

zes (cestas básicas).

Proporcionalidade e Razoabilidade das Obriga-

ções Assumidas no Acordo Restaurativo.

Vítima e Infrator isolados, desamparados e de-

sintegrados. Ressocialização Secundária.Reintegração do Infrator e da vítima prioritárias.

Paz Social com Tensão. Paz Social com Dignidade.

EFEITOS PARA A VÍTIMA

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Pouquíssima ou nenhuma consideração, ocu-

pando lugar periférico e alienado no processo.

Não tem participação nem proteção, mal sabe o

que se passa.

Ocupa o centro do processo, com um papel e

com voz ativa. Participa e tem controle sobre o

que se passa.

Praticamente nenhuma assistência psicológica,

social, econômica ou jurídica do Estado.

Recebe assistência, afeto, restituição de perdas

materiais e reparação.

Frustração e Ressentimento com o sistema.

Tem ganhos positivos. Suprem-se as necessi-

dades individuais e coletivas da vítima e comu-

nidade.

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capítulo 5 • 97

EFEITOS PARA O INFRATOR

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Infrator considerado em suas faltas e sua má-

formação.

Infrator visto no seu potencial de responsabili-

zar-se pelos danos e consequências do delito.

Raramente tem participação. Participa ativa e diretamente.

Comunica-se com o sistema por advogado. Interage com a vítima e com a comunidade.

É desestimulado e mesmo inibido a dialogar

com a vítima.

Tem oportunidade de desculpar-se ao sensibi-

lizar-se com o trauma da vítima.

É desinformado e alienado sobre os fatos pro-

cessuais.

É informado sobre os fatos do processo res-

taurativo e contribui para a decisão.

Não é efetivamente responsabilizado, mas pu-

nido pelo fato.

É inteirado das consequências do fato para a

vítima e comunidade.

Fica intocável. Fica acessível e se vê envolvido no processo.

Não tem suas necessidades consideradas. Supre-se suas necessidades.

Disponível em: http://jus.com.br/artigos/9878/a-construcao-da-justica-restaurativa-no-brasil#ixzz3C5tfDMMz

Você deve ter observado que a Justiça Restaurativa apresenta uma forma diferente de

compreender o conflito entre as pessoas e resolvê-lo. Vamos entender como é caracteriza-

do e tratado o conflito nesta área.

Caracterização do conflito

Como você viu no item anterior, a Justiça Restaurativa trabalha com uma nova compreen-

são do conflito que chega até o Judiciário. Mas de que forma é analisado esse conflito? O

conflito faz parte de nossa vida. Ele se estabelece a partir de expectativas, valores e interes-

ses que são contrariados. Nessas situações, costumamos tratar os outros como inimigos ou

adversários. Cada uma das partes envolvidas no conflito busca encontrar argumentos para

reforçar suas posições e, desta forma, enfraquecer e destruir os argumentos da outra parte.

É por causa deste estado emocional gerado pela disputa, que as pessoas não conseguem

perceber que, mesmo nesta situação, têm interesses comuns.

Numa proposta restaurativa, vamos perceber o conflito como parte das relações huma-

nas e resultado de percepções e posições divergentes que envolvem, também, expectativas,

valores e interesses comuns, como já foi dito. O conflito não deve ser considerado negativo.

É quando compreendemos que o conflito é inevitável que vamos ser capazes de desenvol-

ver soluções autocompositivas. Quando não encaramos o conflito com responsabilidade,

a nossa tendência é convertê-lo em confronto ou disputa. Quando consideramos o outro

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98 • capítulo 5

como adversário, não escutamos a sua fala porque já estamos nos prepa-

rando para uma nova argumentação. Isso pode ocorrer, também, com a

outra pessoa e, desta forma, se todos não se sentem escutados e enten-

didos, a tendência é que a situação se agrave ainda mais, com as pessoas

mantendo suas posições irreversíveis em relação à mudança.

O conflito interpessoal compreende três aspectos: o relacional —

valores, crenças e expectativas; o objetivo — interesse envolvido; e a

trama — o conjunto de valores, crenças e expectativas, ligadas ao in-

teresse envolvido. Por exemplo: um ex-casal está em conflito por cau-

sa da guarda de seus filhos (objetivo). Cada um tem uma forma de ser

diferente em relação às expectativas, valores e crenças (relacional).

Dessa forma, os dois acreditam que seriam merecedores da guarda

das crianças, porque se julgam, com base em suas diferenças, os mais

aptos para esta função (trama).

Além disso, os conflitos são divididos em quatro espécies que po-

dem aparecer conjugadas em algumas situações. São elas: conflitos

de valores — diferenças em relação a moral, ideologia e religião, por

exemplo, conflito entre israelenses e árabes; conflitos de informação

— informação distorcida ou com um significado negativo, por exem-

plo, conflitos em relação a um contrato de compra de um produto;

conflitos estruturais — diferenças políticas e econômicas entre os

envolvidos, por exemplo, conflito entre empregador e empregado; e,

conflitos de interesses — contradições em questões ligadas a bens

e direitos comuns, por exemplo, conflitos entre herdeiros sobre os

direitos a uma herança.

Muitas pessoas pensam que o conflito deve ser suprimido ou elimi-

nado da vida social porque, para elas, a paz social seria o resultado da

ausência de conflito. Usando uma perspectiva restauradora, entende-

mos que “a paz é um bem precariamente conquistado por pessoas ou

sociedades que aprenderam a lidar com conflitos” (Vasconcelos, 2008).

Falando em paz social, é importante que você conheça a comu-

nicação não violenta, desenvolvida por Marshall Rosemberg. Este

psicólogo nos ensina a descobrir os sentimentos que estão em nós

por trás das aparências. Mostra, também, como nossas ações são ba-

seadas em necessidades humanas que todos buscamos preencher.

Quando entendemos nossas necessidades verdadeiras, criamos uma

aproximação com nossos interlocutores e os relacionamentos tor-

nam-se mais proveitosos, a comunicação passa a ser mais adequada.

Em suas palavras:

“A comunicação não violenta se baseia em habilidades de linguagem e

de comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos

mesmo em condições adversas” (ROSENBERG, 2006, p. 21).

AUTORMarshall Rosenberg

Psicólogo americano nascido em De-

troit em 1934. Em 1961, obteve seu

PhD em Psicologia Clínica pela Uni-

versidade de Wisconsin — Madison.

Desenvolveu um método comunicativo

chamado Comunicação Não Violenta

(CNV) servindo de guia para resolução

de conflitos em mais de 65 países ao

redor do mundo, nos diversos conti-

nentes. A CNV também é aplicada no

desenvolvimento de novos sistemas

sociais, orientado em prol de parceria e

o compartilhamento de poder, principal-

mente na área de educação, e também

no caso de Círculos Restaurativos, prá-

tica de Justiça Restaurativa aplicada em

mais de 11 países.

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capítulo 5 • 99

Mecanismos de autocomposição dos conflitos

Negociação, mediação, conciliação e arbitragem são, em geral, chama-

dos de meios alternativos ou extrajudiciais de resolução de disputas

(Alternative Dispute Resolutions — ADRs). Eles são também conheci-

dos como meios alternativos de resolução de controvérsias (MASCs) ou

meios extrajudiciais de resolução de controvérsias (MESCs).

Vamos começar definindo o que é a Negociação. Chamamos de nego-

ciação quando pessoas com problemas e/ou processos entre elas lidam

diretamente para a transformação e restauração de relações, buscando

a solução para as suas disputas ou trocas de interesses. A negociação

está baseada em princípios, sendo o mais importante a cooperação,

buscando um acordo com ganhos mútuos.

No entanto, nem sempre se consegue negociar diretamente com

o outro e, nesses casos, na busca de uma retomada da comunicação,

contamos com a ajuda de uma terceira pessoa. Neste caso, podemos

falar da Mediação.

A mediação é um meio de solução de conflitos em que duas ou mais

pessoas, com a colaboração de um terceiro, que é o mediador, expõem o

problema. O mediador as escuta, questiona e vai trabalhando com elas

a comunicação, de forma construtiva, para chegar, eventualmente, a um

acordo. Esse profissional deve ser capacitado, imparcial, independente

e escolhido ou aceito pelas partes.

Falamos da mediação como um método interdisciplinar com conhe-

cimentos científicos oriundos da Psicologia, Sociologia, Antropologia,

Direito e Teoria dos Sistemas. Os mediandos, na mediação, não são tra-

tados nem devem se comportar como adversários, mas como coautores

da solução daquele conflito, auxiliados pelo mediador.

Daí podermos falar que a mediação, assim como a conciliação que

será descrita a seguir, são procedimentos não adversariais de solução de

conflitos, diferente dos métodos adversariais como processos judiciais

e arbitrais. Mais adiante, estaremos desenvolvendo os procedimentos

necessários para realizar a mediação.

Outra situação que envolve um terceiro, na tentativa de ajudar a

solucionar o conflito, é a conciliação. De acordo com o Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná, “a conciliação é um meio alternativo de

resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pes-

soa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na

construção de um acordo”.

O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua, de forma volun-

tária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os

envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à

aproximação de interesses e à harmonização das relações.

MULTIMÍDIA

Mediação

Para que você possa reforçar a sua

compreensão sobre o que é mediação,

assista ao vídeo Mediação, temos certe-

za de que será bem esclarecedor neste

momento da sua aprendizagem.

Disponível em https://www.youtube.com

/watch?v=c143Pr5vj_Y

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100 • capítulo 5

A conciliação é judicial quando se dá em conflitos já ajuizados, nos quais atua como con-

ciliador o próprio juiz do processo ou conciliador treinado e nomeado. O conciliador, em

relação às partes, toma iniciativas, faz recomendações, advertências e apresenta sugestões,

com a finalidade de obter o acordo entre as partes. Podemos compreender que o conciliador

exerce uma autoridade hierárquica em relação às partes, visando uma conciliação entre elas.

Para os mediadores e conciliadores no Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, na

Resolução 125/2010, desenvolveu um conteúdo programático mínimo e ações voltadas à

capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos, para magistrados da Justiça

Estadual e da Justiça Federal, servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores

da solução consensual de controvérsias.

Técnicas para obter uma comunicação construtiva levando à solução de conflitos

Já sabemos que as relações humanas são interações que levam à uma comunicação. Como já

vimos na comunicação não violenta, devemos aprender a nos comunicarmos de forma cons-

trutiva, deixando de lado as características de uma comunicação dominadora, onde estamos

sempre buscando provar o quanto temos de razão naquilo que estamos falando, ou muitas

vezes, tornando o outro um adversário. Uma comunicação construtiva habilita as pessoas a

negociações mais eficazes e à gestão de conflitos de forma mais positiva. Na sociedade atual,

esse tipo de comunicação torna-se fundamental. Segundo Vasconcelos (2008), uma comu-

nicação construtiva contempla dez preceitos, que, para este autor, significam elementos de

uma linguagem para uma cultura de paz e de direitos humanos. Veremos a seguir:

1. Conotação positiva

A comunicação construtiva tem início com o acolhimento do outro por meio de uma lingua-

gem estimulante e apreciativa sobre aquilo que a pessoa está relatando. Respeitar e acolher

aquilo que o outro está comunicando é reconhecer o outro enquanto ser humano, indepen-

dente de seus valores, direitos e obrigações. Por outro lado, uma comunicação dominadora

estimula um julgamento antecipado e a ideia de uma verdade única.

Ter uma conotação positiva em relação ao que o outro comunica expressa uma atitu-

de de reconhecimento do outro, não obrigatoriamente concordância com o outro, mas

que leva a uma atitude de empatia, fundamental para o processo de comunicação e de

interação entre as pessoas.

Os mediadores e negociadores utilizam a conotação positiva para desenvolver o proces-

so comunicativo e aumentar as possibilidades de uma comunicação construtiva.

2. Escuta ativa

Escutar é, antes de tudo, reconhecer, e esta é uma necessidade básica de todo ser humano:

ser reconhecido. A escuta ativa é uma escuta atenta daquilo que está sendo falado e sentido

pelo outro. Por isso, deve ser levada em conta, também, a expressão corporal. Mas escutar

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capítulo 5 • 101

ativamente não é apenas ouvir, é identificar-se com o outro, sem julgamentos e aceitar as

suas contradições. As pessoas que se sentem escutadas também estarão dispostas a escutar.

As pessoas precisam dizer o que sentem e é importante reconhecer a necessidade que

o outro tem de expressar. Escutar sem aconselhar. Aquele que aconselha coloca-se numa

posição de superioridade com suas supostas verdades. Além disso, o conselho não permite

que a pessoa se expresse, crie suas próprias soluções e cresça a partir do conflito que está

vivenciando. Permitir a escuta é uma forma de dar continuidade à comunicação.

3. Perguntas sem julgamento

As perguntas apropriadas acompanham o processo de escutar e reconhecer as pessoas. É

por meio da pergunta que a pessoa continua narrando o que aconteceu e pode chegar a

interpretar a forma como está se comportando. As perguntas ajudam a esclarecer, contex-

tualizar as situações e capacitar a pessoa a pensar sobre o que está ocorrendo. Com base

nas perguntas sem julgamento é dada a responsabilidade e o poder de reelaboração de po-

sições para as pessoas.

A pergunta é uma forma de substituir o julgamento em relação ao outro e o hábito de

dar conselhos. O conselho, como já vimos, desequilibra a relação e não deve ser usados para

que o outro possa ter a possibilidade de repensar sobre as situações em que se vê envolvido.

4. Reciprocidade discursiva

Deve ser estabelecido em uma relação, o direito de todos a falar. O equilíbrio no direito de

expressão corresponde a um equilíbrio de poder na relação. A comunicação é “uma via de

mão dupla”, e as pessoas que não deixam o outro falar se comunicam negativamente. A

comunicação construtiva é uma coconstrução, ou seja, é construída por cada um no pro-

cesso de comunicação. O diálogo para que seja produtivo deve ser sempre circular entre as

pessoas e não deve haver interferência na fala do outro.

5. Mensagem como opinião pessoal

É importante, na comunicação, quando falamos sobre alguém, usemos a primeira pessoa.

Desta forma, estamos evitando que se fale pelo outro. É o que Vasconcelos (2008), chama

de “linguagem do eu”. Uma expressão como: “Você não devia ter dito isso” se transforma

em “Eu penso que isto poderia ter sido dito de outra forma”. Em uma comunicação cons-

trutiva devem ser evitadas as acusações e devem ser valorizadas as percepções e sentimen-

tos de cada um sobre o problema.

6. Assertividade

Ser assertivo não é ser agressivo. Ser assertivo é ter clareza e segurança nas suas respostas e

posições. A pessoa assertiva costuma ser confiável porque se baseia em princípios e busca

valorizá-los. É uma habilidade social de fazer afirmação dos próprios direitos e expressar

pensamentos, sentimentos e crenças de maneira direta, clara, honesta e apropriada ao

contexto, de modo a não violar o direito das outras pessoas. O comportamento assertivo

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102 • capítulo 5

pode ser considerado uma virtude, pois se mantém no entre dois extre-

mos inadequados, um por excesso (agressão), outro por falta (submis-

são). Ser assertivo é dizer “sim” e “não” quando for necessário.

7. Priorizar a relação

É sempre importante separar o problema pessoal do problema material.

Quando houver um problema pessoal e material, o principal é restaurar

a relação pessoal. Devem ser reelaborados sentimentos e percepções,

para que se estabeleça uma comunicação construtiva, voltada para os

interesses comuns e opções de soluções.

8. Reconhecimento da diferença

Como seres humanos, vivendo em um contexto cultural e social, ten-

demos a hierarquizar nossos valores que são construídos com base em

nossas necessidades de autoafirmação. Quando se consegue sair de sua

posição, com seus valores e sua forma de pensar, e se imaginar no lugar

do outro (situação empática, já tratada anteriormente), a pessoa com-

preende as razões, as necessidades e os valores do outro.

Quando reconhecemos as diferenças, somos capazes de superar os

estereótipos que criamos sobre pessoas, lugares e situações.

9. Não reação

A não reação quer dizer reformulação de uma acusação injusta, por

exemplo. A reformulação é uma prática transformadora de uma intera-

ção agressiva, em que é rompido o ciclo ofensa-reação. A reformulação

pode ser feita por meio de uma pergunta. Ao perguntar, estamos dando

oportunidade ao outro de reformular. Esta atitude é fundamental para

uma cultura de paz. Por exemplo: uma pessoa ao ser acusada de ser de-

sonesta, no lugar de reagir a esta acusação, perguntaria: Por que você

acha que sou desonesta?

10. Não ameaça

Ameaçar o outro é levar o outro a provar que é mais forte e reduzir a rela-

ção a um jogo de ganha-perde. A ameaça, em geral, conduz à violência.

Para evitar a ameaça é importante ter uma atitude de escuta ativa, reci-

procidade discursiva e mensagem como opinião pessoal.

CONCEITO

Estereótipos

Ideias e convicções classificatórias e

preconcebidas sobre algo ou alguém.

São formados com base em expectati-

vas, julgamentos ou falsas generaliza-

ções (Vasconcelos, 2008).

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capítulo 5 • 103

RESUMO

Neste capítulo, você pôde tomar contato com questões ligadas a como o senso comum entende o Direito

e a Justiça, mas também o que esses termos realmente querem dizer, na opinião de autores consagrados

em nosso país. Apresentamos a diferença entre acesso à justiça e acesso ao Judiciário e a ligação destas

questões com o trabalho do psicólogo.

Você comparou as características da Justiça Tradicional ou Retributiva com as características da Jus-

tiça Restaurativa, e pôde perceber que esta última está bem próxima do que chamamos de acesso à

justiça. Além disso, neste caso, a forma de entender e caracterizar o conflito é diferente daquela que

estamos habituados a utilizar.

Você reconheceu os vários mecanismos de autocomposição de conflitos e algumas técnicas para obter

uma comunicação construtiva levando à solução de conflitos.

ATIVIDADE

1. Na busca por novas formas de resoluções de conflitos acerca de condutas criminalizadas, face ao no-

tório insucesso e crise do tradicional modelo de Justiça Penal, vem emergindo a Justiça Restaurativa, que

se destaca por ser alternativa condizente com o respeito aos Direitos Humanos e à dignidade da pessoa

humana para dirimir conflitos tanto na esfera Penal quanto no âmbito da Infância e Juventude. Em relação

à Justiça Restaurativa, avalie se as assertivas a seguir são falsas (F) ou verdadeiras (V) e assinale a opção

correta. (TJ-PR — 2010 — TJ-PR — Juiz)

( ) Sistema retributivo baseado no delito como ofensa à seguridade social.

( ) Identificada como uma justiça penal social inclusiva.

( ) Revitalização da vítima em processo dialogado e fundado no princípio consensual.

( ) Modelo retributivo, de resposta imposta verticalmente e concretizada pela aplicação de pena pelo Esta-

do ao autor da conduta criminalizada.

a. F, V, V, F;

b. V, V, V, V;

c. V, F, V, V;

d. V, F, F, V;

e. F, F, V, V.

2. Marque a alternativa correta:

Os mecanismos de autocomposição dos conflitos que se caracterizam pelo rompimento com as formas

tradicionais do direito processual (formal) buscam:

a. a prestação do serviço jurisdicional.

b. a avaliação das pessoas no processo judicial.

c. a conscientização do litígio como solução.

d. a permanência do conflito entre as partes.

e. a adoção de procedimentos mais simples e informais.

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104 • capítulo 5

3. Analise as afirmativas apresentadas:

I- A angústia que o conflito causa no indivíduo requer tratamento diferenciado na resolução da

questão litigiosa.

II- A carga emocional contida em um conflito não deve ser levada em conta, visto que dificulta

a solução do litígio.

III- As partes devem ser orientadas a se concentrarem nos aspectos jurídicos envolvidos no

conflito, durante uma mediação.

IV- Um prolongado processo de resolução do conflito traz um maior sofrimento para as partes

em litígio.

Marque a opção correta:

a. I e II são verdadeiras.

b. III e IV são falsas.

c. I e IV são verdadeiras.

d. II e IV são falsas.

e. II e III são verdadeiras.

4. Pesquise em jornais, revistas e sites de notícias atuais sobre a Justiça Restaurativa e faça um resumo

sobre o tema abordado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei n°9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a Arbitragem. Disponível em: www.planalto.gov.br/

ccivil_03/leis/l9307.htm Acesso em 1 set. 2014.

BRANDAO, Delano Câncio. Justiça Restaurativa no Brasil: Conceito, críticas e vantagens de um modelo alternativo de

resolução de conflitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. Disponível em: http://www.ambito-juridico.

com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7946 Acesso em set. 2014.

CAVALIERI FILHO, S. “Direito, Justiça e sociedade”. In: Revista da EMERJ, v.5, nº18, 2002.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Portal do CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj. Acesso em set. 2014.

MAFRA, Francisco. “O Direito e a Justiça”. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 20, fev 2005. Disponível em: <http://

www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=870> Acesso em set. 2014.

PINTO, Renato Sócrates Gomes. “A construção da Justiça Restaurativa no Brasil. O impacto no sistema de Justiça

criminal”. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9878>.

Acesso em set. 2014.

ROSENBERG, M. Comunicação não violenta. São Paulo: Ágora, 2006.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Site oficial. Disponível em: https://www.tjpr.jus.br/conciliacao

Acesso em setembro de 2014.

VASCONCELOS, C.E.de. Mediação de conflitos e práticas restauradoras. São Paulo: Método, 2008.

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As práticas psicológicas e suas aplicações no judiciário

stella aranha

16

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106 • capítulo 6

6 As práticas psicológicas e suas aplicações no judiciário

As transformações ocorridas nos últimos tempos têm apresentado in-

contáveis desafios para a Psicologia. No âmbito do Judiciário, os psicó-

logos têm a oportunidade de ocupar espaços organizados pelas relações

jurídicas, não apenas avaliando, mas também na perspectiva de traba-

lhar pela humanização da Justiça e concretização de direitos.

As atribuições do psicólogo são fixadas pelas Instituições Judiciárias

através de Portarias e Provimentos. Elas são normatizadas através da lei

que regulamenta a profissão de psicólogo, o Código de Ética Profissio-

nal do psicólogo e Resoluções do Conselho Federal de Psicologia. Além

disso, também estão de acordo com as legislações pertinentes a várias

áreas como: Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Processo

Civil, entre outros. As normas internacionais como a Convenção dos Di-

reitos da Criança e Regras de Beijing, entre outros, também fazem parte

destes documentos de orientação.

LEITURA

Lei da regulamentação da profissão de psicólogo — Lei 4.119 de 27 de agosto

1962 — Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4119.htm.

Acesso em 09 set. 2014.

Código de ética profissional do psicólogo — Disponível em: http://site.cfp.org.br/

legislacao/codigo-de-etica. Acesso em 09 set. 2014.

Convenção de direitos da criança — Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-

vil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em 09 set. 2014.

Regras de Beijing — Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/

lex47.htm. Acesso em 09 set. 2014.

Nos Fóruns, tradicionalmente, o psicólogo realiza trabalhos de ava-

liação psicológica, elaboração de documentos, acompanhamento de

casos, aconselhamento psicológico, orientação, mediação, fiscalização

de instituições, programas de atendimentos à infância, adolescência e

idoso e encaminhamentos.

O trabalho desenvolvido atualmente pelos psicólogos, nesta área,

tem passado por reflexões críticas sobre as condições em que são rea-

lizadas e desenvolvidas as intervenções psicológicas, de que forma elas

têm contribuído para a qualidade dos serviços prestados à população

por este profissional.

Vamos passar agora para algumas práticas psicológicas aplicadas

em diferentes áreas do Judiciário.

CONCEITO

Portaria

Um documento de ato administrativo de

qualquer autoridade pública, que contém

ordens, instruções acerca da aplicação de

leis ou regulamentos, recomendações de

caráter geral e normas sobre a execução

de serviços, a fim de esclarecer ou in-

formar sobre atos ou eventos realizados

internamente em órgão público, tal como

nomeações, demissões, medidas de or-

dem disciplinar, pedidos de férias, licenças

por luto, licenças para tratamento de saú-

de, licença em razão de casamento (gala)

de funcionários públicos, ou qualquer ou-

tra determinação da sua competência.

Provimento

Forma de investidura em um cargo pú-

blico. Neste sentido, provimento é o ato

de preencher o cargo ou ofício público

por meio de nomeação, promoção, re-

adaptação, reversão, aproveitamento,

reintegração e recondução.

Resolução

Ato da administração ou assembleia,

esclarecendo, solucionando, deliberan-

do ou regulando certa matéria.

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capítulo 6 • 107

A prática do psicólogo na área Cível e de Família

De acordo com França (2004), o psicólogo jurídico atua na área cível nos

casos de interdição, sucessões e indenizações, entre outras ocorrências

cíveis. No entanto, é na área do Direito de Família que vamos encontrar

maior expressão na atuação do psicólogo.

Em geral, o psicólogo na área do Direito de Família trabalha as-

sessorando o juiz, principalmente, nos casos de guarda e regulamen-

tação de convivência nas separações que ocorrem de forma litigio-

sa. A separação implica no fim da conjugalidade (como já vimos no

Capítulo 3), mas não da parentalidade. Nas separações e divórcios

não consensuais, em geral, podemos observar uma longa “batalha”

por direitos que cada uma das partes supõe ter ou luta para manter,

usando a Justiça para dar uma solução aos conflitos emocionais ori-

ginários desta relação.

Na maior parte das situações que envolvem uma separação con-

jugal litigiosa, as partes disputam entre si seus filhos, não reconhe-

cendo a importância do papel do pai e da mãe. As necessidades das

crianças e adolescentes, por sua vez, também não são consideradas.

Nos casos de disputa de guarda e regulamentação de convivência,

torna-se necessário um trabalho interdisciplinar que conjugue os as-

pectos jurídicos e psicossociais. Aparece, com frequência, uma dis-

puta de poder entre as partes, que se configura na disputa de guarda

pelos filhos.

O psicólogo que trabalha nas Varas de Família, ao receber esse tipo

de situação encaminhada pelo juiz para avaliação, deve realizar uma

compreensão abrangente da situação, buscando soluções com base no

próprio grupo familiar. Os fatos e as necessidades deste grupo devem

ser analisados a partir do momento atual. Quando possível, o impor-

tante é que todos os filhos possam partilhar, sem discriminações, de

companhia, afeto, atenção e cuidados do pai e da mãe. O papel dos ge-

nitores é fundamental como referência e formação da personalidade

dos filhos. Não se deve esquecer também a importância do relaciona-

mento com o grupo familiar extenso (avós, tios, primos).

A guarda compartilhada, já vista no Capítulo 3, propõe a participa-

ção conjunta dos pais nas decisões importantes na vida dos filhos, con-

firmando o fato de que a parentalidade permanece após a separação. Na

verdade, podemos afirmar que não existe ex-pai ou ex-mãe, não é mes-

mo? É neste cenário de disputa pela guarda e regulamentação de con-

vivência que pode ocorrer a alienação parental. Segundo o psiquiatra

norte-americano, RichardGardner, estudioso do assunto:

CONCEITO

Interdição

É uma medida judicial que visa declarar

a incapacidade de pessoa com mais de

18 anos de idade, para a prática de atos

da vida civil. Decretada a interdição será

nomeado curador para a proteção da pes-

soa e dos bens do interdito.

Sucessões

Significa transferência, por morte, da

herança, ou do legado, ao herdeiro ou

legatário, em razão de lei ou testamento.

Indenizações

Compensação devida a alguém de ma-

neira a anular ou reduzir um dano, ge-

ralmente, de natureza moral ou material,

originado por incumprimento total, ou

cumprimento deficiente de uma obriga-

ção, ou através da violação de um direito.

Litígiosa

São as discordâncias entre as partes

(autor e réu) que compõem um proces-

so judicial.

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108 • capítulo 6

A alienação parental consiste em programar uma criança para que ela

odeie um de seus genitores, sem justificativa, por influência do outro ge-

nitor com quem a criança mantém um vínculo de dependência afetiva e

estabelece um pacto de lealdade inconsciente (1985).

LEITURA

Lei da guarda compartilhada — Lei nº 11.698 de 13 de junho de 2008. Institui

e disciplina a guarda compartilhada. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-

vil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm. Acesso em 09 set. 2014.

Muitas são as consequências para os filhos em relação a este com-

portamento de um dos genitores. Podem aparecer vários problemas

emocionais que, se não tratados, acompanharão o desenvolvimento

destas pessoas. No Brasil, já temos um dispositivo legal, já estudado no

Capítulo 3, para dar conta dessas situações, não apenas estabelecendo

critérios de identificação, como também estabelecendo sanções para os

alienadores e determinações nas situações de convivência.

LEITURA

Síndrome da alienação parental: da Teoria Norte-Americana à Nova Lei Bra-

sileira. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pcp/v31n2/v31n2a06. Acesso

em 09 set. 2014.

Lei da alienação parental. Lei nº 12.318 de 26 de agosto de 2010. Dispõe

sobre a alienação parental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_

Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm. Acesso em 09 set. 2014.

Como você percebeu, o trabalho do psicólogo nas Varas de Família

visa a auxiliar na revelação das motivações e comunicações latentes dos

indivíduos nos processos judiciais que envolvem conflitos familiares.

A prática do psicólogo e as questões da infância, juventude e do idoso

Os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são assegurados

pela Constituição Federal (1988) e pelo Estatuto da Criança e do Adoles-

cente (ECA 1990). O ECA é identificado como a lei federal nº 8.069/1990,

cujo pilar é a doutrina de proteção integral. O ECA tratou de direitos das

crianças e adolescentes porque seus direitos estavam sendo violados e

necessitavam ser revistos, organizados e divulgados. Com base nesse

documento, crianças e adolescentes passaram a ser considerados cida-

MULTIMÍDIA

Kramer versus Kramer

Sinopse: Ted Kramer (Dustin Hoffman)

é um profissional para quem o trabalho

vem antes da família. Joanna (Meryl

Streep), sua mulher, não pode mais

suportar esta situação e sai de casa,

deixando Billy (Justin Henry), o filho do

casal. Quando Ted consegue finalmen-

te ajustar seu trabalho às novas respon-

sabilidades, Joanna reaparece exigindo

a guarda da criança. Ted não aceita, e

os dois vão para o tribunal lutar pela

custódia do garoto.

A guerra dos Roses

Sinopse: Olivier (Douglas) e Barbara

(Turner) Rose estão juntos há 18 anos.

Agora Barbara quer o divórcio, mas o

problema é decidir quem fica com sua

luxuosa mansão, nenhum dos dois quer

ceder um milímetro. O advogado de Oli-

vier (DeVito) oferece conselhos, mas já

é tarde demais. Olivier e Barbara envol-

vem-se em um emaranhado de senti-

mentos de ódio e vingança, à medida

que Guerra dos Roses se encaminha

para seu surpreendente final.

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capítulo 6 • 109

dãos detentores de direitos. Na formulação das políticas e no controle das ações ligadas às

crianças e adolescentes, não apenas o Estado, mas a sociedade e a família são convocados

para uma participação ativa e responsável.

Na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, o ECA afirma que elas devem ser pro-

tegidas de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão. Como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, as crianças e os ado-

lescentes precisam ser tratados com dignidade e respeito. Muitos críticos desta Doutrina

afirmam que a partir deste documento, as crianças passaram a ter só direitos. No entanto,

ser tratado com respeito e dignidade não quer dizer que “tudo é livre” e não há limites.

LEITURA

Uma reflexão crítica sobre o Estatuto da criança e do adolescente. Disponível em: http://www.ambi-

tojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3143. Acesso em 01 set. 2014.

Nas áreas da infância e juventude, no estabelecimento de medidas protetivas, o psicó-

logo trabalhará com questões ligadas à violência contra crianças e adolescentes em con-

sonância com o Conselho Tutelar no atendimento destes, de seus responsáveis e nas si-

tuações de abrigamento de crianças e adolescentes, quando é impossível a convivência e

segurança em seus lares. Nestes casos, o psicólogo irá elaborar relatório que possa funda-

mentar a decisão da autoridade judiciária competente pela possibilidade de reintegração

familiar ou colocação em família substituta destas crianças e adolescentes.

A Adoção

Outra questão importante é a adoção. O psicólogo terá um papel fundamental nesses ca-

sos. Há previsão no ECA de intervenção obrigatória de uma equipe técnica interprofis-

sional na adoção, com o intuito de elaborar laudo psicossocial (artigo 197-C do ECA). O

objetivo desse laudo é “analisar a capacidade e o preparo dos candidatos para o exercício

de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta

Lei”. Cumpre a essa equipe interprofissional, da qual o psicólogo faz parte, atuando jun-

tamente com o Ministério Público na fase de habilitação, analisar os motivos que levam o

habilitante a querer adotar, porque não se pode concordar com uma adoção se os motivos

que a embasam são ilegítimos, desumanos, imorais ou se não visam a proporcionar o me-

lhor interesse para o adotando e não implicam em benefício para ele.

Após a habilitação dos adotantes, no curso do processo de adoção, o psicólogo irá

analisar por um lado, o contexto psicológico de quem está sendo adotado, do outro,

tudo que envolve o adotante, como suas expectativas, compreensões da realidade, ca-

pacidade econômica, estrutura psicológica, entre outros dados relevantes que podem

interferir na futura convivência entre as partes. A subjetividade do adotado deve ser ana-

lisada, pois o momento anterior à adoção é destinado à verificação de sua capacidade de

adaptação em um novo contexto familiar.

Segundo a Nova Lei de Adoção Nacional (2009), o psicólogo, integrante da equipe inter-

disciplinar, fará um trabalho de avaliação, acompanhamento e de intervenção focal antes,

durante e após a adoção: com familiares que oferecem consentimento do poder familiar;

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110 • capítulo 6

com os pretendentes à adoção; e com crianças e adolescentes em con-

dições de serem adotados. Além disso, realizará: preparação prévia com

os interessados em adotar; preparação prévia das crianças e adolescen-

tes a serem adotados; e, acompanhamento do estágio de convivência da

criança ou adolescente e o(s) adotante(s).

LEITURA

Nova lei da adoção. Lei nº 12.010 de 3 de agosto de 2009. Disponível em: http://

www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm. Acesso em

01 set. 2014.

O adolescente e o conflito com a lei

Para entendermos as questões ligadas ao adolescente e o ato infracio-

nal, precisamos entender um pouco da história sobre o enfrentamento

do adolescente em conflito com a lei, a partir da evolução histórico-dou-

trinária da legislação da infância e juventude. Em 1927, surgiu o Código

Mello Mattos (Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927). Havia o

que se chamava de Juízo Privativo de Menores na década de 1920, e o

primeiro Juiz de Menores do Brasil foi o Dr.JoséCândidoAlbuquerque

MelloMattos. Ele foi o primeiro expoente do pensamento da legislação

da infância e juventude no Brasil, criou vários estabelecimentos de as-

sistência e proteção à infância abandonada e delinquente, assim como

organizou o primeiro código, que ganhou o seu nome.

A prática do Código de Menores era recolher os menores em desa-

cordo com a lei, objetivando selecioná-los para destinos diversos, sendo

a prática de internação uma das mais comuns para o efeito de civilizar

o incivilizado. Para aperfeiçoar essa prática nacionalmente, surgiu, em

1941, o SAM — Serviço de Assistência aos Menores, “funcionando como

um equivalente do sistema penitenciário para a população infantoju-

venil”. Em 1964, o regime militar criou a PNBEM — Política Nacional

do Bem-Estar do Menor para o lugar do SAM, reconhecendo o fracasso

até então de se assistir os chamados menores abandonados e corrigir

os chamados menores infratores. O governo federal criaria o novo Códi-

go de Menores, em 1979, que reconhecia os menores abandonados e os

menores infratores como estando em situação irregular pela sua condi-

ção de marginalizados.

No Capítulo 3, você estudou que entre os princípios norteadores que

são estabelecidos para a família está o princípio do Melhor Interesse da

Criança, previsto no artigo 227, da Constituição da República Federativa

do Brasil — CRFB (1988). Com base nesta Carta Magna (1988), surgiu a

demanda pela criação de uma nova legislação, com um olhar humaniza-

do e multidisciplinar sobre crianças e adolescentes.

AUTOR

Dr. José Cândido Albuquerque Mello Mattos

Nascido em Salvador-BA, em 19 de mar-

ço de 1864. Mello Mattos seria não ape-

nas o seu idealizador, mas também o 1º

juiz de Menores do Brasil, nomeado em

02 de fevereiro de 1924, exercendo o

cargo na, então capital federal, cidade do

Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de

1923, até o seu falecimento, em 1934.

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capítulo 6 • 111

O Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado por meio da lei

nº 8.069, de 13 de julho de 1990, contemplou em seus artigos 4º e 5º,

o previsto no artigo 227 da CRFB (1988). Esse Estatuto (BRASIL, 1990)

compreende o adolescente como sujeito de direitos e em condição pe-

culiar de desenvolvimento. Não utiliza o termo menor, uma vez que este

nos remete a noção de inferioridade.

Além disso, proíbe o cumprimento de penas para os adolescentes

em conflito com a lei, e estabelece o cumprimento de medidas socioe-

ducativas. São elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação

de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de

semiliberdade, internação em estabelecimento educacional, além de

medidas protetivas que visem ao acompanhamento do adolescente na

família, escola, comunidade, serviços de saúde etc.

As medidas socioeducativas fundamentam suas ações com caráter

tanto sancionatório quanto educativo, responsabilizando o adolescente

pelas consequências lesivas do ato cometido, incentivando a reparação

dos danos causados e garantindo — sempre que possível — a integração

familiar, comunitária e social.

Sendo assim, a proposta do psicólogo é a de promover intervenções

críticas no programa de atendimento para a execução de medidas socio-

educativas que incentivem os adolescentes a (re)pensarem seus desejos,

seus valores, seus ideais e os modos possíveis de transformar a realidade

vivida, além da realização de relatórios fornecendo subsídios à decisão

judicial sobre a aplicação das medidas.

Dentre as ações técnicas dos psicólogos, definidas em legislação fe-

deral e normas profissionais, acrescidas das ações institucionais deter-

minadas aos psicólogos e demais técnicos pela gestão socioeducativa,

nos casos de internação estão:

O atendimento ao adolescente, prioritariamente individual e semanal;

O atendimento familiar (entrevista, contatos telefônicos e apoio psicológico);

Estudo de caso, individualmente ou em reunião;

Levantamento de dados sobre o adolescente, rede sociofamiliar e o com-

portamento na instituição, a fim de elaborar propostas de intervenção e

encaminhá-las ao poder judiciário ou rede externa;

Relatório técnico, por meio da avaliação psicológica obtida com entrevistas, ob-

servações e, eventualmente, outros recursos psicológicos, acrescida pelo estu-

do de caso, o psicólogo organiza e redige o relatório técnico multiprofissional;

MULTIMÍDIA

Juízo

Sinopse: Juízo acompanha a trajetória de

jovens com menos de 18 anos de idade

diante da lei. Meninas e meninos pobres

entre o instante da prisão e o do julga-

mento por roubo, tráfico, homicídio. Como

a identificação de jovens infratores é ve-

dada por lei, no filme eles são represen-

tados por jovens não infratores que vivem

em condições sociais similares.

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112 • capítulo 6

Visita domiciliar, conforme tempo hábil e necessidade de acompanhamen-

to, entre outras atuações.

Idoso

No que diz respeito ao idoso, também com base na Constituição Federal

de 1988, visando a uma maior proteção a esta parcela da população, foi

criado o Estatuto do Idoso, por meio da lei federal nº 10.741, de 1º de

outubro de 2003. É uma legislação apta a proteger e a tutelar os direitos

do idoso, combatendo a violência por meio da análise de seus principais

aspectos penais e processuais penais.

Em qualquer pesquisa feita sobre a violência contra o idoso, infeliz-

mente a constatação a que chegamos é de que, além das omissões do

Estado, são os familiares os maiores agressores, e a violência ocorre

mesmo dentro de suas casas. Essa violência contra os idosos pode acon-

tecer de várias formas, desde a violência psicológica, que se manifesta

pela negligência e pelo descaso, até as agressões físicas. São comuns os

casos de filhos que batem nos pais, tomam seu dinheiro, dopam-nos,

deixam passar fome ou não dão os remédios na hora marcada, é o cha-

mado abandono material.

Ainda que a responsabilidade imediata pelo trato dos idosos seja

delegada prioritariamente à família, o Estado não está desobrigado de

um conjunto de atribuições que lhe são destinadas tanto pela Política

quanto pelo Estatuto do Idoso. A notificação da violência contra o ido-

so, exigida pela lei, tem um papel fundamental no combate à violência

contra o idoso. No entanto, esse papel não deve se limitar apenas a pu-

nir o culpado. A notificação pode ser um instrumento de proteção aos

direitos do idoso, e uma medida que permite articular ações e recursos

públicos e privados que somem esforços para promover ações solidá-

rias e reconstruir relações afetivas.

As práticas institucionais da Psicologia em prol de um envelhe-

cimento com dignidade devem usar a notificação de violência para

ampliar a análise da dinâmica das relações intra e extrafamiliares; e

também a compreensão das condições sociais, econômicas e culturais

que afetam a dinâmica familiar. O psicólogo deve criar alternativas de

intervenção sobre os conflitos existentes, respeitando os direitos e de-

veres estabelecidos em lei. Seu trabalho deve priorizar a proteção aos

idosos vítimas de violência, no entanto, deve proteger a todos, traba-

lhando para a promoção de relações com menos conflitos e preservan-

do as trocas afetivas entre as pessoas.

MULTIMÍDIA

Video: Maus tratos contra idosos podem ser denunciados

Disponível em : http://globotv.globo.

com/rede-globo/netv-1a-edicao/v/

maus-tratos-contra-idosos-podem-

ser-denunciados-em-delegacia-espe-

cializada/3503651/

Acesso em 07 set. 2014.

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capítulo 6 • 113

Atuação do Psicólogo nas Varas Criminais e no Sistema Penitenciário

Na realidade brasileira, a Psicologia aplicada à área criminal é talvez o mais antigo campo

de atuação do psicólogo jurídico. O trabalho nessa área relaciona-se com o Direito Penal

(orienta-se pelo Código Penal, Código de Processo penal e as Leis que regulamentam o as-

sunto) e insere-se em diversos campos tais como: Inquérito Policial, efetuando avaliações

em indiciados, para averiguar seu estado psíquico, sua eventual periculosidade etc. Nos

Processos criminais realizando avaliações de incidente de insanidade mental, dependên-

cia toxicológica, entre outros. Outro setor onde o psicólogo atua na área criminal é como

perito do juiz (esta atuação será descrita no item 6.6.), elaborando estudos que resultam em

laudos que constituirão também provas.

Em 2010, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução 009/2010, que orienta

a atuação do psicólogo no sistema prisional. Este é um tema importante e polêmico porque

envolve conceitos como justiça, castigo, punição e liberdade. Há muita discussão sobre o

papel que o psicólogo quer e pode ocupar no sistema prisional. Muitos são os desafios colo-

cados à Psicologia, nesta área. Os profissionais, nestes locais, tentam desenvolver seus tra-

balhos lidando com as contradições do mesmo. O trabalho do psicólogo deve estar voltado

para a criação de estratégias de sobrevivência nesta instituição.

A função do psicólogo na prisão participando de Comissões Técnicas de Classificação

(CTCs) e realizando exames criminológicos (EC) é determinada pela Lei de Execução Penal

(LEP). As CTCs são compostas por profissionais técnicos e agentes penitenciários. A parti-

cipação do psicólogo nessas Comissões é muito discutida porque, nesse exame, o que se

pretende é inferir sobre a periculosidade do sujeito, tendendo a naturalizar as determina-

ções do crime, ocultando os processos de produção social da criminalidade.

As atribuições do profissional, em todas as práticas do sistema prisional, devem ser re-

alizadas e fundamentadas no respeito e promoção dos direitos humanos; na participação

nos processos de construção da cidadania, desconstruindo o conceito de que o crime está

relacionado unicamente à patologia ou à história individual; enfatizar os dispositivos so-

ciais que promovem o processo de criminalização; elaborar estratégias de fortalecimento

dos laços sociais, com uma ampla participação dos sujeitos, por meio de projetos interdis-

ciplinares que resgatem a cidadania e a inserção na sociedade extramuros.

Dessa forma, o trabalho possível do psicólogo nesta Instituição, dependendo de sua

organização e postura frente ao processo de encarceramento, será: acompanhamento psi-

cológico dos presos, possibilitando para eles atendimentos individuais e em grupos em

que se abordem o fato de estar preso, questões familiares e dificuldades surgidas no cárce-

re. Sendo assim, psicólogo trabalhará de forma a amenizar o sofrimento pelos quais essas

pessoas passam ajudando a elaborar a condição de encarcerado,independente de serem

inocentes ou culpados. Outra área importante de trabalho é na elaboração de políticas pú-

blicas para atender as necessidades deste setor.

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114 • capítulo 6

A prática do psicólogo nos juizados especiais criminais e juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher

Os JuizadosEspeciais são um importante meio de acesso à justiça, pois

permitem aos cidadãos buscarem soluções para seus conflitos cotidia-

nos de forma rápida, eficiente e gratuita. Estes Juizados são órgãos do

Poder Judiciário, disciplinados pela lei nº 9.099/1995. Leis estaduais

criam e regulamentam em cada unidade da Federação esses órgãos.

Já sabemos que o procedimento do psicólogo na área jurídica não

tem objetivo clínico, e sim subsidiar o juiz nos processos judiciais. Nes-

ses Juizados, em geral, quando há psicólogos, ocorre o encaminhamento

do juiz e após a coleta dos dados e identificação do caráter da questão, por

este profissional, será feita uma avaliação. A devolução da avaliação para

as partes e para o juiz terá ligação com a intervenção realizada. As pes-

soas, então, serão direcionadas para os acompanhamentos mais apro-

priados. Além disso, o psicólogo, nesta área, pode estar identificando as

dificuldades vivenciadas para o cumprimento das resoluções judiciais.

O psicólogo também pode orientar e encaminhar as pessoas para os

recursos da comunidade como Hospitais Psiquiátricos, Tratamentos

psicoterápicos, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), grupos de auto-

ajuda, Conselhos Tutelares, entre outros. Pode participar de audiências

quando se fazem necessários esclarecimentos envolvendo partes com

graves patologias de ordem psiquiátrica ou psicológica e/ou quando en-

volve situações de encaminhamento aos recursos da comunidade. Além

disso, pode realizar o acompanhamento destes encaminhamentos, du-

rante um período de tempo. É importante deixar claro que cada Juizado

Especial, de acordo com seus recursos humanos, poderá contar com vá-

rias formas de atuação do psicólogo.

Quanto à violência contra a mulher, é considerado qualquer ato ou

conduta baseada no gênero que cause morte, dano, sofrimento físico, se-

xual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como privada. A Lei

MariadaPenha ou lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006, surgiu com o obje-

tivo de responder às necessidades e anseios das mulheres vítimas de vio-

lência conjugal, diante dos problemas relativos à aplicação da lei nº 9.099

de 2005 (que você já tomou contato), em situações de violência doméstica.

Os relacionamentos conjugais envolvem uma parceria, e a violência

pode ser uma forma patológica de comunicação entre os parceiros. Na

violência contra a mulher, muitas vezes, aquela situação mais grave de

violência não surge de repente, mas é a expressão de uma situação crô-

nica que vai, aos poucos, destruindo as defesas da mulher, até deixá-la

completamente entregue ao agressor, sem condições de pedir ajuda.

Uma das formas de entender a violência nas relações de casal é

através da compreensão de que esta situação é a expressão de uma re-

LEITURA

Juizados Especiais

Leia mais sobre os Juizados Especiais

em: http://www.cnj.jus.br/programas-

de-a-a-z/acesso-a-justica/juizados

-especiais. Acesso em 01 set. 2014.

CURIOSIDADE

Maria da Penha

Maria da Penha Maia Fernandes (For-

taleza, Ceará, 1945) é uma biofarma-

cêutica brasileira que lutou para que

seu agressor viesse a ser condenado.

Depois de ter seu sofrimento conhecido

em todo o mundo, é que Maria da Penha

viu o Brasil reconhecer a necessidade

de criar uma lei que punisse a violência

doméstica contra as mulheres. Para ela,

que se tornou símbolo desta luta, a lei nº

11.340 significou dar às mulheres uma

outra possibilidade de vida. Hoje, ela é

líder de movimentos de defesa dos di-

reitos das mulheres, vítima emblemática

da violência doméstica.

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capítulo 6 • 115

lação de poder, em que se encontra presente a dinâmica subordinação/

dominação. Neste contexto, é a mulher que, na maioria das vezes, está

em situação desfavorável. É importante que você saiba que este tipo de

violência acarreta uma série de consequências para a saúde mental da

mulher. Podemos destacar, entre elas: síndrome de estresse pós-trau-

mático, disfunçõessexuais, desordensalimentares, depressão, além de

consequências fatais como suicídios e homicídios.

Para que você se familiarize mais com esta lei (2006), apresentare-

mos parte do seu artigo 5° que determina o que será considerado violên-

cia doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 5º Para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar

contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe

cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral

ou patrimonial:

I — no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de

convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as

esporadicamente agregadas;

II — no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por

indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços natu-

rais, por afinidade ou por vontade expressa;

III — em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou

tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo indepen-

dem de orientação sexual.

Vamos agora descrever os vários tipos de violência elencados nesta Lei:

VIOLÊNCIA FÍSICA

Qualquer conduta que ofenda a integridade ou saú-

de corporal.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

Qualquer conduta que cause dano emocional e dimi-

nuição da autoestima ou que prejudique e perturbe

o pleno desenvolvimento.

VIOLÊNCIA SEXUAL

Qualquer conduta que constranja a presenciar, a man-

ter ou participar de relação sexual não desejada, me-

diante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.

VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Qualquer conduta que configure a retenção, subtração,

destruição total ou parcial de seus objetos, instrumentos

de trabalho, bens, valores e recursos econômicos, in-

cluindo os destinados a satisfazer as suas necessidades.

CONCEITO

Síndrome de estresse pós-traumático

É um transtorno psicológico que ocorre

em resposta a uma situação ou evento

estressante (de curta ou longa duração),

de natureza excepcionalmente ameaça-

dora ou catastrófica.

Disfunções sexuais

As disfunções sexuais femininas podem

afetar o desejo sexual e/ou alterar as

respostas psicológicas e fisiológicas do

corpo frente aos estímulos sexuais, cau-

sando sofrimento e insatisfação não só

na pessoa, como também no seu par.

Desordens alimentares

Qualquer padrão de comportamentos ali-

mentares que causam severos prejuízos

à saúde de um indivíduo.

Depressão

É um distúrbio afetivo que acompanha

a humanidade ao longo de sua história.

No sentido patológico, há presença de

tristeza, pessimismo, baixa autoestima,

que aparecem com frequência e podem

combinar-se entre si.

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116 • capítulo 6

VIOLÊNCIA MORAL

Qualquer conduta que configure calúnia, difamação

e injúria.

Obs.: as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual.

O trabalho do psicólogo nas situações de violência contra a mulher

é realizado em equipe multidisciplinar. O psicólogo irá fornecer subsí-

dios ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante lau-

dos ou oralmente, em audiências. Além disso, pode desenvolver traba-

lhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras ações voltadas

para a mulher, o agressor e os familiares envolvidos nestas situações.

O processo de avaliação psicológica no judiciário: questões fundamentais

O processo de avaliação psicológica no Judiciário é uma prática que vem

sendo discutida. Em geral, a natureza dos processos judiciais e os sujeitos

em questão, nestes processos, determinam a forma de abordagem da situ-

ação pelo psicólogo. O compromisso do psicólogo, na avaliação, não está

restrito ao fornecimento de informações ao juiz, para subsidiar decisões no

processo judicial. O psicólogo trabalha todas as dimensões do processo en-

caminhado, visando promover e manter os direitos das pessoas avaliadas.

O relacionamento do psicólogo com as pessoas, partes no processo,

envolve uma avaliação psicológica, buscando compreender a realidade

dos envolvidos nestas questões judiciais. Poderá, a partir daí, realizar

intervenções, estabelecer recomendações, sempre dentro de sua área de

atuação. É importante você saber que as técnicas de avaliação psicológi-

ca são instrumentos científicos, oferecendo ao examinador condições

de apontar algumas características do examinado. Entretanto, a avalia-

ção não deve ser usada para excluir ou segregar socialmente as pessoas.

O psicólogo não é um adivinho nem tem respostas prontas e precisas

para oferecer sobre o ser humano.

Atualmente, há uma posição na Psicologia, quanto à avaliação, que

reforça a importância de um trabalho crítico, qualificado e ligado aos

direitos humanos, com o psicólogo assumindo um compromisso social

frente às pessoas que são encaminhadas para esse tipo de atendimen-

to. O psicólogo tem procurado construir uma nova forma de trabalhar o

conflito jurídico, para além da avaliação, buscando resgatar a subjetivi-

dade das ações e analisando, junto com as pessoas atendidas, a respon-

sabilidade de cada um naquela situação.

Não há mais espaço para o psicólogo, como aquele que detém uma

verdade total. O psicólogo não atende simplesmente a demanda sem fa-

CONCEITO

Subjetividade

Subjetividade é o que se passa no íntimo

do indivíduo (sujeito). É como ele vê, sen-

te, pensa a respeito sobre algo e que não

segue um padrão, pois sofre influências

da cultura, educação, religião e experiên-

cias adquiridas.

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capítulo 6 • 117

zer uma reflexão sobre o que causa este encaminhamento. O psicólogo,

ao realizar uma avaliação no Judiciário, estabelece um planejamento de

sua atuação, fundamentado nos estudos dos autos, onde constam todos

os documentos e provas que formam o processo judicial.

Os instrumentos utilizados na avaliação psicológica são escolhidos pelo

psicólogo com base no seu conhecimento técnico sobre exames psicológi-

cos, sua formação teórica, as condições institucionais para realizar a avalia-

ção e a situação emocional das partes do processo judicial. Na avaliação psi-

cológica no Judiciário, deve ser considerada pelo psicólogo a especificidade

desta situação. As pessoas que são avaliadas não escolheram nem a inter-

venção do psicólogo nem o profissional que a está atendendo ou a atendeu,

colocando-se, por esta razão, na maioria das vezes, em posição defensiva.

O psicólogo deve estar atento às características situacionais da avaliação,

além do fato de estar sendo realizada em uma situação de crise.

Perito psicólogo x assistente técnico

Como observamos, o processo de avaliação psicológica, no Judiciá-

rio. Envolve questões que vão além de fornecer dados para o discer-

nimento do juiz. A natureza contenciosa, de alguns processos, tem

demandado a atuação específica do psicólogo, previsto no Código de

Processo Civil, como perito.

A perícia, segundo este Código, é um estudo realizado por especia-

listas escolhidos pelos magistrados, de acordo com a matéria. Esse es-

tudo é considerado uma prova no processo, complementando as provas

documentais, confessionais e testemunhais. Os peritos são os profissio-

nais de confiança do juízo e têm alguns compromissos: a imparcialida-

de na avaliação do caso; apresentar um parecer técnico para o magistra-

do; e responder aos quesitos formulados no documento.

O psicólogo perito fornece um documento, que veremos no próxi-

mo item, com informações sobre o processo judicial e a problemática

avaliada. Nas situações em que encontramos partes em oposição, além

da perícia, está previsto o direito de contratação de assistentes técnicos.

Esses profissionais, psicólogos, estarão acompanhando os resultados

do trabalho realizado pelo perito, profissional de confiança do juiz, con-

firmando ou rejeitando suas conclusões.

LEITURA

Resolução 008/2010 do Conselho Federal de Psicologia — Dispõe so-

bre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judici-

ário. Disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolu-

cao2010_008.pdf. Acesso em 09 set. 2014.

CONCEITO

Contenciosa

Que é contestado, litigioso.

Quesito

Tópico ou assunto sobre o qual se ques-

tiona o ponto de vista ou o juízo de alguém.

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118 • capítulo 6

Para que essas diferenças entre estes dois profissionais fiquem claras, utilizaremos a

tabela abaixo:

PERITO ASSISTENTE TÉCNICO

Profissional de confiança do juiz. Profissional de confiança das partes.

A função de perito existe sem o assistente

técnico.

A função de assistente técnico não existe

se não houver perito.

Não cabe fazer interpretações ou suges-

tões às partes.

Faz interpretações e sugestões aos seus

clientes.

Produz um documento para auxiliar o juiz

em suas decisões.

A defesa do advogado está fundamentada

no parecer que o assistente técnico faz so-

bre o trabalho do perito.

O psicólogo para atuar, seja como perito ou assistente técnico, deve ter bem claro o pa-

pel que ocupa no processo. O assistente técnico deve conhecer as normas que determinam

sua posição e as implicações de determinado processo antes de aceitá-lo. É necessário que

ele comunique suas funções para a parte e os advogados, porque nem sempre o que eles

querem pode ser o que o assistente técnico vai concluir.

“As equipes interdisciplinares nos fóruns contam com o psicólogo, que é concursado e/ou se-

lecionado pelos Tribunais de Justiça. O perito pode ser nomeado como figura de confiança do

juízo, independente de fazer parte do quadro funcional do Judiciário. O assistente técnico é

contratado pelas partes, geralmente, indicados pelos advogados das mesmas.” (BERNARDES,

D. Avaliação no âmbito das Instituições Judiciárias.

Disponível em: http://www.aasptjsp.org.br/artigo/avalia%C3%A7%C3%A3o-psicol%C3%B-

3gica-no-%C3%A2mbito-das-institui%C3%A7%C3%B5es-judici%C3%A1rias

Acesso em 09 set. 2014.

Documentos elaborados pelo psicólogo no judiciário

Para a elaboração de documentos, resultados das avaliações no Judiciário, o psicólogo

conta com a Resolução 007 /2003. É com base nessa Resolução que o psicólogo irá reali-

zar sua comunicação nos autos. No Judiciário, os documentos elaborados pelo psicólogo

são provas processuais, auxiliando para esclarecer controvérsias e decisões judiciais. Es-

ses documentos são complementares aos elaborados pelas equipes multiprofissionais

do Judiciário ou por outros profissionais (psiquiatras, psicopedagogos, psicoterapeutas)

quando estes participam do processo.

A elaboração de informações sobre as partes encaminhadas pelo juízo para avaliação

é a primeira comunicação do psicólogo nos autos. Com o objetivo de elaborar um docu-

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capítulo 6 • 119

mento, o psicólogo realizará a avaliação psicológica podendo utilizar

instrumentais próprios de sua técnica (entrevistas, testes, observa-

ções, dinâmicas) que servem para coletar dados, realizar estudos e in-

terpretações de informações sobre as pessoas atendidas. Esses instru-

mentos utilizados pelo psicólogo devem observar condições mínimas

de qualidade e uso, sendo adequados ao que se propõem a investigar.

Nestes documentos, o psicólogo deve ter cuidado com a linguagem e o

uso de termos e conceitos psicológicos. A comunicação deve ser clara,

fundamentada e concisa.

Segundo a Resolução 007 de 2003:

“Sendo uma peça de natureza e valor científicos, deve conter narrativa de-

talhada e didática, com clareza, precisão e harmonia, tornando-se acessível

e compreensível ao destinatário.”

Vamos ver resumidamente os tipos de documentos elaborados

pelo psicólogo:

DECLARAÇÃO

É um documento que informa a ocorrência de fatos e situações objetivas

relacionadas ao atendimento psicológico. Por exemplo: o Sr. X está em aten-

dimento psicológico há dois anos, na frequência de duas vezes por semana,

terças e quintas-feiras, às 11 horas.

ATESTADO

É um documento elaborado pelo psicólogo que informa determinada situação

ou estado emocional da pessoa atendida. Na realidade, pode ser usado para

justificar faltas, impedimentos, aptidões ou não para realizar atividades, afasta-

mentos ou dispensas. No atestado pressupõe-se que a pessoa foi avaliada pelo

psicólogo. Poderíamos ter como exemplo:

“Atesto para os devidos fins que a Sra. Y não pôde comparecer à audiência por

estar apresentando um quadro depressivo, neste momento.” Os atestados po-

dem vir com os quadros emocionais codificados através do DSM-V e do CID-10

para não expor a pessoa.

RELATÓRIO PSICOLÓGICO OU LAUDO PSICOLÓGICO

É uma apresentação descritiva sobre situações e/ou condições psicológicas

acompanhadas de suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais.

Ele é formado pelos dados que foram colhidos na avaliação psicológica e ana-

lisados a partir de um referencial teórico e técnico, adotado pelo profissional.

CONCEITO

DSM-V

É um manual diagnóstico e estatístico

feito pela Associação Americana de Psi-

quiatria para definir como é feito o diag-

nóstico de transtornos mentais.

CID-10

A Classificação Internacional de Doen-

ças e Problemas Relacionados à Saúde

(também conhecida como Classificação

Internacional de Doenças — CID 10) é

publicada pela Organização Mundial de

Saúde (OMS) e visa padronizar a codi-

ficação de doenças e outros problemas

relacionados à saúde.

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120 • capítulo 6

PARECER

É um documento fundamentado e resumido sobre uma questão psicológica que se quer esclarecer.

O resultado do parecer pode ser indicativo ou conclusivo. Esse documento é produzido por uma

pessoa considerada “expert” na área. Podemos dizer que é a avaliação de um especialista sobre

uma “questão-problema”. O objetivo é tentar resolver dúvidas em relação a uma tomada de decisão.

É importante que você compreenda que uma sentença judicial pode encerrar o proces-

so juridicamente, mas nem sempre a situação está resolvida, porque a solução depende

da articulação de recursos pessoais dos envolvidos, além de recursos sociais e, em alguns

casos, recursos institucionais.

Ao elaborar esses documentos, o psicólogo deve ter cuidado com as questões éticas que

estão envolvidas nessas situações. Vejamos algumas destas questões, principalmente, as

que dizem respeito à relação do psicólogo com profissionais de outras áreas.

Questões éticas ligadas ao psicólogo no judiciário

O psicólogo que trabalha no e para o Judiciário deve sempre ter uma postura reflexiva no

que diz respeito às questões éticas do seu trabalho. Este profissional deve estar atento

ao fato de que o resultado de sua avaliação pode ser a principal fundamentação de uma

decisão judicial, apesar do magistrado não estar compromissado com o laudo para cons-

truir o seu discernimento. O Código é a expressão da identidade profissional daqueles

que nele vão buscar inspirações, conselhos, normas de conduta. Ele é, ao mesmo tempo,

uma pergunta e uma resposta.

O Código de Ética Profissional do Psicólogo foi aprovado em 2005, a partir de múlti-

plos espaços de discussão sobre a ética da profissão, suas responsabilidades e compro-

missos com a promoção da cidadania. O processo ocorreu ao longo de três anos, em todo

o país, com a participação direta dos psicólogos e aberto à sociedade. Sendo um docu-

mento que vai determinar a conduta do psicólogo, está formado a partir de princípios

fundamentais. São eles:

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Princípio que é estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: liberdade, igualda-

de e integridade do ser humano.

PROMOÇÃO DA SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS E COLETIVIDADES

Atuando contra a negligência, discriminação, opressão, violência e crueldade.

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capítulo 6 • 121

RESPONSABILIDADE SOCIAL

DIVULGAÇÃO DOS CONCEITOS ÉTICOS E PRÁTICAS PSICOLÓGICAS.

RECONHECIMENTO DAS RELAÇÕES DE PODER NOS CONTEXTOS EM QUE ATUA E OS IMPACTOS DESTAS RELAÇÕES.

LEITURA

Resolução 010 de 2005 — Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em: http://

site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2005/07/resolucao2005_10.pdf. Acesso em 09 set. 2014.

Alguns artigos, deste Código merecem destaque em relação à prática do psicólogo no

Judiciário. Vejamos a seguir:

Art. 2º — Ao psicólogo é vedado:

b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual

ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;

g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica;

h) Interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar seus

resultados ou fazer declarações falsas;

k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profis-

sionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelida-

de aos resultados da avaliação;

Art. 6º — O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:

a. Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados demandas que extrapo-

lem seu campo de atuação;

b. Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguar-

dando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as

receber, de preservar o sigilo.

Art. 9º — É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger por meio da

confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no

exercício profissional

Art.10º — Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do dis-

posto no Art.9° e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os

casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra do sigilo, baseando sua decisão

na busca do menor prejuízo.

Parágrafo único. Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá

restringir-se a prestar informações estritamente necessárias.

Art.11º — Quando requisitado a depor em juízo, o psicólogo poderá prestar informações, consi-

derando o previsto neste Código;

Art.12º — Nos documentos que embasam as atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo

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122 • capítulo 6

registrará apenas as informações necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho;

Art.13º — No atendimento à criança, ao adolescente ou ao interdito, deve ser comunicado aos

responsáveis o estritamente essencial para se promoverem medidas em seu benefício.

Você deve ter percebido que em todos esses artigos descritos sobre o Código de Ética do

psicólogo prevalece o cuidado e o respeito em relação à pessoa atendida, para que, dessa

forma, a relação entre o psicólogo e o indivíduo não fique comprometida. Até em relação

às crianças e adolescentes, há um sigilo em relação às informações divulgadas, mesmo aos

responsáveis, de acordo com o Código.

RESUMO

Neste capítulo, você pôde ter contato com as diferentes práticas do psicólogo em diferentes áreas ligadas à

Justiça e ao Judiciário. Percebeu como é importante o trabalho deste profissional para a promoção da cida-

dania das pessoas por ele atendidas. Sua avaliação é um procedimento que envolve conhecimentos técnicos.

Os documentos produzidos, com base na avaliação, devem estar fundamentados em um referencial teórico

e técnico que garanta a seriedade e cientificidade deste trabalho. Sua postura ética é primordial não é, en-

tretanto, só o Código que confere identidade ao psicólogo, mas, sim, sua participação no mundo moderno,

sobretudo através do seu engajamento em propostas concretas de uma visão aberta do mundo voltada

para o social e o político.

ATIVIDADE

1. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê medidas de proteção aplicáveis quando direitos

forem ameaçados ou violados, determinando medidas específicas. Com base no ECA, é correto afirmar

que essas medidas de proteção:

a) Não são de conteúdo relevante ao psicólogo, já que se trata de determinações meramente administrativas.

b) Asseguram temporariamente a orientação, o apoio e o acompanhamento de crianças e adolescentes.

c) Não atribuem valor significativo à tutela da sanidade mental da criança e do adolescente, uma vez que

não o declara explicitamente.

d) Desestimulam o fortalecimento dos vínculos familiares, sendo esses vistos como potencialmente pre-

judiciais ao menor.

e) Não requerem avaliação psicológica para determinar os seus casos de aplicação, bastando a interpre-

tação da norma, que deve ser de conhecimento do psicólogo.

2. O juiz determinará estudo pericial de um caso quando:

a) Não possuir o tempo necessário para se debruçar sobre a matéria.

b) A prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.

c) Conhecer as partes e necessitar não se envolver pessoalmente com a avaliação da prova.

d) Necessitar melhorar o fluxo de processos em seu cartório.

e) Necessitar ouvir crianças com dificuldade de expressão dos sentimentos.

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capítulo 6 • 123

3. Segundo o ECA, o adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será encaminhado:

a) Aos familiares, desde que apresentado corretamente o endereço.

b) À autoridade policial competente.

c) À autoridade judiciária.

d) À diretoria do estabelecimento de ensino em que o adolescente infrator estiver matriculado.

e) À sua residência, uma vez que não é permitido prender o adolescente sem que o policial esteja acom-

panhado de um membro do conselho tutelar.

4. (PSICOLOGIA — ENADE 2006) Analise a seguinte situação:

Um psicólogo é indicado pelo juiz da Vara de Família para realizar perícia psicológica, a fim de trazer ele-

mentos que contribuam para a decisão do juiz, no seguinte caso.

Trata-se de um casal, ambos profissionais de nível superior, a mãe com 34 anos e o pai com 38, divorciados

há três anos e atualmente em litígio. O pai solicita mudança da guarda da filha de 9 anos, atualmente com

a mãe, pois queixa- se de que a filha não tem comparecido às visitas quinzenais de fins de semana e que

ele quer acompanhar o desenvolvimento da filha e ter a chance de contribuir em sua educação e formação.

Acredita que a menina não compareça às visitas por influência da mãe, que pretende afastá-lo do convívio

com sua filha. Acha que uma criança de 9 anos é muito pequena para decidir sobre isso e solicita interven-

ção da justiça. A mãe relata que seu ex-marido sempre foi violento, que a filha tem muito medo do pai e

não manifesta vontade em vê-lo nas visitas quinzenais. Acredita que o pai solicite a guarda neste momento

apenas movido por interesses financeiros, para não ter de pagar pensão alimentícia e também por querer

atormentá-la. Pede à justiça que a vontade da filha seja respeitada.

a) O que seria esperado da atuação do psicólogo?

b) Relacione os pontos que você considera importantes, explicitando os aspectos éticos envolvidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CRUZ, R.M.; MACIEL, S.K.; RAMIREZ,D.C. (Orgs.). O trabalho do psicólogo no campo jurídico. São Paulo: Casa do

Psicólogo, 2005.

FIORELLI, J.O.; FIORELLI, M.R.; MALHADAS JUNIOR, M.J.O.(Orgs.). Psicologia aplicada ao Direito. 3. ed. São Paulo:

LTR, 2010

PEREIRA, R. da C. Direito de Família. Uma abordagem psicanalítica. 2. ed.Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

SILVA, D.P. da. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

SOUSA, Analícia Martins de; BRITO, Leila Maria Torraca de. “Síndrome da alienação parental: da Teoria Norte-

Americana à Nova Lei Brasileira”. In: Psicologia: Ciência e Profissão, 2011, 31 (2), 268-283

TRINDADE, J. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007.

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Palavras finais

Este livro constitui um diálogo inicial entre a Psicologia e o Direito. Nesse sentido, não pre-

tendeu esgotar os temas propostos, e sim descortinar esse encontro.

Nosso objetivo principal foi demonstrar a importância da abordagem psicológica dos

conflitos, que são a matéria-prima do trabalho da maioria das carreiras jurídicas, mas tam-

bém destacar que afetos e desejos se entrelaçam aos conflitos.

A partir do segundo semestre do Curso de Direito você poderá cursar a disciplina eletiva

Mediação de Conflitos, essencial para a formação de profissionais capazes de solucionar

conflitos extrajudicialmente.

Continue seus estudos com enfoque interdisciplinar, ao longo de todo o Curso de

Direito e sua compreensão de todas as matérias será mais efetiva e sua formação aca-

dêmica diferenciada.

Guarde este livro, para que possa voltar a consultá-lo futuramente.

as autoras

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