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REGULAO E CONCORRNCIA NO BRASILgovernana, incentivos e eficincia

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Governo Federal Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoMinistro Paulo Bernardo Silva Secretrio-Executivo Joo Bernardo de Azevedo Bringel

Fundao pblica vinculada ao Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e de programas de desenvolvimento brasileiro e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

Presidente Luiz Henrique Proena Soares Diretoria Alexandre de vila Gomide Anna Maria T. Medeiros Peliano Cinara Maria Fonseca de Lima Joo Alberto De Negri Marcelo Piancastelli de Siqueira Paulo Mansur Levy Chefe de Gabinete Persio Marco Antonio Davison Assessor-Chefe de Comunicao Murilo Lbo

URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

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REGULAO E CONCORRNCIA NO BRASILgovernana, incentivos e eficinciaLucia Helena Salgado Ronaldo Seroa da Mottaeditores

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Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2007

Regulao e concorrncia no Brasil: governana, incentivos e eficincia/Lucia Helena Salgado, Ronaldo Seroa da Motta, editores Rio de Janeiro: IPEA, 2007. 316 p.: grfs., tabs.

1. Agncias Reguladoras 2. Concorrncia 3. Regulamentaes 4. Infra-Estrutura Econmica 5. Eficincia 6. Brasil. I. Salgado, Lcia Helena II. Motta, Ronaldo Sera da III. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. ISBN - 85-86170-91-1 CDD 352.8

As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou o do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

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APRESENTAO

com satisfao que o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) apresenta ao pblico mais um volume dedicado questo da regulao econmica, em continuidade s suas iniciativas de disseminao de estudos de excelncia na rea. Esta publicao traz os trabalhos apresentados e os debates promovidos na Segunda Jornada de Estudos de Regulao, realizada pelo Instituto em novembro de 2005. A qualidade desses trabalhos e a riqueza das discusses reforam a nossa percepo de que as oportunidades para aglutinar pesquisadores, reguladores e regulados em torno de anlises cientficas so vitais para a compreenso da nossa realidade econmica, social e poltica, assim como para aprimorar os nossos instrumentos de regulao. Nesta Segunda Jornada, a nfase nos incentivos de concorrncia e de governana se alinha imediatamente com as questes prementes de necessidade de investimentos no pas para engendrar um salto quantitativo e qualitativo ao nosso desenvolvimento. No h uma posio nica nas avaliaes e nas propostas de polticas e instrumentos, conforme o leitor poder observar ao longo dos captulos, mas a preocupao com o crescimento sustentvel foi consenso flagrante em todas as anlises. Tal empreitada contou com a generosa cooperao de pesquisadores e centros de pesquisa que, de alguma forma, colaboraram ou se comunicaram com os nossos pesquisadores, e gentilmente aceitaram a nossa convocao para essas jornadas. Em nome do Ipea, agradeo a participao de todos os integrantes de mesas e apresentadores de trabalhos pela qualidade das intervenes, bem como ao pblico reguladores, regulados, acadmicos e estudantes , pelo brilho que deram ao encontro com suas participaes nos debates por meio de comentrios e questionamentos. E com essa relao plural e profcua que o Ipea busca continuar colaborando para a maior eficincia e eficcia dos servios regulados, na tica do desenvolvimento sustentado e socialmente mais justo.Luiz Henrique Proena SoaresPresidente do Ipea

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SUMRIO

CAPTULO 1

INTRODUO 9 Ronaldo Seroa da Motta e Lucia Helena SalgadoPARTE 1

COMO PROMOVER BEM-ESTAR: JUDICIRIO, RGOS REGULADORES E CONTRATOSCAPTULO 2

DIRETO DA FRENTE DE BATALHA: A PROMOO DA CONCORRNCIA EM MERCADOS REGULADOS Helcio TokeshiCAPTULO 3

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CONTROLE DE POLTICAS PBLICAS PELO JUDICIRIO: WELFARISMO EM UM MUNDO IMPERFEITO Daniel K. GoldbergCAPTULO 4

43

MESA-REDONDA 1: DEFESA DA CONCORRNCIA EM MERCADOS REGULADOS 83 Debatedores: Daniel K. Goldberg, Hlcio Tokeshi e Marcos de Barros LisboaCAPTULO 5

MESA-REDONDA 2: CONTRATOS E PROVISO DE SERVIOS PBLICOS Debatedores: Calixto Salomo Filho, Floriano Peixoto Marques Neto, Joo Geraldo Piquet Carneiro e Lucia Helena SalgadoPARTE 2

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ENTRADA E DESEMPENHO NA AVIAO CIVILCAPTULO 6

PERFORMANCE DOS REGULADOS E EFICCIA DO REGULADOR: UMA AVALIAO DAS POLTICAS REGULATRIAS DO TRANSPORTE AREO E DOS DESAFIOS PARA O FUTURO 133 Alessandro V. M. OliveiraCAPTULO 7

A CRISE VARIG/TAM E O USO DE CODESHARE Thompson Almeida Andrade

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PARTE 3

INCENTIVOS E EFICINCIA EM SANEAMENTOCAPTULO 8

AS OPES DE MARCO REGULATRIO DE SANEAMENTO NO BRASIL Ronaldo Seroa da MottaCAPTULO 9

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PONTOS PARA UMA DISCUSSO SOBRE EFICINCIA E REGULAO EM SANEAMENTO Frederico Araujo Turolla e Thelma Harumi OhiraPARTE 4

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CONCORRNCIA E INCENTIVOS EM ENERGIA ELTRICACAPTULO 10

MERCADO ELTRICO: CENTRALIZAR A GESTO DE RISCOS? Adilson de OliveiraCAPTULO 11

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REMUNERAO DE CAPITAL DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELTRICA: UMA ANLISE COMPARATIVA Katia Rocha, Gabriel Fiuza de Bragana e Fernando CamachoPARTE 5

249

MERCADO DE CARBONOCAPTULO 12

O MERCADO DE CARBONO E O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO: A NECESSIDADE DE UM MARCO REGULATRIO/INSTITUCIONAL PARA O BRASIL Maria Bernadete GutierrezPARTE 6

271

CONCORRNCIA E ACESSO NA TELEFONIA LOCALCAPTULO 13

O REGULADOR: ELEMENTO ESSENCIAL PARA GARANTIR CONQUISTAS Luiz CuzaCAPTULO 14

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CUSTO DE CAPITAL E A NOVA REGULAO DE TELECOMUNICAES Gabriel Fiuza de Bragana, Katia Rocha e Fernando Camacho

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CAPTULO 1

INTRODUO*

Ronaldo Seroa da Motta** Lucia Helena Salgado***

As inverses pblicas em projetos de infra-estrutura, principalmente nos pases em desenvolvimento, foram sempre justificadas pela baixa taxa de poupana da economia, o que exigiria investimentos com gastos governamentais financiados ou por poupana compulsria isto , via tributao ou por poupana externa. No raramente, a presena de capital estrangeiro era repudiada, reduzindo assim o alcance dessa opo, e a poupana externa realizava-se muitas vezes, principalmente em momentos de alta liquidez internacional, via emprstimos soberanos. Mesmo em condies mais favorveis, o capital estrangeiro no se aventurava nesses investimentos, exceto pelas joint-ventures em empresas de economia mista, as formas existentes, at ento, de parceria pblico-privada (PPP). Em muitos pases onde no houve disciplina fiscal, tal modelo acabou esgotando a prpria capacidade da economia de elevar seu nvel de poupana, no momento em que a dvida pblica, atada ao fluxo de comprometimentos das inverses realizadas associado ao baixo desempenho destas seja pela m gesto ou por conta de um populismo tarifrio , consumia cada vez mais tributos para fazer frente aos servios dessa dvida. Esgotado o modelo de inverses pblicas, muitos pases iniciaram reformas econmicas com base na privatizao ou nas concesses privadas. O capital privado, contudo, nem sempre respondeu de forma significativa s oportunidades surgidas nos servios de infra-estrutura. Com investimentos de longo prazo e pesados custos* Colaborou Gabriel Fiuza de Bragana, pesquisador da Diretoria de Estudos Macroeconmicos do Ipea. ** Coordenador de Estudos de Mercado e Regulao do Ipea. *** Pesquisadora da Diretoria de Estudos Macroeconmicos do Ipea.

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afundados, os investidores percebiam que as restries fiscais dessas economias resultariam em alta volatilidade da demanda, impedindo o crescimento sustentado e, assim, colocando em alto risco o retorno do empreendimento. Adicionalmente, muitos pases no conseguiram desenvolver um ambiente regulatrio crvel (seja setorial normativo, ambiental ou judicirio) que reduzisse o risco regulatrio de expropriao com exigncias de tarifas subsidiadas sem a respectiva fonte de financiamento. Atividades em infra-estrutura exigem um marco regulatrio que, indiretamente, gere incentivos eficincia atravs de uma poltica tarifria que considere no s o equilbrio econmico-financeiro da concesso, mas tambm inclua penalidades e prmios para decrscimos ou aumentos de produtividade e sua repartio com os usurios. Assim, os benefcios do monoplio (as conhecidas economias de escala) seriam tambm desfrutados pelos seus usurios com maior qualidade e quantidade dos servios e modicidade nas tarifas. Embora essas questes requeiram uma adaptao a cada setor, suas bases tericas e conceituais so imutveis. A necessidade da regulao econmica diminui medida que aumenta a concorrncia no setor regulado. Na cadeia produtiva de certos servios pblicos h segmentos mais competitivos que atuam junto com tpicos monoplios naturais, dependendo, em cada setor, da combinao de condicionantes econmicos e tecnolgicos. O setor de aviao civil, por exemplo, deveria evitar a regulao econmica e, em vez disso, promover a concorrncia. Distribuio de energia e gua, que dependem de redes de alto custo afundado, geralmente continuam monoplios naturais. J a produo de energia e gua pode atuar em ambientes mais competitivos, com vrios ofertantes. Outra forma de promover mais concorrncia seria o acesso de firmas entrantes a estruturas produtivas das firmas incumbentes (unbluding). A forma mais comum a criao de condies de acesso rede da operadora incumbente. Dessa forma, concorrentes, atravs de uma tarifa de acesso, podem partilhar a capacidade ociosa da rede e competir na oferta dos servios sem a necessidade de duplicar a rede com aumento da capacidade ociosa, tal como pode acontecer no setor de telecomunicaes e de gs natural. O Brasil iniciou seu processo de privatizao e regulao h dez anos. Em que pesem as razes de cunho fiscal, havia um claro objetivo de criar um choque de investimentos e dinamismo nos setores monopolizados. Mas o processo evolutivo da regulao no Brasil parece ter perdido logo seu momento quando, j na administrao passada, percebiam-se grandes vazios regulatrios. A forma incompleta dos mercados de energia eltrica, os conflitos monopolistas no gs natural e o

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vcuo regulatrio no saneamento so apenas alguns exemplos, sem mencionar o atraso na aplicao de mecanismos de concorrncia na rea de telecomunicaes. Na troca de governo, em 2002, cresceu o temor de que as barreiras ideolgicas fossem recrudescer e at resultar numa volta ao passado, com reverso de algumas iniciativas de quebra dos monoplios pblicos. Os mais otimistas esperavam que pelo menos a evoluo fosse interrompida. O cenrio pessimista no se concretizou, mas alguns recuos foram confirmados. No se pode afirmar quanto dessa tendncia inrcia foi fruto de uma falta de capacitao tcnica e de governana das agncias, em parte causada pelas restries oramentrias, a qual com o tempo iria se resolver e permitir a retomada do processo evolutivo, ou se resultava, desde ento, de um confronto ideolgico mal resolvido.1 As sees seguintes iro, respectivamente, analisar a situao regulatria atual nos setores de aviao civil, petrleo e gs natural, telecomunicaes, energia eltrica e saneamento. Antes de expormos essa viso setorial, analisamos os aspectos de governana das agncias reguladoras.GOVERNANA DAS AGNCIAS REGULADORAS

Os ltimos anos marcaram uma crise de governana nas agncias reguladoras. Em primeiro lugar, indicaes pouco transparentes para os cargos de diretoria e a conseqente politizao da sua aprovao no Senado impediram o pleno funcionamento das agncias. Em segundo lugar, o projeto de lei em trmite no Congresso que rev os marcos de atuao e interao das agncias reguladoras com o Executivo ainda est eivado de incertezas quanto ao limite e natureza da governana das agncias. Embora os objetivos centrais do projeto sejam estabelecer com maior clareza atribuies do Executivo Federal e das agncias e definir o mecanismo de restrio da autonomia decisria das agncias, os mecanismos adotados podem no ser compatveis. O projeto prope novos mecanismos de controle social sobre as agncias e aperfeioamentos dos j existentes. A seguir, analisamos essas propostas e recomendamos algumas modificaes. Competncias em licitaes e celebraes de contratos de concesso as licitaes e contatos ficam a cargo dos ministrios setoriais. Essa permisso deve introduzir mais incerteza regulatria, ao trazer para a esfera poltica do Estado a definio de regras para investimentos privados em infra-estrutura. Definio de1. O livro Marcos regulatrios no Brasil: o que foi feito e o que falta fazer, publicado pelo Ipea, em 2005, discute exaustivamente essas questes. Aqui vamos pontuar apenas as que atualmente esto em fase de implementao ou em discusso no Congresso Nacional.

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regras gerais de concesso e sua conduo deveriam ser processos estritamente tcnicos e, portanto, realizados pelas agncias reguladoras. Tal contribuiria para a estabilidade de regras e, portanto, para a segurana jurdica necessria s decises de investimento de longo prazo. Transparncia e prestao de contas publicidade das decises e aperfeioamento dos institutos de consulta e de audincia pblica, alm da obrigao de apresentao de relatrio anual de atividades aos ministrios respectivos e ao Congresso Nacional. O projeto deixou de abordar a questo da reviso das decises das agncias pelo Judicirio, o que mereceria destaque na discusso, em contraponto proposio de atendimento por parte das agncias s polticas definidas pelo Executivo. Contratos de gesto a obrigatoriedade de celebrao de contratos de gesto entre agncias e ministrios pode reduzir a eficincia na interao entre esses entes. A definio de contratos de gesto requer clareza quanto a critrios para avaliao de desempenho de agncias e tais critrios no existem a priori; as perspectivas para sua construo dependem do acmulo de experincias das prprias agncias no exerccio de suas funes. Sanes aplicadas aos dirigentes das agncias pelo no cumprimento do disposto nos contratos estas seriam definidas por normas infralegais, mais precisamente na regulamentao da lei. Assim, a prerrogativa de aplicao de sanes supe uma subordinao entre agentes que, no caso da relao entre os ministrios e as agncias, entra em choque com a ausncia de subordinao hierrquica, uma das dimenses da autonomia tcnica das agncias. Criao de ouvidorias em todas as agncias e o aperfeioamento das existentes visa reforar o controle social sobre as agncias. Contudo, o projeto no estabelece claramente as competncias do ouvidor que, por vezes, parecem colidir com aquelas tipicamente atribudas s prprias agncias reguladoras. No esto previstos limites para a atuao do ouvidor, nem critrios para a sua escolha e a prestao prpria de contas sociedade. Durao e coincidncia de mandatos a autonomia das decises das agncias reguladoras encontra no instituto dos mandatos fixos dos dirigentes sua principal salvaguarda. Importa ainda, para reforo da estabilidade de regras e aumento da segurana jurdica para os agentes regulados e potenciais investidores, que as alteraes na conduo das agncias se dem da forma mais suave e gradativa possvel, para o que concorre favoravelmente o instituto de mandatos escalonados dos dirigentes. Alm disso, refora a autonomia das agncias a no-coincidncia de mandatos entre os presidentes das agncias e o presidente da Repblica. O projeto fere

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alguns desses pressupostos, ao no estabelecer claramente mandatos escalonados e prever o encerramento dos mandatos de presidentes e diretores-gerais das agncias aps completado o primeiro ano de governo do presidente da Repblica e antes que se chegue a 18 meses de governo. Regras para o preenchimento de cargos diante da significativa vacncia de cargos nas agncias reguladoras2 e da relativa proximidade de trmino de outros dez mandatos (entre 2006 e 2007), cabe sugerir parmetros mais estritos para a indicao de mandatrios. As agncias precisam contar no apenas com quadro tcnico prprio e concursado mas com diretorias compostas por membros de perfil tcnico, com notria especialidade no setor e sem filiaes polticas. Os indicados deveriam apresentar, no momento da sabatina pelas comisses do Senado Federal, planos de metas para cumprimento ao longo dos mandatos. No lugar de um acompanhamento ad hoc por meio dos contratos de gesto, tais planos seriam submetidos ao controle social, aps expostos e aprovados, o que garantiria maior aderncia da atuao dos dirigentes ao interesse pblico de desenvolvimento setorial, segurana jurdica e autonomia de conduo das agncias. O avano das questes setoriais que vamos analisar a seguir depende crucialmente da definio do encaminhamento do marco regulatrio de governana que j discutimos.AVIAO CIVIL

Fato de importncia mpar, ocorrido h pouco mais de dois meses, foi a criao da Agncia Nacional de Aviao Civil (Anac),3 como autoridade regulatria do setor. Aps dcadas de comando da regulao do transporte areo pelo Departamento de Aviao Civil (DAC) do Ministrio da Aeronutica, criou-se a expectativa de que, a partir da instituio dessa nova entidade, a regulao do setor viesse a adotar premissas modernas, com o estmulo competio, sem descuido de sua funo regulatria prudencial, dizer, voltada para a operao segura e contnua da atividade de transporte areo. Nos ltimos anos, observaram-se movimentos cclicos com respeito liberalizao do mercado. Os anos 1990 foram marcados pelo estmulo ao estabelecimento de regras do mercado nesse setor, ao passo que, a partir do incio de2. Uma lista significativa de agncias permanece com cargos vagos, dificultando, ou mesmo inviabilizando, o processo de deciso em seu mbito; a Agncia Nacional de Transportes Aquavirios (Antaq) est com seus cinco cargos vagos, alguns aguardando nomeao pelo presidente da Repblica (primeira condio), outros aprovao pelo Senado (segunda condio). Na Agncia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) h um cargo nessa segunda condio. Na Agncia Nacional de Petrleo (ANP) h trs cargos vagos e na Agncia Nacional do Cinema (Ancine), na Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) e na Agncia Nacional de Telecomuniaes (Anatel) h um cargo vago em cada uma. 3. Lei 11.182/2005.

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2003, notou-se tendncia mais conservadora, no que respeita concesso de novas autorizaes de rotas e slots a companhias entrantes no mercado. Em estudos que vieram a pblico, chegou-se mesmo a cogitar novas diretrizes para o setor areo, comportando a diviso do mercado em quatro nveis internacional, domstico de mbito nacional, domstico de mbito regional e domstico suplementar. Cogitaram-se ainda, a) a substituio do modelo de competio por um modelo de redes complementares; b)a criao de uma empresa principal, que responderia virtualmente pelo transporte areo internacional e deteria de 50% a 60% do mercado domstico; e c) a monitorao estrita das tarifas por meio de acompanhamento de custos, em substituio liberdade tarifria atualmente em vigor, entre outros aspectos. Tais diretivas implicariam um retorno da regulao do setor ao formato adotado nos anos 1970, o que por si s evidencia o descompasso com os desafios que se apresentam na atualidade. A criao da Anac acabou por coincidir com o agravamento da crise da Varig, companhia que liderou o mercado domstico e internacional por dcadas e que, por questes de natureza administrativa e societria, acumulou um passivo incapaz de mant-la por mais tempo em atividade. No que respeita questo regulatria, a crise da Varig tornou ainda mais urgente a necessidade de a Anac estabelecer-se como agncia reguladora tcnica e independente, uma vez que necessitava adotar regras para a distribuio de rotas, slots (espaos para aterrissagens e decolagens) e hotrans (horrios para trnsito em aeroportos), visando estimular a expanso do mercado, com base no princpio da concorrncia, sem descuido das normas de segurana e previso adequadas dos servios. de notar que o transporte areo de passageiros constitui servio pblico operado por regime de concesso, o que implica o atendimento s exigncias constitucionais de qualidade, regularidade, no-interrupo e preos mdicos. Em contraste com o ocorrido no setor de telecomunicaes, quando a Anatel foi criada concomitantemente instituio da Lei Geral das Telecomunicaes (LGT), guisa de comparao, no setor de transporte areo foi criada uma agncia reguladora sem que tenham sido previamente discutidas e estabelecidas, com um mnimo de clareza, as diretrizes pretendidas para o estmulo expanso do setor. Tal dificuldade tornou-se patente na primeira manifestao pblica de inteno da Anac, por ocasio da minuta de Resoluo 1, de 22/05/2006 posta em consulta pblica por curto perodo, j concludo , dispondo sobre a distribuio de horrios de pousos e decolagens nos aeroportos centrais e estabelecendo o processo administrativo de distribuio.

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As regras de pr-qualificao ali adotadas estabeleceram clara vantagem s grandes empresas j operantes no mercado, inviabilizando a expanso e mesmo a participao no sorteio por parte de empresas menores e entrantes. Tal linha de ao denota a continuidade da cultura consagrada no DAC de privilgio regulao prudencial, em detrimento do estmulo concorrncia em lugar da esperada ruptura com tal tradio, em direo s formas mais modernas de regulao econmica. Assim, a Anac enfrenta um duplo desafio: o de superar as conseqncias a curto prazo da crise da Varig que vm apontando, de todos os pontos de vista, para uma indesejvel concentrao do mercado em um duoplio e o de apresentar regras, como para a distribuio de rotas e slots em aeroportos de grande concentrao de trfego, visando estimular o dinamismo concorrencial em potencial desse mercado (que apenas por questo conjunturais e de m regulao justificariam a excessiva concentrao econmica) pari passu com a prestao de servios adequada aos consumidores.4PETRLEO E GS NATURAL

A indstria do petrleo, originalmente monopolista e verticalizada, sofreu processo de liberalizao a partir da dcada de 1990, observando-se j concorrncia nos segmentos de explorao e de distribuio. Seguem concentrados, contudo, os segmentos de produo e de distribuio. Aquele espera do incio da produo dos campos exploratrios das empresas entrantes e este em funo das enormes barreiras entrada e do poder de mercado da incumbente. A indstria petrolfera representa, no Brasil, um exemplo da dificuldade de aplicar a regulao econmica independente em mercado dominado por incumbente pblica, cuja importncia exacerba os conflitos de captura. A atual magnitude dos negcios da Petrobras impe grandes dificuldades para um processo de desestatizao voltado para a gerao de eficincias e a introduo de competio. Contudo, uma poltica estabelecida de preos para os derivados de petrleo que tomasse preos internacionais como referncia5 e conferisse transparncia aos subsdios cruzados entre derivados poderia reduzir o poder de mercado da incumbente no segmento de refino. O desafio enfrentar o poder de mercado da incumbente no segmento de refino sem, para tanto, retornar ao paradigma do controle de preos.4. Vale observar que a omisso da Anac nessas questes de concorrncia no afastar a possibilidade de manifestao do Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade), tal como se sucedeu no code share da Varig e da TAM. 5. No se trata de um simples repasse das variaes dos preos internacionais, mas sim de uma cesta de preos em que se considerem tambm as elasticidades de demanda no pas.

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A indstria de gs natural, por sua vez, tem seu desenvolvimento condicionado definio de seu novo marco legal, discusso ora travada no Congresso e que gravita em torno do tratamento dado relao entre investimento e concorrncia.6 Uma vez que se trata de uma indstria de rede, a operao da rede fsica, nesse caso a rede de dutos de transporte, constitui o segmento da indstria que tecnicamente se mantm como monoplio natural, devendo, por isso, ser alvo de regulao, para que a competio possa manifestar-se nos demais segmentos, potencialmente competitivos. Para tanto, o acesso no-discriminatrio rede de transporte de gs constitui mecanismo indispensvel para prevenir prticas anticompetitivas, uma vez que cria as condies para que se manifeste a contestao do poder de mercado nos segmentos competitivos. Observe-se que a necessidade de regulao do acesso no-discriminatrio rede de gasodutos torna-se ainda mais crucial para o desenvolvimento da indstria no caso de o proprietrio da rede de transporte tambm participar de outros segmentos, competindo de forma assimtrica com as demais empresas integrantes do setor. A incipincia do mercado de gs natural no Brasil e a premncia da realizao de investimentos de longo prazo de maturao, que incorporam pesados custos irrecuperveis na montagem de sistema de transporte interligando centros produtores e consumidores de gs, somadas necessidade de garantia de demanda em contratos firmes de longo prazo, como condio para a obteno do financiamento necessrio a tais investimentos, formariam um conjunto de fatores incompatveis com o princpio da concorrncia traduzido nas regras de livre acesso. Ademais, o princpio do livre acesso estimularia o comportamento oportunista por parte de carregadores, que prefeririam aguardar que os concorrentes incorressem nos custos de realizao de investimentos na montagem de infra-estrutura de transporte para ento obter acesso a ela, em face da vigncia do princpio legal. Sugere-se, para superar esses dilemas, a instituio regulada de compensaes financeiras para o investidor em contrapartida aquiescncia regra do livre acesso. Tais compensaes so tambm necessrias para minimizar o risco regulatrio. De fato, na ausncia de compensao, o receio frente ao risco regulatrio representado pela possibilidade de alterao das regras do jogo, conforme o aprendizado obtido com a experincia passada pode frear ou mesmo paralisar investimentos para o desenvolvimento desse mercado. De todo modo, a criao de compensaes deveria se dar apenas em regime de exceo, mediante condies muito particulares6. A discusso est polarizada entre o Projeto de Lei (PL) 226/2005, de autoria do senador Rodolpho Tourinho, e o (PL) 6.673/2006, elaborado pelo Poder Executivo, por meio do Ministrio das Minas e Energia.

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e devidamente comprovadas pelos carregadores pioneiros. Tais excees se justificariam pela imprevisibilidade de alteraes regulatrias ou pela existncia de condies de mercado que tornem pouco atrativo o investimento na expanso da malha de gasodutos. A recente nacionalizao das reservas minerais na Bolvia e sua repercusso nos investimentos da produo e transporte de gs natural da Petrobras enfatizam ainda mais a importncia de um marco regulatrio mais dinmico e eficiente para que se diversifiquem as fontes de suprimento do pas. Os instrumentos regulatrios aqui discutidos podem tambm ajudar a criar um ambiente propcio aos investimentos nacionais no pas vizinho com benefcios para todos os parceiros. O duplo papel do Executivo, ora como monopolista, ora como fazedor de poltica, ser duramente testado nesse embate.TELECOMUNICAES

O setor de telecomunicaes vivencia um momento de significativas transformaes tecnolgicas e profundas mudanas regulatrias. O trip competio, investimento e inovao deve corresponder ao cerne de polticas pblicas que objetivem o bem-estar da sociedade e o pleno desenvolvimento do setor. Especial ateno dever ser conferida convergncia de tecnologias e nova regulao da remunerao do acesso. Em relao questo de convergncia tecnolgica, impem-se alguns aspectos inerentes prpria estruturao da agncia reguladora e flexibilizao do atual arcabouo legal. medida que empresas de radiodifuso e de TV a cabo passem a disputar mercados semelhantes s empresas de telecomunicaes fixas e mveis, seja na mdia, acesso internet ou telefonia, torna-se fundamental que, respeitando os contratos estabelecidos, elas obedeam a regras ao menos semelhantes em cada um desses mercados. Caso contrrio, observaremos uma srie de ineficincias que terminam prejudicando o consumidor, como a perpetuao de reservas de mercado e o uso de subterfgios legais e econmicos para usufruir potenciais vantagens jurdicas. Polticas de facilitao do acesso de competidores entrantes infra-estrutura de rede da monopolista incumbente constituem um recurso vlido e freqentemente utilizado em indstrias reguladas para fomentar a competio. Ateno especial deve ter o regulador, no entanto, dose do remdio. A nova regulamentao de tarifas de acesso, tanto rede fixa quanto mvel baseada nos custos das operadoras, deve levar em conta a conjuno de bases de ativos, custos operacionais e custos de capital eficientes e, principalmente, realistas. Os possveis malefcios de tarifas

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de acesso excessivamente baixas so a diminuio dos investimentos e a deteriorao da qualidade dos servios sem ter como contrapartida, como muitas vezes observado na experincia internacional, o benefcio da diminuio das tarifas cobradas ao usurio final.SETOR ELTRICO

O setor eltrico operou nos ltimos anos uma completa reviso do modelo gerador de energia e na rea de distribuio houve uma segunda reviso tarifria. Os avanos ainda no foram significativos e um nvel elevado de incerteza predomina.Gerao de energia eltrica

A administrao federal passada optou por reformas regulatrias na direo de um modelo descentralizado de mercado para o setor de gerao de energia eltrica. Todavia, a privatizao concentrou-se na distribuio, alcanando apenas 20% na gerao. Um mercado de energia no Brasil com forte presena estatal significa que os incumbentes criam barreiras entrada quando investimentos novos podem ser constantemente contestados por uma tarifa abaixo do seu custo de oportunidade. Dessa forma, o modelo do governo passado ficou incompleto e complet-lo significaria no s rever os incentivos concorrncia como tambm ampliar a privatizao. Ao contrrio, a norma regulatria da atual administrao iniciou-se com a deciso de cancelar o processo de privatizao e aprofundar as diferenas nas formas de contratao de energia entre os consumidores cativos das distribuidoras e os no-cativos. No mercado livre, a contratao continua baseada em contratos bilaterais e no mercado cativo uma cmara de comercializao, muitas vezes chamada de pool, compra na forma de leilo toda a energia demandada pelas distribuidoras. A diferena entre o mercado livre e o cativo no se restringe aos tipos de fornecedor e de consumidor. Agora esses mercados se diferenciam na forma de contratao e precificao da energia. Os consumidores tendero a observar as vantagens e desvantagens de cada mercado. O mercado livre poder ser mais vantajoso, pois os contratos bilaterais no carregam o nus do mercado regulado, tais como o custo Itaipu, a energia alternativa e a energia social (incluindo os famosos gatos). Somente os consumidores residenciais e de pequeno porte se mantero cativos e podero acabar bancando o custo da sada dos maiores. Ou seja, uma forte expanso do mercado livre pode criar problemas no mercado cativo e assim tentar administraes futuras a reduzir esse bom desempenho de mercado.

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A prtica de leiles em substituio livre contratao tambm tem seus riscos. Leiles de energia na forma monopsnica como os da Cmara de Comercializao de Energia Eltrica (CCEE), numa situao de excesso de oferta, como acontece hoje, podem levar a tarifa da energia a ficar menor do que o seu custo marginal de longo prazo, o que introduz distores no uso da energia. Por outro lado, no caso de escassez de energia por falta de investimentos adequados, ao contrrio, a CCEE ser obrigada a pagar altos preos para atender demanda total. Mercados descentralizados reduzem essas variaes bruscas, pois equilbrios de oferta e demanda so suavizados em diversos contratos. Essa possibilidade de carncia de investimentos no pode ser descartada. Um regime de contratao de longo prazo junto a um nico comprador com forte conotao governamental, tal como a CCEE, e com instrumentos de reviso de tarifa de pouca flexibilidade, pode inibir o fluxo de investimentos, em particular, como foi dito, no mercado cativo. Os preos-teto oferecidos nos primeiros leiles de energia realizados pela CCEE em 2006 no lograram atingir as metas de compra e no atraram o capital privado. Somente com preos mais elevados que se reverteu essa tendncia nos ltimos leiles, embora a maioria das transaes ainda seja conduzida pelas estatais. Cabe, assim, uma ateno redobrada no desenvolvimento do novo marco regulatrio do setor, e os ajustes de rota devem ser oportunos, evitando que os problemas do passado se repitam.Distribuio de energia eltrica

O setor de distribuio de energia eltrica atravessar um novo ciclo de revises tarifrias em 2007, o que trar ao regulador a excelente oportunidade de promover ajustes na regulamentao das tarifas, incorporando o aprendizado adquirido a partir dos erros e acertos relacionados ao primeiro ciclo de revises. A anlise da modicidade tarifria e do equilbrio econmico-financeiro no primeiro ciclo de revises deve ser feita levando-se em conta alguns fatores. Em primeiro lugar, o perodo caracterizou-se pelo episdio do racionamento, que afetou diretamente a oferta de energia eltrica e, conseqentemente, a receita das distribuidoras e geradoras. Outro aspecto diz respeito crise econmica pr-eleitoral de 2002, que implicou desvalorizao cambial, piora no perfil de endividamento das empresas e aumento de tarifas a partir da elevao da inflao refletida no ndice Geral de Preos-Disponibilidade Interna (IGP-DI). No obstante, verificou-se em boa parte desse perodo, com reverso a partir dos reajustes concedidos em 2005, uma rentabilidade inferior ao custo de capital das empresas.

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Constam, sem dvida, entre os vrios motivos que explicam esse fenmeno, algumas inconsistncias metodolgicas referentes ao clculo do custo de capital, seja na forma da taxa de retorno custo mdio ponderado do capital (WACC na sigla em ingls) ou da definio da base de ativos sobre a qual ela incide. Sem entrar em pormenores, fundamental que princpios de simplicidade e transparncia norteiem a metodologia que ser empregada no segundo ciclo de revises que se seguir, sobretudo no que se refere aos critrios e detalhes considerados na determinao da base de ativos. fundamental, ainda, que mtodos modernos de avaliao de eficincia, que levem em conta as particularidades geogrficas e operacionais de cada empresa, passem a ser sistematicamente empregados nas revises tarifrias.SANEAMENTO

Considerando-se a necessidade de investimentos anuais da ordem de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o papel dos investimentos privados ser crucial para o desenvolvimento do setor de saneamento e, para tal, h que se definir um marco regulatrio transparente e crvel. Essa percepo compartilhada por todos, mas os resultados polticos at agora so desanimadores. O PL 4.147, que chegou Cmara Federal em 2001, no avanou no Congresso Nacional por conta de controvrsias na sua interpretao da Constituio Federal sobre o poder concedente dos municpios, que propunha partilhar com as autoridades metropolitanas. Mais ainda, havia questionamentos sobre o papel do setor privado que se acreditava destinado a praticar abusos tarifrios e incapaz de manter um padro de investimentos que atingisse reas mais pobres. Recentemente, a atual administrao federal encaminhou ao Congresso o PL 5.296, que, a despeito das longas sees de princpios e fundamentos, na sua parte substancial determina que, alm de gua e esgoto, incluem-se no setor de saneamento ambiental os servios de coleta e disposio de resduos slidos e drenagem. Os municpios tero o poder concedente nos servios de interesse local definidos como aqueles de distribuio de gua, coleta de esgotos sanitrios, varrio, capina e coleta de resduos slidos urbanos e microdrenagem; nos outros servios captao de gua, tratamento de gua, de esgoto e de resduos slidos e drenagem , somente nos casos de uso exclusivo do municpio. Transferncias relacionadas com subsdios cruzados sero transparentes e constaro nas contas dos servios aos usurios. Nos casos de usos mltiplos por

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mais de um municpio, adota-se a gesto integrada com a figura do consrcio recentemente criada por lei. Caso os municpios no venham a operar seu sistema, os contratos tero de especificar, entre outras coisas, metas, nvel e forma de ajustes de tarifas e de subsdios. O uso dos recursos federais de financiamento ser na forma de incentivos para viabilizao do modelo proposto. O projeto avana na governana regulatria ao exigir transparncia das metas, tarifas e subsdios. Todavia, ainda h o que melhorar. As concesses s empresas privadas sero na forma da lei via licitaes, mas, por conta da abertura deixada na nova lei de consrcios, os municpios podero se valer de contratos de programa que dispensem licitaes para contratar empresas pblicas de saneamento. A ausncia de licitao poder permitir que as negociaes de contratos de servios incluam outras questes, nobres ou no, para a determinao de metas e tarifas. Faltam ainda incentivos de eficincia, tais como foram propostos no PL 4.147, com a aplicao de princpios de tarifao que beneficiariam as empresas com desempenho mais eficiente e penalizariam as ineficientes. Entretanto, tal como aconteceu com as iniciativas anteriores, esse novo PL corre o risco de no ser debatido na anlise dessas questes de eficincia e governana. Poder, sim, enfrentar a mesma controvrsia sobre o poder concedente e o papel do setor privado. Ser, novamente, um falso debate. Se o poder concedente for municipal, teremos de incluir mecanismos de incentivos criao e ao controle dos consrcios para que as escalas de operao timas sejam alcanadas e a gesto destes maximize o bem-estar dos usurios e permita um ambiente favorvel aos investimentos. Se, ao contrrio, o poder concedente nas reas metropolitanas for estadual, ento os incentivos funcionaro s avessas no sentido de orientar os estados a criarem reas de operao de acordo com os ganhos de escala e densidade e a evitarem um monoplio acima do tamanho timo. Mais ainda, no seria totalmente incabvel criar, tambm, um ambiente de concorrncia para as operadoras estaduais, estimulando licitaes para as concesses que possam expirar, de modo a atrair novas fontes de investimentos e operao, em particular do setor privado. A definio de poder concedente uma deciso estritamente poltica e o Congresso Nacional deveria resolver imediatamente esse impasse e assim, a exemplo de outros setores de monoplios naturais, avanar no debate dos instrumentos que consolidam a governana e a eficincia dos servios.

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A SEGUNDA JORNADA

Na Segunda Jornada de Estudos de Regulao,7 abordaram-se alguns desses temas, com destaque para estudos recentes sobre a regulao em setores especficos, quais sejam, aviao civil, saneamento, energia eltrica, mercado de carbono, telecomunicaes, assim como debateram-se temas de alcance geral, como a relao entre regulao e concorrncia, a relao entre Judicirio e entes regulatrios e os mecanismos contratuais na prestao de servios pblicos. No painel Entrada e Desempenho na Aviao Civil, Alessandro Oliveira apresentou uma anlise das polticas regulatrias para o setor areo,8 amparada em um diagnstico dos problemas a serem enfrentados na construo de um marco regulatrio moderno, a partir da criao da Anac. Aps descrever as diferentes fases por que passou a regulao do setor, desde os anos 1970, exps sua anlise da evoluo da estrutura, conduta e desempenho nesse mercado, destacando as condies de entrada e contestabilidade, associadas, sobretudo, a mudanas na orientao regulatria do setor. Identificando a uma estrutura de oligoplio concentrado, chama a ateno para a marcante caracterstica de esse mercado ser organizado por um oligoplio composto por trs grandes empresas nacionais e uma franja de empresas regionais, cuja identidade e posicionamento dentro da estrutura se alteram ao longo do tempo. Da anlise de conduta e desempenho das empresas no setor destaca a influncia, sobretudo para a rentabilidade, de fatores macroeconmicos, em especial da evoluo do PIB e da taxa de cmbio. A partir desses elementos, apresentou os resultados de exerccio economtrico sobre os determinantes dos markups preo/custos das companhias areas brasileiras. Concluiu sua exposio e, apoiando-se na anlise que lhe permitiu indicar que o mercado de aviao civil desregulamentado estvel no longo prazo, aponta uma agenda de reformas regulatrias, envolvendo livre acesso, livre mobilidade, liberdade estratgica, poltica antitruste ativa e critrios de eficincia econmica para concesses. Thompson Andrade exps o tratamento conferido pelo Cade ao codeshare, sistema de disponibilizao recproca de assentos em vos implementado entre a TAM e a Varig, no incio de 2003. Como instrumento de regulao do funcionamento do sistema, foi assinado um Acordo de Preservao de Reversibilidade da Operao (Apro) pelas empresas7. Ocorrida nos dias 10 e 11 de novembro de 2005 no Ipea, Rio de Janeiro. 8. O trabalho sintetiza pesquisa realizada no mbito da Coordenao de Estudos em Regulao da Diretoria de Estudos Macroeconmicos, com o financiamento do RedeIpea.

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e pelo Cade, observando-se restries e obrigaes, como o impedimento fuso de ativos, sistemas administrativos, logsticos e operacionais. Tais proibies objetivavam preservar a possibilidade de a fuso intencionada pelas empresas no ser aprovada pelo Cade. Em virtude, contudo, da assimetria das condies financeiras entre as duas empresas, que se agravou ao longo do ano de 2003, a TAM acabou por desinteressarse da fuso, o que colocou em questo a manuteno do codeshare. Thompson Andrade notou que havia claros sinais de ineficincias geradas pelo sistema, com aumento de tarifas e reduo do nmero de assentos disponveis. Aps a anlise tcnica dos efeitos sobre o mercado do sistema, o Cade determinou sua suspenso. Thompson apresentou ainda um rol de questes cujo equacionamento entende ser necessrio para garantir a sustentabilidade do setor areo, em favor de usurios e empresas. No painel Incentivos e Eficincia em Saneamento, Ronaldo Seroa da Motta discutiu as dificuldades envolvendo a montagem de um marco regulatrio para o saneamento que substitua o institudo nos anos 1970, no mbito do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), chamando a ateno para o principal ponto de disputa que paralisa o processo de criao de um novo arcabouo institucional para o setor: a controvrsia sobre a titularidade do poder concedente dos servios, se de estados ou de municpios. Em sua apresentao, apontou a necessidade de discutir mais profundamente uma srie de questes econmicas atinentes ao setor, como os critrios e efeitos para a concesso de subsdios cruzados, as dificuldades de gesto de servios por parte de municpios, os efeitos da operao estadual dos servios e a relao entre rentabilidade das operadoras, regulao e universalizao dos servios. Tendo examinado tais questes a partir da anlise da evoluo de indicadores de desempenho econmico do setor, passou comparao dos projetos e anteprojetos de lei hoje em discusso para sua regulao. Concluiu enfatizando a necessidade de o Legislativo resolver positivamente a controvrsia sobre a titularidade e o papel do setor privado, para poder tratar com maior profundidade os instrumentos de concesso, as formas de subsdios e as regras tarifrias, de modo a criar os mecanismos para expanso e universalizao dos servios em condies de eficincia e efetividade. Frederico Turolla apresentou discusso sobre marcos regulatrios para o saneamento uma anlise comparativa de experincias internacionais, para

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contextualizar o histrico do setor no Brasil, concentrando-se em seguida na discusso de eficincia na proviso de servios de saneamento. Aps analisar os estudos hoje existentes sobre eficincia no setor, apresentou uma agenda de medidas que conformariam uma reforma regulatria. Em sua anlise histrica, destacou a variabilidade de solues institucionais encontradas no Brasil no incio do processo de urbanizao e industrializao do pas, da operao autnoma por municpios centralizao estadual. Comentou a importncia conferida expanso da cobertura dos servios de saneamento pelos governos militares, preocupao que levou criao do Planasa, incentivando os municpios a concederem servios s companhias estaduais de saneamento. Observou as mudanas e controvrsias criadas pela Constituio de 1988, assim como pelo Plano Nacional de Desestatizao (PND), lanado em 1995, fatores que tornaram evidente a necessidade de definio de nova regulamentao para o desenvolvimento do setor. Aps comparar experincias internacionais e examinar trabalhos acadmicos sobre eficincia e modelos de operao dos servios, sugeriu uma lista de questes a serem includas numa agenda regulatria, apontando para a necessidade de integrao, como fator gerador de eficincia na prestao dos servios. Indicou tambm como fator indutor de eficincia a definio de entes regulatrios que, por delegao, centralizem funes e transparncia das contas de operadores. No painel Concorrncia e Incentivos em Energia Eltrica, Adilson de Oliveira traou um histrico da evoluo do setor de energia eltrica em perspectiva comparada, centrando-se nas mudanas de organizao industrial, da verticalizao das diversas etapas da cadeia produtiva, em conformao monopolstica, introduo da concorrncia no mercado brasileiro, com a quebra do monoplio da Eletrobrs. Analisou a estrutura do mercado de energia eltrica brasileiro e seus condicionantes tecnolgicos, abordando, em seguida, a questo institucional da gesto de riscos da distribuio dos custos entre os agentes do mercado, de produtores a consumidores associada aos regimes tarifrios. Examinou tambm as mudanas regulatrias institudas na dcada passada, representadas, entre outros fatores, pela criao do mercado atacadista de energia em 1996, que criou novos mecanismos de compartilhamento de riscos, por meio dos contratos bilaterais entre geradores e distribuidores ou consumidores. Aps analisar em detalhe aspectos da reforma regulatria, da crise energtica de 2001 e de mudanas institudas pelo atual governo, concluiu com o diagnstico segundo

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o qual as recentes intervenes regulatrias no foram capazes de garantir a expanso e a confiabilidade da oferta de energia, apresentando sugestes de aperfeioamento para a superao de alguns entraves ao crescimento desse setor. Katia Rocha9 fez uma anlise comparativa da remunerao de capital entre as distribuidoras de energia eltrica desde 1998, em que buscou verificar se o retorno do capital investido foi condizente com o risco e o custo de oportunidade requerido no setor. Analisou aspectos das novas regras regulatrias institudas para o setor em 2004, que se caracterizaram pelo restabelecimento da centralizao no planejamento para garantir segurana na oferta de energia a tarifas mdicas. Descreveu o processo de reviso tarifria institudo pela Lei de Concesses, em 1995, e suas implicaes sobre a avaliao de custo de capital e efeitos sobre rentabilidade. Concluiu que a remunerao do capital aplicado em energia eltrica no Brasil foi sistematicamente negativa at 2003, processo que comea a se alterar a partir de 2005. Salientou a importncia do setor de distribuio como gerador de caixa para custear novos investimentos necessrios expanso do sistema, assinalando a importncia de se estabelecerem regras que garantam a remunerao adequada do capital, de modo a atrair novos investimentos. No painel Mercado de Carbono, Maria Bernardete Gutierrez apresentou trabalho descrevendo o histrico da criao do mercado de carbono, a partir do instituto do Protocolo de Kyoto de 1997, que prev metas para a reduo de emisses de gases responsveis pelo efeito estufa para os pases desenvolvidos, at o ano de 2012 e que, a partir de 2005, criou condies formais para a organizao de um mercado mundial de carbono. Destacou que os instrumentos criados pelo protocolo so tipicamente de mercado, em oposio a instrumentos do tipo comando e controle que tradicionalmente compem a pauta regulatria em polticas ambientais. Aps descrever em detalhes os mecanismos institudos pelo protocolo, exps as iniciativas j em andamento para a criao de mercados de carbono em diversos pases, que se apresentam seja como demandantes, seja como ofertantes, o primeiro grupo composto por pases da Unio Europia, Japo e Canad, e o segundo grupo por ndia, Brasil e Chile. Concluiu enfatizando a importncia da instituio desse mercado para o Brasil, que poder beneficiar-se de financiamentos para projetos de desenvolvimento9. Apresentou trabalho realizado em co-autoria com Gabriel Fiuza de Bragana e Fernando Camacho.

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sustentvel. Contudo, destacou a existncia de significativos custos de transao entre demandantes e ofertantes, em virtude de ausncia de regulao adequada. Sugeriu alguns elementos a serem includos em um marco regulatrio para esse mercado, associados, sobretudo, criao de instrumentos financeiros que estimulem o desenvolvimento de projetos que se enquadrem no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL),10 capazes de atrair investimentos externos e propiciar a absoro de tecnologia. No painel Concorrncia e Acesso na Telefonia Local, Luiz Cuza exps as tendncias mundiais no mercado de telecomunicaes, marcado por fortes movimentos de fuses e aquisies protagonizados por empresas de grande porte, concentrao econmica que levaria a prever o surgimento de novos modelos de negcios no setor. A nova configurao da concorrncia internacional tenderia a estabelecer novos padres de competitividade, com a conglomerao das operaes de operadoras fixas, mveis, de longa distncia e TV por assinatura. Descreveu a configurao dos mercados de telecomunicaes na Amrica Latina e no Brasil, assim como a estrutura societria das companhias a atuantes. Apresentou um sumrio do desenho regulatrio do setor no Brasil para, em seguida, tratar de desafios frente, como a permanncia de uma situao de ausncia de competio em telefonia fixa, a necessidade de contnua transformao e viso estratgica por parte do rgo regulador, em vista da dinmica do setor e das dificuldades remanescentes para o cumprimento de condies apresentadas inicialmente s empresas entrantes e sociedade. Concluiu sua exposio ressaltando especificidades da evoluo tecnolgica e econmica recente, de segmentos como o de telefonia a longa distncia, mvel e servios de banda larga, que tero de forma crescente impactos sobre a competio em telecomunicaes em geral e em telefonia fixa em particular. Gabriel Fiuza examinou as recentes mudanas regulatrias introduzidas pelo governo no setor de telecomunicaes visando estabelecer os custos das operadoras como uma das principais diretrizes para o setor. O novo modelo regulatrio estabeleceu o clculo dos custos incrementais de longo prazo (LRIC, na sigla em ingls) como base para a instituio de regime tarifrio, a vigorar para os novos contratos e concesso. O trabalho apresentado consistiu em estimar uma das etapas necessrias apurao do LRIC, qual seja, a do WACC. Apresentou a metodologia de sua10. O mecanismo estimula o financiamento internacional de projetos redutores de gases geradores do efeito estufa.

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anlise, a partir da literatura que trata da matria, buscando definir de forma objetiva as variveis envolvidas no clculo dos referidos custos. Identificou dificuldades prprias adoo da sistemtica em setor marcada por intensa mudana tecnolgica e de configuraes de mercado, em vista do carter prospectivo dos clculos embutidos no mtodo, em contraste com a adoo da sistemtica em setores de infra-estrutura como energia eltrica e gs natural. Salientou a importncia de se aprofundar a metodologia de clculo de custo de capital, de modo a afastar incertezas prprias a setores de infra-estrutura com investimentos irrecuperveis significativos e mudana tecnolgica intensa. Alertou que tal aperfeioamento vital para a garantia de realizao de investimentos no setor de telefonia fixa. Alm dos painis setoriais, a Segunda Jornada de Estudos de Regulao foi composta por duas mesas-redondas, em torno de temas que perpassam todo o esforo de reflexo e proposio de marcos regulatrios. Na mesa-redonda Defesa da Concorrncia em Mercados Regulados, Daniel Goldberg, secretrio de Direito Econmico do Ministrio da Justia, tratou do tema do controle judicial de polticas pblicas, apresentando concluses normativas para a proposio e a aplicao de polticas, entre elas a antitruste, de modo a poderem dar conta da relao, nem sempre harmoniosa, envolvendo busca de eficincia e busca de bem-estar. Helcio Tokeshi, ento secretrio de Acompanhamento Econmico do Ministrio da Fazenda, apresentou uma reflexo sobre a experincia da secretaria como parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia (SBDC), enfatizando mudanas recentes na diviso de tarefas entre essa secretaria e a secretaria comandada por Daniel Goldberg, que levaram a uma insero mais sistemtica da Secretaria de Acompanhamento Econmico (Seae) na discusso e no acompanhamento das questes reguladoras. Apresentou ainda o projeto de reforma do SBDC, destacando os desafios frente para a coordenao entre o trabalho de acompanhamento e promoo da concorrncia a ser aprimorado pela Seae e a atuao das agncias reguladoras. A discusso desenvolveu-se em torno dos limites de eficcia, conhecimento e instrumentos da regulao econmica, enfatizando-se os efeitos por vezes no esperados de polticas adotadas sem a devida cautela com relao a diagnsticos, assim como da interveno do Judicirio em decises de cunho regulatrio. A mesa-redonda Contratos e Proviso de Servios Pblicos, buscando contribuir para aprofundar a integrao no Brasil entre o direito e a economia, reuniu

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juristas em torno da discusso sobre os instrumentos contratuais aplicados prestao de servios pblicos, suas limitaes e efeitos, a evoluo dos conceitos e delimitaes do contrato no direito brasileiro e implicaes para a proviso de servios pblicos, at a anlise dos novos instrumentos propostos pela Lei de PPPs. As exposies de Calixto Salomo Filho, Floriano Peixoto Marques Neto e Joo Geraldo Piquet Carneiro, assim como o debate que se seguiu, encontram-se reproduzidos nesta publicao. Os trabalhos apresentados por ocasio da Segunda Jornada de Estudos de Regulao, junto com a transcrio dos debates ocorridos nas mesas-redondas, esto organizados neste volume, com que, a exemplo daquele que o antecedeu (Marcos regulatrios no Brasil: o que foi feito e o que falta fazer) esperamos servir de base e estmulo para a elaborao de novos diagnsticos e propostas para a construo dos marcos regulatrios que o pas requer.

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Como promover bem-estar: Judicirio, rgos reguladores e contratos

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DIRETO DA FRENTE DE BATALHA: A PROMOO DA CONCORRNCIA EM MERCADOS REGULADOS*

Helcio Tokeshi**

Este texto reflete a minha experincia frente da Secretaria de Acompanhamento Econmico (Seae) do Ministrio da Fazenda durante quase dois anos a partir de julho de 2004. Fao aqui uma reflexo sobre as mudanas que ocorreram na Seae nestes anos recentes e sobre os desafios da tarefa de promoo da concorrncia a que a instituio se dedica. Fica o leitor desde j avisado a tomar o texto menos como reflexo terica e mais como relato de cronista, feito em meio nvoa e ao tiroteio de discusses, debates e manobras que caracterizam a rotina de Braslia.

1 A EVOLUO RECENTE DA SEAE

A maioria das grandes decises de poltica pblica setorial e das mudanas substanciais em regras e normas regulatrias acaba sendo discutida com o Ministrio da Fazenda. Seja porque h quase sempre alguma implicao fiscal (ou sobre norma tributria), seja porque simplesmente mais recursos oramentrios sero necessrios para a sua implementao. As mudanas em regras de reajuste de tarifas acabam tambm tendo impacto direto sobre a inflao, e as regras de regulao em geral, ao afetar os incentivos aos investimentos em setores-chave da economia, so fundamentais para definir a competitividade do pas e a sua taxa de crescimento de longo prazo. Pelas razes citadas, o Ministrio da Fazenda sistematicamente envolvido e toma posio nessas decises, procurando influenciar as outras reas do governo.* O autor agradece, em particular, a Lucia Helena Salgado, Ronaldo Seroa e Paulo Levy, a oportunidade de participar da Segunda Jornada de Regulao do Ipea. Tambm merecem agradecimentos Daniel Goldberg e Marcos Lisboa, que dividiram a mesa de debates que serviu de base para este texto. Todos os equvocos e erros so de inteira responsabilidade do autor. E-mail: [email protected]. ** Scio associado da consultoria McKinsey & Company. Na ocasio em que este trabalho foi apresentado na Segunda Jornada de Regulao, o autor atuava como secretrio de Acompanhamento Econmico do Ministrio da Fazenda.

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Entretanto, apesar da importncia dessa atividade, at recentemente ela no estava claramente alocada a uma rea especfica dentro da Fazenda. Durante o perodo de inflao alta, o problema da estabilizao era naturalmente o principal, seno o nico, foco da Fazenda, e as reas que foram precursoras da Seae Conselho Interministerial de Preos (CIP) e Superintendncia Nacional de Abastecimento (Sunab) atuavam diretamente no controle de preos. Com a estabilizao, veio um perodo de privatizao e liberalizao dos mercados potencialmente competitivos (ou pelo menos contestveis pelas importaes). A Seae foi oficialmente criada justo em 1994, ano do Plano Real, trabalhando, por um lado, na eliminao dos mecanismos de controle direto de preos e, por outro, na anlise de fuses e aquisies, a fim de manter condies mnimas para que a concorrncia pudesse cumprir o seu papel de ser o mecanismo regulatrio por excelncia dos mercados. O processo de liberalizao de mercados foi aprofundado na virada do sculo e iniciou-se um perodo de privatizao e re-regulamentao de setores de infraestrutura. O Ministrio da Fazenda teve e tem papel importante nesse processo, ainda que a iniciativa e a definio dos objetivos de poltica pblica certamente caibam aos ministrios setoriais. Entretanto, com a Seae concentrada sobretudo no seu papel de defesa da concorrncia atravs da anlise de fuses e aquisies, a tarefa de assessoria do ministro em questes regulatrias ficou sem atribuio clara. Na prtica, isso implicou a alocao de assuntos regulatrios de maneira ad hoc em funo do conhecimento prvio de indivduos especficos ou da capacidade operacional disponvel em um dado momento nas diferentes secretarias do ministrio. Assim, alm da prpria Seae, assuntos relacionados regulao foram tratados tambm pela Secretaria do Tesouro Nacional, pela Secretaria de Poltica Econmica e pela assessoria do gabinete do ministro. Ao assumir a Seae, recebi a tarefa de resolver esse problema organizacional que j havia sido claramente identificado. O ministro Antonio Palocci e o secretrio executivo Bernard Appy tinham clareza da necessidade de uma rea que pudesse concentrar a formulao e a defesa das posies da Fazenda em questes regulatrias, e a proposta de reforma do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia (SBDC), que j estava praticamente finalizada, previa essa mudana de funo da Seae. Para fazer essa mudana, sem aumentar o quadro de pessoal, tive a sorte de contar com Daniel Goldberg como colega na Secretaria de Direito Econmico (SDE). Se, por um lado, havia a demanda interna da Fazenda pela alocao de pessoal para tratar de questes regulatrias, por outro havia uma ineficincia do prprio SBDC com a sobreposio da SDE e da Seae nas tarefas de anlise de

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fuses e aquisies e de investigao de cartis. Assim, por meio de mudanas administrativas, as duas secretarias passaram a trabalhar de maneira muito prxima, com a SDE se especializando na investigao de cartis e a Seae assumindo a liderana na anlise de fuses e aquisies. A figura 1 ilustra esse arranjo atual intermedirio, assim como a configurao proposta na reforma do SBDC. Valendo-se da sua condio de secretaria ligada ao Ministrio da Fazenda, a Seae passou a ser muito mais ativa e atuante nas discusses de questes regulatrias. A secretaria procura garantir que a concorrncia seja utilizada como instrumento para atingir outros objetivos de poltica pblica e, sempre que possvel, para que sejam feitas escolhas que aumentem o grau de concorrncia nos setores envolvidos. No intuito de refletir essa mudana de foco externo, a Seae foi reorganizada, e as suas coordenaes antes definidas de acordo com grandes reas da economia em agrcola, industrial, servios e infra-estrutura, alm de uma coordenao dedicada a investigaes de conduta foram estruturadas em funo dos grupos de interlocutores correlatos em outras partes do Estado. Com isso, a secretaria passou a ter uma estrutura baseada nas suas principais interfaces com o restante do governo, procurando influenciar o desenvolvimento e a modificao de polticas e normas pblicas (figura 2).FIGURA 1

Mudanas na estrutura organizacional do SBDCOrganizao pela Lei 8.884Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade)

SDE

Seae

Defesa do consumidor Investigao de cartis Fuses e aquisies Arranjo atual intermedirio Cade SDE

Promoo da concorrncia Fuses e aquisies Investigao de cartis

Organizao aps a reforma do sistema

Novo Cade Ministrio da Justia (MJ) Defesa do consumidor Tribunal Superintendncia geral Seae

Investigao Fuses de cartis e aquisies

Promoo da concorrncia

Seae

Defesa do consumidor Investigao de cartis Fuses e aquisies

Promoo da concorrncia Fuses e aquisies Investigao de cartis

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FIGURA 2

Organograma da Seae: interfacesControle de estruturasl l

MJ/ SDE, Cade Caixa Econmica Federal

Energia e l Ministrio de Minas e Energia (MME), Agncia Nacional de Energia saneamento Eltrica (Aneel), Agncia Nacional do Petrleo (ANP) l Ministrio das Cidades, Agncia Nacional de guas (ANA) Secretrio Adjunto I Gabinete Adjunto IIl Ministrio dos Transportes, Agncia Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Agncia Nacional de Transportes Aquavirios (ANTQ) l Ministrio da Defesa, Departamento de Aviao Civil (DAC)/Agncia Nacional de Aviao Civil (Anac) Comunicao e l Ministrio das Comunicaes (MinCom), Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel), Correios mdia l Ministrio da Cultura (Minc), Agncia Nacional de Cinema (Ancine)

Logstica

Medicamento l Ministrio da Sade, Cmara de Regulao do Mercado de Medicamentos (CMED), Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), e sade Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) Monitoramento l Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio (MDIC), Cmara de mercados de Comrcio Exterior (Camex), Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT) l Ministrio das Relaes Exteriores (MRE) l Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) l Secretaria da Receita Federal (SRF) Agricultural l l

Ministrio da Agricultura Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) Conselho Monetrio Nacional (CMN) MJ/SDE, Cade

Conduta

l

A figura 3 mostra os principais assuntos tratados diretamente pela Seae em 2005. Como se pode ver pela diversidade de questes, essa reorganizao tem permitido Seae executar um trabalho de promoo da concorrncia mais amplo e pr-ativo que no est associado a casos especficos em anlise pelo SBDC. O fato de a Seae ser um rgo do Ministrio da Fazenda permite que os seus tcnicos participem diretamente de discusses internas de governo para as quais o Cade no convocado e nas quais a participao desse ltimo rgo seria inapropriada, em vista da necessidade de preservar sua condio de autarquia autnoma. O novo direcionamento para o trabalho tem tambm permitido uma especializao maior do corpo tcnico da Seae e o desenvolvimento de uma vantagem comparativa em questes microeconmicas relacionadas teoria da organizao industrial e da regulao. Essa linha de atuao complementar a uma atuao mais ativa do prprio Cade na promoo da concorrncia. H diversas sugestes para que o Cade passe a aplicar com maior freqncia o artigo 7o, inciso X da Lei 8.884, quando se deparar, durante o julgamento de algum caso, com alguma norma ou regra imposta pelo

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FIGURA 3

Organograma da Seae: principais atividades em 2005Controle de estruturas Energia e saneamento Secretrio Adjunto I Gabinete Adjunto II Logstical l

Investigaes dos casos Vale, suco de laranja, Ripasa, cimenteiras. Elaborao de nova portaria para prmios e sorteios. Formatao dos leiles de energia. Troca dos indexadores dos contratos de energia. Tarifas de Itaipu e Light. Discusso de PLs: do gs; e do saneamento. Definio das regras para crditos de carbono.l l

l l l l

l

l l l l l l l

Criao da Anac. Reajuste das tarifas aeroporturias. Crise da Varig. Lei das PPPs. Discusso do edital de concesso de rodovias. Regras de reajuste de nibus interestadual. Discusso de nova regulao para nibus municipais.l l l l

l Projeto de Lei (PL) de reforma do SBDC. l PL das agncias reguladoras l Nota tcnica sobre preos administrados.

Comunicao e mdia

Renovao dos contratos de concesso de telefonia (IST, fator-X). Tarifas dos Correios Novos incentivos para o cinema. Discusses da TV digital.

Medicamento e sade

l l l

Reajuste dos planos de sade e liberalizao dos planos odontolgicos. Implementao da nova regra de reajuste dos remdios. Novas regras de fracionamento de remdios.

Monitoramento l Reduo do imposto de importao para aumentar a contestabilidade de mercados em setores competitivos (siderurgia). l Eliminao de barreiras tcnicas para vergalhes e cimento. l Proposta de reduo de tarifas de bens de informtica e bens de capital. l Reviso de medidas antidumping . anti-dumping Agricultural l l

Programa do biodiesel. Crise do lcool. Liberalizao do registro de defensivos genricos. Cartel do gs liquefeito de petrleo (GLP). Discusso com o DAC sobre tarifas areas promocionais. Metodologia para denncias de cartel de postos de gasolina.

Conduta

l l l

prprio Estado que esteja prejudicando a livre concorrncia.1 Atravs desse mecanismo, o Cade pode exercer presso para que outras reas do governo corrijam essas distores, aumentando a concorrncia e melhorando o funcionamento do mercado em questo. Entretanto, esse mecanismo tem algumas limitaes. Sua natureza reativa na medida em que depende da ocorrncia de um caso no qual uma distoro anticompetitiva venha a ser apontada no processo de anlise do caso de conduta1. Uma lista no exaustiva inclui tarifas aduaneiras, renncias fiscais e subsdios, disparidades do sistema tributrio, falhas de regulao nos setores de infra-estrutura, os expedientes usados em compras governamentais, direitos antidumping, normas tcnicas e requisitos ambientais, de segurana e sade, que podem garantir objetivos absolutamente necessrios e fundamentais de poltica pblica, mas podem tambm ser desvirtuados e utilizados como barreiras para a entrada de novos concorrentes e para a livre concorrncia.

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ou do ato de concentrao. O poder de presso do Cade sobre outras reas de governo limitado e, mais ainda, nem sempre se trata de uma barreira ou distoro para a qual a soluo seja uma simples revogao ou eliminao de norma. Muitas vezes, a ao corretiva depende de uma alterao mais complexa de uma regra ou norma, ou mesmo de um conjunto delas direta e indiretamente relacionadas ao caso julgado pelo Cade. Isso no tira o mrito do referido conselho em apontar com freqncia os danos concorrncia de mecanismos estabelecidos pelo prprio Estado, mas no me parece razovel esperar que o Cade deva tambm passar a trabalhar no desenvolvimento de propostas de modificaes ou substituies desses mecanismos nos casos de maior complexidade. A mudana bem-sucedida de foco da Seae est refletida no modelo organizacional proposto pelo projeto de reforma do SBDC (PL 5.877) que o governo enviou em 2005 ao Congresso. O modelo proposto faz uma clara distino entre a funo principal do novo Cade, que, como autarquia autnoma, ser o guardio e o aplicador da Lei de Defesa da Concorrncia, e a funo principal da Seae, que se voltar primordialmente para a promoo da concorrncia, deixando de fazer de maneira rotineira a anlise de atos de concentrao e a investigao de condutas (figura 4).FIGURA 4

Diviso do trabalho entre o novo Cade e a SeaeOrganizao aps a reforma do sistema

Novo Cade MJ Tribunal Defesa do consumidor Superintendncia geral Seae

Investigao Fuses de cartis e aquisies

Promoo da concorrncia

l Grau adequado de autonomia para garantir a aplicao da Lei de Defesa da Concorrncia. l PL das Agncias Reguladoras e o Projeto de Lei Complementar (PLC) 334/2002 (sistema financeiro) concentram a funo de anlise de fuses e de investigao de condutas em um nico rgo com a necessria especializao.

l Especializao e foco em oportunidades com alto potencial de melhora da concorrncia e competitividade da economia. l Insero direta no governo para colaborar com mecanismos de concorrncia na definio e na implementao de polticas pblicas. l Previso no PL das Agncias Reguladoras da possibilidade de manifestao formal da Seae sobre novas normas e regulamentos das agncias. l Secretrio demissvel a qualquer momento gerando compromisso e alinhamento com objetivos de governo.

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Para fazer a promoo da concorrncia de maneira efetiva, a Seae permanece como parte do SBDC, mas continuar sendo uma secretaria diretamente ligada ao Ministrio da Fazenda, mantendo, dessa forma, a necessria insero no processo de debate interno de governo para o desenvolvimento das polticas pblicas que possam ter impacto sobre as condies de concorrncia nos mercados. De maneira complementar, o PL das agncias reguladoras em discusso no Congresso tambm prev a necessidade de consulta da Seae sobre novas normas e regulamentos das referidas agncia. Dessa forma, ser formalizado o dilogo que j existe com as agncias e os diversos ministrios setoriais em que a Seae procura contribuir para o desenvolvimento de uma regulao que atinja os objetivos de poltica setorial do governo, alavancando ao mximo mecanismos que privilegiem os fortes incentivos da concorrncia.2 OS DESAFIOS DA PROMOO DA CONCORRNCIA

Apesar da variedade de assuntos tratados pela Seae, alguns temas gerais j vo ficando claros como desafios recorrentes em diversas reas da economia e em diferentes assuntos regulatrios. Para ordenar a sua apresentao, vamos separ-los em dois grupos. Um primeiro grupo de desafios eu chamarei de analticos, pois se referem a problemas de natureza mais terica, ainda que relacionados s caractersticas especficas de uma economia em desenvolvimento ou, ainda mais especificamente, ao caso brasileiro. Um segundo grupo eu chamarei de desafios institucionais, por se relacionarem com a forma de organizao do aparelho estatal ou com os seus principais processos.2.1 Desafios analticos

Um ponto de constante tenso entre a Seae e outras reas de governo decorre, em ltima instncia, da complementaridade imperfeita entre a regulao e a concorrncia. Um marco regulatrio normalmente possui diversos objetivos geralmente relacionados a investimentos, tarifas mdicas, universalizao, qualidade e diversidade dos servios , que, alm de no necessariamente serem compatveis entre si, podem tambm no ser compatveis com a concorrncia. No caso brasileiro, em particular, o desafio freqentemente o de conciliar a concorrncia com duas outras realidades. Em um pas em desenvolvimento onde ainda so grandes as disparidades regionais e sociais e onde a taxa de crescimento da populao ainda relativamente alta existe: a) uma necessidade de forte expanso das redes fsicas dos setores de infra-estrutura; e b) uma presso

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muito forte pela utilizao de subsdios cruzados para garantir o acesso de uma parcela maior da populao a essas redes fsicas. Em pases desenvolvidos, os setores de infra-estrutura freqentemente j tm redes com capacidade e capilaridade suficientes, sejam elas de estradas, ferrovias, telecomunicaes, eletricidade ou de saneamento. Nessas condies, a privatizao e a introduo de mecanismos de concorrncia tendem a ser mais fceis porque a captura de ganhos de eficincia pode ser o objetivo dominante da poltica pblica. Alm disso, ao estimular redues de tarifas, a concorrncia atende tambm ao objetivo de aumento do acesso aos servios, dado que a maioria da populao j tem telefone, eletricidade e saneamento; o problema simplesmente o de reduzir o peso desses servios na cesta de consumo. J no caso brasileiro h, em quase todas as reas, um dficit de redes de servios e, como tipicamente os investimentos em infra-estrutura so capital-intensivos e de longa maturao, um aumento da concorrncia pode reduzir a taxa de retorno ou, no mnimo, torn-la mais incerta, desestimulando esses investimentos. As disparidades regionais e sociais, por sua vez, criam uma presso poltica muito forte por subsdios cruzados, dados os nveis absolutos de renda baixos demais para que as pessoas possam arcar com os custos mnimos dos servios. Ainda que no sejam incompatveis com a concorrncia, subsdios cruzados distorcem os sinais de preos, tornando-os menos efetivos como mecanismos de incentivo e regulao dos mercados, mas so politicamente mais fceis de se implementar do que transferncias fiscais diretas para a populao de baixa renda. Mesmo no sendo um desafio incontornvel, conciliar uma regulao prinvestimentos e universalizao com a concorrncia no trivial. Uma soluo possvel a que foi adotada com sucesso no setor de telecomunicaes brasileiro, no qual o processo de privatizao previu explicitamente duas fases em que a concorrncia se daria em dimenses distintas: uma primeira fase, na qual empresas incumbentes sofreram relativamente pouca concorrncia direta, mas competiram para atingir mais rapidamente metas de expanso de rede, justamente para poder se qualificar para uma segunda fase de concorrncia mais direta, ofertando servios fora da rea de concesso original. Um segundo tema analtico recorrente a criao de condies para a concorrncia em mercados onde atuam empresas estatais. Dado um histrico de ingerncia poltica nas estatais, essas empresas operam no Brasil sob uma srie de regras burocrticas sobre seus processos de compras e licitaes, investimentos e de limitao da discricionariedade da sua alta gesto. Trata-se de uma escolha da sociedade e do sistema poltico por maior controle burocrtico (ou pelo menos de

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aparncia de controle) em detrimento da eficincia. A introduo de mais concorrncia nos mercados em que essas empresas estatais atuam poderia gerar ganhos de eficincia, mas poderia tambm causar crises operacionais e financeiras, dado que essas estatais estariam concorrendo com empresas privadas que no esto submetidas aos mesmos mecanismos de controle burocrtico. Esse risco agravado pelo fato de freqentemente se impor tambm a empresas estatais algum tipo de obrigatoriedade de universalizao dos seus servios, ao passo que possveis concorrentes privados podem escolher servir apenas aos consumidores mais lucrativos. Nesse caso tambm no existe a priori uma incompatibilidade entre concorrncia e forma de propriedade. Um monopolista tem forte incentivo para abusar de sua condio, seja ele uma empresa privada ou pblica. Por outro lado, um mercado com diversos concorrentes independentes tende a ser competitivo, sendo um bom exemplo o mercado de gerao na Noruega, onde os concorrentes na sua maioria so empresas pblicas municipais. O terceiro tema analtico que gostaria de mencionar o desenho de mecanismos mais sofisticados de concorrncia pelo mercado, incluindo-se nisso as caractersticas do contrato de concesso em si como sinalizador do tipo de concorrente que se quer atrair. Em setores regulados, freqentemente o momento mais importante para se introduzir algum tipo de concorrncia o da venda de licenas ou concesses, j que a concesso em si muitas vezes, em essncia, um direito de monoplio sobre certa regio ou tipo de servio. No Brasil, a Lei de Concesses define os processos de licitao de concesses e dita regras gerais para os contratos, independentemente das caractersticas dos mercados e dos objetos de concesso. Por uma combinao de averso burocrtica ao risco tanto de quem elabora as licitaes como dos rgos de controle como o Tribunal de Contas da Unio (TCU) e a Controladoria-Geral da Unio (CGU) e das limitaes da lei, existe relativamente pouca variao nos processos pelos quais se licitam as concesses e na forma dos seus contratos. Isso significa que, na prtica, os mecanismos de leilo so tipicamente variantes sobre ofertas nicas por envelope selado e de contratos com prazos de concesso definidos pela tradio em torno de 20 a 30 anos. No h, a priori, nenhuma razo para supor que esses formatos sejam os mais eficientes na atrao e na seleo de concorrentes com as melhores caractersticas, para evitar a coluso e para criar uma estrutura adequada de incentivos destinados execuo dos contratos. Por fim, como quarto tema, quando j foi feita a concesso e as possibilidades de concorrncia direta so limitadas, ainda existe a possibilidade de se estabelecer um mecanismo indireto de concorrncia por proxy. Em alguns setores, o concessionrio , por definio, um monopolista local (por exemplo, em transportes urbanos

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e distribuio de eletricidade), mas as caractersticas do tipo de servio prestado permitiriam uma comparao entre concessionrios em diferentes cidades ou estados com base em parmetros tcnicos de eficincia (yardstick competition). Isso j ocorre em certa medida atravs da figura da empresa de referncia na distribuio de energia eltrica, mas o mecanismo poderia ser aperfeioado e adotado em outros setores. A idia simples, mas a implementao no, porque as disparidades regionais brasileiras tornam mais complicado o exerccio de normalizao dos parmetros de comparao.2.2 Desafios institucionais

Do ponto de vista institucional, a experincia da Seae indica trs desafios principais. O primeiro refere-se a um descompasso na evoluo do modelo de regulao, com as agncias regulatrias sendo implantadas e evoluindo mais rapidamente que a capacidade de definio de diretrizes de polticas pblicas dos ministrios relevantes. A importncia de se utilizar as privatizaes para mitigar a crise fiscal dos governos estaduais e do governo federal implicou a criao de agncias sem que houvesse polticas pblicas claramente definidas. As agncias foram fundamentais para dar segurana aos investidores contra o risco de expropriao, mas elas muitas vezes operaram num vcuo com relao s diretrizes e aos objetivos estratgicos que deveriam perseguir. O resultado mais catastrfico dessa indefinio de poltica pblica foi o apago do setor eltrico, mas o problema se repete em maior ou menor grau em todos os outros. O descompasso entre a evoluo das agncias e dos ministrios torna mais difcil a promoo da concorrncia, porque a discusso se d no sobre diretrizes gerais nem sobre a forma de alavancar a concorrncia em uma estratgia de desenvolvimento dos setores regulados, mas sobre assuntos pontuais e decises de natureza tcnica. Num nvel muito prtico isso se reflete, por exemplo, no fato de haver fruns interministeriais para definio das polticas pblicas em diversos setores de infra-estrutura mas de eles no se reunirem, com exceo do Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE). Um desdobramento desse descompasso a diferena muito grande quanto ao grau de transparncia do processo de desenvolvimento de regulao entre agncias e ministrios. Enquanto as agncias seguem de modo geral um rito regulatrio que prev consultas pblicas e um nvel mnimo de transparncia, o Executivo no est sujeito a nenhum conjunto uniforme e explcito de regras de transparncia e acesso por terceiros ao seu processo de formulao de normas regulatrias. Isso leva a um segundo desafio institucional: aumentar o grau de transparncia no Executivo e garantir que os ritos regulatrios previstos para as agncias sejam

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efetivamente seguidos. Um avano nessa rea resultaria numa melhora na qualidade das normas desenvolvidas (seja do ponto de vista tcnico, seja do ponto de vista da sua aceitao pela sociedade) e, do ponto de vista especfico da promoo da concorrncia, permitiria que os rgos de defesa da concorrncia tivessem maior clareza sobre as principais mudanas regulatrias sendo desenvolvidas e participassem desse processo em etapas preliminares. A participao a partir de etapas de formulao de medidas tornaria possvel uma discusso concreta sobre solues para implementar objetivos de poltica pblica, ao invs da posio de conflito em que muitas vezes a Seae se v quando, dado o adiantado do processo, se trata de usar a influncia do Ministrio da Fazenda para vetar ou no uma proposta j muito especfica, com impacto negativo para a concorrncia. Essa mistura de presso e cooperao no relacionamento dos ministrios setoriais e das agncias reguladoras com a Seae e os outros rgos do SBDC remete a um terceiro desafio institucional. Tal desafio o desenvolvimento de mecanismos mais formais que institucionalizem a interao da Seae com as reas formuladoras de regulao no governo. Isso passa no s pelo estabelecimento de fruns de discusso e dilogo, mas tambm pela criao de instrumentos especficos de dilogo. Um exemplo disso so as anlises de impacto regulatrio regulatory impact assessments (RIA no jargo) que so rotineiramente exigidas em diversos pases antes que qualquer medida regulatria possa ser implementada. Um RIA costuma conter uma anlise do custo-benefcio de regras a serem implementadas (de metas de reduo da emisso de poluentes a regras para compra e venda de energia) para atingir objetivos de poltica pblica almejados (da diminuio da poluio atmosfrica reduo do risco de racionamento de energia). A anlise procura avaliar no s a alternativa sendo proposta, mas tambm outras alternativas possveis, incluindo a de no fazer nada. Os custos envolvem o valor despendido para a implementao da regra para o governo, o cumprimento da regra pelos agentes do setor privado e, o mais relevante para a discusso neste texto, o impacto sobre a concorrncia. Uma metodologia que sirva de padro de avaliao de propostas criaria transparncia quanto s reas e aos aspectos com os quais se preocupar na formulao de regulao. Ajudaria tambm a focalizar a discusso na adequao da proposta para alcanar objetivos de poltica pblica e na validade dos prprios objetivos de poltica pblica.

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3 CONSIDERAES FINAIS

Uma reflexo um pouco mais detida das questes levantadas neste texto deve convencer o leitor da arbitrariedade da distino feita entre desafios analticos e institucionais. As possveis solues tericas para os desafios analticos s sero efetivas se materializadas em mudanas institucionais. A superao dos desafios institucionais passa pela criao de condies para que a formulao e a discusso da regulao tenham maior contedo tcnico. No se trata de questes fceis, mas a evoluo do SBDC ao longo dos ltimos anos serve para dar base a um certo otimismo em relao capacidade de evoluo e de aprendizado das nossas instituies e da nossa sociedade.

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CONTROLE DE POLTICAS PBLICAS PELO JUDICIRIO: WELFARISMO EM UM MUNDO IMPERFEITO*

Daniel K. Goldberg**

Por ocasio da Segunda Jornada de Estudos de Regulao do Ipea, fui chamado a tecer consideraes sobre a relao, por vezes contenciosa, entre direito e economia, com vistas ao difcil tema do controle judicial de polticas pblicas. o que, de diversos ngulos, passo a fazer.

1 MERCADOS E EFICINCIA ECONMICA

H inmeras perspectivas a partir das quais se pode entender o mercado.1 Do ponto de vista da teoria do direito, o mercado pode ser visto como um conjunto de instituies jurdicas que possibilita aos consumidores, ainda que de forma individual, somarem suas preferncias para comunicar aos produtores qual a quantidade (e a qualidade) de determinado bem ou servio que a sociedade demanda. Por outras palavras, o mercado pode ser concebido como um mecanismo no-lingstico de coordenao. Em um mercado perfeitamente competitivo, a oferta e a procura interagem at que, em equilbrio, a quantidade ofertada de um determinado bem ou servio seja exatamente a quantidade de que a sociedade precisa, ao menor preo possvel (igual aos custos marginais, isto , logo antes da situao em que a firma perca dinheiro com cada unidade adicional a ser produzida). Uma situao em que a soma de todas as empresas em determinado setor da economia produza, em um dado momento, a quantidade correspondente s necessidades e preferncias de todos os consumidores traduz um estado usualmente chamado de timo de Pareto.2* Consideraes sobre esse tema podem ser encontradas, em maior detalhe e de forma mais abrangente, em Goldberg (2006). ** Secretrio de Direito Econmico do Ministrio da Justia na ocasio em que apresentou este trabalho. 1. Para uma boa construo da teoria jurdica que busca entender o mercado como um conjunto de instituies que torna as trocas possveis, ver Irti (1998). 2. Um arranjo social descrito como Pareto-timo se, e somente se, o bem-estar de algum no possa ser aumentado sem a diminuio do bem-estar de outrem.

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DANIEL K. GOLDBERG

Um outro nome para o timo de Pareto eficincia econmica: bens e direitos so alocados de forma eficiente se todas as trocas que beneficiam ambas as partes so feitas, at o ponto em que necessariamente algum perder com uma troca adicional. Trata-se de um trusmo: se as trocas so voluntrias (e no h custos de transao), bens e direitos trocaro de mos at um ponto (qualquer ponto) em que uma troca adicional seria forada, uma vez que, do ponto de vista de uma das partes, seria uma troca desvantajosa. Como bem aponta Amartya Sen (1999), claro que uma distribuio de bens ou direitos eficiente (no sentido do timo de Pareto) no toma em conta aspectos cruciais distributivos (justia e isonomia): uma situao em que uns se encontram em extrema misria, ao passo que outros em extremo luxo, poderia ser considerada eficiente.3 Ento, qual a importncia do conceito de eficincia econmica? Por que razo to importante que uma distribuio de bens ou direitos (e, como veremos dentro em pouco, de servios pblicos) seja eficiente (alm de, claro, justa)? A resposta pergunta envolve duas importantes idias, bastante intuitivas. Em primeiro lugar, como j dissemos, uma distribuio que no seja eficiente implica um contra-senso: se todos tm a liberdade de realizar trocas no tal mercado e se h uma certa distribuio que deixe todos mais satisfeitos do que na situao anterior, por que no realizar a troca adicional? Uma vez mais, quando todos t