logística humanitária: como ajudar ainda mais?

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Espaço LALT na Revista Cargo News - Edição 129

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FanPage: Cargo News42 | Revista Cargo News

A logística humanitária envolve planejamento, compras, transporte, armazenagem, gerenciamento de in-ventário, distribuição e satisfação dos atingidos (Wassenhove, 2006). Sua defasagem em relação à logística do setor privado, em termos de perfor-mance de supply chain, é estimada em 20 anos (Kopczak and Thomas, 2005).

A logística representa grande par-te do custo das organizações huma-nitárias. Isso se deve à urgência do trabalho: a prioridade é atuar o mais rápido possível, não importa como e a que custo (Davidson, 2006).

Hoje, as organizações humanitá-rias sabem que a logística influencia no sucesso de uma missão. Ela define a velocidade e a eficácia da ajuda e representa sua parte mais cara, além de concentrar informações relaciona-das às missões, sendo fonte de análi-

Como profissionais de logística, podemos ajudar as organizações humanitárias a desempenhar me-lhor o seu trabalho em situações de desastres, epidemias, conflitos armados e ausência de sistema de saúde. Elas recebem atenção e donativos de forma crescente, e a logística humanitária é um elo entre essas doações e a ajuda que prestam.

Quanto melhor e mais eficiente for a sua supply chain, mais bene-ficiários serão alcançados. Mas es-sas organizações ainda carecem de recursos e ferramentas para pres-tar uma ajuda eficaz e eficiente.

Após um desastre, começa uma corrida contra o relógio. O primei-ro passo das organizações huma-nitárias é enviar uma equipe de “primeira avaliação” para analisar o grau dos danos, as pessoas afeta-das, o tipo de ajuda e os materiais necessários. Esta etapa deve ser rápida, e se dá durante as primei-ras 12 a 36 horas. Também é preci-so acionar os doadores, e a mídia exerce um papel importante para difundir essa carência.

Simultaneamente, é preciso montar um time de médicos, en-fermeiras, psicólogos, uma equipe de suporte formada por provedo-res de água e saneamento, constru-ção, energia e supply chain. Deve

Autora - Camilla Felício AgostinhoMestre em Engenharia Logística e Supply Chain Management pelo MIT-Zaragoza International Logistics Program, Espanha. Especialização em Gestão da Cadeia de Suprimentos e Logística pelo LALT/UNICAMP. Coordenadora de Desenhos Logísticos pela DHL Supply Chain de 2008 a 2010. Recém-contratada pelos Médicos sem Fronteiras, Espanha.

ser assegurado o aprovisionamento de alimentos, medicamentos, vaci-nas, cobertores, barracas, utensílios de cozinha, etc.

Quando os materiais são prove-nientes de doações, costumam ser enviadas em grandes quantidades e sem planejamento. Muitas vezes as doações não correspondem ao que realmente é necessário, e fica difícil selecioná-las, armazená-las e distribuí-las.

Em paralelo deve-se cuidar do transporte, tarefa complicada pelo grande fluxo de materiais em áreas que em geral já carecem de infra-estrutura, e que, devido ao desas-tre, pode estar danificada. Ainda há atores com objetivos diferentes,

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que duplicam esforços: doadores, organizações humanitárias, go-vernos, militares, mídia. É o caos logístico.

Em situações de desastres natu-rais, parte da ajuda humanitária é de caráter emergencial, exigindo respostas rápidas e demandan-do altos investimentos. A outra ajuda é de caráter on-going (“em curso”), como em secas ou pobre-za. Exigem ações de longo prazo, permitindo respostas planejadas e otimizadas. Uma operação emer-gencial se transforma em on-going quando, após um desastre, a estru-tura local carece de saneamento de água, hospitais, profissionais da saúde, etc.

Logística Humanitáriases e experiências.

A Logística Humanitária é exem-plar ao setor privado em diversos aspectos. Em geral são operações flexíveis e rápidas, respondendo à incerteza de suprimentos e deman-da. Também são operações que atu-am até o last mile, que são os bene-ficiários em áreas de estrutura quase inexistente. Para isso, servem-se de estoques pré-posicionados em áreas estratégicas, capazes de entregar ra-pidamente suprimentos de emergên-cia. No terremoto do Haiti, graças a estoques de emergência no Panamá, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) levaram rapidamente os primeiros suprimentos ao país.

Porém, enquanto no setor privado a logística dispõe de sistemas robus-tos de TI, especialistas, infraestrutu-ra, padrões e iniciativas de colabo-ração, as organizações humanitárias

carecem de alguns ou todos esses aspectos (Gustavsson, 2002). Estes são alguns dos desafios da logística humanitária:• Estrutura: a estrutura logística é em geral inadequada, dependendo do país e do nível do desastre, que às vezes ocorrem em áreas de difícil acesso. Portos, aeroportos e estradas inaptas resultam em longos lead ti-mes;• Incerteza: organizações humanitá-rias intervêm em ambientes dinâmi-cos, nos quais é difícil prever deman-das e suprimentos;• Urgência: as intervenções devem ser rápidas, por ser questão de vida ou morte (Wassenhove, 2006);• Mídia: os meios de comunicação exercem papel decisivo na captação de doações, mas dependendo da in-formação divulgada, podem provocar doações em excesso ou não solicita

Logística Humanitária: como ajudar ainda mais?

Ciclone em Bangladesh e Índia: entregas last mile de artigosde primeiras necessidades, lonas de plástico e mantas

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A logística humanitária envolve planejamento, compras, transporte, armazenagem, gerenciamento de in-ventário, distribuição e satisfação dos atingidos (Wassenhove, 2006). Sua defasagem em relação à logística do setor privado, em termos de perfor-mance de supply chain, é estimada em 20 anos (Kopczak and Thomas, 2005).

A logística representa grande par-te do custo das organizações huma-nitárias. Isso se deve à urgência do trabalho: a prioridade é atuar o mais rápido possível, não importa como e a que custo (Davidson, 2006).

Hoje, as organizações humanitá-rias sabem que a logística influencia no sucesso de uma missão. Ela define a velocidade e a eficácia da ajuda e representa sua parte mais cara, além de concentrar informações relaciona-das às missões, sendo fonte de análi-

Como profissionais de logística, podemos ajudar as organizações humanitárias a desempenhar me-lhor o seu trabalho em situações de desastres, epidemias, conflitos armados e ausência de sistema de saúde. Elas recebem atenção e donativos de forma crescente, e a logística humanitária é um elo entre essas doações e a ajuda que prestam.

Quanto melhor e mais eficiente for a sua supply chain, mais bene-ficiários serão alcançados. Mas es-sas organizações ainda carecem de recursos e ferramentas para pres-tar uma ajuda eficaz e eficiente.

Após um desastre, começa uma corrida contra o relógio. O primei-ro passo das organizações huma-nitárias é enviar uma equipe de “primeira avaliação” para analisar o grau dos danos, as pessoas afeta-das, o tipo de ajuda e os materiais necessários. Esta etapa deve ser rápida, e se dá durante as primei-ras 12 a 36 horas. Também é preci-so acionar os doadores, e a mídia exerce um papel importante para difundir essa carência.

Simultaneamente, é preciso montar um time de médicos, en-fermeiras, psicólogos, uma equipe de suporte formada por provedo-res de água e saneamento, constru-ção, energia e supply chain. Deve

Autora - Camilla Felício AgostinhoMestre em Engenharia Logística e Supply Chain Management pelo MIT-Zaragoza International Logistics Program, Espanha. Especialização em Gestão da Cadeia de Suprimentos e Logística pelo LALT/UNICAMP. Coordenadora de Desenhos Logísticos pela DHL Supply Chain de 2008 a 2010. Recém-contratada pelos Médicos sem Fronteiras, Espanha.

ser assegurado o aprovisionamento de alimentos, medicamentos, vaci-nas, cobertores, barracas, utensílios de cozinha, etc.

Quando os materiais são prove-nientes de doações, costumam ser enviadas em grandes quantidades e sem planejamento. Muitas vezes as doações não correspondem ao que realmente é necessário, e fica difícil selecioná-las, armazená-las e distribuí-las.

Em paralelo deve-se cuidar do transporte, tarefa complicada pelo grande fluxo de materiais em áreas que em geral já carecem de infra-estrutura, e que, devido ao desas-tre, pode estar danificada. Ainda há atores com objetivos diferentes,

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que duplicam esforços: doadores, organizações humanitárias, go-vernos, militares, mídia. É o caos logístico.

Em situações de desastres natu-rais, parte da ajuda humanitária é de caráter emergencial, exigindo respostas rápidas e demandan-do altos investimentos. A outra ajuda é de caráter on-going (“em curso”), como em secas ou pobre-za. Exigem ações de longo prazo, permitindo respostas planejadas e otimizadas. Uma operação emer-gencial se transforma em on-going quando, após um desastre, a estru-tura local carece de saneamento de água, hospitais, profissionais da saúde, etc.

Logística Humanitáriases e experiências.

A Logística Humanitária é exem-plar ao setor privado em diversos aspectos. Em geral são operações flexíveis e rápidas, respondendo à incerteza de suprimentos e deman-da. Também são operações que atu-am até o last mile, que são os bene-ficiários em áreas de estrutura quase inexistente. Para isso, servem-se de estoques pré-posicionados em áreas estratégicas, capazes de entregar ra-pidamente suprimentos de emergên-cia. No terremoto do Haiti, graças a estoques de emergência no Panamá, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) levaram rapidamente os primeiros suprimentos ao país.

Porém, enquanto no setor privado a logística dispõe de sistemas robus-tos de TI, especialistas, infraestrutu-ra, padrões e iniciativas de colabo-ração, as organizações humanitárias

carecem de alguns ou todos esses aspectos (Gustavsson, 2002). Estes são alguns dos desafios da logística humanitária:• Estrutura: a estrutura logística é em geral inadequada, dependendo do país e do nível do desastre, que às vezes ocorrem em áreas de difícil acesso. Portos, aeroportos e estradas inaptas resultam em longos lead ti-mes;• Incerteza: organizações humanitá-rias intervêm em ambientes dinâmi-cos, nos quais é difícil prever deman-das e suprimentos;• Urgência: as intervenções devem ser rápidas, por ser questão de vida ou morte (Wassenhove, 2006);• Mídia: os meios de comunicação exercem papel decisivo na captação de doações, mas dependendo da in-formação divulgada, podem provocar doações em excesso ou não solicita

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Figura 2: Sequência de mudanças na Logística Humanitária

Referências BibliográficasCamilla, F. A. (2011) Auditing Models for Humanitarian Su-

pply Chains. Tese de Mestrado, MIT-ZARAGOZA INTER-NATIONAL LOGISTICS PROGRAM, Zaragoza.

Davidson, A. L. (2011) Key Performance Indicators in Hu-manitarian Logistics. Tese de Mestrado, MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY, Cambridge.

Gustavsson, L. (2002) Humanitarian Logistics: Context and Challenges. Forced Migration Review, Oxford, n. 18, p. 6 - 8.

Kopczak, L. R. e Thomas, A. S. (2005) From Logistics to Su-pply Chain Management: The Path Forward in the Humanita-

rian Sector. Fritz Institute, California. Médicos sin Fronteras (2011) Cómo actuamos en las emer-

gencias. Disponível em: <http://www.msf.es/multimedia/foto--galerias/2010/como-actuamos-en-emergencias>. Acesso em: 01 novembro de 2011.

Menezes, M. (2010) Auditing Report on MSF’s Supply Chain in India and Overall Perceptions after visiting India and Zimbabwe’s missions. Zaragoza Logistics Center and MSF.

WASSENHOVE, L. V. (2006) Humanitarian aid logistics: su-pply chain management in high gear. Journal of the Operatio-nal Research Society, v. 57, p. 475-89.

das, que geram bottlenecks em im-portação e aduanas;• Burocracia: processos regulatórios e aduaneiros alargam lead times e prejudicam a eficiência da operação;•Pouco incentivo em usar lessons learned: diferente do setor privado, não há o mercado para motivar a me-lhoria da performance (Wassenhove, 2006);• Pessoas: a mão-de-obra é escassa, com turnover elevado devido às ad-versidades das missões. A maioria não é treinada, causando dificulda-des em reter conhecimento na orga-nização;• Melhorias em segundo plano: a prioridade é levar ajuda, e por isso, a eficiência, os custos e a otimização ficam em segundo plano. Há pouco reconhecimento de que a Logística desempenha papel importante;• Falta de informação: um dos maio-res problemas é a falta de previsibili-dade. Além disso, os sistemas de TI são muito simples ou inexistentes, sendo difícil rastrear um pedido na cadeia. Assim, a informação não re-flete a realidade e os processos de monitoramento de performance, ras-treamento e previsão da demanda fi-cam prejudicados;

• Aspectos culturais: quem traba-lha na área humanitária provém de backgrounds diversos, atraídos por desejos de “salvar o mundo” (Kop-czak and Thomas, 2005). Os salários não são altos e há pouca cobrança. Isso gera baixo nível de expectativa, e quanto menos se espera, menos se investe;• Processo de melhoria contínua ine-xistente: normalmente se trabalha “apagando o incêndio”, preocupan-do-se em “seguir procedimentos”. Mas às vezes os procedimentos não são claros e sem padrões – cada qual faz à sua maneira;• Doações a curto prazo: elas em ge-ral são alocadas por doadores diretos às missões de ajuda, e pouco é alo-cado para treinamentos e melhorias nos sistemas e processos (Kopczak and Thomas, 2005);• Falta de gerenciamento de trans-porte: a falta de especialistas, in-vestimentos e reconhecimento da importância da supply chain geram gaps no gerenciamento de transporte (uma das partes mais caras da cadeia de suprimento).

O que pode ser mudadoMuitos artigos falam sobre o que

as organizações humanitárias po-dem aprender do setor privado e vice-versa. Essa análise é relevante, mas antes disso, é essencial cobrir os gaps primários da cadeia de su-primentos das operações humanitá-rias.

Por isso, é importante primeiro identificar e separar o que é ‘ca-racterística do setor humanitário’, do que são ‘problemas do setor humanitário’. ‘Características’ são aspectos externos que fogem do seu controle, e não podem mudar; ‘Problemas’ são os da cadeia de su-primentos, passíveis de intervenção e melhoria.

A figura 1 expõe uma reorganiza-ção dos desafios. Ela traz as carac-terísticas do setor humanitário com mais dificuldades operacionais de logística e suas consequências.

Os itens mencionados na figura não são independentes. Eles fa-zem parte de um ciclo vicioso que se inicia com a falta de atenção, no nível gerencial, à logística. Assim, a alocação de recursos para essa área sempre foi limitada, gerando baixa performance. Como consequência, atividades logísticas sempre foram

emergenciais, e nunca uma priorida-de nos níveis mais altos das organi-zações, iniciando o ciclo novamente (Wassenhove, 2006).

Portanto, muito do que se pode me-lhorar nas operações provém da falta de reconhecimento de que a Logísti-ca, e mais especificamente, a Cadeia de Suprimentos, é fator determinan-te do sucesso ou o fracasso de uma operação de emergência.

A primeira coluna mostra os fato-res externos sobre os quais as organi-zações humanitárias não têm contro-le; as demais são suas consequências: problemas operacionais que podem ser melhorados. As boas práticas do setor privado são relevantes para superá-los. Porém, observa-se que in-vestimentos em melhorias não geram os resultados esperados sem que, pre-viamente, haja investimentos em re-cursos, ou seja, pessoas e informação.

Como exemplo, observemos a implementação de Key Performan-ce Indicators em uma organização humanitária que apresenta elevado turnover, falta de mão de obra es-pecializada e um sistema de TI ina-propriado. O resultado serão pessoas frustradas por não saber o que são KPIs, como gerar KPIs, como ana-lisar KPIs e como implementar me-lhorias a partir de KPIs. As mesmas pessoas, por não usar o sistema de TI corretamente, vão extrair dados e gerar informações que não refletem a realidade.

Menezes (2010) menciona que o uso da informação nas missões é de-ficiente, em grande parte pela falta de conhecimento dos conceitos de supply chain, falta de reconhecimen-to de que supply chain é essencial na área de suporte para as missões, e pela falta de regras claras sobre regis-

tro de dados. Ou seja, a informação é comprometida pelo fator humano.

Assim, implementar as boas prá-ticas provenientes do setor privado, como medidores de performance e sistemas de previsão de demanda, serão perdidas a longo prazo se an-tes não investirmos em pessoas e sistemas de informação, na sequên-cia como a Figura 2 propõe.

Figura 2: Sequência de mudanças na Logística Humanitária

A figura 2 representa uma sequ-ência de implementação de mudan-ças, começando pelo reconhecimen-to de que a Logística é importante, e que deve ter maior participação no planejamento e budgeting de uma organização. Como a maioria das organizações humanitárias já começaram a implementar algumas mudanças no setor de supply chain, entende-se que esta etapa já foi al-cançada ou está em andamento.

Em seguida, pessoas e informa-ções são propostas como a próxima etapa. Indo mais adiante, focar pri-meiramente em pessoas para de-pois focar em informação, aumenta as chances de se obter sucesso pos-teriormente. Por exemplo, mesmo implementando um sistema de TI extremamente eficiente, se as pes-soas não estiverem preparadas para usá-lo, haverá grandes atrasados nos resultados esperados. Portanto, investir em treinamento, incenti-vos, direcionamento, para poste-riormente investir em sistemas de TI, procedimentos, padronização, e, por último, KPIs, sistemas de melhoria contínua, sistemas de pre-visão de demanda, representa uma sequência que pode fornecer resul-tados a longo prazo, porém consis-tentes.

ConclusãoA sequência de investimento em

supply chain, focando primeira-mente em pessoas e informação, pode resultar em melhorias consis-tentes e eficazes, mesmo que sejam em longo prazo.

Como as organizações humanitá-rias estão anos atrás quando com-paradas ao setor privado, sugere-se primeiro o reconhecimento de que a cadeia de suprimentos é parte essencial da operação de ajuda hu-manitária.

A partir desse reconhecimento, é possível obter fundos interna-mente, aumentando a participação da área da Logística nas etapas de Planejamento e Budgeting, e exter-namente, mostrando aos doadores que usar as doações para melhorar processos é uma forma de ajudar indiretamente, resultando em mais pessoas atendidas.

Posteriormente, é possível inves-tir em pessoas (treinamento e in-centivos) e informação, através de procedimentos claros e sistemas de TI. Posteriormente valerá a pena investir em processos como medi-dores de performance e sistemas de previsão de demanda.

É importante ressaltar que a im-plementação desses aspectos deve ser seguida por uma mudança na mentalidade da organização, prin-cipalmente no que diz respeito a diretrizes e nível de exigência, para que os novos processos sejam estri-tamente seguidos.

A Logística Humanitária envol-ve operações imensas, responde rapidamente, emprega pessoas ex-tremamente motivadas, e, princi-palmente, salva vidas. Vale a pena melhorá-la!

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Figura 2: Sequência de mudanças na Logística Humanitária

Referências BibliográficasCamilla, F. A. (2011) Auditing Models for Humanitarian Su-

pply Chains. Tese de Mestrado, MIT-ZARAGOZA INTER-NATIONAL LOGISTICS PROGRAM, Zaragoza.

Davidson, A. L. (2011) Key Performance Indicators in Hu-manitarian Logistics. Tese de Mestrado, MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY, Cambridge.

Gustavsson, L. (2002) Humanitarian Logistics: Context and Challenges. Forced Migration Review, Oxford, n. 18, p. 6 - 8.

Kopczak, L. R. e Thomas, A. S. (2005) From Logistics to Su-pply Chain Management: The Path Forward in the Humanita-

rian Sector. Fritz Institute, California. Médicos sin Fronteras (2011) Cómo actuamos en las emer-

gencias. Disponível em: <http://www.msf.es/multimedia/foto--galerias/2010/como-actuamos-en-emergencias>. Acesso em: 01 novembro de 2011.

Menezes, M. (2010) Auditing Report on MSF’s Supply Chain in India and Overall Perceptions after visiting India and Zimbabwe’s missions. Zaragoza Logistics Center and MSF.

WASSENHOVE, L. V. (2006) Humanitarian aid logistics: su-pply chain management in high gear. Journal of the Operatio-nal Research Society, v. 57, p. 475-89.

das, que geram bottlenecks em im-portação e aduanas;• Burocracia: processos regulatórios e aduaneiros alargam lead times e prejudicam a eficiência da operação;•Pouco incentivo em usar lessons learned: diferente do setor privado, não há o mercado para motivar a me-lhoria da performance (Wassenhove, 2006);• Pessoas: a mão-de-obra é escassa, com turnover elevado devido às ad-versidades das missões. A maioria não é treinada, causando dificulda-des em reter conhecimento na orga-nização;• Melhorias em segundo plano: a prioridade é levar ajuda, e por isso, a eficiência, os custos e a otimização ficam em segundo plano. Há pouco reconhecimento de que a Logística desempenha papel importante;• Falta de informação: um dos maio-res problemas é a falta de previsibili-dade. Além disso, os sistemas de TI são muito simples ou inexistentes, sendo difícil rastrear um pedido na cadeia. Assim, a informação não re-flete a realidade e os processos de monitoramento de performance, ras-treamento e previsão da demanda fi-cam prejudicados;

• Aspectos culturais: quem traba-lha na área humanitária provém de backgrounds diversos, atraídos por desejos de “salvar o mundo” (Kop-czak and Thomas, 2005). Os salários não são altos e há pouca cobrança. Isso gera baixo nível de expectativa, e quanto menos se espera, menos se investe;• Processo de melhoria contínua ine-xistente: normalmente se trabalha “apagando o incêndio”, preocupan-do-se em “seguir procedimentos”. Mas às vezes os procedimentos não são claros e sem padrões – cada qual faz à sua maneira;• Doações a curto prazo: elas em ge-ral são alocadas por doadores diretos às missões de ajuda, e pouco é alo-cado para treinamentos e melhorias nos sistemas e processos (Kopczak and Thomas, 2005);• Falta de gerenciamento de trans-porte: a falta de especialistas, in-vestimentos e reconhecimento da importância da supply chain geram gaps no gerenciamento de transporte (uma das partes mais caras da cadeia de suprimento).

O que pode ser mudadoMuitos artigos falam sobre o que

as organizações humanitárias po-dem aprender do setor privado e vice-versa. Essa análise é relevante, mas antes disso, é essencial cobrir os gaps primários da cadeia de su-primentos das operações humanitá-rias.

Por isso, é importante primeiro identificar e separar o que é ‘ca-racterística do setor humanitário’, do que são ‘problemas do setor humanitário’. ‘Características’ são aspectos externos que fogem do seu controle, e não podem mudar; ‘Problemas’ são os da cadeia de su-primentos, passíveis de intervenção e melhoria.

A figura 1 expõe uma reorganiza-ção dos desafios. Ela traz as carac-terísticas do setor humanitário com mais dificuldades operacionais de logística e suas consequências.

Os itens mencionados na figura não são independentes. Eles fa-zem parte de um ciclo vicioso que se inicia com a falta de atenção, no nível gerencial, à logística. Assim, a alocação de recursos para essa área sempre foi limitada, gerando baixa performance. Como consequência, atividades logísticas sempre foram

emergenciais, e nunca uma priorida-de nos níveis mais altos das organi-zações, iniciando o ciclo novamente (Wassenhove, 2006).

Portanto, muito do que se pode me-lhorar nas operações provém da falta de reconhecimento de que a Logísti-ca, e mais especificamente, a Cadeia de Suprimentos, é fator determinan-te do sucesso ou o fracasso de uma operação de emergência.

A primeira coluna mostra os fato-res externos sobre os quais as organi-zações humanitárias não têm contro-le; as demais são suas consequências: problemas operacionais que podem ser melhorados. As boas práticas do setor privado são relevantes para superá-los. Porém, observa-se que in-vestimentos em melhorias não geram os resultados esperados sem que, pre-viamente, haja investimentos em re-cursos, ou seja, pessoas e informação.

Como exemplo, observemos a implementação de Key Performan-ce Indicators em uma organização humanitária que apresenta elevado turnover, falta de mão de obra es-pecializada e um sistema de TI ina-propriado. O resultado serão pessoas frustradas por não saber o que são KPIs, como gerar KPIs, como ana-lisar KPIs e como implementar me-lhorias a partir de KPIs. As mesmas pessoas, por não usar o sistema de TI corretamente, vão extrair dados e gerar informações que não refletem a realidade.

Menezes (2010) menciona que o uso da informação nas missões é de-ficiente, em grande parte pela falta de conhecimento dos conceitos de supply chain, falta de reconhecimen-to de que supply chain é essencial na área de suporte para as missões, e pela falta de regras claras sobre regis-

tro de dados. Ou seja, a informação é comprometida pelo fator humano.

Assim, implementar as boas prá-ticas provenientes do setor privado, como medidores de performance e sistemas de previsão de demanda, serão perdidas a longo prazo se an-tes não investirmos em pessoas e sistemas de informação, na sequên-cia como a Figura 2 propõe.

Figura 2: Sequência de mudanças na Logística Humanitária

A figura 2 representa uma sequ-ência de implementação de mudan-ças, começando pelo reconhecimen-to de que a Logística é importante, e que deve ter maior participação no planejamento e budgeting de uma organização. Como a maioria das organizações humanitárias já começaram a implementar algumas mudanças no setor de supply chain, entende-se que esta etapa já foi al-cançada ou está em andamento.

Em seguida, pessoas e informa-ções são propostas como a próxima etapa. Indo mais adiante, focar pri-meiramente em pessoas para de-pois focar em informação, aumenta as chances de se obter sucesso pos-teriormente. Por exemplo, mesmo implementando um sistema de TI extremamente eficiente, se as pes-soas não estiverem preparadas para usá-lo, haverá grandes atrasados nos resultados esperados. Portanto, investir em treinamento, incenti-vos, direcionamento, para poste-riormente investir em sistemas de TI, procedimentos, padronização, e, por último, KPIs, sistemas de melhoria contínua, sistemas de pre-visão de demanda, representa uma sequência que pode fornecer resul-tados a longo prazo, porém consis-tentes.

ConclusãoA sequência de investimento em

supply chain, focando primeira-mente em pessoas e informação, pode resultar em melhorias consis-tentes e eficazes, mesmo que sejam em longo prazo.

Como as organizações humanitá-rias estão anos atrás quando com-paradas ao setor privado, sugere-se primeiro o reconhecimento de que a cadeia de suprimentos é parte essencial da operação de ajuda hu-manitária.

A partir desse reconhecimento, é possível obter fundos interna-mente, aumentando a participação da área da Logística nas etapas de Planejamento e Budgeting, e exter-namente, mostrando aos doadores que usar as doações para melhorar processos é uma forma de ajudar indiretamente, resultando em mais pessoas atendidas.

Posteriormente, é possível inves-tir em pessoas (treinamento e in-centivos) e informação, através de procedimentos claros e sistemas de TI. Posteriormente valerá a pena investir em processos como medi-dores de performance e sistemas de previsão de demanda.

É importante ressaltar que a im-plementação desses aspectos deve ser seguida por uma mudança na mentalidade da organização, prin-cipalmente no que diz respeito a diretrizes e nível de exigência, para que os novos processos sejam estri-tamente seguidos.

A Logística Humanitária envol-ve operações imensas, responde rapidamente, emprega pessoas ex-tremamente motivadas, e, princi-palmente, salva vidas. Vale a pena melhorá-la!