luiz carlos ferreira (depoimento, 2012) · data da transcrição: 10 de outubro de 2012...
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
FERREIRA, Luiz Carlos. Luiz Carlos Ferreira (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 53 p.
LUIZ CARLOS FERREIRA
(depoimento, 2012)
Rio de Janeiro
2013
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Nome do entrevistado: Luiz Carlos Ferreira
Local da entrevista: Nova Lima, Minas Gerais
Data da entrevista: 24 de setembro 2012
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um
acervo de entrevistas em História Oral.
Entrevistadores: Paulo Roberto Ribeiro Fontes (CPDOC/FGV) e José Paulo
Florenzano (Museu do Futebol)
Transcrição: Letícia Cristina Fonseca Destro
Data da transcrição: 10 de outubro de 2012
Conferência da transcrição : Ana Luísa Mhereb
Data da conferência: 26 de novembro de 2012
** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Luiz Carlos Ferreira em 24/09/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
P.F. – Eu queria que você começasse, então, falando seu nome completo, a data e
o local de nascimento.
L.F. – Primeiro, é importante que a gente diga que é um prazer estar fazendo parte
dessa história do futebol brasileiro, do futebol mundial, e estar fazendo parte do Museu
do Futebol de São Paulo e do Brasil. É uma honra muito grande. Eu me chamo Luiz
Carlos Ferreira, tenho cinquenta e três anos. Sou natural de Nova Lima, Minas Geais,
cidade pertinho de Belo Horizonte, onde a gente está fazendo essa entrevista. E eu
comecei a jogar muito cedo... Comecei a jogar futebol com oito anos, nove anos. A
minha mãe falava que eu já chutava a barriga dela quando eu estava na barriga dela. Eu
tinha que ser jogador de futebol, eu não seria outra coisa a não ser jogador de futebol.
Então, desde cedo eu tenho essa paixão pelo futebol. Tive vários ídolos desde criança e
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essas pessoas fizeram parte da minha história no futuro, que são os jogadores: João
Leite1, Reinaldo2, Paulo Isidoro3, Éder4, Nelinho5, Cerezo6. Eu torcia por eles e nunca
imaginei que iria jogar ao lado deles. Então, para mim foi uma coisa gratificante, foi
uma coisa maravilhosa, uma coisa que aconteceu na minha vida e eu agradeço a Deus
por ter me dado esse dom de jogar futebol.
P.F. – Conta um pouco da sua família, eles são daqui? Seus pais, seus avós eram
todos aqui todos de Nova Lima?
L.F. – Meus pais e meus avós eram todos aqui da cidade de Nova Lima, a minha
esposa... Os meus filhos nasceram aqui apesar de ter jogado fora do Brasil, mas
nasceram aqui. Eu faço parte de mais dois irmão, o Antônio e o Mário...
P.F. – São mais velhos?
L.F. – Eu sou o do meio. O Antônio é o mais velho e o Mário é o mais novo, eu
sou o do meio. E tenho três filhos: a Marcela que mora na Itália, que é casada também
com jogador, mas é de futebol de salão. A Sabrina, que é a mais velha, formada
advogada. E tem o Luizinho Filho que é educador físico e também não mora aqui, mora
em Belo Horizonte, cidade perto aqui de Nova Lima. Então, a família... Eu também
agradeço a Deus por ter conhecido a minha esposa com dezesseis anos e há trinta e um
anos a gente é casado e uma família maravilhosa.
P.F. – Os seus pais faziam o quê, Luizinho?
1 João Leite da Silva Neto
2 José Reinaldo de Lima
3 Paulo Isidoro de Jesus, o Tiziu
4 Éder Aleixo
5 Manoel Rezende Matos Cabral
6 Antônio Carlos Cerezo, o Toninho Cerezo
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L.F. – O meu pai era minerador. Trabalhava na Mina do Morro Velho, que é hoje
é a AngloGold. E a minha mãe era dona de casa.
P.F. – Aqui, nessa região, é muito forte essa coisa da mineração. Todo mundo
era...
L.F. – Da mineração... É o ouro, não é? Até hoje é o forte da cidade. Isso a gente
sabe que um dia acaba, mas já são anos e anos que é extraído esse ouro e o minério aqui
da nossa cidade.
P.F. – As gerações aqui passavam e todo mundo ia trabalhar na mina.
Inicialmente, quando você era criança, adolescente, era um pouco esse o caminho que
estava escrito para você?
L.F. – Com certeza seria esse também. Apesar de ter estudado, eu sou formado em
ajustador mecânico, cheguei a fazer até o segundo grau lá... Por sorte eu comecei no
futebol e Deus me iluminou e cheguei a jogar futebol durante vinte e dois anos e acho
que tive uma carreira maravilhosa. Mas com certeza eu poderia ser um minerador
também, trabalhar na Mina.
P.F. – Quando você foi fazer esse curso... Era um curso do Senai7?
L.F. – Era do Senai. Fiz o curso do Senai.
P.F. – Você tinha que idade?
L.F. – Tinha dezessete anos.
P.F. – E aí você fazia o curso e jogava futebol ao mesmo tempo?
L.F. – É, fazia o curso à noite. Então tinha esse privilégio também de estar
fazendo à noite e jogando futebol de tarde.
P.F. – Essa história de Nova Lima é famosa, essa Mina do Morro Velho, um
pouco também por essa cultura muito forte aqui dos mineiros – não dos mineiros de 7 Serviço de Aprendizagem Industrial
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Minas Gerais, mas dos trabalhadores mineiros – não é? É uma história muito conhecida
até internacionalmente.
L.F. – Mundialmente, com certeza, era o forte da cidade, é o forte ainda hoje. O
ouro...
P.F. – E você acha que de alguma forma essa cultura forte dos trabalhadores
mineiros... Isso de alguma forma impacto a sua formação como pessoa, como cidadão?
L.F. – Com certeza, porque os meus avós, os meus pais... Se bem que, por um
lado a antiga Mina do Morro Velho, a AngloGold, é o que tinha na cidade. Então, os
trabalhadores faziam isso, iam trabalhar na Mina. Mas ela deixou muita sequela. Essa
mina... Eu tinha um avô que não tinha perna, que foi decepada por um trem que passou
dentro da Mina e passou na perna dele. Têm tios que deixaram sequelas no pulmão de
tanta poeira, a silicose. Quer dizer, deixou marcas também que não foram boas para
muita gente na cidade. Hoje, é lógico, a Nova Lima cresceu, já não depende da
mineração... Não depende da Mina de Ouro, porque a Nova Lima cresceu tanto que hoje
ela é primeiro lugar e não tem esse índice de desemprego. Não trabalha em Nova Lima
quem não quer. E antigamente era diferente. A opção que todo mundo tinha era...
Inclusive os jogadores do Vila Nova, os antigos, trabalhavam na mineração e jogavam
no Vila. É lógico que não trabalhavam pesado, não tinha aquela coisa que trabalhar
dentro da Mina, era na redução, em um trabalho menos forçado para ter condições de
estar jogando e isso tem história de grandes jogadores que passaram pelo Vila e que tem
essa história.
P.F. – E também tem uma tradição aqui de um certo conflito, houve greve, houve
manifestação. Isso chegou a sua cabeça em algum momento? Você tem alguma
lembrança de histórias disso, de um certo ativismo dos trabalhadores daqui, justamente
porque as condições não eram tão boas assim, não é?
L.F. – É, pro trabalhador, não é? Felizmente eu não cheguei a pegar, mas a gente
sabe de história... Tem essa história dentro da cidade. A gente sabe dessas histórias e
por um lado é triste... A gente fica triste porque a nossa geração antiga teve que passar
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por tudo isso. Felizmente nós e os nossos filhos não vão precisar passar por isso. Então,
tem um lado também positivo, de a gente hoje tem uma condição melhor para dar para
os nossos filhos, para as gerações novas que estão chegando agora.
P.F. – Certo. Só indo agora nesse ponto. O teu pai e a tua mãe, quando te
incentivaram a fazer o curso de ajustador mecânico, era porque eles tinham essa
perspectiva de você ter uma profissão que fosse diferente da do seu pai, um pouco isso?
Qual era o...?
L.F. – Justamente isso mesmo, para que eu não precisasse de passar o que eles
passaram, porque foi uma coisa triste. Eu lembro muito bem que eu tinha por volta de
sete para oito anos quando chegou a notícia que o meu avô tinha acontecido o acidente
com ele na Mina do Morro Velho e a gente pensou que tinha morrido. Graças a Deus só
foi decepado a perna dele. A gente recebeu a notícia com muita tristeza e várias outras
pessoas, amigos que perderam a vida na mineração. É lógico que os pais da gente, já
pensando para a gente não passar o que eles passaram, tinham essa preocupação. Isso
era bom, isso foi bom.
P.F. – E você acha que por ser uma cidade, um lugar de trabalhadores mineiros,
tem essa fama de ter um senso de comunidade muito forte, de ajuda mútua? Inclusive,
isso fez parte da sua infância, da sua adolescência?
L.F. – Com certeza isso fez parte e faz parte até hoje, porque Nova Lima é um
cidade muito acolhedora, de pessoas amigas. A gente conhece todo mundo. A gente se
conhece e isso ajuda muito para você ter uma vida mais tranquila. O índice aqui de
criminalidade é muito baixo. Eu adoro viver e Nova Lima. Para ser sincero eu não gosto
de ir a Belo Horizonte, eu não gosto de passar a barreira ali para ir para Belo Horizonte
que é muito trânsito e aqui é uma tranquilidade, um sossego. E eu amo essa cidade.
P.F. – E o futebol, então, como foi? Então, você era bom de bola desde a barriga,
pelo que sua mãe falava. [risos]
L.F. – Pois é, eu já era diferente. Deus me deu esse dom. É engraçado, eu quando
ia jogar nos campinhos aqui de terra, eu lembro eu com doze anos de jogar com pessoas
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maiores, mais velhos, todo mundo queria me escolher. Eu não entendia aquilo. Eu
ficava assim... Não entendia porque todo mundo ficava me escolhendo. Mas eu acho
que depois, aí mais tarde, eu fui entender, porque eu já era diferente. Eu já sabia jogar
futebol muito bem. Então... Isso era bom. E eu comecei com doze anos, comecei no
Vila Nova, participei de campeonatos amadores aqui na cidade, comecei lá no Morro
Velho, que era o bairro dos meus pais. Comecei a jogar lá com doze anos. E teve uma
pessoa que me viu e me trouxe para o Vila Nova.
P.F. – Lá era o quê? Era time de várzea?
L.F. – Era time de várzea que tem até hoje aqui.
P.F. – Tinha uma divisão para criança, não é isso?
L.F. – Isso, isso. Aí, comecei a jogar lá e tinha uma pessoa que trabalhava que era
o roupeiro, o seu Baiano, do Vila Nova e ele mexia lá também com o time de várzea,
com esses garotos. E me trouxe aqui para o Vila. Aí, aos doze, treze anos eu já estava no
infantil. Disputei, na época, o Dente de Leite e eu era o centro-avante. Uma história
engraçada, eu era o centro-avante... E eu lembro que a gente estava disputando um jogo
e o zagueiro machucou, já tinha tido expulsão de dois jogadores nossos, não tinha
ninguém para ficar no lugar e aí o treinador perguntou: “Quem pode jogar de
zagueiro?”. Eu levantei a mão: “Deixa que eu vou lá para trás”. E até hoje não sai. Eu
gosto de jogar lá até hoje. Nesses jogos que a gente faz de brincadeira eu gosto de jogar
também lá atrás. E até hoje eu não saí de zagueiro e cheguei à seleção brasileira e fui
para o Atlético. Então, foi uma história muito bacana.
P.F. – Mas você se ofereceu para jogar atrás por quê?
L.F. – Porque não tinha outro jogador para jogar. Já tinham feito as substituições
todinhas, então não tinha jogador mais para entrar. Eu me propus a ir lá jogar de
zagueiro e eu joguei tão bem, e o treinador gostou tanto que o treinador falou: “Não,
você não vai sair mais de zagueiro, você vai ficar de zagueiro agora”. E eu fiquei.
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P.F. – Mas isso tem a ver porque talvez você tinha um senso de colocação muito...
Tanto como centro-avante como...
L.F. – Tanto que eu sabia sair jogando. Então ficava fácil para mim. Eu não
pensei que fosse tão fácil assim. Para mim foi fácil porque eu tinha costume de sair
driblando, jogando lá em atacante. Então eu saia jogando driblando como zagueiro. Aí
foi que apareceu o meu futebol.
P.F. – Você não era um zagueiro tão alto nem tão forte, porque a característica era
outra, não é?
L.F. – Com certeza hoje eu não seria zagueiro, porque hoje o zagueiro, o goleiro
tem que ter um metro e oitenta, um metro e noventa, não é? Eu particularmente não
gosto. Eu acho que tem que ter habilidade. Jogador tem que saber jogar. É o que Telê
falava: “Tem que jogar futebol”. Hoje, os zagueiros estão muito grandes, então eles
perdem um pouquinho de mobilidade, de habilidade e fica mais no estourão, dando
chutão. Com certeza eu não jogaria hoje zagueiro.
P.F. – Certo. Bom, aí você foi para o Vila Nova e como foi lá?
L.F. – Fui para o Vila Nova e aos dezessete anos eu já estava no profissional. Foi
muito rápido.
P.F. – Vila Nova era um time que disputava campeonato brasileiro, não era?
L.F. – Chegou a disputar brasileiro. Eu disputei um brasileiro pelo Vila Nova aos
dezessete anos.
P.F. – Já aos dezessete anos?
L.F. – Aos dezessete anos, em 1977. Disputei um campeonato só pelo Vila Nova
como profissional aos dezessete anos.
P.F. – Já firmado como zagueiro?
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L.F. – Como zagueiro. E logo em seguida o Procópio foi para o Atlético. Ele
estava indo para o Cruzeiro, só que na madrugada ele discutiu lá com os dirigentes do
Cruzeiro e foi para o Atlético. E aí ele estava me levando para o Cruzeiro emprestado.
Aí ele pegou e desfez o negócio. Veio aqui, desfez o negócio e me levou para o Atlético
junto com ele, aos dezessete anos. Foi quando eu falei que jogadores como Cerezo já
consagrados, Paulo Isidoro, João Leite, Reinaldo, Heleno8, Márcio9... Essa turma toda
do Atlético que disputou o campeonato brasileiro com São Paulo e perdeu o
campeonato invicto. Eu torcia para esses jogadores e logo em seguida eu já estava
jogando ao lado deles. Quer dizer, para mim foi uma coisa maravilhosa. Eu era um
garoto e o Atlético foi e me comprou, me levou emprestado e...
P.F. – Você era atleticano quando você estava...?
L.F. – Por incrível que pareça eu gostava do Cruzeiro. Aos oito, dez, doze anos eu
gostava do Cruzeiro, porque era o time que ganhava, que tinha o Tostão10, o Dirceu
Lopes11, Evaldo12, Procópio13, essa turma toda, Natal14. Então, eu torcia para o time que
estava ganhando. Eu era garoto. É como acontece até hoje, não é? Logo em seguida eu
fui para o Atlético e fiquei lá onze anos jogando pelo Atlético com esses ídolos que até
hoje são meus ídolos.
P.F. – E quando você chegou lá, como foi? Era muito diferente do Vila Nova?
Como era em termos de treinamento?
8 Heleno Abreu de Oliveira
9 Márcio Paulada
10 Eduardo Gonçalves de Andrade
11 Dirceu Lopes Mendes
12 Evaldo Cruz
13 Procópio Cardoso Neto
14 Natal de Carvalho Baroni
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L.F. – De tudo. Tudo diferente. Tudo muito diferente, com estrutura, com time
grande que é o Atlético. O time do Vila, infelizmente, não tem a estrutura que tem...
P.F. – Mas além da estrutura, em termos práticos, digamos assim, mudou alguma
coisa para você? Quando você chegou lá...?
L.F. – Mudou, porque facilitou. Eu era mais um que jogava com grandes
jogadores. Esses nomes que eu citei. Então facilitou muito, melhorou tudo. E logo em
seguida o meu futebol apareceu mais ainda, tanto que logo em seguida eu fui convocado
para a seleção brasileira com vinte anos.
P.F. – Você foi em 1978 para o Atlético?
L.F. – Eu fui no final de 1978 para o Atlético. E logo em seguida o meu futebol
apareceu, novamente, e eu fui convocado para a seleção brasileira com vinte anos. Eu
disputei uma Copa do Mundo com vinte dois para vinte três anos.
P.F. – Quem era o teu técnico no Atlético quando você chegou, você lembra?
L.F. – Era o Procópio, o Procópio que me levou. Eu fiquei onze anos lá. Mas logo
depois passou vários treinadores lá, passou o Minelli15... Telê Santana16... foram muitos
treinadores que eu passei pelo Atlético... Carlos Alberto Silva. Foram bastantes
treinadores durante esses onze anos.
J.F. – Luizinho, eu gostaria de pegar um pouco essas memórias... Você falou do
time do Cruzeiro, do Dirceu Lopes e depois da final do Atlético com o São Paulo.
Como era essa lembrança do futebol aqui em Nova Lima, como chegava o futebol em
Nova Lima: pela televisão, pelo rádio? Como você acompanhava esse futebol?
L.F. – Eram poucas as casas que tinham televisão, não é? Mais era pelo rádio
mesmo que a gente ouvia e tudo. E alguns jogos eram televisionados, mas
pouquíssimos. Então era mais torcedor de rádio mesmo que eu era. E tenho uma
15 Rubens Francisco Minelli
16 Telê Santana da Silva, o Mestre Telê
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recordação muito boa dessa época porque foram grandes jogadores que passaram pelo
Cruzeiro, pelo Atlético, e a gente muito novo... O pessoal era tudo ídolo. A gente tinha
como ídolo todo esse pessoal e um dia a gente chegou a conhecer. Era uma coisa muito
bacana, o futebol proporciona isso, não é?
J.F. – De ir ao Mineirão nessa época, não?
L.F. – Eu cheguei a pegar e ir ao Mineirão ver o Cruzeiro jogar. Aquele jogo que
teve contra o Bayern de Munique que o Cruzeiro... O Bayern de Munique empatou
contra o Cruzeiro e foi campeão, não é? Eu cheguei a ir, eu era garoto, mas eu cheguei a
assistir esse jogo.
J.F. – E da conquista do tricampeonato, você lembra da comemoração em Nova
Lima?
L.F. – Lembro, lembro de assistir na casa de um vizinho.
P.F. – Aí pela televisão, não é?
L.F. – Pela televisão. De ver tudo aquilo que esses grandes jogadores da época de
1970 fizeram, não é? Esses grandes jogadores que ficaram na história, que estão na
história do Brasil e do mundo. Conseguiram conquistar o título maravilhoso que foi o
tricampeão mundial. E eu me lembro muito bem. Eu ficava imaginando: “Será que
algum dia eu vou chegar...”. É engraçado a história, o que acontece com a gente na vida.
A gente ficava lembrando e vendo aquelas jogadores, Jairzinho17, fazendo aqueles gols,
Tostão, Pelé18 e ficava imaginando: “Será que algum dia eu vou chegar aí?”. É
engraçado e graças a Deus eu consegui chegar.
P.F. – A gente falou do tri, mas e de 1974 e 1978, você lembra de ver os jogos na
TV?
17 Jair Ventura Filho
18 Édson Arantes do Nascimento
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L.F. – Me lembro também, muito vagamente, mas me lembro. Engraçado que eu
lembro mais de 1970, ficou mais marcado. Eu acho que pela minha idade, aquela
fixação que eu tinha pelo futebol, não é? Mas de 1974 e 1978 eu peguei já maior, já
estava na categoria de base do Vila Nova, então para mim já foi uma coisa normal,
como torcedor ir assistindo a Copa do Mundo.
P.F. – Eu tenho aqui uma declaração que você deu à imprensa há um tempo
sobre... Você primeiro foi emprestado para o Atlético e depois você foi contratado
definitivamente e você fala aqui de uma jogada que você fez com o Nelinho que você
atribui talvez essa jogada ter sido o fator da sua contratação. Podia contar de novo essa
história para a gente?
L.F. – Foi logo quando eu cheguei ao Atlético, final de 1978. Eu não sei se foi
irresponsabilidade minha, de alguma coisa. Porque quando é novo, a gente não pensa
muito e eu fui muito tranquilo... Quando eu fui para o Atlético, logo em seguida, no
final de semana, já tinha um jogo contra o Cruzeiro e o Nelinho chegando de Copa do
Mundo, um jogador famoso e o Cruzeiro tinha um grande time também. E eu não tremi
não, porque eles falam muito que jogador treme às vezes quando vai estrear. Eu não
tremi, joguei tranquilo e estava emprestado, e eu queria e precisava ajudar em casa. Eu
era um filho que estava tendo uma oportunidade e a oportunidade que eu tive foi... Eu
falei: “Vou encarar o futebol e vou ajudar a minha família”. Eu queria ajudar a minha
família e a maneira era o futebol. Nesse jogo eu falei: “Eu tenho que dar tudo aqui de
mim porque é a oportunidade que eu tenho de estar sendo contratado definitivamente”.
E logo em um lance... Eu brinco muito com o Nelinho que ele me contratou logo depois
desse jogo, porque a gente já estava ganhando o jogo e veio uma bola dentro da área e o
Nelinho estava apoiando o Cruzeiro no jogo e eu matei no peito e dei nele um balão. Aí,
eu caí na graça da torcida do Atlético. Foi uma maravilha porque logo em seguida,
depois do jogo, o presidente, os diretores do Atlético vieram aqui em Nova Lima e me
contrataram definitivo. Então, foi uma lembrança boa. Dei um chapéu no Nelinho,
jogador de seleção brasileira, disputou Copa do Mundo. Hoje, nós somos amigos.
Inclusive, a filha dele namora o meu filho. A gente é muito amigo hoje.
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P.F. – E fala um pouco para gente bem desse iniciozinho. Como era o cotidiano,
você morava aqui, pegava ônibus? Como era essa vida como ela é? O cotidiano de um
jogador do interior que está começando em um grupo grande da capital?
L.F. – É super interessante porque a maioria das pessoas só vê o glamour quando
está lá em cima, quando o jogador já atingiu um status e está ganhando dinheiro. Então
todo mundo acha que é fácil, mas é muito difícil. Eu sempre digo que é o vestibular
mais difícil que tem para se passar é o futebol, porque são milhões e milhões e poucos
conseguem passar. E você estudar não, você estuda e você, por mais que não seja
inteligente, você vai fazer um vestibular e você vai passar. Agora o futebol não, são
poucos que passam. E comigo não foi diferente. Eu morava aqui em Nova Lima, não
tinha carro, não tinha nada. Eu pegava ônibus em Nova Lima às cinco da manhã,
chegava em Belo Horizonte para pegar o Venda Nova que ia lá para a Vila Olímpica do
Atlético, parava na rua Guarani, pegava outro ônibus, ia para a Vila Olímpica, treinava,
ficava lá de manhã e de tarde treinando com o Procópio. Ele gostava muito de dar treino
para zagueiro porque ele foi zagueiro, então eu treinava demais com ele. Quando eram
seis horas da tarde, eu pegava uma carona... Quando não dava para vim de ônibus, eu
pegava uma carona com algum jogador que tinha carro, mais velho, e me deixava no
centro. Eu pegava o ônibus de Nova Lima, chegava em casa às nove horas. O meu
pratinho de comida já estava no canto do fogão de lenha, eu pegava o meu pratinho,
jantava, ia dormir para levantar no outro dia às cinco horas da manhã, para voltar de
novo para Belo Horizonte para treinar. Essa rotina foi durante quase dois anos, eu
fazendo isso. E logo que eu ganhei um dinheirinho eu queria comprar uma casa para a
minha mãe. Mas eu queria comprar um carro, porque não estava aguentando viver dessa
maneira, estava muito difícil para mim. Procópio não deixou eu comprar o carro, falou
“você não vai comprar o carro, vai comprar primeiro a casa da sua mãe”. Eu falei: “É
isso que eu quero mesmo. Então não tem problema. Então você tem que arrumar algum
lugar para eu ficar morando aqui em Belo Horizonte”. Aí ele arrumou um lugar para eu
ficar morando em Belo Horizonte, no hotel Bragança. Fiquei morando lá e logo depois
eu consegui comprar um chevetinho e aí já ficou mais fácil. Mas eu não vinha para a
minha cidade, só vinha no final de semana e ficava lá em Belo Horizonte durante a
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semana toda e só nos finais de semana que eu vinha, quando acabavam os jogos, eu
vinha para Nova Lima passar o final de semana. E foi assim durante anos e anos, e anos.
Logo em seguida eu tive a sorte... Aos dezenove para vinte anos, eu tive a sorte de
realmente levar uma vida mais séria de casamento, não é? Eu casei com a minha esposa,
a Márcia, aí eu fui morar em Belo Horizonte. Aí fiquei morando em Belo Horizonte
casado. Fiquei nessa história de Atlético durante esses onze anos.
P.F. – E teus pais? Desse iniciozinho quando você ainda estava em Vila Nova,
talvez um pouquinho antes de ir para o Atlético, teve algum momento de hesitação
sobre você se profissionalizar naquilo mesmo? Você tinha feito curso técnico, ou seja,
você estava estudando para ter uma profissão, digamos, mais formalizada. Houve
alguma discussão, alguma dúvida familiar?
L.F. – Nada, fui super incentivado por eles. Eles sempre me incentivaram muito,
todos os dois. Eu, infelizmente, perdi meu pai cedo. A minha mãe também morreu
muito cedo. Tive a sorte do meu pai ter me visto, da minha mãe ter me visto jogar... O
meu pai não me viu jogar na Copa do Mundo, mas minha mãe viu. O meu pai me viu
jogando profissionalmente, mas Copa do Mundo ele não chegou a me ver jogar. Mas
tive o privilégio da minha mãe me ver jogando e foi uma emoção muito grande. E
felizmente as coisas aconteceram para mim... Foi muito bom eu ter jogado futebol,
como eu falei, de Deus ter me dado esse dom de jogar futebol, de ter dado um conforto
para a minha mãe... Como você falou, filho de mineiro e ter chegado aonde eu cheguei,
então para mim foi muito bom, foi com muito orgulho que eu pude ajudar muitas
pessoas, meus familiares. O futebol me proporcionou isso. Então eu agradeço muito ao
futebol por tudo o que me deu e pelo o que eu sou hoje.
P.F. – Você citou aí para gente que deu um chapéu no Nelinho e caiu nas graças
da torcida do Atlético. É uma torcida muito fanática, conhecida pela sua vibração, não
é? Como foi isso? Um garoto filho de mineiro, pegando ônibus todo dia, como foi essa
sensação de de repente ir se tornando um ídolo? Como era o assédio, as moças? Conta
um pouco disso.
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L.F. – A princípio assusta. Assusta porque você vem do interior, vem para a
capital e isso assusta muito. Eu fiquei meio apavorado. Mas eu tive o privilégio também
de ter grandes amigos dentro do Atlético, pessoas já com experiência grande – esses
nomes que eu citei também. Todos eles me ajudaram muito, me aconselhando. Como
você falou, eu tive a sorte também de ter casado cedo e de ter encontrado a pessoa que
deu certo e que me ajudou na minha carreira todinha. Pessoa maravilhosa que foi a
minha esposa.
P.F. – Ela é daqui?
L.F. – Ela é daqui também, de Nova Lima. A família dela é toda de Nova Lima.
Então, eu tive essa sorte e isso me segurou muito, isso valeu muito para ter chegado
onde eu cheguei.
P.F. – Então, aqui volta um pouco àquela minha questão inicial: talvez os valores
aqui, desse lugar, estavam ali com você de alguma forma, você acha?
L.F. – Fez a diferença. Ajudou e muito. A maneira de ser, o que eu sou hoje e
exemplos que a gente tem dentro da cidade, de pessoas... Do jeito, a maneira de criação
de filhos, a criação que eu tive, a honestidade de ser amigo, de ser leal, de
responsabilidade, isso tudo valeu, isso conta muito. É o que eu procuro passar hoje para
os meus filhos, exemplos. Eu acho que na vida a gente conquista as coisas é com
exemplos e eu tive grandes exemplos na minha vida que foram os meus pais.
J.F. – Luizinho, do ponto de vista da sua vivência mais ligada ao futebol, você já
ressaltou o papel do Procópio, mas antes do Procópio, nessa trajetória que te leva do
Vila Nova ao Atlético, houve um outro técnico, em particular, que foi importante na tua
formação futebolística?
L.F. – Com certeza. Eu estava até esquecendo disso e a gente não pode esquecer
de grandes pessoas. Não foi só o Procópio, eu tive esse seu Baiano que me trouxe. Logo
em seguida, no juvenil, eu tive o Nelsinho que foi um grande jogador também, jogou no
Cruzeiro, jogou noVila, jogou no Bangu. E foi uma pessoa também que foi muito
importante na minha vida. E logo depois, como profissional mesmo, também eu tive
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grandes treinadores que foram importantes para ser o jogador que eu fui. Então eu sou
grato a todos eles. Fica até difícil de a gente citar nomes, porque foram tantos, cada um
deles tiveram uma parcela de ajuda dentro da minha carreira de futebol.
P.F. – Mas quando você fala, só insistindo um pouquinho nisso, ajuda é do ponto
de vista de, vou colocar entre aspas, ensinar a ser um zagueiro. Com foi isso? Porque
você fala que tem uma parte disso que é um pouco nata de você, mas, assim, o que você
aprendeu concretamente? Tenta dizer para gente as coisas que...
L.F. – O tempo de bola, a colocação dentro de campo. Cada um desses treinadores
passaram alguma coisinha e eu fui assimilando aquilo com tranquilidade e fui pegando.
Teve um treinador que falava quezagueiro não coloca a bunda no chão; “zagueiro não
pode dar carrinho, porque se ele deitar no chão, ele não tem como recuperar”. Quer
dizer, isso tudo. Tempo de bola: “Você tem que subir...”. O Dario19 foi um dos
jogadores que eu tenho a maior paixão por ele que, como ele falava, ele parava no ar,
não é? E eu tive o privilégio de jogar ao lado dele no Atlético também. E a gente ficava
treinando às vezes e ele ficava me ensinando: “Olha, faz assim com o joelho, sobe, pula.
O tempo da bola, você cabeceia...”. Ele que me ensinou isso tudo. Quer dizer, então são
pessoas que eu sou grato por tudo o que eu fui como jogador de futebol.
P.F. – E nesse momento inicial de profissionalismo lá no Atlético, que
características tuas como jogador que você considerava que estavam te colocando para
cima. Como você falou, você estava em ascensão ali, tanto é que você chegou a seleção
em pouquíssimo tempo, você ganhou a bola de prata... Claro que tinha um grande time,
mas você, quais são as suas características como jogador que estavam te impulsionando
naquele momento?
L.F. – Olha, eu fui um jogador que não inventava, eu não inventava nada. Às
vezes eu fazia alguma jogada que eu chegava em casa e minha esposa falava: “Você
está maluco? Você fez aquilo... Como você fez?”. Eu falava: “Eu não sei. Não tem
como explicar”. Outro dia perguntaram ao Neymar como ele faz aquilo, ele não sabe.
19 Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha
Transcrição
17
Dentro de campo a gente não sabe. É aquela coisa do dom que Deus dá para gente e a
gente, às vezes, faz umas coisas que nem sempre dá certo. Mas eu tive a sorte de sempre
fazer e as coisas darem certo. Então isso faz a diferença, fica marcado, muitas vezes,
para as pessoas. A seriedade sempre de estar jogando sempre sério, não está brincando.
Ser um bom profissional. Essa característica eu sempre tive, de ser um bom
profissional. Então isso ajudou muito na minha carreira também.
P.F. – Vamos começar a ir um pouco mais para essa história do Atlético e um
pouco da seleção. Você fez parte de uma geração do Atlético que desenvolveu uma
rivalidade muito grande com o Flamengo, em termos nacionais. Vocês disputaram uma
antológica final de campeonato brasileiro e depois teve toda uma série de jogos
conturbados da Libertadores, ali naquela ano 1980 e 1981. E você era um protagonista
disso. Conta um pouco para gente a tua versão. Eram os dois melhores times do Brasil,
provavelmente, naquela altura.
L.F. – Com certeza, eram os dois. E inclusive, eram os dois times que mais
levavam jogadores à seleção brasileira, tanto o Flamengo quanto o Atlético. Então era
uma rivalidade muito grande. Duas grandes equipes que chegavam sempre às finais de
campeonato. Nas oportunidades que eu tive, que eu joguei, o Flamengo tinha um grande
time. Realmente tinha um grande time. E a gente também era uma grande equipe
também. Eu me lembro muito bem que o Reinaldo estava machucado nesse jogo no
Maracanã e a torcida do Flamengo chamando: “Está bichado, bichado”. E ele conseguiu
fazer dois gols ainda. E nós tivemos a oportunidade de empatar o jogo, e infelizmente
não conquistamos esse título em 1980. Foi com muita tristeza que a gente ficou, porque
a gente sabia da qualidade do Flamengo, mas a gente sabia da qualidade do nosso time
também. Naquela época, o nosso time estava melhor do que o Flamengo. Naquele ano.
E nem sempre ganha o melhor. Infelizmente nós perdemos um título que eu não
consegui conquistar durante esses vinte dois anos de futebol. É com tristeza que a gente
fica, porque é um título importante e que no meu currículo eu não tenho, infelizmente.
P.F. – Nesse momento... Você está ali, provavelmente, no seu auge, caminhando
para o seu auge, para a Copa. Quais eram os atacantes mais difíceis de jogar? Já que a
Transcrição
18
gente está falando desse time do Flamengo, mas provavelmente tinham outros. Quem
você considera que você tinha mais dificuldade de marcar?
L.F. – Tinha, com certeza. Teve vários jogadores, vários centroavantes que na
época era muito difícil: o Mirandinha20, jogador rápido que jogava no Palmeiras; o
próprio Nunes21 que jogou no Flamengo e depois jogou no Atlético também. Foi a
geração de grandes jogadores, essa década de 1980, não é? Eu tive esse privilégio... Isso
tudo conta, não é? Em 1980, você podia fazer dez seleções de craques, porque cada time
tinha cinco, seis grandes jogadores. E hoje, infelizmente, é difícil de você tirar um ou
dois de cada time. E nessa época foi uma época de ouro que o Brasil viveu, é tanto que
na seleção brasileira o time reserva às vezes era melhor do que o titular – de grandes
jogadores que tinha também. Quer dizer, foi uma era bacana.
P.F. – Voltando só nesse famoso jogo. Você falou da tristeza e tudo, mas tem toda
uma versão de que o jogo foi roubado, que o juiz...
L.F. – A gente não pode desmerecer o Flamengo não. Foi um grande jogo e tal,
mas teve uma ajudazinha. Sempre teve. O Flamengo sempre foi muito forte nessa
questão. Quer dizer, teve ajuda, logo depois lá também, no Serra Dourada também...
Esse aí foi pior ainda, porque foi descarada a ajuda que teve. Mas é do futebol, isso
acontece. Isso acontece até hoje. Isso não vai mudar infelizmente, porque eu acho que,
como foi eu falei, o Flamengo era uma grande equipe e não precisava dessa ajuda.
P.F. – E seleção, como foi a tua primeira convocação?
L.F. – Aí sim, aí foi um susto muito grande. Jogando pelo Atlético... E tinha a
convocação de novos também. Eram duas seleções que iam ser convocados: a seleção
de novos e a seleção principal. Eu tinha uma esperança de ir para a seleção de novos. Eu
falei: “O futebol que estou jogando, eu não acho que eles vão esquecer de mim”. E logo
teve uma surpresa, quando acabou o jogo contra o internacional no Mineirão, foi um
20 Francisco Ernandi Lima da Silva
21 João Batista Nunes de Oliveira
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19
empate de um a um, veio a convocação e o meu nome estava na seleção principal. Aí eu
tomei um susto, porque eu muito novo, esperando uma convocação de novos, e fui
chamado para a seleção principal com jogadores já de renome que era o Zico22,
Falcão23, Cerezo, essa turma toda, o Junior24, o Leandro25. E eu, bem novinho, tomei um
susto, falei: “Meu Deus, e agora?”. Mas é aquilo mesmo, a minha vida foi pautada em
muita tranquilidade, eu sempre fui muito tranquilo e falei: “Seja o que Deus quiser.
Vamos lá. A minha profissão é essa, eu sou jogador de futebol, então eu não tenho que
ter medo de nada. Vai ser um prazer muito grande ter essa convivência com os
jogadores. Eles só vão me ajudar pela categoria que eles têm. Eu só vou ser ajudado”. E
fui tranquilo, disputei essa vaga na seleção brasileira e consegui ter o privilégio de
também disputar essa Copa do Mundo que, infelizmente, não foi vencida, mas deixou
uma marca que mundialmente, todo mundo fala nessa seleção, até hoje. Porque é difícil,
no Brasil você tem que ser primeiro ou primeiro, principalmente no futebol. Eessa
seleção foi legal porque ficou na história que não conquistou a Copa do Mundo, mas
hoje todo mundo sabe essa seleção que jogou. Não é? Às vezes a gente vai para fora do
país e a gente encontra com pessoas que comentam até hoje, quando a gente tem
oportunidade de conhecer, comentam dessa seleção até hoje. E essa seleção ficou na
história do Brasil.
P.F. – O técnico que te convocou já era o Telê?
L.F. – Telê Santana. Já era o Telê que me convocou, já conhecia o meu futebol
desde o Atlético e tudo, e me deu essa oportunidade.
P.F. – Você já tinha tido algum contato com ele antes da convocação?
L.F. – Não, não.
22 Arthur Antunes Coimbra
23 Paulo Roberto Falcão
24
25
Transcrição
20
P.F. – Você conheceu o Telê no primeiro dia lá...
L.F. – Quando teve a convocação que eu passei a conhecer o Telê. E foi uma
pessoa importantíssima na minha carreira. Foi muito bacana ter tido a convivência com
ele e ter tido ele como treinador.
P.F. – Então vamos aprofundar isso. Conta um pouco mais dessa sua relação com
o Telê que era uma relação que na época era muito destacada na imprensa, talvez por
serem mineiros e tudo. O Telê era visto como um grande incentivador do teu futebol, da
tua carreira, de certa forma, talvez, para São Paulo e Rio, o Luizinho era uma surpresa –
nem tanto para os mineiros, mas provavelmente para os lugares, digamos, mais centrais
do futebol.
L.F. – Muita gente ficou sem saber, porque não conhecia, muita gente não
conhecia: “Quem é esse Luizinho?”. E eu tive a oportunidade de provar quem era o
Luizinho. E isso, como eu falei, agradeço ao Telê porque o Telê foi um grande
treinador. Muita gente falou que ele não era um vencedor, mas o Telê ganhou tudo o
que ele disputou. Pode não ter ganhado a Copa do Mundo, mas ele foi para o São Paulo
e foi campeão do mundo lá no São Paulo depois. Todos os times que ele passou –
Grêmio, Atlético – ele foi campeão. E era um treinador já avançado, que gostava de ver
o futebol arte. Hoje, infelizmente, tem pouquíssimos jogadores que jogam futebol
bonito. E ele, naquela época, já gostava. Eu lembro uma vez que ele entrou em campo e
falou assim... A gente sem saber a tática que ia fazer e ele falou assim: “Vocês são
craques. Agora, se conheçam dentro de campo”. E é o que a gente fez: se conhecer
dentro de campo naquela época, em 1982. Bem antes, a gente treinava, ele dava muito
coletivo com bola, era para se conhecer mesmo. Era o que ele falava: “Vocês vão se
conhecer dentro de campo, porque jogar vocês são craques. Basta agora se conhecer
dentro de campo para a gente conquistar a Copa do Mundo”. E é o que a gente fez: nos
conhecemos dentro de campo. Tinham jogadas que a gente fazia que a gente já sabia
quem é que estava na jogada, você podia virar a bola que já sabia que tinha um jogador
lá. E nos conhecendo dentro de campo que a gente fez uma grande seleção.
Transcrição
21
P.F. – O Telê treinava muitas jogadas? Qual era a característica como técnico?
Você falou essa coisa de que dava muito coletivo, além disso... E ele conversava muito?
Como era ele como técnico?
L.F. – Ele deixava o jogador usar a sua criatividade. Isso que eu achava bacana.
Ele não podava ninguém da sua criatividade. Se você sabe driblar, então vai driblar,
pode driblar. Deixava o jogador bem à vontade. Isso é uma característica de poucos
treinadores que a gente tem, de não podar os jogadores, de fazer aquilo que ele sabe. E
dentro daquilo... Com simplicidade, com humildade, você fazendo, não tem jeito de dar
errado, só vai dar certo, não é? Como você vai pegar hoje um Neymar e vai podar o
Neymar de fazer aquilo que ele faz? Não tem jeito. Então, o Telê já fazia isso conosco,
de deixar a gente à vontade. Como eu falei: “Craques vocês são, agora se conheçam
dentro de campo, está ok?”. Pronto, é o que ele fazia.
P.F. – E quando ele ficava bravo?
L.F. – Era raramente. Com os jogadores que ele tinha, eu raramente vi o Telê
bravo. Não me lembro assim de um treino que ele tenha dado e que tenha ficado bravo
com alguém. Ele era muito perfeccionista, isso aí ele era, gostava das coisas bem feitas.
Ele deu sorte também, em 1982, de ter esses grandes jogadores que ele teve na mão para
fazer as coisas. Infelizmente, eu volto a falar, não fomos campeões, mas deixou
saudades. Foi muito bom. Valeu a pena fazer parte desse elenco de 1982.
P.F. – Você falou da emoção que foi a Copa de 1982, esse time que ficou na
história mesmo sem vencer, mas a seleção de 1982, antes de 1982, era muito contestada,
tinham críticas, foi razoavelmente contestada: Telê não botava ponta... Você lembra
desse clima?
[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]
Transcrição
22
J.F. – Luizinho, você estava naquele Atlético e Flamengo com o Pelé jogou? Foi
um jogo beneficente.
L.F. – Foi beneficente no Rio. Eu lembro que o Dario falou assim: “Hoje é jogo
de dois reis”. [risos] Ele tinha mania de, quando a gente quando jogava, ele falava
assim... A gente perguntava assim: “Dario, de quanto vai ser o jogo?”. Ele falava: “Vai
ser três a zero. Dois do Dadá e um do fulano de tal”. Mas sempre que ele falava quanto
ia ser o jogo, que ele ia fazer os gols, ele fazia. E nesse jogo lá nós perguntamos: “Dadá,
quanto vai ser o jogo dos dois reis?”. Ele falou: “Cinco a zero para o Galo”. Ele falou
assim mesmo, cara. “Que isso, Dario?”. “Cinco a zero para o Galo hoje”. Entramos em
campo. Aí começou o jogo, fizemos um a zero, gol do Marcelo26 que hoje é treinador do
Coritiba, estava no Coritiba aí. O Marcelo fez um a zero. Você lembra desse jogo? Aí
acabou o primeiro tempo, o que eles fizeram? Tiraram o Pelé, colocaram aquele Uri
Geller27 ponta esquerda.
P.F. – Júlio César.
L.F. – Júlio César Uri Geller. Bicho, o cara acabou com o nosso time. Aí meteram
cinco a um na gente. Você lembra? Foi cinco a um. Aí nós chegamos dentro do vestiário
e falamos: “Dario”. Ele falou: “Nossa”. [risos] Aí eles fizeram cinco a um na gente,
cara, nesse jogo.
P.F. – Foi esse jogo beneficente.
L.F. – Foi esse jogo beneficente. O Pelé ia despedir, não é?
J.F. – O Pelé jogou pelo Flamengo?
L.F. – Pelo Flamengo. É, ele conta essa história que ele tinha vontade de jogar,
terminando o futebol, e jogar com a camisa do Flamengo, jogar pelo Flamengo. Foi a
despedida dele.
26 Marcelo Oliveira
27 Julio Cesar da Silva Gurjol
Transcrição
23
J.F. – E para você, assim, marcá-lo?
L.F. – Foi muito emocionante, foi uma maravilha. Foi uma coisa, assim, que ficou
marcado na história para mim. Ainda teve um lance que eu cortei a canela dele, dei uma
entrada, tentei antecipar ele e não consegui, dei uma rasgada na perna dele. Ele teve uns
pontinhos. Depois, os repórteres me entrevistando, perguntaram: “O que foi que
aconteceu naquele lance que você machucou o Pelé, teve quatro pontos na canela?”.
Quer dizer, para mim foi muito bacana, foi emocionante.
P.F. – Você deixou sua marcada no Pelé. [risos]
L.F. – Deixei minha marca no Pelé, que coisa. É uma pessoa que está na história
mundial mesmo. Pelé foi Pelé e acabou. Foi o gênio do futebol brasileiro, mundial.
P.F. – Mas voltando àquela pergunta que eu estava te fazendo... Tem a seleção de
1982, uma seleção justamente reverenciada pelo futebol que apresentou, mas um pouco
antes ela era uma seleção que teve alguma contestação, algumas críticas ao próprio
Telê. Você lembra um pouco desse clima antes da Copa?
L.F. – Teve, teve porque logo depois o Telê começou... Teve a convocação do
Dirceu28, ponta esquerda, e começaram a fazer as críticas: teria que estar jogando o
Dirceu... As coisas que acontecem mesmo quando vai disputar uma Copa do Mundo. O
brasileiro tem milhões e milhões de treinadores e pessoas que dão opinião e tudo, e
aconteceu também em 1982. E o Telê começou... Era o Paulo Isidoro que jogava de
ponta fechando pelo meio e estava dando certo. E logo que teve a convocação do
Dirceu, se não me engano, o Telê tirou o Paulo Isidoro de ponta e colocou o Dirceu para
jogar e isso começou a ficar realmente uma seleção sem ponta, não é? E o Brasil sempre
jogou com ponta, teve grandes pontas, tanto ponta esquerda quanto ponta direita. Aí
começaram as críticas, mas não chegou a afetar a gente dentro da seleção brasileira. Era
um esquema que o treinador optou e que a gente procurava fazer da melhor maneira
possível. Te garanto, se a gente tivesse sido campeão, não teria sido tanta polêmica
como teve na sequência de: “Põe ponta, Telê! Põe ponta, Telê”. Não jogava sem ponta.
28 Dirceu José Guimarães
Transcrição
24
Mas isso sempre acontece. Isso sempre vai acontecer: quando você não ganha, vão
procurar sempre alguém culpado.
P.F. – Aí, só um pouquinho antes de a gente entrar na Copa em si, que eu acho
que a gente tem várias perguntas sobre isso, mas você ainda pegou um período em que...
Isso sumiu um pouquinho do futebol hoje, não é tão forte quanto... Mas no futebol
brasileiro era um período que tinha muita rivalidade regional: cariocas e paulistas, mas
também mineiros, gaúchos. Você lembra um pouco disso? A imprensa, a torcida,
tinham muito dessa... Contava-se quantos jogadores de cada estado ia para a seleção:
tem mais paulista, tem mais carioca. Isso sumiu porque, enfim, as pessoas vão jogar
agora no exterior, então não tem muito mais isso. Mas naquela época tinha isso muito
forte. Como era isso? Você era um dos representantes de Minas: você, o Éder.
L.F. – Era uma vantagem. Por um lado era uma vantagem que o treinador tinha
que os jogadores... Na época, o único jogador que jogava fora era o Falcão. Então, o
Telê teve esse tempo todinho para estar fazendo as convocações, os jogadores todos
aqui jogando no Brasil. Então isso foi uma vantagem. Agora, o bairrismo existe. Isso até
hoje. Infelizmente, existe um bairrismo muito grande. O jogador mineiro, para chegar
em uma seleção brasileira, ele tem que ser muito diferente, tem que ser diferenciado e
muito, porque existe um bairrismo, já existia na minha época. A gente só foi convocado
porque a gente era diferenciado e jogava futebol mesmo, todos nós mineiros. Porque
infelizmente existe essa diferença de São Paulo e Rio de Janeiro. Esse bairrismo existe
até hoje, a gente sabe, a gente não pode esconder isso. E isso é uma coisa chata, porque
é um Brasil só, não existem dois Brasil, é um Brasil só que existe e quando você faz
uma convocação não interessa de qual estado que é, você vai lá representar sua pátria, o
Brasil. Não interessa, você tem que ser a pessoa qualificada para estar fazendo aquilo,
você tem que ser craque, e se você é craque está na seleção.
P.F. – Mas você chegou a sentir no seu cotidiano no...?
L.F. – Muito.
P.F. – Como?
Transcrição
25
L.F. – Com a imprensa. A imprensa forçando – na época era o Edinho29 que era o
meu substituto – e a imprensa carioca forçando a entrada do Edinho no meu lugar. Isso
aí aconteceu muito. É como eu falei, isso é chato. É chato porque pode ter as escolhas
deles, mas desde que você não esteja cumprindo com aquilo que foi determinado ou que
não esteja tendo uma atuação do nível de seleção brasileira. Aí tudo bem, até a gente
mesmo reconhece. Mas eu não, eu estava dentro do padrão da seleção brasileira de
1982, de jogadores, de craques. Existiu esse bairrismo aí comigo, não só comigo, com
vários jogadores da seleção brasileira, na época aconteceu e muito.
[FINAL DO ARQUIVO I]
P.F. – Isso afetava o relacionamento de...?
J.F. – Então quer dizer que forçavam para o Edinho?
L.F. – Forçavam, e ele também forçava. Não vou falar aqui porque é chato, mas a
mulher dele foi para a Rede Globo, para dar entrevista no [INAUDÍVEL], dizendo que
ele que tinha que jogar.
P.F. – Então isso afetava um pouco o relacionamento interno?
L.F. – Lógico, isso afeta. E essa coisa de falar que jogador está unido é mentirada,
é da boca para fora. Você está comigo, está na seleção, você não quer jogar na Copa do
Mundo não?30 Você quer ficar na reserva? Todo mundo quer jogar, meu filho. Aí é todo
mundo tentando... É aquele tipo de coisa, a gente não vai sair falando, mas eu ainda
falo, eu não ligo não. Eu falo porque é verdade. Muita gente não fala...
J.F. – E a imprensa do Rio tem uma força.
29 Edino Nazareth Filho
30 Trecho da entrevista não foi capturado em vídeo
Transcrição
26
P.F. – Na época tinha até mais, não é?
L.F. – E como! E Como!
J.F. – Eu queria, antes ainda de entrar na Copa de 1982... Porque tem uma
excursão que é muito bem sucedida e que tem um impacto muito grande também, que
inclusive coloca o Brasil como favorito. O Brasil excursiona pela Europa, vence a
Inglaterra, a França e a Alemanha e nessa excursão jogavam: Sócrates31, Falcão, Zico e
Reinaldo. Também era um momento de muito brilho de Reinaldo que, no entanto, acaba
sendo cortado da seleção brasileira. Você avalia que o Reinaldo fez falta, que ele
complementava o time?
L.F. – Sem dúvida. O Rei era um grande jogador, um jogador diferenciado
também. É lógico que fez falta, até mesmo porque já vinha jogando esse mesmo time,
não é? Então já tinha entrosamento. Telê poucas vezes mexia. Então a gente tinha um
entrosamento espetáculo, que era o entrosamento da seleção brasileira. E é lógico que
fez falta. Mas são coisas que acontecem no futebol. A gente não pode contar com ele,
mas contamos o Serginho32 que também foi um grande jogador, era um artilheiro no
campeonato brasileiro, e que também contribuiu com a sua parcela de estar ajudando o
Brasil a ganhar os jogos que ganhou. Então eu acho que a gente não pode ficar
lamentando: “Ah, perdeu porque o Reinaldo não foi. Perdeu porque não sei quem
machucou”. Não adianta. Eu acho que o Serginho deu conta do recado.
P.F. – Na seleção, você trazia um pouco as amizades do Atlético, o Cerezo estava
lá, o Éder, o Reinaldo durante um tempo. Você já falou que era um ambiente muito
bom, mas para além desses, você chegou a fazer amizade com jogadores de outros...?
L.F. – Ah, se faz.
P.F. – Você fez uma amizade mais forte, para além do grupo, alguma coisa que
foi mais duradoura?
31 Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
32 Sérgio Bernardino, o Serginho Chulapa
Transcrição
27
L.F. – Com certeza, fiz grandes amizades, são meus grandes amigos até hoje: o
Serginho Chulapa, o Pita33, o Júnior, o Zico. Essas pessoas todas que a gente conviveu.
Foi uma convivência boa, de amizade. Quando a gente... É muito difícil estarmos nos
encontramos, mas nas oportunidades que a gente tem de encontrar, a gente conta
história e é prazeroso esse encontro quando a gente tem essa oportunidade.
P.F. – De novo, uma das últimas antes de a gente entrar na Copa, nos jogos
propriamente ditos. Mas esse é um momento também especial para o país, porque o
Brasil estava saindo de uma ditadura, estava redemocratizando. Isso afetou um pouco o
mundo do futebol, tinha lá o famoso Sócrates, Casa Grande, Democracia Corintiana...
mas tinham outras coisas acontecendo diferentes também, na torcida mesmo:
manifestações, não só na coisa política, mas na coisa dos costumes, eu lembro... já li
coisa sobre Flagay, de ter ampliado o mundo de futebol que era um mundo muito
fechado, não é? Você percebia isso na época? A política entrava um pouco... Por
exemplo, Sócrates falava de política com você, os jogadores falavam de política em 82?
L.F. – Não, não. Eu não me lembro de ter acontecido nada diferentemente de estar
vivenciando aquela Copa do Mundo mesmo. Não senti nada disso. Podia até estar
acontecendo por fora, mas a gente estava tão focado na Copa do Mundo que não deu
para a gente perceber nada. De comentário, de nada. Não se comentava em política
dentro da seleção brasileira. Então não teve envolvimento nenhum político que fosse
passado para nós jogadores. A gente era bem cercado dessas coisas que estavam
acontecendo a não ser o futebol e a Copa do Mundo.
P.F. – Antes da Copa vocês chegaram a ir visitar Presidente, teve isso?
L.F. – Não, não teve. Não me lembro disso não. Não me lembro.
P.F. – Relação com política... Se aproximar?
L.F. – Não, não teve nada. Pelo menos eu não me lembro disso, de ter esse
contato com algum Presidente da República na época. Era presidente da entidade que
33 Edivaldo Oliveira Chaves
Transcrição
28
era o Giulite Coutinho34. Nós tivemos a oportunidade de ficar três meses aqui na Toca
da Raposa, quer dizer, enclausurado, não é? Quer dizer, não tivemos contato nenhum
com relação à política, a nada.
P.F. – E vocês também não falavam sobre isso?
L.F. – Não se falava.
P.F. – Podemos ir para a Copa. [risos] Conta um pouco desse momento. Vocês
ficaram aqui na Toca da Raposa, como foi esses momentos que antecederam a ida para
a Espanha?
L.F. – É, foi um momento de convivência mesmo, de estar junto. Você passar três
meses... É como eu falei, a gente teve essa sorte de ter todos os jogadores jogando no
Brasil, só o Falcão que não jogava, jogava no Roma. Então... foi muito bom para o
relacionamento, a convivência que a gente teve de conhecer um ao outro. Dentro de
campo também foi uma maravilha, o entrosamento.
P.F. – As famílias frequentavam?
L.F. – Frequentavam. Tinha as folgas. Quem não era daqui de Minas, o pessoal
vinha, a família vinha. A gente que morava aqui em Minas tinha a oportunidade de vir
em casa rever a família e tal. Mas tinham as folgas. Foi uma maravilha, foi muito boa
essa convivência que a gente teve.
P.F. – Vocês estavam confiantes?
L.F. – Confiantes, confiantes porque nós tivemos a oportunidade de fazer alguns
amistosos e de estar conseguindo ganhar da Alemanha. Pegamos uma confiança muito
grande. Alemanha, França e Inglaterra, foram três grandes jogos e três barras que foi
para ter aquele convencimento mesmo de que a seleção estava no caminho certo, não é?
Isso foi muito bom para a gente.
34 Presidente da CBF entre 1980 e 1986
Transcrição
29
P.F. – Bem, aí vocês vão para a Espanha e o primeiro jogo é com a União
Soviética, não é?
L.F. – Aí vamos para a Espanha.
P.F. – Jogo duro, não é?
L.F. – Jogo duro, jogo difícil. Por aí você vê o bairrismo que existe, na época eu
sofri isso também, porque não foi um jogo fácil. Foi o primeiro jogo de estreia do Brasil
e nós tivemos alguns lances que ficaram marcados, porque nós tivemos a felicidade de
vencer o jogo de dois a um. E nesse jogo algumas pessoas da imprensa começaram a
querer me tirar mesmo da seleção. Teve um lance que para mim não foi pênalti, a
própria imprensa brasileira queria que fosse pênalti, insistindo que o juiz teria que dar
esse pênalti contra a Rússia. Quer dizer, isso tudo é um bairrismo. Então, isso me
deixou um pouquinho chateado, mas a gente tem que continuar a vida e eu tirei de letra
e continuei jogando.
P.F. – Essas notícias chegavam lá? Vocês liam os jornais?
L.F. – Jornais mesmo.
P.F. – Chegavam os jornais do Brasil lá?
L.F. – Os jornais do Brasil que chegavam para gente e a gente via os comentários.
A gente ligava também para a casa para saber, os familiares falando, chateados também,
falando: “Fulano de tal da imprensa falou que foi pênalti e não sei o quê”. Quer dizer,
isso tudo acontece. Como eu falei: no Brasil, quando você não ganha a Copa Mundo,
vai ter que sempre arrumar alguém culpado. Eu lembro do Roque Júnior35 falando isso
uma vez quando o Brasil não ganhou: “Vamos ver quem eles vão arrumar para culpa”.
E ele já estava sabendo que era ele que ia ser o culpado. Isso é uma coisa chata. É triste.
O brasileiro é muito complicado.
35 João Vitor Roque Júnior
Transcrição
30
P.F. – Um jogador que foi muito contestado nesse jogo contra a União Soviética
também foi o Waldir Peres36 por conta do gol, acho que o primeiro gol, o único gol da
União Soviética que teria sido um frango e etc. Você lembra disso? Como isso ficou
impactado, como isso bateu nos jogadores?
L.F. – Ah, mas fica. Por mais que fala que não, fica. Quantas vezes ele salvou a
seleção brasileira? Quer dizer, na memória das pessoas só fica aquilo ali, da falha ali na
hora. Mas ele foi um goleiro que sempre salvou muito o Brasil.
P.F. – Eu sei, mas assim, naquele momento você tem lembranças da reação dele,
da reação dos jogadores em relação ao frango?
L.F. – Ah não. A gente, dentro de campo, aí a gente já pega a bola: “Vamos
embora. Vamos tentar virar o jogo”. É o que a gente quer, até mesmo para dar uma
resposta, até mesmo para o companheiro: “Estamos aqui com você. Levanta a cabeça e
vamos partir para outra. E vamos tentar ganhar”. Era o que a gente fazia.
P.F. – O Waldir Peres era parte desse grupo... Era bem integrado?
L.F. – Muito bem integrado. Foram poucas as desavenças que tiveram dentro da
seleção brasileira. Eu não me lembro se foi uma ou duas coisas que aconteceram de
discussão de um com outro. Mas foi raríssimo isso, pouca coisa acontecia em 1982.
P.F. – Certo. Bem, o Brasil vira esse jogo com dois gols bem bonitos do Sócrates
e do Éder, não é?
L.F. – É, foi bom porque aí as pessoas já vêem de outra maneira, não é? Com
todas as falhas que às vezes aconteceram, aí já vê de outra maneira porque já venceu. E
futebol é isso. Independentemente de falhas e erros que aconteçam, o importante é
vencer. Eu queria ter um monte de falha naquele jogo contra a Itália, que o time do
Brasil todo falhasse, mas a gente conseguisse conquistar a classificação naquele jogo.
Esse jogo, infelizmente... Jogamos tão bem e não conseguimos ganhar... classificar.
36 Waldir Peres de Arruda
Transcrição
31
P.F. – Depois desse jogo contra a União Soviética, o Brasil tem uma sequência de
três jogos que são considerados entre os melhores jogos da seleção de todos os tempos,
que é com a Escócia, com a Nova Zelândia e com aArgentina. Conta um pouco desse...?
Aí vocês entraram em uma ascensão que parecia irresistível. Só iam parar na final, não
é? Porque o jogo contra a União Soviética foi um jogo duro. O Brasil jogou bem, mas a
União Soviética também poderia ter ganhado, foi um jogo parelho. Os outros três jogos
não, foram jogos de encantamento, não é? O que foi isso? Conta um pouco esse...
L.F. – A Copa do Mundo é isso, não é? O primeiro jogo é sempre assim mesmo,
aquele jogo de nervoso. Isso acontece mesmo, jogo de estreia. E nesse jogo não foi
diferente, apesar de ter uma grande seleção, mas era um jogo de estreia e o Brasil não
foi tão bem. Mas isso valeu, eu acho que valeu para estar nos alertando de que a gente
não era imbatível, que teria que jogar muito mais do que a gente jogou no primeiro jogo
para estar conseguindo vencer. E isso a gente conseguiria fazendo grandes espetáculos e
vencendo os jogos. É o que Telê falava: vai depender da gente, depende da gente de
estar trazendo o torcedor brasileiro para o nosso lado. E foi o que a gente fez, depois
foram três grandes jogos. Contra a Argentina, então. Principalmente contra a Argentina
que é a rivalidade que existe: Argentina e Brasil. Esse jogo, então, foi um espetáculo. Aí
realmente o brasileiro começou a pegar essa confiança de achar que a gente era
imbatível mesmo. Mas, infelizmente, no futebol não existe isso, infelizmente, não existe
time imbatível.
P.F. – Desses três jogos, você acha que o ápice mesmo é o contra a Argentina?
L.F. – Contra a Argentina. Aí que a gente sentiu: “Opa, espera aí. A gente tem
tudo para conquistar a Copa do Mundo. Vamos pegar firme que a gente tem condições
de levantar o caneco”. Mas aí o torcedor eufórico que estava aqui no Brasil, todo mundo
com uma euforia danada, com essa confiança de que a gente poderia conquistar a Copa
do Mundo, mas aí entrou a Itália no caminho da gente. Eu sempre digo: esse jogo foi
histórico, realmente, porque, se a gente tivesse jogando, até hoje a gente não ganharia da
Itália. Se a gente tivesse jogado a noite inteira, a gente não ia ganhar. Naquela tarde a
gente não ganharia da Itália. Se fosse um jogo no outro dia ou dois dias depois, a gente
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32
com certeza ganharia da Itália. Aquela foi uma tarde que era da Itália, não era do Brasil,
porque nós tivemos duas chances de classificar, tivemos dois empates. Eu vou ser
sincero, eu fico lembrando desse jogo e com todos jogadores experientes que a gente
tinha e não teve ninguém para chamar quando empatamos a segunda vez os dois a dois:
“Gente, espera aí, não vamos atacar mais não, vamos ficar aqui defendendo. O empate é
nosso, vamos jogar pelo resultado”. Mas a nossa seleção era tão boa e jogava o futebol
para vencer, que a gente achou que ia ganhar o jogo. E nós tivemos duas chances de
classificar empatando. Empatamos um a um, empatamos dois a dois. E continuamos
jogando para ganhar o jogo e não jogamos pelo resultado. Isso aí foi uma frustração
muito grande, porque, como eu falei, nós tivemos duas oportunidades e não soubemos,
naquela tarde, fazer o futebol que teria que fazer para jogar fechado e... Júnior, Zico,
jogadores mais experientes, Falcão, Cerezo: “Os laterais não sobem mais. Fica, vamos
marcar o meio, vamos descobrir aqui o meio”. Sei lá, tinham várias maneiras de estar...
Até mesmo fazer substituições por jogadores que marcavam mais, porque a gente tinha
uma seleção que do meio para frente era um espetáculo para jogar, jogava o futebol arte
mesmo, para frente, para vencer e não podia mudar essa característica, o Telê não
mudava. Mas tinha jogadores no banco também que tinham condições de jogar
diferente, que o time pudesse jogar diferente, marcando mais. E isso não aconteceu. Por
isso a gente...
P.F. – Você acha então que foi um pouco de autoconfiança excessiva?
L.F. – Com certeza, e falta de humildade de a gente saber que: “Olha, já
empatamos duas vezes. Não está dando para ganhar? Vamos jogar para defender aqui,
vamos fechar aqui e vamos empatar que com o empate a gente se classifica. A gente
está em uma semifinal, numa final”. E isso não aconteceu.
P.F. – Mas aí, sem querer crucificar ninguém, o técnico tem alguma
responsabilidade nisso, no seu modo de ver?
L.F. – Ah, penso que agora não é nem o momento de a gente estar falando nisso,
porque na época, pela característica... Era a confiança do time que tinha, a maneira que
o time jogava. Era assim que jogava a seleção brasileira. A seleção brasileira conseguiu,
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33
em 1982, conquistar a confiança do torcedor brasileiro, da imprensa, de todo mundo
jogando daquele jeito. Não é? Só que faltou em nós mesmo, em nós jogadores, na
época, ter a humildade de falar: “Opa, não é o dia da gente”. Porque no futebol acontece
isso, tem dia que não tem jeito, não é o dia, então você tem que ter a humildade de estar
jogando atrás, jogando pelo resultado. E isso influenciou muito, foi muito ruim para o
futebol brasileiro: a derrota da seleção de 1982. Porque aí entrou a era Parreira que era
de jogar pelo resultado, aí o futebol perdeu a qualidade.
P.F. – O Cerezo teve aquela falha no primeiro gol do Paolo Rossi37, reza a lenda
que ele teria entrado no vestiário chorando, que teria tido um certo momento emocional.
Isso aconteceu mesmo, você pode falar para gente?
L.F. – Foi um momento triste. Não só dele, nosso também. Porque... A gente
estava tão acostumado a sair com bola daquele jeito que... bola foi tocada para o meio,
só que houve uma desatenção não só dele, mas de todos nós. Isso aí não podemos culpar
o Cerezo, eu acho que todos nós fomos culpados porque... Aí realmente houve um
descontrole emocional, não só dele, mas de todos nós.
P.F. – Eu revi o jogo para poder fazer a entrevista. Logo depois ele
[INAUDÍVEL] e faz outro gol, não é? Teve realmente uns cinco minutos ali de pane
logo depois do gol do Paolo Rossi. A Itália que estava sendo dominada, passou a
dominar o jogo. Aí sai o gol do Sócrates e dá para perceber que a seleção... O Zico mete
uma bola para o Sócrates e o Sócrates faz um gol. E aí a seleção respira e volta a tocar
bola, mas teve uns cinco ou dez minutos de pane geral. Foi isso mesmo?
L.F. – Foi isso mesmo que aconteceu, porque a gente estava vendo os jogos da
Itália e ela estava mal dentro da competição, estava dando dó da Itália. Inclusive, a
gente comentava: “Tomara que a gente pegue a Itália”, porque eles não estavam bem. E,
como eu falei, no futebol, infelizmente... É a única coisa que acontece... Não vou me
especializar no vôlei, nessas coisas... no tênis que é individual... o cara é fera, o cara vai
ganhar mesmo, dificilmente vai perder, mas no futebol não, você pode ser o melhor,
37 O “Bambino d’Ouro”, jogador italiano
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mas nem sempre você ganha. Como aconteceu com a gente, a gente era o melhor,
torcemos para que fosse a Itália, inclusive. Pode não ser todos os jogadores, mas a gente
ficava assim: “Opa, tomara que seja a Itália que está mal dentro da competição e a gente
despacha a Itália”. E caiu a Itália e foi a tarde dela, infelizmente não foi a do Brasil. Foi
com muita tristeza que a gente desclassificou e para nós, jogadores lá, sabendo da
tristeza que ficaram todos os brasileiros aqui, confiantes em ganhar a Copa do Mundo e
a gente não conseguir dar essa alegria para todo o brasileiro, para a gente foi um
momento de tristeza. Eu lembro que a Itália, depois que ganhou, pegou essa confiança
que ganhou da melhor seleção que estava dentro da competição que era realmente o
Brasil – não sou eu que estou falando, toda imprensa, todo mundo falando do futebol
maravilhoso que estávamos jogando. Ela pegou essa confiança, tanto que foi a campeã
do mundo.
J.F. – Luizinho, o Paolo Rossi te surpreendeu? Era um atleta, assim, que você
contava marcar com uma atenção especial ou até aquele momento não te tinha chamado
a atenção?
L.F. – Não tinha porque não estavam bem e ele fez só esse jogo. Ele fez só esse
jogo que eu digo, assim, os três gols na gente que está na história aí. Todo lugar que
você vai todo mundo lembra do Paolo Rossi que acabou com o Brasil e foi a tarde dele
mesmo nesse jogo.
P.F. – O lance do terceiro gol deles é um lance confuso, não é? É uma bola que...
Você lembra desse lance? Foi um gol meio assim, a bola quicou para tudo quanto é lado
e daqui a pouco está ele ali... [riso]
L.F. – Lembro, foi uma bola que jogaram dentro da área, bateram uma bola na
área...
P.F. – Foi um corner, não é?
L.F. – Foi um corner e a gente tinha essa coisa de sair todo mundo. Quando
batesse a gente saía, tirava a bola, alguém tirava. Então a bola que resvalasse em alguém
da Itália, em qualquer jogador, a gente saía todo mundo e foi o que nós fizemos:
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rebatemos a bola e saímos. O Júnior ficou de baixo da trave, ele não saiu. E ele pegou...
O Paolo Rossi teve essa sorte também, desatenção que todos nós tivemos, e fez esse
terceiro gol. Aí já estava ficando tarde para a gente reagir. Nós ainda tivemos a
cabeçada do Oscar que nós vibramos como se tivesse entrado, mas deu para ver que a
bola não entrou, nós tentamos enganar o árbitro vibrando para ver se ele dava o gol.
Mas realmente o Zoff pegou em cima da linha e a bola não entrou. Aí não entrou e
realmente foi o fim da gente, foi o fim da Copa do Mundo de 1982. Foi uma choradeira
depois, sabe? Todo mundo chorando, triste, porque com tudo que a gente passou, com
tudo que a gente passa para chegar a uma Copa do Mundo, para dar alegria ao torcedor
brasileiro e você não conquistar é muito triste. Então foi uma tristeza geral... dentro do
vestiário e depois na concentração, foi muito triste.
P.F. – E o Telê, como o Telê reagiu ali nesse momento de tristeza? O que ele fez?
L.F. – Para te dizer a verdade, eu me lembro que dentro do vestiário não se falava
nada, como se tivesse morrido alguém, um ente querido. A sensação foi essa, como se
tivesse perdido uma pessoa muito querida da família. Todos nós, todo mundo muito
chateados. Sem falar nada um com outro. Simplesmente pensativo e de cabeça baixa,
alguns chorando de tristeza. Não foi fácil. Mas, enfim, era a vida da gente. Foi jogar
futebol, a carreira e você tem que passar por cima disso tudo; são derrotas, vitórias.
Você tem que conviver com isso e lidar com isso sabendo viver dessa maneira.
J.F. – Luizinho, você jogou com grandes jogadores e eu queria, por favor, que
você comentasse especialmente dois: o Sócrates, o que era jogar com o Sócrates e
conviver com ele; e também recuperar um pouco, você jogou contra o Maradona38 no
Brasil e Argentina. Por favor, então, o Sócrates e o Maradona.
L.F. – É, o Sócrates foi um gênio, não é? Foi um gênio... Com aquele tamanho,
com aquela habilidade, com o pé calçando trinta e seis ou trinta e sete, não sei. O
Sócrates foi um gênio, um grande jogador, de uma inteligência jogando futebol que
poucos têm. E o Maradona... Depois do Pelé realmente, para mim, é o Maradona. Eu
38 Diego Armando Maradona, jogador argentino
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tive a oportunidade jogar contra várias vezes, não só na seleção como na taça UEFA39
também, ele jogando pelo Napoli e eu jogando pelo Sporting de Portugal. O Maradona
também é um gênio do futebol, um jogador versátil, um jogador de uma habilidade
muito grande. Com toda aquela habilidade dele, com aquela perninha esquerda dele, foi
o jogador que... Poucos jogadores eu vi fazer o que o Maradona fez no futebol. Então
para mim foi um dos craques que eu tive o privilégio de jogar contra.
P.F. – E o Sócrates para além das quatro linhas, na convivência, na concentração,
como era?
L.F. – O Sócrates era tranquilo. Na concentração, às vezes, ele gostava de
conviver mais com o pessoal do Rio. Ele era paulista, mas puxava o “s” falando carioca,
gostava de ficar no meio dos cariocas para falar carioca, não é? Então a gente morria de
rir do Sócrates. Tivemos uma convivência muito boa. Ele era um grande companheiro,
um grande amigo. Era bom de conviver com ele também.
P.F. – Bem, acabou a Copa de 1982. Como foi a volta, o retorno, essa
recuperação? Porque foi um baque pessoal e coletivo...
L.F. – Demorou.
P.F. – Você sonhava com esse jogo?
L.F. – Até hoje, até hoje eu fico assim: “Meu Deus”. Sabe? A gente sonha que ia
ser diferente e podia ser diferente, não é? Mas, é... Foi muito difícil. Eu tenho certeza
que não só para mim, mas como todo o elenco, todos os jogadores que disputaram, que
jogaram esse jogo, que estiveram junto do grupo, que disputaram essa Copa de 1982,
porque era muita confiança de ser campeão, o time era muito bom. Então, a gente tinha
uma confiança muito grande que iria conquistar essa Copa do Mundo. Não
conseguindo, viemos de embora. É como eu falei, é como se tivéssemos perdido um
ente querido mesmo. Para acabar com aquela dor foram tempos e tempos, não foi de um
dia para o outro não. Mesmo a gente chegando ao Brasil, nos clubes nossos tendo que
39 União das Federações Europeias de Futebol (em inglês: Union of European Football Associations)
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37
disputar campeonatos, outros torneios, aquela dor ali ficou muito tempo, muito porque
para o brasileiro... Como eu falei, ganhar é fácil, agora perder fica... Cansei de ir a
alguns jogos, jogar em alguns estádios e o pessoal gritar o nome do jogador da Itália que
fez o gol na gente: “Paolo Rossi, Paolo Rossi”. A gente cansou de ouvir isso, e... Mas é
aquela coisa do brasileiro mesmo de gozação, de tirar sarro. Quando vai jogar contra o
time dele, ficava lembrando que a gente tomou esses gols do Paolo Rossi. Mas foi muito
difícil para a gente conseguir esquecer esse jogo.
P.F. – E você volta para o Atlético?
L.F. – Aí eu volto para o Atlético. Joguei mais sete anos no Atlético.
P.F. – Mas esse já era um momento em que o Atlético já era mais, digamos, o
esquadrão que tinha sido no final dos anos 1970, início dos 1980. Já está em uma fase
mais decadente, talvez a gente possa dizer. Como foi isso?
L.F. – Não foi nem decadente, mas por troca de jogadores... alguns jogadores já
estavam saindo para fora do país, tendo outras oportunidades fora, indo para outros
clubes. Então foi se desfazendo dessa grande equipe. Assim como o Flamengo também
foi se desfazendo. Mas foi uma geração ainda que ganhou muita coisa.
P.F. – Mas praticamente você fica como um dos últimos remanescentes daquele
esquadrão. Isso criou uma relação especial entre você e a torcida, não é isso?
L.F. – Torcida maravilhosa. É uma torcida que eu amo até hoje de paixão, é a
torcida do Atlético. Porque a identificação foi muito forte desde lá quando eu comecei,
aos dezoito anos... Então, para mim, foi muito importante essa torcida do Atlético, de
gritar meu nome, de entrar em campo e ser ovacionado por ela. E só sai do Atlético
porque chegou um momento que... Eu já estava há onze anos no Atlético, e todo mundo
entrando e saindo e tendo a oportunidade de jogar fora, e o presidente não queria me
vender. Mas quando chegou a hora, eu falei: “Agora eu tenho uma oportunidade de
jogar fora do país e eu tenho que ir embora”. Foi com muita dificuldade, a torcida
chegou a quebrar a sede do Atlético, e... mas era um momento que eu tinha, era uma
Transcrição
38
oportunidade única de jogar fora do país. Era a minha vontade e tudo deu certo, e eu fui
muito feliz fora do país também.
P.F. – Mas antes disso, depois de 1982, tem a Copa de 1986, não é? Entre 1982 e
1986, você voltou a jogar com seleção, como foi?
L.F. – Voltei a jogar só que era com o Parreira.
P.F. – Quando o Telê sai, entra o Parreira?
L.F. – Isso. Aí já tinha aquela coisa, igual você falou lá no princípio da entrevista,
negócio de tamanho, que não sei o que... ele não era muito meu fã. Isso acontece, é
normal, dele ter a preferência dele. Ele tinha preferência de outros jogadores. Eu
cheguei a ser convocado, mas logo depois fui cortado. Depois veio o Telê, aí eu falei:
“Opa, estou de volta, com certeza, porque ele conhece o meu futebol e tal”. Mas aí ele
já não me convocou e eu fiquei extremamente abatido porque eu já estava com a
experiência que eu tinha de vinte e oito, eu falei: “Agora é a oportunidade”. Eu fui
muito novo e não deu para sentir, fui tranquilo. Então com experiência agora, com vinte
e oito anos, com certeza vai ser diferente, eu vou estar mais experiente e tal para
disputar a segunda Copa do Mundo. Infelizmente ele não me convocou. E aí eu fiquei
bastante sentido, tanto que depois eu fui com uma excursão com o Atlético para fora,
era o Palhinha40 o treinador, nós ficamos vinte dias fora do país e quando estávamos
voltando o Palhinha tinha caído. E o Telê estava voltando para o Atlético. Eu falei que
se ele estivesse voltando para o Atlético, eu não ficaria no Atlético, com o Telê Santana
eu não jogaria. É porque eu fiquei muito chateado, porque ele levou quase todo mundo
para a Copa do Mundo que disputou de 1982. E os únicos que ele não chamou fui eu, o
Serginho e acho que o Éder, que não estavam voltando para disputar a Copa do Mundo
de 1986. Então isso deixou claro que estava culpando de alguma coisa. Isso me chateou
muito, por isso eu dei declaração na época de que se o Telê estivesse voltando para o
Atlético, eu não voltaria para o Atlético, gostaria de sair do Atlético. Aí deu uma
repercussão muito grande. No momento, às vezes a gente chateia e eu senti que tinha
40 Vanderlei Eustáquio de Oliveira
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39
que falar o que estava sentido. Eu não ia guardar aquilo. Mas depois passou, sentamos,
conversamos e entramos em um acordo e eu continuei jogando no Atlético.
J.F. – Você acha que naquele momento você vivia uma boa fase, com uma
experiência acumulada de 1982. Então, você acha que estava em um bom momento em
1986?
L.F. – Também. Estava jogando pelo Atlético, estava bem, em um ritmo legal,
jogando, não tinha contusão nenhuma. Por isso eu fiquei chateado, porque no fundo no
fundo... É aquilo que eu falei, aquela coisa de imprensa... força muito, jogador paulista,
carioca. É o bairrismo que eu falei que existe. Isso infelizmente tem mesmo e em 1986
não foi diferente também.
P.F. – Quais foram os jogadores...?
L.F. – Foi o Júlio César e o Edinho que jogaram, jogaram os dois. Então ele me
preteriu, mas fazer o quê? Isso acontece.
J.F. – Agora, Luizinho, você toca no assunto importantíssimo que é uma
determinada concepção de futebol que acabou prejudicando, de fato, o zagueiro
talentoso. Então se privilegia tamanho, força física, em detrimento da técnica. Você
acha que, de fato, parte da crise do futebol brasileiro passa por esse tipo de escolha?
L.F. – Também, mas é como eu falei, o Brasil não conseguindo conquistar a Copa
de Mundo de 1982, influenciou as outras gerações que vieram de jogarem pelo
resultado. Isso em função de 1982 não ter conquistado, porque se tivesse conquistado, é
lógico que a geração ia vim de futebol arte. Então eu lembro muito bem do que o
Parreira falava: “O importante é ganhar, não importa como”. Então isso fez com que o
Brasil já não preocupasse mais em ter jogadores técnicos, o importante seria o
condicionamento de jogar pelo resultado. E isso influenciou muito em 1990 e daí para
frente. Então eu acho que isso foi prejudicial sim aos chamados craques que por ventura
poderiam estar vindo.
Transcrição
40
J.F. – Mas especificamente na tua posição, assim, quando você acompanha hoje o
futebol brasileiro você sente toda essa perda de qualidade?
L.F. – Principalmente na minha posição, porque o zagueiro hoje não pode ter
menos de um metro e noventa. Você vê os zagueiros todos grandes, mas tecnicamente
não são grandes jogadores. Você vê goleiro hoje... Waldir Peres, quem da época mais
baixo que... Tiveram vários. Na época minha... O João Leite já tinha o porte físico
maior, mas o Waldir Peres, em 1982, com certeza se fosse agora não jogaria pelo
tamanho dele. O Paulo Sérgio que jogou pelo Botafogo, que era o goleiro reserva...
Então esses jogadores com certeza não jogariam como eu também não jogaria de
zagueiro.
P.F. – Bem, fala um pouco dessa experiência... Então, em 1986, você acaba não
convocado, assiste a Copa pela televisão, provavelmente. Quando é mesmo que você
vai para o Sporting?
L.F. – Eu fui em 1989.
P.F. – Um pouco antes da Copa de 1990. Ali você achava que não tinha mais...?
L.F. – Não, já não dava mais.
P.F. – Depois de 1986, nunca mais você voltou para a seleção?
L.F. – Nunca mais voltei.
P.F. – Depois desse episódio que você contou. Aí seleção acabou na tua carreira?
L.F. – Encerra meu ciclo na seleção brasileira. E conscientemente, porque a gente
sabia da idade.
P.F. – Isso influenciou, de alguma forma, querer ir para o exterior, falar: “Bem,
agora vou tentar uma outra experiência”?
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41
L.F. – Influenciou, porque eu já tive várias oportunidades só que o presidente do
Atlético, na época era o Kalil41 pai, ele não me vendia. Tive várias oportunidades de sair
do Brasil e ele não me vendia.
P.F. – Mas você já estava cogitando? Mesmo quando ele não queria, você já
estava cogitando?
L.F. – Já tinha vontade porque financeiramente seria interessante;
profissionalmente, conhecer outra língua, jogar fora com um outro estilo de futebol que
se joga na Europa, de aprender mesmo. Mas tudo acontece quando Deus quer e
aconteceu no momento que tinha que acontecer e como eu falei, eu tive muita alegria de
jogar onde eu joguei que foi no Sporting de Portugal e valeu a pena.
P.F. – Com que idade você foi para o Sporting?
L.F. – Eu fui com vinte e nove anos. Já fui tarde. Hoje o garoto sai novo para
jogar fora, e eu já fui com uma certa idade.
P.F. – E conta um pouco essa experiência lá em Portugal.
L.F. – Ah, foi bom. Eu cheguei em Portugal, assustei um pouco porque eu queria
levar a minha família logo de cara e você para adaptar é muito difícil, não é fácil você
ter que se tornar profissional. Infelizmente aqui no Brasil ainda se passa muita mão na
cabeça de jogador de futebol, e lá você tem que ser primeiro profissional, porque senão
você não fica, independentemente de nome. Eu fui chegando e o jogador que jogava na
minha posição, os dois zagueiros eram da seleção de Portugal, eu falei: “Meu Deus do
céu, aonde eu vim parar?”. Mas eu falei: “Vou confiar no meu futebol”. E fui embora. E
no primeiro jogo que eu fiz, eu estava no banco e logo depois eu entrei para jogar e já
comecei a mostrar o meu estilo, e começaram a me aplaudir. Aí eu fiquei de titular logo
no outro jogo e fui acarinhado por todos os portugueses, e eu tenho amizade até hoje, a
gente se fala muito, e eles sentem saudades até hoje. Então foi uma passagem muito
boa, foi bacana. E logo em seguida eu levei a minha família. Então a adaptação com a
41 Elias Kalil
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42
família foi muito fácil. Eu fiquei lá quatro anos e tinha mais dois anos de contrato, mas
eu não quis ficar mais – eu não, a minha esposa não quis ficar mais. Então eu optei por
vir embora, porque chegou a hora... Essa vida da gente de jogador é muito complicada,
em todos os sentidos. Igual eu falei, todo mundo acha que quando está lá em cima é
muito fácil ganhar dinheiro, mas para a gente chegar lá aonde a gente chega... O
importante é a gente saber a hora de parar e eu senti que estava na hora de vim embora
para casa, que já deu, que já estava suficiente para eu ter uma qualidade de vida boa
com a minha família, com a minha esposa e com os meus filhos. Eu tomei a decisão de
vir embora e aí eu vim para o Cruzeiro. Joguei mais três anos aqui no Cruzeiro e
conquistei grandes títulos aqui pelo Cruzeiro também.
P.F. – Agora, lá em Portugal ainda... O que você achou de mais diferente do ponto
de vista do jeito de jogar futebol, do jeito de treinar? O que era diferente que você...?
L.F. – É tudo diferente, o estilo, o treinamento, é tudo diferente...
P.F. – Qual era a diferença principal do treinamento, por exemplo?
L.F. – Você se condiciona fazendo a preparação. Não tem esse negócio igual aqui
no Brasil de você ir para um lugar e ficar treinando fisicamente. Os portugueses lá iam
para a Alemanha e lá já começavam a fazer jogos, treinando e condicionando.
Condicionava jogando. E aqui no Brasil você vai para um lugar e você começa a treinar
físico e depois que você vai começar a jogar. E lá não, você já começa a jogar. A
preparação são os jogos que você tem. É lógico que todo mundo joga, todos os
jogadores, são vinte e cinco, e todos os vinte e cinco jogadores vão para o jogo. Você
entra meia hora, quarenta minutos, o tanto que você vai aguentando e vai se
condicionando. E um futebol mais pegado, um futebol de carrinho. Eu não tinha essa
característica e tive que me adaptar um pouco em relação a isso. É muito frio, chuva,
então o campo fica muito molhado e proporciona para que o jogador dê muito carrinho.
Então chegava jogos lá que não chovia e eles molhavam o campo, porque tinha que dá
carrinho. E eu para me adaptar foi muito difícil nesse sentido. Mas valeu, consegui me
adaptar.
Transcrição
43
P.F. – Em termos de táticas, você sentia alguma diferença na orientação dos
treinadores? Em relação a sua posição, além dessa coisa de ser pegado, tinha: “avança
mais, avança menos”, como era isso?
L.F. – Lá eu jogava como líbero e eu tive a sorte de receber um prêmio com o
Baresi42, o Baresi foi o primeiro da Europa e eu fui o segundo como líbero, um dos
melhores. Então para mim foi muito fácil porque eu gostava de sair jogando e eu como
líbero, a bola passava no meu pé, muitas vezes eu que conduzia a equipe a jogar. Então
para mim foi muito fácil.
P.F. – Isso te deu mais consciência tática de jogo, você acha?
L.F. – Dá e você tem que fazer aquilo taticamente dentro de campo. “A bola tem
que passar assim, assim e assim” é o que o treinador pedia, então você fazia. Eu fazia
isso com muita facilidade vindo de trás jogando com a bola. Então para mim foi muito
tranquilo a adaptação lá.
P.F. – Você falou aí de diferença de profissionalismo entre a Europa e o Brasil.
Você podia falar um pouco mais disso? Porque é um tema forte no futebol brasileiro, na
Europa seriam mais profissionais e aqui menos. Tem a ver com o quê, com os
dirigentes...?
L.F. – Com os dirigentes, desse protecionismo que existe dos dirigentes com o
jogador de futebol no Brasil. Haja vista as oportunidades que são dadas ao jogador
mesmo ele errando, e na Europa não é assim. Independentemente de nome, se você não
está cumprindo com as suas obrigações, se você não está sendo profissional, em todos
os sentidos – treinamento, sua vida fora do campo – você vai ser punido e às vezes não
tem nem chance de se recuperar. E aqui no Brasil não, existe essa proteção com relação
aos jogadores de dirigentes passarem a mão na cabeça de jogador. O cara erra: “Não,
vem cá. Vamos dar uma multinha e acabou”. Isso no fundo, no fundo atrapalha o
jogador de ser um profissional.
42 Franchino "Franco" Baresi, jogador italiano
Transcrição
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P.F. – Isso é um jeito de atrelar o jogador àquele dirigente?
L.F. – Com certeza.
P.F. – Para ele pedir menos dinheiro?
L.F. – Também. Envolve tudo, não é? E isso eu acho que não é bom. Por isso que
poucos jogadores vão para fora e se adaptam, porque se não conseguir entrar no
esquema do profissionalismo... Eu te falo porque eu vivenciei isso. Depois que eu parei
de jogar futebol, me adaptar ao mundo aqui fora muito difícil, porque estava
acostumado a tudo na mão. Eu não sabia como viajava de avião, comprar passagem,
como eu ia fazer. Era tudo entregue na mão. Quer dizer... Então isso é ruim. Depois que
a gente para de jogar futebol, a gente pena muito para entrar no mundo aqui fora. Isso aí
são culpados os dirigentes.
P.F. – Você chegou a ter alguma experiência dessas, digamos, do jogador mais
como uma classe, sindicado, aparecia lá?
L.F. – Muito, existe isso. E aqui no Brasil é cada um para si. Não existe essa
classe de sindicado, de alguém lutar pela classe, é cada um para si mesmo até hoje. Faz
quanto tempo que eu parei de jogar futebol e isso existe até hoje. Não existe uma classe
unida de brigar pelos seus direitos. Hoje o jogador de futebol não tem uma
aposentadoria, isso é absurdo. Uma pessoa que joga aí vinte, vinte dois anos, o tempo
que ele tem, eu acho que teria que ter proporcionalmente uma aposentadoria. Isso não
existe, não tem ninguém que esteja lutando para que isso aconteça. E lá fora é
totalmente diferente, existe sindicado para tudo. Você fica tranquilo, você preocupa em
jogar futebol e tem o seu sindicato ali que, se tiver algum problema, ele vai lutar pela
sua causa. E aqui no Brasil não existe isso, infelizmente.
P.F. – Mas foi na sua experiência lá que você viu isso, que você pode ver com os
seus olhos?
Transcrição
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L.F. – Foi lá que eu vivenciei isso. Eu já sabia que no Brasil era assim, que não
existe essa coisa de ter uma pessoa para lutar pela classe. É uma desunião muito grande
e isso existe até hoje.
P.F. – Bem, então você vai para Portugal e tem quatro temporadas bem sucedidas,
é eleito um dos melhores líberos da Europa. A relação com a torcida era legal?
L.F. – Era maravilhosa.
P.F. – [INAUDÍVEL]
L.F. – Também. E de estar gritando o nome e ser ovacionado. Sabe? Eu fui muito
acarinhado pelo torcedor português, especialmente o sportinguista. Não chega a ser
como a torcida do Atlético, mas igual a torcido do Atlético não existe.
P.F. – Você chegou a ser campeão?
L.F. – Só campeão português.
P.F. – E com isso você disputou as copas europeias...
L.F. – Foi uma experiência muito boa. Foi uma experiência maravilhosa de jogar
com clubes de grandes nomes do futebol mundial. Essa oportunidade é boa. Por isso
que é bom jogar lá fora.
P.F. – E culturalmente, você acha que ir para lá te expandiu horizontes?
L.F. – Com certeza. Culturalmente foi maravilhoso. E valeu a pena.
P.F. – Dá algum exemplo, por favor, do que você acha que sua ida ao exterior te
expandiu horizontes...
L.F. – Exemplo é de você conhecer novas pessoas, vivenciar aquilo lá em
Portugal, a história de Portugal, as oportunidades que a gente teve de sair, de conhecer.
É saber um pouco da história de outro país, não é? Eu aprendi isso em Portugal.
Transcrição
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P.F. – Bem, você volta para o Brasil e vai para o principal rival do clube pelo qual
você era ovacionado, ídolo. Como foi isso?
L.F. – A princípio não foi fácil não. Vou te dizer a verdade, não foi fácil não. Mas
é aquilo que eu te falei, quando você passa a jogar fora, você passa a ser profissional.
Até então, dentro do seu país, você é amador, você age com coração, quando você sai
você vê o novo horizonte, você passa a ser profissional em todos os sentidos. E comigo
não foi diferente também. Eu passei a ser profissional. Eu estava para vir embora de
Portugal, querendo voltar para o Atlético, mas infelizmente o Atlético não me quis e
tinha o Cruzeiro que estava fazendo de tudo para me contratar. E aí eu falei: “Eu tenho
que continuar jogando futebol. É a minha carreira que está em jogo”. E o Cruzeiro fez
de tudo para me contratar, então eu fui para o Cruzeiro – onde fui muito feliz também,
ganhamos títulos importantes.
P.F. – Quando você foi?
L.F. – Eu fui em 1990 para 1991. Fiquei até 1993 no Cruzeiro.
P.F. – Três temporadas.
L.F. – Três temporadas no Cruzeiro. E fui muito feliz no Cruzeiro também.
Ganhamos a Super Copa, Copa do Brasil e o Campeonato Mineiro. Então, mesmo
amando o Atlético, eu fui profissional e vesti a camisa do Cruzeiro e honrei a camisa do
Cruzeiro.
P.F. – E como foi a relação com a torcida? Teve muita gente que te...?
L.F. – No princípio não aceitaram, como não aceita até hoje, alguns reclamam até
hoje quando encontram comigo. Mas aquela coisa de ser profissional e de ter família, de
continuar trabalhando. Eu lembro que no primeiro jogo que joguei contra o Atlético, a
torcida começou a gritar, me xingar. Aí veio um lance, eu dei um balão no Renato – o
Renato que jogou no Atlético, no Cruzeiro, o Renato Gaúcho – aí a torcida silenciou,
não falou o meu nome mais e me respeitou. Todos os jogos que a gente jogava contra,
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eles sempre me respeitaram muito e eu também, quer dizer, foi recíproco. Valeu a pena
ter jogado esses vinte e dois anos futebol.
J.F. – Luizinho, uma curiosidade, quando você fala que teve várias
oportunidades... Logo depois da Copa de 1982 você já recebeu proposta? Porque era um
momento que começava abrir o mercado...
L.F. – Recebi várias propostas, só que é como eu falei; o Atlético não me vendia.
J.F. – Mas foi logo após a Copa de 1982 que começaram a surgir as propostas?
L.F. – As propostas de jogadores saírem do país. Eu também tive propostas e
tudo, mas infelizmente não me vendeu. Eu vendo todo mundo saindo, eu querendo sair
também, eu falei: “Eu queria ter uma oportunidade também de jogar fora do país”.
Infelizmente o presidente não me vendeu nessa época.
P.F. – Quando você sai do Cruzeiro, você volta para o Vila Nova, você tem um
retorno?
L.F. – Não, aí eu parei mesmo. Aí fiquei seis meses sem jogar. Agora, é incrível
isso na história do jogador de futebol, é que a gente está sempre pensando que está
preparado para parar, mas não está não. Por isso que é muito difícil para o jogador de
futebol... O que ele sabe fazer é aquilo, é jogar futebol. Então o jogador, hoje, tem que
se preparar mesmo para parar de jogar futebol. Eu não estava preparado tanto que eu
sonhava que estava jogando bola, que estava sendo ovacionado pela torcida, viajando. E
sonhava direto. Então...a gente deprime um pouco. Eu fiquei um pouco deprimido e tal,
mas aí aconteceu do Vila Nova estava disputando... Ele estava na segunda divisão do
futebol mineiro. E o presidente do Vila me chamou na época para ver se eu conseguia
jogar seis meses pelo Vila Nova, para subir o Vila Nova para a primeira divisão de
novo. Aí eu sentei com eles e conversei: “Tudo bem, eu aceito”. “Não, porque nós não
podemos te pagar muito”. “Não preocupa com dinheiro não. Vamos fazer o seguinte:
traz mais dois jogadores, traz um centroavante e um meio campo que a gente... Vamos
tentar ver com a meninada se a gente consegue subir o Vila”. E eles fizeram isso:
chamaram o Arthurzinho, que jogava no Vasco, e chamaram o Robson que jogou no
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Cruzeiro, no Bahia. E nós fizemos um grande time, subimos o Vila para a primeira
divisão invicto e foi uma festa na cidade. Foi muito bacana isso também, essa passagem,
depois, encerrando a carreira no Vila Nova.
P.F. – Bonito, não é?
L.F. – Foi muito bacana.
P.F. – Você deu a volta...
J.F.. – O ciclo todo, não é?
L.F. – E eu sempre falava isso, que eu gostaria de encerrar a minha carreira
jogando ou pelo Atlético ou pelo Vila. E tive a alegria de encerrar jogando pelo Vila e
subindo o time para a primeira divisão.
P.F. – E aí você chegou a ser técnico do Vila?
L.F. – Aí comecei na categoria de base do Atlético.
P.F. – Aí você decidiu parar mesmo?
L.F. – Isso, aí parei. Realmente tive mais oportunidade, convite para jogar no
Bahia, Vitória. Aí eu já não quis mais.
P.F. – Mas é porque você já sentia fisicamente...
L.F. – Cansado. Fisicamente cansado. Já não era mais tanto aquele futebol arte
que eu estava jogando. Estava mais difícil de ficar viajando e tudo. Eu queria ficar mais
com a minha família mesmo. Falei: “Chegou o momento de parar”. Aí eu comecei a
tentar carreira de treinador. Comecei na categoria de base do Atlético, fui juvenil do
Atlético e júnior do Atlético.
P.F. – Só um parêntese, essa coisa do jogador tentar a carreira de treinador tem
um pouco a ver com aquilo que você estava falando antes da dificuldade de parar? É um
jeito de continuar no mundo do futebol.
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L.F. – A maioria tenta isso, porque é complicado você sair de uma coisa que você
sabe fazer e bem. E não está preparado para encarar uma outra profissão ou um outro
tipo de coisa qualquer. E a maioria dos jogadores tenta... Eu comecei a tentar no
Atlético, fui bem nas categorias de base, conquistando títulos na categoria de base, tanto
que o Marcelo depois, quando assumiu o Atlético, me chamou para ser auxiliar dele no
Atlético. Eu fiquei, tive uma experiência horrível que foi de ver jogadores que, com
toda sinceridade, não tinham conquistado nada e se faziam de craques. Você não
poderia tentar mostrar as coisas que não aceitava. Aí para mim foi difícil e eu achei
melhor dar por encerrada a minha carreira de treinador que eu não tinha nem começado
ainda. Porque é muito difícil você tentar passar alguma coisa para as pessoas e elas não
aceitarem, se acharem que já são craques, não é? E eu tive essa dificuldade no Atlético e
por isso eu resolvi realmente encerrar a minha carreira de treinador.
[FINAL DO ARQUIVO II]
J.F. – Quer dizer que foi uma curta passagem, então, pelo...?
L.F. – Curtíssima, porque você vai querer mostrar para os caras, explicar para
eles... Os caras se acham, cara. Aí eu olhava assim: “Quem é esse cara para achar que é
o bam-bam-bam”. Você quer dar treino para os caras e os caras não querem.
J.F. – Então você acha que houve uma mudança da tua época para as novas
gerações nesse aspecto?
L.F. – Com certeza.
P.F. – De respeito ao treinador?
L.F. – De respeito, é.
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J.F. – E de assimilar uma experiência dos mais velhos?43
L.F. – Ah, é isso mesmo. Porque hoje o cara se acha, acha que é craque e não quer
te ouvir não. Não ouve.
J.F. – E muita interferência de empresários?
L.F. – Empresários hoje interferem em tudo. Eu acho que foi para pior, sabe? Foi
para melhor não, foi para pior.
P.F. – Uma coisa que se fala muito hoje é que o jogador hoje não sabe muito a
história do próprio futebol. Aí chega um j ogador como o Luizinho, um craque, e às
vezes ele nem sabe direito quem é, não é?
L.F. – E além da história do clube. Eu acho que o cara para chegar ao clube, ele
tem que saber a história do clube, isso tem que ser passado para ele lá: “esse time aqui é
assim, assim, assim. Sabe? Conquistou não sei quantos títulos. É um time vencedor, é
um time que é assim que funciona”. Tem que ser mostrado.
P.F. – Na tua geração você acha que os jogadores sabiam mais essa...
Independente de ser mais ou menos humilde, mas eles tinham um pouco mais passado
essa história na cabeça dele?
L.F. – Com certeza, tanto que passava por aí. O jogador ficava três, cinco, seis,
sete... Eu passei onze no Atlético.
P.F. – Então ele vivia aquele clube...
L.F. – Isso, ele sabia a história do clube. Eu sabia muito bem o que era um
Atlético.
P.F. – Mesmo gerações passadas que você não tinha vivido.
L.F. – Mesmo gerações passadas que eu não não tinha vivido, mas eu sabia da
história, sabia de tudo como era. E hoje não tem isso, o jogador hoje é... Ele joga com a 43 Trecho da entrevista não foi capturado em vídeo
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camisa ali, amanhã o outro time comprou e ele vai lá e já beija a camisa de outro escudo
e já vai embora. Não tem história, infelizmente. Mas isso o que é? Os empresários que
viram o mercado financeiro maravilhoso, aí quem dá mais leva o jogador.
P.F. – Bem, já estamos caminhando para o final. Só para pegar um pouco essa
última etapa da sua trajetória, quando você decide não ser mais treinador, que opções
você abriu? Você estava falando dessa dificuldade de sair do mundo do futebol, e aí o
que você decidiu fazer?
L.F. – Nesse intervalo eu já tinha montado uma academia, já estava com esse
pensamento de mexer no ramo empresarial de academia. Aí montei a minha academia e
fiquei vinte anos mexendo com a academia. Mas ligado ao futebol, ligado assim que eu
digo, sempre fazendo alguns jogos com seleção brasileira, seleção mineira, sempre
dentro do futebol, mas mais para conviver com o pessoal, viajar e tal. Aproveitando um
pouco dessa amizade que foi conquistada dentro do futebol junto com esses ex-
jogadores. Mas foi tranquilo, eu consegui, durante um tempo, me adaptar bem com o
mundo fora do futebol e hoje eu exerço a profissão de secretário... Profissão não, eu sou
secretário de esportes aqui de Nova Lima.
P.F. – Como foi isso: virar um gestor público? Como isso aconteceu na sua vida?
L.F. – Foi esse amigo meu, o Carlinhos, que é prefeito hoje aqui da cidade, que
me pediu um apoio político na campanha que tinha em 2004. E eu aceitei a campanha
de sair com ele.
[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]
P.F. – Estava te perguntando como foi essa passagem...?
J.F. – Em 2004 você entrou na...
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L.F. – Em 2004, esse amigo meu que é prefeito hoje me convidou para apoiar ele
politicamente. Eu aceitei e fizemos uma campanha maravilhosa, tanto que fiquei... Vai
interar oito anos agora de mandato, eu como secretário também oito anos. Aí deixo a
política, não pretendo mais seguir isso, essa coisa de política.
P.F. – Essa experiência como gestor foi interessante?
L.F. – Foi interessante, valeu. Eu acho que deu para fazer alguma coisa pela
cidade. A experiência valeu a pena. Mas não quero vivenciar isso novamente.
J.F. – Ficou uma curiosidade: você marcou gols durante a carreira, você gostava
de avançar para marcar gols? Foi um aspecto da carreira que a gente não explorou.
L.F. – É, eu tenho um histórico de Atlético que é o seguinte: eu sou o segundo
jogador que mais jogou pelo Atlético, quinhentos e trinta e sete jogos. Eu só perco para
o João Leite que fez seiscentos. O currículo está lá guardado, se a memória não me
falha, eu fiz acho que vinte e três gols pelo Atlético. Joguei em quatro clubes que foram:
Atlético, Cruzeiro, Vila Nova e Sporting e disputei a Copa do Mundo de 1982. Eu acho
que esse é o currículo. De campeonato mineiro são muitos, contando com o Cruzeiro.
Troféu Guará eu acho que sou um dos recordistas até hoje, acho que são quatorze
troféus Guará que eu ganhei, duas bolas de prata e uma de ouro. Então eu acho que
dentro de um currículo de vinte e dois anos valeu.
P.F. – Queria agradecer muito, uma entrevista fantástica. Muito obrigado.
L.F. – Eu que agradeço.
P.F. – Estamos aí à disposição, depois a gente passa uma cópia do vídeo para ti. É
sempre uma coisa que a gente combina. O pessoal lá do Museu vai articular isso, está
bom?
L.F. – Vou querer, vou guardar com muito prazer. Vai ser uma coisa que vou
guardar com muito carinho porque é uma das coisas que eu vou ter para mim, porque eu
não consegui guardar nada do futebol. Então essa entrevista vai ficar guardada com
muito carinho para eu mostrar para os meus netos.
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P.F. – Muito obrigado.
[FINAL DE DEPOIMENTO]