maffesoli michel. a parte do diabo

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A PAR

n0

nlABO

M ichel M affeso li

A U l \

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plA B

T raduo de CLV1S MARQUES

E D I T O R ARIO DE

1

R E C O R D SO PAULO

J ANE I RO 2004

C IP -B ra sil. C at3 !o g a o -n a -fo n te S in d ic a to N a c io n al d o s E d ilo re s d e L iv ro s, RJ. M a ffe so li, M ic h e l, 1944A parle d o d iab o / M ichel M affesoli; trad u o de C lvis M a rq u e s. - R io de Jan eiro : R cco rd , 20 0 4 . T ra d u o de: La p a ri du d iab le IS B N 8 5 -0 1 -0 6 5 9 1 -9 1. B e m e m al. 2. P s -m o d e rn is m o . 3. C iv iliz a o m o d ern a . I. T itulo . C D D - 111.84 0 3 -2 0 6 6 C D U - 111.84

M 162p

T tu lo origina! cm francs: L A P A R T D U DIAEiL E

C o p y r i g h t 2 0 0 2 by F la m m a rio n

T o d o s os d ireito s reserv ad o s . P ro ibid a a r ep rod u o , a r m a z e n a m e n t o ou t r a n s m i s s o d e p artes deste livro atrav s de q u a is q u e r m e i o s , s e m p revia a u t o r i z a o por escrito. P ro ib id a a v e n d a de sta ed io e m P o rtug a l c resto d a E u ro p a.

D i r e i t o s ex c lu s iv o s de p u b licao cm lng ua p o rtug uesa para o r a s i l ad q u ir id o s pela D I S T R I B U I D O R A R E C O R D D E S E R V I O S D E I M P R E N S A S.A. R u a A r g e n t i n a 1 7 1 - Rio de Jan eiro, RJ - 2 0 9 2 1 - 3 8 0 - Tel.: 2 5 8 5 - 2 0 0 0 q u e se r e s e r v a a p r o p ri e d a d e literria d esta traduo I m p r e s s o no Brasil ISB N 85-01-06591-9 PED ID O S PELO REEM BO LSO POSTAL C a ix a P o stal 2 3 .0 5 2 R i o d e Ja n e iro , RJ - 2 0 9 2 2 - 9 7 0

-vE D IT O R A A FILIA D A

Para Raphale, que sabe m uito bem que o que no mata fortalece.

Su m r i o

P r lo g o

C a p tu lo I

Pequena epistemologia do MalC a p t u l o II

O conflito estruturalC a p t u l o III

Variaes sobre a sombraC a p t u l o IV

Inteireza do serC a p tu lo V

T ransm utao do Mal

Prlogo

"Jc suis tom b par terre C'est la faute Voltaire, Le nez dans le ruisseau C'est la faute Rousseau. "*

No existe nada pior que algum querendo fazer o bem, especialmente o bem aos outros. O mesmo se aplica aos que "pensam bem ", com sua irresistvel tendncia a pensar por no lugar dos outros. Encouraados em suas certezas, eles no tm espao para dvidas. E claro que no apreendem a com plexidade da vida. A coisa em si no teria tanta im portncia se esses donos da verdade, intitulando-se deen.tores legtim os da palavra, n o d ecretassem o que a sociedade ou o indivduo "devem ser".} Este m agistrio m oral pois efetiv am en te de m oralism o que se trata perigoso. O fato que, esque cendo o que velhas memrias ensinaram ao senso com um

* "C a n o ch o / a culpa d e V o ltaire, / c o m o n ariz n o ria ch o / a cu lp a de R ou sseau ."

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A parte do Diabo

a saber, que \o inferno est^cheio de boas intenes"! , esquecidos da saudvel lucidez de um H erclito ("brinca deira de criana, as opinies hum anas"), os moralistas de todas as tendncias transformam em verdade absoluta os valores culturais de um m undo cuja perenidade est longe de ser urna-certeza. , ..") "bem 'O com efeito, a justificao ltim a do messia nism o fdco-cristo. As teorias da em ancipao e o uni versalismo modernos, que constituem suas m ais recentes manifestaes, tambm se escoram nesse princpio bsico. ; Poi em seu nom e que as diferentes inquisies fizeram seu trabalho sujo. Km seu nom e que foram com etidos todos os etn ocd ios culturais e justificados os im perialism os econm ico e p o l t i c o . mais uma vez, em seu nom e que se decreta o que deve ser vivido e pensado, co m o se deve viver e pensar, je que se declara tabu esta m aneira de viver ou aquele objeto de anlise. Este universalismo foi a justi ficao de todos os colonialismos, dos etnocdios culturais que constituram a marca da ocidentalizao do m undo a partir do fim do sculo XIX. U m (con form ism o'canhestro, pois j fora de propsi to . C onform ism o perigoso, porque ,aquiIo cuja existn cLa_S_jaega- co m p le x id a d e g alo p a n te , re la tiv ism o cultural, tribalism o em ocional e outros sen tim en to s de vin culao, j fora de sintonia com as teorias bem -pensantes pode tornar-se-Dervcrso.'Ou seja, to m ar cam i n h o s desviados, p e r via, e por isto m esm o fugindo ao co n tro le. As inteis querelas intelectuais, polticas e def

escolas no passam da expresso do en clausuram ento da

Prlogo

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intelligentsia em seu m u n d o que se acaba. Ela n o co n h ece seu prprio tem po. Este se vinga co m tod os os ti p os de e x ce sso s. D isto co n s titu e m os in d cio s m ais m arcan tes a v olta dos diferentes fan atism os e dos m lti plos terrorism os, assim co m o a rebelio, m ais ou m enos violen ta, dos jovens dos subrbios, para n o m en cion ar a desero de num erosas in stitu ies. ,De fato, silenciosa ou ruidosa, a revolta^germ ina.fSi lenciosa, ela se m anifesta na passividade, n o recuo, na in ativid ad e dos jovens. Ruidosa, n o s pegas au to m o b i lsticos, nas vaias Marselhesa no Estdio da Frana exem plos n o faltam . C om o num a n ova secessio plebis, tal co m o na retirada do povo ro m an o para o A ventino, 1j n o h adeso aos^princpios de fachadxjue deixaram de ter qualquer vinculao com a realidade da vida. Esta rebelio, ao m esm o tem po sorrateira e eficaz, significa, com certeza, que est chegando ao fim um ciclo, o que foi inaugurado co m a con sag rao do bem co m o valor absoluto. L' M uito antes desta consagrao, em outros m om entos, em outros lugares do m undo, o que se levava em conta era um politesm o dos valores, um policulturalism o ou ento o que podem os cham ar d elefeito d e com posio', cultura e

p m atria-prim a, bem e mal, morte_e yidaoPeriodicam enteverifica-se um "(re)nascim ento" deste m undo com posto. Nascemos novam ente para um real plural. um perodo de m uda baseado na relativizao dos valores. Por sinal, assim que devemos entender a m udana inaugurada pelo Iluminismo, no alvorecer da m odernidade: diante de um

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m undo estancado, eles enfatizam o dinam ism o e a circula o de idias. Hoje, frente aos estatutos sociais supostam ente im ut veis (classes, categorias socioprofissionais)^ afirm a-se a , exigncia da m obilidadg,]0 m esm o se d por m eio da circu lao de livros e jornais, real e virtual, pela proliferao das trocas: com rcio de bens, com rcio de idias, com rcio am o roso. J mostrei em outras circunstncias1 co m o esta troca generalizada constitua a m arca inconfundvel das "revo lu es" societrias. As tribos urbanas, cuja im portncia n in gu m m ais nega, e m esm o, no o b stan te o que se convencionou cham ar de "crise", o hedonism o difuso que opera em nossas sociedades, delimitam m uito bem os co n tornos dessa profunda m utao. Revoluo que, em seu sentido etim olgico, assiste ao retorno daquilo que julgvamos ultrpassado. C om o ob serva Lvi-Strauss, "o hom em sempre pensou bem assim ". Poderamos acrescentar que tam bm sempre viveu mal. E n o entanto, em m eio trgica beleza do m undo, ele vive. C o n tra o progressism o ju daico-cristo, em p en h ad o em explicar tudo ( ex-plicare , retirar as pregas), afirma-se um ^pensamento "progressivo", sabedoria que im plica todas as m aneiras de ser e pensar, a alteridade, a errncia. Eis, por tan to, a m utao ps-m odem a, aquela que aceita as "pre gas" dos arcasmos pi-m oosinos. Tem os, en to , algo par? o qual ch am o a aten o h algum as dcadas, algo que h c je se torn a um a realidade inco n to rn v el:jo tlb Iu n Ic r f. m also valor essenciali bem verdade que o desem prego r^uitas vezes encarado co m o

Prlogo

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um a desgraa. Mas m uitos jovens nem por isto ch egam a desejar um em prego estvel. Pelo contrrio, vo-se adap tando ao vaivm Trabaho: de se m p r eg o , ] a co n tratos pre crios segu idos de perodos de seg u ro -d esem p reg o . Resumindo: tudo, m enos uma carreira de em pregado com salrio m nim o ou funcionrio dos Correios. > trabalho, vale lem brar, era o instrum ento privilegiado da a o sobre si m esm o e so bre o m u n do,_e isto para alcan ar o "bem ", a perfeio futura. O trabalho era causa e efeito do h o m o oeconom icus, de um indivduo reduzido prod u o .e que tinha- o-produtivism Q _com o.ideologia po.r excelncia. ^ .r ^ Este prom etesm o moderrjo vem sendo sucedido pela figura mais com plexa de Dioniso. Hedonismo generaliza do. Selvageria latente. Animalidade serena. Tam bm aqui,, furiosa ou calm am en te, mas sem pre com ob stin ao, a pessoa plural se afirma.^A pessoa com posta ("eu um ou tro"), an tagnica, contraditria. Esta inteireza dionisaca implica oj^ma" - C om o acontece freqentem ente, a msi ca, os filmes, a pintura e a coreografia evidenciam clara m ente esta im plicao. Com efeito, na.idpologia do h o m

oeconom icus , o fato de o indivduo ter sido analisado com opi v t(>suficien t da sociedade acabou fazendo com que fosse eliminada ou pelo menos postulada a superao da to p e r le i a Em contrapartida, a reafirm ao da pessoa plural num m undo policultural tende a integrar o mal com o um elem ento entre outros. Ele poder ser vivido, tribalm ente e, com isto, "hom eopatizar-se", tornar-se mais ou m e nos inofensivo. Cabe supor que uma parte dos problemas

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A parte cio Diabo

dos professores nos colgios considerados problem ticos decorre de sua propenso a ver uma turm a com o uma soma de indivduos que precisam ser aperfeioados, e no com o um grupo co m suas dificuldades, mas tam bm com suas potencialidades coletivas. isto, portanto, o que est em jogo na m utao psm oderna. Reconhecer "o que cabe ao diabo", saber dar-lhe bom uso, para que no sufoque o corpo social. Uma sabe doria cujo perfil foi apontado por M arco Aurlio, entre tantos outros: "Pois irritar-se contra o que eqivale a aban donar a natureza universal, numa parte da qual esto co n tidas as naturezas de cada um dos outros seres2". Cabe portanto, sem canoniz-la nem tam pouco estigm atiz-la a priori, reco n h ecer q u e ,v iv e m os a h ora da anqmia.jSeria o caso de remem orar o lema de Rimbaud: "O poeta torna-se vidente por meio de um longo, imenso e calculado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de am or, de sofrimento, de loucura; ele busca a si m esmo, esgota em si prprio todos os venenos, para guar dar deles apenas as quintessncias. Inefvel tortura3..." O vidente Rimbaud tornou-se uma referncia acadm ica, mas sua "dV.assido" potica*contam inou m uitas prticas ju venis, podendo o seu eco ser ouvido nos Lipstick traces deixados pelos Sex Pistols e outros revoltados do rock, da

h o u see da techno.A esto o excesso, o dem onism o e as variadas efervescncias de diferentes ordens, afirmando q u e Dioniso efetivam ente o "rei clandestino" da poca. No limiar do sculo XXI, a histria secreta do sculo X X transforma-se

Prlogo

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em destino m anifesto. Eu diria que a "criana eterna", rui-;/ dosa, cruel, generosa, no-conform ista e que renasce n o mais um a questo de idade, m as um a atitude, um estado de esprito, um "situacionism o" que se generaliza aos pou cos n o conjunto das geraes. Teram os a um a m stica da violncia, tal co m o des crita por G. Sorel em outro c o n te x to ? Talvez. Especial m en te na m edida em que une os que com partilham seus m istrios, os que com u n gam os m esm os m itos. O que ce rto a revivescn cia de um a er tica social, de um a orgistica difusa ou para em pregar term os m ais acad m icos o retorno da libido sentiendi, a libido do sentir, e isto no pode ser apreendido atravs das categorias prprias libido sciendi, preocupada apenas co m o saber abstrato, ou libido dom inandi, para ajju al s im porta a^ poltica, o poder, coisas, enfim , inventadas pelos "m o r tos-vivos" que tm a pretenso de pensar ou gerir o m un do. Por isto que a problem tica da integrao por m eio de um a "educao cidad", ou seja, por um saber sobre as instituies e os poderes estabelecidos, um engodo, s podendo produzir m ais frustrao. Im pe-se, assim, um redim ensionam ento terico. S ^podem os entender bem um a poca sentindo seus odores., j

I Qs hum pres soiais.e insntivos so mais eloqentes a seu respeito do que m uitos tratados eruditos. Neles exprim em i se os afetos, as paixes, as crenas que a perm eiam :. assim que se manifestam os sonhos mais desvairados com que ela joga ou dos quais vem a ser joguete. assim que podem os enten der que a "parte destruidora", a do excesso ou da

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efervescncia, exatam en te o que sem pre antecipa um a nova harm on ia. Mas s poderem os com preender bem o im pacto dessa revivescncia se tiverm os por ela alguma apetncia. No adeso, mas com preenso, em seu sentido sociolgico. A anlise no precisa necessariam ente ser crtica. Tam bm possvel "sentir-se em sintonia", vale dizer, captar, sentir, justam ente, a carga afirmativa que m ove um a poca. Hou ve quem zombasse da idia, m as insisto na necessidade de form ular um "pensam ento do ventre". Afinal de contas,

l que est a vida, co m tudo ou, s vezes, con tra tudo. Tem os de saber co m o descrev-la. A dissidncia dissemina-se. No podem os lim itar-nos a julg-la pelos parm etros polticos. Ela no se reconhece neles.xNo possvel avaliar, a partir da ideologia eco n m ic a ,u m desejo.de. "con su m ao", o desejo de desperdiar ou queimar as coisas e os afetos, que se generaliza cada vez m ais/ a que a arrogncia dos bem -pensantes chega a seu limite. Eles tm a seu lado a imprensa oficial, aquela m esm a que nos prim eiros sobressaltos dos anos 6 0 era qua lificada de "rgo de todos os poderes". rgo de todas as

impotncias seria m ais apropriado no m o m en to atual, detal m aneira os protagonistas de ento tornaram -se gestores de um m undo m o rn o e sem criao. A im prensa oficial cada vez m enos lida pelas geraes jovens, que preferem a horizontalidade da Internet, com seus foros de discusso e outras busca? de encontros, :ajam sexuais, filosficos ou religiosos. O saber/poder oficiai, aqu ele que se lim ita a distribuir

Prlogo

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certificados de conformidade, que cuida da assepsia da so ciedade e do saber, tornou-se abstrato demais. A absteno a nica resposta devolvida a todos esses dirigentes. Insis^ timos: a energia juvenil deixou de ter com o objeto a rei vindicao, o projeto, a histria. Ela se manifesta e se esgota*, no instante festas, solidariedade na urgncia e no precisa de um a traduo poltica abstrata. Da a absteno em massa, a n o inscrio nas listas eleitorais e outras for mas de indiferentism o. Foi o que cham ei de A transfigura

o do poltico.Torna-se, ento, uma imperiosa exigncia intelectual pensar o sensvel em todas as suas manifestaes. Ignoran do os "ces de guarda"; temos de enveredar pelos cam inhos arriscados escolhidos pela socialidade de base. No pode m os, co m efeito, lim itar-nos via rccta, balizada pelo racionalism o m oderno; o que preciso, pelo contrrio, construir um a razo mais rica, aberta ao paradoxo e, por tan to, capaz de pensar a polissemia que acabam os de abordar. Para com preender os fenm enos jo cia is e m a o n o s dias de hoje, necessrio mudar de perspectiva; no mais criticar, explicar, mas _compreender,_admitir. Sem nos determ os novam ente no m esm o ponto, alm das representa

es, filosficas e polticas, cuja saturao evidente, preciso apresentar fenom enologicam ente o que acontece. Sugerir a matria prima* deste enigma que o mal. No porm eio de um estetismo barato, mas para capturar a inteire za dos fenm enos que esto em primeiro plano na cena

*E m la tim n o texto .

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A parte do Diabo

social. Ainda que seu nom e seja varivel Estado, Indiv duo, Deus, C ontrato etc. , nunca faltaro advogados de Deus. Opportet haereses esse, preciso que h aja alguns advogados do diabo4. C om o veremos, a questo delicada. Talvez por isto o pensam ento do mal tenha sido por m uito tem po afastado ou confinado arte, poesia ou a alguns autores malditos. Malditos em sua poca. Pois se evocarmos Schopenhauer, Nietzsche, Baudelaire, Rimbaud, Simmel ou M. Weber (to dos contestados em sua poca), quem se haver de lembrar do nom e de seus detratores? Cabe supor que a arrogncia dos mestres-escolas e outros escribas bem-pensantes de hoje merea a mesma sorte. No demorar para que se junte ao ossrio das realidades. Este livro pretende apontar muito precisam ente uma tendncia de fundo da vida ps-moderna: a ligao org nica entre o bem e o mal, entre o trgico e a jubilao. Por um surpreendente paradoxo, aceitando o mal, em suas diferentes modulaes, que podemos alcanar uma certa alegria de viver. O amor fati nietzschiano transformandose em um "am o r do m undo" pelo que ele . Amor da ne, cessidade empiricamente vivido e que ser preciso, por isto mesmo, tratar de pensar. A vida emprica, que deve ser nossa derradeira refern cia, "sabe" tudo isto perfeitamente. Nada h de original nas pginas que se seguem: estas idias esto em todas as m en tes. Mas preciso ter a coragem de formul-las. Nada de original no que vem das origens. talvez o que Heidegger pretendia destacar ao observar a proximidade, em grego,

Prlogo

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entre a dor e a linguagem (Algo, Logos). m in h a m aneira/ eu diria que a doi da "palavra perdida" incita a dar a pala-' vra dor reen con trad a, e, desse m odo, a (re)tornar a um h um anism o integral. Aquele que sabe recon h ecer o que do diabo.

Notas do Prlogo

1. Sobre o nom adism o, Record, 2001. 2. Marco Aurlio, "Penses" II, 16, in Les Stoicicns, Gallimard, La Pliade, p. 1150. 3. Rimbaud (A.), Lettie Demeny. Cf. Lefrcre (J-J-)/ A. Rimbaud, Fayard, 2001, p. 2 70 e p. 263. Cf. tambcm Marcus (G.), Lipstick

Tiaces. Une histoire secrte du vingtime sicle, ed. Allia, Paris,1998. 4. Sobre a razo aberta, cf. Maffesoli (M.), loge de la raison sensible, Grasset, 1996.

C a pt u lo I

P e q u e n a epist em o lo g ia d o m a l

"Nicht'raus, sondem durch."C. G. J ung

O E s p r it o

a n im a l

Uma reflexo para todos e para ningum? no m n im od elicado, em nossa tradio cultural, m ostrar de que maneiras o m al nos persegue, em suas diversas m odulaes: agres sividade, violncia, sofrimento, disfuno, pecado a lis ta poderia prosseguir infinitamente. E isto tanto individual quanto coletivamente.^No h quem no seja afetado, e so poucos os que querem conhecer os efeitos de sem elhante realidade- Pois o que , . A sombra faz parte desta banali dade bsica. Elem ento de base em num erosos m itos, o n i presente em nossos contos e lendas, obsedante nos sistemas filosficos, ela tambm uma pedra no cam inho da dou trina religiosa, pelo menos no Ocidente. por isto que me dirijo aos espritos esclarecidos. Aos que no tm m edo de uma lucidez revigorante para uso

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A parte do Diabo

individual e social. De fato, est na hora de superar a pro- , xrblem tica do hdm em realizao em sua totalidade, da socie-^ - dadperfeiti.Sinda que co m o ideal, co m o tenso, co m p ' projeto. Pois esta a m elhor m aneira de provocar a reali dade que se tratou de negar, com o um retorno do.que foi recalcado. No fim das contas, reconhecer que a imperfei> o tambm um elem ento estruturante do dado m unda no, talvez um ngulo particularmente pertinente de ataque dos fenm enos sociais. Especialmente se aceitarm os a hi ptese do "sentim ento trgico" da vida, o que parece cada vez mais evidente. Aceitemos o desafio desta viso, ainda que de maneira metodolgica. Com o alavanca operacional, para m elhor en tender todas essas atitudes presentestas e m esm o hedo nistas, esta m stica corporativista ou ainda este poderoso relativismo, todas tendncias que, de m aneira difusa, co n tam inam a vida corrente. Perspectiva m etodolgica caberia talvez dizer epistemolgica que enfatiza o paroxismo, a caricatura, a for

ma com o capacidade de pr em palavras o que vivido. Dam esma maneira, Julien Freund, analisando o conflito, ine rente a toda sociedade humana, falava de um a "situao ex cepcional, no no que tinha de factual, mas por servir de revelador. E ele especificava, por sinal, que ciclicam ente esta situao retorna com toda a fora1. possvel, por algum tem po, mascarar seus efeitos, apagar seus aspectos mais flas: grantes, mas ela estar sempre l, entrincheirada, pronta a ressurgir, nos atos privados e nas aes pblicas. Da o inte resse metodolgico da anlise do conflito.

Pequena epistemologia do mal

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Term o algo genrico mas fortem ente evocativo, o_conflito p od e, p o rtan to , "in d icar-n os o ca m in h o ", o rien tar o p en sam en to para este n o-d ito h u m an o , esta coisa te r rv el cu jo ca r te r fu n d ad o r a h is t ria est sem p re relem brando:-a vida e a m orte esto in tn n se a m e n te li gadas. \ f v -- ' Consta ta -se um a volta do m ai co m toda a fora. Refirom e Jface^obscura de n ossa natureza. Aquela m e sm a q u e a cultura pode em parte dom esticar, m as que co n tin u a a anim ar nossos desejos, nossos medos, nossos sentim entos, em suma, todos os afetos. Esta volta com toda a fora tal vez seja aquilo m esm o a que nos referim os h algumas dcadas, de m aneira bastante incerta, co m o "jcris". Fan' 1 J ...j.