manual de direito constitucional (2015) - 3a ed.: revista...
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DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS
Nathalia Masson
Manual de Direito Constitucional
(2015) - 3a ed.: Revista, ampliada e
atualizada Editora Juspodivm
In: http://www.editorajuspodivm.com.br
(Capítulo disponibilizado na WEB pela Editora)
CAPÍTULO 4
DIREITOS
E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS SUMÁRIO • 1. Introdução; 2. Distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos; 3. Gerações de direitos fundamentais; 4. Características dos direitos fundamentais; 5. Dimensão subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais; 6. Destinatários dos direitos fundamentais; 7. Aplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais; 8. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas (eficácia horizontal); 9. Classificação dos direitos fundamentais; 10. Quadro sinótico.
1. INTRODUÇÃO
Perceber que os valores mais caros à humanidade merecem ser organizados em um
documento jurídico dotado de força normativa hierarquicamente superior às demais
normas do ordenamento, bem como reconhecer a Constituição enquanto documento
supremo do ordenamento jurídico, justifica a estrutura constitucional de proteção aos
direitos fundamentais arquitetada nos moldes atuais.
A inconteste evolução que o Direito Constitucional alcançou é fruto, em grande
medida, da aceitação dos direitos fundamentais como cerne da proteção da dignidade da
pessoa e da certeza de que inexiste outro documento mais adequado para consagrar os
dispositivos assecuratórios dessas pretensões do que a Constituição1.
No caso brasileiro, a preocupação do texto constitucional em dar a devida
importância à matéria é nítida e pode ser percebida logo no preâmbulo – que demonstra
o propósito de se instituir um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança” –, bem como nas demais normas
que apresentam os direitos fundamentais enquanto condições necessárias para a
construção e o exercício de todos os demais direitos previstos no ordenamento jurídico2.
A imprescindibilidade da previsão constitucional de referidos direitos é a todo o momento
propalado pela doutrina constitucionalista pátria, para quem, “sem os direitos
fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive”.3
Em suma, os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função
de direitos dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano,
denominado jurídico objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos,
impedindo essencialmente as ingerências destes na esfera jurídico-individual, mas também
porque – num segundo momento, em um plano jurídico subjetivo – implicam o poder de
exercitar positivamente certos direitos (liberdade positiva) bem como o de exigir omissões
dos poderes públicos, evitando lesões agressivas por parte dos mesmos (liberdade
negativa)4.
2. DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS
HUMANOS
Doutrinadores de destaque preceituam em seus escritos não haver diferença digna de
destaque entre as expressões "Direitos Fundamentais" e "Direitos Humanos"; aliás,
rotineira é a identificação de autores que as têm por sinônimas.
1 . MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 265. 2 . FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 234.
3 . BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 401. 4 . CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995, p. 517.
Como tanto os direitos fundamentais quanto os direitos humanos buscam assegurar
e promover a dignidade da pessoa humana, e são direitos ligados, sobretudo, a valores
caros à sociedade – tais como a liberdade e a igualdade –, reconhece-se que, quanto à
finalidade, as expressões, de fato, se assemelham.
Nada obstante, majoritariamente a doutrina identifica uma diferença entre os termos,
referente ao plano em que os direitos são consagrados: enquanto os direitos humanos
são identificáveis tão somente no plano contrafactual (abstrato), desprovidos de qualquer
normatividade, os direitos fundamentais são os direitos humanos já submetidos a um
procedimento de positivação, detentores, pois, das exigências de cumprimento (sanção),
como toda e qualquer outra norma jurídica5.
"Direitos fundamentais" e "direitos humanos" afastam-se, portanto, apenas no que
tange ao plano de sua positivação, sendo os primeiros normas exigíveis no âmbito estatal
interno, enquanto estes últimos são exigíveis no plano do Direito Internacional.
Destaque-se, porém, que a aceitação de referida distinção conceitual – relacionada à
positivação – não importa na conclusão de que direitos humanos e direitos fundamentais
compõem esferas estanques e incomunicáveis entre si. Direitos humanos internacionais
encontram, não raro, matriz nos direitos fundamentais consagrados pelos Estados e estes,
por seu turno, muitas vezes acolhem em seu catálogo de direitos fundamentais os direitos
humanos consagrados em normas e declarações internacionais6.
3. GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
O desenvolvimento dos direitos fundamentais não se deu em um mesmo e único
momento histórico. De modo vagaroso, no transcorrer de uma evolução histórico-social,
enquanto consequência das conquistas políticas angariadas, aos poucos, pelo homem,
referidos direitos foram aparecendo e, gradativamente, disciplinados nos textos
constitucionais. Paulo Bonavides destacou-se entre os doutrinadores ao traçar um perfil
histórico-temporal desse desenrolar, reunindo os direitos em diferentes grupos,
denominados gerações7.
Cumpre destacar, de início, que o vocábulo "geração" não está isento de críticas. Para
muitos, é um termo que remete à idéia de superação, significando que uma nova "geração"
sucede a outra, tornando-a ultrapassada, o que, sabe-se, não ocorre. Em verdade, a
sucessão de "gerações" deve ser vista como uma evolução que amplia o catálogo de
direitos fundamentais da anterior, sendo possível, inclusive, modificar o modo de
interpretá-los. Destarte, não há que se falar em sedimentação de direitos por "geração",
tampouco em substituição da "geração" antecedente pela posterior.
5 . CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995, p. 517.
6 . MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 234. 7 . BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 563.
Por fim, em que pese a crítica e a proposta de nova terminologia substitutiva – a saber,
"dimensões" –, o termo "gerações" segue sendo largamente utilizado, não só pela doutrina
como também pelas bancas examinadoras de concurso.
Acerca de referidas "gerações", preceituam os constitucionalistas pátrios8 que quando
o revolucionário lema do Século XVIII: "Liberdade, igualdade e fraternidade" exprimiu
em três princípios essenciais o conteúdo dos direitos fundamentais, passou-se a determinar
a sequência histórica do reconhecimento e institucionalização desses direitos.
Os direitos de primeira geração são os responsáveis por inaugurar, no final do
século XVIII e início do século XIX, o constitucionalismo ocidental, e importam na
consagração de direitos civis e políticos clássicos, essencialmente ligados ao valor
liberdade (e enquanto desdobramentos deste: o direito à vida, o direito à liberdade
religiosa – também de crença, de locomoção, de reunião, de associação – o direito à
propriedade, à participação política, à inviolabilidade de domicílio e segredo de
correspondência).
Apresentam-se como direitos dos indivíduos e são oponíveis, sobretudo, ao Estado,
na medida em que exigem deste, precipuamente, uma abstenção, um não fazer – e não um
agir ou uma prestação estatal – possuindo, dessa forma, inequívoco caráter negativo. Nas
palavras de Gilmar Mendes, constituem
postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não
intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São considerados
indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista. Referem-
se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade de
domicílio, à liberdade de culto e de reunião. São direitos em que não desponta a
preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o
homem individualmente considerado.
Em conclusão, os direitos de primeira geração são aqueles que consagram meios de
defesa da liberdade do indivíduo, a partir da exigência de que não haja ingerência abusiva
dos Poderes Públicos em sua esfera privada.
Já os direitos de segunda geração – normalmente traduzidos enquanto direitos
econômicos, sociais e culturais – acentuam o princípio da igualdade entre os homens
(igualdade material). São, usualmente, denominados "direitos do bem-estar", uma vez que
pretendem ofertar os meios materiais imprescindíveis para a efetivação dos direitos
individuais. Para tanto, exigem do Estado uma atuação positiva, um fazer (daí a
identificação desses direitos enquanto liberdade positivas), o que significa que sua
realização depende da implementação de políticas públicas estatais, do cumprimento de
certas prestações sociais por parte do Estado, tais como: saúde, educação, trabalho,
habitação, previdência e assistência social.
O surgimento dessa segunda dimensão de direitos é decorrência do crescimento
demográfico, da forte industrialização da sociedade e, especialmente, do agravamento das
disparidades sociais que marcaram a virada do século XIX para o século XX.
8 . BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 562.
Reivindicações populares começam a florescer, exigindo um papel mais ativo do Estado
na correção das fissuras sociais e disparidades econômicas, em suma, na realização da
justiça social – o que justifica a intitulação desses direitos como "direitos sociais", não por
envolverem direitos de coletividades propriamente, mas por tratarem de direitos que visam
alcançar a justiça social.
Reconhecer a cruel realidade de que o mundo está partido, de maneira abissal, entre
nações desenvolvidas e nações subdesenvolvidas foi elemento determinante para o
desenrolar, no final do século XX, de uma nova geração de direitos fundamentais, uma
terceira geração. Nesta apareceram os direitos de fraternidade ou solidariedade que
englobam, dentre outros, os direitos ao desenvolvimento, ao progresso, ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, à autodeterminação dos povos, à propriedade sobre o
patrimônio comum da humanidade, à qualidade de vida, os direitos do consumidor e da
infância e juventude.
Em síntese, são direitos que não se ocupam da proteção a interesses individuais, ao
contrário, são direitos atribuídos genericamente a todas as formações sociais, pois buscam
tutelar interesses de titularidade coletiva ou difusa, que dizem respeito ao gênero humano.
É, pois, a terceira geração dos direitos fundamentais que estabelece os direitos
"transindividuais", também denominados coletivos – nos quais a titularidade não pertence
ao homem individualmente considerado, mas a coletividade como um todo.
A partir do advento da modernidade globalizada criou-se a possibilidade teórico-
jurídica da universalização dos direitos no campo institucional9, o que se traduz pela
expectativa de surgimento de uma quarta geração. Nesta seriam consagrados os direitos
– como, por exemplo, à democracia, à informação e ao pluralismo – dos quais dependerá
a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de
convivência.
Por fim, há quem defenda 10 a existência de uma quinta geração de direitos
fundamentais, representada pelo direito à paz.
4. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
É tarefa complexa apontar caracteres para os direitos fundamentais que sejam sempre
válidos – em todo lugar, em qualquer tempo. Todavia, grande parte da doutrina indica
qualidades que lhes são associadas de forma corriqueira, quais sejam:
(A) Universalidade. Esta característica aponta a existência de um núcleo mínimo de
direitos que deve estar presente em todo lugar e para todas as pessoas, independentemente
9 . “Globalizar esses direitos equivale a universalizá-los no campo institucional. Assim, a globalização política na esfera
da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase
de institucionalização do Estado social” BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 571. 10 . BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 580-593.
da condição jurídica, ou do local onde se encontra o sujeito – porquanto a mera condição
de ser humano é suficiente para a titularização. É, pois, relacionada à titularidade, e
preceitua serem detentores dos direitos fundamentais toda a coletividade, numa definição
que, a princípio, não admite discriminação de qualquer espécie e abarca todos os
indivíduos, independente da nacionalidade, raça, gênero ou outros atributos.
É válido frisar, todavia, que nem todos os direitos podem ser universalmente
realizados por todas as pessoas, afinal é perfeitamente factível que a Constituição limite
aos detentores de certas particularidades – como, por exemplo, ser cidadão, nacional,
trabalhador, pessoa física, dentre outros atributos – o exercício de algumas prerrogativas.
Isso significa que no rol enunciado na Constituição brasileira “há direitos de todos os
homens – como o direito à vida –, mas há também posições que não interessam a todos
os indivíduos, referindo-se apenas a alguns – aos trabalhadores, por exemplo”.11
(B) Historicidade. Como os direitos fundamentais são proclamados em certa época,
podem desaparecer em outras ou serem modificados com o passar do tempo, apresentam-
se como um corpo de benesses e prerrogativas que somente fazem sentido se
contextualizadas num determinado período histórico. Isso denota serem direitos dotados
de caráter histórico-evolutivo, que não nascem todos de uma só vez – pois são o resultado
de avanços jurídico-sociais determinados pelas lutas do povo em defesa de novas
liberdades em face de poderes antigos ou em face das novas afeições assumidas pelo antigo
poder –, tampouco são compreendidos da mesma maneira durante todo o tempo em que
compõem o ordenamento. Vê-se, pois, que direitos fundamentais não “são obra da
natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender das
circunstâncias”.
Segundo a doutrina12, é o caráter da historicidade que justifica que os direitos sejam
proclamados em certa época, desapareçam em posteriores, ou se modifiquem com o
transcurso do tempo, o que revela, inequivocamente, a índole evolutiva desses direitos.
Como exemplo da mudança de compreensão que um direito fundamental pode sofrer,
cite-se a jurisprudência do STF que durante muitos anos admitiu “a extradição para o
cumprimento de penas de caráter perpétuo, jurisprudência somente revista em 200413”.14.
11 . MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito
Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 316. 12 . MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito
Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317. 13 . Admitindo a extradição para cumprimento de pena perpétua: Extr. 598-Itália, Extr. 669-0/EUA e Extr. 711-Itália,
julgamento em 18-2-1998. A jurisprudência muda com a Extr. 855, julgada em 26-8-2004, rel. Min. Celso de
Mello.
14 . MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito
Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 318.
(C) Indivisibilidade. Os direitos fundamentais formam um sistema harmônico,
coerente e indissociável, o que importa na impossibilidade de compartimentalização dos
mesmos, seja na tarefa interpretativa, seja na de aplicação às circunstâncias concretas.
(D) Imprescritibilidade, inalienabilidade. Direitos fundamentais não são passíveis
de alienação, deles não se pode dispor, tampouco prescrevem. Inalienabilidade é
característica que exclui quaisquer atos de disposição, quer material – destruição física do
bem –, quer jurídica – renúncia, compra e venda ou doação. Deste modo, um indivíduo,
tendo em conta a proteção que recai sob sua integridade física, não pode vender parte do
seu corpo ou dispor de uma função vital, tampouco mutilar-se voluntariamente. Ressalte-
se que, como a indisponibilidade justifica-se pela proteção que se deva dar à dignidade da
pessoa humana, nem todos os direitos fundamentais devem ser interpretados como
indisponíveis. Indisponíveis seriam tão somente os direitos que intentam preservar a vida
biológica – sem a qual não há substrato físico para o desenvolvimento da dignidade – ou
que visam resguardar as condições ordinárias de saúde física e mental, assim como a
liberdade de tomar decisões sem coerção externa.
Parece-nos que o correto é analisar a indisponibilidade perante cada situação, afinal,
muito embora seja inaceitável a disposição irrevogável dos direitos fundamentais, em
certas ocorrências fáticas nada impedirá que o exercício dos direitos seja restringido em
prol de uma finalidade aceita ou tolerada pela ordem constitucional. Assim, “a liberdade
de expressão, v. g., cede às imposições de não-divulgação de segredos obtidos no exercício
de um trabalho ou profissão. A liberdade de professar qualquer fé, por seu turno, pode
não encontrar lugar propício no recinto de uma ordem religiosa específica”.15.
Por fim, são imprescritíveis, eis que a prescrição é instituto jurídico que apenas alcança
a exigibilidade de direitos de cunho patrimonial, nunca a de direitos personalíssimos. Estes
últimos são sempre exercíveis, de forma que não há intercorrência temporal de não-
exercício que possa fundamentar a impossibilidade da exigibilidade na prescrição.
(E) Relatividade. De acordo com o que preleciona a doutrina16 o exercício dos
direitos individuais, não raro, acarreta conflitos com outros direitos constitucionalmente
resguardados, dada a circunstância de nenhum direito ser absoluto ou prevalecer perante
os demais em abstrato. Como todos os direitos são relativos, eventualmente podem ter
seu âmbito de incidência reduzido e ceder (em prol de outros) em ocorrências fáticas
específicas. Nestes casos, de aparente confronto e incompatibilidade entre os diferentes
direitos, caberá ao intérprete decidir qual deverá prevalecer, sempre tendo em conta a
regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a
sua mínima restrição17.
15 . MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito
Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 320. 16 . MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 328.
17 . LENZA, PEDRO, Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 672.
(F) Inviolabilidade. Esta característica confirma a impossibilidade de desrespeito
aos direitos fundamentais por determinação infraconstitucional ou por atos de autoridade,
sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal.
(G) Complementaridade. Direitos fundamentais não são interpretados
isoladamente, de maneira estanque; ao contrário, devem ser conjugados, reconhecendo-
se que compõem um sistema único – pensado pelo legislador com o fito de assegurar a
máxima proteção ao valor "dignidade da pessoa humana". Destaca-se, ademais, que
referida complementaridade também se faz sentir quando do exercício dos direitos, que
igualmente pode ser cumulativo: por exemplo, quando um jornalista transmite certa
notícia (direito de informação) e, simultaneamente, emite uma opinião (direito de
opinião)18.
(H) Efetividade. A atuação dos Poderes Públicos deve se pautar (sempre) na
necessidade de se efetivar os direitos e garantais institucionalizados, inclusive por meio da
utilização de mecanismos coercitivos, se necessário for.
(I) Interdependência. Em que pese à autonomia, as previsões constitucionais que
se traduzem em direitos fundamentais possuem interseções/ligações intrínsecas, com o
intuito óbvio de intensificar a proteção engendrada pelo catálogo de direitos. Estes estão
todos interligados, associados – a liberdade de locomoção, por exemplo, está intimamente
vinculada à garantia do habeas corpus, bem como a previsão de que a prisão válida somente
se efetivará em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial
competente.
18 . LENZA, PEDRO, Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 672.
5. DIMENSÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
A doutrina brasileira 19 , afinada com a tradição européia, classifica os direitos
fundamentais a partir de dupla perspectiva, uma subjetiva e outra objetiva, significando
que referidos direitos são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais
da ordem constitucional objetiva.
Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a
prerrogativa de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Por outro lado,
em sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais formam a base do ordenamento
jurídico de um Estado de Direito democrático.
Percebe-se, pois, que a perspectiva objetiva vai além da subjetiva, afinal identifica nos
direitos fundamentais o verdadeiro "norte" de "eficácia irradiante" que sustenta todo o
ordenamento jurídico 20 . Tal dimensão resulta da visão que se tem dos direitos
fundamentais enquanto princípios basilares da ordem constitucional – princípios que
funcionam como limites ao poder e, igualmente, diretrizes para a sua ação.
O reconhecimento de uma dimensão objetiva para os direitos fundamentais traz
consequências tangíveis: os direitos deixam de ser considerados exclusivamente sob uma
perspectiva individualista, e os bens por eles tutelados passam a ser vistos como valores
em si, a serem preservados e fomentados no ordenamento.
Por fim, sob a ótica da dimensão subjetiva, é possível afirmar que os direitos
fundamentais cumprem diferentes funções na ordem jurídica, conforme a teoria dos
quatro "status" de Jellinek.
No final do século XIX, o autor construiu a doutrina que tem por base o
reconhecimento de que o indivíduo pode se apresentar em distintas posições perante o
Estado. Uma primeira é a de subordinação frente aos poderes públicos, na qual o
indivíduo é detentor de deveres para com o Estado. Este possui competência para vincular
o indivíduo, por meio de mandamentos e proibições. Tem-se, nesse sentido, o status
19 . MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. São Paulo: Método,
1999, p. 36.
20 . FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
230.
passivo. Em outra circunstância, faz-se necessário que o Estado não se intrometa na livre
escolha do indivíduo, permitindo-se, dessa forma, que os indivíduos gozem de um espaço
de liberdade de atuação, sem ingerências dos poderes públicos. Nesse caso, fala-se em
status negativo. Uma terceira posição estabelece o indivíduo em situação de exigir do
Estado que este atue positivamente em seu favor, através da oferta de bens e serviços,
principalmente os essenciais à sobrevivência sadia e a qualidade de vida da própria
comunidade. Tem-se, assim, o status positivo. Finalmente, fala-se em status ativo, no
qual o indivíduo desfruta de competências para contribuir na formação da vontade estatal,
correspondendo essa posição ao exercício dos direitos políticos, manifestados
principalmente através do direito ao sufrágio.
6. DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
É certo que o caput do art. 5º da CF/88 somente referencia, de modo expresso, os
brasileiros – natos ou naturalizados – e os estrangeiros residentes no país enquanto
titulares dos direitos fundamentais. Nada obstante, a doutrina mais recente e a Suprema
Corte têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente circunstancial
da nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de todos os homens, de
forma que os estrangeiros não residentes no país, assim como os apátridas, devam ser
considerados destinatários dos direitos fundamentais.
Desta forma, alguns direitos são assegurados a todos, independentemente da
nacionalidade, porquanto intrínsecos ao princípio da dignidade humana. Cite-se como
exemplo a garantia do habeas corpus, que pode ser manejada por estrangeiro em trânsito no
território nacional (turista) se eventualmente sua liberdade de locomoção tiver sido
violada.
Noutro giro, existem direitos que são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão,
portanto apenas aos brasileiros que estejam exercendo seus direitos políticos, como, por
exemplo, a propositura de uma ação popular (art. 5º, LXXIII, CF/88). No mesmo sentido,
direitos sociais, como alguns direitos referentes ao trabalho, são compreendidos como não
acessíveis aos estrangeiros sem residência no país.
No que concerne às pessoas jurídicas, de início entendia-se que os direitos e garantias
assegurados nos incisos do art. 5º dirigiam-se apenas às pessoas físicas, nunca a elas.
Doutrinariamente, contudo, superou-se esse posicionamento e, atualmente, admite-se que
os direitos fundamentais beneficiem, também, pessoas jurídicas brasileiras e estrangeiras
atuantes no Brasil. Não admitir essa possibilidade nos conduziria, nos dizeres de Celso
Ribeiro Bastos, a uma interpretação absurda, afinal “em muitas hipóteses a proteção última
do indivíduo só se dá por meio da proteção que se confere às próprias pessoas jurídicas”.21
Breve pesquisa no texto constitucional confirma que muitos dos direitos enumerados
nos incisos do art. 5º são extensíveis às pessoas jurídicas, tais como o princípio da
isonomia, o princípio da legalidade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo
da correspondência e das comunicações em geral, a inviolabilidade do domicílio, a garantia
do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, assim como a proteção
jurisdicional e o direito de impetrar mandado de segurança. Até mesmo os direitos
fundamentais à honra e à imagem, que violados podem culminar em reparação pecuniária,
são titularizados por pessoas jurídicas (STJ Súmula nº 227 – "A pessoa jurídica pode sofrer
dano moral").
Existem casos, inclusive, em que alguns direitos são conferidos direta e
exclusivamente às pessoas jurídicas, como o da não interferência estatal no funcionamento
de associações (art. 5º, XVIII, CF/88) e o de não serem elas compulsoriamente
dissolvidas, salvo por decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, XIX, CF/88).
Sob a perspectiva jurisprudencial, já se manifestou o STF no sentido de que alguns
dos direitos consagrados no art. 150, CF/88 são garantias fundamentais do contribuinte,
aplicáveis, certamente, às pessoas jurídicas quando estas se apresentam enquanto sujeitos
passivos da relação tributária.
Por fim, deve-se destacar que muito embora as pessoas jurídicas sejam consideradas
titulares de vasto rol de direitos, alguns são exclusivos das pessoas físicas. Isso porque a
natureza de certas garantias, como a que diz respeito à prisão (art. 5º, LXI CF/88), e
também aos direitos políticos – como o de votar e o de ser eleito para cargo político – ou
aos direitos sociais, como o de assistência social, é determinante para que as pessoas físicas
sejam percebidas como únicas destinatárias.
7. APLICABILIDADE DAS NORMAS DEFINIDORAS DOS DIREITOS
E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Em conformidade com o teor do art. 5º, § 1º, CF/88, as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o que retrata a preocupação dos
modernos sistemas constitucionais em evitar que as posições firmadas como essenciais
21 . BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 282.
para a identidade da Constituição não passem de retórica, ou então que sejam dependentes
da atuação legislativa para que tenham eficácia. Procurou-se, com isso, superar a
concepção de Estado de Direito formal, no qual os direitos fundamentais apenas ganham
expressão quando regulados por lei.
Todavia, conforme já explicitado no capítulo que trata da eficácia e aplicabilidade das
normas constitucionais (ver item 4, do cap. 1), tal regra não é absoluta e não pode atropelar
a natureza dos direitos constitucionalmente proclamados. Como existem normas
constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que são evidentemente não auto-
aplicáveis, isto é, que carecem de mediação legislativa para que possuam plena efetividade,
é certo dizer que sozinhas não produzirão todos os seus efeitos essenciais. A título de
exemplificação, vide as normas que dispõem sobre direitos fundamentais de índole social,
que geralmente têm a sua plena eficácia condicionada a uma complementação legislativa
ou a atuações estatais, por meio de políticas públicas. É o que acontece, por exemplo, com
o direito à educação, como disposto no art. 205 da CF/88, ou com o direito ao lazer, de
que cuida o art. 6º, também da CF/88.
Afirma, a propósito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho que é facilmente percebida a
existência de normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais “não
bastantes em si” e essa tão divulgada "aplicação imediata" “tem por limite a natureza das
coisas”.22 Da mesma maneira se manifesta André Ramos Tavares, entendendo que “não
há como pretender a aplicação imediata, irrestrita, em sua integralidade, de direitos não
definidos de maneira adequada, cuja própria hipótese de incidência ou estrutura ficam
claramente a depender de integração por meio de lei”.23
Conclui-se que, via de regra, os direitos constitucionais inseridos na Constituição da
República de 1988 terão eficácia e aplicabilidade imediata; no entanto, plausível a
existência de direitos desprovidos da capacidade de produzir integralmente seus efeitos de
modo imediato, pois, para estes, fez a Constituição depender de legislação posterior e/ou
políticas públicas a aplicabilidade plena e imediata.
8. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
PRIVADAS (EFICÁCIA HORIZONTAL)
Como em sua formulação clássica, de matriz eminentemente liberal, os direitos
traduziam-se em limites ao exercício do poder do Estado – de modo a barrar a ação
usurpadora deste nas suas relações com os indivíduos –, nunca se questionou a aplicação
dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares e o Poder Público. De fato, o
constitucionalismo tradicional apenas identificava nos direitos fundamentais direitos
subjetivos de defesa dos indivíduos exercidos contra o poder do Estado-opressor, do
Estado-Leviatã!
22 . FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 307.
23 . TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 484.
Nesse sentido, os direitos eram atribuídos ao indivíduo para que este pudesse se proteger
das ações lesivas/abusivas dos Poderes Públicos. Afinal, o Estado, em sua relação com o
indivíduo isoladamente considerado, se mostrava demasiado poderoso, firmando uma
autêntica relação de subordinação-superioridade.
A conjectura, entretanto, alterou-se. O Direito Constitucional contemporâneo vem
reconhecendo a expansão da eficácia dos direitos fundamentais para abarcar, também, as
relações privadas. Essa tendência, cujas discussões se iniciaram na Alemanha24, explicita a
potencialidade dos direitos fundamentais de produzirem efeitos não exclusivamente numa
perspectiva vertical (do particular frente ao Estado), mas também numa ótica horizontal
(entre particulares) – a metáfora vertical/horizontal justifica-se em razão da leitura que se
faz da arquitetura jurídico-social dos pólos contrapostos: o particular seria a parte
enfraquecida perante o Estado forte, poderoso e opressor, daí a idéia de subordinação, de
aplicação verticalizada de direitos; noutro giro, entre particulares, o confronto de interesses
se daria num plano horizontal, a partir de uma relação de coordenação, porque entre
indivíduos que se situam (ao menos em tese) de modo similar/equilibrado na estrutura de
forças do ordenamento.
Em verdade, modernamente, ultrapassou-se a discussão referente à possibilidade de
os direitos fundamentais terem ou não eficácia nas relações privadas: é inconteste a
aplicabilidade dos preceitos constitucionais nas relações entre os particulares, afinal, é
preciso compreender que não só o Estado atua enquanto órgão opressor dos indivíduos,
mas também que outros particulares podem agir nesse sentido, como os violadores dos
direitos mais caros aos cidadãos.
O que ainda não está muito bem delineado é a forma de incidência desses direitos. E
foi exatamente esta dúvida que impulsionou o desenvolvimento de diferentes teses a
respeito da operacionalização e manejo de direitos fundamentais nas relações privadas.
Favorável a uma "eficácia indireta e mediata" dos direitos fundamentais nas relações
privadas (tese sustentada, inicialmente, por Durig, na doutrina alemã, em 1956), é a
primeira corrente, segundo a qual a aplicação desses direitos em relações particulares
somente se efetiva quando da produção de leis infraconstitucionais. A irradiação de efeitos
dos direitos fundamentais nas relações construídas no plano horizontal estaria, pois,
condicionada à mediação promovida pelo legislador ou mesmo pelo juiz – que deve ler o
direito infraconstitucional com os óculos da Constituição. Adotar esta tese é aceitar a ideia de
dependência: a efetividade dos direitos fundamentais em âmbito privado restaria
condicionada à produção legislativa infraconstitucional ulterior, ou, em sendo o caso, à
interpretação judicial da norma constitucionalmente adequada.
Para os defensores desta teoria, ou se aceita que essa incorporação (dos direitos
fundamentais em âmbito privado) deva ser direcionada pelo legislador ou, do contrário,
estar-se-á desfigurando o direito privado a partir da superação de seu princípio basilar: a
24 . Nas décadas de 40 e 50 do século XX, notadamente após a decisão no notável "Caso Luth", em 1958, no qual
adotou-se o posicionamento de que os direitos fundamentais não atingiam diretamente a relação entre os particulares num caso referente à manifestação de pensamento.
autonomia da vontade. Segundo Canaris 25 , os direitos fundamentais “devem ser
considerados na concretização das cláusulas gerais juscivilistas”, jamais dissociados desse
contexto.
Por outro lado, há quem entenda que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais
deva ser "direta e imediata". Surge, assim, uma segunda corrente, partidária da tese de que
às garantias, tal como previstas no texto constitucional, é intrínseca a aplicabilidade (ampla
e plena) nas relações entre particulares. Seria, portanto, dispensável qualquer mediação,
por parte do legislador (que não mais precisaria criar a lei que serviria de "ponte" entre os
particulares e a observância dos dispositivos constitucionais) ou mesmo do magistrado
(em atividade interpretativa da legislação infraconstitucional à luz da Constituição). Para
esta teoria os Direito fundamentais estariam aptos a vincular de modo imediato os agentes
particulares, sendo desnecessária a intermediação legislativa.
Além da Alemanha, outro país que protagonizou intenso debate referente à incidência
ou não dos direitos fundamentais nas conexões entre particulares (e se referida aplicação
se daria de forma direta ou indireta) foi os EUA, no qual foi constituída, inicialmente, a
State Action Doctrine, que afastava a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas
e, posteriormente, a public function theory, segundo a qual a vinculação seria direta quando o
particular estivesse exercendo atividade tipicamente estatal. Segundo a doutrina “a ligação,
ainda que indireta, com a atividade estatal, nesses casos, tornaria a pessoa sujeita às
obrigações próprias do Estado, em termos de respeito aos direitos fundamentais”.
No Brasil, direitos fundamentais têm sido aplicados nas relações privadas, conforme
se depreende das anotações doutrinárias e de importantes paradigmas jurisprudenciais. No
entanto, de acordo com o que informa abalizada doutrina sobre o tema26, ainda não há
uma fundamentação teórica específica acerca dos limites e alcance dessa aplicação na
jurisprudência. Nada obstante, é possível encontrar decisões em que o Supremo Tribunal
Federal aplicou, de forma "direta"27, os direitos fundamentais nas relações privadas. A
decisão que de modo mais aprofundado explorou o tema, concluiu que normas
jusfundamentais de índole procedimental, como foi considerada a garantia da ampla
defesa, podem incidir de modo direto nas relações entre particulares, em se tratando de
punição de integrantes de entidade privada – sobretudo quando a associação desempenhe
papel relevante para a vida profissional ou comercial dos associados.
25 . CANARIS, Claus-Wilhelm. A Influência dos Direitos Fundamentais sobre o Direito Privado, p. 236, In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Por Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 26 . SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil.
apud BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 219. 27 . Destacam-se os seguintes casos paradigmáticos: RE nº 158.215/RS, STF; RE nº 161.243/DF (caso da Air France), STF
e RE nº 201.819/RJ, STF.
9. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em seu Título II, estabelece a Constituição Federal o gênero "Direitos
Fundamentais", do qual decorrem algumas espécies. Estruturalmente temos:
TÍTULO II – DOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS
• Capítulo I – dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º)
• Capítulo II – dos direitos sociais (art. 6º ao 11)
• Capítulo III – da nacionalidade (art. 12 e 13)
• Capítulo IV – dos direitos políticos (art. 14 a 16)
• Capítulo V – dos partidos políticos (art. 17)
• direitos e deveres individuais e coletivos: são aqueles destinados à proteção
não só dos indivíduos (direitos individuais), mas também dos diferentes grupos
sociais (coletivos); estão estritamente vinculados ao conceito de pessoa humana
e da sua própria personalidade (a vida, a liberdade, a honra, a dignidade);
• direitos sociais: têm por finalidade a melhoria das condições de vida dos
hipossuficientes, objetivando a concretização da igualdade social;
• direito de nacionalidade: enquanto vínculo jurídico político que explicita a
ligação entre um indivíduo e determinado Estado, a nacionalidade apresenta-se
como direito básico que capacitará o indivíduo a exigir proteção do Estado e o
sujeitará ao cumprimento de alguns deveres;
• direitos políticos: são os que conferem ao indivíduo os atributos da cidadania
e permitem que ele exerça, de forma livre e consciente, os mais diversos atos que
compõe seu direito de participação nos negócios políticos do Estado;
• dos partidos políticos: organização do instrumento necessário para concretizar
o sistema representativo.
Importante esclarecer que essa sistematização do Título II, que tornou ágil e
organizada a busca pelos principais dispositivos que proclamam direitos fundamentais,
não se pretende exaustiva, não impede a identificação de outros direitos consagrados em
trechos diversos do Título II (em artigos esparsos do texto constitucional). Os direitos
econômicos (art. 170), por exemplo, assim como os direitos referentes ao meio ambiente
(art. 225) e o direito à educação (art. 205), dentre tantos outros, não estão listados no
Título II; nada obstante são certamente fundamentais – em virtude da essencialidade dos
mesmos para a identificação do projeto básico constitucional.
10. QUADRO SINÓTICO
CAPÍTULO 4 – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
INTRODUÇÃO 1
A inconteste evolução que o direito constitucional alcançou é fruto, em grande medida, da aceitação dos direitos
fundamentais como cerne da proteção da dignidade da pessoa e da certeza de que inexiste outro documento mais
adequado para consagrar os dispositivos assecuratórios dessas pretensões do que a Constituição.
DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS 2
Majoritariamente a doutrina identifica uma diferença entre os termos, referente ao plano em que os direitos são
consagrados: enquanto os direitos humanos são identificáveis tão somente no plano contrafactual (abstrato),
desprovidos de qualquer normatividade, os direitos fundamentais são os direitos humanos já submetidos a um
procedimento de positivação, detentores, pois, das exigências de cumprimento (sanção), como toda e qualquer
outra norma jurídica.
GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 3
O desenvolvimento dos direitos fundamentais não se deu em um mesmo e único momento histórico. Paulo Bonavides destacou-se entre os doutrinadores constitucionalistas ao traçar um perfil histórico-temporal desse desenrolar, reunindo os direitos em diferentes grupos, denominados gerações.
Os direitos de primeira geração importam na consagração de direitos civis e políticos clássicos, essencialmente ligados ao valor liberdade. Apresentam-se como direitos dos indivíduos e são oponíveis, sobretudo, ao Estado, na medida em que exigem deste, precipuamente, uma abstenção, um não fazer, possuindo, dessa forma, inequívoco caráter negativo.
Já os direitos de segunda geração acentuam o princípio da igualdade entre os homens (igualdade material). São, usualmente, denominados "direitos do bem-estar", uma vez que pretendem ofertar os meios materiais imprescindíveis para a efetivação dos direitos individuais. Para tanto, exigem do Estado uma atuação positiva, um fazer, o que significa que sua realização depende da implementação de políticas públicas estatais, do cumprimento de certas prestações sociais por parte do Estado, tais como: saúde, educação, trabalho, habitação, previdência e assistência social.
Na terceira geração apareceram os direitos de fraternidade ou solidariedade que englobam, dentre outros, os direitos ao desenvolvimento, ao progresso, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à autodeterminação dos povos, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à qualidade de vida, os direitos do consumidor e da infância e juventude.
Na quarta geração são consagrados os direitos – como, por exemplo, à democracia, à informação e ao pluralismo – dos quais dependerá a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.
Por fim, há quem defenda a existência de uma quinta geração de direitos fundamentais, representada pelo
direito à paz.
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 4
Grande parte da doutrina indica qualidades que são associadas aos direitos fundamentais de forma corriqueira, quais sejam:
(A) Universalidade. Esta característica aponta a existência de um núcleo mínimo de direitos que deve estar presente em todo lugar e para todas as pessoas, independentemente da condição jurídica, ou do local onde se encontra o sujeito – porquanto a mera condição de ser humano é suficiente para a titularização.
(B) Historicidade. Como os direitos fundamentais são proclamados em certa época, podem desaparecer em outras ou serem modificados com o passar do tempo, apresentam-se como um corpo de benesses e prerrogativas que somente fazem sentido se contextualizadas num determinado período histórico.
(C) Indivisibilidade. Os direitos fundamentais formam um sistema harmônico, coerente e indissociável, o que importa na impossibilidade de compartimentalização dos mesmos.
(D) Imprescritibilidade, inalienabilidade. Direitos fundamentais não são passíveis de alienação, deles não se pode dispor, tampouco prescrevem.
(E) Relatividade. O exercício dos direitos individuais, não raro, acarreta conflitos com outros direitos constitucionalmente resguardados, dada a circunstância de nenhum direito ser absoluto ou prevalecer perante os demais em abstrato. Como todos os direitos são relativos, eventualmente podem ter seu âmbito de incidência reduzido e ceder (em prol de outros) em ocorrências fáticas específicas.
(F) Inviolabilidade. Esta característica confirma a impossibilidade de desrespeito aos direitos fundamentais por determinação infraconstitucional ou por atos de autoridade, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal.
(G) Complementaridade. Direitos fundamentais não são interpretados isoladamente, de maneira estanque; ao contrário, devem ser conjugados, reconhecendo-se que compõem um sistema único.
(H) Efetividade. A atuação dos Poderes Públicos deve se pautar (sempre) na necessidade de se efetivar os direitos e garantais institucionalizados, inclusive por meio da utilização de mecanismos coercitivos, se necessário for.
(I) Interdependência. Em que pese à autonomia, as previsões constitucionais que se traduzem em direitos
fundamentais possuem interseções/ligações intrínsecas, com o intuito óbvio de intensificar a proteção
engendrada pelo catálogo de direitos. Estes estão todos interligados, associados – a liberdade de locomoção, por
exemplo, está intimamente vinculada à garantia do habeas corpus.
DIMENSÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 5
A doutrina brasileira, afinada com a tradição europeia, classifica os direitos fundamentais a partir de dupla perspectiva, uma subjetiva e outra objetiva, significando que referidos direitos são, a um só tempo, direitos
subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a prerrogativa de impor os seus
interesses em face dos órgãos obrigados. Por outro lado, em sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais
formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. Por fim, sob a ótica da dimensão subjetiva, é possível afirmar que os direitos fundamentais cumprem diferentes
funções na ordem jurídica, conforme a teoria dos quatro "status" de Jellinek. O primeiro é de subordinação frente aos poderes públicos, na qual o indivíduo é detentor de deveres para com
o Estado. Tem-se, nesse sentido, o status passivo. Em outra circunstância, faz-se necessário que o Estado não se
intrometa na livre escolha do indivíduo, permitindo-se, dessa forma, que os indivíduos gozem de um espaço de
liberdade de atuação, sem ingerências dos poderes públicos. Nesse caso, fala-se em status negativo. Uma terceira
posição estabelece o indivíduo em situação de exigir do Estado que este atue positivamente em seu favor, através
da oferta de bens e serviços, principalmente os essenciais à sobrevivência sadia e a qualidade de vida da própria
comunidade. Tem-se, assim, o status positivo. Finalmente, fala-se em status ativo, no qual o indivíduo desfruta
de competências para contribuir na formação da vontade estatal, correspondendo essa posição ao exercício dos
direitos políticos, manifestados principalmente através do direito ao sufrágio.
DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 6
É certo que o caput do art. 5º da CF/88 somente referencia, de modo expresso, os brasileiros – natos ou naturalizados – e os estrangeiros residentes no país enquanto titulares dos direitos fundamentais. Nada obstante, a doutrina mais recente e a Suprema Corte têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente
circunstancial da nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de todos os homens, de forma que os estrangeiros não residentes no país, assim como os apátridas, devam ser considerados destinatários dos direitos
fundamentais. No que concerne às pessoas jurídicas, de início entendia-se que os direitos e garantias assegurados nos incisos
do art. 5º dirigiam-se apenas às pessoas físicas, nunca a elas. Doutrinariamente, contudo, superou-se esse
posicionamento e, atualmente, admite-se que os direitos fundamentais beneficiem, também, pessoas jurídicas
brasileiras e estrangeiras atuantes no Brasil.
APLICABILIDADE DAS NORMAS DEFINIDORAS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 7
As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o que retrata a preocupação dos modernos sistemas constitucionais em evitar que as posições firmadas como essenciais para a identidade da Constituição não passem de retórica, ou então que sejam dependentes da atuação legislativa para
que tenham eficácia. Todavia, conforme já explicitado no capítulo que trata da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais
(ver item 4 cap. 1), tal regra não é absoluta e não pode atropelar a natureza dos direitos constitucionalmente
proclamados. Como existem normas constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que são evidentemente
não auto-aplicáveis, isto é, que carecem de mediação legislativa para que possuam plena efetividade, é certo dizer
que sozinhas não produzirão todos os seus efeitos essenciais.
EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS (EFICÁCIA HORIZONTAL) 8
Como em sua formulação clássica, de matriz eminentemente liberal, os direitos traduziam-se em limites ao exercício do poder do Estado – de modo a barrar a ação usurpadora deste nas suas relações com os indivíduos –,
nunca se questionou a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares e o Poder Público. De fato, o constitucionalismo tradicional apenas identificava nos direitos fundamentais direitos subjetivos de defesa dos indivíduos exercidos contra o poder do Estado-opressor, do Estado-Leviatã!
A conjectura, entretanto, alterou-se. O direito constitucional contemporâneo vem reconhecendo a expansão
da eficácia dos direitos fundamentais para abarcar, também, as relações privadas. Essa tendência, cujas discussões
se iniciaram na Alemanha, explicita a potencialidade dos direitos fundamentais de produzirem efeitos não
exclusivamente numa perspectiva vertical (do particular frente ao Estado), mas também numa ótica horizontal
(entre particulares).
CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 9
Em seu Título II, estabelece a Constituição Federal o gênero "Direitos Fundamentais", do qual decorrem algumas espécies. Estruturalmente temos:
TÍTULO II – DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Capítulo I – dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) Capítulo II – dos direitos sociais (art. 6º ao 11) Capítulo III – da nacionalidade (art. 12 e 13) Capítulo IV – dos direitos políticos (art. 14 a 16)
Capítulo V – dos partidos políticos (art. 17).