manual - planeamento e gestão território

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 PLANEAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO Colecção INOV AÇÃO E GOVERNAÇÃO N AS AUT ARQUIAS

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Coleco I N O VA O E G O V E R N A O N A S A U T A R Q U I A S

PLANEAMENTO E GESTO DO TERRITRIO

F I C H A ? T C N I C ATtulo PLANEAMENTO E GESTO DO TERRITRIO Autores Francisco Mafra J. Amado da Silva Editor SPI Sociedade Portuguesa de Inovao Consultadoria Empresarial e Fomento da Inovao, S.A. Edifcio Les Palaces, Rua Jlio Dinis, 242, Piso 2 208, 4050-318 PORTO Tel.: 226 076 400; Fax: 226 099 164 [email protected]; www.spi.pt Porto 2004 Produo Editorial Principia, Publicaes Universitrias e Cientficas Av. Marques Leal, 21, 2. 2775-495 S. JOO DO ESTORIL Tel.: 214 678 710; Fax: 214 678 719 [email protected] www.principia.pt Reviso Marlia Correia de Barros Projecto Grfico e Design Mnica Dias Paginao Xis e rre, Estdio Grfico, Lda. Impresso MAP Manuel A. PachecoI S B N 972-8589-46-8 D e p s i t o L e g a l 220224/04

Produo apoiada pelo Programa Operacional Emprego, Formao e Desenvolvimento Social (POEFDS), co-financiado pelo Estado Portugus, e pela Unio Europeia, atravs do Fundo Social Europeu. Ministrio da Segurana Social e do Trabalho.

PLANEAMENTO E GESTO DO TERRITRIOFrancisco Mafra J. Amado da Silva

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INTRODUOO objectivo primordial de qualquer poltica territorial o desenvolvimento, no qual o crescimento assume importncia essencial e instrumental. Em termos de metodologia das polticas, o desenvolvimento ser um fim, o crescimento um meio. Objectivamente, o desenvolvimento exprime-se atravs do acesso fsico e econmico (condies materiais de vida) aos bens, servios e equipamentos que permitem a satisfao das necessidades bsicas, nelas se compreendendo, entre outras, a habitao, o emprego, a educao, o lazer, a sade e o bem-estar, como oportunidades de benefcio, mas tambm de participao activa na construo da coeso social. O desenvolvimento, por inerncia conceptual, exige preocupaes de eficincia, de sustentabilidade e de equidade (justia social, equilbrio, harmonia). A forma como o espao se organiza interfere no desenvolvimento, porque praticamente toda a actividade humana localizada. Por isso, o espao simultaneamente factor e sujeito do desenvolvimento. Nesse sentido, o ordenamento do territrio, a organizao espacial das sociedades humanas e das suas actividades, a todos os nveis ou patamares, um pressuposto essencial para o desenvolvimento. E daqui decorre, naturalmente, a necessidade e a importncia das polticas territoriais que do corpo ao planeamento e gesto do territrio. Mas podem-se explicar um pouco melhor algumas das razes especficas destas polticas e da sua importncia cada vez maior: A exploso do crescimento populacional e urbano e as suas consequncias sobre o ambiente; O facto de o territrio estar longe de ser homogneo, apresentando disparidades acentuadas, traduzidas em diferentes nveis de desigualdades de desenvolvimento; A desacreditao da velha ptica clssica de que os mecanismos de mercado optimizam, de forma equilibrada e automtica, os resultados da actividade econmica, tornando hoje ponto assente a necessidade de interveno do Estado, para correco destas falhas do mercado; A constatao de que as unidades territoriais, aos diferentes nveis, so cada vez mais relevantes na gesto e na captao de recursos, sendo hoje em dia agentes cruciais da competitividade a nvel supranacional e global;

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O aparecimento de novos problemas e, por isso, tambm a necessidade de novos paradigmas de polticas territoriais, como as regionais e urbanas, a desafiarem novas formas de governao (distribuio de poderes e parcerias) atravs de processos de descentralizao/desconcentrao. Naturalmente que, num projecto centrado na inovao e governao nas autarquias locais, o planeamento e a gesto do territrio indispensvel para que os espaos territoriais autrquicos se possam qualificar como locais de interesse para o investimento, condio necessria do desenvolvimento. Isso constitui uma tarefa urgente mas complexa que exige a introduo de mtodos avanados e estratgicos de planeamento dos aglomerados urbanos e dos territrios envolventes. O que, s por si, j justificaria bem o objecto e a importncia deste manual. A abordagem do tema subordinou-se a um esquema desenvolvido em quatro captulos. No primeiro, tecem-se algumas consideraes de natureza conceptual e metodolgica, bem como de enquadramento histrico. No segundo, abordam-se algumas das grandes linhas actuais de orientao e mudana das polticas de planeamento e gesto do territrio, sem esquecer a possibilidade de utilizao dos instrumentos de governo electrnico. No terceiro captulo procura-se dar uma viso dos principais aspectos do tema em Portugal, quer numa perspectiva histrica, quer na sua expresso e tendncias actuais. Termina-se (Captulo 4) com uma tentativa de dar um panorama geral do que se passa na Unio Europeia em termos de ordenamento do territrio. No ltimo ponto deste captulo procura-se situar Portugal no contexto da Europa das Regies, abordando, a propsito e de forma muito sucinta, algumas das especificidades que tm caracterizado o processo portugus de regionalizao. Uma questo que afinal objectivo constitucional desde que vivemos em democracia, mas que sempre tem sido adiada pelas mais diversas razes.

FRANCISCO MAFRA J. AMADO DA SILVA

CAPTULO

1A GNESE E A EVOLUO DOO B J E C T I V O S

PLANEAMENTO DO TERRITRIO

Apreender os conceitos e as metodologias de planeamento e gesto territorial. Identificar entidades territoriais relevantes. Enquadrar as polticas regionais e urbanas numa perspectiva histrica.

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O Planeamento e a Gesto do Territrio so polticas de natureza pluridisciplinar e ganham muito com a abordagem em termos de sistema. O espao implica necessariamente a noo de distncia, que por sua vez determina custos de transporte e de localizao. Duas importantes entidades do espao, porque dele dependem, so a cidade e a regio, que se influenciam mutuamente. O despertar para o planeamento do territrio surgiu nos anos 20 do sculo XX, e generalizou-se aps a Segunda Guerra Mundial. A prtica urbanstica tem a idade das cidades, mas a teoria s adquiriu foros de ramo sistematizado de conhecimentos desde que foi chamada a resolver problemas urbanos importantes originados pela Revoluo Industrial e pelo acentuado crescimento das cidades.

1.1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E METODOLGICO1.1.1. SITUAO DO PROBLEMAA expresso Planeamento e Gesto do Territrio, que constitui o tema deste manual, afigura-se, primeira vista, redutora, dando a entender que todos os aspectos da gesto territorial pressupem o planeamento e, por conseguinte, a existncia de planos. Embora no seja rigorosamente verdade, um facto que a maior parte dos aspectos das intervenes sobre o territrio, pelo menos nos tempos modernos, tm revestido a forma de planos ou programas de aco, entendidos como formas ou modelos dinmicos e sistemticos de enquadramento de aces ou polticas, neste caso de polticas territoriais. Qualquer ramo do conhecimento, na busca da sua autonomia cientfica, confronta-se com a necessidade de definir o seu objectivo e os fenmenos que se incluem no seu campo de observao e anlise. Neste sentido, o objecto e a finalidade do planeamento e gesto do territrio o ordenamento territorial, significando esta expresso a anlise da distribuio dos locais destinados a habitao e a actividades produtivas e outras

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num dado espao, bem como das formas de utilizao pelos diversos agentes envolvidos. Segundo Secchi (1968), h duas grandes categorias de fenmenos de carcter ou interesse territorial. A primeira inclui: os fenmenos de natureza acumulativa que levam formao de centros urbanos de diversas dimenses; os que originam um desenvolvimento diferente dos diversos centros urbanos e tambm das grandes reas ou regies; os que levam ao estabelecimento de um determinado sistema de relaes espaciais entre os diversos centros; a segunda grande categoria inclui os fenmenos que influenciam a distribuio da ocupao do territrio no interior dos diferentes centros urbanos ou reas de acumulao populacional. Os fenmenos enquadrados na primeira categoria so tradicionalmente classificados como fenmenos geogrficos e os da segunda categoria como fenmenos urbansticos. Em ambos os casos os espaos envolvidos podem ser objecto de polticas territoriais. Entende-se por polticas territoriais o conjunto de normas e intervenes ditadas ou adoptadas pela iniciativa pblica, tendo em vista o ordenamento do territrio, isto , a formao e o desenvolvimento dos centros urbanos, a distribuio espacial da ocupao do solo no interior dos mesmos e nas regies envolventes e a sua utilizao por parte dos diversos agentes. Por planeamento do territrio entende-se uma estrutura analtica e estratgica, na sua essncia um conjunto coerente de polticas que estabelecem ou modificam o ordenamento territorial. Em termos gerais, as polticas territoriais, alis como quaisquer outras polticas, pretendem transformar uma situao actual ou existente, numa situao desejvel ou futura, atravs de um conjunto de aces que se designam por meios, instrumentos ou medidas de poltica. A situao existente configurada atravs de uma anlise de diagnstico e a situao desejvel por meio do estabelecimento ou fixao dos fins ltimos e dos objectivos. Os instrumentos ou as medidas de poltica devem ser formulados e accionados em termos estratgicos e so, como fcil de entender, a parte nuclear das polticas. por isso que, algumas vezes, o termo polticas utilizado para designar to s esta parte de estratgia e de aco, em vez da globalidade do processo. As polticas territoriais, como quaisquer outras, repetimos, pressupem um bom diagnstico de situao e uma clara definio dos fins e objectivos que se pretende atingir com a modificao da realidade. A transformao da realidade existente na que se deseja pressupe um conjunto de medidas instrumentais, estrategicamente formulado, eficaz e adequado para operar a modificao ou transformao. A eficcia desta parte das polticas geral-

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mente aferida atravs do benchmarking, termo ingls de utilizao hoje generalizada para designar a comparao com padres de qualidade, quantidade, ou capacidade que so previamente conhecidos ou estabelecidos. O modelo de poltica territorial no beneficia apenas de ter um contedo de anlise terica e doutrinal que, como se referir adiante, de natureza pluridisciplinar. Ganha tambm em revestir-se de uma abordagem sistmica, dada a complexidade das relaes entre o homem e o territrio, interpretadas geralmente como formando o sistema ecolgico ou ecossistema. Conceptualmente, a abordagem das polticas territoriais em termos de sistema extremamente potente para explicar a faceta territorial dos fenmenos reais. a linha seguida por autores como Mcloughlin (1970) ao descreverem o planeamento regional e urbano como um processo integrado e cclico, isto , desenvolvido em sistema e por ciclos, em cada um destes se distinguindo fases bem definidas, tais como: A anlise da situao que, a partir da escala de valores em presena, revelar as necessidades dos indivduos e grupos; A formulao dos fins e dos objectivos, de forma hierarquizada, tanto em termos espaciais como temporais; A inventariao das estratgias ou orientaes de poltica e das linhas de aco necessrias para atingir os objectivos; O confronto das linhas de aco com os meios disponveis, os seus custos e vantagens e as opes ou escolhas necessrias; A aco, isto , a actuao atravs dos instrumentos e medidas que, modificando as relaes do sistema, implicam a reiniciao de novo ciclo de horizonte temporal mais alargado. esta a essncia dos planos, entendidos como modelos ou instrumentos simultaneamente descritivos, de previso e, sobretudo, de aco, de forma a atingir-se a transformao desejvel da realidade. Um aspecto importante das polticas territoriais a sua caracterstica interdisciplinar. De facto, nenhum fenmeno da vida real de natureza estritamente disciplinar, no sentido de se poder dizer que da alada exclusiva deste ou daquele ramo de conhecimento cientfico. Dito de outra forma, no h fenmenos econmicos, urbansticos, sociais, fsicos, biolgicos ou quaisquer outros. O que existe so fenmenos reais que, consoante as circunstncias e o interesse do seu estudo, so abordados na ptica econmica, urbanstica, sociolgica, fsica, biolgica, etc. verdade que os problemas do planeamento e de gesto do territrio no podem prescindir de uma abordagem econmica, no sentido da con-

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frontao das diferentes solues relativamente ao aproveitamento de recursos escassos e de utilizao alternativa. Mas h outros aspectos para alm da economia, que implicam uma viso pluridisciplinar das polticas territoriais, bem como um dilogo permanente entre profissionais e agentes da poltica, congregando especialidades tais como: economistas, engenheiros, gegrafos, arquitectos, paisagistas, demgrafos, socilogos, cientistas polticos, juristas, matemticos, analistas de sistemas, programadores e toda uma grande variedade de outros especialistas em actividades diversas, tanto de natureza sectorial como funcional.

1.1.2. O ESPAO NA ANLISE E NAS POLTICAS TERRITORIAISAs polticas territoriais, por definio, integram, desde sempre, a noo de espao. O conceito de espao reveste-se, seno de alguma ambiguidade, pelo menos de uma grande amplitude conceptual, na medida em que pode ter definies de vrias ndoles: geogrfica, histrica, econmica, fsica, social, administrativa, poltica, etc. De acordo com Castells (1972) no uma simples pgina branca sobre a qual se inscrevem as aces dos grupos e das instituies apenas condicionadas pelos comportamentos de geraes anteriores. A teoria econmica de suporte s polticas territoriais s muito tarde introduziu de forma sistemtica a varivel espao na sua anlise, alis muito mais tarde que a varivel tempo, no obstante alguns afloramentos precursores. Como escrevia Ponsard (1955), em economia abstracta os postulados e as anlises so tais que a explicao apresentada independentemente das coordenadas espaciais, sem a preocupao de explorar as realidades de um ponto de vista dimensional. Por exemplo, os custos de transporte so pura e simplesmente agregados aos custos gerais ou aos preos; as funes da oferta e da procura aparecem como grandezas no localizadas; os mercados e as empresas so analisados sem preocupaes de localizao e dimenso. Mesmo na teoria dos mercados, o espao quase s introduzido na concorrncia monopolstica e como um dos factores de diferenciao do produto. Hoje em dia, ao elenco dos trs problemas fundamentais que qualquer sistema econmico tem de resolver composio e determinao da produo, orientao dos recursos, repartio da produo acrescentam-se dois outros

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que ganharam a sua autonomia devido sua importncia: o ordenamento temporal da economia, atravs do binmio consumo/investimento e, o que nos interessa mais aqui, o ordenamento espacial do processo produtivo. Subjacente a toda esta problemtica est, como facilmente se compreende, uma caracterstica do espao que a distncia e os problemas que acarreta em termos de custos de transporte de produtos e de factores. A localizao , assim, de acordo com Lopes (1980) a base da organizao espacial, num mundo de recursos escassos. Nada haver em princpio que se localize por acaso (...) A natureza do problema da localizao leva a dar grande relevo aos aspectos econmicos [do planeamento do territrio] no apenas porque sempre estaro em causa benefcios e custos, mas porque a maioria das actividades humanas envolve a distribuio e o uso de recursos limitados. Mas a concepo econmica do espao assume outras consequncias, sobretudo em resultado do desenvolvimento tecnolgico verificado em reas como os transportes e comunicaes. A par de uma cada vez maior mobilidade de pessoas e bens e da menor dependncia de recursos que nem sempre gozam de mobilidade, assiste-se tambm a economias de escala e economias de aglomerao. Contudo, esses tipos de economias no so ilimitados, podendo surgir situaes de perda de benefcios ou mesmo de custos de operao ou de congesto.

1.1.3. O ESPAO E A REGIOAs noes de espao e de regio so diferentes. Segundo Boudeville (1969), o espao pode definir-se a partir de um conjunto de dados econmicos localizados, em que as localizaes podem ser dispersas, descontnuas, porque aquilo que d unidade ao espao so as suas caractersticas e as relaes de interdependncia. A regio tem de ser definida de forma mais restrita, no resultando as restries de factores ligados dimenso mas sim a razes de contiguidade, isto , os elementos que compem a regio tm de localizar-se necessariamente em forma de continuidade territorial ou geogrfica. As regies e os pases so quadros territoriais importantes de anlise e de polticas territoriais. Mas enquanto os territrios a nvel nacional so o resultado objectivo de um processo histrico ou poltico relativamente sedimentado, as regies nem sempre tiveram uma existncia evidente, objectiva e at pacfica. Por isso, no tm sido aceites unanimemente, nem tm sido utiliza-

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das com finalidades idnticas, o que, em grande parte, se deve ao carcter interdisciplinar das polticas territoriais. Apesar das dificuldades existentes quanto delimitao das regies, h alguma uniformidade quanto ao conceito de regio em volta de trs paradigmas: regies homogneas, regies funcionais e regies-plano. Seguindo de perto autores como Sthr (1969) e Lopes (1980), verificamos que:Regies homogneas assentam em critrios baseados na maximizao da semelhana interna em relao a certos indicadores; Regies funcionais so caracterizadas com base em critrios de mxima interaco (interdependncia) funcional dos seus elementos; Regies-plano aliam a um ou outro dos critrios acima mencionados, os critrios normativos respeitantes a objectivos futuros (ou de planeamento).

Para que uma regio seja homognea necessrio que a variabilidade dos indicadores de caracterizao escolhidos se contenha dentro de determinados limites. evidente que as regies homogneas vo variar de atributo para atributo e de acordo com o grau de exigncia de uniformidade predefinido. Na base da definio e delimitao de regies funcionais esto preocupaes de natureza e intensidade das interaces, sobretudo de ordem econmica, traduzidas no espao pela existncia de plos (industriais), ns (de comunicaes) ou centros (de servios), ou seja, pontos ou ncleos de elevada intensidade de relaes. A uniformidade (homogeneidade) relativa deixa de ser a preocupao, passando a interessar os fluxos e as relaes de interdependncia da rede urbana interna regio. A regio funcional, frequentemente tambm chamada regio polarizada, pode ser definida como uma rea territorial na qual as relaes econmicas internas so mais intensas do que as estabelecidas nas regies confinantes. Ao conceito de polarizao est associado o de dependncia, de que decorre uma perspectiva de hierarquizao. Por isso se diz que um espao polarizado o conjunto de unidades ou de plos econmicos que mantm mais trocas e ligaes com um plo de ordem imediatamente superior do que com outros plos da mesma ordem. O critrio de planeamento que est por detrs das regies-plano um critrio de compromisso que procura aproveitar as vantagens dos critrios de homogeneidade e de funcionalidade/polarizao e tenta estabelecer um quadro espacial mais adequado s polticas territoriais de mbito regional.

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1.1.4. O ESPAO E A CIDADEA constituio de regies-plano pressupe, devido sobretudo ao aspecto da sua funcionalidade, uma rede urbana organizada em volta de um centro polarizador (a capital da regio), que fica sempre na dependncia da rea que apoia e sobre a qual se apoia (Lopes, 1980). Na perspectiva introdutria em que nos situamos, interessa pois introduzir a cidade na terminologia do planeamento e gesto do territrio. A cidade um fenmeno histrico, geogrfico, mas principalmente econmico e social. Desde os tempos primitivos que o homem sente necessidade de se agrupar; na Antiguidade, por razes de sobrevivncia ou de subsistncia. Mais tarde so razes fundamentalmente econmicas que condicionam aquela necessidade. (Vasconcellos, 1986). O conceito ou categoria de cidade, bem como o problema da sua delimitao, so, como muitas outras questes ligadas gesto do territrio, de grande ambiguidade e amplitude. O conceito, geralmente definido atravs da dimenso populacional do aglomerado, bem exemplo disso. Aglomerados populacionais de poucas centenas de pessoas que nalguns pases no passam de pequenas aldeias, so classificados como cidades noutros; grandes aglomerados populacionais que em certos pases tm apenas categoria de centros rurais, noutros seriam cidades mdias. O caso portugus, onde as cidades atingem essa categoria por via administrativa, bem paradigmtico desta ambiguidade. Existem actualmente 141 povoaes com a categoria de cidade, possuindo a mais pequena 1336 habitantes (Santana, Madeira) e a maior (Lisboa) 564 657. Um fenmeno urbano dos tempos modernos o das cidades gigantes designadas por metrpoles, megametrpoles, ou cidades-regies na expresso de Scott (2001), que se tm expandido rapidamente e tm trazido novos problemas, novos desafios, s polticas territoriais. Perante a galxia de seres humanos, compreendida entre Boston e Washington, na altura com 50 milhes de pessoas, mas hoje a caminho dos 100 milhes, Doxiadis, um visionrio citado por Mcloughlin (1970), imaginava a ligao, no futuro, de todas estas galxias urbanas na cidade-mundo a que chamava Ecumenpolis. Aos problemas clssicos das cidades vm agora acrescentar-se os das grandes aglomeraes urbanas, um fenmeno que no s caracterstico dos pases evoludos mas tem alastrado de forma assustadora tambm aos pases em desenvolvimento. De qualquer modo, a cidade, independentemente da sua escala dimensional, levanta sempre problemas importantes de organizao do espao, de utilizao do solo, impondo a dicotomia espao urbano versus espao rural, tambm nem sempre fcil de definir e delimitar, a no ser que seja

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por oposio de um ao outro. Embora seja claro que o que distingue o uso urbano do uso rural do solo a constatao de que na ltima acepo os usos so predominantemente agrcolas e afins (floresta, pastagens, incultos), h um critrio curioso de Blumenfeld (citado por Lopes,1980) que prope a distino nestes termos: uso rural uso do solo; uso urbano uso no solo. Efectivamente, para fins urbanos, o solo s um local, um stio de localizao, enquanto que para usos rurais geralmente um factor de produo bsico.

1.2. ENQUADRAMENTO HISTRICO1.2.1. BREVE CRONOLOGIA DAS TEORIAS DA LOCALIZAONuma resenha histrica da evoluo do planeamento e gesto do territrio, justifica-se que, no mnimo, se faa uma referncia sumria, e por ordem do seu aparecimento, das teorias da localizao, j que elas so grande parte dos fundamentos tericos das polticas de incidncia ou expresso territorial e urbana. Um precursor, alis muito esquecido, o economista e banqueiro irlands Richard Cantillon, que iniciou o seu Ensaio sobre a Natureza do Comrcio em Geral, publicado em 1755, com uma descrio do equilbrio geral e da organizao espacial da economia, antecipando, praticamente, quase 200 anos, a teoria das regies econmicas de Lsch. Entre outros aspectos, de facto o primeiro analista a introduzir os custos de tempo de transporte que explicam as cidades e outros aspectos da actividade humana. S muito mais tarde, em 1826, von Thnen, um economista de formao agronmica, sob forte influncia da teoria da renda de Ricardo, introduz a influncia da distncia e dos custos de transporte na formao dos preos dos produtos agrcolas e associa as leis dessa formao aos padres da utilizao do solo, atravs de zonas concntricas (anis) de diferente utilizao.

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J nos anos 80 do sculo XIX, Lannhart, pioneiro em estudos de localizao industrial, introduz numa anlise geomtrica dois importantes factores para explicar essa localizao: o transporte e a rea de mercado. O que aconteceu foi que o autor no compreendeu que seria necessrio juntar ambos os tipos de informao para decidir segundo um objectivo de maximizao do lucro, correco que demorou mais de 60 anos a ser feita por Lsch. H. Mackinder (1902) desenvolveu algumas ideias que haviam de ser aproveitadas alguns anos mais tarde por A. Weber (1909) onde podem encontrar-se sistematizaes ainda hoje teis, como aquela que classifica as indstrias pelos critrios de atraco de mo-de-obra, matria-prima, ou mercado, reconhecendo-se nestas duas ltimas categorias a influncia dos custos de transporte. Mais tarde (1933) W. Christaller, numa teoria simultaneamente rigorosa e elegante sob o ponto de vista formal, mostra o relacionamento entre a relativa raridade de um bem ou servio e a populao necessria para viabilizar a sua produo. Partindo de determinadas hipteses, Christaller mostrou, na sua teoria dos lugares centrais, como se forma uma hierarquia de centros urbanos, distribuda segundo padres geomtricos (hexagonais) das reas que servem. Trata-se de uma hierarquia de aglomerados populacionais com muitos pequenos centros e sucessivamente menor nmero de centros medianos, mdios, at chegar ao centro principal ou capital. Colby (1933) identifica as foras centrpetas e centrfugas que actuam dentro das cidades e que tm efeitos de concentrao sobre umas actividades e de disperso sobre outras, respectivamente. Palander (1935) demonstra a importncia dos entroncamentos ou ns, como locais de transbordo de materiais e produtos para a localizao industrial. Nesta mesma matria, Hoover (1937 e 1948) especifica minuciosamente vrios factores de localizao, designadamente as tarifas de transporte e, mais tarde, analisa as foras de aglomerao derivadas da interdependncia estrutural. O interesse particular de Hoover resulta de ter alargado a sua anlise mudana de localizao, competio na localizao e influncia das polticas pblicas na escolha da localizao. A sntese dos conhecimentos quanto a custos de produo, mercados e a sua relao com as decises de localizao industrial deve-se a A. Lsch (1940 e 1944), que tenta desenvolver uma teoria geral da localizao e um modelo da localizao da empresa sujeita ao objectivo do lucro mximo. W. Isard, na dcada de 50, desenvolve vrias teorias e tcnicas de anlise regional, designadamente o uso da matriz das relaes interindustriais neste tipo de anlise. Importante tambm o seu contributo para a anlise do complexo industrial como suporte para os programas de desenvolvimento regional. Com mais ou menos refinamentos, trata-se essencialmente da ideia de

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plo exposta pela primeira vez por F. Perroux (1955) e desenvolvida tambm por Boudeville e Paelinck. Os anos 60 e 70 so frteis em contributos tericos e operacionais para a organizao intra-urbana, nomeadamente o uso do solo. Para alm de algumas referncias na terceira parte deste ponto (Urbanismo), destacamos Mitchell e Rapkim, bem como Wingo e as suas anlises do trfego urbano como funo do uso do solo; ainda Wingo, Paelinck, Alonso, Garner, Harris, Richardson, Thomas e Berry, entre outros, com variados contributos para a explicao da localizao de equipamentos de habitao e servios em meio urbano (para melhor referncia ver Estudo de Caso). Nos anos 80 e 90 as teorias da localizao continuaram a ser de frequente abordagem, especialmente ao nvel universitrio. So muitos os autores e os trabalhos publicados que so em grande parte refinamentos das abordagens clssicas, tendendo mais para abordagens descritivas do que analticas.

E S T U D O

D E

C A S O

Principais contributos para as teorias da localizao (resenha bibliogrfica por ordem cronolgica)1755 - Cantillon, R., Essai sur la Nature du Commerce en Gnral (trad. francesa,1952, INED, Paris). 1826 - Von Thnem, J. H., Der isolierte Staat in Beziehung auf Landwirtschaft und Nationalkonomie, Hamburg. 1885 - Launhardt, W., Mathematische Begrdung der Voekswirtschaftslehere, Leipzig. 1902 - Mackinder, H., Britain and the British Seas, New York. 1908 - Weber, A., Ueber den Standort der Industrien, Tbingen. 1933 - Christaller, W., Die Zentralen Orte in Sddentschland, Jena. 1933 - Colby, C., Centrifugal and Centripetal Forces in Urban Geography, Annals of A.A.G. 1935 - Palander, T., Beitrge zur Standorstheorie, Uppsala. 1948 - Hoover, H., The Location of Economic Activity, New York. 1954 - Lsch, A., The Economics of Location, Yale U.P. 1956 - Isard, W., Location and Space-Economy, New York. 1961 - Berry, B. J. L., The Functional Bases of the Central Place Hierarchy Economic Geography. 1961 - Wingo, L., Transportation and Urban Land, Washington. 1964 - Alonso, W., Location Theory, Harvard U.P. 1964 - Berry, B. J. L., Cities as System within Systems of Cities, Harvard U.P. 1968 - Garner, B. J., Models of Urban Geography and Settlement Location, London. 1968 - Harris, B., Quantitative Models of Urban Development, New York. 1968 - Perroux, F., Les Espaces conomiques, Paris. 1975 - Thomas, R., The Spread of Cities, New York. 1977 - Sarre, P., Patter and Process in Spatial Analysis, New York. 1977 - Richardson, H. W., The New Urban Economics, London.

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1984 - Webber, M., Industrial Location, Beverly Hills, Calif. Sage Ed. 1988 - Scott, A., New Industrial Spaces, London Pion. 1993 - Kotler, P. et al., Marketing Places, The Free Press, New York. 1998 - Beckmann, M.J., The Location of Production Activities, N-Holland ed. 1999 - Cheshire, P., Trends in Sizes and Structures of Urban Areas, N-Holland ed. 1999 - Stahl, K., Theories of Urban Business Locations, N-Holland ed. 1999 - White, M., Urban Areas With Decentralized Employment, Univ. of Michigam.

1.2.2. EXPERINCIAS HISTRICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONALA primeira grande tentativa de desenvolvimento regional deliberado aconteceu nos Estados Unidos na passagem dos anos 20 para os anos 30 do sculo XX, com o projecto de aproveitamento para fins mltiplos do rio Tenessi, um afluente do sistema Mississpi-Missouri. Os mltiplos fins eram a reteno e regularizao das guas para produo de energia, rega, defesa contra as cheias, transporte fluvial e abastecimento de gua a cidades e a indstrias. O projecto foi da iniciativa federal e de vrios estados federados e constituiu uma experincia de inegvel xito. A metodologia integrada, de fins mltiplos, suscitou um efeito de desenvolvimento muito maior do que aquele que teria suscitado cada um dos projectos parcelares executados de forma isolada. A experincia do Tenessi serviu tambm de padro inspirador para o aproveitamento de bacias hidrogrficas noutros pases. Pela mesma poca em que os Estados Unidos lanaram o programa do vale do Tenessi, o Reino Unido debatia-se com uma crise persistente vinda j desde o termo da Primeira Guerra Mundial, caracterizada pelo desemprego macio, mas afectando particularmente certas regies onde eram dominantes as indstrias siderrgicas, de extraco de carvo e construo naval. A ideia de base que fundamentou as decises para a resoluo deste problema foi a da diversificao de actividades, comeando-se a montar fbricas de construes mecnicas, de material elctrico (produtos novos como aparelhos de rdio e telefones) e indstrias qumicas. O governo ingls optou abertamente pela interveno directa, construindo fbricas com dinheiros pblicos, cujos gastos surtiram efeitos imediatos quanto ao desemprego e fome. Era o incio das polticas keynesianas que esto na base do aparecimento da macroeconomia e da interveno do Estado na economia. A disperso destas polticas, em grande parte devido ao papel das autoridades regionais e locais inglesas, levou ideia de que havia custos superio-

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res aos de aglomerao, apesar de algumas zonas serem demasiado concentradas em termos industriais. Tudo isto foi encarado frontalmente e surgiu a concepo das zonas industriais, alis, j com esboos da tradio em iniciativas privadas e de comunidades locais, em ligao com o aproveitamento dos canais, desde o fim do sculo XIX. O Estado definia ento um espao, urbanizava-o e dotava-o das infra-estruturas indispensveis implantao industrial e cedia-o em condies vantajosas iniciativa privada para ali localizar empresas, muitas vezes em edifcios j construdos. Tambm em Espanha se ensaiaram, a partir do incio dos anos 30, algumas iniciativas do tipo regional, com o aproveitamento de bacias hidrogrficas para fins agrcolas e agro-industriais. Mas a poltica regional a que podemos chamar de segunda gerao surge, particularmente na Europa, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Na Inglaterra retomam-se as preocupaes com os custos da depresso em certas reas, simultaneamente com os custos de congestionamento noutras, ento agravados com a guerra. Em 1947 criado o Ministrio da Planificao, com 12 direces regionais e observa-se uma longa interferncia das autoridades locais em tudo o que respeita ao ordenamento do solo. A partir de 1951 a orgnica regional entra em regresso. O vigor dos condados na elaborao e controlo dos planos de ordenamento dificultou a constituio de regies organizadas. Em Frana, as preocupaes regionais do ps-guerra surgem logo em 1946, com a criao do Comissariado Geral do Plano de Modernizao e do Equipamento, confiado a Jean Monnet, um dos pais da Unio Europeia. O primeiro plano (1947-1950), chamado plano Monnet, havia de prolongar-se at 1953. As preocupaes regionais do plano iniciaram-se apenas com o IV Plano (1962-1965), com regies apenas administrativas. As regies como autarquias territoriais s so estabelecidas a partir de 1982. Os grandes eixos das polticas regionais identificam-se, primeiro, com a necessidade de descongestionar a megalpolis de Paris, a caminho de 8,5 milhes de habitantes, de modo a contrariar a ideia de Paris e o deserto francs expressa por J. F. Gravin num famoso livro com este ttulo. Com esse objectivo, montou-se um vasto e diversificado sistema de estmulos descentralizao de actividades econmicas, passando pelo domnio fiscal, concesso de crditos e formao profissional. As deslocalizaes no se processavam na medida desejvel, apenas se transferindo para orlas quase peri-urbanas relativamente a Paris. Optou-se, ento, por uma segunda orientao estratgica visando o reforo das chamadas metrpoles de equilbrio, na base das oito aglomeraes urbanas mais importantes, para alm de Paris. Seguiram-se polticas sectoriais de descen-

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tralizao, de criao de redes, corredores e eixos, de forma a ordenar grandes espaos regionais. As regies entretanto institudas, em nmero de 22, ultrapassam nalguns casos a capacidade de polarizao da rede de cidades metropolitanas francesas. Na Itlia foi a situao crtica das provncias meridionais (o Mezzogiorno) a desencadear uma das mais interessantes experincias de desenvolvimento regional dos anos 50. A constatao de que havia duas Itlias, o Norte, sobretudo Milo e Turim, com altos nveis de vida, semelhantes aos das zonas industriais da Europa, e o Sul (e Centro) incluindo as ilhas, que formavam uma vasta rea de subdesenvolvimento onde se vivia mal e se morria cedo, mobilizou a opinio pblica para uma vasta aco de desenvolvimento. E o governo lanou planos, instituies de estudo, de administrao e de financiamento como a clebre Cassa del Mezzogiorno. A estratgia de desenvolvimento consistiu em tornar a indstria como motor, embora no se deixasse tambm de se promover a reforma agrria. E as indstrias motoras seriam a siderurgia ou a petroqumica, de que se lanaram vrias unidades imponentes, em plos de desenvolvimento teorizados entretanto pelo economista francs F. Perroux. Pensava-se, efectivamente, que atrs desses complexos de uma ou outra indstria bsica, iriam implantar-se espontaneamente outras actividades ligadas s primeiras, assim se desenrolando um processo de aglomerao auto-sustentado com os seus efeitos irradiantes para o espao polarizado. Os resultados vieram a mostrar que se induziu algum desenvolvimento nas reas de aco, diminuindo, e muito, as disparidades regionais. Mas no deixa de ser curioso que se tenham gerado efeitos importantes, tanto de curto como de longo prazo, no Norte. Com efeito, foi a indstria do Norte que forneceu os equipamentos necessrios e grande parte das matrias-primas. Foi tambm o Norte que beneficiou, em grande parte, dos acrscimos de rendimento formados no Sul, atravs do alargamento dos seus mercados de venda. A segunda gerao de polticas regionais em Espanha teve incio nos anos 60, em que apareceram preocupaes abertas de desenvolvimento regional, tambm um pouco na ptica dos plos de desenvolvimento. Escolheram-se por toda a Espanha zonas onde j existia indstria, mas onde eram patentes condies de atraso econmico, bem como zonas que nem sequer indstria tinham e, portanto, onde eram mais prementes as necessidades de desenvolvimento. Num e noutro caso assegurava-se a existncia de condies naturais (e histricas) favorecendo a industrializao. Sobre essa base estabelecem-se infra-estruturas, do-se estmulos de vrias espcies e muito intensos, indo ao ponto de abrir concursos para empresas (nacionais e estrangeiras) que quisessem estabelecer-se nesses plos. So conhecidos os

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planos de Badajoz (1948) e Jaen, das ilhas de Yerro e Fuerteventura (1951), de Almeria (1953), o plano Turstico da Costa do Sol (1955), de Cceres (1957) e uma grande parte de outros programas. De uma forma geral, e a maioria das vezes pelas mesmas razes de assimetrias de desenvolvimento, a maior parte dos pases europeus desencadeou experincias de polticas territoriais no ps-guerra. Para alm dos j referidos, destacam-se a Holanda, a antiga Checoslovquia, a Sua, a ustria e a Alemanha. A Alemanha um caso especial porque alm dos grandes desequilbrios agravados pela destruio da guerra, teve de suportar o afluxo de refugiados, a reconstruo, a reconverso da indstria e a ciso do territrio. Conseguiu resolver estas situaes mltiplas com uma actuao liberal, mas potenciada por benefcios financeiros e fiscais e polticas estruturais que muito beneficiaram da ajuda americana (Plano Marshall). Aqui, como na ustria e na Sua, as estruturas federais de organizao poltica e administrativa do territrio facilitaram muito a execuo das polticas atravs de uma descentralizao automtica e sem conflitos das decises. Muitos outros pases fora da Europa e da Amrica do Norte tambm tiveram as suas experincias de desenvolvimento regional na segunda metade do sculo XX.

1.2.3. MARCAS HISTRICAS DO URBANISMOOs problemas urbanos tm mostrado uma acutilncia cada vez maior nos nossos dias, mas no so de agora. As suas primeiras manifestaes so resultado do fenmeno da concentrao, inicialmente originada pelo crescimento industrial, mas numa segunda fase em resultado do afluxo s cidades da mo-de-obra disponibilizada pela modernizao/abandono da agricultura. A problemtica mudou de escala com o aparecimento das grandes reas metropolitanas, as cidades-regies, que exigem uma metodologia de actuao que faz a sntese entre polticas urbanas e regionais. Este aspecto, devido relativa novidade do fenmeno, no tem ainda suficiente substracto histrico, pelo que trataremos aqui de referir apenas algumas, e sucintamente, das principais marcas de evoluo do urbanismo, como conjunto de tcnicas utilizadas no ordenamento das cidades. Seguindo de perto autores como Condesso (1999), Correia (1989) e tambm Sica (1981), comeamos pela tcnica do alinhamento, uma das mais antigas do urbanismo. Consiste, grosso modo, na delimitao das zonas da

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cidade edificveis e no edificveis, definindo assim os arruamentos, as praas e outros espaos livres, volta do que se situam os edifcios. Vm depois as tcnicas da expanso e da renovao urbanas que tiveram grande expresso j no sculo XIX. A expanso consiste no acrescentamento de novos bairros, fora do casco antigo das cidades ou das suas muralhas, bairros esses desenhados de forma geomtrica, geralmente quadrculas regulares. A renovao, como o prprio nome indica, significa, de um modo geral, o derrube de zonas antigas para abrir novos e mais amplos arruamentos e espaos livres e ao mesmo tempo dotar os edifcios com melhores condies de utilizao, nomeadamente higinicas e sanitrias e, na medida do possvel, arquitectnicas. Exemplos frequentemente citados destas duas prticas urbansticas so as experincias francesa e espanhola de meados do sculo XIX, nomeadamente o plano Haussmann dos boulevards de Paris, o Plano da cidade de Barcelona de 1859, ainda hoje conhecido por Plano ensanche e o Plano Castro de Madrid, da mesma poca. O conceito de zonamento ou zoning uma tcnica que se atribui ao arquitecto alemo J. Stbben (1845-1936) na sua obra quase enciclopdica O urbanismo, manual de arquitectura. A poltica urbanstica da zonificao surgiu como reaco ao indiscriminado e catico uso do solo, to frequente na poca do desenvolvimento industrial. Foi proposta, em princpio, para promover a higiene, a segurana e o nvel geral de bem-estar das comunidades. O seu objectivo era evitar as piores consequncias de um desenvolvimento urbano e industrial incontrolado, atravs da definio de determinados padres de compatibilidade, densidade, alturas, distncia, insolao, arejamento e espao. Pelas normas que introduziu, ainda hoje enforma grande parte do direito urbanstico, particularmente o portugus. O conceito de cidade-jardim foi teorizado pelo ingls Howard na sua obra Garden Cities of Tomorrow (1902). Observando directamente a realidade habitacional inglesa do seu tempo, Howard pretendeu harmonizar o ambiente urbano com o rstico, atravs da vivenda unifamiliar rodeada de jardim, como forma de conciliar o urbano com o campo. Era, afinal, na sua prpria expresso, e porque tentava superar as dificuldades das duas formas de vida (urbana e rural), a terceira via como forma de habitao. O urbanismo regional, que constitui uma anteviso do urbanismo de hoje, deve-se a um autor que foi uma grande fonte de inspirao dos planeadores regionais e urbanos, acidentalmente de formao em biologia. Trata-se do escocs Patrick Geddes (Cities in Evolution, 1915) e do seu discpulo Mumford (autor de The City in History, 1966). Esta concepo vem situar o urbanismo na ptica regional ao constatar que o urbanismo estrito no permite resolver a problemtica da cidade moderna, que no se confina rea

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urbana mas antes se estende ao territrio de um municpio, de uma regio, eventualmente de um pas inteiro. O urbanismo deve, pois, alargar o seu mbito de modo a englobar o ordenamento do territrio urbano e mesmo nacional, tendo em conta os mltiplos factores que influenciam a cidade. Esta concepo ampla de urbanismo, hoje generalizadamente aceite, rompe as fronteiras estreitas da cidade e inicia a passagem do chamado micro-urbanismo para uma concepo mais alargada, espacialmente, de macro-urbanismo. As primeiras grandes concretizaes desta ideia foram o Plano de Nova Iorque, concludo em 1929, e a pioneira legislao urbanstica inglesa de 1932, do Town and Country Planing Act. O plano urbanstico, hoje em dia o instrumento fundamental da poltica urbanstica, relativamente recente, apesar de haver diversos afloramentos histricos de utilizao de planos, como aconteceu em pleno sculo XVIII em Portugal, com a reconstruo de Lisboa pelo Marqus de Pombal. Mas o plano acabou por obter consagrao na chamada Carta de Atenas, surgida do Congresso Internacional de Arquitectura Moderna, de 1933, em Atenas, e cuja paternidade intelectual atribuda ao clebre arquitecto suo Le Corbusier. Desse congresso e do livro Ville Radieuse, publicado por Le Corbusier em 1935, surgem tambm as doutrinas do funcionamento racionalista da cidade. Segundo o funcionalismo corbusiano, a cidade deve ser regida pela escala humana, o que implica a necessidade da sua organizao com base em quatro funes-chave do homem dentro da cidade: habitar, trabalhar, divertir-se e circular. A cidade deve ser, pois, encarada como uma unidade funcional e os planos tm de dar corpo a esta aspirao. A Carta de Atenas tambm apologtica do chamado urbanismo da terceira dimenso que consiste em prdios em altura (cidade de cimento), juntando prdios gigantes, grandes espaos verdes e planificao em larga escala. O funcionamento racionalista corbusiano serviu de inspirao s obras da reconstruo em vrios pases europeus depois da Segunda Guerra Mundial, com especial destaque para a Alemanha (ex-RFA), tendo tambm inspirado a morfologia de vrias cidades em pases do terceiro mundo. O movimento conhecido como Novas Cidades (New Towns) surge em Inglaterra no incio dos anos 40, com alguma influncia das cidades-jardim propostas por Howard e, em parte, por razes idnticas, mas agora agravadas por 50 anos de urbanismo, com duas guerras mundiais de grande incidncia europeia pelo meio: afinal o congestionamento urbano e, sobretudo, o crescimento suburbano das grandes metrpoles. So cidades criadas de raiz, de forma voluntarista e planeadas com objectivos de descentralizao e de equilbrio regional. Surgem com base nos re-

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latrios das Comisses Barlow (1940) e Reith (1946), bem como no Plano Abercrombie da Grande Londres de 1944. Este plano criava uma cintura verde para suster a expanso urbana e a construo de 10 cidades novas, distando de Londres cerca de 30 milhas e 20 milhas de outras metrpoles. A ideia acabou por emigrar com resultados concretos para pases como a Dinamarca, Holanda, Frana, Sucia e Finlndia, assim como para os Estados Unidos e alguns pases do Leste Europeu.

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Descortinar as grandes tendncias de rumo e de mudana das polticas territoriais. Observar a emergncia das cidades-regies e do seu papel central na evoluo da globalizao. Contactar com as novas tendncias da governao do territrio. Perspectivar a utilizao do governo electrnico no planeamento territorial.

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Nas ltimas dcadas as polticas territoriais foram chamadas a responder aos desafios da crescente importncia das unidades territoriais, da globalizao e do emergir das cidades-regies. Tudo isto implicou novos quadros de mudana das polticas territoriais, assim como novas formas de governao baseadas em formas de descentralizao e desconcentrao de poderes, que impem simultaneamente maiores nveis de participao mas tambm de responsabilizao. Alm disso, o planeamento e a gesto do territrio, como todas as actividades, so hoje confrontados com as novas tecnologias e sistemas de informao. o imperativo do governo electrnico (e-government).

A importncia assumida pelos aspectos territoriais das polticas econmicas e sociais durante os ltimos 50/ /60 anos, ou seja, praticamente todo o tempo decorrido aps a Segunda Guerra Mundial, bem como o interesse terico que despertaram em grande parte dos casos, s teve paralelo na Inglaterra do sculo XIX, praticamente nos comeos do urbanismo industrial. Contudo, as motivaes deste movimento ingls so muito diversas das que ocorreram na segunda metade do sculo XX. Entre aquelas destacam-se as miserveis condies higinicas e sanitrias de vastas zonas urbanas (s vezes mesmo aglomeraes inteiras), condies que em parte ainda persistem. Em muitos pases, particularmente na Europa, as actuaes imediatas ao ps-guerra foram essencialmente de reconstruo econmica e urbana, em boa parte apoiada pela ajuda americana do Plano Marshall. Posteriormente, as actuaes derivaram fundamentalmente da necessidade de resolver situaes de desequilbrios territoriais e de subdesenvolvimento, assim como de congestionamento em cidades e regies muito urbanizadas, a carecerem de melhorias nos sistemas de transporte e nas condies de habitabilidade, entre outras. A anlise histrica do processo de formao das polticas de reequilbrio territorial pe em relevo o papel desempenhado por alguns valores particulares. No que se refere experincia ocidental, a existncia de diferentes culturas regionais a exigirem diferentes graus de autonomia poltico-administrativa, imps como objectivo principal o reequilbrio territorial, atravs de medidas de melhoria e redistribuio do rendimento, ataque ao desemprego e reordenamento das diferentes actividades econmicas. Estabeleceram-se sistemas de incentivos, espacialmente diferenciados, favorveis a um novo ordenamento da localizao industrial; adoptaram-se

2.1. VISO GERAL

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medidas destinadas ao aproveitamento de novos recursos naturais e melhoria da utilizao dos que j eram explorados; tentou-se a descentralizao e o descongestionamento das maiores aglomeraes urbanas. Desta forma, alterou-se a localizao dos investimentos pblicos em infra-estruturas, designadamente de transportes e comunicaes e, de uma forma geral, a nvel de toda a formao de capital fixo social (no privado). Numa primeira fase estas medidas de interveno afectaram amplas reas, praticamente a totalidade das regies declaradas como subdesenvolvidas e tambm os vastos territrios circundantes das maiores reas metropolitanas. A esta fase seguiu-se outra em que predominou a tendncia para concentrar os investimentos e as outras intervenes em reas mais restritas, coincidentes quase sempre com os maiores centros urbanos das zonas mais ou menos desenvolvidas economicamente. Por isso, muitos dos problemas de reequilbrio territorial passaram a ser problemas de modificao do sistema urbano nacional mediante aces dirigidas tanto ao vrtice, como base da hierarquia urbana. A questo agora era a de determinar critrios adequados para escolher os centros urbanos mais aptos para localizar os investimentos pblicos e orientar ou atrair os privados. Sobretudo no quadro geogrfico europeu e nas ltimas duas dcadas do sculo XX, assistiu-se a dois acontecimentos de grande repercusso territorial. O primeiro foi o estabelecimento de novos quadros territoriais de natureza poltico-administrativa. Ao nico pas de estrutura federal existente, a Alemanha, juntaram-se a ustria e, mais tarde, a Blgica, com estruturas administrativas semelhantes. Trs grandes pases, a Itlia, a Frana e a Espanha, criaram novas estruturas regionais, no ltimo caso com razovel grau de autonomia poltica e administrativa. O Reino Unido e a maior parte dos restantes pases no fugiram regra da regionalizao/descentralizao, pelo menos ao nvel de tentativa. O segundo acontecimento foi a queda do muro de Berlim e o fim das estratgias falhadas de planeamento econmico centralizado, que fez regressar esfera ocidental mais de uma dezena de pases, cujos atrasos e estrangulamentos os obrigaram a repetir, embora de forma mais acelerada, a via-sacra das polticas territoriais (entre outras) que os seus parceiros ocidentais haviam percorrido 20 ou 30 anos atrs. O papel da ajuda americana de ento foi agora substitudo, em grande parte, pelo apoio da Unio Europeia, culminando, de certo modo, no acolhimento no seu prprio seio de grande parte desses pases que transitaram de sistema poltico-econmico. Mais tarde ou mais cedo se lhes seguiro os que ainda faltam. Devido s transformaes econmicas e sociais a todos os nveis, os instrumentos tradicionalmente usados para regular a economia e manter ou esta-

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belecer a prosperidade podem perder alguma da sua relevncia e eficcia, carecendo de adaptaes aos novos desafios do desenvolvimento regional e urbano porque a poltica regional e urbana, embora em novos contextos, vem ganhando importncia crescente e isso no constitui uma tendncia apenas temporal ou ocasional. Quais so, ento, as grandes linhas de orientao e mudana? Salientam-se algumas nos pontos seguintes: a importncia das unidades territoriais; o movimento simultneo para a globalizao, descentralizao e integrao; a emergncia das cidades-regies como novos agentes da competitividade; a necessidade de novas formas de governao; um novo quadro de polticas regionais e urbanas.

2.1.1. A CRESCENTE IMPORTNCIA DAS UNIDADES TERRITORIAISOs investimentos em geral e o investimento directo estrangeiro (IDE) em particular, tendem a acolher-se em reas onde se espera um maior e mais rpido retorno. Mais que as caractersticas do pas de acolhimento (estabilidade poltica e social, nvel e qualidade das infra-estruturas e da mo-de-obra e incentivos), interessam cada vez mais as caractersticas das suas unidades territoriais e o seu capital territorial especfico: dimenso, capacidade produtiva, clima, tradies, recursos naturais, qualidade de vida, economias de aglomerao potencialmente oferecidas pelas suas cidades, etc. A tudo isto se chama frequentemente factores de enquadramento ou de contexto.

2.1.2. GLOBALIZAO, DESCENTRALIZAO E INTEGRAOO efeito principal da globalizao o de acentuar a competitividade mundial, aumentando o nmero de competidores. S que este no se limita agora s empresas, sendo acrescentado pelas regies e pelas grandes cidades, com destaque para essa figura emergente que a cidade-regio de que falaremos mais adiante.

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Outro aspecto da competitividade global que ela cada vez mais se desenvolve em quadros de integrao supranacional, com grande peso poltico e econmico, como o caso da Unio Europeia. Esta nova orientao estratgica est a conduzir a trs tipos de situaes. Em primeiro lugar, as reas territoriais em desvantagem relativa vo pedir mais ajuda aos governos centrais atravs de compensaes fiscais ou financeiras para se tornarem mais atractivas. Em segundo lugar, algumas regies e cidades-regies iro reclamar maior autonomia poltica para poderem ter maior controlo do seu prprio destino, agora mais dependente da economia internacional do que da nacional. Por isso, em alguns pases, a maior globalizao acompanhada tambm de maior descentralizao, ou melhor, uma combinao de descentralizao e de desconcentrao na tomada de decises. Por ltimo, um aspecto-chave da crescente interdependncia econmica, que ela estimulou os pases de uma mesma regio geogrfica a estabelecerem a sua cooperao desenvolvendo entidades supranacionais (Unio Europeia, NAFTA, MERCOSUL, ANSEAN) para onde os governos nacionais transferiram muitas vertentes das suas polticas. Isso teve e continua a ter consequncias evidentes para as regies de cada pas, nalguns casos debilitando-as. Em consequncia, os movimentos simultneos de globalizao, descentralizao e integrao internacional podem ter efeitos na amplitude das disparidades regionais, obrigando os pases e/ou as respectivas reas de integrao, a aplicar polticas territoriais que contrariem estes efeitos e reforcem a coeso social a nvel territorial. Exemplo disso a poltica de desenvolvimento regional da Unio Europeia. No obstante o sucesso de que se tem revestido a descentralizao na maior parte dos pases, assumido que a sua concretizao no se tem feito, nem pode continuar a fazer, apenas por via legislativa. necessrio que se proceda a uma efectiva distribuio de poderes, competncias e responsabilidades entre governos centrais, regionais e das cidades e que se desenvolvam tambm novos tipos de associao entre o sector pblico e o privado, numa nova perspectiva de governao que ser abordada nos pontos seguintes.

2.1.3. NOVO QUADRO DE MUDANA DAS POLTICASAs polticas regionais dirigiam-se, tradicionalmente, para as regies mais desfavorecidas. No obstante os resultados conseguidos, muitos pases tm-

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-se questionado sobre se vale a pena prosseguir nestas polticas, nomeadamente (OCDE, 2001): As subvenes macias, especialmente em infra-estruturas imobilirias, e o estabelecimento de servios pblicos em regies mais pobres, que provocaram, muitas vezes, distores de mercado e uma cultura de dependncia; A criao artificial de plos de desenvolvimento econmico com custos elevados e poucos benefcios; A criao de raiz de cidades tecnolgicas que raramente tiveram xito devido a escassos vnculos com a regio em que se localizaram; A teimosia em manter vivos sectores industriais em declnio custa de gastos importantes, nomeadamente na manuteno de postos de trabalho, quando tudo indicava que esses sectores estavam condenados a longo prazo. Face a tudo isto, est em vias de adopo um novo paradigma, ou quadro de actuao, baseado em cinco pilares (OCDE, 2001): Polticas regionais devem ser estendidas a todas as regies e no s s mais pobres; Procurar garantir a todas as regies o aproveitamento mximo do seu potencial endgeno, em lugar de continuar a poltica falhada de atraco de investimentos para regies em dificuldade, mediante subsdios, desagravamentos fiscais e outros; Alterao gradual do regime de apoios, sem soluo de continuidade, continuando as regies mais pobres a beneficiar dos apoios dados na generalidade, bem como de polticas infra-estruturais especficas; Desenvolvimento das infra-estruturas intangveis (educao, formao e cursos especiais; tecnologias e inovao, medidas para desenvolver o capital empresarial; eliminao de barreiras concorrncia; estmulo criao de empresas, de redes de empresas e de zonas industriais; medidas para proteger o enquadramento fsico e humano); Compatibilizao das polticas territoriais a nvel nacional com as polticas de desenvolvimento regionais e urbanas, envolvendo no s as autoridades regionais e locais, mas tambm os agentes sociais e o sector comunitrio, ou seja, a sociedade civil. Para alm destes pilares, o relatrio citado da OCDE defende que as polticas tm de ser entendidas num quadro que concilie a eficincia econmi-

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ca com a coeso social e o equilbrio ecolgico, afinal a trilogia subjacente ao conceito de desenvolvimento sustentado. As novas tecnologias da informao e das comunicaes podero alterar consideravelmente as vantagens das regies, desde que adequadamente envolvidas na operacionalizao das polticas e haja a necessria dotao de capital humano. Em suma, o novo quadro paradigmtico das polticas territoriais pressupe trs eixos bsicos: Desenvolvimento endgeno (destinado a melhorar as oportunidades especficas do crescimento das regies e cidades); Desenvolvimento sustentado (que concilie os objectivos de eficincia econmica com a coeso social e o equilbrio ambiental); Uma governao mais responsvel.

2.1.4. POLTICAS URBANAS E INTRA-URBANASAs questes do urbanismo em geral colocam-se a trs nveis: o da organizao do espao intra-urbano, o das ligaes entre a cidade e o seu espao envolvente, que mutuamente se influenciam, o das ligaes intercidades, ou seja, o relacionamento com o sistema urbano em que a cidade se insere. Dado que o segundo e o terceiro nveis se sobrepem, em muitos aspectos, s questes de natureza regional, cingimo-nos ao primeiro nvel: a utilizao do espao dentro da cidade para viver e trabalhar, bem como os aspectos que da decorrem. Uma grande parte dos equipamentos e servios das cidades so bens pblicos, isto , no so exclusivos (ningum pode ser excludo da sua utilizao), nem rivais, ou indivisveis, o que significa que a utilizao do bem ou servio por mais de uma pessoa no aumenta o seu custo ou no diminui o benefcio dos outros utilizadores. Um fenmeno urbano importante, sobretudo nas grandes cidades, o congestionamento urbano, bem explicado atravs desta caracterstica da indivisibilidade dos bens pblicos. H congestionamento urbano quando uma unidade adicional de uso da cidade (uma nova localizao ou um simples movimento de entrada) prejudica o bem-estar dos que j usufruem da cidade. Noutros termos, o bem pblico cidade tem dotao insuficiente para satisfazer a procura de novos entrantes. Precisa de ampliar a sua capacidade, o que significa maiores custos.

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De facto, apesar de ter caractersticas de bem pblico, deve antes ser considerado um bem comum ou colectivo, j que se perdeu a caracterstica da no rivalidade. Ao contrrio, nos pequenos centros urbanos o fenmeno do congestionamento est, muitas vezes, longe de se verificar. H uma situao de subaproveitamento e a soluo fazer crescer o nmero de utilizadores de forma a aproveitar melhor as capacidades disponveis. Nas grandes cidades, o problema exactamente o contrrio. O congestionamento atingiu nveis insuportveis e, portanto, h que elimin-lo aumentando a capacidade produtiva da cidade para satisfazer as procuras suplementares (por exemplo, espaos livres, culturais ou de lazer, mas no s, porque o problema do congestionamento atinge reas vitais como transportes, habitao, sade e segurana). Acontece, muitas vezes, optar-se por outras solues de descongestionamento, preferveis ao aumento de dimenso da cidade. E a prtica urbanstica do ltimo sculo est cheia de exemplos de como as novas cidades, as cidades-jardins, as cinturas verdes e, at certo ponto, a zonificao, desde que entendida e praticada com o objectivo de descongestionar, isto , reordenando e regulamentando a vida da cidade e as ligaes com o espao em que se desenvolve. A economia urbana, particularmente as teorias da localizao, ajudam-nos tambm a perceber muita da dinmica interna da rea urbana ou, dito de outro modo, muitas das razes da distribuio do uso do solo. Segundo Lopes (1980), ceteris paribus, todos os usos preferiro o CBD [Central Business District], donde poder esperar-se uma organizao espacial de acordo com a capacidade de cada uso para pagar a localizao de maior acessibilidade que ser, muito provavelmente, a de preo por unidade de superfcie mais elevado. Com efeito, o CBD, ou seja, o centro do centro da cidade, identifica-se em regra com o ponto (a zona) de acessibilidade mxima dentro da cidade, apesar de s acidentalmente poder ser o seu centro geogrfico. A acessibilidade funo de um conjunto de variveis em que se destacam a distncia e a frequncia, o custo e a velocidade dos transportes. Os transportes e as modernas tecnologias de produo e distribuio de bens, assim como os custos do solo, razes ambientais e de descongestionamento do trfego no centro das cidades, contriburam para a suburbanizao da indstria e de outras actividades, nomeadamente armazenagem, comrcio por grosso e grandes superfcies comerciais. Atrs desta deslocalizao, por razes de emprego ou outras, foi muita da populao que vivia no ncleo central das cidades. Os novos espaos do centro das cidades so agora preferentemente para equipamentos comer-

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ciais e servios. Mas o movimento de deslocalizao nas cidades estende-se gradual e centrifugamente a outras zonas da cidade, onde se operaram, e ainda operam, reconverses, substituindo, por exemplo, bairros de moradias por prdios em altura que alojam muito mais gente e pagam melhor os altos preos do solo. Cheshire (1999) estabelece as tendncias recentes na dimenso e estrutura das reas urbanas: nas reas metropolitanas tem-se assistido a uma substancial disperso da populao para as reas menos densamente povoadas, com consequncias no apenas demogrficas, mas outras, por exemplo, de emprego. Podia pensar-se que tudo o que contribui para reduzir a aglomerao urbana e os seus congestionamentos seria benfico. Existe frequentemente esse perigo, esquecendo-se que a disperso tambm tem os seus custos (pblicos e privados) em estradas, arruamentos e outras vias de comunicao, transportes, redes de saneamento, de comunicaes e de abastecimentos de energia, etc. Thompson (1971) chama a ateno para alguns destes aspectos ao partir do pressuposto de que a rea urbana (a cidade) algo mais do que um mercado local de trabalho e uma rea de servios pblicos. Considera que tambm um mercado local de habitao. Para ele, uma cidade possui trs reas residenciais especficas: o corao, a grande zona cinzenta e a fronteira rural-urbana (). Como as cidades tm crescido de forma mais ou menos centrfuga, o corao da rea urbana , normalmente, a zona mais velha, mais feia e menos salubre. Estas razes e outras j referidas afastaram as populaes dos ncleos centrais das grandes cidades. A renovao urbana destas reas tem sido uma preocupao generalizada. Muitas vezes, a m qualidade habitacional e o nvel muito elevado de degradao tm ditado a demolio macia e o reordenamento atravs de construo nova. S que os elevados preos do solo e de custos de construo tornam os novos apartamentos proibitivos para famlias de fracos ou mesmo mdios rendimentos. um grave problema econmico, que s permitir que as pessoas que viviam nesses bairros possam l continuar se houver uma forte poltica pblica de apoio. A degradao urbana, de resto, no exclusiva das reas centrais. Alastra tambm s outras zonas das cidades e a uma velocidade que Thompson caracterizava nestes termos: A degradao urbana avana muito mais depressa do que a sua eliminao na maior parte das cidades, se no mesmo em todas. Durante dcadas assistiu-se, por via destas deslocalizaes centrfugas da populao das zonas centrais das grandes cidades, a uma diminuio das suas populaes na rea urbana propriamente dita. Mas, segundo Cheshire (1999),

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verificam-se, desde os anos 80, reverses destes movimentos, com os core cities a ganharem de novo acrscimos populacionais, ao mesmo tempo que se assiste a uma relativa recentralizao nos padres de urbanizao. A mudana de ateno para os maiores problemas das cidades comeou h pouco mais de uma dcada como reaco a vrias tendncias que vm convergindo: globalizao, descentralizao, novos padres de excluso social, falta de sustentabilidade do desenvolvimento. O urbanismo tem de ser, assim, mais activo hoje em dia. Em Portugal tem sido dada h vrios anos ateno particular a este problema, em particular por Simes Lopes (op. cit.) e Costa Lobo (1999). Para alm dos problemas clssicos j crnicos, de ordenamento do espao urbano e de colmatao de desequilbrios mais ou menos acidentais, devem explorar-se estratgias de desenvolvimento de base localizacional como, por exemplo, activos locais, capacidade de inovao, de criatividade e de competio. Algumas medidas ultrapassaro seguramente o mbito das polticas espaciais. Mas h uma regra subjacente a estes problemas todos que preciso realar: mais do que iludir as disparidades com grandes transferncias financeiras, fundamental promover as bases de viabilidade para o desenvolvimento sustentado. Afinal, a velha e bem conhecida estratgia de que melhor ensinar a pescar do que dar o peixe como esmola.

2.1.5. POLTICAS EM MEIO RURALGeralmente as reas rurais so o parente pobre das polticas territoriais. Compreende-se porqu. No encerram problemas da gravidade ou do impacto das cidades, muito menos das grandes reas metropolitanas. Mas afinal o campo no pode ser desligado da cidade porque so espaos mutuamente relacionados, interdependentes. No mnimo, teremos sempre de admitir que o campo o pulmo da cidade e , com muita frequncia, o stio onde o habitante da cidade descarrega e recicla os aspectos nocivos, ou menos agradveis, da vida urbana. Este assunto das reas rurais, de resto, interessa muito a pases como Portugal, com um ndice de urbanizao ainda relativamente suave e onde pontificam milhares de aldeias e pequenas vilas numa ainda vasta poro de territrio, o chamado interior. De acordo com a OCDE (OCDE, 2001), as reas rurais, em geral, defrontam-se com desafios particulares, diferentes, em comparao com as

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reas metropolitanas e as reas intermdias, subentendendo-se estas como as reas suburbanas. So frequentemente identificados trs tipos de aspectos especficos: Diminuio sucessiva das oportunidades de emprego; Despovoamento acentuado e envelhecimento das populaes; Falta de massa crtica endgena para suportar o arranque e a sustentabilidade do desenvolvimento. Apesar de a actividade agrcola (incluindo indstrias de transformao de produtos agrcolas) ser ainda importante em muitas reas rurais, o emprego nessas actividades est em declnio. O sector pblico tem sido uma componente importante do emprego nestas reas, mas em clima de restries oramentais, tem tambm tendncia a diminuir. Por outro lado, os jovens rurais tendem cada vez mais a rumar s cidades em busca de melhores oportunidades de emprego, de educao e de lazer. Ao mesmo tempo, certo, grupos de populao aposentada tendem a regressar s zonas rurais, quanto mais no seja nalgumas pocas do ano. A resultante dos dois fluxos geralmente negativa e tem duas consequncias imediatas: envelhecimento da populao rural e criao de uma nova estrutura demogrfica, muitas vezes sem dimenso para justificar determinados servios pblicos. Contudo, se as polticas para os espaos rurais tiverem em conta a insero em rede do rural/urbano/regional e conceberem as massas crticas, tanto de produo como de consumo, em perspectivas sucessivamente mais alargadas, consoante as circunstncias o ditarem, poder ser possvel vir a assegurar um desenvolvimento sustentvel. De acordo com o citado relatrio (OCDE, 2001), as polticas rurais tm observado significativos desenvolvimentos nas ltimas duas dcadas, nomeadamente ao nvel do ajustamento dos quadros de governao. Em geral, esses enquadramentos de decises no se afastam do quadro de governao territorial exposto no ponto 2.3, resumindo-se tudo (alm das necessrias descentralizaes e parcerias) adaptao escala da interveno, busca de alguma maior flexibilidade e ao fortalecimento institucional, mais fraco no meio rural do que no urbano. Diga-se, a propsito, que os poucos pases, como Portugal, que possuem estruturas administrativas de grau infra-municipal (as freguesias e as respectivas Juntas) esto melhor posicionadas a nvel institucional. De entre as tendncias das polticas para as reas rurais, destacam-se as seguintes: Apostas em investimentos estratgicos para o desenvolvimento de novas actividades, em vez de subsdios a actividades em declnio;

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Maior ateno aos bens quase pblicos e aos pr-requisitos que, indirectamente, apoiam as empresas, nomeadamente transportes, comunicaes e outras infra-estruturas econmicas, promoo de redes de conhecimento e consultoria, apoio educao e formao profissional; Maior ateno aos recursos locais, nomeadamente algumas especialidades capazes de gerarem novas vantagens competitivas: recursos naturais, culturais e patrimoniais que podem ser aproveitados para turismo, recreio e lazer; bens de produo local, com qualidade e identidade prpria (por exemplo, denominao de origem), qualidade e tecnologia garantidas atravs de rotulagens ou outras formas de ligao dos produtos aos locais de produo; Esforos para o reforo das economias rurais, principalmente atravs da diversificao de actividades, de apoios infra-estruturais como os j referidos; construir capacidades locais atravs de delegaes de poderes em actores locais, do desenvolvimento de lideranas e de programas de desenvolvimento comunitrio. Tudo se resume, afinal, no apoio melhoria da competitividade das reas rurais, que muitas vezes tm mais recursos e potencialidades do que se julga. De referir ainda que a Unio Europeia tambm elege as zonas rurais como um dos grandes domnios de preocupao da sua poltica regional. Para isso desenvolve um programa especfico, o Programa LEADER.

CIDADES-REGIES

Nesta pequena sntese sobre o novo fenmeno da emergncia das cidades-regies, a que se chama tambm o novo DAS regionalismo no contexto global, segue-se de perto Scott (2001). Tanto ou mais que os espaos nacionais ou supra-nacionais como a Unio Europeia, que continuam a ser relevantes, dado o papel que as decises polticas gerais representam na configurao do desenvolvimento, h zonas urbanas de grande dimenso que emergem como actores relevantes no desenvolvimento escala mundial ou global. Este aspecto tem merecido ainda pouco destaque, comparativamente com a globalizao em si mesma, mas vai ser, ou est j a ser, a rede bsica do novo regionalismo de que se vai ouvir falar muito nos prximos tempos.

2.2. O EMERGIR

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Uma primeira via de identificao deste sistema emergente de cidades-regies globais a sua observao geogrfica. Existem actualmente no mundo inteiro mais de 300 cidades com mais de um milho de habitantes, das quais cerca de 30 tm ou tero a breve prazo mais de 10 milhes, ou seja, uma dimenso populacional igual de Portugal e de outros pases mdios da Europa. Estas grandes cidades distribuem-se tanto pelos pases desenvolvidos como pelos em desenvolvimento, mas crescem mais rapidamente nestes. Em 1950, dois teros das 83 cidades que ento tinham mais de um milho de habitantes localizavam-se em pases evoludos. Em 1990 as cidades desta dimenso eram 272 e dois teros delas localizavam-se em pases em desenvolvimento. Alm disso, contrariando muitas previses recentes, as grandes cidades continuam a aparecer e a crescer em dimenso por todo o mundo. Vem a propsito lembrar que este fenmeno da crescente e rpida urbanizao conforma uma ambio universal da humanidade. um fenmeno irreversvel, em relao ao qual no h mais que solucionar os problemas que levanta, mas tambm, como o caso da viso moderna das cidades-regies, aproveitar as suas potencialidades estratgicas. J h mais de duas dcadas Castells (1979) afirmava que Quando o especialista dos problemas urbanos pretende revestir-se de transcendncia, manda tocar, acompanhado pelo conhecido rufar estatstico, as trombetas apocalpticas do ritmo da urbanizao no mundo. Os grandes actores geogrficos da globalizao so cada vez mais estas grandes cidades-regies, ou cidades-regies globais, na sua mxima extenso conceptual. A figurao geogrfica destas mais de trs centenas de cidades no mapa-mundo mostra-as como um arquiplago, em que as ilhas so as grandes cidades, constituindo uma das mais importantes redes estruturais da nova economia global. O desenvolvimento de uma cidade-regio, e a sua evoluo para cidade-regio global, alegadamente, segundo Scott (2001), mais comum em reas onde pelo menos algumas destas unidades territoriais j esto fortemente urbanizadas e onde haja tambm algumas tendncias para uma polarizao espacial. Essa polarizao processa-se, normalmente, em trs situaes tpicas: A existncia de uma rea metropolitana central rodeada de um hinterland de extenso varivel, abrangendo territrios dependentes ou subordinados, claramente de menor densidade populacional; A sobreposio ou convergncia de reas urbanas (conurbaes ou amlgamas de cidades) que, em conjunto, so rodeadas tambm por um hinterland de menor densidade populacional;

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Associao de centros urbanos geograficamente distribudos mas ainda assim relativamente prximos que, trabalhando conjuntamente, acabam por aproveitar os benefcios da mtua cooperao, as sinergias de rede de cidades de mdia dimenso. Exemplos desta ltima situao referida esto a brotar na nova Europa das regies. E algumas destas potenciais cidades-regies constituem-se em redes interfronteirias, quer na Europa, quer fora dela, como mostram os seguintes exemplos, entre vrios outros: a regio sueco-dinamarquesa de resund (Copenhaga e Malm); as de San Diego-Tijuana, de Singapura Johor-Batan, etc. A trajectria poltica e econmica destas grandes aglomeraes urbanas (cidades-regies ou regies-cidades?) assume um papel cada vez mais relevante no fenmeno da globalizao e no pode ser ignorada no contexto da complexa hierarquia das escalas da interpenetrao territorial. (Para maior desenvolvimento ver Manual VI Inovao e Cidades).

2.3. A GOVERNAO DO TERRITRIO

A governao do territrio a forma pela qual os territrios de um determinado pas so administrados e as respectivas polticas implementadas, com particular referncia para a distribuio de tarefas e responsabilidades entre os diferentes nveis de governo (supranacional, nacional e subnacional) e os subjacentes processos de negociao e formao de consensos. (OCDE, 2001). Na prtica, trata-se de formas eficientes e equilibradas de distribuio de funes entre rgos governamentais e no governamentais, tanto horizontal como verticalmente, de forma a melhorar o impacto das polticas pblicas. Nas dcadas de 1990/2000 observam-se mudanas considerveis nos sistemas de governao territorial de muitos pases ocidentais, principalmente em resultado de uma generalizada descentralizao das funes governamentais (entendida aqui a descentralizao no sentido amplo de reorganizao das funes do governo a partir do centro, tais como a desconcentrao, a devoluo de poderes, a subsidiariedade e tambm a descentralizao oramental) do nvel central de governo para os nveis regional e local.

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O processo no s redistribuiu determinadas tarefas a diferentes organismos e reviu a repartio de receitas, como tambm trouxe um maior e mais flexvel relacionamento institucional. Um vasto conjunto de instituies governamentais e no governamentais, incluindo nestas instituies sem fins lucrativos e empresas privadas, constituiu gradualmente uma nova rede poltica, mais ou menos formal, na qual as solues para os problemas comuns so conjuntamente discutidas e desenvolvidas. O funcionamento destas novas formas de governao reveste-se de alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, os mecanismos formais de cooperao, horizontal e vertical, entre rgos governamentais e parcerias com entidades no governamentais tornaram-se mais frequentes e mais operacionais. Dependendo do grau de descentralizao, as autoridades regionais e locais foram construindo as necessrias pontes institucionais entre elas, os governos centrais e os parceiros sociais e no governamentais, de forma a maximizar a participao local e regional no processo de formulao e implementao das polticas. De forma a facilitar esta tendncia, os governos centrais tm vindo a promover, em muitos pases, a instituio de novas estruturas espaciais de governao territorial, tais como novos quadros intermunicipais, plataformas regionais, pactos territoriais, etc. (OCDE, 2001). Em segundo lugar, o papel da participao em termos de cidadania saiu mais realado no contexto destas novas instituies baseadas em parcerias. Corrigiram-se assim procedimentos antigos em que a Administrao Pblica era acusada, especialmente em relao s polticas sociais, de estar mal adaptada e distante das necessidades reais que pretendia resolver. Tem havido nestes novos processos de governao melhorias crescentes de delegao de poderes e de democracia associativa e participativa. Por outro lado (e aparentemente ao contrrio das experincias observadas, mas s aparentemente), as tarefas de negociao e contratao das novas estruturas de governao esto a ser desempenhadas cada vez mais a nvel central, no pressuposto de que isso traz ganhos de eficincia, de responsabilizao e de afectao de recursos, mediante a conciliao simultnea da riqueza de informao disponvel localmente com a viso mais globalizada, mais abrangente, dos governos centrais. uma prtica que, quer se queira, quer no, est de acordo com as modernas teorias da contratao, que tm em conta os constrangimentos institucionais e de informao, as diferentes capacidades e posies negociais, assim como a distribuio dos riscos. Outro aspecto que talvez no fosse necessrio especificar porque j foi referido sumariamente atrs, mas que nunca demais salientar, que o fenmeno essencial que est na base da nova governao do territrio, a

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descentralizao, no se pode estabelecer apenas por via legislativa, por decreto. Ela apenas se tornar efectiva cumpridas vrias outras condies, nomeadamente a distribuio de poderes e responsabilidades entre governos centrais, regionais e das cidades, no mbito legislativo e regulamentar, mas tambm a nvel econmico e oramental, compreendendo este ltimo, como natural, o fiscal. Esta distribuio , por vezes, mais o resultado da evoluo histrica do que um entendimento racional, mas tambm um facto de que h hoje em dia critrios universalmente reconhecidos como eficientes neste campo. Oates (1972) afirma, com alguma pertinncia, que o princpio da descentralizao tem como objectivo conseguir o melhor ajustamento possvel entre os que desfrutam das vantagens dos bens pblicos e os que os financiam. ao nvel das modernas formas de governao das regies e das cidades que se observa e desfruta melhor a dimenso cvica, e mesmo estratgica, do planeamento e gesto do territrio: a descentralizao e os decorrentes princpios da cidadania, da subsidiariedade e da democracia representativa e participativa, isto , a participao dos cidados nas decises que lhes dizem respeito, numa relao de maior proximidade.

2.3.1. ASPECTOS ESPECFICOS E TENDNCIA NA GOVERNAO DAS REAS METROPOLITANASUm velho aforismo atribudo a Cowper (citado por Amorim Giro) diz que Deus fez o campo, o homem fez a cidade. De facto, as cidades so obra humana, um local de vida e de trabalho que perdura h mais de 7000 anos, mas cuja importncia se tem intensificado nos nossos tempos devido s comodidades e facilidades que a vida urbana pode (ou deve) proporcionar. Hoje a qualidade de vida da cidade posiciona-se tambm como um factor chave da competitividade. Boas condies urbansticas, econmicas, sociais, ambientais e culturais atraem fora de trabalho (e de consumo) assim como capital produtivo. O papel competitivo da cidade foi potenciado com o surgimento da cidade-regio, a grande rea metropolitana, uma pea chave no xadrez da economia global. Os grandes problemas urbanos da actualidade carestia do solo, disperso desordenada, deteriorao das condies de habitao e de outras actividades a exigirem reconverso e renovao, congestionamento de trfego,

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poluio ambiental e excluso social so aspectos que condicionam e reduzem muito a capacidade competitiva das grandes metrpoles. Por outro lado, as estruturas de governao em vigor nas metrpoles esto desajustadas das tarefas a que tm que fazer face. Salientam-se trs aspectos fundamentais: Fragmentao das jurisdies administrativas no interior da rea metropolitana; Peso excessivo das obrigaes financeiras e fiscais das autoridades locais; Falta de transparncia, de processos responsveis de deciso e de clara liderana poltica a nvel local. Tudo isto aponta, naturalmente, para formas mais apropriadas, isto , menos centralizadas e hierarquizadas, mais democrticas e flexveis, de governao urbana. A fragmentao administrativa resulta do facto de as grandes cidades se terem expandido de forma ampla e acelerada enquanto os limites administrativos se mantiveram no terreno, ou se fragmentaram ainda mais no decurso do processo de expanso urbana, criando uma autntica manta de retalhos de municpios dentro da rea metropolitana, ainda por cima cada um a puxar para seu lado na defesa de interesses prprios, nem sempre relevantes face aos interesses da metrpole como um todo. Criou-se, assim, uma falta de correspondncia entre territrios administrativos e territrios funcionais, que subverte a coerncia do sistema urbano e dificulta a soluo dos grandes problemas que ele tem de resolver. A excessiva carga financeira e fiscal a nvel local tem aspectos asfixiantes, quando as condies econmicas e sociais se deterioram e cada vez mais necessrio investir em infra-estruturas. Em muitos casos (pases) resulta de a descentralizao/desconcentrao se ter traduzido na transferncia de responsabilidades e obrigaes para o nvel local, sem as correspondentes reformas financeiras e fiscais. Enquanto que a necessidade de estruturas de governao para todas as reas metropolitanas, com suficiente autoridade e grande capacidade operacional, um fenmeno por assim dizer universal, j o mesmo no se pode dizer do modelo especfico a adoptar para cada caso. Este no pode ser uniforme, tem de ser adaptado, como um fato por medida, s caractersticas especficas das situaes, mesmo dentro de cada pas. No que se refere adaptao administrativa em reas metropolitanas, existem vrias opes e seguramente a mais radical tem sido a fuso (aml-

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gama) de municpios. As fuses tm sido promovidas nalguns pases, por exemplo, no Canad, sob o pretexto de que maiores governos metropolitanos melhoram a competitividade das reas metropolitanas; superam a fragmentao oramental aliviando, nalguns casos, responsabilidades e limitaes a nvel municipal; reduzem duplicaes; podem aproveitar economias de escala e atingir dimenso crtica para a proviso eficiente de bens pblicos; melhoram o nvel de responsabilidade; possibilitam a diminuio da carga fiscal do contribuinte; contribuem para a melhoria da capacidade de planeamento fsico, etc. Ao contrrio da fuso de municpios, a colaborao voluntria ou horizontal foi bem sucedida, noutros pases, no alcance de uma mais directa participao. H pases mesmo, como os Estados Unidos e a Frana, que so nitidamente favorveis fragmentao, embora temperada com estruturas tcnicas de planeamento, muitas vezes coordenadas pelo governo central, para atingir os objectivos regionais e urbanos. Dentro do quadro da cooperao voluntria, insere-se tambm a dos contratos-programa, envolvendo um grande conjunto de parceiros actuando em rede. Tm sido as solues mais utilizadas em programas de renovao urbana e na regenerao de terrenos abandonados (e muitas vezes contaminados) que ficaram depois da sada ou fecho de indstrias ou outras actividades em meio urbano (brownfields). Outra possibilidade, que no exclusiva das anteriormente referidas, a criao de uma super-agncia ou autoridade metropolitana cujas funes dependem de determinados objectivos estabelecidos dentro da rea metropolitana. A rea metropolitana de Montreal, onde se procedeu fuso de municpios, criou uma destas autoridades metropolitanas (Montreal Metropolitan Community CMM) cujas atribuies principais so o planeamento fsico (espacial), o desenvolvimento econmico, a habitao e os transportes, o ambiente e a recolha e tratamento de lixos. Funes mais de planeamento e coordenao do que executivas, ficando estas para patamares administrativos mais baixos. Promover a melhoria da governao das reas metropolitanas no apenas reformar instituies e formas de financiamento. tambm mudar atitudes e culturas de governao. Formas de governao mais actuantes e participativas esto a substituir o sistema de simples desconcentrao, ou a regra rgida do top-down. Naturalmente que implica novos actores em cena: populaes mais diversificadas social e culturalmente; sector empresarial e de negcios; associaes e outras instituies do tambm chamado sector voluntrio; os diferentes nveis da Administrao Pblica intervenientes na rea metropolitana.

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2.4. PLANEAMENTO DO TERRITRIO E GOVERNO ELECTRNICO (E-GOVERNMENT)

A abordagem ao planeamento e ao territrio exige, sem dvida, uma referncia ao papel que as novas tecnologias e sistemas de informao tm na vida de hoje e na potencial formulao e implementao de polticas pblicas. Tal abordagem tem de ser enquadrada no desenvolvimento do chamado governo electrnico (e-government) cujos aspectos essenciais, quer nos objectivos, quer no modo de implementao, tm de ser evidenciados isso que se procura fazer neste ponto, relevando-se as preocupaes com o estado da arte, com os erros e as perverses das experincias feitas e com a minorao da componente poltica, sem a qual as alteraes de governao sero meramente cosmticas e no haver verdadeiro planeamento do territrio para servir os cidados no espao e no tempo.

2.4.1. AS CARACTERSTICAS GERAIS DO GOVERNO ELECTRNICOTodas as actividades, sem excepo, so confrontadas com as novas tecnologias e sistemas de informao, em particular com o poder da Internet. O prprio primeiro-ministro portugus Santana Lopes no quis deixar de dar um toque de modernidade ao seu discurso, falando do Governo do Sculo XXI, referindo, implicitamente, como sinal distintivo o e-government. Invocou-o, alis, para a alegada descentralizao de algumas Secretarias de Estado, o que pode ser tomado como um simulacro (apenas isso) de planeamento das actividades de Estado numa perspectiva territorial. Est fora da lgica de um manual desta natureza discutir em profundidade o governo electrnico, mas no deixa de ser importante encontrar os traos fundamentais do seu desenvolvimento actual e das suas perspectivas de evoluo, designadamente no campo especfico do planeamento territorial. Uma caracterstica, esperemos que conjuntural, parece emergir de uma reflexo integrada sobre os propsitos generalizados de implementao deste tipo de governo, bem como das aplicaes j feitas: o planeamento do territrio , ainda, um parente pobre nesta matria.

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Para termos uma ideia das propostas e do grau de desenvolvimento do governo electrnico centrmo-nos em quatro fontes fundamentais: a posio da OCDE que integra estudos de vrios pases, as propostas americanas, as propostas europeias e, finalmente, as portuguesas, designadamente o chamado Plano de Aco para o Governo Electrnico, no mbito da UMIC (Unidade de Misso