maria eugenia doin vieira

167
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP MARIA EUGÊNIA DOIN VIEIRA COBRANÇA PELO USO DO SOLO: TAXA E PREÇO MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO SÃO PAULO 2012

Upload: fvg50

Post on 06-Dec-2015

32 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

tocget

TRANSCRIPT

Page 1: Maria Eugenia Doin Vieira

1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

MARIA EUGÊNIA DOIN VIEIRA

COBRANÇA PELO USO DO SOLO:

TAXA E PREÇO

MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO

SÃO PAULO

2012

Page 2: Maria Eugenia Doin Vieira

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

MARIA EUGÊNIA DOIN VIEIRA

COBRANÇA PELO USO DO SOLO:

TAXA E PREÇO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título MESTRE em Direito do Estado,

subárea Direito Tributário, sob a orientação da Professora

Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.

SÃO PAULO

2012

Page 3: Maria Eugenia Doin Vieira

3

BANCA EXAMINADORA

____________________________

____________________________

____________________________

Page 4: Maria Eugenia Doin Vieira

4

RESUMO

Este estudo aborda alguns dos aspectos relevantes envolvendo a cobrança pelo

uso do solo exigida pelos Municípios em face das prestadoras de serviços públicos,

precipuamente das empresas concessionárias que prestam esses serviços sob o regime

prevalecente de direito público. Cuida-se de cobrança periódica em razão da manutenção de

equipamentos de infraestrutura nos espaços públicos municipais.

Embora a instituição dessa cobrança seja peculiar em cada Município,

aproximando-se da cobrança de taxa ou preço de acordo com a norma instituidora, é possível

identificar traços de similaridade jurídica que norteiam a exigência, permitindo seu estudo

abstrato, à luz das diretrizes constitucionais e disposições legais aplicáveis, visando avaliar a

caracterização dessa cobrança como taxa e preço.

A investigação efetuada nesse estudo envolve temas de direito tributário e de

administrativo, os quais são aprofundados de acordo com sua pertinência para a análise

desenvolvida, portanto, sem a pretensão de exauri-los.

Para abordagem do tema, parte-se da breve análise do sistema constitucional

tributário, bem como das peculiaridades da prestação do serviço público concedido. Com base

nessas considerações, são abordadas as principais características da cobrança pelo uso do

solo, confrontando-as com os critérios caracterizadores das taxas, como espécie tributária

relevante, bem como com as características primordiais dos preços. Por fim, são apresentadas

conclusões acerca da cobrança pelo uso do solo e de sua compatibilidade com o nosso

Sistema Jurídico.

Palavras-chave: DIREITO TRIBUTÁRIO, USO DO SOLO, COBRANÇA MUNICIPAL, TAXA, PREÇO, SERVIÇO PÚBLICO.

Page 5: Maria Eugenia Doin Vieira

5

ABSTRACT

The present study deals with some of the relevant topics concerning the charged

fee over soil use that is demanded by Municipalities in lieu of the public service that

suppliers, specially the concessionaires, render mainly under the regime of Public Law. A

periodic charge is requested due to equipment maintenance of the infrastructure in the public

municipal spaces.

Although the demand of such charge remains specific to every municipality,

getting close to the charge of a rate or price according to the institutional rule, it is possible to

identify similar legal traits that guide this charging, allowing its demand an abstract study, in

view of constitutional guidelines and applicable legal dispositions, aiming at the evaluation

concerning this charged amount characterized as rate and price.

The investigation made in this study involves Tax and Administrative Law issues,

which are deepened according to its relevance for the developed analysis, therefore, with no

intention to exhaust both topics.

In order to approach this theme, the first part is a brief analysis of the tax

constitutional system, as well as the specificities on public service rendering performed

through concessions. Based on those considerations, the main features on charging for soil use

are discussed, comparing them with the criteria regulating the rates, as relevant tax specie,

together with the main characteristics on prices. Finally, conclusions are presented regarding

the charges made on soil use and its compatibility with our Judicial Regulations.

KEY WORDS: TAX LAW, USE OF SOIL, MUNICIPAL CHARGE, RATE, PRICE, PUBLIC SERVICE.

Page 6: Maria Eugenia Doin Vieira

6

SUMÁRIO

1.  CONSIDERAÇÕES SOBRE SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO................ 13 

1.1.Noção de Sistema e de Sistema Jurídico (Direito Positivo) .......................................... 13 

1.2.Noção de Princípio ........................................................................................................ 25 

1.3.Princípio Republicano ................................................................................................... 28 

1.4.Princípio Federativo ....................................................................................................... 33 

1.5.Considerações sobre o Município na Federação Brasileira ........................................... 37 

1.6.Autonomia Municipal .................................................................................................... 41 

1.7.Repartição das Competências Tributária e Sistema Tributário Nacional ...................... 43 

1.8.Imunidade Recíproca ..................................................................................................... 53 

a.  Conceito de Imunidade ..................................................................................... 54 

b.  Imunidade Recíproca ........................................................................................ 56 

c.  Considerações sobre o art. 150, §3º, da CF/88 ................................................. 58 

d.  Espécies Tributárias Abrangidas ...................................................................... 61 

2.  CONSIDERAÇÕES SOBRE SERVIÇO PÚBLICO ................................................ 64 

2.1.Esclarecimentos Preliminares ........................................................................................ 64 

2.2.Serviço Público .............................................................................................................. 66 

2.3.Classificação dos Serviços Públicos .............................................................................. 72 

2.4.Delegação do Serviço Público ....................................................................................... 73 

a.  Distinções em Relação à Classificação do Serviço Público ............................. 74 

b.  Concessão do Serviço Público e sua Remuneração por Tarifa ........................ 75 

c.  Política Tarifária do Serviço Público Concedido ............................................. 76 

2.5.Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público .................................................. 79 

a.  Supremacia do Interesse Público ...................................................................... 81 

b.  Universalidade .................................................................................................. 82 

c.  Continuidade da Prestação ............................................................................... 83 

Page 7: Maria Eugenia Doin Vieira

7

d.  Modicidade das Tarifas .................................................................................... 84 

2.6.Bens Públicos e sua Reversibilidade ............................................................................. 86 

a.  Noção de Bens Públicos ................................................................................... 87 

b.  Classificação dos Bens Públicos ...................................................................... 89 

c.  Rede de Infraestrutura das Concessionárias e Reversibilidade ........................ 91 

3.1.Esclarecimentos Preliminares ........................................................................................ 94 

3.2.Delineamento das Taxas ................................................................................................ 96 

a.  Especificidade e Divisibilidade ........................................................................ 96 

b.  Referibilidade ................................................................................................. 101 

c.  Base de Cálculo .............................................................................................. 102 

d.  Inaplicabilidade do Princípio da Capacidade Contributiva ............................ 105 

e.  Competência para Instituição ......................................................................... 108 

3.3.Inconstitucionalidade da Taxa de Uso ......................................................................... 109 

3.4.Taxa de Serviço e Impossibilidade de sua Cobrança pelo Uso do Solo ...................... 112 

3.5.Caracterização da Taxa de Polícia ............................................................................... 115 

3.6.Distinção entre Taxa de Polícia e Cobrança pelo Uso do Solo ................................... 120 

4.  ANÁLISE DE PREÇO E IMPOSSIBILIDADE DE SUA COBRANÇA PELO USO

DO SOLO ................................................................................................................ 124 

4.1.Esclarecimentos Preliminares ...................................................................................... 124 

4.2.Impactos da Constituição Federal de 1946 .................................................................. 126 

4.3.Críticas acerca da Expressão Preço Público ............................................................... 128 

4.4.Noções de Preço .......................................................................................................... 130 

4.5.Descaracterização da Cobrança pelo Uso do Solo como Preço................................... 134 

a.  Relevante Interesse Coletivo .......................................................................... 134 

b.  Compulsoriedade do Uso do Bem Público ..................................................... 136 

c.  Ausência de Vontade Contratual e Preço como Obrigação Legal .................. 137 

Page 8: Maria Eugenia Doin Vieira

8

d.  Afronta aos Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público ............... 139 

e.  Reversibilidade dos Bens Públicos empregados na Prestação do Serviço

Público ............................................................................................................ 141 

CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 145 

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 150 

ANEXO DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL .......................................................................... 159 

A.  Município de Ferraz de Vasconcelos: Lei Complementar n° 99/99 ............... 159 

B.  Município de Ji-paraná: Lei n° 1.199/02 ........................................................ 161 

C.  Município de São Paulo: Lei n° 14.054/05 .................................................... 162 

D.  São Vicente: Lei Complementar n° 357/01 .................................................... 163 

Page 9: Maria Eugenia Doin Vieira

9

INTRODUÇÃO

Na última década tem se propagado a edição de leis visando à cobrança pelo uso

do solo, exigida pelos Municípios em face de empresas de serviços públicos que mantêm

equipamentos de infraestrutura implantados nos espaços públicos municipais, seja no solo,

subsolo e espaço aéreo1. Trata-se de imposição amplamente conhecida como cobrança pelo

“uso do solo”, embora envolva também o subsolo e os espaços aéreos municipais.

Pela própria natureza de suas atividades, as concessionárias de serviços públicos

de energia elétrica, gás, telecomunicações, dentre outros, são diretamente afetadas por essa

cobrança, considerando a ampla gama de equipamentos implantados em áreas públicas,

decorrente da necessidade de universalização da prestação.

Nos termos da lei, a cobrança é exigida periodicamente, com base na metragem

da área utilizada ou mesmo considerando unidades de equipamentos implantados (v.g.

número de postes, de armários, de orelhões, etc.).

Com a consagração do princípio da autonomia municipal, os Municípios, ansiosos

por incrementar em suas receitas considerando a limitação da competência tributária que lhes

outorga o Texto Constitucional, buscam formas juridicamente legítimas de financiarem seus

gastos.

Limitados na inovação tributária, os Municípios identificaram a cobrança pelo uso

do solo urbano (solo, subsolo e espaço aéreo), embasando-se na competência que têm para

dispor sobre os assuntos de interesse local e o ordenamento do territorial, inequivocamente

aplicável ao regramento da ocupação e uso do solo urbano.

As áreas públicas de titularidade dos Municípios, em lugar de apenas trazerem os

ônus decorrentes de sua gestão, foram consideradas como possíveis fontes de remuneração,

ainda que, conforme se verifique ao longo do presente estudo, forma juridicamente correta de

instituição e cobrança não tenha sido identificada.

1 Vide anexo de legislação municipal, no qual são acostadas, a título ilustrativo, algumas leis municipais

versando sobre a cobrança pelo uso do solo.

Page 10: Maria Eugenia Doin Vieira

10

Retome-se que a ocupação de espaços públicos por particulares já era, de alguma

forma, remunerada (v.g., alvarás e licenças exigidas de bancas de jornal, feiras livres),

conforme oportunamente abordado. Entretanto, com relação aos equipamentos de

infraestrutura, principalmente aqueles necessários à prestação de serviços públicos atribuídos

à União e aos Estados, antes de sua delegação às empresas privadas, não era de praxe a

cobrança de quaisquer valores.

Inicialmente implantados pelo Poder Público, referidos equipamentos de

infraestrutura eram mantidos em espaços públicos municipais sem quaisquer ônus, não fosse

pela falta de iniciativa de cobrança, quiçá em razão da imunidade recíprocas imposta pelo art.

150, VI, “a”, da CF/882, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,

“instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”.

Entretanto, em decorrência do Plano Nacional de Desestatização, introduzido pela

Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, em segundo momento substituído pela Lei nº 9.491, de

09 de setembro de 1997, cujo principal objetivo foi “reordenar a posição estratégica do

Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas

pelo setor público” (art. 1º da Lei nº 9.491/97), diversos serviços públicos prestados pelo

Estado foram delegados à iniciativa privada, que passou a gerir os equipamentos de

infraestrutura já existentes, além de assumirem o compromisso de investimentos necessários à

renovação e melhoria da qualidade dos serviços.

Paralelamente, o desenvolvimento tecnológico e científico viabilizou que as

empresas particulares tivessem condições econômicas de implantar novas redes de

infraestrutura, as quais, no passado, em razão dos elevados custos envolvidos, seriam

concebíveis somente pelo Poder Público. É o caso, a título ilustrativo, do sistema de televisão

a cabo e das dutovias de resíduos e produtos químicos, originariamente financiadas por

empresas particulares, no regular exercício de suas atividades econômicas.

2 Não se aprecia, nessa introdução, a aplicação da imunidade recíproca após o processo de privatização,

principalmente à luz do parágrafo terceiro do mesmo artigo 150 da CF/88, ao aclarar que “as vedações do inciso

VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com

exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que

haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da

obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”. Esse tema será abordado ao serem tecidas as

considerações específicas em tópico próprio.

Page 11: Maria Eugenia Doin Vieira

11

Como decorrência dessa assunção da execução dos serviços públicos por

empresas privadas, alterando-se a titularidade dos equipamentos de infraestrutura, restou

ainda mais vívida a pretensão municipal de cobrança pelo uso do solo, considerando-se

possível onerar empresas que exercem atividade visando o lucro.

Sendo o tributo a principal forma de abastecimento dos cofres públicos3, a

cobrança pelo uso do solo merece ser apreciada sob a perspectiva do direito tributário. Ante a

preocupação constitucional de repartição rígida das competências tributárias, bem como à luz

das espécies tributárias existentes, o estudo da cobrança pelo uso do solo tem pertinência

considerando o perfil jurídico das taxas.Aliás, foi sob essa alcunha que a cobrança foi imposta

na legislação de alguns Municípios4.

A análise da cobrança sob perspectivas do direito tributário terá como condão

avaliar se a cobrança pelo uso do solo pode ser considerada efetiva taxa, atendendo os

requisitos constitucionais e legais aplicáveis. Sob esse prisma, questão a ser enfrentada diz

respeito à imunidade recíproca, principalmente à luz das manifestações do Supremo Tribunal

Federal sobre o tema, exaradas ao apreciar caso específico de cobrança de taxa envolvendo o

Município de Ji-paraná.5

Uma vez descaracterizada a cobrança como tributária, é válido analisar se a

cobrança de preço público seria uma alternativa apta a justificar a exigência pecuniária pelos

Municípios em contraprestação pelo uso do solo. Exatamente dessa forma é que a cobrança

3 O tributo é historicamente forma de transferência de recursos financeiros para o Estado. Não se ignora que, no

atual estágio de intervenção estatal, o tributo passou a ser amplamente utilizado como instrumento de estimulo

ou desestimulo da atividade econômica privada, prestando-se, nesses casos, para fins extrafiscais. Com isso,

evidencia-se que a arrecadação fiscal necessariamente não é único objetivo tributário, mas certamente ainda pode

ser considerada seu objetivo precípuo.

4 Nesse sentido, mencione-se, a título ilustrativo, a Lei Complementar Municipal n° 99, de 27 de dezembro de

1999, editada pelo Município de Ferraz de Vasconcelos, visando cobrar “Taxas de Fiscalização de Ocupação e

Permanência em Áreas de Vias e Logradouros Públicos”. A norma está transcrita no anexo de jurisprudência.

5 Por meio do Recurso Extraordinário n° 581.947/RO, sob a relatoria do Ex-Ministro Eros Grau, o Supremo

Tribunal Federal apreciou a legitimidade da cobrança imposta com base na Lei Municipal n° 1.199, de 31 de

dezembro de 2002, que “autoriza o executivo municipal a criar a taxa de licença e royalties para uso e

ocupação de solo nas vias e logradouros públicos e espaço aéreo no município de Ji- Paraná - RO.”

Page 12: Maria Eugenia Doin Vieira

12

foi tratada em outros Municípios6, vinculando-a com a permissão precária e onerosa de uso de

bem público concedido.

Porém, também sob esse prisma, serão apontadas as principais incongruências

verificadas, que evidenciam a incompatibilidade jurídica com este instituto, não só pela

impossibilidade de sua exigência em face de serviço público, como pela ausência de

discricionariedade na hipótese, sob pena de inviabilizar a consecução do serviço concedido.

Aponte-se que por ser o direito tributário um direito de superposição, que incide

sobre realidades decorrentes de outros ramos do direito, o estudo da cobrança pelo uso do solo

torna imprescindível a abordagem, ainda que breve, de alguns conceitos exauridos do direito

administrativo, para bosquejo das atribuições municipais na gestão da coisa pública, bem

como para abordar conceito e princípios aplicáveis aos serviços públicos e sua concessão,

considerando o tratamento constitucionalmente dado ao tema.

Ainda que sob esse ramo didático do direito não se pretenda exaurir as questões

abordadas, serão traçadas premissas terão impacto direto nas conclusões atingidas em cada

etapa.

6 A título ilustrativo, mencione-se trecho da legislação de São Paulo e de São Vicente, cujas íntegras estão no

anexo jurisprudencial:

Lei Municipal de São Paulo n° 14.054/05: “Art. 1º O Poder Executivo Municipal fica autorizado a fixar e a

cobrar mensalmente preço público relativo à ocupação e uso do solo municipal pelos postes fixados em

calçadas e logradouros.”

Lei Complementar Municipal de São Vicente n° 357/01: “Art. 9º - O preço público pela permissão de uso das

vias e logradouros públicos, inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e das obras de arte no Município, a ser

pago pelas entidades de direito público e privado, para a realização de eventos ou para implantação, instalação

e passagem de equipamentos urbanos para a prestação de serviços de infra-estrutura urbana será representado

por contribuição pecuniária.”

Page 13: Maria Eugenia Doin Vieira

13

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

1.1. Noção de Sistema e de Sistema Jurídico (Direito Positivo)

GERALDO ATALIBA7 aponta com sabedoria que “o estudo de qualquer

realidade – seja natural, seja cultural – quer em nível científico, quer didático, será mais

proveitoso e seguro, se o agente é capaz de perceber e definir o sistema formado pelo objeto

e aquele maior, no qual este se insere. Se se trata de produto cultural, ainda que o esforço

humano que o produziu não tenha sido consciente de elaborar um sistema, previamente

deliberado nesse sentido, deve procurá-lo e apreendê-lo o observador ou interprete.”

Etimologicamente, a palavra sistema é originária do vocábulo grego systema,

derivado de syn-istemi, que significa composto, construído. “Na sua significação mais

extensa, o conceito aludia, de modo geral à idéia de uma totalidade construída, composta de

várias partes.” São os ensinamentos TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR8, ao deduzir

que da filosofia grega foram extraídas as bases genéricas do uso dessa palavra.

Sem pretender exaurir o tema, o Autor prossegue abordando as ambiguidades9 e

alterações da noção inicial de sistema que, com o passar do tempo, evoluiu para significar não

apenas o composto de elementos, mas o composto de elementos que estão reunidos segundo

uma lógica ou organização.

Ao discorrer sobre a Teoria da Norma Jurídica, o Autor apresenta seu conceito de

sistema como “um conjunto de objetos e seus atributos (repertório do sistema), mais as

relações entre eles, conforme certas regras (estrutura do sistema). Os objetos são os

7 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 4/5.

8 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Conceito de Sistema no Direito: Uma Investigação Histórica a Partir da Obra

Jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 9/12.

9 “Si la designación de las palabras suele resultar insuficiente en gran número de casos, la situación se

complica cuando una palabra tieno dos o más designaciones. La condición de una palabra con más de un

significado se llama polisemia o, más comúnmente ambigüedad.” (GUIBOURG, Ricardo; GUIGLIANI,

Alejandro & GUARINONI, Ricardo. Introducción al Conocimiento Cientifico. Buenos Aires: EUDEBA, 1985,

p. 49.)

Page 14: Maria Eugenia Doin Vieira

14

componentes do sistema, especificados pelos seus atributos, e as relações dão o sentido de

coesão ao sistema.”10

É o que se verifica da obra de CLAUS–WILHELM CANARIS11, que, após

abordar as múltiplas divergências em aspectos específicos do conceito geral de sistema,

aponta que “há duas características que emergiram em todas as definições: a da ordenação e

a da unidade.” Aclarando-as, prossegue o Autor alemão:

“No  que  respeita,  em  primeiro  lugar,  à  ordenação,  pretende­se,  com  ela 

exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado 

na  realidade. No  que  toca  à  unidade,  verifica­se  que  este  factor modifica  o  que 

resulta  já  da  ordenação,  por  não  permitir  uma  dispersão  numa  multitude  de 

singularidades  desconexas,  antes  devendo  deixá­las  reconduzir­se  a  uns  quantos 

princípios fundamentais.” 

Noção similar se extrai da lição de LOURIVAL VILANOVA12:

“Em suma, falamos de sistema onde encontrem elementos e relações e uma 

forma  de  dentro  de  cujo  âmbito,  elementos  e  relações  se  verifiquem. O  conceito 

formal de  todo  (no  sentido husserliano)  corresponde ao  sistema. Sistema  implica 

ordem, isto é, uma ordenação das partes constituintes, relações entre as partes ou 

elementos. As  relações não  são elementos do  sistema. Fixam, antes,  sua  forma de 

composição interior, sua modalidade de ser estrutura.” 

Na lição de MARCELO NEVES13, sistema é compreendido como “um conjunto

de elementos (partes) que entram em relação formando um todo unitário.”

10 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica: Ensaio de Pragmática da Comunicação

Normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 140.

11 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 12/13.

12 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad,

1997, p. 173.

13 NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 2.

Page 15: Maria Eugenia Doin Vieira

15

Nesse sentido, fixando a premissa de que os elementos do sistema não podem ser

bem compreendidos se dissociados de seus princípios gerais e caracteres essenciais, muito

precisa a constatação de GERALDO ATALIBA14, ao aduzir que:

“Daí  porque,  à  dificuldade  da  tarefa  de  se  reconhecer  os  sistemas, 

principalmente normativas,  se acrescentam as de preservar, mesmo no exame da 

minúcia  mais  particular,  os  princípios  mais  genéricos  informadores  de  todo  o 

sistema. Isto porque, os elementos integrantes de um sistema não lhe constituem o 

todo mediante sua soma, mas desempenham  funções coordenadas, uns em  função 

dos outros e todos harmonicamente, em função do todo (sistema).” 

Dessas breves considerações, depreende-se que, apesar de se tratar de um termo

que admite uma pluralidade de sentidos15, a noção de sistema corresponde ao aglutinamento

de elementos que se relacionam segundo determinada organização ou sentido comum, a qual

deve ser preservada, ainda que se avalie os elementos segregadamente.

A pluralidade de sentidos que envolvem a noção de sistema em nada se dissipa

quando se perquire o significado da expressão Sistema Jurídico. A ambiguidade dessa

expressão é objeto de análise por PAULO DE BARROS CARVALHO16, que se preocupa em

advertir ser o termo relacionado tanto ao Direito Positivo, considerando as normas jurídicas17

propriamente ditas, como à Ciência do Direito, compreendida como os textos descritivos das

normas jurídicas elaborados pelo cientista do direito18.

Considerando que o texto científico pressupõe o emprego de linguagem acurada,

o uso da expressão Sistema Jurídico demanda zelo especial.

14 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 7.

15 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Conceito de Sistema no Direito: Uma investigação Histórica a Partir da Obra

Jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1796, p. 8.

16 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 168.

17 Tratando-se de expressão que padece de ambiguidade, cumpre esclarecer que norma jurídica tal como

empregada faz referência aos enunciados do direito positivo, ou seja, os textos legislativos lato senso, em lugar

de se referir às normas jurídicas construídas pelo exegeta do direito com base na análise e interpretação desses

enunciados.

18 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 33/36.

Page 16: Maria Eugenia Doin Vieira

16

Em breve referência aos pressupostos do neopositivismo lógico19, a linguagem

utilizada no texto científico deve buscar precisão, de modo que reflita com a máxima exatidão

possível as situações que descreve. Com isso, demanda atenção nos planos semântico,

sintático e pragmático. Leciona PAULO DE BARROS CARVALHO20 que:

“(...) o conhecimento de toda e qualquer manifestação de linguagem pede a 

investigação  de  seus  três  planos  fundamentais:  a  sintaxe,  a  semântica  e  a 

pragmática.  Só  assim  reuniremos  condições  de  analisar  o  conjunto  de  símbolos 

gráficos  e  auditivos  que  o  ser  humano  emprega  para  transmitir  conhecimentos 

(...)”. 

De acordo com essa doutrina, o plano sintático (estrutural) aborda o

relacionamento que os símbolos linguísticos mantém uns com os outros, os vínculos

estabelecidos quando estruturados. O plano semântico (significativo) versa sobre as ligações

dos símbolos linguísticos com os objetos significados, como forma de referência à realidade.

O plano pragmático (de aplicação) trata da relação da linguagem e seus usuários.

No plano sintático, o rigor é fundamental para assegurar a coesão do discurso.

Tratando-se do sistema de direito positivo, aplica-se a lógica deôntica (dever-ser), refletida no

uso da linguagem prescritiva de condutas humanas, as quais são consideradas como

obrigatórias, permitidas ou proibidas (modais deônticos)21. Sob essa perspectiva, a linguagem

apropriada não se limita à boa disposição das palavras e frases, abrangendo também a relação

das normas entre si.

19 Corrente filosófica estruturada pelo Círculo de Viena, voltada ao estudo do discurso cientifico. “Focados na

linguagem, os neopositivas lógicos contribuíram para apontas as regras do jogo da linguagem científica. Com

alguns de seus pressupostos temos que: (i) as proposições científicas devem ser passíveis de comprovação

empírica, ou legitimadas pelos termos que as compões, quando nada afirmam sobre a realidade (no caso das

tautologias).; (ii) devem convergir para um mesmo campo temático permitindo a demarcação do objeto , o que

lhe garante foros de unidade; (iii) a organização sintática da linguagem cientifica deve ser rígida, submetendo-

se à regras da lógica e aos princípios da identidade, terceiro excluído (verdade/falsidade) e não-contradição;

(iv) suas significações deve ser, na medida do possível, unívocas, e quando não possível, elucidadas.”

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Noeses, 2009, p. 35.

20 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 132.

21 Sobre os modalizadores da linguagem prescritiva, com lastro na lição de GEORG HENRIK VON WRIGHT,

vide Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.

Page 17: Maria Eugenia Doin Vieira

17

Já no plano semântico, a precisão da linguagem é atingida com o emprego de

termos unívonos22, em lugar do uso dos termos imprecisos, frequentemente utilizados na

linguagem natural23. O uso do discurso ambíguo ou vago24 não é tolerado por comprometer o

conteúdo descrito.

Preocupando-se o cientista com a linguagem utilizada nos campos semântico e

sintático, tenderá, naturalmente, a reduzir também as imprecisões no discurso causadas pela

carga emotiva, questão afeta ao plano pragmático da linguagem, isto é, que versa sobre a

relação entre os símbolos linguísticos e os usuários.

Ao integrar a ideia transmitida pela linguagem, naturalmente, o intérprete agrega

sua própria carga emotiva ao conteúdo extraído, de acordo com sua valoração pessoal dos

termos, afetando a mensagem transmitida. Como bem remarca ALFREDO AUGUSTO

BECKER25:

“Não somente a fórmula e a linguagem das regras jurídicas, mas qualquer 

expressão  de  linguagem  sofre  –  sempre  e  necessariamente  –  deste  defeito  de 

insuficiência  em  relação  à  idéia  que  procura  exprimir  e  que,  conseqüentemente, 

sempre  impõe  ao  interlocutor  (intérprete)  a  exigência  de  integrar  e  completar 

aquela idéia.”  

22 Conforme aclara Tárek Moysés Moussallem, ao discorrer sobre a ambiguidade terminológica: “Trata-se de

problema eminentemente semântico, pois trabalha a relação entre uma palavra e as demais palavras que

buscam explicá-la.” Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2011, p. 54.

23 “a) A linguagem natural aparece como o instrumento por excelência da comunicação entre as pessoas.

Espontaneamente desenvolvida, não encontra limitações rígidas, vindo fortemente acompanhada de outros

sistemas de significação coadjuvantes, entre os quais, quando fala a mímica.” (CARVALHO, Paulo de Barros.

Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 56).

24 “Esta falta de precisión en el significado (designición) de uma palabra se llama vaguedad: una palabra es

vaga en la medida en que hay casos (reales o imaginarios, poco importa) en los que su aplicabilidad es dudosa;

o por decirlo en términos lógico-matemáticos, no es decidible sobre la base de los datos preexistentes, y sólo

puede resolverse a partir de una decisión lingüística adicional (como la de exigir o no exigir habitualidad, valor

literario o reconocimiento público en el ejemplo de nuestro verdulero con veleidades literarias).” (GUIBOURG,

Ricardo; GUIGLIANI, Alejandro & GUARINONI, Ricardo. Introducción al Conocimiento Cientifico. Buenos

Aires: EUDEBA, 1985, p. 48)

25 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 1998, p. 119.

Page 18: Maria Eugenia Doin Vieira

18

Destarte, como prega IRVING M. COPI26: “Se nosso interesse é cientifico,

faremos bem em evitar a linguagem emocional e em cultivar um conjunto de termos que seja,

tanto quanto possível, emotivamente neutro”.

De fato, alerta TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM27, apoiado em CARLOS

SANTIAGO NINO, que “determinadas palavras, além de servirem para transmitir

informações, são também portadoras de alto grau de significado emotivo, ou seja, são

utilizadas para exprimir sentimentos (v.g. a palavra “liberdade”), o que diminui

sensivelmente sua carga informativa.” E prossegue o Autor, em menção à lição de COPI

acima referida: “interessante notar que COPI fala em termos emotivamente neutros e não

valorativamente neutros, pois, conforme já dito, o homem é um ser cultural e, portanto,

indissociável dos valores.”

Assim, no campo pragmático, o rigor linguístico exigido do texto científico tem

como objetivo reduzir os efeitos que a carga emotiva naturalmente utilizada pelo intérprete

afete a mensagem enviada, o que se atinge tanto pela delimitação semântica dos termos

empregados, buscando termos com menor impacto emocional, como também pela precisa

inserção dos símbolos linguísticos na estrutura da mensagem a ser transmitida, aproveitando-

se da articulação dos termos para nortear sua compreensão.

Versando sobre a aplicação dos planos sintático, semântico e pragmático ao

Sistema Jurídico ou Direito Positivo, sintetiza AURORA TOMAZINI DE CARVALHO28:

“Aplicando esta técnica ao direito positivo, o estudo de seu plano sintático, 

que tem a Lógica como forte instrumento, permite conhecer as relações estruturais 

do sistema e de sua unidade, a norma  jurídica. O  ingresso no seu plano semântico 

possibilita  a  análise  dos  conteúdos  significativos  atribuídos  aos  símbolos 

positivados.  É  nele  que  lidamos  com  os  problemas  de  vaguidade,  ambiguidade  e 

carga  valorativa das palavras  e que  estabelecemos a ponte que  liga a  linguagem 

normativa  à  conduta  intersubjetiva  que  ela  regula.  E,  as  investidas  de  ordem 

pragmática permitem observar o modo como os sujeitos utilizam­se da  linguagem 

26 COPI, Irving Marmer, Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 69.

27 MOUSSALLEM, Tarék Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2011, p. 57. com

referência a CARLOS SANTIAGO NINO, La Validez del Derecho, Buenos Aires: Astrea, 1985.

28 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Noeses, 2009, p. 157.

Page 19: Maria Eugenia Doin Vieira

19

jurídica  para  implantar  certos  valores  almejados  socialmente.  É  nele  que  se 

investiga  o manuseio  dos  textos  pelos  tribunais,  bem  como  questões  de  criação  e 

aplicação de normas jurídicas.” 

Dessa forma, com escopo de mitigar a ambiguidade, almejando atingir algum

grau29 de rigor semântico, sintático e pragmático no presente estudo, resta fixada a premissa

que o Sistema Jurídico deve ser aqui entendido como o sistema formado por normas jurídicas

existentes em determinado espaço territorial, no caso o território brasileiro, visando regular a

conduta humana. São as prescrições de conduta a serem seguidas, as quais podem ser

qualificadas como válidas ou inválidas para regular a vida social.

Relevante apontar que, sob a perspectiva semântica, esta definição de Sistema

Jurídico encontra amparo na etimologia, já que o termo jurídico decorre do latim juridicu,

que significa relativo ou pertencente ao direito, legal, conforme os princípios do direito. Do

que se conclui que Sistema Jurídico é aquele formado por normas jurídicas, é o próprio

Direito Positivo - muitas vezes denominado de Ordenamento Jurídico -, que somente subsiste

como sistema, conforme abordado a seguir.

Conceito distinto é atrelado ao sistema da ciência do direito, o qual não merece

ser confundido, de forma alguma, com Sistema Jurídico. O sistema da ciência do direito

corresponde ao resultado dos estudos científicos das normas jurídicas existentes, ou seja, do

próprio Sistema Jurídico, buscando identificar metodologicamente seu sentido e alcance30.

Acerca da Ciência do Direito, ALFREDO AUGUSTO BECKER31 assevera:

“O  Direito  converte­se  em  ciência  somente  depois  de  elaborado,  isto  é, 

quando se trata de investigar sua consistência (estrutura lógica da regra jurídica) 

e analisar o modo e resultados  (efeitos  jurídicos) de  seu  funcionamento  (atuação 

dinâmica  da  regra  jurídica),  como  a  experiência  social  do  homem  em  prever  e 

29 Não há a pretensão de exaurir as imprecisões da linguagem, apenas de mitigá-las.

30 Consoante Paulo de Barros Carvalho, cabe à Ciência “descrever esse enredo normativo, ordenando-o,

declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do

sistema e oferecendo seus conteúdos de significação.” Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 34.

31 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 53-54, com

referência a NORBERTO BOBBIO, Studi sulla Teoría General Del Diritto, Torino, 1955.

Page 20: Maria Eugenia Doin Vieira

20

impor  um  determinismo  artificial  ao  comportamento  (fazer  e  não  fazer)  dos 

homens.” 

Assim, enquanto que o Sistema Jurídico alberga o conjunto de normas jurídicas, a

Ciência do Direito discorre metodologicamente sobre o Sistema Jurídico, utilizando-se de

linguagem descritiva32. Compõem a Ciência do Direito os textos (sentido lato) que versam

sobre as normas jurídicas, porém, com esse não se confundem, já que, em lugar de

pertencerem ao direito, apenas discorrem acerca deste.

Ao invés de se qualificar como válida ou inválida, critério aplicável às normas

jurídicas componentes do Sistema Jurídico, a Ciência do Direito tem seu conteúdo submetido

a critérios de verdade e falsidade da Lógica Clássica, também denominada Lógica Apofântica

ou Lógica Alética.33

Nesse ponto, merece referência a lição de HANS KELSEN34, ao versar sobre a

interpretação da Ciência do Direito, aduzindo que “a interpretação jurídico-científica não

pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica.”

Prossegue o Autor aclarando que a interpretação “correta” da norma jurídica não compete ao

cientista do direito, mas ao órgão aplicador do direito. O papel da Ciência do Direito é revelar

“todas as significações possíveis, mesmo aquelas que são politicamente indesejáveis e que,

porventura, não foram de forma alguma pretendidas pelo legislador ou pelas partes que

celebraram o tratado, mas que estão compreendidas na fórmula verbal por eles escolhida.”

Desta forma, a Ciência do Direito produz textos pertinentes – atributo decorrente

da veracidade do conteúdo conforme a Lógica Clássica -, quando nada mais reflete do que o

32 “a) Linguagem descritiva, informativa, declarativa, indicativa, denotativa ou referencial é o veículo adequado

para a transmissão de notícias, tendo por finalidade informar o receptor acerca de situações objetivas ou

subjetivas que ocorrem no mundo existencial. Apresenta-se como um feixe de proposições, afirmadas ou

negadas, que remetem o leitor ou o ouvinte aos referentes situacionais ou textuais. É a linguagem própria para

a transmissão do conhecimento (vulgar ou científico) e de informações das mais variadas índoles, sendo muito

utilizada no intercurso da convivência social.” (Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário, Linguagem e

Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 39/40).

33 “A proposição descritiva é verdadeira se o fato lhe corresponde; depende, pois, da experiência.” (Lourival

Vilanova. Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 229/230.)

34 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,

2006, p. 396.

Page 21: Maria Eugenia Doin Vieira

21

conteúdo do próprio Sistema do Direito, devidamente extraído e retransmitido em linguagem

própria (descritiva). Como resultado, enquanto não é dado a ninguém descumprir o Direito

Positivo por não conhecê-lo35, ainda que não compreenda bem o todo sistêmico, o conteúdo

da Ciência do Direito não faz jus a qualquer presunção, podendo ser acatado ou repudiado,

conhecido ou ignorado, sem qualquer impacto nas relações humanas.

Retomando o conceito de sistema inicialmente abordado, pode-se afirmar que

apesar de Sistema Jurídico e Ciência do Direito se tratarem de conceitos notadamente

distintos, em ambos os casos se identifica a presença das características que os enquadram no

conceito de sistema, já que refletem o aglutinamento de elementos que, de acordo com

alguma lógica, se relacionam entre si, unindo-se para formar um todo sistêmico.

Não há como deixar de ponderar que a Ciência do Direito, considerando-se a

vastidão de trabalhos científicos produzidos, não apresenta uma ordem natural, ainda que,

quando considerados individualmente, tais trabalhos tenham sido metodologicamente

desenvolvidos. Ao cientista do direito cabe a ordenação dos textos científicos com base em

critérios unificadores, como por exemplo, por escolas de pensamento ou ramos do direito36.

Porém, ainda assim, seja pela metodologia e lógica que rege os estudos científicos, seja por

outros critérios aglutinantes a serem eleitos pelo cientista, é inafastável a presença do caráter

sistêmico que permite o uso da expressão Sistema da Ciência do Direito.

No que se refere ao Sistema do Direito, merece total guarida o entendimento de

PAULO DE BARROS CARVALHO37 ao aduzir que, ao contrário do que negam alguns38,

35 LICC: “Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”

36 Ainda que essa divisão dos textos científicos em ramos do direito seja meramente didática, como assevera

Alfredo Augusto Becker: “Pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do

sistema jurídico, a autonomia (no sentido de independência relativa) de qualquer ramo do direito positivo é

sempre unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado

número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúnem num grupo orgânico e que une esse

grupo à totalidade do sistema jurídica.” Teoria Geral do Direito Tributário. 3º ed. São Paulo: Lejus, 1998, p.

31.

37 Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 169.

38 O autor faz referência à obra de KANT ao tratar do tema, ao mencionar que “não faltam os que negam a

possibilidade de o direito positivo apresentar-se como sistema, configurando aquele caos de sensações a ser

ordenado pelas categorias do pensamento, a que aludiu Kant. A Ciência do Direito, sim, organizando

Page 22: Maria Eugenia Doin Vieira

22

“enquanto conjunto de enunciados prescritivos que se projetam sobre a região material das

condutas interpessoais, o direito posto há de ter um mínimo de racionalidade para ser

compreendido pelos sujeitos destinatários, circunstância que lhe garante, desde logo, a

condição de sistema.”

No caso do Sistema Jurídico, seu enquadramento no conceito de sistema é ainda

mais evidente quando se adota a teoria kelseniana39, segundo a qual todas as normas jurídicas

não possuem o mesmo patamar hierárquico, posicionando-se de forma escalonada, sendo as

normas superiores fundamento de validade jurídica das normas inferiores, que, por isso - em

referência ao plano sintático -, não podem se contrapor àquelas, sob pena de invalidade dentro

do ordenamento que pretendem reger.

Segundo HANS KELSEN40, “uma ordem jurídica é um sistema de normas gerais

e individuais que estão ligadas entre si pelo fato de a criação de toda e qualquer norma que

pertence a este sistema ser determinada por uma outra norma do sistema.” Com efeito,

destaca que “uma norma somente pertence a uma ordem jurídica porque é estabelecida de

conformidade com uma outra norma desta ordem jurídica.”

Nesse cenário, exsurge a pirâmide jurídica, cuja cúspide é ocupada pela

Constituição Federal, como norma apta a dotar de validade as demais normas, todas inferiores

a essa primeira. A alusão geométrica à pirâmide é bastante ilustrativa para evidenciar, dentro

outros, a presença do fator aglutinante dos elementos, que assegura a unicidade sistêmica, “a

norma fundamental é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade

desta interconexão criadora”.41

Mais que isso, reforçando sua caracterização como sistema, as normas jurídicas,

além de buscarem sua validade umas nas outras, devem ser interpretadas em conjunto, de

descritivamente o material colhido do direito positivo atingiria o nível de sistema. Tal não é, contudo, nosso

entendimento.” Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 168/169.

39 Hans Kelsen (1881 – 1973). Vide Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:

Martins Fontes, 2006, p. 247.

40 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,

2006, p. 260.

41 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, op. cit., p. 247.

Page 23: Maria Eugenia Doin Vieira

23

forma sistemática, para que delas se extraia o conteúdo normativo. Conforme JOSÉ ARTUR

LIMA GONÇALVES42:

“Daí não ser possível considerar­se um comando  legal  isolado do contexto 

sistemático dos demais comandos legais correlatos e, especialmente, dos princípios 

que  informam  a  matéria;  e  tudo  considerado  de  forma  harmônica,  orgânica, 

organizadas, hierarquizada e vocacionada à coerência – enfim,  tudo considerado 

de forma sistemática.” 

Retomando a questão da unidade como elemento caracterizador do sistema,

CLAUS–WILHELM CANARIS43 valoriza o pensamento sistemático como radical da ideia

de Direito. O Autor a aborda a partir dos princípios da justiça e das suas concretizações no

princípio da igualdade, considerando-os, em conjunto com a segurança jurídica, como os mais

elevados valores do Direito:

“Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança jurídica, aponta na 

mesma direcção. Também, ela pressiona, em todas as suas manifestações (...) para 

a  formação  de um  sistema,  pois  todos  esses postulados podem  ser muito melhor 

prosseguidos  através  de  um  Direito  adequadamente  ordenado,  dominado  por 

poucos e alcançáveis princípios, portanto, um Direito ordenado em sistema, do que 

por  uma  multiplicidade  inabarcável  de  normas  singulares  e  desconexas  e  em 

demasiado fácil contradição umas com as outras.  Assim, o pensamento sistemático 

radica, de  facto,  imediatamente, na  ideia de Direito  (como o  conjunto de valores 

jurídicos mais elevados).” 

Identifica-se claramente, na teoria kelseniana, o entendimento do Direito Positivo

com um sistema - o Sistema Jurídico -, já que a Constituição Federal, dotada do status de

norma primeira, assegura a unidade do ordenamento, figurando como “termo unificador das

normas que compõem um ordenamento jurídico.”44

42 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 1997, p. 45.

43 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 22.

44 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9ª ed. Tradução por Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Santos. Brasília: UnB, 1996, p. 49.

Page 24: Maria Eugenia Doin Vieira

24

Além de enfatizar a unidade do Sistema Jurídico, retomando o pressuposto de

existência de determinada ordem nos elementos que compõem o sistema, NORBERTO

BOBBIO45 assim leciona:

“Entendemos por ‘sistema’ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes 

entre os quais existe uma certa ordem. Para que  se possa  falar de uma ordem, é 

necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento 

com o  todo, mas  também num relacionamento de coerência entre  si. Quando nos 

perguntamos se um ordenamento  jurídico constitui um sistema, nos perguntamos 

se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em 

que condições é possível essa relação.” 

Considerando a teoria kelseniana, a coerência referida por BOBBIO é inafastável

quando se considera o Sistema Jurídico, cuja validade decorre da Constituição, que, sob sua

regência, desenha todo o sistema de normas. Assim, em atenção ao questionamento

academicamente lançado por BOBBIO, confirma-se que o Sistema Jurídico efetivamente se

caracteriza como um sistema.

Entretanto, retomando os conceitos já acima delineados, não se pode olvidar que o

Direito Positivo, diferentemente da Ciência do Direito, é resultado de trabalho do legislador,

que não adota em sua linguagem o rigor demandado do cientista do direito.

Verifica-se, pela própria forma de criação das normas jurídicas – mediante

representação popular46 - que prevalece o uso da linguagem técnica47, eivando o texto

prescritivo de condutas com “erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambiguidades”

45 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, op. cit., p. 71.

46 É o que se depreende da Constituição Federal, em seu art. 1º, parágrafo único: “Parágrafo único. Todo o

poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

Constituição.”

47 “A linguagem do legislador é uma linguagem técnica, o que significa dizer que se assenta no discurso

natural,mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao

domínio das comunicações científicas.” Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. São Paulo:

Saraiva, 2010, p. 36.

Page 25: Maria Eugenia Doin Vieira

25

e, sem sombra de dúvidas, também lacunas e contradições, conforme aponta PAULO DE

BARROS CARVALHO48:

“O exame concreto dos vários sistemas do direito positivo chama a atenção 

para a existência de  lacunas e contradições entre as unidades do conjunto. É bem 

verdade que os sistemas costumam trazer a estipulação de critérios com o  fim de 

eliminar tais deficiências, no instante da aplicação da norma jurídica. Todavia, em 

face  de  dois  preceitos  contraditórios,  ainda  que  o  aplicador  escolha  uma  das 

alternativas,  com  base  na  primazia  hierárquica  (norma  constitucional  e 

infraconstitucional)  ou  na  preferência  cronológica  (a  lei  posterior  revoga  a 

anterior),  remanesce  a  contradição,  que  somente  cessará  de haver,  quando  uma 

das  duas  regras  tiver  sua  validade  cortada  por  outra  norma  editada  por  fonte 

legítima do ordenamento.” 

O fato de haver contradições normativas não retira do Direito Positivo o atributo

de sistema, pois, com respaldo na Constituição, há maneiras diversas de o próprio conjunto

repudiar o elemento que o contradiz49. Ainda que averiguadas lacunas, contradições e atecnias

aparentes, essas encontram soluções no próprio sistema hierarquizado, seja no âmbito formal

seja no material, “o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando ele próprio, sua

criação e suas transformações”.50

Considera-se, portanto, que a unidade do Direito Positivo decorre da própria

hierarquização das normas, as quais encontram na Constituição, na qualidade de norma

fundamental, as premissas de sua estruturação ordenada, bem como das soluções para afastar

eventuais contradições, lacunas e deficiências normativas, em proteção à unidade do Sistema

Jurídico.

1.2. Noção de Princípio

48 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 37 e 43.

49 Submissão do sistema à lógica deôntica, com as valências da validade ou não validade.

50 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 214.

Page 26: Maria Eugenia Doin Vieira

26

A complexidade da definição de princípios decorre da própria abstração e

abrangência do conceito.

Para J.J. GOMES CANOTILHO51 “princípios são normas que exigem a

realização de algo da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e

jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada;

impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a reserva do

possível, fáctica ou jurídica.”

Na obra de ALFREDO ALUGUSTO BECKER52, com referência aos

ensinamentos de Emilio Betti, “princípio designa qualquer coisa que se contrapõe

conceitualmente ao acabamento, à consequência que dele se origina, e, assim, à norma

acabada e formulada: é a idéia germinal, o critério de valorização, do qual a norma constitui

a manifestação, baixada norma específica e formulação perceptiva.”

Segundo a doutrina de HUMBERTO ÁVILA53 os princípios são normas

imediatamente finalísticas, já que estabelecem o estado ideal de coisas a ser buscado, e, por

isso, exigem a adoção de comportamentos a serem tomados, cujos efeitos contribuam para a

promoção gradual daquele fim. Depreende-se, dessas considerações, que para o Autor os

princípios não são valores decorrentes das preferências pessoais, e, por definição, restringidos

ao plano axiológico. Diferentemente, os princípios se situam nos planos deôntico e

teleológico, estabelecendo a obrigação de adoção de condutas que promovam gradualmente o

estado almejado das coisas54. Como pontua o Autor, “Daí afirmar-se que os princípios são

normas-do-que-dever-ser (ought-to-be-norms): seu conteúdo diz respeito a um estado ideal

de coisas (state of affairs).” 55

51 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 534.

52 Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 19.

53 Normas imediatamente finalísticas, para o Autor, são aquelas que “estabelecem um estado de coisas para cuja

realização é necessária a doção de determinados comportamentos.” Teoria dos princípios da definição à

aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 71 e 80.

54 ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 80.

55 ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos, op. cit., p. 72.

Page 27: Maria Eugenia Doin Vieira

27

CLAUS –WILHELM CANARIS56, discorrendo sobre a tentativa de entender o

sistema como ordem de valores, assim trata da noção de princípio:

“(...) o princípio está já num grau de concretização maior do que o do valor: 

ao contrário deste, ele já compreende a bipartição, característica da proposição de 

Direito em previsão e consequência jurídica. (...) O princípio ocupa pois, justamente, 

o ponto  intermédio entre o valor, por um  lado, e o conceito, por outro: ele excede 

aquele por já estar suficientemente determinado para compreender uma indicação 

sobre  as  consequências  jurídicas  e,  com  isso,  para  possuir  uma  configuração 

especificamente  jurídicas  e  ultrapassa  este  por  ainda  não  estar  suficientemente 

determinado para esconder a valoração.” 

Considerando a organização das normas em forma piramidal, na lição kelseniana,

os princípios, alçados a patamar supremo da pirâmide, impregnam o todo sistêmico,

prevalecendo como norteadores da interpretação de todos os seus comandos, de modo que se

realizem plenamente os valores que se preocuparam em juridicizar.

Não é por outro motivo que CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO57

difundiu a noção de princípio como:

“(...)  mandamento  nuclear  de  um  sistema,  verdadeiro  alicerce  dele, 

disposição  fundamental que  se  irradia  sobre diferentes normas,  compondo­lhes o 

espírito  e  servindo  de  critério  para  a  exata  compreensão  e  inteligência  delas, 

exatamente  porque  define  a  lógica  e  a  racionalidade  do  sistema  normativo, 

conferindo­lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.” 

De sorte que, prossegue o Autor, a violação de um princípio “é muito mais grave

que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um

específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.”58

56 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 86/87.

57 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

54.

Page 28: Maria Eugenia Doin Vieira

28

Na mesma linha, conclui JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES59 ao aduzir que “a

violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição,

representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de consequências muito mais

graves que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional.” 60

Em virtude dessas considerações, os princípios podem ser considerados comandos

que possuem importante função axiológica no Sistema Jurídico, já que, qualificando-se como

a concretização dos valores impostos dentro desse sistema, orientam a interpretação das

normas, implicando na harmonia e coesão do todo. Com isso, os princípios impregnam e

norteiam o próprio Sistema Jurídico.

1.3. Princípio Republicano

De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, o Brasil é uma república

federativa: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e

tem como fundamentos.” Em complementação, o art. 18 da Lei Maior estatui que “a

organização político-administrativa da República federativa do Brasil compreende a União,

os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta

Constituição.”

Já desses dispositivos iniciais da Lei Maior são extraídos relevantes princípios

constitucionais regentes de nosso sistema jurídico, sendo destacados os princípios

republicano, federativo e a autonomia municipal.

58 Referindo-se ao artigo Criação das Secretarias Municipais, publicado na Revista de Direito Público, 1971. A

noção de princípio de Celso Antônio Bandeira de Mello passou a ser objeto de menção por diversos autores,

inclusive José Afonso da Silva e Roque Antonio Carrazza.

59 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975, p. 13.

60 Posição confrontada por Humberto Ávila em sua obra Teoria dos princípios da definição à aplicação dos

princípios jurídicos, na qual sustenta que o ônus de superar uma regra, em razão de sua eficácia e rigidez em

relação ao comportamento a ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios que

impregnam sua interpretação, é maior do que aquele exigido para se superar um princípio, cujo comando é

menos inteligível (op. cit., p. 103 e ss).

Page 29: Maria Eugenia Doin Vieira

29

Como bem leciona ROQUE ANTONIO CARRAZZA61, a república deve ser

entendida como “tipo de governo fundado na igualdade formal das pessoas, em que os

detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra),

transitório e com responsabilidade. (...) É um dos meios que o Homem concebeu para

governar os povos.”62

A relevância do princípio republicano é ressaltada por GERALDO ATALIBA:63

“Como princípio fundamental e básico, informador de todo o nosso sistema 

jurídico,  a  idéia  de  república  domina  não  só  a  legislação,  como  o  próprio Texto 

Magno,  inteiramente,  de modo  inexorável,  penetrando  todos  os  seus  institutos  e 

esparramando  seus  efeitos  sobre  seus  mais  modestos  escaninhos  ou  recônditos 

meandros. 

Tal é a sua importância no contexto do nosso sistema, tão dominadora sua 

força,  que  influi,  de  modo  decisivo,  na  interpretação  dos  demais  princípios 

constitucionais e, com maior razão, de  todas as regras constitucionais. A  fortiori, 

todas as leis devem ter sua exegese conformada às suas exigências, inclusive as leis 

constitucionais, a começar do próprio Texto Magno.” 

DALMO DE ABREU DALLARI64 lembra que “é essencial que o governo derive

do grande conjunto da sociedade para que ele seja verdadeiramente republicano, não tendo

esta característica o que for originário de uma parte ou classe determinada da sociedade.

Por outro lado, não é necessário que o povo participe diretamente do governo, sendo

suficiente a designação dos governantes pelo povo.”

Porém, é certo que o acúmulo de poder poderia por em risco o princípio

republicano, sendo a necessidade de separação de poderes há muito desenvolvida pelos

pensadores que se contrapuseram o absolutismo65. Nesse contexto, como remarca GERALDO

61 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 65.

62 No próximo tópico será abordada a federação como forma de Estado.

63 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 32.

64 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986, p. 27.

65 “Os pensadores dos séculos XVII e XVIII que combateram o absolutismo estavam convencidos de que o

governo nas mãos de um só ou de poucos é o começo da tirania. Embora sem um desenvolvimento sistemático,

Page 30: Maria Eugenia Doin Vieira

30

ATALIBA66, a Constituição Federal adotou a “tripartição de poder, como fórmula suprema

de expressão e garantia do princípio republicano, em sua dupla face de contenção do poder e

manutenção dos órgãos que o exercem equilibradamente.”

De sorte que as atividades exercidas pelo Estado foram repartidas entre os poderes

legislativo, executivo e judiciário67, impondo-se ação equilibrada e fiscalização recíproca,

que, obstando a tirania, assegura o máximo de segurança ao povo, soberano no sistema

republicano. Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA68:

“(...) cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos de Poder 

nem  sua  independência  são  absolutas.  Há  interferências,  que  visam  ao 

estabelecimento  de  um  sistema  de  freios  e  contrapesos,  à  busca  do  equilíbrio 

necessário  à  realização  do  bem  da  coletividade  e  indispensável  para  evitar  o 

arbítrio  e  o  desmando  de  um  em  detrimento  do  outro,  e  especialmente  dos 

governados. (...) Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo 

especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo se esses 

órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio 

de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que entre 

ele há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás,  integra o 

mecanismo), para evitar distorções e desmandos.” 

De acordo com essa forma de governo69 - tal como atualmente implementada no

Brasil -, o povo, composto por todos os cidadãos igualmente considerados, sem privilégios,

isso fora dito muito antes por Aristóteles, tendo sido repetido no século XIV por Marsílio de Pádua, no século

XVI por Maquiavel e no Século XVII por vário pensadores políticos, entre ele Locke e Gian Vincenzo Gravina,

jurisconsulto italiano que exerceu grande influência sobre o pensamento de Montesquieu. Coube, porém, a

Montesquieu, em sua obra Do espírito das leis, publicada em 1748, desenvolver de modo sistemático a doutrina

da separação dos poderes.” Dalmo de Abreu Dallari. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986, p. 29.

66 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 49.

67 CF/88: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário.”

68 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 44/45.

69 “O governo é, então, o conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e

realizada, ou o conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício da função do poder político.” José

Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 43.

Page 31: Maria Eugenia Doin Vieira

31

tem o direito70 de participar na eleição daqueles que, em seu nome e ao longo de exercício de

mandato predefinido, o representarão no exercício do poder legislativo (senadores, deputados

federais, estaduais e distritais e vereadores) e no poder executivo (presidente, governador dos

estados e do Distrito Federal, prefeitos e seus vices). Como leciona CARLOS ARI

SUNDFELD71:

“República, tal como consagrada por nossa Constituição, implica fazer dos 

agentes  públicos,  que  exercem  diretamente  o  poder  político,  representantes  do 

direito do povo, por ele escolhidos e renovados periodicamente. Os agentes passam 

a  exercer mandato  –  palavra  que,  em  sua  origem  no  direito  privado,  significa 

contrato  entre  o  titular  de  certo  direito  e  alguém  por  ele  investido 

temporariamente no poder de exercê­lo.” 

A transitoriedade do poder concedido, limitado ao mandato eleitoral, é

fundamental para permitir que o povo, após verificar a efetiva atuação de seu representante,

tenha oportunidade de afastá-lo do cargo para o qual fora eleito, revisando o mandato

concedido no caso de insatisfação. Sem a possibilidade de periódicas avaliações e

modificações de seus representantes, o poder escoaria das mãos do povo, engessado em

estrutura imutável.

Com relação ao poder judiciário, cumpre aclarar que na maioria dos estados

democráticos de direito modernos prevalece o entendimento segundo o qual esse poder, por

suas peculiaridades, não admite a representação por mandatários do povo, considerando que,

em lugar de função política, configura-se como função eminentemente técnica. Assim, o

poder judiciário deve ser exercido por pessoas com habilidades específicas, aptas para,

imparcialmente, dar interpretação e aplicação à lei, traduzindo-lhe a vontade, minimizando –

se não lhe for possível suprimir – o ímpeto de agregar sua própria vontade nesse processo. É o

que se depreende da lição de GERALDO ATALIBA:72

70 CF/88: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com

valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...)”

71 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 50.

72 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 112/113.

Page 32: Maria Eugenia Doin Vieira

32

“Se, nesse  contexto, a  função  judicial  consiste  em dar aplicação à  lei nos 

casos contenciosos, mediante a interpretação técnica e aplicação imparcial; sendo 

a lei a primeira e precípua finte do Direito – guardada, evidentemente, a hierarquia 

constitucional – e sendo este, na república representativa, expressão do órgão da 

representação  popular,  por  excelência,  os  seus  integrantes  (do  Poder  Judiciário) 

precisam ser bons técnicos, destros na função hermenêutica e não representativos. 

Juiz  faz  justiça.  E,  no  nosso  sistema,  fazer  justiça  é  aplicar  correta,  objetiva  e 

imparcialmente a lei, como bem o sublinhou Baleeiro, em notáveis lições que editou 

de sua cátedra na nossa Suprema Corte (RTJ 44/54 e ss.).” 

Considerado o acima exposto, cabe ressaltar que, no âmbito tributário, o princípio

republicano traz impactos relevantes, resultando não só na “generalidade da tributação, pelo

qual a carga tributária, longe de ser imposta sem qualquer critério, alcança a todos com

isonomia e justiça”, como também privilegiando a igualdade tributária, ao exigir que os

contribuintes na mesma situação jurídica recebam tratamento isonômico, como amplamente

discorre ROQUE ANTONIO CARRAZZA73:

“É sempre oportuno encarecer que a competência tributária é conferida às 

pessoas políticas, em última análise, pelo povo, que é o detentor por excelência de 

todas  as  competências  e  de  todas  as  formas  de  poder.  De  fato,  se  as  pessoas 

políticas receberam a competência  tributária da Constituição e se esta brotou da 

vontade  soberana  do  povo,  é  evidente  que  a  tributação  não  pode  operar­se 

exclusiva e precipuamente em benefício do Poder Público ou de uma determinada 

categoria  de  pessoas.  Seria  um  contra­senso  aceitar­se,  de  um  lado,  que  o  povo 

outorgou a competência tributária às pessoas políticas e, de outro, que elas podem 

exercitá­la em qualquer sentido, até mesmo em desfavor desse mesmo povo.”  

É de suma relevância a abordagem do princípio republicano no presente estudo,

tendo em vista que é desse princípio, supremo no Texto Constitucional, que se depreende o

papel do Estado (lato sensu) como representante dos interesses do povo e gestor da coisa

pública, e não como poder inaugural autônomo, dotado de interesses próprios. Nesse sentido

toda a atividade estatal deve versar o bem comum, do povo que representa, igualmente

considerado, e não ao locupletamento do próprio Estado.

73 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 86

e 90/91.

Page 33: Maria Eugenia Doin Vieira

33

Como evidenciado, o princípio republicano louva a supremacia do interesse

popular, a qual, em segundo momento desse estudo, será contraposta com os interesses

exclusivos do Município ao pretender receber valores pelo uso do solo voltado à prestação de

serviço público. Em relação a essa contraposição, antecipe-se que o excerto doutrinário acima

transcrito traz à tona o desrespeito ao princípio republicano, supremo na Constituição Federal,

caso os representantes do povo, componentes do poder executivo ou legislativo, ajam contra o

interesse público no exercício de suas competências, conforme será posteriormente abordado.

1.4. Princípio Federativo

A republica brasileira é organizada como uma federação enquanto forma de

estado. Isso significa que a União, “fruto da união de Estados (...) da aliança destes, sob o

império de uma única Constituição”74, representa o governo central, enquanto que os

Estados-membros figuram nos governos locais (ou periféricos), todos juridicamente no

mesmo patamar hierárquico, porém cada qual agindo de forma autônoma, no âmbito de suas

competências constitucionalmente delimitadas.

A relevância do princípio federativo como fundamento da estruturação dos

Estados modernos é ressaltada por NORBERTO BOBBIO75:

“Quando  se  diz  que  o  federalismo  marca  o  rumo  da  história 

contemporânea, no  sentido de uma maior efetivação de  liberdade,  significa dizer 

que o  federalismo  executa, no âmbito da  sociedade  civil, o acordo  entre o poder 

central e os grupos periféricos, com um maior respeito às autonomias das partes 

individuais no que se refere ao todo e com um menor fortalecimento do todo no que 

se refere às partes (...)” 

Mencione-se texto de ROQUE ANTONIO CARRAZZA76 versando sobre o caso

brasileiro77:

74 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 73.

75 BOBBIO, Norberto. Entre Duas Repúblicas: às Origens da Democracia Italiana. Brasília: Unb, 2001, p. 16.

76 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

148.

Page 34: Maria Eugenia Doin Vieira

34

“Vimos  que  o Brasil  é  um Estado  Federal,  em  que  a União  e  os Estados­

membros ocupam,  juridicamente, o mesmo plano hierárquico. Daí porque devem 

receber tratamento jurídico­formal isonômico. (...) 

Em  nome  dessa  autonomia,  tanto  a  União  como  os  Estados­membros 

podem,  nos  assuntos  de  suas  competências,  estabelecer  prioridades.  Melhor 

dizendo, cada pessoa política, no Brasil, tem o direito de decidir quis os problemas 

que  devem  ser  resolvidos  preferencialmente  e  que  destino  dar  a  seus  recursos 

financeiros. É­lhes também permitido exercitar suas competências tributárias, com 

ampla liberdade.” 

DALMO DE ABREU DALLARI78 se preocupou em apresentar as características

que lhe pareceram relevantes para qualificação do estado federativo, fazendo referência: i) à

constituição de um novo Estado, o Federal, regido por Constituição a ser aceita pelos entes

federados; ii) à vedação à separação dos entes federados; iii) à soberania da União e

autonomia dos Estados-membros; iv) à existência de competências próprias e exclusivas; v) à

autonomia financeira da União e dos demais Estados-membros; vi) à desconcentração do

poder político; e vii) ao nascimento da cidadania, vínculo jurídico entre a pessoa e o Estado.

Tais características estão presentes no Estado Brasileiro, qualificado como federação.

Para MICHEL TEMER79 seriam apenas três as notas essenciais à caracterização

federal: “a) descentralização política fixada na constituição (ou, então, repartição

constitucional de competências); b) participação da vontade das ordens jurídicas parciais na

vontade criadora da ordem jurídica nacional; e c) possibilidade de autoconstituição;

existência de Constituições locais.” Prossegue aclarando, ainda, que para a manutenção da

federação cumpre haver a rigidez constitucional e a existência de um órgão constitucional

incumbido do controle da constitucionalidade das leis. Todas características igualmente

verificadas na Constituição Brasileira.

77 O Autor esclarece que o conceito de federação não tem traços característicos, sendo dotado de fisionomia

própria, que lhe imprime o ordenamento local. Conclui, nessa seara, que “os que buscam um conceito definitivo,

universal e inalterável de Federação supõem, erroneamente, que ela, aqui, e alhures, tem forma única,

geométrica, recortada de açodo com um molde inflexível.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito

Constitucional Tributário, op. cit., p. 133).

78 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática: 1986, p. 15/24.

79 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 61.

Page 35: Maria Eugenia Doin Vieira

35

Com base nas premissas eleitas, embora distintas, ambos os Autores consideram

caracterizada a forma federativa de estado no caso brasileiro. As distinções nas premissas para

assim concluir, em lugar de refletirem apenas divergências doutrinárias, decorrem da própria

abrangência conceitual de federação.

Nesse sentido, ROQUE ANTONIO CARRAZZA esclarece que o conceito de

federação não deve ser tido como definitivo, sendo sua forma decorrente do ordenamento

local. Destarte, o Autor pontifica que “Federação é apenas uma forma de Estado, um sistema

de composição de forças, interesses e objetivos que podem variar, no tempo e no espaço, de

acordo com as características, as necessidades e os sentimentos de cada povo.”80

De fato, no caso brasileiro, a qualificação do Estado como federação é

inequívoca. A repartição das competências impregna o Texto Constitucional, que delineia

amplamente as funções fundamentais da União e dos Estados, impondo-lhe deveres e direitos,

bem como delimitando suas respectivas competências legislativas, inclusive em matéria

tributária.

A Constituição Federal, norma fundamental de nosso Sistema Jurídico, tem

aceitação e rigidez cristalinas, conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA81:

“Nossa  Constituição  é  rígida.  Em  consequência,  é  a  lei  fundamental  e 

suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só 

ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo  federal, nem 

os  governos  dos  Estados,  nem  os  dos  Municípios  ou  do  Distrito  Federal  são 

soberanos, porque  todos  são  limitados, expressa ou  implicitamente, pelas normas 

positivas  daquela  lei  fundamental.  Exercem  suas  atribuições  nos  termos  nela 

estabelecidos. 

Por  outro  lado,  todas  as  normas  que  integram  a  ordenação  jurídica 

nacional  só  serão  válidas  se  se  conformarem  com  as  normas  da  Constituição 

Federal.” 

80 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

133.

81 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 49/50.

Page 36: Maria Eugenia Doin Vieira

36

A União é organizada de acordo com as diretrizes constitucionais, enquanto que

os Estados-membros, privilegiada sua autonomia, são aptos para se organizarem, sendo

regidos pelas constituições e leis que adotarem (art. 25 da CF/8882). Tudo em respeito à Carta

Magna.

Dotados de aptidão legislativa em âmbito próprio, a participação dos Estados-

membros na vontade nacional decorre de sua representação no Senado Federal, que, em

conjunto com os representantes populares da Câmara dos Deputados, formam o Congresso

Nacional, órgão habilitado para a edição de leis federais.

Especificamente no que tange à rigidez atinente ao princípio federativo, é de se

ressaltar que o art. 60, §4º, I, da CF/8883 o alçou como cláusula pétrea, obstando qualquer

deliberação de proposta tendente a abolir tal forma de estado.

Por fim, em alusão ao segundo critério manutenção da federação, referido acima

por MICHEL TEMER ao ressaltar a necessidade de um órgão constitucional incumbido do

controle da constitucionalidade das leis, mencione-se a instituição do Supremo Tribunal

Federal como guardião da Constituição Federal84. A relevância desse órgão como

característica federativa também foi enfatizada por LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e

VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR85:

82 “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os

princípios desta Constituição.

§1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

§2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na

forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

§3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o

planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”

83 “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)§ 4º - Não será objeto de deliberação a

proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; (...)”

84 CF/88: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

cabendo-lhe: (...)”

85 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São

Paulo: Verbatim, 2011, p. 299.

Page 37: Maria Eugenia Doin Vieira

37

“Deve,  portanto,  estar  presente  no  Estado  Federal  um  órgão  que  dirima 

qualquer dúvida relativa à distribuição de competências, fazendo cumprir, a partir 

de sua interpretação, o pacto federalista. O órgão neutro, que não deve pertencer a 

nenhuma  das  ordens,  cuida  de  ,  fundado  em  suas  garantias,  dizer  o  direito  em 

relação às controvérsias constitucionais, interpretando o texto da Leio Maior.”  

Assim, visando assegurar a manutenção da federação, o Supremo Tribunal

Federal figura como órgão constitucional, zeloso da repartição das competências, incumbido

do controle da constitucionalidade das leis.

Ainda que as características da federação não possam ser firmadas

geometricamente, sem considerar as peculiaridades de cada Estado, pela estruturação

constitucional brasileira resta evidenciada a eleição e tutela da federação como forma de

estado. Portanto, nos termos tido por relevantes pela Constituição Federal de 1988, o estado

brasileiro se caracteriza como federação, figurando a União e os Estados com entes federados,

integrantes do pacto federativo.

Permanece controvertido, entretanto, o enquadramento do Município como ente

federado. Inequivocamente, cuida-se de ente político de direito público interno “porque tem

poder legislativo, cujo exercício compete às Câmaras Municipais”86. Entretanto, o fato de ser

ente político não parece ser o bastante para assegurar que o Município componha o pacto

federativo.

1.5. Considerações sobre o Município na Federação Brasileira

Em que pese terem os Municípios sido listados no art. 1º da Constituição Federal

como parte indissolúvel da república federativa do Brasil, o tema merece comentários

adicionais, lastreados no Texto Constitucional e nas considerações acerca do princípio

federativo.

Patenteado que as características da federação decorrem precipuamente do

ordenamento local, bastaria que a Constituição Federal dispusesse que os Municípios são

parte do pacto federado para assegurar-lhes a qualidade de ente federado. Ocorre que, apesar

86 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975, p. 11.

Page 38: Maria Eugenia Doin Vieira

38

de dar destaque aos Municípios como parte da estrutura federativa, a Constituição Brasileira

não os qualifica como entes federados. Conforme observa JOSÉ AFONSO DA SILVA87:

“(...) no Brasil, o sistema constitucional eleva os Municípios à categoria de 

entidades autônomas, isto é, entidades dotadas de organização e governos próprios 

e competências exclusivas. Com isso, a Federação Brasileira adquire peculiaridades, 

configurando­se nela, realmente, três esferas governamentais: a da União (governo 

federal),  a  dos  Estados  Federados  (governos  estaduais)  e  a  dos  Municípios 

(governos  municipais),  além  do  Distrito  Federal,  a  que  a  Constituição  atual 

conferiu  autonomia.  E  os  Municípios  transformaram­se  mesmo  em  unidades 

federadas?  A  Constituição  não  o  diz.  Ao  contrário,  existem  11  ocorrências  das 

expressões  “unidade  federada”  e  “unidades  da  Federação”  (no  singular  ou  no 

plural)  referindo­se  apenas  aos  Estados  e Distrito  Federal,  nunca  envolvendo  os 

Municípios.88” 

Com isso, verifica-se que a Constituição Federal, apesar de privilegiar os

Municípios, dotando-lhes de extraordinária autonomia, não prevê expressamente que sejam

integrantes do pacto federativo, ao contrário, deixa de incluí-los nas diversas oportunidades

que se refere aos entes federados.

A não inclusão dos Municípios do pacto federativa também é corroborada pela

análise dos critérios doutrinários referidos o tópico precedente com escopo de delinear as

características precípuas de uma federação e de seus entes.

Nesse sentido, os Municípios atendem grande parte dos critérios doutrinários

referidos, destacando-se pela capacidade de se autoconstituírem, já que a Constituição prevê

que os Municípios serão regidos por lei orgânica própria (art. 29 da CF/8889). Entretanto, há

de se considerar que os Municípios não foram dotados de efetiva participação na vontade

criadora da ordem jurídica nacional.

87 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 300.

88 “CF, arts. 34, II, IV e V; 45, §1º, 60, III; 85, II; 132; 159, §2º; 225, §1ª, III; e ADCT, arts. 13, §4º, e 34, §9º.”

89 “Art. 29 O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez

dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios

estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...)”

Page 39: Maria Eugenia Doin Vieira

39

Cuida-se de uma das características acima referidas por MICHEL TEMER como

relevantes para a caracterização da federação, viabilizando aos entes federados sua

participação e representatividade ativa no pacto federativo.

ROQUE ANTONIO CARRAZZA90 no trecho abaixo, também enfatiza a

participação na vontade nacional como requisito essencial do pacto federativo:

“Apesar  de  o  assunto  não  ser  pacífico, muitos  autores  consideram  que  o 

traço  essencial  da  Federação  repousa  na  participação  direta  e  indireta  dos 

Estados­Membros  na  formação  da  vontade  federal,  ou  seja,  na  composição  dos 

órgãos  federais  e  na  elaboração  de  suas  decisões.  A  participação  direta  dá­se 

integrando,  com  seus  representantes,  o  órgão  constituinte  federal;  a  indireta, 

compondo o Poder Legislativo federal.”  

De fato, conforme anteriormente referido, não se considera o tema pacífico, pois

não é possível precisar as características necessárias para que se configure a federação.

Porém, considerando a definição de federação acima traçada, infere-se ser relevante que os

entes federados não só a componham, como também sejam aptos a intervir na vontade

nacional do Estado que constituíram. Para tanto, sua participação no processo legislativo

adota suma relevância.

No caso brasileiro, a relevância de se assegurar a intervenção dos Estados-

membros na vontade nacional mediante participação no processo legislativo se confirma pela

própria Constituição Federal, que impôs tal poder-dever aos Estados-membros, garantindo-

lhes a representatividade em casa própria, compondo o Senado Federal.

Sob esse prisma, há de se concluir pela não inclusão dos Municípios no pacto

federativo91, já que a Constituição nada dispôs acerca da participação dos Municípios na

vontade nacional, dando-lhes tratamento distinto daquele conferido aos Estados-membros,

cuja representatividade no Senado Federal foi assegurada.

90 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

145.

91 Em sentido oposto, entendendo que a falta de representatividade do Município não lhe afasta do pacto

federativo: ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Verbatim, 2011, p. 301.

Page 40: Maria Eugenia Doin Vieira

40

Caso os Municípios também fossem considerados entes federados, teria que se

concluir pela existência de alguma negligência constitucional em relação a sua participação na

vontade nacional, o que destoaria de todo o contexto da Constituição Federal.

Com algum esforço, poder-se-ia considerar que o Texto Constitucional procedeu

dessa forma por entender que os representantes do povo eleitos para a Câmara dos Deputados,

supririam a necessidade de representação dos Municípios em casa própria. Porém, há de se

apontar a dissonância desse critério com aquele utilizado para evidenciar a representatividade

dos Estados-membros.

Considerando-se a representação do povo por meio dos Deputados apta a

evidenciar a participação dos Municípios na vontade da ordem jurídica nacional, igualmente

haveria de se reconhecer a representação dos Estados-membros por esses Deputados,

dispensando a criação do Senado Federal. Não parece ser essa a melhor interpretação, além de

destoar do critério utilizado pela própria Constituição para configurar a representação dos

Estados-membros.

Mais que isso, referido critério não assegura a efetiva representação de todos os

Municípios92, sendo provável que diversos deles não estejam devidamente representados.

Diferente é a situação dos Estados-membros no Senado Federal, onde lhes é assegurada a

representatividade individualmente, mediante a eleição de seus próprios Senadores, tal como

previamente definido constitucionalmente.

A opção constitucional de não incluir os Municípios no pacto federado foi

deduzida por ROQUE ANTONIO CARRAZZA93:

“De fato, os Municípios não influem, nem muito menos decidem, no Estado 

Federal.  Dito  de  outro  modo,  não  participam  da  vontade  jurídica  nacional. 

Realmente, não integram o Congresso, já que não possuem representantes nem no 

Senado (Casa dos Estados), nem da Câmara dos deputados (Casa do Povo).” 

92 De acordo com o IBGE, atualmente há 5.565 Municípios no Brasil (http://www.ibge.gov.br).

93 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

171.

Page 41: Maria Eugenia Doin Vieira

41

Com isso, há que se concluir que, de acordo com o Texto Constitucional,

ressentindo a partição na vontade nacional, os Municípios não fazem parte do pacto

federativo, não se caracterizando como entes federados.

1.6. Autonomia Municipal

Ainda que não sejam qualificados como entes federados, os Municípios têm

posição política relevante na estrutura federativa. Isso, pois a Constituição Federal de 1988

inovou ao impor como princípio constitucional fundamental a autonomia municipal. Na lição

de JOSÉ AFONSO DA SILVA94:

“A constituição de 1988 modifica profundamente a posição do Município na 

Federação,  porque  o  considera  componente  da  estrutura  federativa.  (...)  Nos 

termos, pois, da Constituição, o Município Brasileiro é entidade estatal  integrante 

da  Federação,  como  entidade  político­administrativa,  dotada  de  autonomia 

política,  administrativa  e  financeira.  Essa  é  uma  peculiaridade  do  Município 

Brasileiro.  A  inclusão  dos  Municípios  na  estrutura  da  Federação  teria  que  vir 

acompanhada de consequências, tais como o reconhecimento constitucional de sua 

capacidade de auto­organização mediante Cartas próprias e a ampliação de  sua 

competência,  com  a  liberação  de  controles  que  o  sistema  até  então  vigente  lhes 

impunha, especialmente por via de leis orgânicas estabelecidas pelos Estados.” 

A ampliação do papel dos Municípios na Constituição Federal, reconhecendo-o

como complemento da federação, privilegiando-se o princípio republicano, fez exsurgir como

princípio fundamental a autonomia municipal. A intrínseca ligação da autonomia municipal

com o princípio republicano é objeto da obra de GERALDO ATALIBA95:

"Realiza­se,  no  Município  brasileiro,  com  notável  extensão,  o  ideal 

republicano da representatividade política, com singular grau de intensidade. Aí, a 

liberdade de informação, a eficácia da fiscalização sobre o governo, o amplo debate 

das  decisões  políticas,  o  controle  próximo  dos mandatários  pelos  eleitores,  dão 

eficácia plena a todas as exigências do princípio republicano representativo. (...) 

94 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 300.

95 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 45/46.

Page 42: Maria Eugenia Doin Vieira

42

Todos os preceitos  constitucionais direta ou  indiretamente aplicáveis aos 

Municípios  têm  a  dupla  finalidade  de:  a)  dar  eficácia  ao  princípio  republicano, 

garantido  o  autogoverno  local;  e  b)  assegurar  mecanismos  republicanos  de 

funcionamento do Município, nas suas relações internas.” 

Em relação à autonomia municipal, preocupando-se em apresentar suas

características essenciais, ROQUE ANTONIO CARRAZZA96 sintetiza:

“O  conceito  de  autonomia  fixou­se,  assim,  em  duas  características 

essenciais: a) provimento privativo dos cargos governamentais; e b) competência 

exclusiva no  trato de assuntos de  seu peculiar  interesse  (Hans Kelsen). De  fato, o 

município não poderia ser havido por autônomo se a ele não se consentisse ferir o 

seu, dispor do seu, contratar sobre o seu e reger sua vida e seus bens,o observados, 

apenas, os limites constitucionais e legais.” 

No caso dos Municípios, a Constituição lhes outorga autonomia municipal,

atendidas as duas características essenciais referidas pelos doutrinadores acima. Primeiro, pois

em relação à autonomia política e administrativa, a Constituição permitiu que, regidos por sua

Lei Orgânica, os Municípios elejam seus representantes políticos (prefeitos, vice-prefeitos e

vereadores), conforme art. 29 da CF/8897.

Segundo, pois lhes outorgou competência, inclusive legislativa, para tratar dos

assuntos de seu interesse, a teor do art. 30 da CF/8898. De modo que, os Municípios são aptos

a se organizarem e governarem.

96 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

174.

97 “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez

dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios

estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: I - eleição do

Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo

realizado em todo o País (...)”

98 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação

federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar

suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente

Page 43: Maria Eugenia Doin Vieira

43

Conforme AIRES FERNANDINO BARRETO99: “Em resumo, o Município é

autônomo e recebe suas competências diretamente da Constituição. Dada a sua posição de

pessoa política, está situado no mesmo altiplano da União e dos Estados.”

Do acima exposto, pode-se concluir que a Constituição Federal, ao desenhar a

república federativa brasileira, previu a coexistência da União, dos Estados e dos Municípios,

dotando cada um desses entes políticos de autonomia para atuar nos limites das respectivas

competências.

Com efeito, enquanto que a autonomia da União e dos Estados decorre do pacto

federativo, a autonomia dos Municípios decorre do princípio da autonomia municipal, de

forma que, mesmo não se qualificando como entes federados, os Municípios têm assegurada

sua plena atuação como entes políticos, integrantes relevantes da república federativa

brasileira, em harmônica aplicação dos princípios acima abordados.

1.7. Repartição das Competências Tributária e Sistema Tributário Nacional

Não há como se conceber a organização político-administrativa do Estado

Brasileiro à luz dos princípios acima referidos, sem considerar a necessidade de dotar União,

Estados e Municípios de recursos financeiros aptos a viabilizarem a plena consecução de suas

atividades constitucionalmente delegadas. Esses recursos advêm principalmente das receitas

tributárias.

Conforme BERNARDO RIBEIRO DE MORAES100 “qualquer que seja o fim do

Estado, este possui constantes obrigações e compromissos que o obrigam a buscar recursos,

principalmente à custa do sacrifício dos particulares (tributos).”

ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte

coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,

programas de educação infantil e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira

da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do

solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação

fiscalizadora federal e estadual.”

99 BARRETO, Ayres Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 11.

100 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1979, p. 217.

Page 44: Maria Eugenia Doin Vieira

44

Em comentários sobre a atividade financeira do Estado, JOSÉ SOUTO MAIOR

BORGES101 aclara que “a maior parcela do dinheiro necessário ao desempenho das funções

estatais é pela tributação coativamente subtraída do patrimônio das pessoas físicas e

jurídicas, ao lado das receitas provenientes da exploração do patrimônio público.”

Patenteado que a autonomia dos entes políticos foi privilegiada pelo Texto

Constitucional - consagrada pelos princípios republicano, federativo e da autonomia

municipal -, há de se concluir que essa não pode prescindir da correlata autonomia financeira,

assegurada pela repartição das competências tributárias. SACHA CALMON NAVARRO

COÊLHO102 aborda a questão no seguinte excerto:

“A  característica  fundamental  do  federalismo  é  a  autonomia  do  Estado­

Membro, que pode ser mais ou menos ampla, dependendo do país de que se esteja a 

cuidar. No âmbito tributário, a sustentar a autonomia política e administrativa do 

Estado­Membro  e  do  Município  –  que,  no  Brasil,  como  vimos,  tem  dignidade 

constitucional  ­,  impõe­se  a  preservação  da  autonomia  financeira  desses  entes 

locais,  sem  a  qual  aqueloutras  não  existirão.  Essa  autonomia  resguarda­se 

mediante  a  preservação  da  competência  tributárias  das  pessoas  políticas  que 

convivem na Federação e, também, pela equidosa discriminação constitucional das 

fontes  de  receita  tributária,  daí  advindo  a  importância  do  tema  referente  à 

repartição das competências no Estado Federal (...).” 

Versando sobre a autonomia dos entes políticos, consigna JOSÉ SOUTO MAIOR

BORGES103: “A competência para tributar é um instrumental da autonomia do Município,

por isso mesmo que, sem autonomia financeira, a autonomia política e administrativa é

falaciosa. Quem dá o fim (a autonomia política e administrativa), dá o meio (a autonomia

financeira).”

Mesmo fazendo expressa menção aos Municípios, é certo que a autonomia

financeira é meio necessário à autonomia política e administrativa para qualquer dos entes

101 BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 24.

102 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.

65.

103 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975, p. 196.

Page 45: Maria Eugenia Doin Vieira

45

políticos, sendo inconcebível a sublimação da autonomia caracterizada a dependência de

recursos arbitrariamente delegados por terceiros.

Não basta que as pessoas políticas de direito público interno tenham acesso a

recursos financeiros, é necessário que esses recursos sejam claramente definidos pelo Texto

Constitucional, a fim de restar assegurara a autonomia de cada uma delas, evitando que

interfiram umas nos outras. Isso é primordial para que sejam respeitadas as premissas da

federação e da autonomia municipal como princípios constitucionais. Conforme DALMO DE

ABREU DALLARI104:

“(...)  é  imprescindível  que,  ao  ser  feita  a  distribuição  das  competências, 

sejam distribuídas, em medida equivalente, as fontes de recursos financeiros, para 

que  haja  equilíbrio  entre  encargos  e  rendas.  Não  havendo  tal  equilíbrio,  duas 

hipóteses podem ocorrer: ou a administração não consegue agir com eficiência, e 

necessidades  fundamentais  do  povo  deixam  de  ser  atendidas  ou  recebem  um 

atendimento  insuficiente;  ou  o  órgão  encarregado  do  serviço  solicita  recursos 

financeiros  de  outra  fonte,  criando  uma  dependência  financeira  que  acarreta, 

fatalmente, a dependência política.” 

De fato, a dependência de recursos de terceiros para que o ente político exerça

suas atividades configura, em algum grau, limitação a sua autonomia, contrapondo-se aos

princípios constitucionais referidos.

Nesse sentido, atrelando a necessidade de repartição das competências tributárias

com o princípio federativo, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES105 leciona que “o princípio

básico que preside à estruturação do Estado federal é a repartição de competências

(Kompetenzverteilung), em particular, a repartição de competências tributárias

(Steuerkonpetenz).”

Com efeito, a repartição de competências tributárias deve ser rígida e exaustiva,

como leciona JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES106:

104 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986, p. 20.

105 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 29.

106 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 1997, p. 90/91.

Page 46: Maria Eugenia Doin Vieira

46

“Essa  repartição  constitucional  de  competências  impositivas  é  rígida  e 

exaustiva, outorgando a cada pessoa política amplos poderes nos seus respectivos 

compartimentos.  Não  pode  haver  distorção,  alteração  ou  diminuição  desses 

compartimentos por meio de norma infraconstitucional, pois afetados estariam os 

princípios  da  Federação  e  da  autonomia  municipal,  estabelecidos  na  própria 

Constituição  –  e, mesmo  assim,  com  os  cuidados  hermenêuticos  necessários  (por 

exemplo,  interpretação sistemática do conjunto de preceitos) – podem delimitar o 

alcance dessa repartição constitucional de competências impositivas.” 

Desse modo, considerando que a arrecadação tributária é a mais substancial forma

de obtenção de recursos pelos entes políticos, é certo que a repartição das competências

tributárias no Texto Constitucional é matéria de primordial relevância, por assegurar a

preservação dos princípios federativos e da autonomia municipal, com reflexos diretos,

portanto, do princípio republicano.

Assim, impregnada pelos relevantes princípios constitucionais acima, tutelando-

os e assegurando sua efetividade, a Constituição Federal repartiu exaustivamente as

competências tributárias, definindo os limites para que a União, os Estados e os Municípios

legislem sobre a instituição de tributos.

Ainda que brevemente, cumpre mencionar que não só a preservação da autonomia

dos entes políticos é assegurada pela Constituição Federal ao dispor exaustivamente sobre a

matéria tributária, também se verifica a preocupação em tutelar os direitos e garantias

fundamentais107, cláusulas pétreas conforme art. 60, §4º, IV, da CF/88108.

107 Em breves linhas, para não haver distanciamento do foco do presente estudo, os direitos fundamentais podem

ser entendidos como aqueles que, no estágio de evolução atual, são juridicamente considerados inerentes à

própria natureza do ser humano. Conforme J.J. GOMES CANOTILHO: “As expressões direitos do homem e

direitos fundamentais são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado,

poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos em

todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são só direitos do homem,

jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam

da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais

seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito

Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 517)

Page 47: Maria Eugenia Doin Vieira

47

Conforme remarca BERNARDO RIBEIRO DE MORAES109

“Sendo a Constituição  lei de estrutura do Estado, de proteção política dos 

indivíduos  e  de  garantia  contra  os  poderes  arbitrários,  suas  disposições  não  se 

referem  à  matéria  tributária,  mas  abrangem  diferentes  campos  jurídicos. 

Procuram  garantir  os  interesses  elevados  da  Federação,  estabelecendo  regras 

disciplinadoras do poder  fiscal  consignado às diversas unidades políticas  (União, 

Estados e Municípios), sem deixar de lado as garantias conferidas aos contribuintes 

mediante  restrições  ou  limitações  às  atividades  dos  poderes  públicos.  A  Carta 

Magna, limitando os poderes do governo em relação aos administrados, reconhece 

a estes certos direitos essenciais ou superiores, considerados de existência anterior 

ao próprio Estado.” 

Adicione-se ao acima exposto, trecho da obra de GERALDO ATALIBA110:

“A  tributação  –  em  seus  princípios  básicos  e  fórmulas  mais  gerais  –  é 

matéria constitucional. Não só porque  justificou e esteve na essência do primeiro 

documento  constitucional moderno  –  a Magna  Carta  de  1215  – mas,  também, 

porque  envolve  tensão  entre  o poder  estatal  e dois  valores  fundamentais para  o 

homem: a liberdade e o patrimônio. Estes bens jurídicos, precipuamente protegidos 

pelas Constituições modernas, são, mesmo, a sua razão de ser.  

Se a ação estatal de tributar (tributação) atinge a liberdade e o patrimônio 

– e se estes bens encontram na sua proteção a própria razão de ser da Constituição 

–  é  bem  de  ver  que  aquela  faculdade  que  ao  Estado  se  reconhece  há  de  ser 

disciplinada  estritamente  em  termos  constitucionais.  Em  outras  palavras:  é 

matéria substancialmente constitucional.” 

Em razão do acima exposto, considerando a relevância dos princípios

constitucionais a serem tutelados, alguns desses conflitantes em razão da necessidade de

abastecimento dos cofres públicos mediante tributação, faz todo o sentido que a Constituição

Federal tenha dado tratamento especial à matéria tributária, esmerando-se em delinear os

limites da competência tributária de cada ente político.

108 “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)§ 4º - Não será objeto de deliberação

a proposta de emenda tendente a abolir: (...)IV - os direitos e garantias individuais.”

109 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1979, p. 218.

110 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 127.

Page 48: Maria Eugenia Doin Vieira

48

Ao comentar sistema constitucional de outorga e discriminação de competências

tributárias, AIRES FERNANDINO BARRETO111 aponta, sinteticamente, três efeitos a serem

considerados:

“a)  o  âmbito  de  todas  e  de  cada  uma  das  competências  tributárias 

titularizadas  pelas  pessoas  políticas  é  preciso  e  esgotadamente  balizado  pela 

Constituição  Federal,  de  tal  como  do  que  o  seu  exercício  está  rigorosa  e 

completamente circunscrito pelos seus princípios e normas;  

b)  toda  competência  tributária  está  prevista  na  Constituição  Federal;  é  

explícita  e  discriminadamente  conferida,  de modo  privativo,  a  uma  determinada 

pessoa  política,  ou  seja,  é  atribuída  a  uma  delas  de  modo  exclusivo  (é,  pois, 

excludente das demais); 

c) a discriminação de competências é rígida, isto é, não pode ser modificada 

por nenhuma outra norma infraconstitucional.” 

Nesse sentido, a competência tributária é definida, por PAULO DE BARROS

CARVALHO112 como “a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir

regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série

de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo.”

Em consonância com o exposto, aclarando que as normas constitucionais que

atribuem competências aos entes políticos para instituírem tributos são normas de estrutura,

ROQUE ANTONIO CARRAZZA113 conceitua competência tributária como: “(...) a

possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de

incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e alíquotas.

Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano

abstrato, a tributos.”

111 BARRETO, Ayres Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 26.

112 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 232.

113 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

505/506.

Page 49: Maria Eugenia Doin Vieira

49

Para TÁCIO LACERDA GAMA114, competência tributária deve ser

compreendida como “a aptidão, juridicamente modalizada como permitida ou obrigatória,

que alguém detém, em face de outrem, para alterar o sistema de Direito Positivo, mediante a

introdução de novas normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre a

instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.”

Assim, a competência tributária, permite que, com respaldo no Texto

Constitucional, o ente político edite norma instituidora de tributos, instrumento jurídico de

abastecimento dos cofres públicos no estado de direito. Mencione-se, nesse ponto, a

constatação de GERALDO ATALIBA115 acerca da lei tributária como regente da conduta

humana:

“A  finalidade  última  almejada  pela  lei,  no  caso,  é  a  transferência  de 

dinheiro  das  pessoas  privadas,  submetidas  ao  poder  do  estado,  para  os  cofres 

públicos. Esta movimentação física de dinheiro (coisa material) não pode ser obtida 

senão pode meio de comportamentos humanos.  

Estes comportamentos podem ser de agentes públicos, de terceiros ou dos 

próprios obrigados. Em geral o resultado final (abastecimento dos cofres públicos) 

se obtém pela combinação dos três. Daí, usa­se o direito como forma de obrigar tais 

comportamentos.(...) 

As normas  tributárias, portanto, atribuem dinheiro ao  estado  e ordenam 

comportamentos, dos agentes públicos, de contribuintes e de terceiros, tendentes a 

levar  (em  tempo oportuno, pela  forma  correta,  segundo os  critérios previamente 

estabelecidos e em quantidade legalmente fixada) dinheiro dos particulares para os 

cofres públicos.” 

A competência tributária precede a criação do tributo e à própria regulamentação

da conduta humana. Seu exercício demanda a atuação do poder legislativo atribuído a cada

pessoa política de direito público interno, com a edição de lei própria, inovadora, apta à

instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos, regendo os comportamentos humanos

114 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos Para Uma Teoria da Nulidade. São Paulo:

Noeses, 2009, p. 218/221.

115 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 29/30.

Page 50: Maria Eugenia Doin Vieira

50

sempre nos exatos limites impostos pelo Texto Constitucional, sob pena de invalidade da

norma.

A lei tributária, portanto, para que integre o sistema, deve respeitar os limites

materiais e formais para sua edição, limites esses impostos pela Constituição Federal, na qual

buscarão fundamento de validade. Retomando a teoria kelseniana acerca da organização das

normas em forma piramidal, em que cada norma busca validade em outra norma do sistema

jurídico, a lição de NORBERTO BOBBIO116 acerca dos limites a serem observados pelo

legislador na edição de leis:

“Quando  um  órgão  superior  atribui  a  um  órgão  inferior  um  poder 

normativo, não  lhe atribui um poder  ilimitado. Ao atribuir esse poder, estabelece 

também  os  limites  entre  os  quais  pode  ser  exercido.  Assim  como  o  exercício  do 

poder de negociação ou o poder jurisdicional são limitados pelo Poder Legislativo, o 

exercício do Poder Legislativo é limitado pelo poder constitucional. (...) 

A observação desses  limites é  importante, porque eles delimitam o âmbito 

em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os 

limites materiais, isto é, que regule uma matéria diversa da que lhe foi atribuída ou 

de  maneira  diferente  daquela  que  lhe  foi  prescrita,  ou  que  exceda  os  limites 

formais,  isto é, não siga o procedimento estabelecido, está sujeita a ser declarada 

ilegítima e a ser expulsa do sistema.” 

A lei tributária, nesse sentido, deve ser editada pelos entes políticos de acordo

com a delegação das competências tributárias pelo Texto Constitucional, que traz consigo

limites materiais e formais que devem ser respeitados a fim de que a nova lei a ser editada,

instituindo a exação tributária, seja recebida pelo sistema jurídico posto, com o qual não deve

conflitar. Como bem sintetiza GERALDO ATALIBA117:

“Toda  lei  emanada  de  quaisquer  órgãos  constituídos  do  país  há  de 

submeter­se  às  balizas  e  limites  contidos  na  Constituição  e,  sobretudo,  tender  a 

realizar  (assegurando­lhes  a  sua  eficácia,  na  maior  plenitude  possível),  os 

princípios  constitucionais,  dos  quais  a  federação  e  a  república  comparecem  em 

116 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução por Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Santos. Brasília: UnB, 1996, p. 53/54.

117 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 43/44.

Page 51: Maria Eugenia Doin Vieira

51

posição  singularmente  relevante  (porque  fundamentais  e  básicos  em  todo  o 

sistema). 

Só  a  legislação  que  respeite  as  exigências  decorrentes  desses  princípios 

poderá ser aceita como  legítima e válida. E é na conformidade das exigências dos 

princípios   mormente os mais conspícuos e básicos – que  já de se  interpretar essa 

mesma legislação.” 

Assim, a premissa fundamental do exercício da competência tributária é o respeito

aos ditames constitucionais, observando-se os limites materiais e formais impostos.

A repartição das competências tributárias no Texto Constitucional se assenta

precipuamente em limites materiais, conforme se depreende dos arts. 153118, 155119 e 156120

da CF/88. Esses dispositivos delimitam o campo de atuação o de tributação outorgado à

União, Estados, Distrito Federal e Municípios, respectivamente, identificando as

competências privativas de cada uma dessas pessoas políticas para a edição de leis tributárias

versando sobre fatos específicos ali determinados.

Por sua vez, as taxas e contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas

políticas no art. 145, II e III, da CF/88121 de forma comum, sendo passíveis de instituição e

118 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:I - importação de produtos estrangeiros; II -

exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer

natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou

valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.”

119 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e

doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações

de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as

prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores. (...)”

120 “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:I - propriedade predial e territorial urbana; II -

transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e

de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III -

serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”

121 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:(...)

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços

públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de

melhoria, decorrente de obras públicas.”

Page 52: Maria Eugenia Doin Vieira

52

cobrança por cada ente político que desempenhe legitimamente as atuações genericamente122

descritas no Texto Constitucional.

Desse modo, cada ente político encontra na Constituição Federal competência

material delimitada para instituir e legislar sobre tributos, permitindo-lhe arrecadar, com isso,

os recursos financeiros para o pleno exercício de suas atividades, em respeito às respectivas

autonomias, sem que haja qualquer conflito de competências, privilegiando-se os princípios

que consagram o Brasil como uma república federativa.

Por outro lado, há previsão constitucional de limitações ao poder de tributar,

verdadeiras restrições para o exercício da capacidade legiferante insculpidas em diversos

princípios fundamentais do direito tributário, merecendo alusão aqueles insculpidos no art.

150 da CF/88123, tais como a legalidade, a isonomia, a irretroatividade, a anterioridade, a

proibição ao confisco, a liberdade de tráfego e as imunidades.

MISABEL ABREU MACHADO DERZI, em nota de atualização à obra Direito

Tributário Brasileiro, de ALIOMAR BALEEIRO124, aclara que “tanto os princípios como as

122 “No caso das taxas e das contribuições de melhoria, vimos de ver, declina a Constituição os fatos jurígenos

genéricos (suporte fático) de que poderão se servir as pessoas políticas para instituí-las por lei.” Sacha Calmon

Navarro Coêlho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 72.

123 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir

tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção

em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica

dos rendimentos, títulos ou direitos; III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do

início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja

sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; IV - utilizar tributo com efeito de

confisco;V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou

intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;VI -

instituir impostos sobre:a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;b) templos de qualquer culto; c)

patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos

trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos

da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”

124 BALEEIRO. Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de

Janeiro: Forense, 2010, p. 30.

Page 53: Maria Eugenia Doin Vieira

53

imunidades produzem efeitos similares: limitam o poder de tributar. Mas a cultura jurídica

nacional, tradicionalmente, apesar dos efeitos comuns, distingue imunidade de princípio.

Igualmente, ALIOMAR BALEEIRO, ao intitular essa obra de Limitações constitucionais,

realça os resultados que os princípios e as imunidades geram, mas jamais os confunde (...).”

Dentre as limitações ao poder de tributar, destaca-se como relevante no presente

estudo, merecendo considerações adicionais a imunidade recíproca, sem que se afaste, com

isso, a relevância e necessidade de respeito aos princípios fundamentais do direito tributário

acima referidos, os quais apenas não são considerados polêmicos na abordagem do tema

eleito.

1.8. Imunidade Recíproca

Ao delinear a competência tributária de cada um dos entes políticos, a

Constituição Federal teve o cuidado de prever a imunidade recíproca em seu artigo 150, VI,

“a”, da CF/88125, que expressamente veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios, a cobrança de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.

125 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos

outros; (...)”

Page 54: Maria Eugenia Doin Vieira

54

a. Conceito de Imunidade

A definição de imunidade é objetivamente traçada por ROQUE ANTONIO

CARRAZZA126. Para o Autor, a imunidade se caracteriza como fenômeno de natureza

constitucional, prestando-se para fixar a “incompetência das entidades tributantes para

onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque

coligadas a determinados fatos, bens ou situações.”

Consonante é a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES127: “Com relação à

imunidade tributária, a Constituição Federal é peremptória: trata-se de limitação

constitucional (e não infraconstitucional) ao poder de tributar.”

Para REGINA HELENA COSTA128 “a afirmação segundo a qual a imunidade

tributária é limitação constitucional ao poder de tributar é absolutamente vaga, já que a

expressão abriga outras categorias jurídicas que com ela não se confundem.” No raciocínio

da Autora, retomando a citação supra de Misabel Abreu Machado Derzi, em nota de

atualização à obra de Aliomar Baleeiro, também os princípios configuram limitações ao poder

de tributar, ainda que pressuponham a existência de competência tributária, diferenciando-se

das imunidades, que, além de serem normas aplicáveis a situações específicas, pressupõem a

inexistência dessa competência.

Tecidas essas considerações, REGINA HELENA COSTA129 apresenta imunidade

como “a exoneração, fixada constitucionalmente, trazida em norma expressa impeditiva da

atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios

constitucionais, que, conferem direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela

delimitados de não se sujeitarem à tributação.”

126 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

725.

127 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 234/235.

128 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 38.

129COSTA, Regina Helena, op. cit., p. 54.

Page 55: Maria Eugenia Doin Vieira

55

PAULO DE BARROS CARVALHO130, que também vincula a incompetência

legiferante ao conceito de imunidade, define esta como “a classe finita e imediatamente

determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que

estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito

constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações

específicas e suficientemente caracterizadas.”

Mencione-se o que prega HUGO DE BRITO MACHADO131, ao desenvolver seu

raciocínio acerca da imunidade como componente do delineamento da competência tributária:

“Imunidade é obstáculo decorrente da  regra da Constituição à  incidência 

de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade 

impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. 

È limitação da competência tributária.  

Há  quem  afirme,  é  certo,  que  a  imunidade  não  é  uma  limitação  da 

competência tributária porque não é posterior à outorga desta. Se toda atribuição 

de  competência  importa  uma  limitação,  e  se  a  regra  que  imuniza  participa  da 

demarcação da  competência  tributária,  resulta  evidente que a  imunidade  é uma 

limitação dessa competência. 

O importante é notar que a regra de imunidade estabelece uma exceção. A 

Constituição define o âmbito do tributo, vale dizer, o campo dentro do qual pode o 

legislador  definir  a  hipótese  de  incidência  da  regra  de  tributação.  A  regra  de 

imunidade retira desse âmbito uma parcela, que torna imune.” 

Em que pese a existência de muitas peculiaridades manifestadas na doutrina ao

discorrer sobre imunidade132, depreende-se, em breves linhas, que a imunidade tributária está

prevista no Texto Constitucional, integrando o arcabouço da competência tributária ao definir

as hipóteses em que a tributação não é permitida.

130 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 341.

131 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 300.

132 Comentários acerca das diferentes interpretações doutrinárias pode ser encontrado na obra Direito Tributário,

Linguagem e Método de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2008, p. 308/309, com a subsequente

análise do Autor sobre o tema.

Page 56: Maria Eugenia Doin Vieira

56

Assim, a Constituição Federal, ao outorgar competência tributária aos entes

políticos, utiliza-se de linguagem com função prescritiva, regida pela lógica deôntica. Nesse

sentido, descreve os limites materiais em que o exercício da competência tributária é

permitido e proibido (modais deônticos), impondo a existência e a inexistência de

competência tributária. Portanto, a imunidade compõe o desenho constitucional da

competência tributária, aclarando as hipóteses em que a atividade legiferante é proibida.

b. Imunidade Recíproca

ROQUE ANTONIO CARRAZZA133 afirma que “(...) a maioria das imunidades

contempladas na Constituição é uma decorrência natural dos grandes princípios

constitucionais tributários, que limitam a ação estatal de exigir tributos.” Complementa o

exposto aduzindo que “de um modo geral, as regras de imunidade consagram valores que,

por sua importância, foram postos pela Assembleia Nacional Constituinte, em nome do povo

brasileiro, no próprio preâmbulo da constituição (igualdade, justiça, bem-estar, segurança,

direitos individuais e sociais etc.).”

Nesse sentido, interessa, ao presente estudo especificamente a imunidade

recíproca que, na linha de todo o exposto, evidencia a tutela constitucional aos princípios

republicano, federativo e à autonomia municipal. De fato, a tributação entre as pessoas

políticas não traria benefício ao povo, retomado aqui o princípio republicano, afrontando o

próprio interesse público, além de contradizer a autonomia assegurada aos entes políticos

pelos princípios federativo e da autonomia municipal.

Ao discorrer sobre a imunidade recíproca, HUMBERTO ÁVILA134 destaca a

relevância do princípio federativo:

“O  fundamento  constitucional  da  imunidade  recíproca  é  o  princípio 

federativo,  que  funcional,  por  sua  vez,  como  fundamento  jurídico­político  do 

ordenamento  constitucional.  Nesse  sentido,  o  princípio  federativo  exige  a 

autonomia  das  pessoas  políticas.  Pressuposto  necessário  dessa  autonomia  é  a 

autonomia financeira.  

133 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

733.

134 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 223.

Page 57: Maria Eugenia Doin Vieira

57

Isso  implica  dizer  que  a  proibição  de  as  pessoas  políticas  instituírem 

impostos  sobre  o  patrimônio,  renda  ou  serviços  umas  das  outras  decorre 

implicitamente do princípio  federativo. A continuidade da autonomia política das 

pessoas políticas é causa da imunidade recíproca.” 

Entendendo que a questão se entranha no princípio federativo, SACHA

CALMON NAVARRO COÊLHO135 considera que “as pessoas políticas que convivem na

Federação estão voltadas, todas elas, ao bem comum. Não é admissível que venham a se

tributar mutuamente, estendendo-se a imunidade até as instrumentalidades dos Poderes

Públicos.”

A lição de PAULO DE BARROS CARVALHO136 se preocupa em apontar que a

imunidade recíproca decorre da isonomia entre os entes constitucionais, também sustentada

pela estrutura federativa do estado e pela autonomia municipal: “Na verdade, encerraria

imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídicas daquelas entidades e,

simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o

patrimônio, a renda e os serviços, umas em relação às outras.”

Conforme BERNARDO RIBEIRO DE MORAES137:

“O intuito da vedação constitucional é não onerar as unidades políticas da 

Federação,  evitando que  elas  se  transformem  em  contribuintes umas das outras, 

numa  inutilidade  de  pagamentos  recíprocos.  O  objetivo  é  evitar,  outrossim,  que 

União,  Estados,  Distrito  Federal  e  Municípios,  se  hostilizem.  O  legislador 

constituinte procura evitar, assim, que as referidas unidades políticas da Federação 

dificultem umas às outras no exercício de suas competências ficais, assegurando o 

regime federativo um ritmo harmonioso, sem perturbação alguma.” 

Ainda que relativos a uma Ordem Constitucional anterior (1946), pertinentes os

comentários de GERALDO ATALIBA138, para quem a imunidade recíproca já estaria

implícita no Texto Constitucional, como decorrência do princípio federativo:

135 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.

295.

136 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 348.

137 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1979, p. 469.

Page 58: Maria Eugenia Doin Vieira

58

“A  imunidade  recíproca  já era, em  razão mesmo da natureza  federal que 

passava a ter o Estado brasileiro, princípio constitucional da mais alta importância 

(...),  tendo agido com prudência e grande descortínio o  legislador constituinte de 

1891,  ao  consagrá­lo  expressamente,  o  que,  se  do  ponto  de  vista  rigorosamente 

técnico, não era essencialmente necessário (...) a prudência política, o bom senso e a 

experiência prática recomendam sua expressa menção, como foi feito.” 

Na esteira da lição acima citada e com respaldo em todo o anteriormente

desenvolvido acerca dos princípios republicano, federativo e da autonomia municipal, parece

lógico inferir a pertinência sistêmica da imunidade recíproca. Ainda assim, como bem

remarcado, sua imposição foi expressamente incluída no Texto Constitucional, proibindo que

União, Estados, Distrito Federal e Municípios cobrem impostos sobre patrimônio, renda ou

serviços uns dos outros, por extrapolar os limites de suas competências tributárias, nos termos

do art. 150, VI, “a”, da CF/88.

c. Considerações sobre o art. 150, §3º, da CF/88

É de se mencionar que a imunidade recíproca encontra detalhamento no § 3º do

art. 150 da CF/88, ao dispor que139: “As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior

não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de

atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em

que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o

promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”

Depreende-se, desse dispositivo, que não se cogita imunidade recíproca quando

houver a atuação do Estado na exploração de atividade econômica, regida pelo direito

138 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 54.

139 Assim dispunha o art. 31 da Constituição Federal de 1946: “À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios é vedado: (...) V – lançar impostos sobre: a) bens, rendas e serviços uns dos outros, sem prejuízo da

tributação dos serviços públicos concedidos, observado o disposto no parágrafo único desse artigo.”

“Parágrafo único. Os serviços concedidos não gozam de isenção tributária, salvo quando estabelecida pelo

poder competente, ou quando a União a instituir em lei especial, relativamente aos próprios serviços, tendo em

vista o interesse comum.” Apesar da imprecisão semântica do emprego do termo isenção e da necessidade de

considerar a repartição de competências tributárias vigentes, o dispositivo evidencia o tratamento peculiar que o

interesse comum impõe ao serviço público. Sobre o tema vide Teoria Geral da Isenção Tributária de José Souto

Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 223/231.

Page 59: Maria Eugenia Doin Vieira

59

privado, nem quando se caracterizar o recebimento de contraprestação. Como aponta HUGO

DE BRITO MACHADO140:

“É plenamente justificável a exclusão da imunidade quando o patrimônio, a 

renda  e  o  serviço  estejam  ligados a  atividade  econômica  regulada  pelas  normas 

aplicáveis  às  empresas  privadas.  A  imunidade  implicaria  em  tratamento 

privilegiado, contrário ao princípio da liberdade de iniciativa. Ocorre que também 

não há imunidade quando haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas 

pelo  usuário.  Isto  que  dizer  que  um  serviço, mesmo  não  considerado  atividade 

econômica, não será imune se houver cobrança de contraprestação, ou de preço, ou 

de  tarifa.  Podem  ser  tributados  pelos  Municípios,  por  exemplo,  os  serviços  de 

fornecimento de água e de esgoto prestado pelos Estados.” 

Em ambos os casos, a norma constitucional encontra respaldo em análise

sistemática do ordenamento jurídico, pois a ideia da imunidade recíproca é evitar que os entes

políticos, no regular exercício de suas atividades públicas, sejam onerados com o pagamento

de impostos locupletando os demais.

Traduz-se em norma que também tem por objetivo manter o equilíbrio e a

independência entre os entes políticos, evitando a possível supremacia que poderia se

instaurar mediante a cobrança de impostos, o que seria inadmissível na república brasileira,

fundada no princípio federativo e na autonomia municipal.

Porém, se os entes políticos atuam em atividade privada - atividade que somente

em caráter excepcional lhes compete, a teor do art. 173 da CF/88 -, ou se têm meios de

repassar o ônus da carga tributária na contraprestação paga pelos usuários de seus serviços,

não há motivo para a imunidade. Comenta ROQUE ANTONIO CARRAZZA141:

“De  fato,  não  havendo  o  repasse,  aos  usuários,  dos  custos  dos  serviços 

públicos  que  os  beneficiam,  qualquer  imposto  que  a  pessoa  política  suportasse 

(pela obtenção de meios necessários à prestação destes mesmos serviços públicos) 

acabaria incidindo sobre sua renda ou capital (patrimônio), afrontando a letra e o 

espírito do art. 150, VI, “a”, da CF.” 

140 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 301.

141 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

733.

Page 60: Maria Eugenia Doin Vieira

60

O dispositivo constitucional acima (art. 150, §3º, da CF/88) assume relevância no

presente estudo, quando se considera a prestação de serviços públicos remunerados pelos

usuários, especialmente quando prestados por concessionárias de serviços públicos. Nesses

casos, a inferência racional, à luz das considerações acima, seria no sentido de afastar a

imunidade recíproca, já que o ônus tributário não seria do ente político, mas sim passível de

inclusão no valor a ser pago em razão do serviço tomado, hipótese em que oneraria o tomador

do serviço.142

O tema é abordado por REGINA HELENA COSTA143, que entende que a

prestação de serviços públicos mediante empresas privadas detentoras de concessão ou

permissão não é atingida pela imunidade “pelo simples fato de que estas exploram

economicamente a prestação de serviço público.” E, mais adiante, manifesta que “nessa

situação, existe, portanto, capacidade econômica gravável, o que afasta o cabimento da

intributabilidade.”

Porém, fator relevante a ser considerado antes de se concluir o tema diz respeito

ao ônus tributário, que deve ser necessariamente passível de inclusão na contraprestação

cobrada do usuário. A questão é bem posta por HUMBERTO ÁVILA144:

“A  entidade  pública  deve  possuir  a  liberdade,  total  ou  parcial,  para 

determinar o valor da contraprestação. Quando os montantes a serem pagos não 

são  livremente  ficados, mas regulados por  lei ou pelo Poder Executivo, não existe 

uma  contraprestação  adequada.  Isso  porque  uma  empresa  privada  deve  poder 

delimitar  o  conteúdo  dos  seus  contratos,  de  modo  que  a  reciprocidade,  a 

equivalência, e o equilíbrio possam ser garantidos. (...) 

142 Entretanto, não foi exatamente essa a inferência do Ministro Cezar Peluso ao apreciar o Recurso

Extraordinário n° 581.947/RO, discutindo a cobrança pelo uso do solo imposta pela Lei Municipal de Ji-paraná

n° 1.199/02. Destaque-se trecho de seu voto: “Aqui duas coisas me chamaram a atenção. A primeira dela é que,

evidentemente, mão é taxa mais imposto, porque incide sobre o uso ou a ocupação. Mas, seja taxa, seja tributo,

qualquer modalidade de tributo, duas coisas são certas: primeiro, as instalações dos postes são de propriedade

da União por via da concessionária – portanto cairiam na imunidade objetiva de impossibilidade de tributação

recíproca (...)”

143 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 146/147.

144 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 229.

Page 61: Maria Eugenia Doin Vieira

61

O  essencial  é  verificar  se  existe  uma  atividade  vinculada  ou  se  há  uma 

atividade me  cujo  exercício  predomine  a  autonomia  da  vontade.  Somente  nesse 

caso é que se pode  falar numa atividade econômica e em  livre concorrência  (art. 

170 ss). E somente nesse caso é que está afastada a imunidade recíproca (art. 150, 

§3º).” 

Logo, em interpretação ao art. 150, §3º, da CF/88, é coerente entender que no

caso de serviços públicos remunerados, a aplicação ou não da imunidade recíproca deve

considerar a efetiva possibilidade de inclusão da carga tributária na contraprestação exigida

pelo serviço prestado, transferindo-se o encargo financeiro do imposto ao tomador do serviço.

Nessa hipótese, não haveria necessidade de se privilegiar a imunidade recíproca, pois a

oneração não afetaria um ente político para beneficiar outro, onerando diretamente o

administrado.

d. Espécies Tributárias Abrangidas

Adicionalmente ao acima exposto, o tema da imunidade ainda apresenta faceta

adicional a ser abordada. Há de se ter em mente que existe controvérsia acerca dos limites da

imunidade, sendo questionável sua aplicação somente aos impostos, em interpretação literal

do artigo 150, VI, “a”, da CF/88, ou se também atingiria os demais tributos145, inclusive as

taxas, relevantes no presente estudo.

HUMBERTO ÁVILA146 é bastante incisivo ao sustentar, com base em

precedentes do Supremo Tribunal Federal citados em sua obra, “que a imunidade prevista no

artigo 150 da Constituição limita-se aos impostos. As taxas, contribuições de melhoria e (...)

as contribuições (sociais e de intervenção no domínio econômico) não estão abrangidas pela

imunidade.” 147148

145 Irrelevante, para o que ora se desenvolve, adentrar na polêmica discussão acerca das espécies tributárias e

suas distinções, para adotar classificação que, no caso, mostrar-se-ia inútil. O escopo aqui é averiguar se ao

prever a imunidade recíproca, o Texto Constitucional contemplou apenas os impostos, ou também as taxas,

contribuições, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios, enfim, todos os tributos,

independentemente de como classificados doutrinariamente.

146 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 219.

147 Também entendendo que a imunidade não atinge outras espécies tributárias: Sacha Calmon Navarro Coêlho.

Page 62: Maria Eugenia Doin Vieira

62

Manifestando-se no sentido de que a imunidade tributária atinge todos os tributos,

encontra-se HUGO DE BRITO MACHADO149:

“Em  edições anteriores afirmamos  que a  imunidade  refere­se apenas aos 

impostos.  Não  aos  demais  tributos.  Hoje,  porém,  já  não  pensamos  assim.  A 

imunidade, para  ser  efetiva, para  cumprir  suas  finalidades, deve  ser abrangente. 

Nenhum tributo pode ficar fora de seu alcance. (...) É que tributo, como expressão 

que  é  da  soberania  estatal,  não  pode  ser  exigido  de  que  a  tal  soberania  não  se 

submete, porque é parte integrante do Estado, que da mesma é titular.” 

Contrariamente à aplicação da imunidade recíproca no caso das taxas, RICARDO

LOBO TORRES150 sustenta:

“Sendo  a  taxa  um  dever  fundamental  correspectivo  a  uma  prestação 

pública essencial, mas específica e divisível, não sofre as limitações constitucionais 

ditadas  pela  liberdade  individual  no  art.  150,  VI,  da  Constituição  Federal,  pela 

razão  óbvia  de  que  não  ofende  à  liberdade  a  cobrança  de  contraprestação 

pecuniária. Assim, tais  imunidades tributárias se restringem aos  impostos e, como 

já  declarou  expressamente  o  Supremo  Tribunal  Federal,  não  protege  contra  a 

cobrança de taxas.” 

À luz dos ensinamentos acima mencionados, sem pretender exaurir o tema, parece

razoável acolher que, de acordo com dicção expressa do artigo 150, VI, da CF/88, os impostos

fazem jus à imunidade recíproca, tendo sido essa a opção do constituinte, que,

voluntariamente, deixou de mencionar outras espécies tributárias nesse dispositivo.

Em outras palavras, os impostos necessariamente são sujeitos à regra imunizante,

o que faz todo o sentido considerando ser espécie tributária que destituída de vinculação e

destinação, presta-se unicamente para assegurar a arrecadação de cada ente político, tendo em

vista sua autonomia financeira.

148 Oportunamente, ainda nesse estudo, verificar-se-á que não foi exatamente essa a interpretação manifestada

por alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Recurso Extraordinário n° 581.947/RO, em

27/05/10.

149 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 300 e 303/304.

150 TORRES, Ricardo lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributários, Vol IV – Os Tributos na

Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 407.

Page 63: Maria Eugenia Doin Vieira

63

Por outro lado, taxas, contribuições, contribuições de melhoria ou empréstimos

compulsórios somente seriam sujeitos à imunidade quando se concluir que essa é a vontade

constitucional, cuja essência foi abordada anteriormente.

E essa vontade constitucional é materializada em dispositivos constitucionais

distintos, isto é, não decorre do art. 150, VI, “a”, da CF/88. Mencione-se, nesse sentido, que

REGINA HELENA COSTA151 entende haver doze hipóteses de imunidades referentes às

taxas no Texto Constitucional, abordando cada uma delas em sua obra, para concluir pela

“existência de um ponto comum entre elas – qual seja, sua referência ao exercício de direitos

constitucionais dependentes da prestação de serviços públicos considerados essenciais pelo

constituinte, especialmente vinculados ao exercício da cidadania.”

Especificamente em relação à imunidade recíproca, a regra imunizante é apenas

aquela contida no art. 150, VI, “a”, da CF/88, que versa apenas sobre impostos. Não há

previsão expressa em outro dispositivo constitucional que assegure sua aplicação a outras

espécies tributárias.

Por certo que esse dispositivo trata suficientemente bem da questão. Já restou

patenteado que a imunidade recíproca é bem recebida no Sistema Constitucional por

assegurar a autonomia dos entes públicos, evitando-se a oneração mútua em desatendimento

ao interesse do povo, privilegiando-se os princípios republicano, federativo e da autonomia

municipal.

Ocorre que, tratando-se de espécies tributárias em que se verifique que o valor do

tributo tem o escopo de fazer frente a determinado gasto ou ônus do ente político tributante, o

seu não pagamento por outro ente político implica em oneração injustificada do primeiro ente.

Assim, no caso de tributos que são vinculados152 a uma atividade estatal

específica (tal como ocorre em taxas e contribuições de melhoria) ou que têm destinação

151 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 207 e ss.

152 GERALDO ATALIBA propõe como critério de classificação dos tributos sua vinculação ou não com a

atividade estatal: “Tributos vinculados são as taxas e contribuições (especiais) e tributos não vinculados são os

impostos. Definem-se, portanto, os tributos vinculados como aqueles cuja hipótese de incidência consiste numa

atividade estatal; e impostos como aqueles cuja hipótese de incidência é um fato ou acontecimento qualquer não

consistente numa atividade estatal.” (Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 132)

Page 64: Maria Eugenia Doin Vieira

64

específica153, em prol da qual deve ser empregada a arrecadação (tal como ocorre nas

contribuições, taxas e empréstimos compulsórios), a aplicação da imunidade recíproca

ensejaria a oneração injustificada de um ente que assume o ônus em favor de outro, que se

beneficia da atividade desempenhada, ensejando indevida interferência na autonomia dos

entes políticos, vedada pela Constituição, conforme anteriormente abordado.

Nesse cenário, aplicada às demais espécies tributárias, a imunidade recíproca, em

lugar de privilegiar os princípios constitucionais federativo e da autonomia municipal, teria

efeito contrário aos mesmos, razão pela qual somente deve ser aplicada aos impostos, na exata

imposição constitucional.

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE SERVIÇO PÚBLICO

2.1. Esclarecimentos Preliminares

Nos últimos anos houve alteração na postura liberal154 do Estado em relação à

atividade econômica e na forma de prestação dos serviços públicos, tornando necessária a

adequação dos conceitos correlatos.

Vislumbrando a complexidade de tratar doutrinariamente do conceito de serviço

público, efeito agravado pela diversidade de atribuições assumidas pelo Estado, já em 1975

CAIO TÁCITO155 consignara que:

153 Não se pretende classificar os tributes com base na destinação dos recursos da arrecadação, em aplicação de

critério da ciência das finanças para tanto, tal como repudia Geraldo Ataliba (Hipótese de incidência tributária,

op.cit., p. 157/159). O que se pretende, é utilizar esse critério eminentemente financeiro para evidenciar a

vontade do legislador constituinte. Como bem considera Luciano Amaro “Realmente, no plano da ciência das

finanças podem ser utilizado critérios que não reflitam, necessariamente, no plano jurídico, embora devam ser

levados em conta pelo legislador no momento da elaboração da norma.” (Direito Tributário Brasileiro. 5ª ed.

São Paulo: Saraiva, 2000, p. 74)

154 Em referência à teoria do liberalismo econômico difundida por Adam Smith, segundo a qual a intervenção do

Estado na atividade economia deveria ser mínima, permitindo o desenvolvimento e autorregulação dos

mercados.

155 TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 260.

Page 65: Maria Eugenia Doin Vieira

65

“O conceito de serviço público sofre, modernamente, um processo de revisão 

que se exprime, a um tempo, em sentido material e formal.  

A  ação  dinâmica  do  Estado  contemporâneo  incorporou  às  tarefas 

administrativas  um  extenso  elenco  de  novos  objetivos,  sobretudo  no  âmbito 

econômico, ampliando, assim, a substância do serviço público.” 

Desde então, pode-se entender que a aridez do tema não foi apaziguada pela

doutrina administrativista, a qual paulatinamente tem refletido em suas obras teorias

compatíveis com a diversificação das atividades submetidas ao Estado, bem como às

significativas mudanças no regime jurídico de exploração dos serviços públicos. A questão é

assim referida por JACINTHO ARRUDA CÂMARA156:

“Se esse estado de coisas é modificado e se passa a admitir a prestação de 

serviços  públicos  por  particulares,  que  recebam  delegação  especial  do  Poder 

Público para tanto (concessões), a definição que se tinha de serviço público há de 

ser modificada, de modo que não se choque mais com a realidade normativa que 

está sendo  implementada. Este é um processo absolutamente normal e necessário 

dentro das chamadas ciências sociais, que lidam com objeto de estudo cambiante.” 

Aclare-se, nesse cenário, que as considerações desse capítulo não pretendem

exaurir os complexos temas de direito administrativo, principalmente se consideradas todas as

peculiaridades julgadas relevantes para a doutrina especializada. Foi necessário adotar corte

metodológico, para evitar o distanciamento do tema central proposto.

Tratando-se o direito tributário de um direito de superposição, o escopo desse

capítulo é contextualizar a prestação do serviço público por concessionárias, em efetiva

execução da atividade em nome dos entes políticos. Com esse fim, aborda-se a forma de

atuação dessas concessionárias, para, em seguida, possibilitar a análise da cobrança levada a

efeito pelos Municípios em razão do uso do solo à luz das atividades por elas desempenhadas,

considerando os ônus e deveres correlatos ao serviço de titularidade do Estado que se

dispuseram a prestar.

Exatamente por isso, abordadas as noções fundamentais, as considerações

pertinentes se estreitam, pouco a pouco, tendendo para as empresas concessionárias de

156 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 15/16.

Page 66: Maria Eugenia Doin Vieira

66

serviços públicos federais e estaduais, as quais, para executarem serviços essenciais,

necessitam, inexoravelmente, do uso dos espaços públicos municipais para a adequada

prestação, nos moldes impostos pelos poderes concedentes.

Adicionalmente, aponte-se que muitas das considerações tecidas nesse capítulo

acerca do serviço público são relevantes para analisar se a cobrança perpetrada pelos

Municípios se configura como taxa, como preço, ou, quiçá, não pode ser exigida, conforme o

desenvolvimento da temática exposta nos capítulos subsequentes.

2.2. Serviço Público

Tal como remarca AIRES FERNANDINO BARRETO157 “o Texto Constitucional

também não define ‘serviço público’, embora o mencione diversas vezes, e ainda fixe

diretrizes acerca de sua disciplina, em tal quantidade e com entonação tão nitidamente

estabelecida, que permitiram que a doutrina formulasse o seu perfil, estabelecesse o seu

conteúdo e, ainda, discriminasse suas peculiaridades (...).”

Não sendo definido na Constituição Federal, o conceito de serviço público foi

doutrinariamente desenvolvido, considerando precipuamente três elementos, quais sejam i) o

subjetivo, ii) o material e iii) o formal, os quais são aplicados de forma isolada ou combinada.

Como bem sintetiza RENATO LOPES BECHO158 “o elemento material diz

respeito à atividade de interesse coletivo, o elemento subjetivo indica a presença do Estado e

o elemento formal representa as normas de regência, ou seja, a submissão do serviço ao

direito público.”

RUY CIRNE LIMA159 define serviço público como “todo o serviço existencial,

relativamente à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso

mesmo, tem de ser prestado aos componentes daquela, direita ou indiretamente, pelo Estado

ou outra pessoa administrativa.”

157 BARRETO, Ayres Fernandino. ISS na constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 27.

158 BECHO, Renato Lopes. Taxa, Tarifa e Preço no Direito Público Brasileiro. Revista Dialética de Direito

Tributário n° 167, p. 112.

159 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 82.

Page 67: Maria Eugenia Doin Vieira

67

Ao apresentar essa definição, o Autor enfatiza o elemento subjetivo, ou seja,

considera que o Estado - ou outra pessoa administrativa - é a pessoa jurídica incumbida de

desempenhar essa atividade.

Por sua vez, HELY LOPES MEIRELLES160 entende que não se pode afirmar

peremptoriamente que “são as atividades coletivas vitais que caracterizam os serviços

públicos, porque ao lado destas existem outras, sabidamente dispensáveis pela comunidade,

que são realizadas pelo Estado como serviço público.” Com isso, propõe que se entenda

como serviço público “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob

normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da

coletividade ou simples conveniências do Estado.”161

Ao assim se posicionar o Autor agrega maior relevância ao elemento material

para conceituar serviço público, vinculando-o à satisfação de necessidades coletivas e

conveniências do Estado.

Já de acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO162 são

fundamentais à noção de serviço público o seu elemento material, consistente na prestação da

utilidade ou comodidade em questão (água, gás, telefone, transporte coletivo, etc.), bem como

o elemento formal, o qual diz respeito ao específico regime de direito público aplicável, em

que há a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. É o que se verifica do

conceito de serviço público difundido pelo Autor:

“Serviço  público  é  toda  atividade  de  oferecimento  de  utilidade  ou 

comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas  fruível 

singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a  seus 

deveres e presta por  si mesmo ou por quem  lhe  faça as vezes,  sob um  regime de 

160 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 332/333.

161 O Autor usa a essencialidade como critério para classificação das espécies dos serviços públicos. Com base

nesse critério, divide em “serviços públicos propriamente ditos” e em “serviços de utilidade pública”, sendo a

essencialidade (atrelada à subsistência e desenvolvimento), traço característico da primeira espécie, enquanto

que a segunda espécie há apenas a conveniência de assunção pelo Estado, com o objetivo de facilitar a vida do

indivíduo na coletividade, promovendo-lhe conforto e bem-estar.

162 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

679.

Page 68: Maria Eugenia Doin Vieira

68

Direito  Público  –  portanto,  consagrador  de  prerrogativas  de  supremacia  e  de 

restrições especiais ­, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no 

sistema normativo.”  

As definições acima apresentadas ilustram os três elementos mais difundidos na

doutrina para a conceituação de serviços públicos. Referidos elementos continuam sendo

pertinentes na conceituação de serviço público, entretanto, devem ser atualizados para

refletirem as modificações legislativas verificadas.

Ao tratar da evolução do conceito de serviço público, MARIA SYLVIA

ZANELLA DI PIETRO163 enfrenta referidos elementos:

“No entanto, duas dissociações, pelo menos, ocorreram quanto àqueles três 

elementos, tal como considerados em suas origens. Em primeiro lugar, o fato de que 

o Estado, à medida que  foi se afastando dos princípios do  liberalismo, começou a 

ampliar o rol de atividades próprias, definidas como serviços públicos, pois passou 

a  assim  considerar  determinadas  atividades  comerciais  e  industriais  que  antes 

eram reservadas À iniciativa privada. 

Paralelamente,  outro  fenômeno  se  verificou;  o  Estado  percebeu  que  não 

dispunha  de  organização  adequada  à  realização  desse  tipo  de  atividade;  em 

consequência,  passou  a  delegar  a  sua  execução  a  particulares,  por  meio  de 

contratos de concessão de serviços públicos e, posteriormente, por meio de pessoas 

jurídicas de direito privado criadas para esse fim (empresas públicas e sociedades 

de  economia  mista),  para  execução  sob  regime  jurídico  predominantemente 

privado.” 

Com base nessas considerações a Autora entende que foram seriamente afetados

os elementos subjetivo e formal utilizados para a definição dos serviços públicos, já que os

mesmos passaram a ser prestados por empresas privadas, com a modificação do regime da

prestação, que não mais pode ser tido como exclusivamente público. De fato, isso se constata

ao reconhecer que a concessionária, em remuneração ao capital, visa lucro, objeto típico do

regime de direito privado.

163 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.

100/102.

Page 69: Maria Eugenia Doin Vieira

69

Tecidas essas considerações, a definição de serviço público para MARIA

SYLVIA ZANELLA DI PIETRO164 é “toda atividade material que a lei atribui ao Estado

para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objeto de satisfazer

concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.”

Observe-se que, os três elementos (subjetivo, material e formal) utilizados

classicamente na conceituação de serviços públicos permanecem identificados na definição

apresentada. A questão é a adequação dos conceitos à realidade normativa atual.

A necessidade de cautela na apresentação do conceito de serviço público, ainda

que abordada sob outra perspectiva, também foi remarcada na obra de DINORÁ ADELAIDE

MUSETTI GROTTI165, que ressalta as substanciais diferenças que caracterizam os vários

serviços públicos, inclusive no que tange ao regime jurídico aplicável:

 “A Constituição não  trata, porém,  todos os serviços de maneira uniforme. 

Os objetivos visados são diferentes; a competência para a prestação, bem como as 

formas  de  organização  e  de  gestão  são  distintas;  a  natureza  jurídica  da 

remuneração paga pelos usuários de serviços públicos prestados uti singuli varia; a 

aplicação dos princípios de direito público especialmente  reportados aos  serviços 

com  diferente  intensidade;  há  submissão,  em  graus  variáveis,  a  um  regime  de 

direito  público  e,  em  algumas  situações,  ao  direito  privado.  Não  há,  enfim,  um 

tratamento  jurídico  uniforme  em  relação  a  todos  eles.  Existem  regras 

constitucionais específicas acerca de questões peculiares.” 

Destaca-se o elemento formal como ponto problemático na definição de serviço

público, isto é, aquele que versa sobre o regime jurídico aplicável.

Atualmente diversos serviços públicos, inclusive essenciais, foram delegados a

empresas privadas que, embora vinculadas contratualmente com o Estado, agem por sua conta

e risco, fazendo a interface direta com os administrados, tomadores desse serviço. É o caso da

delegação por concessão, oportunamente detalhado.

164 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.

100/102.

165 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 89.

Page 70: Maria Eugenia Doin Vieira

70

Há de se considerar que as empresas concessionárias assumem a execução desses

serviços almejando lucro, fator incompatível com o regime de direito público. Assim, é

coerente admitir, com esteio na lição acima referida de Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o

serviço público é sujeito ao “regime jurídico total ou parcialmente público”, de acordo com o

caso analisado.

Retomando a definição de serviço público apresentada por Celso Antônio

Bandeira de Mello é possível constatar que essa situação não lhe passou despercebida,

entretanto, no seu entendimento, não se presta para alterar o regime de direito público

aplicável. Assim, concomitantemente com a assertiva de que o regime aplicado aos serviços

públicos é (permanece) de direito público, o Autor aclara que, no seu entendimento, regime de

Direito Público é aquele “consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições

especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.”

É o que se confirma da análise de outro excerto da obra de CELSO ANTÔNIO

BANDEIRA DE MELLO166, no qual desenvolve melhor esse ponto:

“(...) a noção de serviço público depende inteiramente da qualificação que o 

Estado  (nos  termos  da  Constituição  e  das  leis)  atribui  a  um  tipo  de  atividade: 

aquelas que reputou não deverem  ficar entregues simplesmente aos empenhos da 

livre iniciativa e que, por isto mesmo – e só por isto ­, entendeu de assumir e colocar 

sob  a  égide  do  regime  jurídico  típico  instrumentador  e  defensor  dos  interesses 

públicos: o regime peculiar do Estado. Isto é: o regime de direito público, ­ regime, 

este,  concebido  e  formulado  com  intento manifesto  e  indeclinável  de  colocar  a 

satisfação de  certos  interesses  sob o pálio de normas que, de um  lado outorgam 

prerrogativas de autoridade a  seu  titular ou  exercente  (...)  e, de outro,  instituem 

sujeições e restrições igualmente peculiares (...).” 

Com isso, esclarece o critério segundo o qual entende que o regime aplicável aos

serviços públicos, ainda que concedidos, permanece sendo de direito público, o que se

confirma à luz das premissas apresentadas para esse enquadramento.

166 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,

2009, p. 275/276.

Page 71: Maria Eugenia Doin Vieira

71

As peculiaridades do elemento formal do conceito de serviço público também

foram abordadas por JACINTHO ARRUDA CÂMARA167:

“(...) a identificação de uma dada atividade como serviço público será feita 

com  base  no  exame  de  seu  regime  jurídico.  Se  estivermos  diante  de  um  regime 

jurídico especial em relação ao comumente aplicado às atividades econômicas em 

sentido  estrito  (regime,  este,  que  seja  marcado  com  normas  características  do 

direito público), estar­se­á diante de um  serviço público – de atividade, portanto, 

suscetível de exame quanto ao regime tarifário que porventura lhe seja inerente.(...) 

Nos serviços públicos haverá a adoção de um regime  jurídico peculiar, em 

comparação  com  as  demais  atividades  econômicas.  A  primeira  dessas 

peculiaridades  é  eleger  tal  atividade  como  um  dever  do  Estado. Mesmo  quando 

houver prestação por particulares de  serviços públicos,  juridicamente  é o Estado 

que estará desempenhado tal atividade através de delegatário (esta é a dicção do  

da CF). A partir desta definição, toda uma série de medidas que seriam impróprias 

para o regime comum de desenvolvimento de atividades econômicas passa as ser de 

adoção normal pelo titular do serviço (o próprio Estado). 

Assim, no presente  trabalho a expressão  ‘serviço público’ será empregada 

para designar atividade sobre a a qual incide um regime jurídico de direito público, 

no qual poderá ser inserido um regime tarifário” 

Apesar de concluir pela aplicação do regime jurídico de direito público às

prestações do serviço público, o Autor se preocupa em ressalvar a existência de regime

tarifário, remarcando peculiaridade relevante no caso de delegação. Ao assim se posicionar,

ainda que de forma indireta, acolhe que não é exclusivamente público o regime dos serviços

públicos, mas preponderantemente público.

Não é outra a posição de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO168, que menciona se

tratar de regime prevalecente de direito público:

“Serviço  público  é  toda  atividade material  fornecida  pelo Estado,  ou  por 

quem  esteja  a  agir  no  exercício  da  função  administrativo,  se  houver  permissão 

constitucional  e  legal  para  isso,  como  o  fim  de  implementação  de  deveres 

167 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 23/25.

168 FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 81.

Page 72: Maria Eugenia Doin Vieira

72

consagrados  constitucionalmente  relacionados  à  utilidade  pública,  que  deve  ser 

concretizada, sob regime prevalecente do Direto Público.” 

Evidenciadas as variações doutrinárias na conceituação do que vem a ser serviço

público, que muito se aproximam no que tange aos elementos subjetivo e material, é de se ter

em mente, no que diz respeito ao elemento formal, o serviço público se sujeita ao regime de

direito público, e não ao regime de direito privado, já que se submete precipuamente ao

interesse público, ainda que atualmente possam ser tutelados outros elementos, tal como

abordado.

2.3. Classificação dos Serviços Públicos

A doutrina administrativista divide os serviços públicos como sendo serviços

gerais, que não atingem usuários determinados, ou como sendo serviços individuais,

prestadoa para usuário determinável, também sendo mensurável a prestação. Cuida-se,

respectivamente dos serviços denominados respectivamente de uti universi ou uti singuli.

Essa classificação dos serviços está bem caracterizada na obra de HELY LOPES

MEIRELLES169:

“Serviços uti universi  ou  gerais:  são aqueles  que  a Administração presta 

sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de 

polícia,  iluminação  pública,  calçamento  e  outros  dessa  espécie.  Esses  serviços 

satisfazem  indiscriminadamente  a  população,  sem  que  se  erijam  em  direito 

subjetivo de qualquer administrado à  sua obtenção para  seu domicílio, para  sua 

rua ou para  seu bairro. Estes  serviços são  indivisíveis,  isto é, não mensuráveis na 

sua  utilização.  Daí  porque,  normalmente,  os  serviços  uti  universi  devem  ser 

mantidos por imposto (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração 

mensurável e proporcional ao uso individual do serviço.  

Serviços uti singuli ou individuais: são os que têm usuários determinados e 

utilização  particular  e mensurável  para  cada  destinatário,  como  ocorre  com  o 

telefone,  a  água  e  a  energia  elétrica  domiciliares.  Esses  serviços,  desde  que 

implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados 

169 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 335.

Page 73: Maria Eugenia Doin Vieira

73

que  se  encontrem  na  área  de  sua  prestação  ou  fornecimento  e  satisfaçam  as 

exigências  regulamentares.  São  sempre  serviços  de  utilização  individual, 

facultativa e mensurável, pelo quê devem  ser  remunerados por  taxa  (tributo) ou 

tarifa (preço público), e não por imposto.” 

Evidencia-se, dessa classificação, que os serviços públicos uti singuli são mais

pertinentes ao presente estudo, na medida em que, por serem prestados para usuários

determinados e de forma mensurável, permitem a cobrança de contraprestação.

Acresça-se, à luz do exposto nos tópicos precedentes, especialmente em relação à

imunidade recíproca, que nessa espécie de serviços há celeuma a ser abordada em relação à

cobrança pelo uso do solo, pretendida pelo Município junto às concessionárias, já que, em

tese, esses serviços não se beneficiam da imunidade recíproca, aplicando-se o art. 150, §3º, da

CF/88.

Outra é a situação dos serviços uti universi, que são prestados pelo próprio Estado

sem a possibilidade de exigência de contraprestação específica, não só por serem insertos nos

seus deveres de administração, como pela própria indivisibilidade da prestação. São serviços

cuja oneração é assumida pelo próprio Estado, devendo ser custeada com lastro nos impostos

a que faz jus.

Nesse caso, a aplicação da imunidade recíproca é patente, já que sendo

financiados pelos entes políticos, ou seja, precipuamente pela a regular arrecadação dos

impostos, enquadram-se na regra imunizante do art. 150, VI, “a”, da CF/88.

Destacam-se, como serviços públicos uti singuli relevantes para este estudo, os

serviços públicos federais de fornecimento de energia elétrica, a prestação dos serviços de

telecomunicação, especialmente de telefonia fixa (art. 21 da CF/88), bem como os serviços de

gás canalizado, no âmbito estadual (art.25, §2º, da CF/88). São serviços essenciais que foram

concedidos para a execução por empresas particulares, conforme abordado no tópico

subsequente.

2.4. Delegação do Serviço Público

Admite-se, no Texto Constitucional (art. 175), a delegação da prestação dos

serviços públicos a terceiro, hipótese em que, não se retira do ente público a titularidade da

Page 74: Maria Eugenia Doin Vieira

74

prestação, mas apenas permite que não execute os serviços diretamente, cumprindo-lhe atuar

ativamente na sua regulamentação e fiscalização. Conforme JOSÉ DOS SANTOS

CARVALHO FILHO170:

“É  claro  que  as  relações  sociais  e  econômicas modernas  permitem  que  o 

Estado delegue a particulares a execução de certos serviços públicos. No entanto, 

essa delegação não descaracteriza o serviço como público, vez que o Estado sempre 

se reserva o poder  jurídico regulamentar, alterar e controlar o serviço. Não é por 

outra razão que a Constituição atual dispõe no sentido de que é ao Poder Público 

que incumbe a prestação dos serviços públicos (art. 175).” 

CARLOS ARI SUNDFELD171 evidencia que no caso de delegação, “o Poder

Público trespassa apenas o exercício da atividade, mantendo sua titularidade.”

a. Distinções em Relação à Classificação do Serviço Público

Aplicando os critérios de classificação dos serviços públicos acima referidos,

cumpre abordar separadamente a delegação de serviços uti universi e uti singuli.

Concebendo-se a delegação da prestação de serviço uti universi, a relação jurídica

remanesce entre o ente político e a prestadora, justamente por inexistir usuário determinado.

Nesse caso, por sua própria natureza indivisível, cumpre ao ente político que delegou a

atividade, a remuneração da prestadora do serviço, com quem mantém relação direta e

exclusiva, exigindo-lhe a prestação do serviço de forma adequada172.

Por outro lado, a complexidade da situação se agrava quando se consideram as

hipóteses de delegação dos serviços uti singuli acima referidas, situação em que o prestador

do serviço delegado age por sua conta e risco, assumindo relação direta com o usuário, o qual

lhe remunera mediante contraprestação denominada tarifa.

170 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 305.

171 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 81.

172 Não se desconsidera o direito subjetivo do cidadão em face do Estado, o que se enfoca é que pela

classificação do serviço, não há vínculo direto entre o prestador e o usuário.

Page 75: Maria Eugenia Doin Vieira

75

Nesse outro caso, o poder concedente mantém relação contratual com a prestadora

do serviço, regendo a adequação do serviço prestado, inclusive mediante regulamentação

específica de atividade cuja titularidade detém. Manifestando-se sob as formas de delegação,

aclara HELY LOPES MEIRELLES173:

“Há  delegação  quando  o  Estado  transfere,  por  contrato  (concessão  ou 

consórcio  público)  ou  ato  unilateral  (permissão  ou  autorização)  unicamente  a 

execução do serviço para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua 

conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal.” 

Verifica-se ser possível a delegação por contrato ou por ato unilateral, sendo

tradicionais formas de delegação a concessão, a permissão ou a autorização, bem como os

consórcios públicos, esses últimos mais recentemente instituídos como forma de concessão

especial174.

b. Concessão do Serviço Público e sua Remuneração por Tarifa

Destaque-se a concessão, forma de delegação pertinente ao presente estudo175,

amplamente utilizada para a prestação dos serviços uti singuli por empresas privadas, as quais

passaram a exercer atividade de titularidade do Estado. Como bem sintetiza CELSO

ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO176:

“Concessão de serviço público é instituto através do qual o Estado atribui o 

exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá­lo em nome próprio, por 

sua  conta  e  risco,  nas  condições  fixadas  e  alteráveis  unilateralmente  pelo  Poder 

Público,  mas  sob  garantia  contratual  de  um  equilíbrio  econômico­financeiro, 

173 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 344 e 407.

174 Cuida-se das parcerias publico privadas, regidas pela Lei n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Sobre o

tema, vide Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 404 e ss.

175 Não devem ser relevadas as peculiaridades do caso prático, já que nem todas as concessionárias são empresas

privadas, nem todas se sujeitam ao regime público. Há graus distintos de essencialidade entre os serviços

delegados, sopesando-se de forma distinta dos princípios envolvidos. Tais peculiaridades devem ser

consideradas para cada caso, não sendo abordadas ao presente estudo, que traz conceitos gerais sobre a

concessão típica.

176 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

709.

Page 76: Maria Eugenia Doin Vieira

76

remunerando­se  pela  própria  exploração  do  serviço,  em  geral  e  basicamente 

mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.” 

Ao ser concedido o serviço público, este passa a ser desempenhado por empresa

privada. A peculiaridade a ser considerada é que a concessionária assume a execução do

serviço por sua própria conta e risco, estrutura-se segundo os postulados do direito privado,

almejando lucro. O tema foi desenvolvido por MARÇAL JUSTEN FILHO177

“O regime jurídico da prestação dos serviços públicos concedidos continua a 

ser público. Mas o particular os exercita de acordo com regras privadas. Promove 

investimento às custas de seu patrimônio, custeia as atividades necessárias. Tudo se 

faz para obtenção de lucro, o que é assegurado contratualmente. 

A  concessão  do  serviço  público  produz,  portanto,  inovações  no  regime 

jurídico aplicável. Passa­se a considerar cabível o dado da  lucratividade – o que é 

inconcebível na atividade administrativa desempenhada pelo Estado. O particular 

tem assegurado o direito à manutenção do equilíbrio econômico­financeiro inicial. 

Enfim, o insucesso será arcado pelo particular.” 

Depreende-se que a concessionária, apesar de desempenhar serviço público, age

visando a obtenção de lucro, o qual seria inconcebível caso a atividade fosse diretamente

desempenhada pelo Estado. Como enfatiza JACINTHO ARRUDA CÂMARA178:

“O estímulo que  leva empresas privadas a assumirem o  referido ônus é a 

exploração econômica do serviço. Para o particular a prestação de serviço público 

não  deixa  de  ser  um  negócio,  um  empreendimento  econômico;  e,  como  tal,  é 

realizado com intuito de obtenção de lucro.”  

As considerações acima demandam uma melhor compreensão acerca da política

tarifária aplicável aos contratos de concessão.

c. Política Tarifária do Serviço Público Concedido

177 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p.

346.

178 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 162.

Page 77: Maria Eugenia Doin Vieira

77

De acordo com o art. 175, parágrafo único, III, da CF/88, nos casos de concessão

“a lei disporá sobre política tarifária”. Destarte, o art. 9º da Lei nº 8.987/95 tratou do tema,

impondo que a “tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta

vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e

no contrato.”

A tarifa é a contraprestação que a concessionária exige dos tomadores em relação

aos serviços prestados. Está sujeita a três relações jurídicas coordenadas, na definição de

FERNANDO VERNALHA GUIMARÃES179:

“(...)  a  tarifa  é  preço­contrapartida  arcada  pelo  usuário  na  esfera  da 

relação  jurídica  contratual  que  trava  com  o  prestador­concessionário,  mas  é 

também preço­regulado e controlado pelo poder público, dada sua ligação estreita 

com valores intrínsecos aos serviços públicos. Além disso, é elemento que integra a 

equação econômico­financeira do contrato de concessão, sendo, por  isso  também, 

um aspecto contratual da relação entre concessionário e poder concedente.” 

Verifica-se que o valor da tarifa não se sujeita às práticas de mercado, ao

contrário, por imposição legal, a tarifa cobrada pela concessionária decorre do regular

processo de licitação. Assim, com a delegação, a tarifa passa a constar do contrato de

concessão, vinculando tanto o poder concedente quanto a concessionária. Na lição de HELY

LOPES MEIRELLES180:

“Inegável  é,  portanto,  que  o  contrato  de  concessão  cria  direitos  e 

obrigações  individuais  para  as  partes.  Dentre  os  direitos  encontra­se  o  de  o 

concessionário  auferir  as  vantagens  de  ordem  pecuniária  que  o  contrato  lhe 

garantiu. Satisfeitas as condições contratuais pelo concessionário, a rentabilidade 

assegurada  à  empresa  erige­se  em  direito  adquirido,  exigível  do  concedente  na 

forma  avençada.  Qualquer modificação  unilateral,  posterior,  da  norma  legal  ou 

regulamentar  ou  de  cláusula  contratual  pertinente  ao  serviço  não  invalida  as 

vantagens contratuais asseguradas ao concessionário (...)” 

179 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva,

2012, p. 180.

180 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 398.

Page 78: Maria Eugenia Doin Vieira

78

Ainda que a tarifa se sujeite à intervenção administrativa, sendo passível de

alteração unilateral pelo poder concedente, devem ser respeitados os parâmetros legalmente e

contratualmente estabelecidos, especialmente o equilíbrio econômico-financeiro pactuado,

conforme disposto nos parágrafos 2º a 4º do art. 9º da Lei nº 8.987/95:

“§ 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim 

de manter­se o equilíbrio econômico­financeiro. 

§ 3o Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção 

de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando 

comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, 

conforme o caso. 

§ 4o Em havendo alteração unilateral do  contrato que afete o  seu  inicial 

equilíbrio  econômico­financeiro,  o  poder  concedente  deverá  restabelecê­lo, 

concomitantemente à alteração.” 

O equilíbrio econômico-financeiro se refere às condições consideradas e

aprovadas no processo de licitação, que são refletidas no contrato de concessão, conforme

esclarece DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI181:

“A  definição  de  equação  econômico­financeira  das  concessões  espelha  a 

relação  entre  receitas  e  custos  tomada  no momento  da  celebração  do  contrato, 

fazendo os concessionários  jus a um equilíbrio do ajuste diante de: (a) alterações 

unilaterais  do  contrato,  promovidas  pela  Administração  Pública;  (b)  fatos 

imprevistos;  (c)  atos  governamentais  alheios  ao  próprio  contrato  (fato  do 

príncipe).” 

Com efeito, o poder concedente define a tarifa a ser praticada pela concessionária,

já considerando a margem de lucro que lhe contratualmente é atribuída. Essa remuneração é

assegurada à concessionária, caso desempenhe corretamente o serviço que lhe foi concedido,

sendo adequado o valor da tarifa, por ato administrativo, sempre que necessário, para

reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente pactuado.

181 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A Experiência Brasileira nas Concessões de Serviço Público. São Paulo:

Malheiros, 2005, p. 203/204.

Page 79: Maria Eugenia Doin Vieira

79

“Nesse contexto, não tenho dúvidas em afirmar que, majorado o ônus da

prestação do serviço ou aumentado seu volume, deve ser elevado o valor da tarifa, como

forma de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, como assevera PAULO DE

BARROS CARVALHO182.

Oportunamente, em razão do equilíbrio econômico-financeiro aplicável, serão

abordados os impactos da cobrança pelo uso do solo nas tarifas praticadas. Entretanto, o

acima exposto já permite inferir que a alteração de custos atrelados à prestação não deve

atingir a concessionária, ensejando a possibilidade de revisão tarifária.

2.5. Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público

Os serviços públicos são sujeitos à regulamentação e controle do Poder Público,

qualquer que seja a modalidade de prestação adotada, cumprindo-lhe zelar pela sua adequada

prestação, exercendo o dever de fiscalizar e intervir no serviço concedido caso não seja

prestado a contento. Essa é, inclusive, imposição contemplada pela Lei n° 8.987/95183.

Realçando que a responsabilidade do Estado é inafastável mesmo no caso de delegação

da prestação do serviço, mencione-se HELY LOPES MEIRELLES184:

“O  fato  de  tais  serviços  serem  delegados  a  terceiros,  estranhos  à 

Administração  Pública,  não  retira  do  Estado  seu  poder  indeclinável  de 

regulamentá­los e controlá­los, exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par 

com o exato cumprimento das condições  impostas para sua prestação ao público. 

Qualquer  deficiência  do  serviço  que  revele  inaptidão  de  quem  o  presta  ou 

descumprimento  de  obrigações  impostas  pela  Administração  ensejará  a 

intervenção  imediata  do  Poder  Público  delegante  para  regularizar  seu 

funcionamento, ou retirar­lhe a prestação.” 

182 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p.

383/384.

183 “Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na

prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais

pertinentes.”

184 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 336.

Page 80: Maria Eugenia Doin Vieira

80

Com efeito, da Lei n° 8.987/95, em especial no seu art. 6º185, depreendem-se

princípios norteadores da prestação, que impõem à atividade o respeito aos princípios da

regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua

prestação e modicidade das tarifas.

Remarque que, ao tratar do tema na doutrina, “os autores dissentem quanto ao

nome, número, conteúdo ou valor jurídico dos princípios inerente ao regime jurídico dos

serviços públicos. Muitas vezes, porém, a divergência procede ora de discordâncias

terminológicas, ora de que, por vezes, os autores fundem ou desdobram os mesmos

preceitos”, como notou DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI186:

Embora a denominação, quantificação e qualificação dos princípios regentes dos

serviços públicos não sejam consensuais na doutrina187, extraem-se, das obras analisadas,

alguns princípios que são relevantes para fins do presente estudo, já que serão invocados

posteriormente, quando da análise da relação jurídica instaurada entre Município e

concessionária, no que diz respeito à exigência do primeiro de valores como contraprestação

pelo uso do solo efetuada pela segunda.

185 “Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos

usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,

atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua

conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.”

186 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 256.

187 Com amparo na Lei n° 8.987/95, Hely Lopes Meirelles identifica cinco princípios norteadores de todo serviço

público e de utilidade pública: generalidade, permanência, eficiência, modicidade e cortesia. (op. cit. p. 399).

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, seriam dez os princípios regentes do serviço público: dever do Estado de

prestação; supremacia do interesse público; adaptabilidade (modernização), impessoalidade, continuidade,

transparência, motivação, modicidade de tarifas e princípio de controle sobre as condições da prestação. (op. cit.

686/687). Dinorá Adelaide Musetti Grotti discorre acerca de treze princípios: continuidade, direito de greve,

regularidade, generalidade, modicidade, segurança atualidade, eficiência, cortesia, igualdade, neutralidade,

publicidade, obrigatoriedade e responsabilidade. (op. cit. 254/317)

Page 81: Maria Eugenia Doin Vieira

81

Assim, entende-se relevante ter como premissa correlata à prestação do serviço

público o respeito aos princípios da supremacia do interesse público, da universalidade, da

continuidade da prestação e da modicidade das tarifas.

a. Supremacia do Interesse Público

De acordo com a supremacia do interesse público, a plena satisfação dos usuários

deve reger a prestação do serviço público, já que são estes os legítimos destinatários da

atividade atribuída ao Estado. Corroborando seu entendimento acerca do regime jurídico

aplicável aos serviços públicos, a relevância do princípio é objeto da obra de CELSO

ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO188:

“(...) princípio da supremacia do  interesse público, em razão do que, tanto 

no  concernente  à  sua  organização  quanto  no  relativo  ao  seu  funcionamento,  o 

norte obrigatório de quaisquer decisões atinentes ao serviço serão as conveniências 

da  coletividade;  jamais os  interesses  secundários do Estado ou os dos que hajam 

sido investidos no direito de prestá­los (...)” 

Nesse sentido, o regime de direito público aplicável aos serviços públicos - ainda

que com peculiaridades em alguns casos - já é suficiente para informar que o interesse público

deve ser o cerne da preocupação ao ser prestado. Essa premissa é reforçada pelo princípio da

supremacia do interesse público, apaziguando pretensão em contrária daqueles envolvidos na

sua prestação, cujos interesses são relegados para segundo plano.

Como leciona HELY LOPES MEIRELLES189,

“O Estado  deve  ter  sempre  em  vista  que  o  serviço  público  e  de  utilidade 

pública  são  serviços para o público e que os concessionários ou quaisquer outros 

prestadores de  tais  serviços  são, na  feliz  expressão de Brandeis, public  servants, 

isto  é,  criado,  servidores  do  público.  O  fim  princípio  do  serviço  público  ou  de 

utilidade  pública,  como  o  próprio  nome  está  a  indicar,  é  servir  ao  público  e, 

secundariamente, produzir renda a quem o explora.” 

188 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

679.

189 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 337.

Page 82: Maria Eugenia Doin Vieira

82

Considerando o cenário das concessões e as necessidades da concessionária ao

assumir os serviços públicos, aponte-se o entendimento de MARÇAL JUSTEN FILHO190:

“O  subprincípio  fundamental,  que  dá  identidade  ao  subsistema  da 

concessão  de  serviço  público,  reside  na  composição  harmônica  de  interesses 

públicos e privados. (...)  

A concessão é um  instrumento de composição dialética entre princípios e 

interesses de diversa ordem. O enfoque isolado da posição jurídica de cada uma das 

partes  inviabiliza compreender a natureza e o regime  jurídico apropriado para a 

concessão. (,,,) 

Na  concessão,  permanece  aplicável  o  princípio  da  supremacia  e  da 

indisponibilidade  do  interesse  público,  mas  sua  integração  com  os  demais 

princípios produz efeitos peculiares. (...) 

Por  isso,  o  poder  concedente  dispõe  da  prerrogativa  de  introduzir 

modificações  no  conteúdo  do  vínculo  e,  mesmo,  intervir  no  controle  do 

concessionário, tal como lhe incumbe reprimir condutas inadequadas dos cidadãos. 

Mas a supremacia e a indisponibilidade do interesse público não garante ao poder 

concedente a possibilidade de eliminar o lucro privado ou de impedir a fruição do 

serviço pelos usuários.” 

Embora reconheça prevalecer a supremacia do interesse público, há de se

viabilizar a concessão desse serviço, atentando-se também para os interesses da

concessionária, que assume o risco do negócio. Nesse sentido, o Autor apresenta subprincípio

relevante ao caso, qual seja, a necessidade de composição harmônica de interesses públicos e

privados, considerando que este não descaracteriza a supremacia do interesse público,

confirmado o regime jurídico de direito público, tal como anteriormente abordado.

b. Universalidade

O princípio da universalidade impõe que o serviço público seja prestado pelo

Estado, ainda que de forma indireta, sendo disponibilizado a todos aqueles que nele tenham

interesse, indiscriminadamente. É também tratado como princípio da generalidade.

190 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p.

290.

Page 83: Maria Eugenia Doin Vieira

83

Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO191, o princípio da

universalidade é aquele “por força do qual o serviço é indistintamente aberto à generalidade

do público.”

Com efeito, à luz desse princípio o serviço público deve ser prestado de forma

universal, sendo disponibilizado a todos, o que demanda a expansão das redes de

infraestrutura instaladas, visando que atinjam todo o território nacional.

No caso da delegação do serviço público a empresa concessionária, em

homenagem à universalidade, é seu dever prestar o serviço na totalidade da área de concessão,

nos moldes e prazos previstos pelo poder concedente, que lhe impõe metas de expansão. Com

base nesse princípio, é ônus da concessionária expandir seus serviços inclusive para regiões

remotas ou que resultem em contraprestação deficitária, ou seja, que não lhe pareçam

lucrativas se isoladamente consideradas.

Novamente, agora em razão da universalidade, evidencia-se prevalecer o interesse

público na prestação do serviço público.

c. Continuidade da Prestação

O princípio da continuidade da prestação do serviço público decorre da

necessidade de sua adequada prestação, contemplada no art. 6º, §1º, da Lei n° 8.987/95:

“Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência,

segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”

Tratando-se de atividade de interesse coletivo, o serviço público deve estar

constantemente disponível, sem interrupções, a todos os interessados. Cabe ao prestador do

serviço tomar as medidas cabíveis para assegurar a prestação de forma ininterrupta, inclusive

mediante adoção de meios tecnológicos disponíveis para tanto.

DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI192 sustenta que “o princípio da

continuidade dos serviços públicos deriva de sua indispensabilidade, do seu caráter essencial

191 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,

2009, p. 283.

192 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 261.

Page 84: Maria Eugenia Doin Vieira

84

e do interesse geral que o serviço satisfaz. Destarte, seu funcionamento há de ser contínuo,

sem interrupções, a não ser em hipóteses estritas, previstas em lei.”

Matéria de preocupação doutrinária atrelada a esse princípio decorre da

possibilidade de interrupção da prestação no caso de não pagamento ou mesmo de greve.

Entretanto, essas questões se distanciam por completo do cerne do presente estudo, tornando

impertinente sua abordagem.

De acordo com o tema eleito, o princípio da continuidade da prestação tem

relevância quando se considera que a rede de infraestrutura do serviço público é

imprescindível para sua prestação, sendo imperiosa sua manutenção para que o serviço seja

prestado de forma ininterrupta e universal. Nesse sentido, as redes não podem ser

desinstaladas sem a devida substituição, permanecendo afetas à atividade pública, tal como

abordado em seguida ao tratar dos bens públicos (item 2.6).

d. Modicidade das Tarifas

Também para que seja considerada adequada a prestação do serviço público, com

esteio no art. 6º, §1º, da Lei n° 8.987/95, a contraprestação devida pelo tomador do serviço

público deve ser razoável, privilegiando-se o princípio da modicidade das tarifas.

Retomando o tratamento constitucional dado ao tema, merece referência

DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI193:

“Ao estabelecer no art. 175, parágrafo único,  inciso  III, que a  lei disporia 

sobre  a  política  tarifária,  o  Texto  Fundamental  de  1988  deixou  ao  legislador 

infraconstitucional  a  determinação  dos  princípios  a  orientarem  tal  política. 

Todavia,  embora  tenha  sido  alterada  a  fórmula  normativa,  adotada  nas 

Constituições brasileiras anteriores, que  sempre  se  reportavam à modicidade das 

tarifas  que  realizasse  a  'justa  remuneração  do  capital'  como  princípio  a  ser 

observado  na  concessão  e  na  permissão  dos  serviços  públicos  (art.137  da 

Constituição  de  1934;  art.  147  da  Carta  de  1937;  art.  151,  parágrafo  único,  da 

Constituição de 1946; art. 160, II, da Carta de 1967; art. 167, II, da Emenda 1/69), 

193 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 291/292.

Page 85: Maria Eugenia Doin Vieira

85

não  deve  ser  considerada  revogada  a  determinação  quanto  à  moderação  da 

contrapartida paga pelos usuários.” 

O princípio da modicidade das tarifas tem como escopo precípuo assegurar que o

maior número possível de interessados tenha acesso ao serviço público. Como assevera

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO194:

“(...)deveras,  se  o  Estado  atribui  tão  assinalado  relevo  à  atividade  a  que 

conferiu tal qualificação, por considerá­lo importante para o conjunto de membros 

do corpo social, seria rematado dislate que os integrantes desta coletividade a que 

se  destinam  devessem,  para  desfrutá­lo,  pagar  importâncias  que  os  onerassem 

excessivamente e, pior que isto, que os marginalizassem”. 

Deduz-se, portanto, que a modicidade das tarifas privilegia o princípio da

universalidade da prestação, já que visa que o serviço público, apesar de remunerado, seja

acessível a todos os interessados, dada sua relevância constitucionalmente reconhecida.

No caso dos serviços concedidos, em que o lucro da concessionária é elemento a

ser considerado, a modicidade das tarifas costuma ser assegurada pelo poder concedente já no

próprio contrato de concessão, ao ser fixada a justa remuneração do concessionário.

Tecidas essas considerações, mencione-se o entendimento de FERNANDO

VERNALHA GUIMARÃES195 acerca de tarifa módica:

“Traduz o valor­tarifa cuja dimensão numérica não  impeça nem dificulte, 

mas, ao  contrário,  favoreça o acesso ao  serviço público. Consiste num preço que, 

com vistas a cobrir as despesas da concessão e assegurar a  justa remuneração ao 

concessionário, facilite o acesso ao serviço público.”  

Dessa forma, ainda que prestado por empresas concessionárias, o serviço público

é regido pelos princípios da supremacia do interesse público, pela universalidade, pela

continuidade da prestação e pela modicidade de tarifas, princípios estes que devem ser

194 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

686/687.

195 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 182.

Page 86: Maria Eugenia Doin Vieira

86

considerados ao se analisar a possibilidade da cobrança pelo uso do solo, exercida pelo

Município junto às concessionária de serviço público.

2.6. Bens Públicos e sua Reversibilidade

É imprescindível para a prestação do serviço público a existência de rede de

infraestrutura apropriada para viabilizar a prestação. Aliás, em muitos casos, infere-se que o

serviço foi constitucionalmente demandado ao Estado justamente em razão da elevada

oneração ou complexidade da infraestrutura necessária à prestação, obstando, ou mesmo

tornando economicamente desinteressante, o exercício dessa atividade por particulares.

Nesse sentido, é relevante tecer algumas considerações acerca do bem público

necessário à prestação do serviço público concedido, bem como sua reversibilidade ao

patrimônio do poder concedente com a extinção da concessão.

Page 87: Maria Eugenia Doin Vieira

87

a. Noção de Bens Públicos

A definição legal de bem público é apresentada no art. 98 do Código Civil: “São

públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público

interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”

A doutrina se empenha em elucidar a noção legal de bem público. Para HELY

LOPES MEIRELLES196, “bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas corpóreas ou

incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a

qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais ou empresas

governamentais.”

É intrínseca a relação do bem público com o interesse público, como leciona

ODETE MEDAUAR197:

“Bens  públicos  é  expressão  que  designa  os  bens  pertencentes  a  estes 

estatais, para que sirvam de meios ao atendimento imediato e mediato do interesse 

público  e  sobre  os  quais  incidem  normas  especiais,  diferentes  das  normas  que 

regem os bens privados. (...)  

Os bens públicos devem ter destinação que atenda ao interesse público, de 

modo  direto  ou  indireto.  A  afetação,  explícita  ou  tácita,  atribui  destinação 

específica ao bem.” 

Entende-se por afetação o fato do bem estar destinado ao uso comum ou especial,

ou seja, voltados a atender o interesse público, o que o torna indisponível, conforme

classificação a seguir abordada. Note-se que, uma vez afetos a determinada atividade, a

desafetação do bem depende de lei ou ato do executivo nesse sentido.

Verifica-se que não só o bem público deve ter destinação que atenda ao interesse

público, como que essa afetação é relevante para sua classificação como bem público.

Nesse sentido, mencione-se a posição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE

MELLO198 que, privilegiando o interesse público, inclui na noção de bens públicos aqueles

196 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 525/526.

197 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT, 2008, p. 236.

Page 88: Maria Eugenia Doin Vieira

88

bens que “embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um

serviço público”, extrapolando o limite do dispositivo legal acima referido. Ou seja, para o

Autor, todo o bem afeto à prestação de serviço público também deve ser entendido como bem

público.

Desde logo é possível apontar que a infraestrutura de redes necessária à prestação

de serviço público, bem como o solo, subsolo e espaço aéreo que ocupam, enquanto

imprescindíveis para a consecução dessa atividade, são bens afetos à prestação de serviço

público, e, portanto, bens públicos na linha de pensamento acima apresentada.

Tamanha é a preponderância do interesse público que, conforme leciona RUY

CIRNE LIMA199 “É indiferente quem seja o proprietário da coisa vinculada ao uso público.

A relação de administração paralisará, em qualquer caso, a relação de direito subjetivo”.

O entendimento acima é desenvolvido por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE

MELLO200, que aclara ser a noção de domínio público201 mais extensa do que a de

propriedade, “a marca específica dos que compõem tal domínio é a de participarem da

atividade administrativa pública, encontrando-se, pois, sob o signo da relação de

administração, a qual domina e paralisa a propriedade, mas não a exclui.” Tecidas essas

considerações, conclui:

“A  noção  de  bem  público,  tal  como  qualquer  outra  noção  em Direito,  só 

interessa  se  for  correlata  a  um  dado  regime  jurídico.  Assim,  todos  os  bens  que 

estiverem  sujeitos  ao  mesmo  regime  público  deverão  ser  havidos  como  bens 

públicos.  Ora,  bens  particulares  quando  afetados  a  uma  atividade  pública 

(enquanto  o  estiverem)  ficam  submissos  ao mesmo  regime  jurídico  dos  bens  de 

propriedade pública. Logo, têm de estar incluídos no conceito de bem público.” 

198 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

920.

199 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 54.

200 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

920.

201 “O conjunto de bens públicos forma o “domínio público, que inclui tanto bens imóveis como móveis.”

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. op. cit., p. 920.

Page 89: Maria Eugenia Doin Vieira

89

Com efeito, os bens públicos podem ser entendidos como os bens de titularidade

das pessoas jurídicas de direito público, a quem compete assegurar sua integridade e geri-los,

atentando para sua vocação natural que é atender o interesse coletivo, bem como os bens

particulares que estejam afetados à atividade pública.

b. Classificação dos Bens Públicos

De acordo com o Código Civil202, os bens públicos são classificados em três

categorias203: bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais. A

distinção entre essas categorias é atrelada à destinação dada ao bem público.

Bens de uso comum do povo são aqueles de domínio público, afetos a fim de

utilidade pública, pois abertos à utilização do povo, para sua fruição uti universi, como ruas,

praças, praias, etc. Referido bens não se sujeitam a registro imobiliário204, sendo peculiar a

forma de propriedade estatal que lhes onera, como consigna MARÇAL JUSTEN FILHO205:

“O  Estado  é  titular  desses  bens  porque  nenhum  sujeito  pode  adquirir 

domínio  sobre  ele. Mas  não  é  possível  afirmar  a  existência  de  uma  propriedade 

estatal,  já  que  não  cabe  ao  Estado  as  faculdades  de  uso  e  fruição  privativos, 

excludente de  idêntico benefício em prol de  terceiros.  (...) A  “propriedade” estatal 

significa,  no  caso,  a  exclusão  daquele  bem  do  universo  dos  bens  sujeitáveis  à 

incidência de um direito de propriedade privada.  

202 “Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II

- os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração

federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o

patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas

entidades.”

203 Mesmo norteando sua obra por essa classificação, Marçal Justen Filho bem aponta que a mesma “tinha em

mente apenas os bens imóveis, olvidando a existência e a relevância dos bens móveis e direitos.” Ainda, critica

que a classificação deixa de reconhecer a existência de categoria destinada a bens públicos comum protegidos,

que são de titularidade, e não de uso, comum do povo, como os recursos naturais e o meio ambiente. JUSTEN

FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 908/909.

204 Vide Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 286.

205 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 911.

Page 90: Maria Eugenia Doin Vieira

90

Portanto, afirmar que existe propriedade publica, no caso, não significa a 

possibilidade de o Estado impedir o uso ou a fruição dos membros da comunidade 

sobre tais bens, desde que respeitados determinados parâmetros (...).” 

Os bens de uso comum do povo não comportam, portanto, o uso exclusivo, nem

mesmo pelo ente público, sob pena de, alterada sua destinação, serem desenquadrados dessa

classificação. São bens destinados à satisfação do interesse coletivo, sendo dever da

Administração zelar por sua manutenção e correta destinação, o que inclui assegurar a fruição

isonômica pelos administrados. Como bem ressalta RUY CIRNE LIMA206, “é característico

do uso comum que nenhum utente possa excluir outro, dada a paridade de situações entre

todos.”

Bens de uso especial são aqueles postos a serviço dos entes públicos, no regular

exercício de suas atividades, hipótese em que são considerados instrumentos dos serviços

públicos (repartições públicas), ou mesmo para a implantação de estabelecimento público

(universidades, teatros, locais abertos à visitação pública).

Tais bens têm destinação especial, sendo diretamente afetados a finalidade

pública permanente, caracterizadora das ações dos entes públicos, razão pela qual são

considerados bens indisponíveis.

Há de se enquadrar, nessa classificação, a rede de infraestrutura necessária à

prestação de serviços públicos, ainda que implantadas em ruas e praças, as quais são

qualificadas como bens de uso comum do povo. Ressalte-se, entretanto, que há peculiaridade

acerca da destinação desses bens pois, conforme ALESSANDRO MENDES CARDOSO207

remarca ao comentar o tema “essa forma de uso não impede que a coletividade continue

utilizando o bem público em sua destinação principal, qual seja, a circulação pública.”

Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO208 é inerente à própria

natureza dos bens públicos “servir a finalidades públicas diversas, quantas sejam possíveis e

206 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 193.

207 CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a Exploração Econômica

de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 115, p. 21.

208 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.

291.

Page 91: Maria Eugenia Doin Vieira

91

necessárias para ampliar as utilidades oferecidas à coletividade. Cada bem público atende a

inúmeros fins. (...) Pode-se dizer que desempenham, em decorrência de sua afetação, uma

função social que lhes é inerente.”

Bens dominicais “são os próprios do Estado como objeto de direito real, não

aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral, sobre

os quais tem senhoria, à moda de qualquer proprietário, ou que, do mesmo modo, lhe

assistam em conta de direito pessoal”, conforme CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE

MELLO209. Por assim se qualificarem, diferentemente dos bens objeto das classes anteriores,

são considerados disponíveis.

MARÇAL JUSTEN FILHO210 “a categoria de bens dominicais abrange, de

modo específico, aqueles bens explorados economicamente para a obtenção de resultados

econômicos, desvinculados do desempenho de função governativa ou da prestação de serviço

público.”

Esse possibilidade de exploração econômica dos bens dominicais será retomada

posteriormente, quando abordada a possibilidade de excepcional desempenho da atividade

econômica pelo Estado, inclusive mediante a exploração de bens públicos. Da classificação

acima apresentada, é possível inferir que somente os bens dominicais se sujeitariam a tal

exploração, já que esses bens se enquadram na única classe que não está afetada pela

destinação de interesse público.

Apresentada a classificação com lastro na disciplina do Código Civil, aclare-se,

por fim, em menção à HELY LOPES MEIRELLES211 que: “a enumeração dos bens públicos

feita no art. 99 do CC não é exaustiva, e nem poderia ter esse caráter, dada a crescente

ampliação das atividades públicas, que a todo momento exigem outros bens para o

patrimônio administrativo.”

c. Rede de Infraestrutura das Concessionárias e Reversibilidade

209 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

921.

210 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 919.

211 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 526.

Page 92: Maria Eugenia Doin Vieira

92

A infraestrutura de rede necessária à prestação de serviços públicos de água, gás,

telecomunicação e energia elétrica está afetada a utilidade pública, enquadrando-se como bem

público classificado como de uso especial.

O ponto curioso é que, mesmo se tratando de serviços públicos

constitucionalmente atribuídos à União e aos Estados, as redes implantadas, em razão do

princípio da universalidade da prestação, estão espalhadas por todo o Território Nacional,

ocupando espaços públicos de titularidade de diferentes pessoas de direito público.

Apesar disso, é certo que, pela destinação que lhes foi atribuída, já que

imprescindíveis para a prestação do serviço público, compõem o patrimônio do ente político

titular dessa atividade, ainda que exercida mediante delegação. Não é por outro motivo que,

verificada a delegação por concessão, é imposta a reversibilidade dos bens públicos. RUY

CIRNE LIMA212:

“As  concessões  de  serviços  públicos,  de  outra  parte,  podem  ser 

acompanhadas  de  concessões  sobre  o  domínio  público,  para  utilização  deste  – 

assentamento  de  linhas  feras,  redes  elétricas  aéreas  e  subterrâneas,  redes 

telefônicas, redes de  fibra ótica, redes de atua e esgoto, que constituem, de regra, 

uma  delegação  do  uso  especial  da  Administração  pública,  por  essa  mesma 

delegação, convertido em uso privativo a favor de um particular.” 

No caso, tais bens são notadamente indisponíveis, cumprindo serem reassumidos

pelo poder concedente com o encerramento da concessão, para que o serviço público continue

a ser prestado, evitando a necessidade de interrupção do serviço para renovação da

infraestrutura já existente. Com isso, privilegiam-se os princípios da supremacia do interesse

público, da continuidade e da modicidade de tarifas, anteriormente abordados.

Ainda que a concessão do serviço público implique na exploração e expansão da

rede existente pela empresa concessionária, essa infraestrutura não é transferida de forma

definitiva ao patrimônio da empresa privada que assumiu a concessão do serviço,

principalmente por ser essa atividade assumida por prazo determinado.

212 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 518.

Page 93: Maria Eugenia Doin Vieira

93

MARÇAL JUSTEN FILHO213 aclara que “esses bens são atribuídos à guarda do

concessionário, que os utiliza para a prestação do serviço público. Eles reverterão

automaticamente ao poder concedente, quando encerrada a concessão.”

Uma vez extinta a concessão, o serviço público em questão deixa de ser prestado

pelo anterior concessionário, porém continua sendo dever do Estado, que poderá exercê-lo

diretamente, ou mediante nova concessão. Para tanto, é necessário que toda a infraestrutura já

implantada e necessária à prestação do serviço em questão seja transferida ao poder

concedente. Trata-se da reversibilidade dos bens.

Há previsão legal expressa para que os bens afetos à prestação do serviço público

sejam integrados ao patrimônio do poder concedente com a extinção do contrato de

concessão. Com efeito, os primeiros parágrafos do art. 35 da Lei n° 8.987/95 se prestam para

impor a reversibilidade dos bens, aclarando a necessidade de assunção imediata do serviço

pelo poder concedente ao dispor:

“§1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens 

reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto 

no edital e estabelecido no contrato.” 

2o Extinta a  concessão, haverá a  imediata assunção do  serviço pelo 

poder  concedente,  procedendo­se  aos  levantamentos,  avaliações  e  liquidações 

necessários. 

§  3o  A  assunção  do  serviço  autoriza  a  ocupação  das  instalações  e  a 

utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.”      (g.n.) 

E para que o serviço prossiga sendo regularmente prestado, não há tempo hábil

para a implementação de nova rede de infraestrutura, sob pena de interrupção do serviço,

cumprindo ser mantido o aproveitamento da rede já existente. Por outro lado, tampouco o

custo de nova estruturação do serviço em questão seria compatível com a modicidade das

tarifas almejada, fator adicional a justificar a necessidade de reversão ao patrimônio do poder

concedente dos bens necessários à prestação do serviço público.

213 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 641.

Page 94: Maria Eugenia Doin Vieira

94

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO214, apreciando o tema sob a

perspectiva da concessionária, agrega ao tema ao assim considerar:

“Sobremais,  substancial  parte  dos  equipamentos  em  uma  concessão  de 

serviço público é constituída de edificações ou bens que aderem ao solo e que não 

podem ser removidos ou que, em sendo removíveis, perdem nisso toda ou muita de 

sua substância econômica. Pense­se nas edificações de centrais elétricas, torres de 

retransmissão, usinas de transformação ou geradores de energia ou, para retornar 

aos  exemplos  anteriores,  nos  armazéns  e  cais  de  embarque  e  desembarque  de 

cargas ou passageiros.. 

Daí  que  ao  concessionário  pequena  significação  econômica  tem  o 

equipamento  necessário  à  prestação  do  serviço,  uma  vez  finda  a  concessão. 

Reversamente,  para  o  concedente  eles  se  constituem  na  indispensável  condição 

para continuidade do serviço.” 

Depreende-se, portanto, que a rede de infraestrutura necessária à prestação do

serviço público é bem público de uso especial, que, embora atribuída à concessionária como

instrumento necessário à atividade delegada, deve ser revertida ao patrimônio público com

seu encerramento, mantendo-se afetada à atividade de interesse coletivo.

3. ANALISE DAS TAXAS E IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE

TAXA PELO USO DO SOLO

3.1. Esclarecimentos Preliminares

Convém esclarecer que no estudo do tema eleito foram identificadas leis

municipais que, editadas com o escopo de exigir contraprestação pelo uso do solo, utilizam o

termo taxa para se referir ao instituto jurídico que ampara a citada cobrança.

Diante dessa situação fática e do conteúdo do artigo 4º do Código Tributário

Nacional215, que aclara ser a denominação legal irrelevante para qualificar a natureza jurídica

214 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

761.

Page 95: Maria Eugenia Doin Vieira

95

do tributo, reputa-se necessário desvendar a viabilidade jurídica do emprego do termo taxa na

legislação municipal. Ou seja, o que se pretende é averiguar se essa espécie tributária é apta a

viabilizar a cobrança pelo uso do solo em face das concessionárias de serviços públicos.

Nesse sentido, para bem situar o tema, merece menção, a título ilustrativo216, a

Lei Municipal de Ji-paraná n° 1.199, de 31 de dezembro de 2002, que “autoriza o Executivo

Municipal a criar a taxa de licença e royalties para uso e ocupação de solo nas vias e

logradouros públicos e espaço aéreo no Município de Ji-paraná – RO”. Transcreva-se o

dispositivo que versa sobre a cobrança pelo uso do solo:

Art. 1º Autoriza o Executivo Municipal criar a taxa de licença para o uso e 

ocupação do  solo e espaço aéreo, a quem ocupe vias e  logradouros públicos com 

postes,  sistema  de  telefonia,  abastecimento  de  água  e  esgoto,  sistema  de 

transmissão  de  TV  a  cabo  e  similares  para  fins  comerciais  ou  de  prestação  de 

serviços. 

§  1º    No  caso  de  utilização  das  vias  e  logradouros  públicos  para  a 

instalação de postes a taxa é cobrada por mês ou fração à razão de R$ 5,00 (cinco 

reais) por poste  instalado, sendo este valor corrigido com base no Índice Geral de 

Preços ao Consumidor (IPCA) ou equivalente. 

§ 2º A  referida  taxa prescrita no  § 1º,  será atribuída aos prestadores de 

serviços no ramo de telefonia e energia elétrica. 

§  3º No  caso  de  utilização  das  vias  e  logradouros  públicos  para  rede  de 

água, rede de esgoto, sistema de transmissão de TV a cabo e similares será cobrada 

a taxa de R$ 0,l0 (zero virgula dez centavos de real) por metro linear. 

§ 4º No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a instalação 

de  telefones  públicos  será  cobrada  por mês  ou  fração  a  taxa  de R$30,00  (trinta 

reais) por aparelho instalado. 

Referida norma prevê a cobrança de taxa de licença para o uso e ocupação do

solo, a qual será exigida mensalmente, nos valores acima fixados, em relação (i) aos postes

215 “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação,

sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a

destinação legal do produto da sua arrecadação.”

216 Vide o inteiro teor da Lei em questão no anexo de jurisprudência municipal, no qual também foram

colacionadas outras normas dispondo sobre a cobrança pelo uso do solo.

Page 96: Maria Eugenia Doin Vieira

96

dos prestadores dos serviços públicos de telefonia e energia elétrica, (ii) à rede de água,

esgoto e sistemas de cabeamentos, bem como (iii) aos telefones públicos instalados. Com

isso, a taxa imposta atinge serviços públicos cuja prestação foi delegada a particulares,

destacando-se os serviços de energia elétrica, telecomunicações e gás.

A inconstitucionalidade da cobrança dessa taxa foi reconhecida pelo Supremo

Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 581.947, sob relatoria do Ex-Ministro

Eros Grau, com repercussão geral reconhecida. Os fundamentos do acórdão serão abordados

de acordo com o desenvolvimento do tema, ressaltando-se que ainda não houve o trânsito em

julgado, ante a oposição de embargos de declaração ainda pendentes de julgamento217.

Os esclarecimentos acima se prestam para ilustrar, em caso prático, a forma pela

qual os Municípios têm instituído a cobrança de taxa pelo uso do solo, prosseguindo-se com o

desenvolvimento da análise jurídica do tema, para, em seguida, avaliar a cobrança pelo uso do

solo na forma em que vislumbrada pelos Municípios.

3.2. Delineamento das Taxas

A competência para a instituição de taxas foi outorgada pela Constituição Federal

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. De acordo com o art. 145, II e §2º,

da CF/88, as taxas podem ser cobradas “em razão do exercício do poder de polícia, ou pela

utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao

contribuinte ou postos a sua disposição”.

Depreende-se serem apenas duas as hipóteses constitucionais de instituição de

taxa genericamente colocadas à disposição dos entes políticos, a taxa devida pelo exercício de

poder de polícia - taxa de polícia - e a taxa devida pela prestação de serviços públicos - taxa

de serviço -, as quais serão separadamente abordadas em tópicos a seguir (itens 3.5 e 3.6).

a. Especificidade e Divisibilidade

Em relação ao delineamento das taxas, ainda que em primeira análise, o

dispositivo constitucional permite questionar se apenas as taxas de serviço são regidas pela

217 Com a aposentadoria do Ex-Ministro Eros Grau, o relator que o substituiu no caso foi o Ministro Luiz Fux.

Page 97: Maria Eugenia Doin Vieira

97

especificidade e divisibilidade, bem como se apenas estas são exigíveis no caso de potencial

prestação, características que não se aplicariam à taxa de polícia.

Embora o detalhamento acerca da taxa de polícia seja objeto de tópico próprio, a

análise desses questionamentos, nesse momento, é relevante para que se extraiam as

características fundamentais das taxas, quais sejam a especificidade e divisibilidade.

De acordo com a definição do art. 79 do Código Tributário Nacional218, a

especificidade decorre da possibilidade de destaque em unidades autônomas de intervenção,

de unidade, ou de necessidades públicas, identificando-se a atividade estatal vinculada ao

contribuinte. Por sua vez, a divisibilidade é a possibilidade de mensurar da atividade estatal

em relação a cada contribuinte219.

Ainda que a redação do dispositivo constitucional dê margem a interpretação

distinta, atrelando a especificidade e a divisibilidade apenas às taxas de serviço, é certo que,

em razão de sua natureza, também o exercício do poder de polícia deve ser específico e

divisível para que possa ser objeto de taxa.

Isso, pois as taxas de polícia não podem ser exigidas em razão do exercício geral

do poder de polícia, dever da administração pública, mas sim em razão do específico controle

das atividades dos particulares, caracterizada a atuação estatal diretamente vinculada a estes.

O tema é claramente abordado por RICARDO LOBO TORRES220

“Parece­nos, no entanto, que o exercício do poder de polícia só justificará a 

cobrança de taxa se houver a prestação específica e divisível. É preciso distinguir, 

como fazem os administrativistas, entre poder de polícia geral e especial. Embora 

no poder de polícia a atividade pública se exerça em benefício da coletividade, nem 

por  isso  está  ausente  a  vantagem  ou  desvantagem  individual  justificadora  do 

218 “Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se: (...) II - específicos, quando

possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas; III -

divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.”

219 Embora o art. 79 do CTN verse sobre serviços públicos, as definições deduzidas são igualmente aplicáveis ao

poder de polícia.

220 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. IV – Os tributos na

Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 404.

Page 98: Maria Eugenia Doin Vieira

98

tributo  contraprestacional.  A  especificidade  e  a  divisibilidade,  que  se  implicam 

mutuamente, significando a prática de atos autônomos em benefício de indivíduos 

distintos,  suscetível  de  tributação  pela  taxa  e  o  exercício  genérico  desse  poder 

financiado pela receita de imposto. O STF declarou a inconstitucionalidade de taxas 

de  segurança  pelo  policiamento  ostensivo  geral,  reconhecendo  apenas  a 

legitimidade das que se cobram em troca de atos específicos. 

Quanto à efetividade ou à disponibilidade, consistente na prática do ato, é 

também  requisito  essencial,  sob  pena  de  se  confundirem  a  atividade  específica 

estatal  e o poder genérico de polícia,  tendo  em  vista que o  exercício meramente 

potencial do poder de polícia desemboca na segurança genérica da ordem pública.” 

O excerto acima evidencia que para fins tributários, há de ser feita uma

segregação entre (i) o poder de polícia exercido em face da coletividade (v.g. prevenção da

criminalidade), o qual se insere no dever geral da administração pública221, a ser custeado

pelos impostos recolhidos, e (ii) o poder de polícia exercido especificamente em face do

administrado, precipuamente em razão de regramentos aplicáveis às atividades que esse

desempenha (v.g. expedição de alvará), o qual pode ser objeto de taxa, ainda que, em última

análise, também nesse caso a atuação estatal se preste para o bem da coletividade222 223.

Conforme RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA224, “o fato imponível da

obrigação tributária respeitante à taxa de polícia é a expedição do ato formal que rompe o

obstáculo criado pela norma de polícia, que o confirma ou impõe sujeição à fiscalização.”

221 Art. 144 da CF/88: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é

exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos

seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias

civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.”

222 Embora essas considerações possam, em análise prematura, remeter à segregação de serviços públicos entre

uti singuli e uti universi apresentada no capítulo anterior, consigne, desde logo, que o poder de polícia não deve

ser entendido como serviço público, caracterizando-se como peculiar atividade do Estado conforme será

abordado oportunamente (item 3.7).

223 Ainda que em nada altere a análise posta, ressalte-se o uso da terminologia polícia geral e especial, haurida do

direito estrangeiro, não encontra consenso na doutrina. Para maior detalhamento sobre essa celeuma, que

extrapola o objeto deste estudo, vide Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2011, p. 844/846.

224 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Taxas de Polícia. São Paulo: RT, 1980, p. 55.

Page 99: Maria Eugenia Doin Vieira

99

Nesse sentido, o Autor sustenta que as taxas de polícia podem decorrem de licenças,

autorizações, dispensa, isenção e fiscalização225.

Por outro lado, retomando-se o último parágrafo da citação de Ricardo Lobos

Torres, considerada a natureza da atividade de polícia sujeita à taxa, evidencia-se que a taxa

de polícia depende da efetiva atuação estatal, sob pena de se confundir com o dever de polícia

exercido em face da coletividade. Em abordagem pragmática da questão, assim se posiciona

SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO226:

“Não  basta  que  o  departamento  da  Polícia  Federal  que  concede 

passaportes esteja em funcionamento para que o Poder Público Federal cobre “taxa 

de expediente” de todos os que tiverem sob sua circunscrição, ao argumento de que 

o serviço está posto à disposição dos contribuintes. As taxas de polícia se dão pela 

realização de atos administrativos  com base no poder de poder geral de polícia, 

diretamente relacionada à pessoa do contribuinte.” 

Nesse ponto as taxas de polícia se diferenciam das taxas de serviço, pois apenas

as últimas podem ser cobradas em caso de utilização efetiva ou potencial do serviço, prestado

ou posto à disposição do administrado.

Depreende-se, portanto, que não é característica da taxa, como espécie tributária,

a possibilidade de exigência no caso de potencial utilização da atividade estatal. Essa é uma

peculiaridade atinente à taxa de serviço.

São características da taxa, com espécie tributária, a especificidade e a

divisibilidade anteriormente abordadas. Assim, tanto a taxa de serviço como a taxa de polícia

são passíveis de instituição e cobrança pelos entes políticos no caso de ação estatal

225As licenças no caso de atividade administrativa vinculada, permitindo o exercício de direito já existente. As

autorizações no caso de atividade administrativa discricionária, acrescendo direito ao administrado. A dispensa e

a isenção, pois implicam em desobrigação, demandando examinar o atendimento a requisitos. A fiscalização,

pela ação fiscal, ensejando cobranças periódicas. (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Taxas de Polícia, op. cit., p.

39/42.)

226 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.

162.

Page 100: Maria Eugenia Doin Vieira

100

direcionada ao administrado, o que rendeu às taxas (como espécie tributária) a classificação

bastante difundida de “tributo vinculado” à determinada atuação estatal227.

227 Amplamente acolhida pela doutrina, a difusão da classificação de taxa como tributo vinculado decorre da

referenciada obra de Achille Donato Giannini, Istituzioni di Diritto Tributario, Milão, 1948.

Page 101: Maria Eugenia Doin Vieira

101

b. Referibilidade

Do acima exposto, é possível deduzir ser a referibilidade é característica marcante

das taxas, como bem aclara GERALDO ATALIBA228:

“A  hipótese  de  incidência  da  taxa  é  uma  atuação  estatal  diretamente 

(imediatamente)  referida  ao  obrigado  (pessoa  que  vai  ser  posta  como  sujeito 

passivo da relação obrigacional que tem taxa por objeto). (…) 

Do que se vê que, para que se configure a taxa, basta a  lei prever atuação 

estatal  que  tenha  referibilidade  a  alguém  (que  poderá  ser  posto  como  sujeito 

passivo do tributo). Este tributo irá nascer com a referibilidade (no momento e, que 

a atuação estatal se referir concretamente a alguém).” 

Com base na referibilidade, PAULO DE BARROS CARVALHO229 entende que

“o ato expressivo do poder de polícia deve ser específico e divisível para fins de exigência da

taxa, já que está, como explicado, é tributo que apresenta referibilidade direta ao

contribuinte.”

Portanto, para a exigência de taxas de polícia ou de serviço é requisito

fundamental a referibilidade, caracterizando-se a vinculação expressa entre a atividade estatal,

exercida de forma específica e divisível, e o contribuinte. Ao discorrer sobre as taxas, LUÍZ

EDUARDO SCHOUERI230 comenta:

“Em ambos os casos, tem­se que a taxa é paga porque alguém causou uma 

despesa estatal. A idéia é que, se um gasto estatal refere­se a um contribuinte, não 

há razão para exigir que toda a coletividade suporte. Daí a racionalidade da taxa 

estar na equivalência.” 

Por meio das taxas, pretende-se responsabilizar tributariamente o contribuinte

pelo ônus que causou ao Estado ao demandar sua atuação de forma específica e divisível.

Destarte, as taxas privilegiam o princípio da igualdade, como bem remarca ROQUE

228 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 147.

229 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 702.

230 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 167.

Page 102: Maria Eugenia Doin Vieira

102

ANTONIO CARRAZZA231, “evitando que os demais membros da comunidade suportem os

ônus econômicos de uma atuação estatal que, pelo menos diretamente, não os alcançou.”

c. Base de Cálculo

A referibilidade, que se extrai do fato gerador constitucionalmente previsto para

as taxas, traz reflexos diretos na base de cálculo a ser eleita pelo legislador ao instituí-las, ao

risco de eivá-las de inconstitucionalidade. É o que se depreende do art. 145, §2º da

Constituição Federal, ao dispor que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de

impostos”.

A expressão própria foi incluída no Texto Constitucional de 1988, devendo ser

avaliada criteriosamente, já que é assente que na lei não se presumem palavras inúteis.

Conforme CARLOS MAXIMILIANO232:

“Dá­se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para 

achar o verdadeiro sentido de um  texto; porque este deve ser entendido de modo 

que tenham efeitos todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou 

supérflua, nula ou sem significação alguma.”  

LUÍZ EDUARDO SCHOUERI233 sustenta que a base de cálculo própria de

imposto é aquela que se presta para medir a capacidade contributiva, com lastro no art. 145,

§1º, da CF/88234. Com isso, afirma que a Constituição vedou que as taxas tenham como base

de cálculo qualquer critério relacionado ao contribuinte.

Deste modo, os critérios de definição da base de cálculo da taxa, além de não

poderem coincidir com os dos impostos conforme expresso no referido dispositivo

231 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

537.

232 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 250.

233 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 169/170.

234 “Art. 145 (omissis) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para

conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o

patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Page 103: Maria Eugenia Doin Vieira

103

constitucional, devem ter relação com a atividade estatal tributada. Segundo JOSÉ AFONSO

DA SILVA235, em comentários à Constituição Federal:

 “(...) a base de cálculo da  taxa há de ser um elemento relacionado com a 

atividade estatal que é seu pressuposto. Será, pois, uma base de cálculo não ligada 

a  renda,  patrimônio,  capital,  produção,  circulação  obtida  ou  promovida  pelo 

contribuinte,  mas  uma  medida  vinculada  à  atividade  estatal  referida  ao 

contribuinte, que deu origem à taxa.” 

GERALDO ATALIBA236 aclara que “efetivamente, se a h.i. da taxa é só uma

atuação estatal, referida a alguém, sua base imponível é uma dimensão qualquer da própria

atividade do Estado: custo, valor ou outra grandeza qualquer (da própria atividade).”

Exatamente em razão de as taxas decorrerem da atuação estatal vinculada, sua

base de cálculo deve ter correlação com o custo dessa atividade desempenhada de forma

específica e divisível em prol do contribuinte, a ser ressarcido por ele, evitando-se que a

coletividade assuma essa oneração.

Nessa linha de raciocínio, depreende-se que os fatos geradores

constitucionalmente previstos para as taxas influenciam diretamente na base de cálculo a ser

eleita pelos entes políticos, ainda que de forma estimada, a teor do que esclarece ROQUE

ANTONIO CARRAZZA237:

“O valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao custo, 

ainda que aproximado, da atuação estatal específica. É claro que, neste campo, não 

precisa  haver  uma  precisão  matemática;  deve,  no  entanto,  existir  uma 

razoabilidade  entre  a  quantia  cobrada  e  o  gasto  que  o Poder Público  teve  para 

prestar aquele serviço público ou praticar aquele ato de polícia. Esta razoabilidade 

é  aferível,  em  última  análise,  pelo  Poder  Judiciário,  mediante  provocação  do 

contribuinte interessado. 

235 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 645.

236 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 150.

237 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.São Paulo: Malheiros, 2009, p.

538 e p. 556.

Page 104: Maria Eugenia Doin Vieira

104

Se não houver equivalência entre o custo da atuação estatal específica e o 

quantum da taxa, o tributo será  inconstitucional, por desvirtuamento de sua base 

de cálculo. Com isso, assumirá feições confiscatórias, afrontando, pois, o art. 150, IV, 

da CF.” 

É relevante consignar que, na linha do exposto, a taxa cobrada não tem como seu

componente o lucro, como remarca ANNA EMÍLIA CORDELLI ALVES238 ao aduzir que “a

prestação do serviço público não se vocaciona à produção de riqueza nem à geração de lucro

(...) quando o Estado presta um serviço a alguém, a taxa que o Estado pode cobrar não pode

ultrapassar o custo do serviço. E isso, na verdade, é uma garantia para o contribuinte da

taxa; o usuário tem o direito constitucional de só pagar pelo custo do serviço.”

Além de correlação com o custo envolvido na atuação estatal específica, sem

almejar o lucro, os valores cobrados não devem afrontar parâmetros de proporcionalidade e

razoabilidade, cumprindo ser repudiadas taxas com valores que evidenciem exorbitância,

abuso ou confisco. Esses parâmetros são considerados pelo Poder Judiciário e norteiam seus

precedentes239.

Há de se considerar que não é tarefa de grande simplicidade aferir o custo da

atuação estatal para que seja propriamente definida, ou mesmo questionada pelo administrado,

a base de cálculo da taxa. Porém essa dificuldade é objeto de preocupação da ciência

econômica, mais precisamente da microeconomia, que se dedica a análise de custos e

238 ALVES, Anna Emília Cordelli. Taxa, Tarifa, Preço Público e Pedágio: Distinções. Revista de Direito

Tributário n° 107/108, p. 259/261.

239 "Taxa: correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal. A taxa, enquanto

contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que

deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de

cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo

fixadas em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do

contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de

equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de

outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória

inscrita no art. 150, IV, da CF. Jurisprudência. Doutrina." (ADI 2.551, Rel. Celso de Mello, DJ 20/04/06)

Page 105: Maria Eugenia Doin Vieira

105

formação de preços. Como aponta ESTEVÃO HORVATH240, “(...) parece elementar que, ao

organizar tal atividade, os estudos técnicos e respectivos atingirão, ainda que

aproximadamente, o valor total necessário a implementação e consecução do mesmo.”

d. Inaplicabilidade do Princípio da Capacidade Contributiva

Resta claro que as taxas terão base de cálculo fixada em razão da atividade do

Estado, desvinculadas por completo do contribuinte e de sua capacidade contributiva. Nesse

sentido, HUMBERTO ÁVILA241 repudia a aplicação do princípio da capacidade contributiva

às taxas, ao asseverar:

“(...)  a  hipótese  de  incidência  das  taxas  não  tem  ligação  com  algo 

relacionado aos contribuintes, mas em vez disso, devem ser instituídas em razão de 

uma  atividade  do  Estado.  Isso  significa  que  a  constituição  atribuiu  às  taxas  um 

caráter retributivo, não deixando qualquer margem para a análise da capacidade 

contributiva  daquele  que  as  paga.  (...)  Os  limites  para  a  imposição  de  taxas  na 

verdade são outros.” 

De acordo com o Autor, o princípio da capacidade contributiva, insculpido no art.

145, §1º, da CF/88, é aplicável somente aos impostos, não regendo as taxas e contribuições.

Na mesma linha ELIZABETH NAZAR CARRAZZA242, retomando a aplicação do princípio

da igualdade às taxas, sustenta:

“O  principio  da  capacidade  contributiva,  a  que  se  fez  referência  até  o 

momento, está relacionado apenas aos impostos.  

Em  matéria  de  tributos  vinculados  (taxas  e  contribuições)  o  critério  é 

outro, uma vez que os fatos que eles alcançam não são fatos­signos presuntivos de 

riqueza, mas,  sim,  fatos  relacionados à própria atuação do Estado. As  taxas e as 

contribuições  incidem  sobre  fatos  regulados  pelo  direito  público,  isto  é  sobre 

atuações estatais (...). Nem por isso, porém, o princípio da igualdade deixa aí de ser 

240 HORVATH, Estevão. Tarifa de transporte coletivo urbano, competência do Município. Natureza jurídica de

taxa. Limites ao seu ‘quantum’, Competência do Estado-membro para proteção ao consumidor. Ação Civil

Pública. Revista de Direito Tributário n° 65, p. 152/153.

241 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 400.

242 CARRAZZA, Elizabeth Nazar Carrazza. IPTU e Progressividade, Igualdade e Capacidade Contributiva.

Curitiba: Juruá, 1992, p. 64.

Page 106: Maria Eugenia Doin Vieira

106

atendido, uma vez que, em tais tributos, o Estado visa ressarcir­se das despesas que 

teve, ao atuar em favor de um dado contribuinte.” 

Em contraponto ao entendimento acima, vale mencionar que na doutrina há

defensores da aplicação do princípio da capacidade contributiva às taxas, materializado na

dispensa de recolhimento nas hipóteses em que se verifique a incapacidade de contribuição. É

o caso de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO243, para quem a falta de unanimidade

doutrinária acerca do tema decorre da diferente compreensão do princípio da capacidade

contributiva:

“As taxas estão sujeitas aos princípios fundamentais de contenção ao poder 

de tributar:  legalidade, anterioridade,  irretroatividade, não confisco e capacidade 

contributiva. 

Quanto ao princípio da capacidade contributiva, a doutrina está dividida. A 

discrepância  decorre  mais  do  ângulo  em  que  se  coloca  o  estudioso  do  que 

propriamente dos fundamentos opinativos de cada um. Ora, se se pensar em valores 

diferenciados ou em “taxas progressivas”, mais onerosas, em razão da capacidade 

contributiva do contribuinte, é evidente que não cabe a invocação do princípio (...). 

Não  obstante,  o  princípio  da  capacidade  contributiva  não  se  liga  tão­

somente à técnica da progressividade, cujo objetivo é tributar mais quem mais tem, 

senão  que  fomenta  institutos  tributários  de  variegada  índole.  Cabe  exemplificar 

com  as  isenções  subjetivas  em matéria  de  taxas.  (...)  O  fundamento  de  todas  as 

isenções,  por  isso  legítimas,  nas  taxas,  é  justamente  a  incapacidade  contributiva 

(...)” 

HUMBERTO ÁVILA244 discorda expressamente desse entendimento ao aduzir

que “se admitisse ser a gratuidade decorrente da capacidade contributiva – melhor, da sua

falta -, ainda assim ela funcionaria como causa de exclusão do dever de pagar a taxa e não

como critério de graduação do seu dimensionamento.”

243 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.

161/162.

244 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 402.

Page 107: Maria Eugenia Doin Vieira

107

É de se mencionar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal245 tem aplicado o

princípio da capacidade contributiva às taxas, por considerar que este princípio seria regente

do direito tributário como um todo. O entendimento é claramente manifestado em precedente

que julga constitucional a cobrança de taxa exigida com base em tabela progressiva, no qual

se avalia o patrimônio líquido da empresa para aferir a taxa devida de acordo com o

enquadramento em faixas predefinidas. Para o Supremo Tribunal Federal, esse seria um

critério satisfatório para adequar a cobrança da taxa ao emprenho administrativo demandado

na sua fiscalização, já que a atividade desempenhada seria proporcional ao porte da empresa.

Com isso, afirma ter privilegiado o princípio da capacidade contributiva nas taxas.

Em que pese o entendimento da Corte Superior, é de se considerar, à luz das

peculiaridades da taxa, cuja base de cálculo deve dimensionar a atividade estatal vinculada a

sua exigência, bem como considerando a disposição expressa do art. 145, §1º, da Constituição

Federal, que o princípio da capacidade contributiva não se aplica aos tributos vinculados,

devendo a taxa ser avaliada e exigida com base no custo da atividade estatal desenvolvida,

ainda que de complexa mensuração.

245 “A taxa de fiscalização da CVM, instituída pela Lei 7.940/1989, qualifica-se como espécie tributária cujo

fato gerador reside no exercício do poder de polícia legalmente atribuído à Comissão de Valores Mobiliários. A

base de cálculo dessa típica taxa de polícia não se identifica com o patrimônio líquido das empresas,

inocorrendo, em conseqüência, qualquer situação de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 145, § 2º, da

CF. O critério adotado pelo legislador para a cobrança dessa taxa de polícia busca realizar o princípio

constitucional da capacidade contributiva, também aplicável a essa modalidade de tributo, notadamente quando

a taxa tem, como fato gerador, o exercício do poder de polícia.” (RE 216.259-AgR, Min. Celso de Mello,

Segunda Turma, DJ de 19/05/00) No mesmo sentido: RE 177.835, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ de

25/05/01. Posteriormente foi editada a Súmula 665: “É constitucional a taxa de fiscalização dos mercados de

títulos e valores mobiliários instituída pela Lei 7.940/89.”

Page 108: Maria Eugenia Doin Vieira

108

e. Competência para Instituição

No que tange à repartição constitucional de competências, as taxas podem ser

instituídas por qualquer um dos entes políticos. Prevalece o critério fundamental de

atribuições constitucionais, sendo competente para a tributação por intermédio de taxa aquele

apto a desempenhar o serviço público ou exercer o poder de polícia. Como pontua RUY

BARBOSA NOGUEIRA246:

"(...)  em  relação  às  taxas  a  competência  é  comum,  porém  cada  pessoa 

jurídica de direito público poderá cobrá­las em razão de exercício regular do poder 

de polícia, isto quer dizer, somente quando exercer poder de polícia que  lhe tenha 

sido  conferido pela Constituição e em  relação aos  serviços prestados ou postos à 

disposição  haverão  de  ser  somente  os  que  a  Constituição  atribui  ao  respectivo 

governo tributante. Se o exercício do poder de polícia não for regular ou o serviço 

não for de atribuição da entidade tributante, a taxa será ilegítima.” 

GERALDO ATALIBA247 aduz que “a pessoa pública competente para

desempenhar a atuação, e só ela, é competente para legislar sobre sua atividade e colocar

essa atuação no núcleo da h.i. de taxa sua.”

Uma vez que o serviço público e o poder de polícia devem ser exercidos dentro

dos limites de competência legislativa de cada um dos entes políticos, há de se concluir que a

competência para a instituição de taxa decorre diretamente da competência legislativa sobre o

tema. Como bem aclara ROQUE ANTONIO CARRAZZA248:

“Logo, para que a tributação por via de taxa validamente ocorra é mister 

venham editadas duas leis: uma de natureza administrativa, regulando o exercício 

do poder de polícia ou a prestação do serviço público, outra, de  índole tributária,, 

qualificando  estas  atuações  estatais  e  atribuindo­lhes  o  efeito  de,  uma  vez 

realizadas, darem nascimento, in concreto, a esta modalidade de tributo.” 

246 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 164.

247 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 155.

248 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

538.

Page 109: Maria Eugenia Doin Vieira

109

No caso dos Municípios, sua competência legislativa está prevista no artigo 30 da

CF/88249, merecendo destaque, para fins do presente estudo, sua competência para legislar

sobre assuntos de interesse local (inciso I) e para promover, no que couber, o adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano (inciso VIII), além da proteção do patrimônio histórico-cultural local

(inciso IX).

Oportunamente, com base nessa competência legislativa, será abordado que o

Município, tendo legislado acerca do regramento do uso do solo urbano, poderá instituir taxa

de polícia visando que tais normas sejam respeitadas pelo administrado.

3.3. Inconstitucionalidade da Taxa de Uso

A Constituição Federal, em seu art. 145, II, definiu como possíveis fatos

geradores das taxas, a prestação de serviço público e o poder de polícia. Dessa forma, são

duas as espécies de taxas previstas em nosso Sistema Jurídico, as taxas de polícia e as taxas de

serviço.

Referido dispositivo trata do tema de forma exaustiva, sendo implicitamente

negada a possibilidade de instituição de taxas distintas daquelas elencadas, como bem remarca

RENATO LOPES BECHO250:

249 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação

federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar

suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente

ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte

coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,

programas de educação infantil e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira

da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do

solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação

fiscalizadora federal e estadual.”

250 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário, Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Saraiva,

2011, p. 259.

Page 110: Maria Eugenia Doin Vieira

110

“Como  o  constituinte  foi  expresso  ao  fixar  as  taxas  que  podem  ser 

instituídas em nosso sistema tributário, ele implicitamente negou a possibilidade de 

instituição de outras exações semelhantes, como poderia (somente em tese, se não 

houvesse vedação constitucional  implícita) ocorrer sobre o uso de coisas públicas 

ou sobre obras feitas pelo Poder Público.” 

Na mesma linha, ROQUE ANTONIO CARRAZZA251 se preocupa em reforçar

que em respeito à Constituição Federal, a pessoa política tributante que vise à cobrança de

taxa deve editar lei trazendo como hipótese de incidência seja a prestação de um dado serviço

público, ou a prática de um ato de polícia; não sendo possível a taxa versar sobre a utilização

de bens de domínio público. Aborda, portanto, o cerne do presente estudo:

“Se a Constituição Federal tivesse apenas permitido que as pessoas políticas 

criassem  taxas, a União, os Estados, o Distrito Federal  e os Municípios poderiam 

criar quaisquer modalidades de  taxas,  inclusive as de uso e de obras. Na medida, 

porém, em que ela autorizou as pessoas políticas a criarem  taxas de  serviço e de 

polícia,  implicitamente  proibiu­as  de  virem  a  instituir  outras  modalidades  de 

taxas.” 

De fato, as concessionárias que implantaram sua rede nos espaços públicos

municipais não podem sofrer a cobrança de taxa pela mera ocupação do solo (taxa de uso),

atividade que não foi vinculada às taxas pela Constituição.

Ou seja, em princípio há de se concluir que padece de inconstitucionalidade lei

municipal que preveja a cobrança de taxa em razão da manutenção de bens nas áreas públicas,

fato que não é suficiente para permitir cobrança tributária dessa natureza, pois distante da

imposição constitucional, a qual limita a exigência de taxa às hipóteses fundamentadas no

exercício do poder de polícia ou por serviços públicos.

Nesse sentido, mencione-se que Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso

em Mandado de Segurança n° 11.412/SE252, reconheceu que a mera ocupação do solo não

251 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

538 e p. 546.

252 “ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - TAXA DE LICENÇA PARA PUBLICIDADE E PELA EXPLORAÇÃO

DE ATIVIDADE EM LOGRADOUROS PÚBLICOS. 1. A intitulada "taxa", cobrada pela colocação de postes de

iluminação em vias públicas não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço

Page 111: Maria Eugenia Doin Vieira

111

viabiliza a cobrança de taxa, coforme excertos extraídos do voto condutor proferido pela Ex-

Ministra Eliana Calmon:

“Impetrou  a  EMPRESA  ENERGÉTICA  DE  SERGIPE  S/A  ­  ENERGIPE 

mandado de segurança preventivo contra o PREFEITO DO MUNICÍPIO DE BARRA 

DOS  COQUEIROS,  objetivando  afastar  a  exigibilidade  da  Taxa  de  Licença  para 

Publicidade e pela Exploração de Atividade em Logradouros Públicos, uma vez que 

se incluía como atividade tributável a instalação de postes para serviços de energia 

elétrica  e  telecomunicações,  no  valor  de  30  UFIR's  mensais  por  cada  poste 

instalado. 

(...) 

Eliminado um dos itens, temos o segundo deles e que está ligado à natureza 

jurídica da exação em cobrança, intitulada de "taxa de  licença para publicidade e 

pela  exploração  de  atividade  em  logradouros  públicos",  incluída,  dentre  a 

exploração de atividade pública, a  instalação de postes para  serviços de  energia 

elétrica e telecomunicações. 

O entendimento do Tribunal "a quo" direcionou­se no sentido de considerar 

a exação como sendo de natureza administrativa, enquanto a impetrante afirma o 

seu caráter tributário. 

Vejamos,  a  partir  do  conceito  de  TAXA,  na  sua  acepção  jurídica, 

identificando este  tipo de  tributo como  sendo da espécie contraprestacional, pois 

corresponde  a  um  serviço  prestado  pelo  Estado,  estando  a  ele  vinculada  a 

arrecadação. 

Como define Hugo de Brito Machado,  "taxa é espécie de  tributo cujo  fato 

gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou o serviço público, prestado ou 

posto à disposição do contribuinte" (Curso de Direito Tributário, 19ª ed.). 

Na  espécie  de  que  cuida  os  autos,  não  há  serviço  algum  prestado  pelo 

Município, nem o  exercício do poder de polícia, o que descarta a  idéia de que  se 

trata de uma taxa, muito embora assim tenha sido nominada.  

A cobrança pela utilização de postes pela  companhia de energia elétrica, 

para o Tribunal de  Justiça, é uma espécie de aluguel pelo uso do solo e, como tal, 

algum do Município, nem o exercício do poder de polícia. 2. Só se justificaria a cobrança como PREÇO se se

tratasse de' remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na

espécie. 3. Não sendo taxa ou preço, temos a cobrança pela utilização das vias públicas, utilização esta que se

reveste em favor da coletividade. 4. Recurso ordinário provido, segurança concedida.” (RMS 12081/SE, Rel.

Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 10/09/01)

Page 112: Maria Eugenia Doin Vieira

112

situa­se no  terreno do direito administrativo,  constituindo­se  em uma  espécie de 

servidão, eis que se insurge no campo da tolerância do proprietário pela limitação 

que passa a  sofrer em razão do encargo a  suportar,levando a uma  limitação das 

faculdades inerentes ao direito de propriedade. (...)” 

O entendimento manifestado no voto acima, reconhecendo ser ilegítima a

cobrança de taxa de ocupação do solo253 pela ausência de prestação de serviço ou mesmo do

exercício de poder de polícia pelo Município, foi reiterado em diversos julgamentos sobre o

tema, norteando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça254.

Com estas considerações, evidencia-se ser ilegítima a cobrança de taxa de uso (do

solo), já que a Constituição Federal, ao dispor exaustivamente sobre o tema, previu apenas a

possibilidade de cobranças de taxas de serviço público e de polícia.

Sem prejuízo do acima exposto, é cabível uma análise mais completa do tema,

avaliando se, ainda que imposta sob alcunha imprópria na legislação municipal, seria legitima

a cobrança de taxas de serviço ou de polícia atreladas à implantação de equipamentos de

infraestrutura nas áreas públicas. A ideia é averiguar se existe alguma atividade estatal

específica e divisível voltada à concessionária de serviços públicos em razão do uso do solo,

que enseje o pagamento de taxa ao Município.

3.4. Taxa de Serviço e Impossibilidade de sua Cobrança pelo Uso do Solo

A taxa de serviço, conforme já abordado, encontra fundamento constitucional

quando se refira à utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível,

prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição.

Retomando a conceituação de serviço público apresentada anteriormente (item

2.3), há de se concluir, sem grandes delongas, que o serviço público passível de tributação por

253 A despeito da denominação que lhe foi atribuída, considerando já apresentadas as espécies de taxas.

254 Nesse sentido, mencione-se: REsp 802.428/SP, Rel. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 25/05/06; REsp

881.937/RS, Rel. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 14/04/08; REsp 694.684/RS, Rel. Castro Meira, Segunda

Turma, DJ 13/03/06; e RMS 12.258/SE, Rel. José Delgado, Primeira Turma, DJ 05/08/02.

Page 113: Maria Eugenia Doin Vieira

113

meio de taxa é aquele diretamente referido ao contribuinte (“uti singuli”), e não os serviços

prestados à coletividade (“uti universi”).

É o que leciona ROQUE ANTONIO CARRAZZA255, em específica abordagem

das taxas de serviço:

“Os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti 

universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, 

como um  todo considerada, beneficiando número  indeterminado (ou, pelo menos, 

indeterminável)  de  pessoas.  É  o  caso  dos  serviços  de  iluminação  pública,  de 

segurança  pública,  de  diplomacia  de  defesa  externa  do  País  etc.  Todos  eles  não 

podem ser custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas sim, das receitas gerais do 

Estado, representadas, basicamente, pelos impostos (...). 

Já,  os  serviços  públicos  específicos,  também  chamados  singulares,  são  os 

prestados uti singuli. Referem­se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, 

pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização  individual e mensurável. 

Gozam,  portanto,  de  divisibilidade,  é  dizer,  da  possibilidade  de  avaliar­se  a 

utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. (...) Estes, sim, podem 

ser custados por meio de taxas de serviço.” 

O excerto acima aclara precisamente que somente os serviços públicos prestados

uti singuli dão ensejo à cobrança de taxa de serviço, caracterizada a especificidade e

divisibilidade em relação ao contribuinte.

Patenteada a hipótese de cobrança de taxa de serviço, há de se apreciar se a

concessionária, ao implantar suas redes nas áreas públicas municipais, demanda do Município

qualquer serviço público que viabilize a cobrança da taxa em questão.

É importante ter em mente que, no caso em estudo, a relação jurídica analisada é

aquela existente entre o Município e a empresa concessionária de serviço público. Nessa

relação, seria viável a cobrança de taxa de serviço caso se conclua que a concessionária figura

como tomadora de serviço público prestados pelo Município.

Ocorre que, em razão da implantação de equipamentos de infraestrutura nas áreas

públicas, o Município não desempenha em favor da empresa concessionária qualquer serviço.

255 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

539/540.

Page 114: Maria Eugenia Doin Vieira

114

Cabe à empresa concessionária assumir todos os ônus da instalação e manutenção de suas

redes256. Ao Município cabe apenas disciplinar e permitir o uso do solo, hipóteses que,

analisadas a seguir, não se caracterizam como serviço, muito menos como serviço público.

Diante do exposto, inexistindo serviço público desenvolvido pelo Município nesse

caso, afasta-se, de plano, por impertinente ao caso em estudo, a possibilidade de cobrança de

taxa de serviço em razão do uso do solo pelas empresas concessionárias.

Aclare-se, por fim, que o acima exposto não se presta para afastar a possibilidade

de cobrança de efetiva taxa de serviço de concessionária caso se caracterize a prestação de

serviço específico e divisível, ainda que de forma potencial, pelo Município em seu favor,

mas não em razão do mero uso do bem público.

256 De acordo com o art. 6º, §2º, da Lei n° 8.987/95, cabe ao concessionário a prestação de serviço adequado ao

pleno atendimento dos usuários, satisfazendo condições de atualidade, que compreendem a modernidade das

técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

Page 115: Maria Eugenia Doin Vieira

115

3.5. Caracterização da Taxa de Polícia

A segunda hipótese constitucionalmente prevista como apta para a instituição de

taxa pelos entes políticos é o exercício do poder de polícia específico e divisível em relação

ao administrado.

Embora empregado pela Constituição, e, portanto, reiterado no presente estudo, o

uso do termo “pode de polícia” recebe fortes críticas no Direito Administrativo257, não só em

razão da evocação ao Estado de Polícia, antagônico ao atual Estado de Direito258, como em

razão da pluralidade de sentidos que encerra, sujeitando-se a diferentes classificações entre os

administrativistas259.

Entretanto, é possível afirmar ser assente que o poder de polícia compreende

competências legislativas e administrativas que permitem à Administração Pública, com base

em lei, “condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em

benefício da coletividade ou do próprio Estado”, nas palavras de HELY LOPES

MEIRELLES260. Mencione-se, ainda, a síntese proposta por GERALDO ATALIBA261:

257 “La doble noción de 'policía' o 'poder de policía' era antiguamente una de las más empleadas en del derecho

público y al mismo tiempo la que más se prestaba a abusos por los múltiples equívocos a que da lugar,

confundiendo una frase latísima y ambigua con el sustento normativo para limitar algún derecho individual.

(…) Hay que evitar intoxicarse con las teorías del poder y lo que desde allí se puede hacer en detrenimiento de

las libertades; se debe ser fiel a la premisa inicial de qué es y para qué debe servir el derecho administrativo y

no consagrar en cambio un “derecho administrativo” al servicio de la autoridad y del poder, como el “poder de

policía” (GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, Fundación de

Derecho Administrativo, 2003, tomo 2, 5ª ed., capítulo V, V-1 – V-4.)

258 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

828.

259 Marçal Justen Filho sustenta que o poder de polícia não pode ser isolado de serviço público, e a complexidade

das atividades estatais dificultam suas classificações rígidas na realidade concreta. (op. cit. p. 497/498). Celso

Antônio Bandeira de Mello trata de poder de polícia em sentido amplo e sentido estrito, tratando da polícia

administrativa, da polícia judiciária, e repudiando a segregação entre polícia especial e polícia geral. (op. cit. p.

828/846) Já Hely Lopes Meirelles apresenta como espécies a polícia administrativa, a polícia judiciária e a

polícia de manutenção da ordem pública. (op. cit. p. 133/136)

260 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 133.

261 ATALIBA, Geraldo. Taxas e Preços no Novo Texto Constitucional. RDT n° 47, p. 143.

Page 116: Maria Eugenia Doin Vieira

116

“Então  o  poder  de  polícia  é  o  poder  que  o  Estado  tem  de  limitar  a 

propriedade e a liberdade, com dupla finalidade. A primeira finalidade do poder de 

polícia  é  permitir  que  todos  exerçam  a  propriedade  e  a  liberdade  igualmente; 

segunda  finalidade,  garantir  que  o  interesse  público  prevaleça  sobre  o  interesse 

privado.” 

Nesse sentido, é o exercício do denominado poder de polícia administrativa que

enseja a cobrança das taxas. Na definição de MARÇAL JUSTEN FILHO262 “o poder de

polícia administrativa é a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada

para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da

legalidade e da proporcionalidade.”

A taxa de polícia pode ser legalmente instituída pelos entes políticos em razão da

atuação estatal fiscalizadora das atividades desempenhadas por particulares, dada sua

relevância jurídica, visando ao interesse coletivo. Muito bem postas as considerações de

RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA263:

“Pode  ocorrer,  no  entanto,  que  a  atividade  desempenhada  e  que  servirá 

como hipótese de incidência da atividade do Estado seja própria do particular que, 

no entanto, dada sua relevância, o ordenamento  jurídico tende a prestigiar de tal 

sorte que a alberga sob seu controle. Exige o disciplinamento por parte do Poder 

Público e efetua limitações à propriedade à liberdade dos particulares. Assim, para 

que o particular desenvolva certa atividade, necessária se torna a autorização da 

administração. Embora editando as normas em nível legal, limitando a liberdade e 

propriedade,  autoriza  o  exercício  de  atividades  (não  de  direitos),  mas  exige  a 

interferência do Poder Público para que sejam elas exercidas. Em contrapartida da 

atividade estatal, pode o Poder Público exigir o que se denomina de taxa de polícia. 

Ainda que se cuide de simples declaração da vedação da autuação do particular a 

taxa é devida.” 

É dever do Estado ordenar atividades dos particulares tutelando o interesse

coletivo. Para assegurar o atendimento das diretrizes impostas, deve exercer atividade de

fiscalização, fundada no poder de polícia, que é compulsória para o administrado, ainda que

262 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 488.

263 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Taxas de Polícia. São Paulo: RT, 1980, p. 25/26.

Page 117: Maria Eugenia Doin Vieira

117

lhe imponha ônus e restrições. Conforme HUGO DE BRITO MACHADO264, “exercendo o

poder de polícia, ou mais exatamente, exercitando atividade fundada no poder de polícia, o

Estado impõe restrições aos interesses individuais em favor do interesse público, conciliando

esses interesses.”

Em redação mais abrangente do que aquela trazida no Texto Constitucional, o art.

78 do Código Tributário Nacional, ocupando-se de estabelecer normas gerais em matéria

tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, com lastro no art. 142,

III, “a”, da CF/88, conceitua poder de polícia, elencando os requisitos a serem observados

pela administração pública visando à garantia do bem comum:

“Art. 78. Considera­se poder de polícia atividade da administração pública 

que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de 

ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à 

higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício 

de  atividades  econômicas  dependentes  de  concessão  ou  autorização  do  Poder 

Público,  à  tranquilidade  pública  ou  ao  respeito  à  propriedade  e  aos  direitos 

individuais ou coletivos.” 

Cumpre à Administração Pública assegurar que as atividades exercidas pelos

particulares estão de acordo com as exigências legais, o que a obriga a disciplinar as

atividades privadas. Assim o faz mediante a concessão e renovação de licenças, autorizações,

isenções, dentro outros, o que demanda a análise do caso em concreto. Essas atividades estão

insertas no âmbito do poder de polícia administrativa, a ser tributado por meio de taxa.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO265 aclara que os atos de polícia

administrativa não se confundem, de maneira alguma, com prestação de serviço, sendo

antagônicas as atividades desempenhadas pelo Estado:

“Para  o  leigo,  insciente  das  coisas  jurídicas,  podem  aparecer  como 

“serviços”,  e,  portanto,  serviços  públicos,  as  perícias,  exames,  vistorias,  efetuadas 

pelo Estado ou  suas entidades auxiliares com o  fito de examinar o cabimento do 

264 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 449.

265 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

692/693.

Page 118: Maria Eugenia Doin Vieira

118

exercício de atividades privadas, ou com o propósito de fiscalizar­lhes a obediência 

aos  condicionamentos  da  liberdade  e  da  propriedade,  ou  com  a  finalidade  de 

comprovar  a  existência  de  situações  que  demandariam  a  aplicação  de  sanções 

(como multas, interdição de atividades ou embargo de suas continuidades até que 

estejam ajustadas aos termos normativos).  

Este  tipo  de  equívoco  em  que  podem  incorrer  pessoas  desinformadas  do 

Direito  (...). É claro, a  todas as  luzes, entretanto, que  se constituem em rotineiros 

atos  de  polícia  administrativa,  perfeitamente  distintos  dos  atos  de  prestação  de 

serviço público. 

A  distinção  entre  serviço  público  e  polícia  administrativa,  entretanto,  é 

óbvia. Basta atentar para o fato de que um e outra têm sentidos, direcionamentos, 

antagônicos. 

Enquanto o  serviço público visa a ofertar ao administrado uma utilidade, 

ampliando, assim, o  seu desfrute de  comodidades, mediante prestações  feitas  em 

prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para a proteção do 

interesse de  todos) visa a restringir,  limitar, condicionar, as possibilidades de sua 

atuação  livre, exatamente para que seja possível um bom convívio social. Então a 

polícia administrativa constitui­se em uma atividade orientada apara a contenção 

dos comportamentos dos administrados, ao passo que o serviço público, muito ao 

contrário,  orienta­se  para  a  atribuição  aos  administrados  de  comodidades  e 

utilidades materiais.” 

O entendimento acima é consonante com o tratamento dado às taxas pela

Constituição Federal, a qual trouxe disposição expressa para a instituição tanto de taxa de

serviço como de taxa de polícia, tratando-as de forma distinta.

Diferentemente do que dispôs acerca da taxa de serviço, como anteriormente

abordado, a Constituição não admite que a taxa de polícia possa ser cobrada pela potencial

fiscalização, nas hipóteses em que apenas disponibilizadas ao contribuinte. Ou seja, deve

haver o exercício do poder de polícia específico e divisível materializado para que essa taxa

seja exigida.

Todavia, o entendimento que prevalece na jurisprudência pátria é no sentido de se

presumir em favor do Poder Público o desempenho da atividade fiscalizadora, bastando que o

Page 119: Maria Eugenia Doin Vieira

119

Estado esteja apto para tanto, sendo a existência de órgão administrativo próprio ou dos

aparatos necessários indícios que embasam essa presunção.266

A postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao criar a presunção de efetivo

poder de polícia em favor do Estado, embora compreensível à luz do interesse público, é

questionável em razão do Texto Constitucional, pois dá margem à cobrança de taxa de polícia

ainda que não realizada qualquer atividade pelo Estado, em afronta ao art. 145, II, da CF/88.

Há de se reconhecer que é bastante complexa, para não dizer inviável, a

comprovação do não exercício do poder de polícia pelo contribuinte (prova negativa)267,

legitimando-se a cobrança de taxa a despeito da efetiva ocorrência do fato gerador legalmente

previsto, mas apenas em razão da presunção acatada268.

266 “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. HIPÓTESE DE

INCIDÊNCIA. EFETIVO EXERCÍCIO DE PODER DE POLÍCIA. AUSÊNCIA EVENTUAL DE

FISCALIZAÇÃO PRESENCIAL. IRRELEVÂNCIA. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. 1. A

incidência de taxa pelo exercício de poder de polícia pressupõe ao menos (1) competência para fiscalizar a

atividade e (2) a existência de órgão ou aparato aptos a exercer a fiscalização. 2. O exercício do poder de

polícia não é necessariamente presencial, pois pode ocorrer a partir de local remoto, com o auxílio de

instrumentos e técnicas que permitam à administração examinar a conduta do agente fiscalizado (cf., por

semelhança, o RE 416.601, rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de 30.09.2005). Matéria debatida no RE

588.332-RG (rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, julgado em 16.06.2010. Cf. Informativo STF 591/STF). 3. Dizer

que a incidência do tributo prescinde de “fiscalização porta a porta” (in loco) não implica reconhecer que o

Estado pode permanecer inerte no seu dever de adequar a atividade pública e a privada às balizas estabelecidas

pelo sistema jurídico. Pelo contrário, apenas reforça sua responsabilidade e a de seus agentes. 4.

Peculiaridades do caso. Necessidade de abertura de instrução probatória. Súmula 279/STF. Agravo regimental

ao qual se nega provimento.” (RE 361009 AgR, Rel. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 12/11/10)

Na mesma linha RE 588322, Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Repercussão Geral, DJe 03/09/10.

267 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE DUPLICATA. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO

JURÍDICA SUBJACENTE AO TÍTULO. ÔNUS DA PROVA. PROVA NEGATIVA. IMPOSSIBILIDADE

MATERIAL. Tratando-se de alegação de inexistência de relação jurídica ensejadora da emissão do título

protestado, impossível impor-se o ônus de prová-la ao autor, sob pena de determinar-se prova negativa, mesmo

porque basta ao réu, que protestou referida cártula, no caso duplicata, demonstrar que sua emissão funda-se em

efetiva entrega de mercadoria ou serviços, cuja prova é perfeitamente viável. Precedentes. Recurso especial

conhecido e provido.” (REsp 763.033/PR, Rel. Aldir Passarinho Junior, DJe 22/06/10)

268 Aponte-se que em outras oportunidades o Supremo Tribunal Federal também validou o uso da presunção da

ocorrência do fato gerador para fins de tributação, como ao julgar constitucional a substituição tributária “para

Page 120: Maria Eugenia Doin Vieira

120

Destarte, uma vez caracterizada a taxa de polícia, cumpre avaliar a possibilidade

de sua exigência em razão da ocupação do solo por empresa concessionária de serviço

público.

3.6. Distinção entre Taxa de Polícia e Cobrança pelo Uso do Solo

A relação jurídica que ora se analisa é aquela existente entre Município e a

empresa concessionária de serviço público, que instala e mantém equipamentos de

infraestrutura nos espaços públicos municipais.

É relevante, nesse ponto, fazer a devida distinção entre a cobrança pelo mero uso

do solo e eventuais taxas de poder de polícia em razão da fiscalização do uso desse solo.

A mera ocupação do solo, isto é, a manutenção de equipamentos em áreas

públicas, não pode ser remunerada por intermédio de taxa por não ter vinculação com

qualquer atividade estatal. Esse ponto foi abordado antes de adentrar a análise das taxas de

serviço e de polícia segregadamente (item 3.5).

Porém, situação distinta a ser avaliada é aquela em que se caracteriza o efetivo

exercício do poder de polícia em relação à forma que a concessionária de serviço público

utiliza o solo. Nessa hipótese, a cobrança não decorre do uso do solo propriamente dito, mas

sim de exercício do poder de polícia atrelado à averiguação do cumprimento pela

concessionária da regulamentação existente acerca da ocupação do solo, caracterizando-se a

possibilidade de imposição de taxa de polícia.

Em favor do interesse coletivo, a instalação de redes de infraestrutura e a

realização de obras em área urbana demanda fiscalização e regramento, caracterizando-se

como assuntos de interesse local, cuja competência legislativa foi atribuída ao Município, a

teor do art. 30, I e VIII, da CF/88269.

frente” do ICMS (RE 194.382) e na imposição da retenção de 11% a título de contribuição previdenciária (RE

603.191). Porém, nesses casos, ainda que em momento, é possível aferir a efetiva ocorrência dos fatos geradores,

aplicando-se o art. 150, §7º, da CF/88.

269 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; (...) VIII - promover, no que

couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano; (...)”

Page 121: Maria Eugenia Doin Vieira

121

Ao tratar da competência para fiscalizar o uso dos bens de uso comum, aduz

MARÇAL JUSTEN FILHO270:

“O ente estatal  titular do bem de uso  comum é  investido na  competência 

para  fiscalizar  a  observância  das medidas  destinadas  a  assegurar  a  integridade 

deles.  Isso  compreende  o  dever­poder  de  controlar  a  conduta  dos  particulares, 

inclusive  para  verificar  a  sua  compatibilidade  com  as  normas  regulamentares 

existentes.” 

Com efeito, o Município tem competência para legislar sobre o tema, e,

assegurando que as obras realizadas respeitem as posturas municipais legalmente impostas,

deve exercer poder de polícia específico e divisível em face do administrado que as execute.

Essa atuação estatal vinculada ao contribuinte é apta a ensejar a cobrança de taxa de polícia.

A instalação de redes de infraestrutura de empresa concessionária de serviço

público não foge à regra, devendo, de acordo com a legislação regente, ser previamente

submetida ao órgão municipal competente, a fim de ser aprovada, certificando-se que essa

atende às posturas municipais, respeita o plano diretor, enfim, que se atentou às normas

editadas com o escopo de tutelar o interesse público.

Esse procedimento deve ser corriqueiramente respeitado por qualquer empresa

que pretenda executar obras, seja em áreas públicas ou particulares, a fim de obter as

aprovações e licenças necessárias, inexistindo fundamento para ser afastado no caso de

implantação de redes de concessionárias de serviços públicos.

O exercício do poder de polícia, nesse caso, é necessário não só no momento da

aprovação das obras de instalação de redes, como posteriormente, para avaliar se a ocupação

do solo se deu de forma regular, nos termos em que previamente aprovado.

Nessas hipóteses, a taxa decorrente do exercício poder de polícia municipal

encontra embasamento constitucional, prestando-se para recompor os cofres públicos do ônus

assumido ao ser desempenhada essa atividade específica e divisível em prol do contribuinte

executor da obra. Porém, reitere-se, essa taxa em nada se relaciona com a cobrança pela mera

ocupação do solo, na qual não há qualquer serviço prestado pelo Município.

270 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 915.

Page 122: Maria Eugenia Doin Vieira

122

Há de se considerar que uma vez instalada a rede de infraestrutura necessária à

prestação de serviços públicos com o devido aval do Município, não há embasamento para a

cobrança periódica de taxa de polícia em relação a esta, pois inexiste atividade estatal

fiscalizatória a ser desempenhada.

Sob esse prisma, retome-se a discussão travada nos autos do Recurso

Extraordinário nº 581.947, em que se discute a cobrança de taxa imposta pelo Município de

Ji-Paraná, merece menção trecho do voto do Ministro Ricardo Lewandowski:

“Portanto, não se trata evidentemente de uma taxa como quer fazer crer o 

Município, pois, o fato gerador tem um a outra natureza. O uso e ocupação do solo, 

o espaço aéreo, é um fato gerador incompatível com a natureza das taxas.  

Fiquei  impressionado,  Senhor  Presidente,  com  a  argumentação  do 

Município  recorrente  no  sentido  de  que,  no  exercício  do  poder  de  polícia,  ele, 

Município,  realiza  atividade  de  fiscalização  examinando  os  recuos  de  testadas  e 

sacadas de edificações, a colocação de placas e  faixas de propaganda, o plantio e 

podas  de  árvores,  o  tráfego  de  veículos  com  gabarito  elevado  e  a  adequação  de 

quaisquer eventos nos espaços comuns ante a influência dos acidentes geográficos 

existentes no s locais, dentre estes os equipamentos da rede de força elétrica.  

O  acórdão  recorrido  assenta  que  se  houvesse  uma  lei  especifica 

discriminado  esses  serviços,  então  seria  legítima  a  taxa,  que  o  Município,  no 

exercício  do  seu  poder  de  polícia,  de  caráter  eminentemente  local,  protegendo 

interesses  eminentemente  locais. Esse  serviço não poderia  ser prestado de  forma 

gratuita.  

Então,  eu  não  afasto  a  possibilidade  de  o  Município  editar  uma  lei 

específica para cobrar taxa se prestar esse serviço de forma efetiva ou potencial.” 

Verifica-se que, nesse caso, o Município sustentou que após a instalação das redes

de infraestrutura ainda teria atividades decorrentes do poder de polícia a desempenhar, as

quais seriam aptas a justificar a cobrança periódica de taxa.

Ocorre que, no entendimento do voto acima, a inconstitucionalidade da cobrança

foi reconhecida tendo em vista que tais atividades não foram previstas na legislação, sendo

que tampouco foram devidamente atreladas à taxa imposta, que se vinculou ao uso do solo, e

não ao exercício do poder de polícia pelo Município.

Page 123: Maria Eugenia Doin Vieira

123

Em análise das considerações do Município nesse precedente, é de se ponderar se

após a implantação da rede de infraestrutura, respeitadas todas as regulamentações

pertinentes, de fato existe necessidade renovação do exercício de poder de polícia municipal,

principalmente considerando a imobilização dos bens envolvidos.

Contudo, essa renovação do exercício de poder de polícia, se pertinente em

relação a atividades específicas que precisam ser periodicamente controladas (v.g. higiene e

limpeza, respeito ambiental), não encontra espaço em se tratando de equipamentos de

infraestrutura destinados à prestação de serviços públicos que, em última análise, sujeitam-se

ao controle pelo poder concedente.

Analisando o tema com base no excerto do voto acima referido, verifica-se que

este lista atividades que, exercidas oportunamente pelo Município, não demandam controle

periódico posterior (v.g. exame de recuos de testadas e sacadas de edificações), já que,

finalizada a obra sob a supervisão municipal, já está aferido o cumprimento à norma

regulamentadora. O tempo não altera a situação vigente.

O voto também menciona atividades que não têm qualquer correlação com a rede

implantada pela concessionária, cujo desempenho pelo Município pode ensejar regramento e

taxas específicas, respeitadas as condições anteriormente apresentadas (v.g. colocação de

placas e faixas de propaganda, adequação de eventos nos espaços comuns, plantio e podas de

árvores). Evidencia-se de plano que não são atividades de polícia desempenhadas de forma

específica e divisível em prol empresa concessionária em razão da rede implantada.

Com isso, resta evidenciado que ainda que existam situações que demandem

controle periódico para aferir a adequação à regulamentação existente, no caso da implantação

de redes, o exercício do poder de polícia municipal se encerra após a sua regular instalação. É

possível que atividades distintas exercidas pelo Município enseja a cobrança de taxas

legítimas, mas não há justificativa para a exigência periódica de taxa atrelada à rede

implantada.

Nesse ponto, colaciona-se trecho de GERALDO ATALIBA271 que se contrapõe à

infundada cobrança de taxas com escopo de aumentar a arrecadação fiscal:

271 ATALIBA, Geraldo. Taxa pelo Exercício do Poder de Polícia – Fato Gerador – Base de Cálculo. Revista de

Direito Administrativo n° 102. Rio de Janeiro: FGV, 1970, p. 490.

Page 124: Maria Eugenia Doin Vieira

124

“Não pode o legislador, por motivos fiscalistas, inverter os critérios e fazer 

que  os  atos  de  polícia  sirvam  à  tributação,  ao  invés  de,  como  é  coerente  –  e 

constitucionalmente  desejado  –  a  tributação  servir  ao  poder  de  polícia.  Isto  é 

repugnante ao nosso sistema e inaceitável, por todas as razões.  

Multiplicar  vistorias  desnecessárias,  reproduzir  diligências  sem 

fundamento,  repetir  atos  inocuamente,  só  para  incrementar  receitas,  constitui 

abuso de poder. Não é  isso manifestação de exercício regular do poder de polícia, 

mas abuso, excesso que pode e deve ser contido pelo Judiciário.  

Será  o  caos  e  a  negação  da  ordem  jurídica  o  dia  em  que  o  Estado,  não 

podendo  ou  não  querendo mais  elevar  os  impostos,  começar  a  inventar  atos  de 

polícia  e multiplicá­los  e  repeti­los,  só  com  o  intuito  de  receber  as  respectivas 

taxas.” 

Em razão de todo o acima exposto, conclui-se que o Município deve regrar e

fiscalizar as atividades desempenhadas pela concessionária ao implantar sua rede nos espaços

públicos municipais, exigindo, com base na lei, taxa de polícia em razão das atividades

desempenhadas.

Porém, distinta é a situação de pretender cobrar taxa em razão de ter a

concessionária utilizado o espaço público municipal para implantar sua rede, uso esse que,

como visto no tópico precedente, somente poderia ser remunerado por meio de taxa se

competisse ao Município a instituição e cobrança de taxa de uso.

4. ANÁLISE DE PREÇO E IMPOSSIBILIDADE DE SUA COBRANÇA

PELO USO DO SOLO

4.1. Esclarecimentos Preliminares

Vislumbrado a remuneração pelo uso dos espaços públicos municipais, foram

editadas diversas leis instituindo cobrança denominada de preço público como

contraprestação devida pela concessionária de serviço público pelo uso do solo. A título

Page 125: Maria Eugenia Doin Vieira

125

ilustrativo, cumpre mencionar as normas editadas nos dos Municípios de São Paulo e de São

Vicente instituindo a cobrança de preço público272:

Lei Municipal de São Paulo n° 14.054/05:  

“Autoriza o Poder Executivo Municipal a fixar e cobrar preço público pela ocupação 

do  espaço de  solo  em áreas públicas municipais pelo  sistema de posteamento de 

rede de energia elétrica e de iluminação pública, de propriedade da concessionária 

de energia elétrica que os utiliza, e dá outras providências. 

Art.  1º  O  Poder  Executivo Municipal  fica  autorizado  a  fixar  e  a  cobrar 

mensalmente  preço  público  relativo  à  ocupação  e  uso  do  solo  municipal  pelos 

postes fixados em calçadas e logradouros.” 

 

Lei Complementar Municipal de São Vicente n° 357/01:  

“Dispõe  sobre  o  uso  de  vias  públicas  e  espaço  aéreo  e  subterrâneo,  para  a 

realização de eventos ou para  implantação e passagem de equipamentos urbanos 

destinados  à  prestação  de  serviços  de  infra­estrutura,  por  entidades  de    direito 

público e privado. (...) 

Art.  9º  ­  O  preço  público  pela  permissão  de  uso  das  vias  e  logradouros 

públicos, inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e das obras de arte no Município, 

a  ser  pago  pelas  entidades  de  direito  público  e  privado,  para  a  realização  de 

eventos  ou  para  implantação,  instalação  e  passagem  de  equipamentos  urbanos 

para  a  prestação  de  serviços  de  infra­estrutura  urbana  será  representado  por 

contribuição pecuniária.” 

A lei paulistana visa expressamente a cobrança de preço público em face do

posteamento da rede de energia elétrica e iluminação pública, a ser exigido da empresa

concessionária de energia elétrica. Já a lei de São Vicente tem como mote a cobrança de toda

a infraestrutura urbana destinada à prestação de serviços públicos, atingindo as

concessionárias que tenham redes implantadas no Município.

Os dispositivos legais acima transcritos ilustram a pretensão municipal de

cobrança de preço público em razão do uso do solo necessário para a instalação de

272 Vide o inteiro teor das Leis em questão no anexo de jurisprudência municipal, no qual também foram

colacionadas outras normas dispondo sobre a cobrança pelo uso do solo.

Page 126: Maria Eugenia Doin Vieira

126

equipamentos de infraestrutura destinados à prestação de serviços públicos, o que torna

necessária a abordagem do tema e desenvolvimento deste capítulo.

Deve-se considerar que, nos termos acima, a concessionária de serviço publico, ao

fazer uso do bem público municipal para a implantação de suas redes, sob a perspectiva do

Município, figura como empresa privada, portanto, no entendimento desse ente político,

sujeita ao dever de remunerá-lo pelo uso do solo. Sob esse prisma, o capítulo anterior

apreciou a possibilidade de cobrança de taxa e esse capítulo aborda a possibilidade de

cobrança de preço.

Mencione-se que relação jurídica distinta é aquela que existente entre o tomador

do serviço público e a concessionária que o presta em nome do Estado. Nessa relação, a

concessionária, ainda que empresa privada, está agindo sob regime de direito público,

remunerando-se mediante tarifa, conforme esclarecimentos anteriores acerca do tema (itens

2.2 e 2.4).

É importante ter em mente as diferenças dessas relações jurídicas ao se tratar dos

conceitos de taxa e preço no presente capítulo.

4.2. Impactos da Constituição Federal de 1946

É comum encontrar, na legislação, doutrina e jurisprudência, o emprego das

expressões taxa, preço ou mesmo preço público sem ponderar os critérios jurídicos de

distinção desses institutos, em geral versando sobre a contraprestação paga pelo administrado

em razão do desempenho de atividades atribuídas ao Estado, ainda que sua prestação tenha

sido delegada.

Essa imprecisão linguística decorre, em algum grau, do tratamento dado ao tema

pela Constituição Federal de 1946, e de seus impactos nas manifestações posteriores.

O art. 30 da Carta de 1946273 viabilizava a cobrança não só de contribuição de

melhoria e de taxas pelos entes políticos, bem como o seu inciso III previa a possibilidade de

273 “Art. 30 - Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar: I - contribuição de

melhoria, quando se verificar valorização do imóvel, em conseqüência de obras públicas; II - taxas; III -

Page 127: Maria Eugenia Doin Vieira

127

instituir quaisquer outras rendas em razão do exercício de suas atribuições ou da utilização de

seus bens. Como aclarou GILBERTO ULHÔA CANTO274:

“As  dúvidas  foram  suscitadas  a  respeito  da  verdadeira  natureza  das 

prestações referidas no inciso III do artigo 30, que alguns autores entendiam como 

sendo  abrangente  de  outras  prestações  compulsórias  de  índole  tributária 

(precursores  do  que  viriam  a  ser  as  contribuições  parafiscais  e  sociais)  a  final 

foram afastadas, com a admissão de que em verdade esse inciso não fazia parte das 

disposições relativas a tributos, sendo mera regra permissiva de arrecadação pelos 

entes públicos de todos os níveis, de receitas originária, ou industrial.” 

Desenquadrada como espécie tributária, a cobrança com lastro no citado art. 30,

inciso III, da CF/46 passou a ser tratada pela doutrina275 preço público, ensejando debates

acerca das hipóteses em que poderia ser exigida, bem como acerca da possibilidade de o

legislador optar livremente entre a instituição de taxa ou preço, buscando fundamento nos

incisos deste dispositivo constitucional. Como assenta GERALDO ATALIBA276:

“Esse  sistema  não  só  confundia  taxa  com  preço,  autorizando  todo  o 

baralhamento conceitual, como dava liberdade ao legislador ordinário para fixar o 

regime remuneratório que desejasse, às atividades públicas, quaisquer que fossem. 

(...) 

Nesse  clima,  não  tinha  importância  distinguir  taxa  de  preço.  Livre  o 

legislador, a doutrina refletia, sem estranheza, tal liberdade, do mesmo modo que a 

jurisprudência. Podiam nossos doutrinadores negligenciar o  tema,  como  fizeram, 

dando­lhe realce secundário e reproduzindo a literatura italiana, alemã etc.”  

quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atribuições e da utilização de seus bens e

serviços.”

274 CANTO, Gilberto Ulhôa. Taxa e Preço Público. Caderno de Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço

público, São Paulo: Resenha Tributária, 1985, p. 92.

275 Ilustrando a controvérsia instaurada e a posição de renomados doutrinadores, foi editado o Caderno de

Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço público. São Paulo: Resenha Tributária, 1985. Nessa obra,

doutrinadores foram chamados para responder a quatro questões, merecendo destaque a primeira delas: “Em

nosso ordenamento positivo, há critérios jurídicos para distinguir as taxas dos preços públicos? Em caso

afirmativo, qual?”

276 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 163.

Page 128: Maria Eugenia Doin Vieira

128

Posteriormente, o dispositivo constitucional em questão foi alterado, passando a

vigorar com redação compatível com aquela encontrada no art. 145 da Constituição Federal

de 1988277, que menciona impostos, taxas e contribuição de melhoria em seus incisos. Ou

seja, com a supressão da permissão de cobrança de quaisquer outras rendas pelos entes

políticos, mantidas apenas as espécies tributárias referidas.

Ante a cristalina alteração constitucional, assumiu relevância o estudo das taxas,

com a fixação de seu conceito e dos critérios jurídicos a serem respeitados pelo legislador,

desenvolvendo-se a doutrina nos termos apresentados no capítulo precedente.

Ao vislumbrar remuneração a ser paga pelas concessionárias pelo uso do solo em

razão da implantação de suas redes, o legislador municipal, identificando que essa cobrança

não se enquadra como taxa, nem se compatibiliza com outra das espécies tributárias

contempladas no Texto Constitucional, entendeu ser possível impô-la sob a alcunha de preço

público.

4.3. Críticas acerca da Expressão Preço Público

Embora diversas leis municipais e precedentes judiciais façam menção à cobrança

de preço público, essa expressão deve ser sopesada, para que não seja indevidamente

empregada. Assim, em breve digressão para criticar a expressão preço público, será abordada

a contradição de seu conceito para, em seguida descartar seu uso no presente estudo.

Objeto da celeuma histórica acima referida, a expressão preço público era

utilizada em atenção à hipótese prevista no art. 30, III, da CF/46, sendo definida como

“denominação da remuneração paga ao Poder Público quando ele presta um serviço ou

vende um bem em regime jurídico de direito privado”, conforme HAMILTON DIAS DE

SOUZA e MARCO AURÉLIO GRECO278.

277 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I -

impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de

serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III -

contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”

278 Souza, Hamilton dias de. GRECO. Marco Aurélio. Distinção entre Taxa e Preço Público. Caderno de

Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço público. São Paulo: Resenha Tributária, 1985, p. 126.

Page 129: Maria Eugenia Doin Vieira

129

Embora amplamente difundido, a impropriedade do termo trouxe resistência em

relação a seu emprego, que também fora remarcada pelos referidos Autores, conforme citação

que norteou o entendimento da obra de GERALDO ATALIBA279:

“É  lapidar  e  conclusivo Marco Aurélio Greco  – que dá  significativo passo 

adiante,  no  caminho  árduo,  em meio  do  qual  se  extraviaram  tantos  autores  ao 

lecionar: (...) 

‘Em outras palavras, em nosso modo de ver, afirmar que um serviço público 

está  sendo  remunerado  por  preço  é  contradição  nos  termos.  Pois,  uma 

determinada  atuação  ou  se  submete  a  regime  de  direito  público 

(configurando  “serviço  público”),  e  por  consequência  não  dará  origem  a 

relações  de  direito  privado  (preço),  ou  se  submete  a  regime  de  direito 

privado,  dando  origem  a  preço, mas  –  nesta  hipótese  –  não  será  serviço 

público  (do  ponto  de  vista  estritamente  formal,  podendo  sê­lo  do 

substancial), porque este se caracteriza pelo regime público, derrogador do 

privado.’ ” 

Tão grave a contradição em termos encerrada na expressão preço público que

GERALDO ATALIBA não a emprega em sua obra, fazendo referência apenas a taxas e

preços. É importante consignar que o Autor trata de taxas e preços para manifestar seu

entendimento sobre a remuneração paga pelo particular em razão de atividades

desempenhadas pelo Estado. A relação ora analisada é entre a concessionária e o Município.

A impropriedade do termo preço público encontrou acolhida também perante os

administrativistas, conforme se verifica na obra de MARÇAL JUSTEN FILHO280, que

sustenta haver “impossibilidade de aludir a um preço público, porque preço é instituto

relacionado à contratação privada. A expressão preço público caracteriza uma contradição

em termos, na acepção de que a condição de preço excluiria a natureza de público e vice-

versa.”

279 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 167.

280 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p.

344.

Page 130: Maria Eugenia Doin Vieira

130

Acolhendo-se a crítica doutrinária acima referida, considera-se equivocada a

expressão preço público, a qual não deve ser empregada, a despeito de sua menção atécnica

pelo legislador municipal, que, na verdade, pretende a cobrança de preço pelo uso do solo.

Aclare-se, ainda que a expressão preço público repudiada é empregada por alguns

doutrinadores, conforme refletem excertos transcritos de suas obras. A compreensão dessa

doutrina em nada se prejudica pela crítica ora apresentada e acolhida, sujeitando-se à

definição de preço a seguir abordada.

Com isso, cumpre analisar a possibilidade da cobrança de preço da concessionária

de serviço público em razão da rede implantada nos espaços públicos municipais.

4.4. Noções de Preço

De acordo com o art. 173 da Constituição Federal281, salvo os casos já

constitucionalmente previstos, o Estado poderá explorar diretamente a atividade econômica,

por imperativo de segurança nacional, ou, mais usualmente, quando relevante ao interesse

coletivo. Destarte, em caráter excepcional, a Constituição Federal concebe que o Estado

exerça atividades econômicas, as quais são livremente exercidas pelos administrados nos

termos do art. 170 da CF/88282.

Caso explore excepcionalmente a atividade econômica, seja mediante a prestação

de serviço, seja em razão da exploração dos bens públicos, o Estado faz jus à remuneração

denominada preço, em alusão ao termo aplicado nas relações particulares.

Como enfatiza CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO283, os serviços

acima referidos não se confundem com serviços públicos, pois, em lugar de atividades

281 “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica

pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

282 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)”

283 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

693.

Page 131: Maria Eugenia Doin Vieira

131

públicas, são atividades atribuídas aos particulares, mas que apenas excepcionalmente podem

ser exercidas pelo Estado, atuando em regime de direito privado.

Na mesma linha, ANNA EMÍLIA CORDELLI ALVES284 aduz que “o preço

público pode ser cobrado pelo Estado em duas hipóteses: (a) para remunerar aqueles

serviços que não são públicos, serviços que, na verdade, ele presta na condição de um mero

particular; (b) pela utilização dos bens públicos.”

Nem poderia ser diferente, pois, como referido em capítulo anterior, caso se

tratasse de serviço público prestado pelo Estado, a remuneração deveria se dar por meio de

taxa, de acordo com a imposição constitucional, tratando-se da hipótese prevista no art. 145,

II, da CF/88285.

Conforme GERALDO ATALIBA286: “Se se tratar de atividade pública (art. 175)

o correspectivo será taxa (art. 145, II); se se tratar de exploração de atividade econômica

(art. 173) a remuneração far-se-á por preço.”

Mencione-se a lição de ESTEVÃO HORVATH287, ressalvando, desde logo, que a

interpretação do excerto em nada se altera em razão de o Autor empregar a repudiada

expressão preço público para se referir àquilo que nesse estudo é tratado como preço:

“Para nós, preço público nada mais é que preço, na acepção de elemento 

componente de qualquer contrato. O qualificativo “público” decorre de ser o preço 

aquele  cobrado  pelo  Estado  ou  por  interposta  pessoa,  devendo  ser  utilizado 

unicamente para  remunerar atividades  comerciais ou  industriais,  toda vez que o 

284 ALVES, Anna Emília Cordelli. Taxa, Tarifa, Preço Público e Pedágio: Distinções. Revista de Direito

Tributário n° 107/108, p. 259.

285 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:(...)

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços

públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;(...)”

286 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000. 6º ed., p. 170.

287 HORVATH, Estevão. Tarifa de transporte coletivo urbano, competência do Município. Natureza jurídica de

taxa. Limites ao seu ‘quantum’, Competência do Estado-membro para proteção ao consumidor. Ação Civil

Pública. Revista de Direito Tributário n° 65, p. 152/153.

Page 132: Maria Eugenia Doin Vieira

132

Estado intervier no domínio econômico, valendo­se da autorização da competência 

outorgada pela Constituição da República (art. 173). 

A  Lei Maior,  ao  organizar  o  Estado,  separou  claramente  dois  tipos  de 

atividade: de um  lado, os  serviços públicos; de outro, a atividade econômica. Os 

primeiros,  afora  certas  hipóteses  sobre  as  quais  descabe  aqui  dissertar  )v.g. 

educação e  saúde)  são – e devem  ser – exercidos pelo Estado, ou por quem  lhes 

faca  as  vezes.  A  segunda  compete,  preferencialmente,  aos  particulares,  sendo 

desenvolvida sob regime de direito privado.  

Todo  este  escorço preliminar não  teve por objetivo outra  coisa que não 

estabelecer a distinção entre taxa e preço público e suas consequências jurídicas.” 

Assim, a exploração da atividade econômica pelo Estado viabiliza a cobrança de

preço, justamente pelo fato de se tratar de relação concretizada sob a égide do regime de

direito privado, em lugar do regime de direito público que normalmente caracteriza a relação

do Estado com os administrados.

Diante dessa peculiaridade, constate-se que o preço, além de considerar os gastos

envolvidos na atividade que enseja sua cobrança, costuma contemplar margem de lucro

almejada no regime de direito privado. O lucro é um fator peculiar, que normalmente não é

motivador da atuação estatal, mas que se admite no caso de exercício excepcional da atividade

econômica.

O regime de direito privado aplicado na exploração da atividade econômica pelo

Estado altera sua interface com os particulares, equiparando-os em relação contratual. Assim,

a relação jurídica entre o Estado e o particular é regida pelo pactuado entre as partes. O preço

será a contraprestação devida em razão do pactuado, conforme desenvolve ROQUE

ANTONIO CARRAZZA288:

“Noutras palavras, o preço deriva de um  contrato  firmado num  clima de 

liberdade,  pelas  partes,  como  fito  de  criarem  direitos  e  deveres  recíprocos. 

Sobremais,  as  cláusulas  desta  obrigação  convencional  não  podem  ser  alteradas 

unilateralmente por qualquer dos contraentes, que devem observar, com fidelidade, 

o que pactuaram. Destarte, as prestações de cada uma das partes equivalem­se em 

encargos e vantagens, sendo umas causas e efeito das outras. (...) 

288 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

547/549.

Page 133: Maria Eugenia Doin Vieira

133

Depois, o serviço público é bem indisponível. O estado não dispõe do serviço 

público:  presta­o,  nos  termos  da  lei,  para  atender,  conforme  determina  a 

Constituição, ao  interesse público. É, pois, res extra commercium, e nesta medida, 

insuscetível de negociação. Claro  está, pois, que não pode  ensejar a  cobrança de 

preço,  que,  além  de  pressupor  igualdade  das  partes  contratantes,  exige 

disponibilidade do objeto do negócio. 

De fato, o preço é a contrapartida de uma prestação contratual voluntária. 

Serve, no nosso caso, para remunerar a venda ou a locação de coisas pertencentes 

ao patrimônio público.” 

Nesse excerto, o Autor não só ressalta ser o preço decorrente de obrigação

contratual, como utiliza essa característica como razão adicional para afastar a possibilidade

de sua exigência em contraprestação ao serviço público (remunerado por taxa).

Conforme GERALDO ATALIBA289, “preço é a contraprestação de uma

prestação contratual, livremente pactuada, em regime de igualdade entre as partes, sob o

império do direito privado.” 290

Por fim, mencione-se que, LUÍZ EDUARDO SCHOUERI291, adepto a

apontamentos decorrentes do direito financeiro, aclara que o preço (por ele denominado preço

público) se caracteriza como receita pública originária, pois gerada pela atividade estatal

como agente econômico. Com isso, traça sua distinção em relação aos tributos, que qualifica

como receitas derivadas, pois “implicam transferência ao Estado de riqueza gerada pelo

particular”. Ou seja, entende que tributo “não se trata de riqueza social nova do Estado; esta

nada produziu nem tampouco seu patrimônio foi empregado.”

Dessa forma, o preço se presta para remunerar a atividade estatal decorrente do

excepcional desempenho de atividade econômica, sob o regime de direito privado, com

possibilidade de lucro, prevalecendo o pactuado entre as partes em clima de igualdade.

289 ATALIBA, Geraldo. SABESP – Serviço Público – Delegação a empresa estatal – Imunidade a impostos –

Regime de Taxas. São Paulo: RT, 1989, p. 89.

290 Ressalte-se que o Autor trata tarifa como sinônimo de preço. Sua definição de tarifa, portanto, é distinta

daquela proposta neste estudo, a qual a define como a remuneração das empresas concessionárias de serviços

públicos. Porém, essa divergência em nada afeta a compreensão do conceito de preço.

291 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 119 e ss. e 128.

Page 134: Maria Eugenia Doin Vieira

134

Feitos esses esclarecimentos, cabe retomar a análise da cobrança pelo uso do solo,

como tema central do presente estudo, para avaliar se a mesma se caracteriza como preço.

4.5. Descaracterização da Cobrança pelo Uso do Solo como Preço

O acima exposto permite concluir que preço se destina a remunerar o excepcional

exercício de atividade econômica pelo Estado, mediante a prestação de serviço ou exploração

dos bens públicos, a qual é admitida pela Constituição Federal apenas quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173 da CF/88).

Nessas hipóteses constitucionais, o Estado pode, mesmo em exploração econômica do bem

público, receber preço.

O que se passa a analisar é se ao manter suas redes de infraestrutura implantada

no solo municipal a concessionária deve arcar com preço imposto pelo Município,

entendendo-se que este ente político está legitimamente exercendo excepcional atividade

econômica de exploração dos bens públicos.

Sobre o tema, remarca ALESSANDRO MENDES CARDOSO292 que “a renda

resultante da cobrança pela utilização privativa enquadra-se não como receita derivada

(decorrente da manifestação do ius imperium do Estado), mas como receita originária

(resultante da exploração do patrimônio público).”

a. Relevante Interesse Coletivo

A análise do dispositivo constitucional que viabiliza a exploração da atividade

econômica pelo Estado é suficiente para evidenciar a impossibilidade da cobrança de preço

pelos Municípios como contraprestação pelo uso do solo pelas concessionárias de serviço

público. Isso, pois, nessa situação não resta caracterizada nenhuma das hipóteses autorizadas

constitucionalmente como aptas a justificar o excepcional desempenho de atividade

econômica pelo Município: não se trata de imperativo de segurança nacional, tampouco de

hipótese de relevante interesse coletivo.

292 CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a Exploração Econômica

de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 115, p. 20.

Page 135: Maria Eugenia Doin Vieira

135

Contrapondo-se às limitações do dispositivo constitucional, a cobrança de preço

pelo uso do solo em face das empresas concessionárias de serviços públicos, por certo não

decorre de imperativo de segurança nacional. Ademais, em lugar de privilegiar o interesse

coletivo, o qual impregna a prestação dos serviços públicos, mostra-se contrária a esses

interesses. Conforme MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO293:

“Se é válido que o Poder Público institua remuneração para os particulares 

que sejam beneficiados com o uso privativo de bem público e, portanto, usufruam 

0de benefício maior que os auferidos pelos demais cidadãos, o mesmo não ocorre 

quando  a  utilização  do  bem  público  é  feita  para  fins  de  interesse  de  toda  a 

coletividade, como ocorre com os serviços públicos de saneamento, energia elétrica, 

fornecimento de gás etc.” 

Restou evidenciado que o serviço público é atividade de interesse coletivo, e,

exatamente por isso, imposta constitucionalmente ao Estado, que a exerce, direta ou

indiretamente. Com efeito, o bem público, quando empregado na prestação desse serviço

público, está atendendo ao interesse coletivo e aos objetivos primordiais do Estado.

É incoerente admitir que o Município exija preço pelo uso do bem público nesse

contexto, ou seja, que excepcionalmente desenvolva atividade econômica, sobre regime de

direito privado, com intuito de lucrar explorando bens destinado à prestação de serviços

públicos.

Infere-se que, por sua própria natureza, os bens de públicos devem proporcionar o

máximo de benefícios à coletividade, em tantas modalidades quantas compatíveis com sua

destinação e preservação. Dentre esses benefícios, há de se destacar a prestação e viabilização

de serviços públicos, ainda que sua titularidade tenha sido constitucionalmente atribuída a

outro ente político, que a delega à execução de terceiros.

Mais que isso. Conforme classificação dos bens públicos por sua destinação

anteriormente apresentada (item 2.6), resta evidenciado que os bens de uso comum e os bens

de uso especial, por estarem afetados a interesse público, são bens indisponíveis, e, portanto,

293 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia Walquiria Batista

dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 360.

Page 136: Maria Eugenia Doin Vieira

136

insuscetíveis à exploração econômica. Somente os bens dominicais admitiriam tal cobrança,

“por estarem destinado a serem vendidos, permutados ou explorados economicamente pelas

autoridades fiscais, no interesse da administração, é que são declarados disponíveis”, como

aponta RUY CIRNE LIMA294 295.

Com efeito, a cobrança de preço, nesse caso, não encontra respaldo

constitucional, distanciando-se das hipóteses do art. 173 da CF/88.

b. Compulsoriedade do Uso do Bem Público

O uso do bem público municipal é imprescindível para que o serviço público seja

prestado de forma universal, tornando-se acessível a todos os administrados inclusive em

locais públicos. Com efeito, as utilidades prestadas pelas concessionárias de serviços

públicos, além de atingirem os particulares interessados, devem ser disponibilizadas em áreas

públicas, o que, por si só, já torna imprescindível a manutenção das redes ali implantadas.

A título ilustrativo, mencione-se a iluminação das ruas (serviço público uti

universi), que demanda o cabeamento elétrico, aéreo ou subterrâneo, por toda sua extensão;

ou mesmo os orelhões de telefonia fixa instalados em praças públicas, que são conectados à

rede telefônica, o que lhes assegura o funcionamento e conexão com os demais telefones

instalados em locais públicos ou particulares, viabilizando a prestação do serviço. Esses

exemplos evidenciam a compulsoriedade do uso do bem público para a implantação de redes

das concessionárias.

Considerando que, nos moldes atuais, o serviço público depende do uso do bem

municipal para ser prestado, acolher que o Município faça jus a preço por tal ocupação, o qual

não decorre de contraprestação de nenhuma de suas atividades próprias, mas de excepcional

exercício da atividade econômica, significa entender que caberia ao Município, a seu talante,

admitir ou obstar o uso do bem público pela concessionária.

Entretanto, como o bem público se presta a instrumentalizar o serviço público,

não compete ao Município obstar seu uso e, por consequência, inviabilizar referido serviço,

294 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 74.

295 Aclare-se que, por opção terminológica, referidos bens são denominados bens do patrimônio fiscal na obra de

Ruy Cirne Lima, fazendo referência expressa à classificação por destinação do Código Civil de 1916, a qual foi

reproduzida no Código Civil atual.

Page 137: Maria Eugenia Doin Vieira

137

sob pena de embaraçar o exercício em atividade constitucionalmente atribuída à União e aos

Estados, contrapondo-se à autonomia assegurada aos entes políticos.

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO296 apresenta o tema com propriedade:

“No uso de bens públicos por concessionárias para a execução dos serviços 

públicos,  não  há  contraposição  entre  interesse  privado  e  interesse  público, mas 

entre dois interesses públicos. E esses interesses nem sempre se colocam no mesmo 

nível, já que algumas concessionárias, como a de energia elétrica, exercem serviço 

de  competência  da União  e,  portanto,  de  interesse  nacional,  não  podendo  ceder 

diante de interesses locais.  

Desse modo, a menos que haja descumprimento de exigência legal expressa 

ou  de motivo  de  interesse  público  devidamente  demonstrado,  não  há  como  uma 

concessionária  de  rodovia  ou  um  Município  negar  o  uso  de  bem  público  pelas 

concessionárias  de  energia  elétrica  (ou  de  outros  serviços  públicos).  Por  isso 

mesmo, o ato de outorga, ainda que chamado de autorização,  tem a natureza do 

ato vinculado pelo qual a Administração reconhece o direito à utilização do bem 

público, desde que preenchidos os requisitos legais e regulamentares.” 

Portanto, cabe ao Município, em atenção aos interesses coletivos e exercendo a

competência que lhe outorga o art. 30 da CF/88, regrar e fiscalizar o uso do bem público

necessário à consecução dos serviços públicos. Porém, inexiste discricionariedade para que

admita ou não o uso do solo municipal, devendo viabilizar a prestação do serviço público.

c. Ausência de Vontade Contratual e Preço como Obrigação Legal

Ainda em decorrência da compulsoriedade do uso do bem público, é de se ter

claro que tampouco pode a concessionária de serviço público optar por não utilizar os bens

públicos municipais, caso não concorde com o preço pretendido pelo Município.

Inexiste autonomia para a concessionária decidir que deixará de disponibilizar

seus serviços em determinado Município que exija preço exorbitante pelo uso do solo. O que

pode acontecer, com o desenvolvimento tecnológico e científico, é que esse uso deixe de ser

296 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.

286.

Page 138: Maria Eugenia Doin Vieira

138

necessário, hipótese em que não mais restaria caracterizada a compulsoriedade do uso do bem

público.

Porém, no cenário atual, a concessionária, em nome do poder concedente, deve

disponibilizar o serviço público que desempenha em toda a área que lhe foi concedida,

respeitando o contrato de concessão. Sob esse prisma, tampouco o preço seria exigível, pois

inexiste, por parte da concessionária, possibilidade de livre pactuação com o Município, sendo

impulsionada pelo dever assumido. Em análise do caso das concessionárias de serviço

público, também conclui nessa linha ALESSANDRO MENDES CARDOSO297:

“(...)  é  o  próprio  contrato  de  concessão  que  lhes  impõe  o  poder­dever  de 

prestar o  serviço público  concedido. Nesse  sentido,  fica prejudicado o  caráter de 

voluntariedade  que  marca  a  cobrança  de  preço  público,  haja  vista  que  a 

concessionária  está  obrigada,  por  contrato  administrativo  firmado  com  o  poder 

concedente, a restar o serviço utilizando­se dos bens públicos  indispensáveis para 

tanto.  

Exatamente por este motivo é atribuído tanto ao pode concedente quanto 

às próprias concessionárias o poder­dever de usar o domínio público necessário à 

execução de serviço, bem como promover desapropriações e constituir servidões de 

áreas declaradas de utilidade pública pelo poder concedente.” 

Além de a falta de voluntariedade da concessionária, há de se considerar como

fator adicional a obstar a cobrança de preço sua imposição legal.

Tratando-se de contraprestação imposta por lei, unilateralmente, sem a

participação ou negociação da concessionária, é certo que a cobrança se distancia

completamente do instituto do preço acima delineado, inexistindo, no caso, obrigação

contratual entre a concessionária e o Município que tenha sido pactuada sob regime de direito

privado298.

297 CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a Exploração Econômica

de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 115, p. 20.

298 A concessionária firmou contrato de concessão com o Poder Concedente, e, na época, não considerou a

cobrança de preço pelo uso do solo. Os impactos dessa oneração no contrato de concessão serão abordados em

seguida. O que ora se evidencia é a inexistência de obrigação contratual com o Município e a impossibilidade de

imposição legal de preço.

Page 139: Maria Eugenia Doin Vieira

139

Ilustrativamente, mencione-se a Lei Municipal de São Paulo n° 14.054/05, já

referida nos esclarecimentos preliminares desse capítulo, que foi editada com escopo de

autorizar o “Poder Executivo Municipal a fixar e cobrar preço público pela ocupação do

espaço de solo em áreas públicas municipais pelo sistema de posteamento de rede de energia

elétrica e de iluminação pública.”

Nos termos dessa lei, a concessionária pode manter sua rede de infraestrutura

implantada, assegurando a disponibilidade do serviço que lhe foi concedido, desde que arque

com o preço imposto. Discordando da lei, em tese, deveria desocupar o espaço de solo em

áreas públicas municipais, deixando os munícipes sem iluminação pública299. É patente a

inexistência de autonomia da vontade,

Destarte, há de se reconhecer que a cobrança pelo uso do solo, embasada em

imposição unilateral dos Municípios, sem qualquer liberdade da empresa concessionária, que

necessita de tais bens para prestar os serviços nos moldes em que concedidos em muito se

distancia da noção de preço, o qual se caracteriza como contraprestação contratual voluntária,

conforme acima abordado.

d. Afronta aos Princípios Aplicáveis à Prestação do Serviço Público

Embora a cobrança de preço pelo uso do solo ora analisada envolva relação

jurídica entre o Município e a concessionária, essa cobrança traz impactos em outra relação

jurídica, qual seja, aquela existente entre a concessionária e o tomador de seus serviços, a qual

é remunerada mediante tarifa, conforme premissas anteriormente fixadas (item 2.4).

Em decorrência dos princípios da supremacia do interesse público e da

universalidade, aplica-se à prestação do serviço público concedido o princípio da modicidade

das tarifas, segundo o qual a contrapartida exigida pela concessionária deve ser razoável,

299 Nesse sentido, mencione-se que a Lei Municipal de São Vicente n° 357/01, cuja íntegra está no anexo de

jurisprudência municipal, prevê que a pena de perdimento dos equipamentos instalados em descumprimento à

norma, ou seja, que deixem de pagar o preço exigido, sem qualquer preocupação em obstar a prestação de

serviço público ao dispor: “Art. 15 – Serão considerados dispostos clandestinamente os equipamentos

implantados em desconformidade com o estabelecido nesta Lei Complementar, bem como aqueles não

informados pelas concessionárias. § 1.º - As entidades de direito público ou privado estarão sujeitas à perda dos

equipamentos implantados clandestinamente, por decisão do Secretário de Obras e Meio Ambiente, ouvidos,

previamente, os órgãos técnicos da Pasta e assegurado o direito de recurso.”

Page 140: Maria Eugenia Doin Vieira

140

permitindo que os interessados possam desfrutá-lo, ao passo que assegura a concessionária a

justa remuneração do capital.

Não é por outro motivo que os contratos de concessão tratam detalhadamente das

tarifas, prevendo a margem de lucro a ser auferida pela concessionária. Ainda, com lastro no

inciso XXI do art. 37 da CF/88300, os contratos de concessão preveem mecanismos de revisão

das tarifas quando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato for alterado, seja em

decorrência de ato estatal, da oscilação de fatores de mercado ou mesmo de fatos

imprevisíveis.

Nesse sentido, a oneração da concessionária em razão da cobrança de preço pelo

uso do solo representa alteração das condições originais da proposta, já que, antes da

delegação dos serviços públicos às empresas privadas, a maior parte da rede de infraestrutura

necessária ao seu desempenho já estava implantada, porém não se cogitava a cobrança de

qualquer valor pelo uso do solo.

Destarte, caracterizada alteração no equilíbrio econômico-financeiro inicialmente

pactuado, o contrato de concessão prevê que tal custo seja repassado nas tarifas praticadas,

elevando-as a fim de manter a margem de lucro assegurada à concessionária. Como aponta

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO301:

“Embora,  aparentemente,  seja  a  concessionária  (empresa  privada)  quem 

paga pela utilização, na realidade esse ônus acaba por recaris sobre o usuário dos 

300 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão

contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os

concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da

proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica

indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações; (...)”

301 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia Walquiria Batista

dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 360.

Page 141: Maria Eugenia Doin Vieira

141

serviços públicos supra referidos. É evidente que esses valores estarão embutidos no 

valor das tarifas de água, luz, gás e telefone.” 

Tecidas essas considerações, evidencia-se que a cobrança de preço pelo uso do

solo municipal, além de contrária à vocação natural dos bens públicos, atenta contra o

interesse coletivo ao impor, em última análise, oneração ao tomadores do serviço público.

Afronta, portanto, ao princípio da modicidade das tarifas, e, consequentemente aos princípios

da supremacia do interesse público e da universalidade dos serviços públicos.

e. Reversibilidade dos Bens Públicos empregados na Prestação do Serviço

Público

Acresça-se que, por serem imprescindíveis à consecução do serviço público, as

redes de infraestruturas afetadas são bens reversíveis, retornando ao patrimônio público após

o encerramento da concessão. Com isso, privilegia-se os princípios da continuidade e da

modicidade de tarifas, evitando a necessidade de interrupção do serviço para nova

implantação de rede, bem como os gastos correlatos.

A menção à reversibilidade da infraestrutura necessária à prestação do serviço

público é interessante, nesse ponto, pois enfatiza que esses bens são, em última análise, do

poder concedente, apenas provisoriamente atribuídos à empresa concessionária de serviço

público, razão adicional para afastar a cobrança de preço pelo Município.

É pertinente lembrar, nesse ponto, que se os bens necessários à prestação dos

serviços públicos fossem de propriedade particular, isto é, caso fosse imprescindível a

passagem de rede de infraestrutura por terreno de propriedade particular, seria o caso de

desapropriação ou, mais apropriado ao caso em razão do uso levado a termo, a instituição de

servidão administrativa, conforme previsão expressa do arts. 29, IX e 31, VI, da Lei n°

8.987/95302. Aclare-se o instituto da servidão administrativa com lastro na obra de CELSO

ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO303:

302 “Art. 29. Incumbe ao poder concedente: (...)

IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens

necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes

à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; (...)

Art. 31. Incumbe à concessionária: (...) VI - promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas

pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; (...)”

Page 142: Maria Eugenia Doin Vieira

142

“Servidão  administrativa  é  o  direito  real  que  sujeita  um  bem  a  suportar 

uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do 

proprietário  quanto  ao  seu  uso  ou  gozo.  (...)  São  exemplos  de  servidão 

administrativa: a passagem de fios elétricos sobre imóveis particulares, a passagem 

de aquedutos ou trânsito sobre bens privados etc.” 

Ocorre que, conforme se verifica da doutrina acima, de acordo com sua definição

tradicional, o instituto da servidão administrativa afeta os bens particulares, e não os bens

públicos. É nessa mesma linha o tratamento dado ao tema na obra de RUY CIRNE LIMA304

para que os bens públicos “não toleram o gravame das servidões”.

Entretanto, mencione-se que há doutrinadores que cogitam a imposição de

servidão administrativa sob bem público, quando destinado à prestação do serviço público. É

o caso de PAULO ALBERTO PASQUALINI305 em atualização da obra de RUY CIRNE

LIMA:

“A  fim  de  que  se  verifique  a  existência  de  uma  servidão  administrativa, 

incidindo  sobre  bem  do  domínio  público  ou  do  patrimônio  administrativo,  é 

necessário que o serviço público, havido como res dominans e a coisa tida como res 

serviens pertençam a pessoa de direito público distintas. (...)  

Assim, porque inseparável do serviço público, a servidão administrativa de 

passagem  de  fios  telefônicos  ficará  extinta  se  o  serviço  público  de  telefones  for 

substituído em sua  forma original e passar a utilizar­se da radiocomunicação. Os 

fios  existentes  não  poderão  ser  mantidos  e  utilizados  para  serviço  diverso.  Do 

mesmo  modo,  a  servidão  administrativa,  porque  tem  conteúdo  limitado,  deve 

restringir­se às necessidades do serviço público, em favor do qual foi constituída.” 

Para o Autor, dissociando-se da doutrina majoritária, o instituto da servidão

também seria aplicável aos bens públicos de pessoas de direito público distintas,

especialmente no caso de necessidade do uso desses bens para a prestação de serviços

303 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

913/914.

304 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 195.

305 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. Atualização por Paulo Alberto Pasqualini. São

Paulo: Malheiros, 2007, p. 522 e 526.

Page 143: Maria Eugenia Doin Vieira

143

públicos. O fundamento da servidão, em qualquer caso, é dar ao bem destinação de utilidade

pública.

Ainda que se distancie do escopo deste estudo exaurir as peculiaridades da

servidão e de sua adequação ao caso em comento, aclare-se que sua breve menção, nesse

ponto, reforça a incoerência da pretensão municipal de cobrar preço pelo uso do solo

necessário à prestação de serviço público, ante o elevado grau de afetação do bem público.

Foi nessa linha o voto do Ex-Ministro Eros Grau ao julgar o já referido Recurso

Extraordinário n° 581.947, por meio do qual se apreciou a cobrança pelo uso do solo imposta

pelo Município de Ji-paraná:

“A  recorrida,  concessionária  da  prestação  de  serviço  público,  faz  uso 

fundamentalmente, a fim de que possa prestá­lo, do espaço sobre o solo de faixas de 

domínio  público  de  vias  públicas,  no  qual  instala  equipamentos  necessários  à 

prestação de serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica. (...) 

O  fato  é  que,  ainda  que  os  bens  de  domínio  público  e  do  patrimônio 

administrativo não tolerem o gravame das servidões, sujeitam­se, na situação a que 

respeitam os autos, aos efeitos da  restrição decorrente da  instalação, no  solo, de 

equipamentos  necessários  à  prestação  de  serviços  públicos.  Por  certo  que  não 

conduzindo, a imposição dessa restrição à extinção de direito, não acarreta o dever 

de  indenizar,  salvo  disposição  legal  expressa  em  contrário,  no  caso,  contudo 

inexistente.” 

Mesmo que não se entenda ser a servidão aplicável aos bens públicos, na linha do

entendimento esposado pelo Ex-Ministro, a destinação pública do bem é suficiente para

solucionar a celeuma, impondo os efeitos da restrição decorrente da ocupação desse bem com

as redes de infraestrutura necessárias à prestação do serviço público.

Bastante interessante, nesse ponto, mencionar a lição de MARIA SYLVIA

ZANELLA DI PIETRO306:

306 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia Walquiria Batista

dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 359/360.

Page 144: Maria Eugenia Doin Vieira

144

“Quando  o  Poder  Público,  para  a  prestação  daqueles  mesmos  serviços, 

precisa utilizar a propriedade privada, não obtendo o consentimento do particular, 

pode  instituir servidão administrativa, em caráter compulsório. Trata­se, no caso, 

de um direito  real de natureza pública, que vai  incidir  sobre a propriedade para 

beneficiar  o  interesse  público.  Porém,  quando  a  utilização  recai  sobre  um  bem 

público,  a  instituição  de  servidão  administrativa  não  se  faz  necessária, 

precisamente porque a destinação pública é  inerente à própria natureza do bem. 

Na  obra  citada,  p.  2,  realçamos  que  ‘existe  determinados  bens  que  comportam 

inúmeras  formas  de  utilização,  conjugando­se  o  uso  comum  do  povo  com  usos 

privativos exercidos por particulares para diferentes finalidades’. (...) 

Acrescentamos que  ‘cabe ao Pode Público conciliar as múltiplas formas de 

uso, compatibilizando­as com o fim principal a que o bem está afetado. O interesse 

público constitui a baliza que orienta suas decisões(...)’.” 

Para a Autora, a servidão sequer seria necessária, prevalecendo, no caso, a

destinação pública que é inerente à própria natureza do em público. Nesse sentido, retoma que

cabe ao gestor do bem público disciplinar seu uso da melhor forma possível, assegurado que

se prestara para proporcionar o máximo de benefício à coletividade.

Com efeito, não deve haver cobrança de preço pelo uso do bem público destinado

à prestação do serviço público, pois, ainda que envolvidos entes políticos distintos, prevalece

o interesse público das relações, sendo a destinação dada a esse bem inerente à sua vocação

natural.

Por todo o acima exposto, resta evidenciado que a cobrança de preço pelo uso do

solo por concessionária, atividade regida por princípios de supremacia do interesse público,

modicidade das tarifas e equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, não

encontra respaldo em nosso Sistema Jurídico.

Page 145: Maria Eugenia Doin Vieira

145

CONCLUSÕES

De acordo com o tema proposto, o estudo teve como escopo avaliar a cobrança

pelo uso do solo, consistente na pretensão do Município de ser remunerado pela manutenção,

no solo, subsolo e espaço aéreo municipais, de redes de infraestrutura necessárias à prestação

de serviços públicos concedidos pela União e pelos Estados.

Para enfrentamento do tema, abordou-se que a Constituição Federal atribuiu

competências específicas à União, Estados e Municípios, assegurando a autonomia necessária

a cada um desses entes políticos, bem como prevendo recursos para custear suas atividades.

Embora os assuntos de interesse local e o ordenamento do solo sejam de

competência do Município, os serviços públicos a que dizem respeito ao objeto do presente

estudo – v.g. fornecimento de energia elétrica, gás e telecomunicações – foram atribuídos à

União e aos Estados, sendo concedidos a empresas privadas, dando margem à pretensão

municipal de exigir contraprestação pelo uso do solo.

Da forma republicana de governo adotada no Brasil, que privilegia a vontade

soberana do povo, enfatizada a relevância do Estado como representante dos interesses

coletivos e gestor da coisa pública, foram extraídas relevantes premissas para a análise do

tema. Em complementação, o pacto federativo e a autonomia municipal impõem que a

repartição constitucional das competências entre os entes políticos seja respeitada,

assegurando que cada qual agirá de forma autônoma dentro de sua área de atuação.

Assentadas essas premissas, a cobrança pelo uso do solo foi confrontada com as

taxas e com os preços, por serem esses os institutos reiteradamente referidos nas legislações

municipais ao imporem à concessionária o dever de pagar ao Município pelo uso do solo

necessário à implantação de suas redes.

Nos termos em que tratada na legislação de alguns Municípios, a cobrança pelo

uso do solo teria natureza tributária, sendo imposta como taxa.

As taxas são espécie tributária contraprestacional, constitucionalmente admitidas

no caso de exercício de poder de polícia ou pela prestação de serviço público efetiva ou

potencial. Em ambos os casos, a atividade estatal deve ser específica e divisível,

desempenhada de forma referida ao contribuinte.

Page 146: Maria Eugenia Doin Vieira

146

A primeira lição que se extrai do delineamento das taxas é que são apenas duas as

hipóteses para sua instituição – exercício do poder de polícia ou prestação do serviço público -

, inexistindo permissão constitucional para a cobrança de taxa de uso. Com isso, conclui-se

ser inconstitucional a pretensão municipal de exigir taxa pelo uso do solo, ou seja, pelo

simples fato de os equipamentos de infraestrutura destinados à prestação de serviços públicos

estarem implantados em áreas públicas municipais.

Ainda assim, mantida a análise na seara tributária, o enfrentamento do tema

demanda considerar a possibilidade de cobrança de taxa de serviço ou taxa de polícia em face

da concessionária de serviço público que mantenha redes de infraestrutura nas referidas áreas.

Para que fosse exigida taxa de serviço, o Município deveria desempenhar algum

serviço público, de forma específica e divisível, em favor da empresa concessionária em razão

da rede implantada. Para que comporte a exigência de taxa, o serviço público deve ser

classificado como uti singuli, prestados para usuários determinados e de forma mensurável, a

fim de respeitar o caráter contraprestacional das taxas.

Em que pese inexistir uniformidade no conceito de serviço público, na essência,

esse se caracteriza como a atividade exercida pelo Estado sob o regime prevalecente de direito

público, voltada ao oferecimento de utilidade ou comodidade material ao administrado.

Entretanto, verificado que não há qualquer serviço público prestado pelo

Município ao admitir o uso do solo para a implantação das redes necessárias à prestação dos

serviços públicos concedidos, conclui-se, de forma bastante clara, não ter embasamento

jurídico a cobrança de taxa de serviço.

Adentrando no estudo da taxa de polícia, identificou-se ser a mesma exigível em

razão da atuação estatal fiscalizadora das atividades desempenhadas pelo administrado,

aferindo-se o cumprimento da regulamentação aplicável, prestando-se para recompor os

cofres públicos do ônus assumido ao ser desempenhada atividade específica e divisível em

prol do contribuinte.

No caso analisado, a taxa de polícia poderia ser exigida da concessionária caso o

Município exercesse, em razão da manutenção de equipamentos de infraestrutura no solo

urbano, poder de polícia consistente na averiguação do respeito à regulamentação dos

assuntos de interesse local e da ocupação do uso do solo.

Page 147: Maria Eugenia Doin Vieira

147

Ocorre que, considerando a imobilização da rede de infraestrutura destinada à

prestação do serviço público, a fiscalização teria sentido apenas no momento da aprovação e

instalação da rede, descaracterizada a necessidade de renovação periódica do exercício de

poder de polícia municipal. Finalizada a obra sob a supervisão do Município, já está aferido o

cumprimento das normas regulamentadoras.

Tecidas essas considerações, evidenciou-se ser pertinente a cobrança de taxas de

polícia relacionadas com a aprovação de projetos e fiscalização da obra concluída, etc.

Todavia, essas taxas não se confundem com a infundada cobrança mensal de taxa em razão da

mera manutenção de equipamentos em áreas públicas, já que desvinculada de qualquer

atividade estatal.

Sob outro prisma, o enquadramento da cobrança pelo uso do solo tampouco se

enquadra como um preço público, termo utilizado em referência à legislação editada por

alguns Municípios.

Em análise da expressão preço público, evidenciou-se que a mesma deve ser

evitada no texto científico, pois encerra evidente contradição em termos. Versa tanto sobre o

regime de direito privado, correlato ao preço, quanto ao regime de direito público, evocado

pela menção da própria expressão.

Descartada a expressão contraditória, definiu-se que ao fazer menção a preço

público, a pretensão municipal seria a cobrança de contraprestação decorrente de exploração

direta da atividade econômica pelo Estado, com lastro no art. 173 da Constituição Federal.

Nesse sentido, patenteou-se ressalvados os casos previstos na Constituição, o

Estado poderá exercer atividade econômica somente excepcionalmente, quando necessária a

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, casos em que a

contraprestação a ser exigida é denominada preço, em alusão ao termo aplicado nas relações

particulares.

O Estado age dessa forma ao explorar os bens públicos dominicais ou ao prestar

serviço – que não serviço público -, sempre sob regime de direito privado. O preço deve ser

entendido como a contraprestação contratualmente fixada que, além de contemplar os gastos

envolvidos na atividade, comporta margem de lucro, tal como tipicamente almejado nas

relações entre particulares.

Page 148: Maria Eugenia Doin Vieira

148

Apreciando a questão sob perspectivas variadas, concluiu-se pela a

impossibilidade da cobrança de preço pelo uso dos bens públicos para a prestação de serviços

públicos por empresas concessionárias.

Inicialmente, por não se verificar a ocorrência de nenhuma das hipóteses

constitucionais que autorizam o excepcional desempenho da atividade econômica pelo

Município. De plano descartado o permissivo constitucional com base na necessidade por

imperativos de segurança nacional, caberia tal cobrança caso caracterizado o relevante

interesse coletivo.

Ocorre que, o bem público está atendendo sua vocação natural, que é satisfazer os

interesses coletivos, quando é destinado à prestação do serviço público, inexistindo

embasamento para remuneração do Município por admitir esse uso em favor da coletividade.

Adicione-se que é interesse coletivo que as tarifas cobradas pela concessionária

dos tomadores do serviço público sejam módicas, tornando-o acessível a todos. Contrapondo-

se a esse interesse, a cobrança municipal pelo uso do solo, apesar de direcionada à

concessionária, enseja, em última análise, a elevação das tarifas praticadas em face dos

tomadores dos serviços. Mesmo se tratando de duas relações jurídicas distintas –

Concessionária/Município e Concessionária/Tomador dos serviços – uma traz impactos na

outra.

Nesse sentido, aclarou-se que caracterizada a alteração no equilíbrio econômico-

financeiro inicialmente pactuado entre a concessionária e o poder concedente, o contrato de

concessão prevê a elevação das tarifas praticadas em face dos tomadores dos serviços,

mantendo-se a margem de lucro pactuada. Assim, a cobrança pelo uso do solo tem impactos

sobre as tarifas praticadas, onerando o tomador dos serviços públicos.

A impossibilidade de o Município pretender a cobrança de preço pelo uso do solo

é ainda mais evidente quando se considera que, nos padrões atuais, o uso do solo urbano é

imprescindível para a prestação do serviço publico. Ou seja, inexiste autonomia da

concessionária ou do Município de decidirem por sua ocupação, sob pena de inviabilizarem a

prestação do serviço público. Nem ao Município é dado inadmitir o uso do solo, nem a

concessionária pode prescindir desse uso. Com isso, denota-se a inaplicabilidade de preço à

espécie.

Page 149: Maria Eugenia Doin Vieira

149

Ademais, em razão do relevante interesse público envolvido na prestação do

serviço público, se o bem necessário a sua prestação fosse de propriedade particular, este

poderia ser gravado por servidão administrativa, justificada em razão da utilidade pública. No

caso dos bens públicos, essa destinação já lhes é inerente, cumprindo ser privilegiada ao

serem empregados em favor da prestação de serviço de interesse público, sem que enseje o

direito a remuneração.

Tamanha é a afetação do bem público na prestação do serviço público que as

redes de infraestrutura envolvidas são qualificadas como bens reversíveis ao patrimônio do

poder concedente, configurando-se também como bens públicos, razão adicional para não se

admitir a cobrança de preço.

Portanto, a conclusão desse estudo é que não encontra respaldo, em nosso Sistema

Jurídico, a pretensão municipal de receber taxa ou preço como contraprestação pelo uso do

solo, subsolo e espaço aéreo necessários à prestação de serviços públicos, ainda que os

mesmos sejam prestados por concessionárias.

Page 150: Maria Eugenia Doin Vieira

150

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Anna Emília Cordelli. Taxa, Tarifa, Preço Público e Pedágio: Distinções. Revista

de Direito Tributário n° 107/108, p. 258/263. São Paulo: Malheiros.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional. São Paulo: Verbatim, 2011.

ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968.

________________. República e Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

________________. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

________________. SABESP – Serviço Público – Delegação a empresa estatal – Imunidade

a impostos – Regime de Taxas. Revista de Direito Público n° 92, p. 70/95. São Paulo: RT,

1989.

________________. Taxa pelo Exercício do Poder de Polícia – Fato Gerador – Base de

Cálculo. Revista de Direito Administrativo n° 102, p. 474/495. Rio de Janeiro: FGV, 1970.

________________. Taxas e Preços no Novo Texto Constitucional. Revista de Direito

Tributário n° 47, p. 142/154. São Paulo, RT.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, Da Definição à Aplicação dos Princípios

Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007.

________________. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

BALEEIRO. Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado

Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 2010.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2011.

__________________________________. Grandes Temas de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2009.

Page 151: Maria Eugenia Doin Vieira

151

_________________________________. Taxa de Polícia, Quando Cabe, Serviço Público e

Exploração de Atividade Econômica, Regime Tributário. Revista de Direito Tributário n° 55,

p. 68/81. São Paulo: RT, 1991.

BARRETO. Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009.

________________. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. São Paulo: Max

Limonad, 1998.

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Controle. São Paulo:

Noeses, 2006.

BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário, Teoria Geral e Constitucional. São

Paulo: Saraiva, 2011.

________________. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética,

2000.

________________. Taxa, Tarifa e Preço no Direito Público Brasileiro. Revista Dialética de

Direito Tributário n° 167, p. 107/118. São Paulo: Dialética, 2009.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus,

1998.

BERTI, Flávio de Azambuja. Direito Tributário e Princípio Federativo. São Paulo: Quartier

Latin, 2007.

BOBBIO, Norberto. Entre Duas Repúblicas: Às Origens da Democracia Italiana. Brasília:

Unb, 2001.

______________. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9ª ed. Tradução por Maria Celeste

Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1996.

BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2001.

_____________________. Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max Limonad,

1998.

_____________________. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RE, 1975.

Page 152: Maria Eugenia Doin Vieira

152

CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. 10ª ed., atualizada por Diogo

Freitas do Amaral. Lisboa: Almedina, 2001.

CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifas nas Concessões. São Paulo: Malheiros, 2009.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do

Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993.

CANTO, Gilberto Ulhôa. Taxa e Preço Público. Caderno de Pesquisas Tributárias n° 10 –

Taxa e preço público, p. 83/110. São Paulo: Resenha Tributária, 1985.

CARDOSO, Alessandro Mendes. A Incidência do ISSQN e de Preço Público sobre a

Exploração Econômica de Serviços Públicos Concedidos. Revista Dialética de Direito

Tributário n° 115, p. 7/25. São Paulo: Dialética, 2009.

CARRAZZA, Elizabeth Nazar Carrazza. IPTU e Progressividade, Igualdade e Capacidade

Contributiva. Curitiba: Juruá, 1992.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2001.

________________________. Reflexões Sobre a Obrigação Tributária. São Paulo: Noeses,

2010.

CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito (o Construtivismo

Lógico-Semântico). São Paulo: Noeses, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010.

________________________. Direito Tributário, Fundamentos Jurídicos da Incidência. 5ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

________________________. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª ed. São Paulo:

Noeses, 2008.

________________________. Hipótese de Incidência e Base de Cálculo do ICM. Caderno de

Pesquisas Tributárias nº 3, p. 323/358. São Paulo: Resenha Tributária, 1978.

________________________. Teoria da Norma Tributária. 5ª ed. São Paulo: Quartier Latin,

2009.

Page 153: Maria Eugenia Doin Vieira

153

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2008.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro,

Forense, 2001.

____________________________. DERZI, Misabel Abreu Machado. A Diferença Jurídica

entre Taxa (tributo) e Tarifa (preço), seja Publica, Privada ou Política. Revista Dialética de

Direito Tributário n° 194, p. 129/138. São Paulo: Dialética, 2011.

COPI, Irving Marmer, Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias, Teoria e Análise da Jurisprudência do STF.

São Paulo: Malheiros, 2001.

___________________. Curso de Direito Tributário, Constituição e Código Tributário

Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986.

DERZI, Mizabel Abreu Machado. Irretroatividade do Direito no Direito Tributário. In

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba 1. São

Paulo: Malheiros, 1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público por Particular. 2ª ed. São

Paulo: Atlas, 2010.

___________________________. RAMOS, Dora Maria de Oliveira. SANTOS, Márcia

Walquiria Batista dos. D´AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e

Contratos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 1º vol., 12ª ed. São Paulo: Saraiva,

1996.

_________________. Norma Constitucional e Seus Efeitos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 10ª ed. Tradução de J. Baptista

Machado: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,

Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Page 154: Maria Eugenia Doin Vieira

154

_________________________. Conceito de Sistema no Direito: Uma Investigação Histórica

a Partir da Obra Jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1796.

_______________________. Teoria da Norma Jurídica: Ensaio de Pragmática da

Comunicação Normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros,

2008.

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos Para Uma Teoria da

Nulidade. São Paulo: Noeses, 2009.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais. São

Paulo: Malheiros, 1997.

GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Tomo 2, 5ª ed. Belo Horizonte:

Del Rey, Fundación de Derecho Administrativo, 2003.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros,

2001.

GRECO, Marco Aurélio. SOUZA, Hamilton Dias de. A Natureza Jurídica das Custas

Judiciais, p. 37/128. São Paulo: Resenha Tributária, 1982.

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988.

São Paulo: Malheiros, 2003.

___________________________. A Experiência Brasileira nas Concessões de Serviço

Público, p. 182/231. In SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público-Privadas. São Paulo:

Malheiros, 2005.

GUIBOURG, Ricardo; GUIGLIANI, Alejandro & GUARINONI, Ricardo. Introducción al

Conocimiento Cientifico. Buenos Aires: EUDEBA, 1985.

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva, 2012.

HARET, Florence. Taxa e Preço Público: Por uma Reavaliação do Conceito de Tributo e

Definição das Espécies Tributárias. Revista de Direito Tributário nºs 109/110, p. 126/144.

HORVATH, Estevão. Tarifa de Transporte Coletivo Urbano, Competência do Município.

Natureza Jurídica de Taxa. Limites ao seu ‘quantum’, Competência do Estado-membro para

Page 155: Maria Eugenia Doin Vieira

155

Proteção ao Consumidor. Ação Civil Pública. Revista de Direito Tributário n° 65, p. 150/160.

São Paulo: Malheiros.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009.

___________________. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo:

Dialética, 2003.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. Traduzido por João Baptista Machado. São

Paulo: Martins Fontes, 1998.

____________. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

LACOMBE, Américo Masset. Taxa e Preço Público. Caderno de Pesquisas Tributárias n° 10

– Taxa e preço público, p. 7/22. São Paulo: Resenha Tributária, 1985.

LAPATZA, José Juan Ferrero. Tasas y precios. Revista de Direito Tributário n° 55, p. 13/25.

São Paulo: RT, 1991.

LESSA, Donavam Mazza. MAIA, Marcos Correia Piqueira. Remunerações periódicas sobre

equipamentos instalados pelas concessionárias de serviços públicos nas vias municipais:

reflexões diante do julgamento d recurso extraordinário n° 581.847/RO. Revista Dialética de

Direito Tributário n°193, p. 13/22. São Paulo: Dialética, 2011.

LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: RT, 1987.

______________. Princípios de Direito Administrativo. 7ª ed. Atualizada por Paulo Alberto

Pasqualini. São Paulo: Malheiros, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª ed. São Paulo: Malheiros,

2010.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2000.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. São Paulo: RT, 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros,

2009.

_____________________. Direito Municipal Administrativo Brasileiro. 13ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2003.

Page 156: Maria Eugenia Doin Vieira

156

_____________________. Concessão de Serviço Público – Reversão – Propriedade de Bens

Revista de Direito Administrativo n° 102, p. 453/473. Rio de Janeiro: FGV, 1970.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e Prática. 9ª ed. São Paulo: Dialética, 2006.

________________________. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª ed. São Paulo:

Dialética, 2005.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Sistema Tributário da Constituição de 1969. São Paulo: RT,

1979.

MOREIRA, André Mendes. A Tributação dos Serviços de Telecomunicação. São Paulo:

Dialética, 2006.

MOUSSALLEM, Tarék Moysés. Fontes do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Max

Limonad, 2011.

NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1989.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de Oliveira. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2008.

________________________________. Taxas de polícia. São Paulo: RT, 1980.

PEREIRA FILHO, Luiz Alberto. As Taxas no Sistema Tributário Brasileiro. Curitiba: Juruá,

2002.

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1968.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Tributação, Federalismo e Desenvolvimento: Imunidade do

ICMS na Exportação de Mercadorias. Revista Dialética de Direito Tributário n° 167, p.

26//38. São Paulo: Dialética, 2009.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.

SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Taxa, Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro:

Forense, 2002.

___________________________. Taxa e Preço Público. Caderno de Pesquisas Tributárias n°

10 – Taxa e preço público, p. 23/37. São Paulo: Resenha Tributária, 1985.

Page 157: Maria Eugenia Doin Vieira

157

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1988.

___________________. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros,

2010.

___________________. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais, Conteúdo Essencial, Restrições e

Eficácia. São Paulo: Malheiros, 2010.

SOUZA, Hamilton dias de. GRECO. Marco Aurélio. Distinção entre Taxa e Preço Público.

Caderno de Pesquisas Tributárias n° 10 – Taxa e preço público, p. 111/132. São Paulo:

Resenha Tributária, 1985.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1998.

___________________. CÂMARA, Jacintho Arruda. O Poder Normativo das Agências em

Matéria Tarifaria e a Legalidade: O Caso da Assinatura de Serviço Telefônico. In

ARAGÃO, Alexandre Santos de. (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. 2ª

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 455/505.

TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975.

___________. Temas de Direito Público, Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar,

2002.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994. 10ª ed.

TORRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada, simulação,

elisão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributários, vol. IV

– Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

VIANA, Julcira Maria de Mello Vianna. Critérios da Regra-matriz de Incidência do Imposto

Sobre Serviços de Qualquer Natureza, In BERGAMINI, A., BOMFIM, D.M. (Coord.).

Comentários à Lei Complementar n° 116/03 de Advogados para Advogados. São Paulo: MP

Ed., 2009, p. 273/292.

Page 158: Maria Eugenia Doin Vieira

158

VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo:

Max Limonad, 1997.

XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil: tributação das operações

internacionais. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus lógico-philosophicus. Trad. Luis Henrique Lopes do

Santos. São Paulo: EDUSP, 1994.

Page 159: Maria Eugenia Doin Vieira

159

ANEXO DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

A. Município de Ferraz de Vasconcelos: Lei Complementar n° 99/99

LEI COMPLEMENTAR Nº 099, de 27 de dezembro de 1999

Cria as Taxas de Fiscalização de Obras e Serviços Executados em Vias e Logradouros Públicos; e de Fiscalização de Ocupação e Permanência em Áreas de Vias e Logradouros Públicos.

FAÇO SABER, que a Câmara Municipal DECRETA e eu PROMULGO a seguinte lei:

DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS EXECUTADOS EM VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS

Seção I Do Fato Gerador e da Incidência

Art. 1º - A Taxa de Fiscalização de Obras e Serviços Executados em Vias e Logradouros Públicos, fundada no poder de polícia do Município, tem como fato gerador a fiscalização por ele exercida sobre as mesmas, em observância às normas municipais de posturas relativas ao uso e ocupação do solo, a tranquilidade, a higiene e o bem estar da população.

Art. 2º - Do fato gerador da taxa considera-se ocorrido: I – na data do início da atividade relativa à execução da obra ou serviço; II – no dia primeiro de cada mês subsequente, enquanto durar a mesma.

Seção II Do Sujeito Passivo Art. 3º - O sujeito passivo da taxa é a pessoa física ou jurídica sujeita a fiscalização

municipal em razão da atividade de obras e serviços executados em vias ou logradouros públicos.

Seção III Da Solidariedade Tributária Art. 4º - São solidariamente responsáveis pelo pagamento da taxa: I – o contratante; II – a contratada, empreiteira ou subempreiteira.

Seção IV Da Base de Cálculo Art. 5º - A base de cálculo da taxa será determinada em função do custo da respectiva

atividade pública específica. Parágrafo Único - A referida taxa será cobrada conforme a Tabela I, anexa a esta Lei.

Seção V Do Lançamento e do Recolhimento Art. 6º - A taxa será devida por mês ou fração, por ano ou fração, conforme a modalidade

da autorização solicitada pelo sujeito passivo ou constatação fiscal. Art. 7º - Sendo por execução das obras e serviços a forma de incidência, o lançamento da

taxa ocorrerá: I – no ato da autorização da obra ou serviço, quando comunicada pelo sujeito passivo; II – no ato da informação, quando constatada pela fiscalização.

DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE OCUPAÇÃO E DE PERMANÊNCIA EM ÁREAS, EM VIAS E EM LOGRADOUROS PÚBLICOS

Page 160: Maria Eugenia Doin Vieira

160

Seção I Do Fato Gerador e da Incidência Art. 8° - A Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em áreas, em vias e em

logradouros públicos, fundada no poder de polícia do Município, concernente ao ordenamento da utilização dos bens públicos de uso comum, tem como fato gerador a fiscalização por ele exercida sobre a localização, a instalação e a permanência de móveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos, em observância às normas municipais de posturas relativas à estética urbana, aos costumes, à ordem, à tranquilidade, à higiene, ao trânsito e à segurança pública.

Art. 9° - O fato gerador da taxa considera-se ocorrido com a localização, a instalação e

permanência de moveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos em áreas, em vias e em logradouros públicos.

Seção II Do Sujeito Passivo

Art. 10 - O sujeito passivo da taxa é pessoa física ou jurídica, proprietária, titular do domínio útil ou possuidora, a qualquer título, de móvel, equipamento, utensílio e qualquer outro objeto em áreas, em vias ou em logradouros.

Seção III Da Solidariedade Tributária

Art. 11 - São solidariamente responsáveis pelo pagamento da taxa as pessoas físicas ou jurídicas que diretamente estiverem envolvidas na localização, na instalação e na permanência de móveis, equipamentos, utensílios e veículo e ou qualquer outro objeto em áreas, vias e logradouros públicos.

Seção IV Da Base de Cálculo

Art. 12 - A base de cálculo da taxa será determinada em função do custo da respectiva atividade pública específica.

Parágrafo único. A referida taxa será cobrada conforme a Tabela II, anexa a esta Lei.

Seção V O Lançamento e do Recolhimento Art. 13 - A taxa será devida por mês, por ano, ou fração, conforme modalidade de

licenciamento solicitada pelo sujeito passivo ou constatação fiscal. Art. 14 - Sendo mensal ou anual o período de incidência, o lançamento da taxa ocorrerá: I – no ato da solicitação, quando requerido pelo sujeito passivo. II – no ato da comunicação, quando constatado pela fiscalização.

Seção VI Das Penalidades Art. 15 - O descumprimento das disposições previstas nesta Lei importará ao infrator as

seguintes penalidades: I - multa de 10 UFIRS; II - multa de 200 UFIRS, em caso de reincidência.

Seção VII Das Disposições Finais Art. 16 – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação e seus efeitos a partir de 1º

de janeiro de 2.000, revogadas as disposições em contrário.

Ferraz de Vasconcelos, 27 de dezembro de 1999. VALDEMAR MARQUES DE OLIVEIRA FILHO

Page 161: Maria Eugenia Doin Vieira

161

B. Município de Ji-paraná: Lei n° 1.199/02

LEI Nº 1199, de 31 de dezembro de 2002

Autoriza o Executivo Municipal a criar a taxa de licença e royalties para uso e ocupação do solo nas vias e logradouros públicos e espaço aéreo no Município de Ji-Paraná – RO.

LEONIRTO RODRIGUES DOS SANTOS, prefeito do Município de Ji-Paraná, no uso

de suas atribuições legais, FAZ SABER que a Câmara Municipal aprovou e ele sanciona a seguinte lei:

Art. 1º. Autoriza o Executivo Municipal criar a taxa de licença para o uso e ocupação do

solo e espaço aéreo, a quem ocupe vias e logradouros públicos com postes, sistema de telefonia, abastecimento de água e esgoto, sistema de transmissão de TV a cabo e similares para fins comerciais ou de prestação de serviços.

§ 1º. No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a instalação de postes a taxa é cobrada por mês ou fração à razão de R$ 5,00 (cinco reais) por poste instalado, sendo este valor corrigido com base no Índice Geral de Preços ao Consumidor (IPCA) ou equivalente.

§ 2º. A referida taxa prescrita no § 1º, será atribuída aos prestadores de serviços no ramo de telefonia e energia elétrica.

§ 3º. No caso de utilização das vias e logradouros públicos para rede de água, rede de esgoto, sistema de transmissão de TV a cabo e similares será cobrada a taxa de R$ 0,l0 (zero virgula dez centavos de real) por metro linear.

§ 4º. No caso de utilização das vias e logradouros públicos para a instalação de telefones públicos será cobrada por mês ou fração a taxa de R$30,00 (trinta reais) por aparelho instalado.

Art. 2º. Fica criada a taxa de royalties para o uso do solo para a captação de águas

superficiais ou subterrâneas. Parágrafo Único - A taxa de royalties a que se refere este artigo será cobrada a razão de

R$ 0,01 (zero virgula um centavo de real) por metro cúbico. Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio Urupá, aos 31 dias do mês de dezembro de 2002. LEONIRTO RODRIGUES DOS SANTOS

Prefeito

Page 162: Maria Eugenia Doin Vieira

162

C. Município de São Paulo: Lei n° 14.054/05

LEI Nº 14.054, DE 20 DE SETEMBRO DE 2005

Autoriza o Poder Executivo Municipal a fixar e cobrar preço público ela ocupação do espaço de solo em áreas públicas municipais pelo sistema de posteamento de rede de energia elétrica e de iluminação pública, de propriedade da concessionária de energia elétrica que os utiliza, e dá outras providências.

JOSÉ SERRA, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são

conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 1º de setembro de 2005, decretou e eu promulgo a seguinte lei:

Art. 1º O Poder Executivo Municipal fica autorizado a fixar e a cobrar mensalmente

preço público relativo à ocupação e uso do solo municipal pelos postes fixados em calçadas e logradouros.

Parágrafo único. Para os fins desta lei, postes são as estruturas de concreto, metal, madeira ou outro material, que suportam os fios, cabos e equipamentos das redes de energia elétrica, telefonia, iluminação pública, difusão de imagens e sons, entre outras.

Art. 2º O preço público previsto no art. 1º desta lei será devido pelo proprietário do

poste. Parágrafo único. O usuário do poste será responsável solidariamente pelo preço público. Art. 3º A fixação e a cobrança do preço público previstos nesta lei, a serem efetivadas

por decreto do Poder Executivo, deverão considerar a área ocupada pela base do poste padrão junto ao solo, multiplicada pelo número de postes de cada proprietário, existentes em solo público dentro do território do Município.

Art. 4º O Poder Público Municipal, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias contados da

data da publicação desta lei, levantará o número de postes existentes no Município e seus respectivos proprietários e usuários, para efeito da apuração da área total de solo ocupado e respectiva cobrança do preço público.

Parágrafo único. O Poder Público Municipal acompanhará a ampliação ou redução da área ocupada pelos postes, atualizando seus cadastros para fins da cobrança mensal do preço público.

Art. 5º As despesas decorrentes desta lei serão suportadas pelas dotações orçamentárias

próprias, suplementadas se necessário. Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 20 de setembro de 2005, 452º da

fundação de São Paulo.

JOSÉ SERRA, PREFEITO

Page 163: Maria Eugenia Doin Vieira

163

D. São Vicente: Lei Complementar n° 357/01

LEI COMPLEMENTAR N.º 357, de 21 de dezembro de 2001

Dispõe sobre o uso de vias públicas e espaço aéreo e subterrâneo, para a realização de eventos ou para implantação e passagem de equipamentos urbanos destinados à prestação de serviços de infraestrutura, por entidades de direito público e privado. Proc. n.º 184046/01

MÁRCIO FRANÇA, Prefeito do Município de São Vicente, usando das atribuições que lhe são conferidas por Lei, faz saber que a Câmara Municipal decreta e ele sanciona e promulga a seguinte Lei Complementar:

Art. 1.º - O Poder Executivo poderá autorizar, por permissão, a título precário e oneroso,

o uso das vias públicas, inclusive dos espaços aéreos e subterrâneos, e de obras de arte de domínio municipal, para a realização de eventos ou para a implantação, instalação e passagem de equipamentos urbanos destinados à prestação de serviços de infra-estrutura por entidades de direito público ou privado, obedecendo às disposições desta Lei Complementar e demais atos normativos.

Parágrafo único - Para os fins desta Lei Complementar, consideram-se equipamentos urbanos todas as instalações de infra-estrutura urbana, tais como equipamentos de abastecimento de água, serviços de esgoto, energia elétrica, coletas de água pluviais, rede telefônica e outros de interesse público.

Art. 2.º - Os requerimentos de implantação, instalação e passagem de equipamentos

urbanos nas vias públicas, inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e nas obras de arte de domínio municipal dependerão de prévia aprovação da Secretaria de Obras e Meio Ambiente - SEOBAM, obedecidas as disposições desta Lei Complementar e normas complementares a serem expedidas pelo Poder Executivo.

§ 1.º - Os documentos exigidos para a instrução dos requerimentos são os seguintes: I – 03 (três) vias de planta com projeto, com respectivo memorial descritivo, constando as

especificações técnicas correlatas; II – ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, devidamente recolhida, referente à

elaboração dos projetos; III – inscrição do responsável técnico pela elaboração dos projetos, junto ao setor de

aprovação da Secretaria de Obras e Meio Ambiente – SEOBAM; IV – cronograma físico das referidas obras, por serviço e por via; V – anuência expedida pelas concessionárias de serviços públicos, como SABESP, CPFL

e Telefônica, dentre outras; VI – guia de recolhimento de taxas e emolumentos, relativos à análise e aprovação de

projeto; VII – apresentação dos documentos descritos no § 2.º do art. 9.º desta Lei Complementar. § 2.º - Conforme a complexidade da obra, poderão ser solicitados outros documentos

pertinentes. § 3.º - Os documentos elencados no § 1.° deverão, também, fixar as especificações

técnicas relativas à apresentação dos elementos do cadastro dos equipamentos já implantados, transpostos ou colocados, dos serviços de levantamento topográfico e cadastral, bem como o estudo geotécnico do subterrâneo, contendo todos os elementos necessários à realização dos serviços.

§ 4.º - A entidade requerente ficará responsável pelo aviso e obtenção de informações cadastrais e anuência junto à Telefônica, SABESP e CPFL, dentre outras.

Page 164: Maria Eugenia Doin Vieira

164

Art. 3.º - O requerimento de aprovação será protocolizado, e a SEOBAM, no prazo de 60 (sessenta) dias, deverá analisar e decidir sobre o projeto, ouvida a SETRAN - Secretaria de Transportes e demais órgãos municipais envolvidos, de acordo com o projeto.

§ 1.º - A eventual exigência comunicada ao requerente suspenderá a contagem do prazo fixado no caput deste artigo, que será reiniciada a partir da data do cumprimento da exigência pelo requerente.

§ 2.º - Após 30 (trinta) dias de eventual exigência comunicada ao requerente, sem que o interessado dê cumprimento, o processo poderá ser indeferido e arquivado.

§ 3.º - Não ocorrendo manifestação no prazo assinalado, a SEOBAM - Secretaria de Obras e Meio Ambiente deverá fornecer ao requerente, sempre que por este requerido, os esclarecimentos a respeito do andamento do requerimento.

§ 4.º - Do indeferimento do requerimento formulado caberá recurso administrativo, dirigido à Secretaria de Obras e Meio Ambiente no prazo de 15 ( quinze) dias, contados do despacho de indeferimento.

Art. 4.º - Aprovado o requerimento, será expedido através da SEOBAM o respectivo

Termo de Autorização e Permissão de Uso Oneroso e a Título Precário, para os fins previstos nesta Lei Complementar.

Parágrafo único - A validade do projeto das obras e serviços aprovados pela SEOBAM será de até 1 (um) ano, contado da data de emissão do Termo de Autorização e Permissão de Uso.

Art. 5.º - Para o início das obras referentes ao requerimento aprovado, o requerente

deverá solicitar o respectivo Alvará de Construção. § 1.º - Os documentos exigidos para a instrução do requerimento são os seguintes: I – ART - Anotação de Responsabilidade Técnica, devidamente recolhida, referente à

execução das obras; II – inscrição do responsável técnico pela execução junto à Secretaria de Obras e Meio

Ambiente – SEOBAM; III – atualização do cronograma físico, apresentado quando da aprovação do

requerimento; IV – apresentação de guia de recolhimento de taxa e emolumentos, correspondentes aos

custos operacionais dos serviços necessários de apoio à obra ou evento, afetos à Secretaria de Transportes – SETRAN, definido pelo art. 13 desta Lei Complementar;

V – apresentação de guia de recolhimento de caução, correspondente a 3 (três) contribuições pecuniárias mensais, cujo valor é definido pelos artigos 9.°, 10 e 11 desta Lei Complementar.

§ 2.º - O Alvará de Construção terá validade de acordo com o projeto e cronograma atualizado.

§ 3.º - A Secretaria de Transportes – SETRAN comunicará à comunidade, por intermédio dos órgãos de imprensa, com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, a ocorrência da interdição de qualquer via, propondo caminhos alternativos a serem utilizados pelos usuários, salvo em casos de emergência.

§ 4.º - Nos casos de emergência, haverá tolerância referente às exigências previstas nos §§ l.º e 2.º deste artigo.

§ 5.º - O valor correspondente aos custos operacionais relativos à Secretaria de Transportes, descritos no artigo 13 desta Lei Complementar, deverá ser recolhido em horário comercial, no primeiro dia útil subsequente ao início da obra ou evento.

Art. 6.º - O órgão fiscalizador acompanhará a execução de quaisquer obras ou serviços,

notificando, de imediato, a entidade, para efetuar as correções que entenda necessárias, se for constatada a inobservância do projeto apresentado.

Page 165: Maria Eugenia Doin Vieira

165

Parágrafo único – Havendo desconformidade entre o projeto apresentado e a sua execução, a entidade responsável pela obra ou serviço ficará sujeita ao seu refazimento, suportando os custos decorrentes, além de responder pelas perdas e danos que tenha causado, ou venha a causar ao Município ou a terceiros, com a readaptação imposta, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

Art. 7.º - Na hipótese de o requerente estar impedido de executar o projeto apresentado,

por razões alheias a sua vontade, deverá comunicar tal fato à SEOBAM – Secretaria de Obras e Meio Ambiente, que procederá à análise do assunto, de forma a atender ao interesse público.

§ 1.º - Serão de responsabilidade exclusiva da entidade requerente quaisquer danos ou prejuízos causados, inclusive a terceiros, pela execução das obras ou serviços, mesmo que advindos de atos praticados involuntariamente.

§ 2.º - Quando da execução das obras ou serviços ocorrer abertura de valas em logradouros públicos, a recomposição deverá ser feita pelo requerente na totalidade da largura do referido logradouro e na extensão integral das obras.

Art. 8.º - Ao término da obra, o interessado deverá requerer a baixa do Alvará de

Construção, bem como o pedido de vistoria final, por parte do Poder Público. § 1.º - Não se verificando nenhuma irregularidade, será emitido Termo de Aceite das

Obras. § 2.º - A emissão do referido Termo de Aceite das Obras não eximirá o requerente da

obrigação de refazer o serviço, em caso de má ou defeituosa execução, pelo período exigido por Lei que defina esse tipo de responsabilidade.

Art. 9.º - O preço público pela permissão de uso das vias e logradouros públicos,

inclusive espaços aéreos e subterrâneos, e das obras de arte no Município, a ser pago pelas entidades de direito público e privado, para a realização de eventos ou para implantação, instalação e passagem de equipamentos urbanos para a prestação de serviços de infra-estrutura urbana será representado por contribuição pecuniária.

§ 1.º - O valor mensal da contribuição pecuniária será calculado com base na expressão estabelecida nos arts. 10 e 11 desta Lei Complementar e constará no Termo de Autorização e Permissão de Uso.

§ 2.º - Incumbe ao requerente a apresentação dos documentos e elementos para subsidiar o seu enquadramento na classificação estabelecida no Anexo I desta Lei Complementar.

§ 3.º - O órgão responsável pela aprovação do requerimento poderá exigir, quando necessário, a apresentação de outros documentos para fins do enquadramento de que trata o Anexo I desta Lei Complementar.

Art. 10 – O valor mensal pela utilização das vias públicas, logradouros, inclusive espaços

aéreos e subterrâneos, e das obras de arte do Município, ressalvando o previsto no art. 11, será calculado pela seguinte expressão:

Vm = G (F x T) onde: I – VM = Valor Mensal II – “G” = Fator Gerador, definido como a área de projeção (em m²) da instalação

considerada, obtido pela expressão G = C x L, onde “C” representa o comprimento em metros da instalação e

“L” representa sua largura em metros; III – “F” = Fator, definido como o fator de incidência do preço, com índices

diferenciados para cada tipo de equipamento e definido em função do interesse público, cujos valores serão determinados de acordo com a tabela integrante do Anexo I desta Lei Complementar.

IV – T = Valor Territorial, definido como o valor monetário atribuído ao local onde se instale o equipamento, conforme o estabelecido na Planta Genérica de Valores do Município, observadas as seguintes condições:

a) o valor de “T” será obtido pela média aritmética entre os valores monetários atribuídos ao trecho de logradouro objeto do pedido;

Page 166: Maria Eugenia Doin Vieira

166

b) para as obras de arte o valor de “T” será obtido pela média aritmética entre os valores monetários atribuídos ao trecho que antecede a obra de arte e o trecho a ela subsequente.

Art. 11 – O valor mensal dos equipamentos de suporte, postes e outros das redes que

recebem os serviços a que se refere esta Lei Complementar, terão o valor calculado pela seguinte expressão:

Vms = G (F x T), onde: I – “Vms” = Valor Mensal dos Equipamentos de suporte (postes e outros ); II – “G” = Fator Gerador, definido como a área de projeção, em m², da instalação

considerada, obtido pela expressão G = C x L, onde “C” representa o comprimento em metros da instalação e “L” representa a sua largura em metros o qual não deverá ser inferior a um metro quadrado;

III – “F” = Fator, definido como o fator de incidência do preço, com índices diferenciados em função do interesse público ou particular, nos termos da tabela integrante do Anexo I desta Lei Complementar.

IV – “T” = Valor Territorial, definido como o valor monetário atribuído ao local onde se instale o equipamento, conforme estabelecido na Planta Genérica de Valores do Município.

Art. 12 – O pagamento do valor apurado será feito mensalmente, tendo como vencimento

o 15.º (décimo quinto) dia do mês. § 1.º - A contagem do mês, para fins de pagamento dos valores devidos, será iniciada no

primeiro dia do mês subsequente ao pedido de baixa da obra ou vistoria do Poder Público, em que se constate o seu término.

§ 2.º - É facultado o pagamento integral, em uma única quota, desde que obedecido o valor anual correspondente.

Art. 13 – Os custos operacionais dos serviços necessários de apoio à obra ou evento,

afetos à Secretaria de Transportes, são os estabelecidos pelo Anexo II desta Lei Complementar. Art. 14 – A desobediência injustificada às disposições constantes da presente Lei

Complementar sujeitará o infrator à aplicação das seguintes penalidades: I – advertência; II – intimação; III – embargo; IV – multa; V – suspensão da aprovação de novos projetos. § 1.º - A advertência será aplicada pela SEOBAM, em razão da inobservância às

disposições da legislação vigente, em especial desta Lei Complementar. § 2.º - A multa será aplicada sempre que a entidade de direito público ou privado não

atender à notificação quanto à não observância do projeto, na execução da obra ou serviço. § 3.º - As multas citadas no § 2.° deste artigo são aquelas previstas na legislação vigente,

em especial as contidas na Lei de Uso e Ocupação do Solo. § 4.º - A pena de suspensão da aprovação de novos projetos será aplicada pelo órgão

responsável pela aprovação do requerimento à entidade pública ou privada, sempre que, injustificadamente, persistir a infração referida no § 2.°.

§ 5.º - Das penas previstas caberá recurso no prazo de 05 (cinco) dias, de sua aplicação. Art. 15 – Serão considerados dispostos clandestinamente os equipamentos implantados

em desconformidade com o estabelecido nesta Lei Complementar, bem como aqueles não informados pelas concessionárias;

§ 1.º - As entidades de direito público ou privado estarão sujeitas à perda dos equipamentos implantados clandestinamente, por decisão do Secretário de Obras e Meio Ambiente, ouvidos, previamente, os órgãos técnicos da Pasta e assegurado o direito de recurso.

§ 2.º - Em casos de impossibilidade de retirada do equipamento do local onde foi disposto clandestinamente, a contribuição pecuniária será cobrada em dobro, até a cessação da irregularidade.

Page 167: Maria Eugenia Doin Vieira

167

§ 3.º - Para fins de cálculo, em dobro, será considerada a data da publicação da presente Lei Complementar, ou da instalação do equipamento, se comprovada essa data.

Art. 16 – As entidades de direito público ou privado deverão encaminhar à SEOBAM,

até o dia 30 (trinta) de setembro de cada exercício, os eventuais planos de expansão de suas instalações para o próximo exercício, para que se compatibilizem os respectivos interesses quando da apresentação de projetos específicos.

Art. 17 – As entidades de direito público ou privado que tenham equipamentos de sua

propriedade já implantados nas vias públicas e obras de arte do município, em caráter permanente, fornecerão à SEOBAM cópia dos elementos cadastrais disponíveis, a fim de serem complementados os registros existentes e organizados em bancos de dados, para posterior expedição de Termos de Autorização e Permissão de Uso e fixação do preço público pela utilização das vias públicas, inclusive espaço aéreo e subterrâneo, e das obras de arte do Município.

§ 1.º - As entidades de direito público ou privado terão o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação desta Lei Complementar, para cumprir o disposto e estabelecido neste artigo, prorrogáveis a critério da municipalidade por mais 30 (trinta) dias.

§ 2.º - Decorrido o prazo estipulado no § 1.º deste artigo, sem que as entidades cumpram a determinação nele contida, será aplicado o disposto no artigo 15 da presente Lei Complementar.

§ 3.º - Decorrido 1 (um) ano da data da publicação desta Lei Complementar e em havendo descumprimento do estabelecido neste artigo, a entidade perderá o direito à utilização do espaço que estiver ocupando.

§ 4.º - Decorrido o prazo definido no parágrafo anterior, e havendo interesse por parte do Município e da entidade de direito público ou privado na manutenção do equipamento anteriormente instalado, deverão ser apresentados os projetos de acordo com o disposto nesta Lei Complementar, sem prejuízo das multas aplicadas e demais sanções cabíveis.

Art. 18 – As situações conflitantes serão examinadas pelo Secretário Municipal de Obras

e Meio Ambiente, após manifestação da COPLADI – Comissão Técnica de Acompanhamento do Plano Diretor.

Art. 19 – Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as

disposições em contrário, em especial a Lei Complementar n.º 332, de 28 de dezembro de 2000. São Vicente, Cidade Monumento da História Pátria, Cellula Mater da Nacionalidade, em

21 de dezembro de 2001.

MÁRCIO FRANÇA Prefeito Municipal