maria manuela de amorim calheiros - silabo.pt · do conselho da europa. tem livros publicados e...

25
Crianças em Risco e Perigo Vol. 4 Organizadores: Maria Manuela Calheiros Margarida Vaz Garrido EDIÇÕES SÍLABO Crianças em Risco e Perigo Contextos, Investigação e Intervenção

Upload: lamanh

Post on 17-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Criançasem Risco e Perigo

Contextos, Investigação

e Intervenção

Este livro procura colmatar uma importante lacuna na divulgação de trabalhos de inves-

tigação na área da proteção de crianças e jovens em diversos setores de intervenção social

em Portugal. Neste sentido, os textos apresentados pretendem identificar e problematizar

tanto o estado da arte como apresentar soluções técnicas nos planos legal, familiar e institu-

cional, dando-se ainda destaque ao desenho de programas de intervenção.

No seu conjunto, os textos incluídos neste livro podem interessar a estudantes de Licen-

ciatura e de Pós-graduação, a profissionais investidos num percurso de aprendizagem ao

longo da vida, bem como a todos aqueles que procuram conhecer abordagens novas na

área da avaliação e intervenção no domínio da proteção de crianças e jovens em risco, e

respetivos contextos de desenvolvimento (família, instituições e comunidade).

Com esta obra pretende-se, assim, promover padrões de qualidade e valores de boas

práticas de intervenção institucional e comunitária na área de populações em risco, e

proporcionar um contributo válido com aplicação em termos das políticas e práticas no

âmbito dos serviços sociais em geral, e do sistema de proteção de crianças e jovens em

particular.

MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS é doutorada em Psicologia Social Comunitária, Professora no ISCTE-Instituto

Universitário de Lisboa, onde leciona disciplinas na área da Psicologia Social Comunitária e do Desenho e Avaliação de

Programas em diferentes cursos de mestrado e doutoramento. É investigadora no Centro de Investigação e Intervenção

Social (CIS/ISCTE-IUL) com trabalhos nas áreas do , desenvolvimento e educação, nomeadamente sobre contextos fami-

liares, parentalidade, acolhimento residencial e adoção, com especial enfoque no estudo dos determinantes do bem-estar

psicológico e no desenho e avaliação de programas com famílias e crianças em risco e crianças institucionalizadas. Tem

ainda experiência de consultoria ao nível da definição de políticas de intervenção social quer a nível nacional, quer a nível

do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais.

é doutorada em Psicologia Social e Professora no ISCTE-IUL onde coordena e leciona

unidades curriculares de métodos e de psicologia em cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento e orienta estágios,

e teses de mestrado e doutoramento. É investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS/ISCTE-IUL) onde

desenvolve pesquisa na área da cognição social, e no estudo da influência de fatores contextuais na cognição e julga-

mento social. Na área da psicologia comunitária colabora no Mestrado de Psicologia Comunitária e Proteção de Menores

no ISCTE-IUL e em projetos de investigação e intervenção social comunitária, designadamente na consultoria metodoló-

gica, análise de dados e desenho e avaliação de programas de intervenção social. Tem publicado em revistas e livros da

especialidade nacionais e internacionais.

self

MARGARIDA VAZ GARRIDO

Cria

as

em

Ris

co

e P

erig

o

4

Vo

l. 4 487

7897

2618

7783

9ISB

N 9

78-9

72-6

18-7

78-3

Vol. 4

Organizadores:

Maria Manuela Calheiros

Margarida Vaz Garrido

ED

IÇÕ

ES

SÍL

AB

O

Criançasem Risco e Perigo

Contextos, Investigação

e Intervenção

Page 2: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo
Page 3: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Crianças em Risco e Perigo

Contextos, Investigação e Intervenção

Vol. 4

Organização:

MARIA MANUELA CALHEIROS MARGARIDA VAZ GARRIDO

EDIÇÕES SÍLABO

Page 4: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

É expressamente proibido reproduzir, no todo ou em parte, sob qualquer forma ou meio, NOMEADAMENTE FOTOCÓPIA, esta obra. As transgressões serão passíveis das penalizações previstas na legislação em vigor.

Visite a Sílabo na rede www.silabo.pt

Esta obra teve o apoio do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e do Cis-IUL

Editor: Manuel Robalo

FICHA TÉCNICA Título: Crianças em Risco e Perigo – Contextos, Investigação e Intervenção – Vol. 4 Autores: Vários © Edições Sílabo, Lda. Capa: Pedro Mota Fotografia da capa: © Zurijeta | Dreamstime.com

1ª Edição – Lisboa, novembro de 2014. Impressão e acabamentos: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda. Depósito Legal: 326369/11 ISBN: 978-972-618-778-3

EDIÇÕES SÍLABO, LDA.

R. Cidade de Manchester, 2 1170-100 Lisboa Telf.: 218130345 Fax: 218166719 e-mail: [email protected] www.silabo.pt

Page 5: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Índice

Prefácio 7

Revisores dos textos incluídos neste volume 11

Parte 1

Contexto Sociolegal

ADOÇÃO HOMOPARENTAL Consensos e controvérsias 15 Rute Agulhas & Alexandra Anciães

Parte 2

Contexto Institucional

OS PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO DAS CRIANÇAS EM CENTROS DE ACOLHIMENTO TEMPORÁRIO Um contributo para a compreensão da realidade portuguesa 49 Inês Amaral & Paula Cristina Martins

AS REDES SOCIAIS PESSOAIS DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO EM REGIME DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL 77 Cláudia Parente, Eloísa Mendes, Vanessa Teixeira & Paula Cristina Martins

AJUSTAMENTO EMOCIONAL E COMPORTAMENTAL DE CRIANÇAS E JOVENS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL Uma reflexão em torno das experiências prévias de mau trato e negligência 103 Eunice Magalhães & Maria Manuela Calheiros

Page 6: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Parte 3

Contexto Familiar

PERCEÇÕES DOS PROFESSORES ACERCA DA HOMOPARENTALIDADE Mais mãe que lésbica, mas mais homem que pai? 129 Joana Pinhel & Carla Moleiro

AS REPRESENTAÇÕES DE CRIANÇAS EXPOSTAS À VIOLÊNCIA INTERPARENTAL ACERCA DAS FIGURAS PARENTAIS Relacionamentos, práticas parentais e cuidados 149 Tânia Mendes & Ana Sani

GUIA DE AVALIAÇÃO DAS CAPACIDADES PARENTAIS Estudo exploratório da fiabilidade em profissionais da proteção à infância 171 Dora Pereira & Madalena Alarcão

Parte 4

Programas de Intervenção

PRÓ.PARENTAL Um programa de intervenção com pais 197 Cláudia Camilo, Margarida V. Garrido & Odete Sá

Page 7: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Prefácio

Na sequência dos volumes anteriores, a obra Crianças em risco e perigo: Con-textos, investigação e intervenção – Vol. IV – pretende constituir-se como um con-tributo para a formação de estudantes e profissionais na área da proteção de crianças e jovens em risco e perigo em diversos setores da atividade de intervenção social e da saúde em Portugal, e ainda como um estímulo ao interesse pela investigação nesta área. Este quarto volume apresenta um conjunto de trabalhos de revisão teórica e pesquisa empírica associados a dissertações de mestrado e a investigações realiza-das em programas doutorais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), e noutras universidades, assim como projetos no âmbito da proteção de crianças e jovens em risco e perigo desenvolvidos por investigadores nacionais.

Os textos que se apresentam neste volume têm subjacente uma preocupação comum: compreender, através de revisão de literatura teórica e empírica, assim como da investigação desenvolvida por alunos e investigadores nacionais, o fenó-meno das crianças em risco e perigo, da família, da comunidade e das organizações a partir de diferentes processos psicossociais, dos diversos contextos de relação social e da interação entre processos e contextos. A vertente formativa deste livro tem subjacente uma sólida componente teórica e fomenta a adoção de um paradigma de intervenção e de serviços específicos baseados na avaliação de necessidades (needs-led services) e na evidência (evidence-based practice), pretendendo contribuir para o desenvolvimento de competências de avaliação e de intervenção nos indiví-duos, nas organizações, nas famílias e comunidades.

Tal como aconteceu com os volumes anteriores, os textos propostos para publica-ção neste volume foram objeto de uma revisão crítica feita por um conjunto de investigadores, num processo de revisão por pares.

O livro encontra-se organizado em quatro partes. As três primeiras incluem textos focalizados em contextos relevantes na área da proteção de crianças e jovens em risco e perigo – o sociolegal, o institucional e o familiar. Enquanto o contexto fami-liar constitui um domínio que tem sido alvo de investigação mais extensiva, e que já foi abordado nos volumes anteriores, os contextos sociolegal e institucional repre-sentam áreas que até ao momento têm sido mais negligenciadas quer no plano da investigação nacional, quer internacionalmente. A quarta parte, na linha do que foi realizado nos volumes anteriores, contempla um programa de intervenção, desta vez focalizado na intervenção com famílias no sentido de desenvolver capacidades parentais em famílias negligentes, ou seja, numa área que se manifesta de maior

Page 8: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

relevo para a investigação – ação – avaliação devido ao pouco investimento que lhe tem sido dedicado, de forma especifica e teoricamente fundamentada.

A primeira parte – contexto sociolegal – inclui uma revisão aprofundada sobre a adoção homoparental. Apresenta assim uma reflexão sobre a temática, quer no plano legal, com a análise do enquadramento legislativo em Portugal e em outros países do mundo, mas também a nível social, percebendo as atitudes e preconceitos, e ainda do ponto de vista científico, através de uma série de dados empíricos.

No que diz respeito ao contexto institucional são apresentados três capítulos. O primeiro foca-se na identificação e caraterização dos problemas de comportamento em crianças inseridas em centros de acolhimento temporário (CAT) no território nacional e ainda nos tipos de respostas previstos por estas instituições para os pro-blemas identificados. O capítulo seguinte procura iniciar o estudo de caraterização das redes pessoais de crianças e jovens em regime residencial. Em linha com a lite-ratura científica aponta para uma relação estreita entre a qualidade dos relaciona-mentos interpessoais significativos, os sentimentos de bem-estar dos indivíduos que os protagonizam e o caráter saudável do seu desenvolvimento psicológico. Final-mente, uma vez que a literatura sugere que as crianças e jovens acolhidos em insti-tuição tendem a revelar problemas significativos ao nível emocional, comportamen-tal e académico e que estas crianças e jovens provêm de famílias vulneráveis e caracterizadas por um conjunto de fatores de risco, apresenta-se uma revisão de lite-ratura que procura compreender de que forma as experiências prévias de mau trato e negligência poderão estar relacionadas com o seu funcionamento psicossocial em acolhimento residencial.

Na terceira parte deste volume centrada no contexto familiar, são apresentados 3 capítulos. O primeiro apresenta um estudo sobre as perceções dos professores acerca das competências parentais e do desenvolvimento de crianças em contexto de famí-lias homoparentais enquadrado na literatura sobre papéis de género. O segundo apresenta dados de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo realizado com crianças acolhidas numa casa de abrigo para vítimas de violência doméstica, com o objetivo de compreender a perceção das crianças acerca das figuras parentais e a sua relação com estas, as práticas educativas e os cuidados. O terceiro capítulo desta secção apresenta um instrumento capaz de operacionalizar a avaliação das capacida-des e competências parentais e de equacionar as possibilidades de mudança do com-portamento parental através da clarificação do perfil da capacidade parental (O Guia de Avaliação das Capacidades Parentais).

Na Parte 4 descreve-se um programa de intervenção dirigido aos pais, com a finalidade de aumentar as suas capacidades parentais na resposta às necessidades das crianças, nomeadamente em famílias negligentes e de estatuto socioeconómico baixo. Por forma a apoiar os técnicos na intervenção com famílias em situação de risco, o presente capítulo apresenta o desenho da intervenção, o modelo teórico de enquadramento do programa e a descrição das suas atividades.

Como organizadoras do livro, gostaríamos de agradecer o contributo de todos os autores para este quarto volume da obra Crianças em risco e perigo: Contextos, investigação e intervenção, e ainda a todos os investigadores envolvidos no processo

Page 9: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

de revisão (adiante referidos), pela elevada qualidade científica dos seus pareceres e sequente contributo para a qualidade dos textos apresentados.

Por fim, renova-se o agradecimento ao Departamento de Psicologia Social e das Organizações do ISCTE – IUL e ao Centro de Investigação e Intervenção Social-IUL, pela colaboração na edição desta obra.

Maria Manuela Calheiros Margarida Vaz Garrido

Page 10: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo
Page 11: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Revisores dos textos incluídos neste volume

ANA MELO, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

CARLA MOLEIRO, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

CECÍLIA AGUIAR, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

CLARA BARATA, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

EUNICE MAGALHÃES, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

JOÃO GRAÇA, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

LÍGIA MONTEIRO, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

LEONOR RODRIGUES, Instituto de Ciências Sociais (ICS), Universidade de Lisboa.

RICARDO RODRIGUES, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

RUTE AGULHAS, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

SALOMÉ VIEIRA SANTOS, Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa.

Page 12: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo
Page 13: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Parte 1

Contexto Sociolegal

Page 14: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo
Page 15: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Adoção homoparental

Consensos e controvérsias1

Rute Agulhas Delegação Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.;

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Cis-IUL

Alexandra Anciães Delegação Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.

Resumo: A adoção de uma criança ou adolescente por parte de um casal com uma orientação homossexual não é possível no nosso país, ao contrário do que acontece em outros paí-ses do mundo. Apesar do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo estar já legali-zado em Portugal, a estes casais são ainda vedadas algumas formas de exercício da parentalidade que não seja a biológica, nomeadamente, o recurso à procriação medica-mente assistida e a adoção homoparental. Esta restrição reflete a ideia de que a orienta-ção sexual influencia as competências parentais, e que nascer e/ou crescer numa família homoparental tem consequências negativas para o desenvolvimento das crianças. Ao longo deste capítulo procuraremos refletir sobre estas questões, não apenas no plano legal, com a análise do enquadramento legislativo em Portugal e em outros países do mundo, mas também a nível social, percebendo as atitudes e preconceitos, e ainda do ponto de vista científico, através de uma série de dados empíricos. A maioria dos estudos remete, de forma bastante consensual, para a inexistência de diferenças ao nível do desenvolvimento de crianças inseridas em famílias homoparentais, quando comparadas com aquelas que vivem com os progenitores de sexos diferentes. Embora algumas des-tas crianças ou jovens reportem sentimentos de estigmatização, associados a uma reali-dade social homofóbica e discriminatória, parecem também encontrar recursos e estraté-gias de coping adaptativas para lidar com essa mesma realidade. Não obstante alguns consensos, observa-se ainda, uma forte controvérsia em relação a este tema, concluindo- -se sobre a necessidade de aprofundar a investigação.

Palavras-Chave: orientação sexual; homoparentalidade; adoção; enquadramento legal; desenvolvimento de crianças e adolescentes.

(1) Todas as questões relativas ao presente trabalho devem ser enviadas para [email protected].

Page 16: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

1 6 C R I A N Ç A S E M R I S C O E P E R I G O

1. Introdução

Embora a homossexualidade seja ainda considerada crime em 76 países (em sete dos quais com aplicação de pena de morte como, por exemplo, no Uganda e no Irão), a sua despenalização verifica-se atualmente em grande parte do mundo. Do ponto de vista médico-psicológico, várias entidades científicas decidiram há várias décadas não estarmos perante uma situação do foro patológico. A American Psychiatric Association foi pioneira neste sentido, ao deixar de classificar, em 1973, a homosse-xualidade como doença, seguindo-se, dois anos mais tarde, em 1975, a American Psychology Association. A despatologização da homossexualidade teve como con-sequência a sua retirada enquanto diagnóstico de transtorno mental (parafilia) da ter-ceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders [DSM-III- -R], quando da sua revisão em 1987. Alguns anos mais tarde, em 1993, a Organiza-ção Mundial de Saúde [OMS], responsável pela edição e publicação da décima ver-são do Internacional Statistical Classification of Diseases and Related Health Pro-blems [ICD-10], adotou igualmente a resolução de retirar a homossexualidade da categoria dos transtornos mentais. Desta forma, atualmente, a homossexualidade não faz parte das classificações internacionais de doenças mentais, sendo considerada não como desvio ou parafilia, mas como um tipo específico de orientação sexual.

Não obstante esta despatologização, a par de numerosas publicações internacio-nais cujas recomendações procuram combater a discriminação em relação à orienta-ção sexual, a conceção tradicional de família, constituída por dois progenitores de sexos diferentes, reforça um conjunto de estereótipos rígidos e homofóbicos, que dificultam o reconhecimento e aceitação de uma diversidade de novas formas de família (Mello, 2005; Relvas & Alarcão, 2002), incluindo aquelas constituídas por progenitores do mesmo sexo.

O enquadramento legal que atualmente vigora em Portugal, e que se assemelha ao de muitos países, na medida em que, apesar de já permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, exclui a possibilidade das pessoas gays e lésbicas exerce-rem a sua parentalidade através da adoção homoparental2 ou recurso à reprodução

(2) A 17 de Maio de 2013 os deputados da Assembleia da República aprovaram na generalidade o Projeto de Lei n.º 278/XII, entregue em 25/07/2012, que prevê a possibilidade de coadoção por parte do cônjuge ou companheiro(a) nas situações de união de fato, entre casais do mesmo sexo «quando duas pessoas do mesmo sexo sejam casadas ou vivam em união de facto, exercendo um deles as responsabilidades parentais em relação a um menor, por via da filiação ou adoção, pode o cônjuge ou o unido de facto coadotar o referido menor» (artigo 2.º, n.º 1), sendo as regras sobre adoção do filho do cônjuge as previstas no Código Civil, subsidiariamente aplicá-veis à coadoção (artigo 2.º, n.º 5). Apesar desta aprovação na generalidade, e antes da discussão da lei na especialidade, o Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a fiscali-zação preventiva da constitucionalidade e legalidade da proposta de ser realizado um referendo, que tinha sido aprovado pela Assembleia da República através da Resolução n.º 6-A/2014. Este referendo, que seria constituído por duas questões («1. Concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adotar o filho do seu cônjuge ou unido de facto?; 2. Concorda com a adoção por casais, casados ou unidos de facto, do mesmo sexo?»), foi considerado a 19 de Feve-reiro de 2014 como não reunindo condições de constitucionalidade e legalidade pelo Plenário do Tribunal Constitucional, conforme consta do Acórdão n.º 176/2014, Processo n.º 100/14, que teve por relator o Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro. Quanto ao Projeto de Lei n.º 278/XII, acabou por não ser aprovado na discussão da especialidade em 14 de março de 2014, vetando desta forma a possibilidade de coadoção a casais do mesmo sexo.

Page 17: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

A D O Ç Ã O H O M O P A R E N T A L 1 7

medicamente assistida, não distingue a orientação sexual da capacidade parental. A sobreposição entre estes dois conceitos reflete a ideia de que nascer e/ou crescer numa família homoparental tem consequências negativas para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente (e.g., Fairtlough, 2008; Farr, Forssell, & Patterson, 2010a), ideia que não espelha, no entanto, os resultados de um corpo significativo de literatura científica (e.g., Bos, van Balen, & van den Boom, 2005, 2007; Patterson, 2000, 2006, 2009).

2. Enquadramento legal em Portugal

2.1. Evolução histórica do regime jurídico da adoção em Portugal

O regime jurídico da adoção em Portugal tem como marco histórico o ano de 1966, quando as alterações introduzidas ao Código Civil [CC], aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro, reconhecem a adoção como fonte de relações jurídicas familiares. De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio, a família é então considerada a principal instituição sociali-zadora das crianças, pelo que, face a qualquer situação em que a família biológica não o pode ou quer fazer, deve a sociedade tomar com urgência medidas para que o menor em risco possa beneficiar de uma relação substitutiva. Desta forma, procura- -se a promoção da proteção das crianças que se encontram desprovidas de um meio familiar normal.

Até 1977, a legislação impunha condições rígidas (Santos, 2002) para um pro-cesso de adoção plena, pelo que a adoção restrita era a regra. Em 1977, com as reformas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, foram suprimidas algumas limitações existentes até então no regime de adoção, permitindo desta forma uma nova dinâmica. A adoção passou assim a ser possível não apenas aos casados há mais de cinco anos (e não separados judicialmente), como também aos não casados e a pessoas com filhos biológicos prévios. Em relação aos menores, suprimiram-se as limitações que existiam relativamente aos filhos dos cônjuges do adotante, ou filhos de pais incógnitos ou falecidos, pelo que passaram a poder ser adotados também aqueles que fossem judicialmente considerados abandonados (e os que residissem com o adotante há mais de um ano e estivessem a seu cargo). Para esta última situação, criou-se e regulamentou-se a declaração judicial do estado de abandono, que permitia a dispensa de consentimento para a adoção por parte dos pais biológicos (In preâmbulo do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio).

Por forma a reorganizar e agilizar os processos de adoção, foram introduzidas sucessivamente alterações ao CC (2010), pelos Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio, Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de maio e, por fim, com o Decreto-Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, sendo as mais significativas as relativas: (a) aumento da idade do menor a adotar; (b) aumento da idade máxima do adotante; (c) diminuição

Page 18: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

1 8 C R I A N Ç A S E M R I S C O E P E R I G O

do tempo de casamento ou união de fato dos candidatos à adoção; e (d) clarificação quanto ao consentimento, bem como a passagem de competência para decidir a con-fiança administrativa ou requerer a confiança judicial do menor, aos serviços de Segurança Social, a quem é reconhecida especial competência nesta matéria.

2.2. Atual regime jurídico da adoção em Portugal

A adoção é entendida como um vínculo que se estabelece entre duas ou mais pes-soas, independentemente dos laços sanguíneos, e tem vindo a ser cada vez mais defendida internacionalmente, por se considerar ser uma das medidas mais eficazes de proteção das crianças, que, pelos mais diversos motivos, vivenciem uma situação de risco ou perigo (conforme decorre da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo) junto das suas famílias biológicas (Santos, 2002). Neste contexto, Portugal acolhe as recomendações e orientações constantes da Resolução n.º 41/85, adotada em 3 de dezembro de 1986 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, quanto à Declaração dos Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças, com especial referência à adoção e coloca-ção familiar, a nível nacional e internacional. Posteriormente, ratifica pelo Decreto do Presidente da República n.º 7/90, de 20 de fevereiro e pelo Decreto n.º 49/90, de 12 de setembro, respetivamente, a Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990. Portugal ratifica ainda a Convenção rela-tiva à Proteção das Crianças e à Cooperação em matéria de Adoção Internacional, assinada em Haia em 29 de maio de 1993, através do Decreto do Presidente da República n.º 6/2003, de 25 de fevereiro.

De acordo com o CC, o vínculo de adoção constitui-se, então, por sentença judi-cial proferida através de processos que correm os seus termos nos Tribunais de Família e Menores ou de Comarca. Os processos são instruídos através de um inqué-rito que visa avaliar o desenvolvimento, a saúde, a situação familiar e jurídica do menor, e a personalidade, a saúde e a idoneidade do adotante para criar e educar o menor, bem como a sua situação económica e familiar e as razões determinantes do pedido de adoção (artigo 1973.º do CC).

A adoção visa realizar o superior interesse da criança e o seu direito fundamental a uma família e é decretada quando apresenta reais vantagens para o menor, quando se fundamenta em motivos legítimos e não envolve sacrifício injusto para os outros filhos do adotante. Pressupõe ainda que entre adotante e adotado se estabeleça um vínculo semelhante ao da filiação, pelo que o adotado deverá ter estado ao cuidado do adotante tempo suficiente para se poder avaliar da existência desse vínculo (artigo 1974.º do CC). Neste sentido Leandro (2014) refere que «sem a probabili-dade séria de estabelecimento do vínculo de filiação não é legítima a adoção como forma de assegurar o direito da criança ao exercício de uma parentalidade posi-tiva» (p. 82).

De acordo com o n.º 1 do artigo 1978.º do CC, o tribunal pode confiar o menor a casal, pessoa singular ou a instituição com vista a futura adoção, quando não exis-

Page 19: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

A D O Ç Ã O H O M O P A R E N T A L 1 9

tam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: (a) o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos; (b) tiver havido consentimento prévio para a adoção; (c) os pais biológicos tiverem abandonado o menor; (d) se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devido a razões de doença mental, puserem em perigo de forma grave a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor, e ainda (e) quando o menor estiver acolhido em ins-tituição ou por um particular e os seus pais tiverem manifestado desinteresse por ele durante, pelo menos, os três meses que antecederam ao pedido de confiança.

A adoção só poderá ser partilhada se as pessoas forem casadas entre si3 (artigo 1975.º do CC). Os candidatos a adoção só poderão ter o adotante a seu cargo, com vista à futura adoção, através de confiança judicial. Esta pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo organismo de Segurança Social da área de residência do menor, pela pessoa a quem o menor foi confiado administrativamente, pelo diretor do estabelecimento público ou instituição particular que o tenha acolhido, pelo can-didato a adotante após ter sido selecionado pelos serviços competentes (quando, por virtude de decisão judicial anterior, tenha o menor a seu cargo) e, ainda, quando reu-nidas as condições para a atribuição da confiança administrativa do menor a seu cargo, o organismo de Segurança Social não tiver decidido nesse sentido (artigo 1978.º do CC).

Existem dois tipos de adoção praticados em Portugal: adoção plena e adoção res-trita. Na adoção plena, o adotado adquire a situação de filho do adotante, integrando- -se na sua família e extinguindo, por isso, as relações familiares entre o adotado e os seus ascendentes e colaterais naturais (n.º 1 do artigo 1986.º do CC). O adotado perde os seus apelidos de origem e, em certos casos, poderá até modificar o seu nome próprio (artigo 1988.º do CC). Neste tipo de adoção não existe lugar à revoga-ção, nem mesmo por acordo entre as partes (artigo 1989.º do CC), sendo os direitos sucessórios dos adotados iguais aos dos descendentes naturais. Após a adoção plena ter sido decretada, a prova dos pais naturais do adotado só poderá ser levantada para efeitos de impedimentos matrimoniais (artigo 1987.º do CC). A adoção plena pode ser requerida por duas pessoas com mais de 25 anos, casadas há mais de quatro anos e não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de fato, ou por pessoa singular se tiver mais de 30 anos de idade, ou mais de 25 anos, e o menor for filho do cônjuge do adotante (n.º 1 e 2 do artigo 1979.º do CC). A idade máxima para adotar são os 60 anos de idade, à data em que o menor lhe tenha sido confiado, quer por via administrativa, judicial ou medida de promoção e proteção, com exceção dos casos em que o menor for filho do cônjuge do adotante. A partir dos 50 anos, a diferença de idades entre adotante e adotado não pode ser superior a

(3) A Lei da União de Facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto) equipara a união de facto ao casamento («a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos» (n.º 2 do artigo 1.º) e reconhece no seu artigo 7.º o direito de adoção em condições análogas às previstas no artigo 1979.º do Código Civil, sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adoção por pessoas não casadas, embora exclua essa condição às uniões de fato de pessoas de sexos diferentes.

Page 20: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

2 0 C R I A N Ç A S E M R I S C O E P E R I G O

50 anos, exceto quando o menor a adotar for filho do cônjuge do adotante ou outras situações especiais (n.º 3, 4 e 5 do artigo 1979.º do CC), como no caso da adoção de fratrias.

No caso da adoção restrita, o adotado conserva os direitos e deveres em relação à família natural, salvo algumas restrições estabelecidas na lei (artigo 1994.º do CC), e pode receber os apelidos do adotante, desde que mantenha um ou mais nomes da família natural (artigo 1995.º do CC). Este tipo de adoção poderá ser revogada se os pais adotivos não cumprirem os seus deveres inerentes às responsabilidades paren-tais ou se a adoção, por qualquer causa, se tornar inconveniente para a educação e os interesses do adotado (artigo 2002.º-C do CC), mas poderá também ser convertida em adoção plena desde que se verifiquem as condições exigidas e o adotante o requeira (artigo 1977.º do CC). O adotante só poderá despender dos bens do adotado a quantia que o tribunal fixar para alimentos deste (artigo 1998.º do CC). O adotado, ou os seus descendentes e parentes do adotante não são herdeiros uns dos outros, nem ficam reciprocamente vinculados à prestação de alimentos (artigo 1996.º do CC). A adoção restrita pode ser requerida por pessoas entre os 25 e os 60 anos, completados à data em que o adotado lhes seja confiado, exceto se este for filho do cônjuge do adotante (artigo 1992.º do CC).

Podem ser adotados plenamente aqueles que, à data da entrada do processo no tribunal tenham idade inferior a 15 anos ou a 18 anos, se não forem emancipados e tenham sido confiados aos adotantes, ou a um deles, antes dos 15 anos, sejam filhos do cônjuge do adotante, se tiverem sido confiados ao adotante, mediante confiança judicial ou administrativa, ou ainda medida de promoção e proteção a pessoa sele-cionada com vista à adoção (artigo 1980.º do CC). No que diz respeito ao consenti-mento para a adoção, o CC prevê quem tem de o prestar, quais as situações em que o tribunal pode dispensar o mesmo, bem como a forma, tempo e caducidade desse mesmo consentimento (artigos 1981.º a 1983.º do CC). Nesta matéria, destaca-se apenas o fato do adotando, quando maior de 12 anos de idade, ter de dar o seu con-sentimento para a adoção (n.º 1, alínea a) do artigo 1981.º do CC).

2.3. Lei sobre a Procriação Medicamente Assistida

Em Portugal, só a 26 de julho de 2006 foi aprovada a Lei da Procriação Medica-mente Assistida [PMA] (Lei n.º 32/2006). Esta lei visa regular a utilização das diversas técnicas de PMA e veio colmatar uma ausência legal nesta matéria, na medida em que as diversas técnicas, entre as quais a inseminação artificial, fertiliza-ção in vitro e outras técnicas laboratoriais de manipulação genética e embrionárias equivalentes ou subsidiárias, eram já praticadas em Portugal, pelo menos, desde a década de 80 do século XX, quando do nascimento do primeiro bebé com recurso a técnicas de inseminação artificial.

Esta lei estipula que as técnicas de PMA são um método subsidiário, e não alter-nativo, de procriação, uma vez que só podem verificar-se mediante diagnóstico de infertilidade ou nos casos em que sejam necessárias para tratamento de doença grave ou devido ao risco de transmissão de doenças de origem genética, infeciosa ou outra

Page 21: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

A D O Ç Ã O H O M O P A R E N T A L 2 1

(n.º 1 e 2 do artigo 4.º). Destas técnicas podem ser beneficiários apenas os maiores de 18 anos que não se encontrem interditos ou inabilitados, em razão de anomalia psíquica, e as pessoas casadas que não se encontrem separadas judicialmente de pes-soas e bens ou separadas de fato ou ainda as que, sendo de sexo diferentes, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos (n.º 1 e 2 do artigo 6.º). Desta forma, são excluídas do recurso a estas técnicas as pessoas singulares ou aquelas que, embora vivam em regime conjugal ou equivalente, sejam do mesmo sexo.

Ainda no âmbito desta lei, são considerados nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, associados à maternidade de substituição, ou seja, quando a mulher se dispuser a suportar uma gravidez por conta de outrem e entregar a criança após o parto (o chamado recurso a barrigas de aluguer). Este procedimento é penalizado criminalmente (artigo 39.º) e a mulher que suportar essa gravidez é considerada, para todos os efeitos legais, a mãe da criança que vier a nascer (artigo 8.º). Tal como definido nesta lei, é também proibida a compra ou venda de óvulos, sémen ou embriões, ou qualquer outro material biológico decorrente da aplicação das técnicas de PMA (artigo 18.º). A sua dádiva é, no entanto aceite quando, por razões médico- -científicas, não seja possível obter-se a gravidez através do material genético dos beneficiários (artigos 10.º e 19.º). Esta dádiva não legitima qualquer direito por parte do doador, que não poderá ver reconhecidos quaisquer direitos em termos de paren-talidade (artigos 10.º e 21.º). No caso específico da inseminação artificial, a criança nascida será considerada filha do marido ou daquele que viva em união de fato com a mulher inseminada, desde que tenha havido consentimento na inseminação (artigo 20.º).

Em 2012, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida [CNECV] emi-tiu um parecer sobre a PMA, onde manifesta a sua censura ética ao fato de a lei vigente excluir o acesso a técnicas de PMA a pessoas que sejam casadas ou vivam em união análoga com pessoas do mesmo sexo e que pretendam fazê-lo pelos seus próprios meios. Assim, de acordo com o parecer do CNECV (2012):

«Quando o Estado não apenas seleciona de forma discriminatória o acesso aos serviços que presta, como proíbe e sanciona pessoas por recorrerem às técnicas de PMA, mesmo recorrendo a recursos próprios e meios privados, deve, dada a importância e gravidade da afetação das opções e da autonomia das pessoas abrangidas pela exclusão e pela proibição, apresentar uma justificação ponderosa para o fazer. No caso, esta condição não parece, até ao momento, satisfeita» (p.7).

2.4. Lei do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo

Em 2010, foi aprovado em Portugal, através da Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Contudo, o artigo 3.º da referida lei constitui um óbice à adoção, na medida em que é referido no seu n.º 1 que «as alte-rações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da ado-ção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuges do mesmo sexo» e, ainda, no n.º 2 que «nenhuma disposição legal em matéria de ado-ção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior». Estas restrições em matéria de adoção acabam por espelhar aquelas já anteriormente

Page 22: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

2 2 C R I A N Ç A S E M R I S C O E P E R I G O

referidas no âmbito da Lei da União de Facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as referidas alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto), uma vez que, embora esta legislação refira que qualquer disposição em vigor no texto da lei é independente do sexo dos seus membros (n.º 3 do artigo 3.º), excluiu dessa situação a situação de adoção (artigo 7.º), equiparando os direitos em matéria de adoção (em condições análogas às previstas no artigo 1979.º do CC) apenas aos sujeitos de sexos diferentes que vivam em união de fato.

Neste contexto, e apesar de em Portugal terem já sido reconhecidas e legitimadas as uniões de fato e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mantém-se alguma resistência no que diz respeito ao exercício da parentalidade por parte de casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. A lei continua, desta forma, a dar preva-lência à biologia, estabelecendo uma clara distinção entre filiação biológica e filia-ção adotiva (Almeida, 2008), limitando as opções de casais do mesmo sexo que, por força da natureza, não possuem capacidade de reprodução. Desta forma, assiste-se em Portugal a um conjunto de situações que são ainda vedadas, nomeadamente, o recurso a técnicas de PMA por parte de mulheres solteiras ou casais do mesmo sexo (Almeida, 2008, 2011), as barrigas de aluguer, a adoção homoparental e a perfilha-ção pelo companheiro/cônjuge do casal do mesmo sexo (designada por coadoção e que acontece nas situações em que os filhos sejam legalmente apenas do outro).4 Ainda de acordo com Almeida (2008), estes impedimentos em função da orientação sexual dos sujeitos acabam por conduzir à procura de outras alternativas, como seja o recurso à PMA em outros países (e.g., Espanha), à doação de esperma por parte de um conhecido ou desconhecido, a projetos de co-parentalidade (e.g., uma mulher lésbica tem um filho com um amigo gay) ou à adoção singular (ocultando a sua orientação homossexual). Estas alternativas podem envolver diversos tipos de reper-cussões, acima de tudo no plano legal, com uma eventual fragilização dos direitos das crianças. Por exemplo, nos casos em que a mulher se recusa a fornecer a identi-dade do progenitor ou menciona o seu desconhecimento quando pretende efetuar o registo civil da criança, o funcionário deve remeter para tribunal a certidão integral do registo, para que seja feita a averiguação oficiosa da identidade do pai, nos ter-mos do artigo 1864.º do CC. Este procedimento justifica-se, na medida em que a filiação é uma das formas possíveis de estabelecer o vínculo de parentesco que une duas pessoas e decorre do direito à identidade pessoal, consagrado na Constituição da República Portuguesa [CRP] (2003). O tribunal deverá então proceder às diligên-cias necessárias para averiguar a viabilidade da ação de investigação da paternidade, nos termos do artigo 1865.º do CC, sendo admitidos como meios de prova do vín-culo biológico, os exames de DNA ou outros métodos científicos comprovados (artigo 1801.º do CC). O Ministério Público promove a ação de investigação, com exceção dos casos em que tiverem já decorrido dois anos sobre a data do nascimento ou quando o grau de parentesco entre a mãe e o pretenso pai for em linha reta ou de segundo grau na linha colateral (artigo 1866.º do CC).

(4) Uma vez que, conforme referido anteriormente, o Projeto de Lei nº 278/XII não foi aprovado na discussão na especialidade por parte dos deputados da Assembleia da República.

Page 23: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

A D O Ç Ã O H O M O P A R E N T A L 2 3

3. Parentalidade e orientação sexual: diretrizes internacionais e nacionais

De entre numerosas publicações internacionais que procuram combater a discri-minação em relação à orientação sexual, destacam-se as orientações de diversas entidades, nomeadamente: American Psychological Association (2004) (adotadas pelo APA Council of Representatives, 2004; ver também Patterson, 2006), American Psychiatric Association (2002), American Psychoanalytic Association (2012), Ame-rican Academy of Pediatrics (2002), American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (2009), National Association of Social Workers (2004), Child Welfare League of America (2012), North American Council on Adoptable Children’s (s/d), Canadian Psychological Association (2006), American Medical Association (s/d), Evan B. Donaldson Adoption Institute (2008), Adoption & Children (Scotland) Act (2007) e The Equality Act (Sexual Orientation) Regulations (2007). Salientamos também a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2010) e as reco-mendações efetuadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [TEDH] que, em janeiro de 2008, decretou que as pessoas não podem ser discriminadas durante pro-cessos de adoção pela sua orientação sexual, uma vez que isso iria contra o estabele-cido na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.5 Por outro lado, também o Committee of Ministers efetuou recomendações (adotadas a 31 de março de 2010 e publicadas pelo Council of Europe Standards em 2011) aos Estados membros da União Europeia, com o objetivo de combater a discriminação relativamente à orien-tação sexual e identidade de género. Estas recomendações salientam ainda os aspe-tos relacionados com o direito ao exercício da parentalidade, seja após um processo de divórcio prévio, no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, seja em situações de adoção ou acesso à inseminação medicamente assis-tida. Assim, e de acordo com as recomendações do Council of Europe Standards (2011):

«Taking into account that the child’s best interests should be the primary conside-ration in decisions regarding the parental responsibility for, or guardianship of a child, member states should ensure that such decisions are taken without discrimi-nation based on sexual orientation or gender identity (...). Taking into account that the child’s best interests should be the primary consideration in decisions regar-ding adoption of a child, member states whose national legislation permits single individuals to adopt children should ensure that the law is applied without discri-mination based on sexual orientation or gender identity (...). Where national law permits assisted reproductive treatment for single women, member states should seek to ensure access to such treatment without discrimination on grounds of sexual orientation» (p. 11-12).

Enfatizam, então, o fato de que, quando os pais se separam ou divorciam, a prin-cipal consideração a ter nas decisões sobre as responsabilidades parentais deve ser

(5) Já em fevereiro de 2013, o TEDH considerou que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ao não permitir a coadoção a um casal do mesmo sexo.

Page 24: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

2 4 C R I A N Ç A S E M R I S C O E P E R I G O

de acordo com o superior interesse da criança, tal como definido no artigo 3.º, pará-grafo 1.º, da International Convention on the Rights of the Child (Council of Europe Standards, 2011). Ter isto em consideração significa que, no âmbito destes proces-sos judiciais, é necessário avaliar aspetos relacionados, por exemplo, com o cuidado e proteção da criança, provisão de educação, manutenção das relações pessoais, local de residência da criança e representação legal, assegurando-se que todas as decisões são tomadas sem discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de género dos progenitores. No que respeita aos processos de adoção e reprodução medicamente assistida, e caso os Estados membros os permitam a pessoas singulares não casadas, devem ser permitidos a pessoas lésbicas, gays ou transgénero, sem qualquer tipo de discriminação, e sempre de acordo com o superior interesse da criança.

Ao nível nacional, salientamos o Relatório de Evidência Científica Psicológica sobre Relações Familiares e Desenvolvimento Infantil nas Famílias Homoparentais, elaborado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (2013), onde se conclui, após extensa revisão da literatura, que as semelhanças entre as famílias homoparentais e heteroparentais são bastante superiores às diferenças que possam existir entre elas. Assim, é consensual que não existem diferenças entre as crianças provenientes de famílias homoparentais e as crianças provenientes de famílias heteroparentais no que diz respeito a aspetos desenvolvimentais, cognitivos, emocionais, sociais e educa-cionais. Em jeito de conclusão geral, é referido que «conclui-se que os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de coadopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais» (p. 31).

Não obstante a existência de diversas publicações internacionais e nacionais cujas recomendações procuram combater a discriminação em relação à orientação sexual, a maioria dos países nega ainda o direito das pessoas gays e lésbicas ao matrimónio, à adoção e à reprodução medicamente assistida.

4. Enquadramento legal em diversos países do mundo

No que respeita à adoção homoparental, diversos países reconhecem as pessoas gays e lésbicas enquanto potenciais pais adotivos, salientando a importância em dis-tinguir a orientação sexual da capacidade parental (Fairtlough, 2008). A Holanda foi o primeiro país do mundo a reconhecer legalmente o casamento entre pessoas no mesmo sexo (com a aprovação da Lei 21/12/2000, que entrou em vigor a 1 de abril de 2001) e a permitir-lhes o acesso à adoção, ainda que apenas de crianças de nacio-nalidade holandesa. Em 2005, a lei passou também a permitir o recurso à adoção internacional. Ainda na Europa, outros países procederam posteriormente a uma revisão constitucional e legislativa, no sentido de reconhecer legalmente o casa-

Page 25: MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS - silabo.pt · do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais. ... relevo

Criançasem Risco e Perigo

Contextos, Investigação

e Intervenção

Este livro procura colmatar uma importante lacuna na divulgação de trabalhos de inves-

tigação na área da proteção de crianças e jovens em diversos setores de intervenção social

em Portugal. Neste sentido, os textos apresentados pretendem identificar e problematizar

tanto o estado da arte como apresentar soluções técnicas nos planos legal, familiar e institu-

cional, dando-se ainda destaque ao desenho de programas de intervenção.

No seu conjunto, os textos incluídos neste livro podem interessar a estudantes de Licen-

ciatura e de Pós-graduação, a profissionais investidos num percurso de aprendizagem ao

longo da vida, bem como a todos aqueles que procuram conhecer abordagens novas na

área da avaliação e intervenção no domínio da proteção de crianças e jovens em risco, e

respetivos contextos de desenvolvimento (família, instituições e comunidade).

Com esta obra pretende-se, assim, promover padrões de qualidade e valores de boas

práticas de intervenção institucional e comunitária na área de populações em risco, e

proporcionar um contributo válido com aplicação em termos das políticas e práticas no

âmbito dos serviços sociais em geral, e do sistema de proteção de crianças e jovens em

particular.

MARIA MANUELA DE AMORIM CALHEIROS é doutorada em Psicologia Social Comunitária, Professora no ISCTE-Instituto

Universitário de Lisboa, onde leciona disciplinas na área da Psicologia Social Comunitária e do Desenho e Avaliação de

Programas em diferentes cursos de mestrado e doutoramento. É investigadora no Centro de Investigação e Intervenção

Social (CIS/ISCTE-IUL) com trabalhos nas áreas do , desenvolvimento e educação, nomeadamente sobre contextos fami-

liares, parentalidade, acolhimento residencial e adoção, com especial enfoque no estudo dos determinantes do bem-estar

psicológico e no desenho e avaliação de programas com famílias e crianças em risco e crianças institucionalizadas. Tem

ainda experiência de consultoria ao nível da definição de políticas de intervenção social quer a nível nacional, quer a nível

do Conselho da Europa. Tem livros publicados e artigos em várias revistas da especialidade nacionais e internacionais.

é doutorada em Psicologia Social e Professora no ISCTE-IUL onde coordena e leciona

unidades curriculares de métodos e de psicologia em cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento e orienta estágios,

e teses de mestrado e doutoramento. É investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS/ISCTE-IUL) onde

desenvolve pesquisa na área da cognição social, e no estudo da influência de fatores contextuais na cognição e julga-

mento social. Na área da psicologia comunitária colabora no Mestrado de Psicologia Comunitária e Proteção de Menores

no ISCTE-IUL e em projetos de investigação e intervenção social comunitária, designadamente na consultoria metodoló-

gica, análise de dados e desenho e avaliação de programas de intervenção social. Tem publicado em revistas e livros da

especialidade nacionais e internacionais.

self

MARGARIDA VAZ GARRIDO

Cria

as

em

Ris

co

e P

erig

o

4

Vo

l. 4 487

7897

2618

7783

9ISB

N 9

78-9

72-6

18-7

78-3

Vol. 4

Organizadores:

Maria Manuela Calheiros

Margarida Vaz Garrido

ED

IÇÕ

ES

SÍL

AB

O

Criançasem Risco e Perigo

Contextos, Investigação

e Intervenção