meninos de rua
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Pesquisa mostra que 13,8% das crianças e adolescentes que vivem nas ruas não fazem uma refeição por dia. Outros 70% foram para as ruas por causa da desestrutura familiar, entre as causas, a falta de alimentação.TRANSCRIPT
SALVADORSALVADOR SÁBADO 16/4/2011A4
REGIÃO METROPOLITANA
VULNERÁVEIS Pesquisa nacional aponta que falta de alimentação é um vetor queaumenta população em situação de rua, onde muitos comem mais que nas casas
Falta de comida leva criançasa habitar as vias públicas
HIEROS VASCONCELOS
Dois pequenos irmãos, de 3 e5 anos, corriam de um ladoparaooutro,naPraçadoCam-po Grande, na tarde de se-gunda-feira, com picolés nasmãos. Remexiam as lixeiras,recebiam moedas dos tran-seuntes, que, preocupados,perguntavam onde estavamos pais deles.
Um pouco distante, a mãe,uma jovem de 20 anos, con-versava com dois homens,aparentemente despreocu-pada com as crianças, quemostravam familiaridadecom a praça. Ao serem per-guntados onde era a casa emque moravam, o mais velhotomou a frente do irmão me-nor: “Na rua! A gente dormeaqui, com a nossa mãe”. Foiquestionado de novo: “O quesua mãe faz?”, para respon-der: “Minha mãe trabalha. Eutrabalho com ela”. E do que sealimentam? “De vez emquando o moço da padaria dáalguma coisa para a gente co-mer”, revelou.
A realidade dos dois me-ninos é a mesma de milharesde crianças e adolescentes doPaís. Este ano, uma pesquisanacional (e inédita), enco-mendada pela Secretaria deDireitos Humanos (SDH) daPresidência da República, tra-çou o perfil das crianças eadolescentes em situação derua e revelou que 13,8% nãoconseguem se alimentar comuma refeição diária, e que70% ganharam as ruas porcausa da desestrutura fami-liar – dentre as causas, a faltade alimentação.
“Tem mais gente passandofome em casa do que na rua,que termina sendo um lugarmais seguro que a casa, e éonde vão buscar comida”, de-fine o membro do ConselhoEstadual dos Direitos daCriança e do Adolescente (Ce-ca-BA), Edmundo Kroger.
Foram entrevistadas 23.973crianças e adolescentes em 75cidades brasileiras com maisde 300 mil habitantes. Na Ba-hia, a pesquisa identificou2.313 crianças e adolescentesem situação de rua (9,6% dototal), ficando atrás do Rio deJaneiro, com 5.091 (21% do to-tal) e São Paulo, com 4.751(19,8% do total).
Fotos Raul Spinassé / Ag. A TARDE / 11.4.2011
Menino perambulapelo Campo Grande,onde vive com amãe e outro irmão
Mona Lisa Nunes: das ruas para a universidade Sono sem sonhos do adolescente viciado em crack
Dois enredos da vida nas ruasDois jovens com experiênciasde vida em situação de rua nacapital baiana estão hoje emsituações distintas. Mona LisaNunes, 23 anos, depois deanos morando na rua com amãe, usuária de crack, e comas irmãs, superou as barreirasda miséria e, hoje, estuda his-tória na Universidade Federalda Bahia (Ufba).
Nas ruas do Centro Histó-rico, um garoto de 15 anos é aimagem do abandono, pe-rambulando dopado pelo cra-ck nas ruas do Pelourinho.
Hoje, Mona Lisa está casadae vende sorvete em casa, nobairro de Santo Antônio Alémdo Carmo. Ela sonha ser pro-
fessora de escola pública, pa-ra mostrar que é possível mu-dar o destino.
Enquanto isso, o rapaz dor-me e não lembra dos sonhosque teve ao acordar. “Não sei...
Eu sonho de vez em quando,mas é difícil lembrar”, diz. Elefugiu de casa, em Pau da Lima,aos 13 anos: a mãe, cobradorade ônibus, e o pai, sapateiro,se divorciaram. E, na primeiraexperiência com o crack, nãovoltou mais: “Ganhei o vícioda rua. Em casa me batiam,aqui não sou mandado”.
Mona Lisa tem lembrançastristes: aos 13 anos, queimouo rosto e o pescoço cozinhan-do em um casarão abando-nado,ondemoroucomamãe,na Ladeira da Preguiça. Pas-sou um mês internada, so-zinha. A mãe chegou a teruma casa – vendida para com-prar drogas.
Após fugir da família, aos16 anos ela concretizou, emmeio às dificuldades, o sonhode estudar: “Trabalhei em res-taurante, fui doméstica, vivicom R$ 150 por mês. Mas ter-minei o ensino médio aos 20anos”.
O garoto dormia ao serabordado pela equipe de re-portagem. De repente, paroude responder às perguntas.Voltou ao sono onde os so-nhos, se existirem, provavel-mente não serão lembrados.Mona quer auxiliar: “Darmoedinha não é ajuda. O queeles precisam é acreditar quepodem ter estudo, emprego,casa. Uma vida decente”.
ONDE AJUDAR
Fundação Dom Avelar 3114-3300
Fundação Instituto São Geraldo3307-6442 Casa de Santa Maria3306-9694 Lar da Criança 3244-3795
Instituição Cristã de Amparo aoJovem 3356-9307 Ajuda Social àCriança 3358-1144 Centro EspíritaCavaleiros da Luz 3363-5538
Pesquisa ouve195 pessoas emsituação derisco na capital
Uma pesquisa desenvolvidacom moradores em situaçãoderuadeSalvador,emjaneirodeste ano, pelo Instituto deHumanidades, Artes e Ciên-cias, da Universidade Federalda Bahia (Ihac-Ufba), revelouque 13,3% dos 195 entrevista-dos saíram de casa por pro-blemas com álcool e drogas –e que 6% deste total têm até 18anos de idade.
Segundo a coordenadorada pesquisa, a professorasubstituta da Ufba Renata Ve-ras, é preciso fortalecer os la-ços dos moradores de ruacom as famílias. “O ideal éfortalecer esses laços, traba-lhar com uma educação bá-sica, orientar as famílias. Issocontribuiriamaisdoquecriarabrigos. E o primeiro passo éconhecer quem são essas pes-soas”, aponta a professora.
“Milagre”“As instituições assistenciaisconveniadas sobrevivem nabase do milagre. É um comer-ciante que ajuda, há doaçõesde voluntários e a determi-nação dos dirigentes. O maisé o milagre divino”, desabafaEdmundo Kroger, membrodo Conselho Estadual daCriança e do Adolescente.
Segundo Kroger, com a di-ficuldade de receber apoio daprefeitura, muitas institui-ções fecharam. “A estruturado abrigo tem que estar vol-tada rapidamente para a rein-serção familiar”.
A supervisora técnica doDepartamento Intersindicalde Estatísticas e Estudos So-cioeconômicos (Dieese), AnaGeorgina, lembra que, namaioria dos casos, os pais vi-vem de trabalho informalprecário, muitas vezes tam-bém nas ruas. Quem tem ren-da de até um salário mínimoconsegue alimentar os filhos.“Compromete de 30% a 40%da renda, por isso que dize-mos que fazem milagre”, elacomenta, acrescentando queo mínimo ideal para o mês deabril, conforme pesquisas doDiese, seria de R$ 2.247,94.
Capital baianaO universo de crianças e ado-lescentes nas ruas de Salva-dor é desconhecido em nú-meros,masprofissionaiseór-gãos de atendimento à infân-cia apontam uma lacuna naspolíticas públicas para aten-der o público infantojuvenil.“Menos de 10% da demanda éatendida pelo município. Omaior atendimento é de ór-gãos assistenciais do terceirosetor. Vivemos uma realidadegravíssima e o município éomisso e negligente”, desaba-fa Mônica Barroso, promoto-ra da Infância e Juventude doMinistério Público (MP-BA).
Ela diz que, desde 2005, aprefeitura assumiu a gestãoplena da Saúde e da Assis-tência Social mas não houveavanços: a Casa de Oxum,criada com a finalidade de sercasa de passagem, virou abri-go e depois fechou, após aqueda do teto. Além dos doisabrigos próprios (Sam e Jô eDom Timotheo), a prefeituratem convênio com 13 insti-tuições filantrópicas, masnão estaria cumprindo com orepasse de verbas. “Em 2010,nenhumainstituiçãorecebeuo repasse. Este ano que elescomeçaram a regularizar a si-tuação”, diz Mônica.
A prefeitura não cumpriuacordo, de 2005, de criar maisabrigos. “Entramos comações para a execução do Ter-mo de Ajuste de Conduta.Sempre que ganhamos emuma instância, o municípiorecorre, vale-se de possibili-dades jurídicas e condenacrianças às ruas, às drogas e àmorte”, acusa a promotora deJustiça.
Secretário dizque abrigosestão sendo“reorganizados”
O secretário municipal doTrabalho e Assistência Social,Oscimar Torres, diz que osabrigos estão em fase de“reorganização” e que estásendo feito um diagnósticodas redes conveniadas paramelhorar as estruturas.
Será utilizado, ainda, umabrigo na Boca do Rio, quefuncionava para receber jo-vens de 14 a 17 anos. Torres dizque as instituições convenia-das que não receberam repas-se em 2010 não prestaramcontas: “As que estão legali-zadas e prestaram contas es-tão com o repasse em dia”.
VerbasEm 2010, a prefeitura rece-beu, do Fundo Estadual de As-sistência Social, R$ 1,9 milhãopara aplicar em abrigos e re-passes às 13 instituições con-veniadas. Segundo a coorde-nadora de proteção social eespecial da Secretaria de De-senvolvimento Social (Sedes),Thaíse Viana, o municípionão usou toda a verba.
“Percebemos que o muni-cípio está com dificuldadede gastar esses recursos e dei-xou um volume na conta queo governo federal vai dar apossibilidade de reprogra-má-lo”, ela informa. Já do Mi-nistério de DesenvolvimentoSocial e Combate à Fome(MDS), por cofinanciamento,o município recebeu, em2010, R$ 984,5 mil para todotipo de assistência social.
Editor-coordenadorCláudio Bandeira
REIVINDICAÇÃO Comerciários fazem protesto emshopping www.atarde.com.br