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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Claudia Pereira Ferraz Ciborgues Coquetes A condição da mulher no Século XXI pela cultura Ciberfeminina MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo 2015

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Page 1: MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo Pereira... · A condição da mulher no Século XXI pela cultura Ciberfeminina Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Claudia Pereira Ferraz

Ciborgues Coquetes

A condição da mulher no Século XXI pela cultura Ciberfeminina

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo

2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Claudia Pereira Ferraz

Ciborgues Coquetes

A condição da mulher no Século XXI pela cultura Ciberfeminina

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em CIÊNCIAS SOCIAIS, sob a orientação

da Prof.ª Dra. Eliane Hojaij Gouveia.

São Paulo

2015

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

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Dedico este trabalho

Á minha filha Stephanie

e minha mãe Rosa

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Apoio

Ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e

Tecnológico por ter sido bolsista.

Este apoio foi fundamental para o

desenvolvimento deste estudo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço o apoio de todos que incentivaram o estudo acadêmico de meus

questionamentos e reflexões sobre as questões femininas pertinentes à vida vivida e

digitalmente iluminados na interface do Facebook. Entre os que me apoiaram,

destaco:

A professora Eliane Hojaij Gouveia, professora orientadora, que desde a Graduação

me inseriu no ambiente da pesquisa. Em meu retorno às Ciências Sociais, conduziu-

me intelectualmente de maneira inspiradora, durante todo o processo do trabalho.

Muita gratidão pela sua paciência e por sua capacidade de lapidar-me

academicamente, enquanto eu ainda era uma estudante em “estado bruto”.

Aos demais professores do mestrado, os quais foram capazes de oxigenar novamente

as Ciências Sociais em minha vida e me recolocar a par das recentes diretrizes dos

estudos da cultura e da sociedade, reativando a minha paixão pela Antropologia e pela

prática etnográfica. Foi um imenso prazer compartilhar a sala de aula dos professores:

Carmem Junqueira, Edgar de Assis Carvalho, Luiz Eduardo Wanderley, Rosimere

Segurado e Carla Cristina Garcia. À esta última, Profa. Carla, coloco um

agradecimento especial, e também ao seu grupo INANA, no Facebook. Ainda entre os

atuantes do programa, expresso a gratidão pela atenção da Katia como a

comunicação direta com a secretaria da Pós Graduação em Ciências Sociais da PUC-

SP, sempre orientando e esclarecendo todas as dúvidas e questões na esfera

burocrática da academia.

Às Professoras doutoras: Teresinha Bernardo e Monica Bernardo Schettine Marques,

expresso minha gratidão por gentilmente formarem a minha banca de qualificação.

Agradeço mais uma vez, às professoras doutoras, Terezinha Bernardo, Monica

Bernardo Marques; assim como às professoras doutoras Regimere Oliveira Maciel e

Elisabeth F. Mercadante pela delicadeza de aceitarem formar a banca examinadora

desta pesquisa.

Quero agradecer também à Thalita Hamaui, por me receber tão bem em sua casa e

me acolher de maneira tão confortável e familiar no início do percurso dessa pesquisa.

À Leca Calvi, Vanessa C. Magalhaes, Marilis A. Millani Vieira, Isaac Ferraz e Ozzie

Gehrart, por ouvirem atentos e curiosos os levantamentos prévios, e as construções

posteriores relevantes a essa reflexão sobre a condição feminina contemporânea.

Destaco novamente minha gratidão à Thalita e Leca que, em conjunto com Sérgio C.

Guizé e Henrique Carcarah, permitiram-me pela experiência vivida, vivenciar a

situação adequada ao questionamento dos valores femininos de matriz tradicional, que

ainda sujeitam moralmente a atuação da mulher; inspiração chave para levantar os

primeiros problemas e direcionar a base deste estudo. E, por fim, coloco aqui o

agradecimento ao meu irmão, Joao Paulo P. Ferraz, por ser um grande incentivador

de minha futura permanência no exercício intelectual e acadêmico das Ciências

Sociais.

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RESUMO

A presente dissertação é um estudo etnográfico em comunidades femininas e

feministas do Facebook baseado nos recentes estudos metodológicos para coleta e

análises de dados no contexto virtual. Pelo fenômeno da explosão das tecnologias em

mídias sociais, mapeei uma categoria feminina na rede social e a denominei de

“Ciberfeminino”. Tal terminologia, se faz aqui representativa dos traços patriarcais e

midiáticos, típicos da mercado na cultura da feminilidade digital. A análise dos perfis

pessoais online (entre meninas, mulheres e senhoras) utilizada para contornar o

ciberfeminino foi desempenhada, a partir da prática da observação oculta de paginas

pessoais e do monitoramento das comunidades selecionadas. O reflexo do feminino

na rede social é analisado, por esta dissertação pelos retratos e autorretratos,

“postados”, os quais reproduzem a feminilidade ditada pelos valores tradicionais e

midiáticos. Então denominei estas atrizes sociais/virtuais que atuam no Ciberfeminino

da rede social, como Ciborgues Coquetes. Assim, demonstrei as semelhanças das

características do perfil da cultura feminina apresentada, imersas na referência

simmeliana, onde a sensualidade explícita nas poses, nos olhares e nos sorrisos,

contornam um segmento da cultura feminina chamado de “coquetismo”. Estas utilizam

a tecnologia instrumentalizada para reproduzir e disseminar a imagem feminina

baseada na “beleza” sexualizada trabalhando desse modo, o seu auto-marketing

social/virtual. Por outro lado, na mesma esfera das relações sociais/virtuais está a

condição tradicional que persiste em massacrar a identidade libertadora da

sexualidade da mulher. E como contraponto, apresentei os recentes desdobramentos

das causas, as quais as comunidades feministas do Facebook levantam e contestam.

Sob este contexto, o trabalho abordou a classe feminina desmembrada em nichos

sociais com valores coercitivos, redimensionando para a vida online o ideal

foulcaultiano de panóptico. Desse modo, demostrei que as pressões sociais pela

visibilidade podem estigmatizar ou disciplinar as categorias femininas, aos princípios

puramente estéticos da imagem e/ou moralmente tradicionais como signos máximos

do feminino brasileiro no Facebook.

Palavras-chave: feminino, feminismo, rede social, etnografia online.

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ABSTRACT

This dissertation is an ethnographic methodological study on feminine and feminist

communities of Facebook based on recent studies for data collection and analysis at

the virtual context. From the phenomenon of the explosion of technology in social

media, I mapped a female category in the social network, that I have termed as

"Ciberfeminine”. Such terminology, this is a representation of the patriarchal and media

features in the femininity digital culture. This analyse used like resource, those online

personal profiles (among girls, women and ladies) used to circumvent the ciberfeminino

was done, from the practice of hidden observation of personal pages and monitoring of

selected communities. The reflex of female at the social network is analysed in this

dissertation, from the portraits and self-portraits are "posted", which reproduce a virtual

actresses acting in “Ciberfeminine” at the social network, as “Cyborgs Coquettish”. Like

this, I showed the similarities of the profile characteristics of female culture presented,

immersed in Simmelian reference, where the explicit sensuality in the poses, in the

looks and in the smiles, surround a segment of female culture called "coquetry." They

use the instrumentalized technology to reproduce and disseminate the female image

based on sexualized "beauty", working in this way, the social / virtual self-marketing.

On the other hand, in the same sphere of social / virtual relationships, the traditional

condition persists massacring the woman's sexuality release. As a counterpoint, I

presented the recent developments of causes, on which feminists communities in

Facebook have raised and have challenged. In this context, the work approaches the

female class split into social niches, propagators of coercive values, scaling for online

life the ideal of Foulcault panopticon. Thus, I demonstrated that social pressures for

visibility may stigmatize or disciplinary female categories, from aesthetic values of

image and/or from traditional moral to feminine principles, reflecting the maximum of

quantitative signs in Brazilian feminine exposed on Facebook.

Key-words: femimine, feminism, social network, online ethnography.

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SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................... 10

Condições femininas reais pelos avatares digitais ......................................... 10

Capítulo I – Feminilidade online .................................................................. 29

1.1. Feminilidades – entre Coquetismos e Ciborguismos ............................ 30

1.2. Do Ciberfeminismo ao Ciberfeminino ..................................................... 47

Capítulo II – Compreendendo a condição feminina pela etnografia online

das comunidades virtuais no Facebook .................................................... 55

2.1. Do cinema à mulher online imaginária – as poses que cobrem as dores ..... 56

2.2. “As Mulheres Perfeitas” .......................................................................... 76

2.3. “As Mulheres que Oram” ........................................................................ 98

Capítulo III – Feminismo online e a condição da mulher no Século XXI .... 110

3.1. “Feminismo sem Demagogia” – Ciberfeminismo no Facebook ........... 111

3.2. A condição feminina sob o panóptico relacional online ........................ 125

Considerações Finais ................................................................................ 141

Bibliografia .................................................................................................. 147

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Introdução

Condições femininas reais pelo avatares digitais

Um marco da segunda década do século XXI pode ser observado

pelas tecnologias relacionais da comunicação, instrumentalizando a

sociabilidade e a identidade para o que é chamado neste estudo de

automarketing de si. Essas tecnologias e mídias sociais, em especial o

Facebook, surgem como uma plataforma que abrange contatos e conexões em

larga escala, além de tornar o espaço virtual propício à construção e interação

de identidades sintetizadas em imagens calculadas e configuradas sob a

interface do Facebook.

Nesse campo virtual, grupos online agregam seguidores que se

identificam com alguns temas, entre outros milhares existentes na rede social,

constituindo um panorama comunicacional que interage em “tribalismos”

digitais ou comunidades virtuais.

Os procedimentos metodológicos dessa pesquisa possibilitaram

diferentes passos sobre a coleta de dados, uma vez que a coleta dos primeiros

dados era em busca da identificação do perfil pessoal como personificação

feminina online, de um projeto de identidade de si atuando individualmente.

Comecei, então, a construção de um arquivo de dados e fui

percebendo como esses perfis pessoais interagem socialmente em seus

contatos pessoais 1 e em suas “comunidades virtuais”. Assim, criando um

arquivo de dados brutos, sobre feminilidades no Facebook, passei a ter certeza

de que os perfis selecionados, bem como as comunidades temáticas

relacionadas ao meu objetivo de pesquisa, no campo das relações

sociais/virtuais, apontavam-me um problema seguindo a proposta de Skågeby

1 Os depoimentos e expressões na rede social Facebook, são públicos, por isso, não houve necessidade

de termos de autorização.

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(2013), que me possibilitasse mapear o problema que pudesse emergir das

primeiras análises de tais dados.

Desse modo, percebi que esse fenômeno comunicacional da rede

social passou a oferecer à contemporaneidade, o deslocamento do sentido da

palavra “comunidade”, assim como estendeu o sentido dado à “identidade”,

graças à sociabilidade no ciberespaço. Reconheço que o ambiente social do

Facebook é um espaço de construção de identidades, as quais a seleção

adequada de perfis pessoais representativos dessas identidades femininas

serviram, conforme mencionado por Skågeby (2013), como “dados chaves” que

me levariam a diagnosticar o problema. Esses dados foram contextualizados e

se mostraram muito ricos porque demonstraram que poderiam ser avaliados

sob diferentes perspectivas como de gênero, mídia, identidade, processos

comunicacionais da imagem e da tecnologia, por exemplo.

No contexto sociológico, a presente dissertação de mestrado, à luz de

Stuart Hall (2006), procurou conceituar as identidades que, antes vistas como

unificadas, estabilizaram o mundo social, mas atualmente se encontram em

declínio, o que faz surgir novas identidades de um indivíduo fragmentado.

Conforme as primeiras análises dessa pesquisa, no que diz respeito à

identidade social/virtual feminina, a estrutura da feminilidade pautada na

sensualidade, na beleza e na maternidade abrangem a grande maioria dos

fragmentos de si publicados em páginas pessoais, de perfis online femininos.

Os pressupostos de Bauman (2003) couberam perfeitamente ao que

encontrei nos dados. Para o autor, identidade significa “aparecer”, por isso esse

trabalho percebeu que atitude feminina em rede online procura o que o autor chama

de “comunidades cabides”. Para que, em conjunto às supostas similares, seja

possível refugiar-se na identificação coletiva de ações individualistas, não

encarando a precariedade e a vulnerabilidade da uma construção autônoma da

identidade, sem as influências das referências já dadas.

Sobre a “autoconstrução” da imagem, foi possível perceber que a

referência pontuada por Castells (1999), numa afirmativa que implica a

mobilização das mulheres em mudar do que são para o que querem ser; não

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muda em seus valores tradicionais. Para ele, essa reivindicação de identidade

significa a construção também de poder, e isso fez sentido para a realização

dessa dissertação de mestrado, quando esse poder está relacionado à

reprodução da identidade, e não à superação das matrizes tradicionais

socialmente construídas. Portanto, das primeiras análises dos dados brutos

emergiu uma negativa à Castells (1999), bem como os primeiros diagnósticos

do problema das matrizes tradicionais e patriarcais incorporados nas

expressões femininas online no Facebook.

A categorização dos dados dessa pesquisa demonstrou uma

feminilidade padrão nas poses e no conteúdo postado, que questiona esse

“poder” de Castells, quando a “autoconstrução” da identidade online atende,

em sua maioria, aos modelos dados e submissos a um “poder” já instituído

que, pelas antigas e novas mídias garante-se no fato de manter-se onde está e

manter o ideal de mulher restrito às questões do “coração”, moda e beleza,

conforme Morin (2011) já colocava muito antes das redes sociais em Cultura de

massa do século XX. As transformações ao que almejam ser, bem como o

poder que isso gera encontram-se na esfera estética, física e acompanham o

sonho da ascensão social. Não por acaso é fácil se ouvir entre o senso comum

que “não existe mulher feia existe mulher mal cuidada”.

Conforme explicitado anteriormente, as primeiras impressões

decorrentes das análises sobre tecnologia e gênero deixavam clara a rigidez da

estrutura feminina e patriarcal em suas próprias “postagens”. Ao contrário da

proposta de Castells sobre o “empoderamento” do feminismo e a decadência

do patriarcado, na sociedade da informação, essa dissertação tem por objetivo

explicar que a direção é bem oposta em relação ao que o autor entende sobre

o poder da “identidade”.

Ao investigar a ação social/virtual na rede, ciborgues coquetes e o

ciberfeminino essa pesquisa concentrou-se no movimento dado pela ação do

público feminino no Facebook. Trata-se de um estudo antropológico de gênero

e de mídia2, inspirado pela sociologia do cotidiano, cujo objetivo é pensar as

2 Enfatizo esse trabalho como um estudo antropológico de mídia, além de gênero, retificando uma

referência importante para essa pesquisa baseada no texto: Rethinking Ethnography: an Introdution

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sociabilidades online feminina. Compõe-se de um estudo de gênero tendo em

vista que analisa os preceitos patriarcais oriundos das esferas sociais,

tradicionais e midiáticas por trás da composição de si e da interação, trazendo

à tona a identidade virtual feminina3 . É também um estudo de mídia, por

investigar a interface tecnológica como a plataforma comunicacional e

relacional das mídias sociais; derivada e abrangente das outras velhas mídias.

Com inspiração na sociologia do cotidiano, foca-se no exercício rotineiro de

relacionar-se em mídias sociais online, para, assim, demonstrar a atuação

ciborgue coquete seguindo um script social, não se trata de um script novo

para condição da feminilidade e atende, ainda, a certas “qualidades” para

mulheres de séculos anteriores.

O resultado do monitoramento contínuo das comunidades e a seleção

de perfis que correspondessem a esse estudo exigiu maior organização em

termos metodológicos de investigação. Em razão disso, passei a nomear as

pastas e categorizar as identidades estudadas como tipos sociais, feministas e

femininas, na sequência separei e denominei os arquivos. Após coleta das

fotos das femininas e um estudo mais profundo do “latifúndio” das poses, dos

olhares e da sensualidade em fotos “postadas” no Facebook foi possível

estabelecer relação com os estudos sobre o “feminino” de Georg Simmel e seu

conceito coquete, designado nessa pesquisa vulgarmente como a

sensualidade transbordante.

Com base na necessidade de organização do banco de dados, o

trabalho demandou a necessidade da ressignificação de conceitos já existentes

na esfera da “Cibercultura” (Levi, 2010) e do “Ciberfeminismo” (Plant, 1995)

para categorizar e denominar o feminino contemporâneo refletido digitalmente

(2012). Traduções de recentes manuais de pesquisa foram realizadas para suporte metodológico do

projeto de pesquisa, já que as produções antropológicas nacionais para etnografia no campo virtual não

davam conta da demanda dos dados para análise e antecediam a emergência das redes sociais virtuais.

Especificamente nessa tradução, o texto de Heater Horst, Larissa Hjort e Jo Tacchi destacou-se no início

da pesquisa, pois lamenta que as pesquisas de mídias ficaram a cargo das ciências da comunicação e

são, em sua maioria, quantitativas. Defende os desdobramentos das mídias antigas às novas, como parte

de um fenômeno cultural, que tem as Ciências Sociais e seu formato qualitativo de análises, os mais

propícios a dar conta da qualidade deste tipo de estudo. 3 A condição da identidade feminina em rede social online é reconhecida por essa pesquisa, pelas

características compostas por preceitos tradicionais, midiáticos e mercadológicos que seguem

construindo a feminilidade em lado oposto ao feminismo que trata criticamente esses aspectos contrários

à emancipação da mulher.

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em rede virtual. É a ressignificação desta base conceitual que lança a

terminologia que este estudo apresenta sobre o “ciberfeminino”

Após a organização do banco de dados, constatei que um estudo mais

aprofundado sobre as expressões femininas, com base em traços de

sensualidade leve ou óbvia, carecia de um fundamento sociológico de análise

da cultura feminina, encontrado nos pressupostos de Georg Simmel (2001) e

seu olhar sobre o coquetismo. Essa expressão ficou evidente na tela digital,

apresentando uma construção por autoimagens expostas de modo a evocar a

sedução, bem como a pertinência de se fazer excitável. Percebi que na

extensão desse jogo, e a inclusão dessa bibliografia simeliana, que a sedução

segue como garantidora da áurea da volúpia consumista que até a presente

contemporaneidade rege a cultura de mercado.

Ao me apropriar do conceito de coquetismo, foi possível ressignificá-lo,

na medida em que identifiquei seus reflexos na esfera das imagens femininas

em mídias sociais, por suas próprias expressões. Assim criei a categoria

feminina ciborgue coquete, como fruto de um trabalho que observa a

feminilidade virtual, como consequência histórica socialmente construída do

ideal feminino.

O jogo da coquete ciborgue corresponde aos preceitos da sociedade para

construir sua própria personagem virtual. Os instrumentos para esta

autocomposição servem-se dos mesmos elementos conceituados por Goffman

(1975), sobre o efeito de “fachada”, como construção do que se quer apresentar de

si. Nessa pesquisa, as viabilidades para construção dessa “fachada” são

instrumentalizadas tecnologicamente, com intuito de aperfeiçoamento da imagem e

da identidade, disseminadas socialmente no ciberespaço.

O aspecto virtual da recente sociabilidade digital, também adotada na

esfera “teatralidade social”, mais uma vez foi tão conceituada por Goffman (1975),

foi reapropriada nesse estudo para pensar as telas digitais como o palco virtual das

relações comunicacionais, proporcionadas pelas novas tecnologias.

A presente investigação utiliza-se de outra ressignificação para trazer o

sentido da dependência da conexão online, como o novo “ciborguismo”. Uma

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nova condição humana foi analisada considerando-se a aderência a um

aparelho tecnológico incorporado no corpo e na identidade: sua marca

representa uma “grife”, uma condição social, em aspectos constitutivos de

identidade social/virtual. Considerei o novo sentido de ciborgue que remete à

Bauman (2004), quando ele designou como a “sensação de vazio”, existente

na falta do aparelho em conexão que serve como reformador do sentido de

presenciar os momentos destinados à publicação em rede online.

A vida contemporânea parece fazer mais sentido quando fragmentada

em “postagens” publicadas no Facebook e Instagran. O ciborgue atual sente-se

amputado da capacidade de memória e sociabilidade, sem o aparelho de

mídias móveis. É perceptível a perda da abrangência da segurança em se ter

nas mãos todos os contatos conectados, conforme Bauman (2004) já expôs, e

no acesso ao registro de todos os momentos que as pessoas parecem felizes

nas redes sociais. Percebe-se que a falta dos smart celulares ainda debilita a

rotina de organização, quando é impossibilitada a visualização das informações

gravadas na memória digital do aparelho.

Diante disso, o que nesse estudo é tratado como coquetismo ciborgue

é relacionado ao que Bauman (2007) e Morin (2011) entendem a respeito do

lazer determinado por alguma técnica, capacitando a individualidade a

consumir a própria vida e existência. Na mesma esfera do que Bauman chama

de “ética de lazer”, está narcisismo online, como uma construção de si, a partir

da auto apresentação de imagens pessoais selecionadas, retratando assim, o

lazer e a satisfação despertados pela auto-admiração na tela, pelas

“postagens” no Facebook. Esse fato obedece à sua maneira compatível aos

principais preceitos de feminilidade, oferecidos pela cultura de mercado e das

mídias. Conforme Morin, e Wolf (1992) “a feminilidade substituiu o feminismo”,

e é neste caminho que se justifica essa investigação: a cultura feminina no

ciberespaço como representação da real condição da mulher no começo do

século XXI.

Feminilidade atrelada à beleza é o que Wolf (1992) explica quando a

busca da “beleza” feminina é geradora de situação de eterna insatisfação com

a própria imagem. A autora acrescenta que isso não tem nada de inocente,

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pois é parte de uma estratégia com intuitos políticos/mercadológicos

extremamente fortes e totalitários. Nesse contexto, a beleza na feminilidade é

como projeto de aquisição que toma as poucas brechas do tempo da mulher, e

as preenche com diversas práticas para moldar o corpo, as unhas e os cabelos

na tentativa de encontrar mais satisfação consigo. Segundo a autora, isso foi

se inserindo de modo perverso para que o desenvolvimento e emancipação

feminina fossem impedidos.

A ciborgue coquete traz em suas imagens online a exibição do

desempenho desses moldes femininos delimitando o valor da mulher pela

imagem é resultado da autoconstrução de sua “beleza” nas “postagens” do

perfil pessoal. Esse objetivo da mulher que posta fotos no Facebook será

correspondido com números expressivos de “curtir” e elogios de “amigos”

ativos em conexão. Essa rotina ritualizada de publicar autorretratos e

fragmentos da vida privada está presente no ato de se promover, provocando

uma coletiva embriaguez feminina. Isso significa que a inquietação,

consequente pela não adequação da realidade à imagem, tenta sempre ser

curada pela incansável busca de adequação a ela. As recentes viabilidades

tecnológicas para essa adequação são nítidas pela disposição de aplicativos e

filtros de imagem para os ajustes adequados às publicações em rede social.

Na busca por dados sobre o Feminino na rede social, tive contato com

a literatura sobre ciberfeminismo. Segundo Plant (1995), a idealizadora do

termo, esse movimento se compôs na esperança da apropriação do “sujeito

nômade”, no ambiente do ciberespaço ativado pela capacidade de conquistar

novas liberdades e emancipações. O ciberfeminismo, para a autora, era

enaltecido a uma condição de resistência bastante política e redimensionada

pela tecnologia, para assim poder questionar os códigos vigentes presentes em

gênero e gerações; consagrados na realidade dicotômica. A partir disso, Plant

ainda pretendia libertar a mulher dessas prisões dualistas, pelo menos no

ambiente do ciberespaço.

Por meio dos dados obtidos com o ciberfeminismo, foi possível

novamente, tendo por base os escritos de Sadie Plant (1995) e Hanna

Haraway (1985), categorizar e armazenar um material bibliográfico online, que

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demonstrava um feminismo utópico existente muito antes da explosão das

mídias móveis e das redes sociais Nesse estudo, houve outro ponto de partida

para deslocar e recontextualizar de modo a ressignificar tais conceitos, nos

desdobramentos virtuais, das expressões femininas dispostas no Facebook.

O problema diagnosticado nos dados coletados em perfis pessoais no

Facebook, e considerando a literatura ciberfeminista, possibilitou a descoberta

de que a recente ciborgue, frequentemente conectada em suas mídias móveis,

é uma reprodutora das condições femininas tradicionais, patriarcais e

midiáticas, não revolucionando os valores dessas estruturas sociais, como

almejava Hathaway (1994) e seu conceito de ciborgue numa esfera sistêmica.

O sentido de ciborgue, em sua origem ciberfeminista, foi propagado

pelo manifesto de Donna Hathaway (1984), quando esse conceito pervertia,

subvertia e transcendia o feminino alimentando-o de consistência política,

mesmo com os sentidos metaforizados, quando o manifesto claramente se

referia a este ensaio como “um argumento em favor do prazer da confusão de

fronteiras”. Considera também que esse manifesto foi um esforço que contribui

para o que se chama de “cultura socialista-feminista e pós-modernista” rumo à

utopia de um mundo sem gênero.

A investigação sobre as expressões femininas e feministas no Facebook

pode alegar que o “ciborguismo”, de Hathaway (1994) foi uma utopia sufocada pela

cultura de mercado e patriarcal ditando as regras do senso comum, por outro lado,

serviu de base para o movimento queer, que, segundo Beatriz Preciado (2003), é a

“oposição às políticas paritárias derivadas de uma noção biológica da “mulher” ou

da “diferença sexual””. Considerando a dicotomia de gênero como construção

cultural e histórica bastante violenta, a noção de “multidão queer” se opõe

decididamente à “diferença sexual”. Alguns fragmentos da dimensão “pós-feminista”

do queer podem ser mapeados no conteúdo das publicações da comunidade

virtual, “Feminismo sem demagogia”. Essa comunidade virtual feminista representa

um contraponto às comunidades ciberfemininas e ao movimento contemporâneo

das atrizes femininas em rede social.

A ciborgue ciberfeminina, no conceito representado pelo coquetismo,

em sua versão online, remete ao que Hall (2006) chama de “celebração móvel”

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dos conceituais delimitadores das “diferenças” identitárias, pela exacerbação

da vaidade física refletidas nas publicações de seus autorretratos. Mesmo

sendo uma “identidade transitória”, e não fixa, conforme sugere Tukle (1985), a

condição virtual, essa investigação explora é a não superação das bases

estruturais tradicionais de feminilidade; na tecnologia relacional. Revolucionou-

se a comunicação, mas não os conceitos tradicionais dos gêneros nos fatos

sociais, nem deseja revolucionar.

Portanto, o termo ciberfeminino adotado nessa pesquisa se contrapõe

ao termo ciberfeminismo. Isso ocorre porque, conforme o primeiro capítulo vai

demostrar, a raiz ciberfeminista encontrava-se no “Manifesto Ciborgue” de

Hathaway (1985), sustentando a ideia de revolução dos corpos pelas

máquinas, já o ciberfeminino utiliza os recursos das máquinas tecnológicas

para retificar a dicotomia de gênero e a tradição atrelada à feminilidade nas

suas manifestações em rede social. O Ciberfeminino, então, trata-se de uma

categoria criada, partindo da análise constante de imagens e mensagens

localizadoras e confirmadoras dos explícitos e intrínsecos elementos de

feminilidades, tradicionalmente marcados e desenhados pela cultura

midiática/patriarcal e de mercado. Baseia-se no padrão social de adequação da

feminilidade, consistente e pertinente em imagens de referenciais de

sensualidade e maternidade. Essas informações são fluidamente dispostas na

rede social Facebook, em publicações selecionadas e coletadas para frequente

reflexão do conteúdo dessa pesquisa.

Como pesquisadora, recorri à metodologia de investigação trabalhada

por Jogen Skågeby (2013) que lançou um manual de etnografia online para

pesquisas qualitativas em comunidades virtuais: Online ethnographic methods:

towards a qualitative umderstanding of virtual community practices. Essa obra

levantou o debate sobre a ética nesse tipo de etnografia, bem como a prática

de pesquisa como observador oculto, como mencionado anteriormente.

É Importante esclarecer sobre a ética na investigação desse trabalho,

uma vez que se discuti a beleza, a vaidade e outros aspectos constituintes da

feminilidade observada em perfis pessoais. As publicações e comunidades

representativas da autuação das coquetes ciborgues no contexto ciberfeminino

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são representações individuais de um “sistema social amplo e totalitário” que,

segundo Wolf (1992), segue dirigindo a atuação feminina. Por essa razão,

ciborgues coquetes é parte do título dessa pesquisa.

O trabalho de pesquisa em rede social busca o foco de investigação a

partir das experiências diárias de monitoramento dos conteúdos e dos

comentários dispensados na rede social. As constantes interferências das

“agendas pessoais” e fragmentos de histórias particulares e privadas no campo

de estudo da rede social lançam um desafio para concentração apropriada à

pesquisa. Outra dificuldade do olhar investigativo ao pesquisar o Facebook,

encontra-se no grande volume de informações que as comunidades femininas

e feministas marcadas oferecem. No início da pesquisa, a rapidez desse

processo apressava o desempenho das análises das postagens anteriores, a

fim de dar conta das próximas.

Assim, um limite deve ser imposto, mesmo sendo quebrado, quando novas

e relevantes postagens presenteiam a rotin4 de pesquisa, principalmente ao final da

dissertação, pois, sem o esforço de um limite, o exercício de etnografia online

demonstrou que pode ficar “sem fim”, pelas inúmeras extensões analíticas que

Sheppard (2010) mostrou ser possível desempenhar, sob o domínio da

Antropologia das mídias sociais e dos dados de campo virtual.

A pesquisa online é multimídia, então o banco de dados não era

composto só de comunidades online e perfis relevantes. Entre os dados

eletrônicos levantados, há livros online, textos em pdf, revistas digitais, vídeos,

entrevistas de jornais versão online e fotos; há ainda material físico como livros

e textos que foram sintetizados nomeados e armazenados em arquivos. Para

reunir todos os dados, foi necessário um Hd externo, para não prejudicar as

capacidades de conexão do computador, garantido a segurança das

informações, bem como a qualidade das horas diárias em conexão. Dessa

maneira, o computador passou a ser o campo, o arquivo e o instrumento de

4 Pelo fato de possuir “smartphone” conectado às comunidades vinculadas ao nosso objeto de estudo,

estava em contato constante com as atualizações de postagens. A vida pessoal interligada ao objeto de

pesquisa e ao ambiente virtual, como campo de investigação inundou nossa pesquisa em demasiadas

informações que exigiram procedimentos constantes de organização de dados , bem como a necessidade

de desconexão para uma reflexão menos poluída.

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produção e armazenamento do conhecimento. Para a realização dessa

pesquisa, foram dedicadas de cinco a oito horas diárias para o monitoramento

contínuo das comunidades e perfis do Facebook, intercalando-se com as

leituras e escritas no computador.

Seguindo a literatura metodológica de Skågeby (2013), a seleção das

comunidades virtuais ocorreu pela identificação temática e a entrada em fóruns

com o objetivo de utilizá-los como fonte de informações. Após coleta dos

dados, foi possível diagnosticar muita similaridade entre as comunidades de

mesma temática, por isso, inicialmente, optei pela seleção de 31 comunidades

femininas e feministas no Facebook, sendo que três delas foram escolhidas

para a realização dessa pesquisa. As comunidades selecionadas para a

realização desse estudo foram “mulheres que oram”, “mulheres perfeitas” e

“feminismo sem demagogia”. De acordo com Skågeby, a associação em

comunidades virtuais no Facebook como “observadora oculta”, situa melhor

“proficiência interpretativa”, se comparado ao envolvimento da atuação

participativa explícita nessas comunidades. Por isso, esta escolha foi uma

postura favorável, pois evitou os deslizes técnicos.

Os critérios de seleção dessas comunidades femininas foram: haver mais

de um milhão de seguidoras e publicarem mais de dez postagens por dia. Em

relação à comunidade feminista, seu número de adeptas não ultrapassa cinquenta

mil, por isso a quantidade de postagem era menor, porém com grande numero de

“curtir” e compartilhar” e com conteúdos bastante ricos para nossa análise.

A opção pelo estudo dessas três comunidades virtuais foi necessária,

pois a larga escala de dados impedia a clareza de suas análises. Na

sequência, os dados começaram a ter forma de banco de dados na medida em

que foram categorizados, nomeados e analisados.

Os primeiros levantamentos bibliográficos5 voltados para os estudos no

campo virtual, até os mais recentes estudos etnográficos em rede social,

defendem a esfera virtual como uma extensão da realidade física.

5 Entre esses primeiros levantamentos, uma pesquisa sociológica online, de 1999, publicada na Inglaterra:

Cyber ethnographic (re) construction of two feminist online communities, de Katie J. Ward, chamou nossa

atenção, quando trazia a etnografia virtual de duas comunidades feministas, defendendo o caráter de

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Assim, um extenso período foi destinado como observadora oculta das

relações online dentro das comunidades selecionadas. Diariamente as

acessava para visualizar o caminho da coleta dos dados, pelo conhecimento

dos vários aspectos que demandam as comunidades virtuais femininas e

feministas, identificando, assim, as particularidades que distinguem os dados

estruturais, de acordo com a orientação metodológica do trabalho de Rotman,

Preece, He, Druin (2012). Desse modo, as estruturas sociais que vinham a

sustentar as feminilidades relacionadas à religião, vaidade, maternidade e

consumo se mostraram como temas bastante relevantes nessas comunidades

virtuais.

Esses dados são extraídos das interações entre as seguidoras das

comunidades; geradores das informações pertinentes à temática investigada. O

registro dessas atividades favoreceu a reflexão crítica e capacitou a coleta dos

dados relevantes ao questionamento da condição contemporânea do gênero

feminino.

Ainda inspirada pelo método etnográfico online de Skågeby, o

mapeamento do problema, derivado das matrizes tradicionais constituintes do

que denominei, nessa pesquisa, ciberfeminino, tornou possível a categorização

das comunidades representativas, dentro do fenômeno tecnológico das mídias

comunicacionais.

“Mulheres que oram” e “mulheres perfeitas” são demonstrações e fonte

dos dados que sustentam a estrutura tradicional e patriarcal na condução de

suas mensagens para mulheres. Como proposta de salvação para as dores

femininas, as “mulheres que oram” oferece a infantilização da mulher, bem

como devoção à família, bíblia e aos maridos, e “mulheres perfeitas”

demonstram devoção ao consumismo feminino que se deslumbra com saltos,

decotes e produtos, de “embelezamento”.

simulação da representação social online como uma nova realidade, e a posição do pesquisador

interagindo com o meio de pesquisa, o qual poderia fazer “experimentações”, conforme as respostas ao

que o pesquisador colocava na rede. Esse método foi ultrapassado, quando as mídias sociais exigiram

outros procedimentos de pesquisa.

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Para contraste e contexto do ciberfeminismo, como origem do

desdobramento antagônico da categoria que criei como ciberfeminino para

retratar as expressões femininas no campo virtual, optei por estudar a

comunidade feminista e brasileira, “feminismo sem demagogia” entre as outras

nacionais e internacionais que propiciam importantes informações e me situam

globalmente nos diferentes tipos de feminismo, mas não trazem elementos que

exigem um olhar etnográfico mais profundo, pois demasiadas questões dignas

de reflexão e aprofundamento, que emergem dessas outras demais

comunidades, extrapolam as capacidades dessa pesquisa e implica outros

estudos.

Focando em poucas comunidades de grande abrangência, a pesquisa

qualificou “feminismo sem demagogia” como um canal feminista bastante ativo,

embora não se trate de milhares de adeptas como as duas outras

selecionadas. Dois fatos foram determinantes para considerá-la como fonte de

análise das práticas em comunidade virtual: um estava relacionado à defesa do

direito à identidade social feminina do transgênero6, e outro se revelou na

divulgação do “Primeiro Encontro do Feminismo em Rede de São Paulo”. Esse

evento foi organizado pelas comunidades feministas paulistas do Facebook,

em treze de abril de dois mil de doze, bem no início da delimitação do objeto

dessa pesquisa.

Esse encontro foi organizado virtualmente, envolvendo mulheres com

idades que variavam de dezesseis a oitenta anos, com presenças tão

heterogêneas quanto às próprias tipologias feministas, na reunião debateram-

se o desprezo das organizações LGBT em relação às questões da mulher; a

dificuldade de o feminismo agregar entre suas questões os preconceitos sobre

as mulheres negras; a lesbofobia e o deboche em torno das ativistas feministas

encaradas pelo senso comum, como “Feminazis”. Paralelamente ao encontro,

pensou-se na condição patriarcal hétero normativa evocando o que Goffman

(1998) chama de “estigma” ao que frustra os padrões sociais de “normalidade”.

A militância entre os grupos acaba por reproduzir as próprias condutas

6 Considero esse ponto de defesa da identidade e do respeito social à condição feminina do transgênico

pela comunidade: “feminismo sem demagogia”, pois ela serve de contrapondo político e complemento à

construção que esse estudo denominou de ciberfeminino.

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normativas de suas tribos e desdobram-se consequentemente na produção de

outros estigmas sociais diluidores de uma possível união entre as lutas; as

diversas militâncias mostraram-se estigmatizadas e estigmatizadoras.

Tendo em vista que existem choques entre os diferentes segmentos de

defesa de direitos no do feminismo online e offlline, a observação cotidiana das

comunidades virtuais femininas “mulheres perfeitas” e “mulheres que oram”

demonstrou um abismo ideológico entre “feminismo sem demagogia”,

consequentemente, o abismo permanece pertinente ao próprio contexto do

ciberfeminino.

Considerando o papel da natureza da etnografia, para compreender as

comunidades online, Rotman, Preece, He e Druin (2012) a colocam como

base para entender o comportamento humano das culturas em qualquer forma

de comunidade. Partindo desse ponto, construíram-se, então, descrições dos

papéis intrincados nas estruturas sociais, nos símbolos e na linguagem. Tais

descrições oferecem aos pesquisadores a oportunidade de se observar o que

há por trás dos traços da atividade de interação compreendendo o que há de

implícito nos conceitos de “motivação, seus significado e atitudes”, algumas

vezes, diferentes ou divergentes dos comportamentos que superficialmente

parecem evidentes.

A etnografia clássica empresta as premissas de seu fundamento de

pesquisa no recorte do objeto e na observação dos dados para compreensão

dos dados digitais em comunidades em rede social virtual.

Por outro lado, a etnografia online direciona um processo interno e

profundo dos estudos qualitativo e etnográfico que especificamente não são

amplamente oferecidos, pois, nos pressupostos de Rotman, Preece, He e Druin

(2012), o fenômeno tecnológico da comunicabilidade online é recente e

contemporâneo, ou seja, paralelo aos estudos metodológicos da cultura virtual.

Portanto, a etnografia adotada nesse trabalho de investigação sobre o

feminino em comunidades virtuais no Facebook é seriamente desafiadora,

principalmente por lidar com o fato de que elementos desses fenômenos são

vastos e efêmeros. Além disso, é necessário considerar que a extinção dessas

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comunidades virtuais está vulnerável a um clique. Pela observação qualitativa,

essa pesquisa busca a essência da condição feminina, intrínseca à sua

atuação na rede social e aos valores propostos pelas comunidades

etnografadas.

A observação através da extensão dos dados faz parte de um critério

rigoroso em todos os desdobramentos etnográficos e dados online em sua

forma “bruta”, são constantemente coletados e investigados sob diversas

perspectivas. Sem a extensão analítica dos dados não fica possível um

contexto das expressões femininas em rede social. Tal fato justifica-se na

efemeridade e repetitividade de muitas comunidades virtuais, analisadas para a

realização desse estudo.

Ainda sob as referências metodológicas de Rotman, Preece, He e

Druin, focou-se na observação da técnica dos dados pré-formados entre a

interação dos usuários, no conteúdo publicado pessoalmente e compartilhado

socialmente, bem como nos laços estabelecidos dessas com as outras

comunidades. Verificando atuação diária das mensagens desses “grupismos”

virtuais, foram a princípio selecionadas vinte e oito comunidades online7, as

quais, até o atual momento do trabalho, apresentam dados que auxiliam na

interpretação de outros. Ou seja, como anteriormente colocado, pelo excesso

de informações dispensadas por tais comunidades, foi necessária a divisão

entre o foco etnográfico entre três comunidades como campo de estudo, e as

demais vinte oito como fonte de dados explicativos e comparativos.

Assim, as comunidades virtuais do Facebook a seguir foram

selecionadas como fontes adjacentes às análises das comunidades principais

“mulheres que oram”, “mulheres perfeitas” e “feminismo sem demagogia”,

sendo elas: “articulação das mulheres brasileiras”, “bitch media”, “blogueiras

feministas”, “cátedra da teologia feminista”, “coletivo de mulheres PUC-RIO”,

“ecos – comunicação em sexualidade”, “every day feminism”, “feministas do

Brasil”, “feministing.com”, “feminismo poético”, “grupo de pesquisa em

ciberantropologia”, “machismo chato de cada dia”, “Mary Del Priori”, “MAPO

Núcleo de estudo de gênero, raça e sexualidade UNESP”; “meninas malvadas”;

7 O endereço online dessas comunidades encontram-se nas referências bibliográficas dessa pesquisa.

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“moça você é machista!”, “não aguento quando...”, “não sou este tipo de

garota”, “no universo feminino”, “NUMAS Núcleo de estudo sobre marcadores

sociais da diferença”, “PAGU Núcleo de estudos de gênero”, “rabid feminism”,

“sociological images seeing is beliving”, “teologia feminista”, “The anarcho

feminism”, “The pin ups file”, “Who needs feminism” e “Whoman’s rights news”.

Essas comunidades, denominadas como adjacentes, serviram para

auxiliar o processo investigativo online sobre a condição feminina do começo

do século XXI, pelo estudo em comunidades virtuais. O monitoramento delas

foi necessário para ampliar a visão na análise do objeto, considerando-se

vários referenciais de dados e de fontes teóricas como Skågeby (2013)

apresenta como procedimento essencial.

A etnografia das comunidades: “mulheres que oram 8 ”, “mulheres

perfeitas9” e “feminismo sem demagogia10” são apresentadas como principais

representações do ciberfeminino, embora a última seja feminista e selecionada

como contrária às propostas femininas.

As imagens coleadas de perfis pessoais no Facebook foram usadas

para compor símbolos representantes de um sistema que faz parte do “espírito

do tempo”, conforme remete Elias (1993), vão além de representações em

personalidades isoladas. Na utilização dessas imagens para fins ilustrativos do

objeto desse estudo tomou-se o cuidado para que elas não exercessem

justamente o que se denuncia como “estigma”, segundo o conceito de Goffman

(1988) para a identidade deteriorada. Os posts de comunidades,

compartilhados e investigados, foram reproduzidos nessa pesquisa, em suas

palavras ou imagens, pois representam os fragmentos de identificação

compondo o que Elias (1993) e Morin (2011) revelaram como “espírito do

tempo”.

8 Disponível em: << https://www.Facebook.com/Mulheresqoram?fref=ts >>>. Acesso em 14.09.2014, às

10h39; com respectivas 1.161.495 curtidas. 9 Disponível em: << https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts>>>. Acesso em 14.09.2014, às

10h42, com respectivas 1.241.976 curtidas. 10

Disponível em: <<https://www.Facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-

Original/564161453675848?fref=ts>>>. Acesso em 14.09.2014, às 10h45, com respectivas 47.391

curtidas.

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26

Estudos aprofundados na área da metodologia no campo virtual

possibilitaram-nos a clareza do processo do estudo de etnografia online,

quando ele tem, como princípio, a estruturação das instâncias analisadas,

conforme o método de investigação qualitativa em comunidades virtuais de

Skågeby, (2013). Assim esse estudo aponta o ciberfeminino como categoria

social em rede social virtual, e as referências teórico-analíticas puderam se

convergir. Por isso, analisar comunidades virtuais sem contextualizar a

realidade vivida no espírito que envolve a contemporaneidade e a construção

histórica desses conceitos pertinentes não propiciam substância, nem validade

consistente ao estudo analítico em comunidades online.

Essa pesquisa antropológica estendeu o olhar sobre as culturas

feminina e feminista e online e offline (Sheppard, 2010) para uma visão voltada

ao sentido psicanalítico implicando a crítica ao fato citado anteriormente. Os

pressupostos de Guattari (1981) foram utilizados para ressaltar a importância

(a qual a realização desse estudo pontuou como pouco ou nada praticada

socialmente/virtualmente) de pensar a explosão das generalizações grotescas

e reduzíveis como: macho, fêmea; branco, preto e rico, pobre, por exemplo.

Além disso, sustentou a base dessa pesquisa quando deixou claro que todas

essas binariedades redutoras possuem um papel de assegurar poder entre os

valores de oposições.

Da grande tela cinematográfica que agregava em torno um pequeno

coletivo social às pequenas telas das tecnologias móveis agregando grandes

coletivos individuais, essa dissertação compartilhou, com Morin (1997), o poder

da imagem envolvida em “poderes subjetivos” que se deslocam, deformam e

se projetam da “fantasia para o sonho”. Esse trabalho, norteado pelas imagens

virtuais, localizou o que o autor chama de “feitiço do imaginário”, na

potencialidade da imagem. Nesse sentido, pontuamos, conforme o autor, as

“cristalizações” e “revelações” das necessidades femininas, sempre convertidas

em imagens.

Foram examinadas as comunidades virtuais femininas, no Facebook:

“mulheres perfeitas” e “mulheres que oram”; entre as feministas, “feminismo

sem demagogia”. Em seguida, como fonte de dados, as postagens das

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comunidades femininas foram gravadas e armazenadas, mediante ao conteúdo

altamente compartilhado em torno do tema. Após tal mapeamento, percorro

entre as atrizes sociais seguidoras dessas comunidades para investigar, o que

chamo de ciborgue coquete e as feministas online. Optei por estruturar os tipos

sociais constituintes e responsáveis pelos grupos em três capítulos, a saber.

No primeiro capítulo, será apresentado o contexto sociológico do

feminino e seu desdobramento nas telas digitais das mídias online na

contemporaneidade. A ressignificação construída a respeito da ciborgue

feminina foi com base em autorretratos postados em perfis pessoais, como

fonte de dados que apresentaram constantes traços simelianos de

sensualidade, como o preceito da feminilidade. Desse modo, será relatada a

construção da ciborgue coquete, como objeto e tema de pesquisa, inspirada

pela perspectiva do ciborgue no manifesto de Donna Haraway (1985) que será

tratado como o impulso do ciberfeminismo e como recurso histórico para

referências de dados, que levaram a considerar as práticas femininas

analisadas na rede social Facebook, uma antítese do ciberfeminismo.

No segundo capítulo dei continuidade à análise etnográfica das duas

comunidades virtuais de perfil feminino: “mulheres que oram” e “mulheres

perfeitas”. Nesse capítulo também transcorro em torno da atriz social/virtual

feminina, apresentando-se nas atuais telas digitais mais como diva do que

humana, convergindo, desse modo, com a bibliografia adequada para se

pensar os novos desdobramentos da identidade em sua extensão virtual. A

imagem como componente essencial da identidade online, pelo perfil pessoal

da ciborgue coquete, trabalhado o sentido do imaginário, das telas, do cinema

(Morin, 1997) para telas digitais das mídias móveis. Além disso, exponho o

trajeto histórico que determina socialmente a imagem ideal e, muitas vezes,

inalcançáveis para mulher (Wolf, 1992). Por fim, apresento os aspectos

contemporâneos da vida feminina online em rede social, baseados na imagem

dos retratos pessoais publicamente compartilhados, em que demonstro como

as poses escondem as dores.

No terceiro capítulo discorro sobre o desdobramento de ciberfeminino

militando ativamente em comunidade virtual na rede social Facebook, e o

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controle que a tecnologia em rede social possibilitou para vigiar ainda mais a

mulher, prendendo-a em seus estigmas tradicionalmente construídos. Nesse

estudo, o olhar social/virtual do senso comum que enaltece também pode

depreciar. Com base nas expressões da comunidade feminista “feminismo sem

demagogia”, construí uma análise do poder de disseminação que a rede em

conexão possibilita em depreciar as minorias, pela moral da sociedade em

torno do ideal tradicional da família e da mulher. A literatura sobre a

contemporaneidade é introduzida para fazer uma reflexão sobre a era dos

excessos de informações e das ínfimas transformações que o gênero feminino

teve em todo esse processo no sentido de autonomia.

Nas Considerações finais, passo brevemente pelo percurso da

pesquisa, a fim de demonstrar o ideal de mulher que a contemporaneidade traz

atendendo a lógica colocada por Bauman (2007) na remodelação de si como

“produtos de obter a atenção e atrair a demanda de fregueses”. Reflete como

os valores tradicionais em conjunto aos produtos e publicidades

institucionalizados pela indústria cultural são os grandes responsáveis pela

criação dos estímulos capazes de persuadir as identidades femininas aos seus

valores, instrumentalizados pela cultura de mercado para construção das

necessidades, dos desejos e estilos de vida; compondo, assim, a moral nessa

sujeição para a vida social/virtual feminina. Finalizo percorrendo os aspectos da

contemporaneidade que contempla o desenvolvimento da tecnologia e suas

novidades mercadológicas em detrimento do desenvolvimento de uma visão

humana que atue para além da competição, da sujeição aos poderes

midiáticos, bem como aos valores tradicionais que não acompanham as novas

performances das identidades. Por fim, enfatizo como esses aspectos

fragilizam a perspectiva de um contrato social na soberania de uma política

coletiva devidamente lúcida de seus direitos, liberdades e deveres.

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Capítulo I – Feminilidade online

Por que motivo a ordem social sente necessidade de se

defender evitando a realidade das mulheres, nossos rostos,

nossos corpos, nossas vozes, e reduzindo o significado das

mulheres a essas “belas” imagens formuladas e reproduzidas

infinitamente? Embora ansiedades pessoais e inconscientes

possam representar uma força poderosa na criação de uma

mentira vital, a necessidade econômica praticamente garante a

sua existência. Uma economia que depende da escravidão

precisa promover imagens de escravos que “justifiquem” a

instituição da escravidão. As economias ocidentais são agora

inteiramente dependentes da continuidade dos baixos salários

pagos às mulheres. Uma ideologia que fizesse com que nos

sentíssemos valendo menos tornou-se urgente e necessária

para se contrapor à forma pela qual o feminismo começava a

fazer com que nos valorizássemos mais.

Naomi Wolf (1992)

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1.1. Feminilidades – entre Coquetismos e Ciborguismos

A primeira dicotomia perceptível socialmente, desde antes ao

nascimento, é entre masculino e feminino. A primeira forma de identidade que

a família e sociedade constroem está baseada na distinção e nas diferentes

funções biológica do sexo1 na família. Esse fato é tratado nesta pesquisa como

a dicotomia social que origina os valores e os sistemas de poderes que

tradicionalmente se baseiam em masculino e feminino; pai e mãe, ou chefe e

empregado, por exemplo.

Simone de Beavoir (1968) inicia sua obra clássica com a famosa frase:

“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”! E sem perceber, o feminino, como

“segundo sexo”, a mulher segue como um projeto derivado do homem em que

muitos os privilégios masculinos são oferecidos e mantidos pelas próprias

mulheres.

A feminilidade é um script histórico-social, para o sexo feminino é

atuação da mulher, em suas relações sociais e de mercado; é considerada

nessa pesquisa, como a cultura feminina. Quando exacerbada, a

personificação dessa feminilidade se categoriza no que Simmel chama de

“coquete” (2001). Segundo o autor da “psicologia da coquete”, esse despertar

do prazer sinalizado pela sedução faz parte da aura mercadológica que

instrumentaliza o “seduzir” como um mecanismo de encanto, de se fazer

desejável, da esfera feminina, às esferas das mercadorias.

Estendendo o conceito simeliano, fica perceptível esse desdobramento

da coquete nas mídias impressas, como revistas femininas, catálogos de

moda, imagens publicitárias, filmes publicitários entre outros. Historicamente, a

“beleza” feminina é defendida como a construção de uma identidade, baseada

em elementos diversos, mais insuficientes para garantir a sobrevivência dessa

identidade e está fortemente associada ao mercado da cultura feminina.

1 Levi Strauss (1974), ao abordar “A Família”, coloca de modo bem demarcado as funções entre os

homens e mulheres e enfatiza que a força mais marcante desse tipo de expressão foi diagnosticada

historicamente nos valores hitleristas, quando afirma: “Isto foi bem ilustrado no caso da Alemanha nazista,

onde uma separação semelhante estava começando a aparecer na unidade familiar: de um lado homens

dedicados às atividades políticas e guerreiros com ampla liberdade decorrente de sua enaltecida posição;

de outro, as mulheres com „3K‟ como missão funcional: Küche, Kirche e Kinder, isto é, a igreja, a cozinha

e as crianças.”

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Bourdieu (2011) identifica a divisão entre os sexos numa proposta de

“ordem”, para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está

presente ao mesmo tempo no espaço objetivado das coisas (na casa, por

exemplo, onde as partes são todas sexuadas), em todo mundo social e em

todo estado incorporado, nos corpus e nos “habitus” dos agentes, funcionando

como sistemas de esquemas de percepção e de ação.

No que diz respeito ao masculino dominador, construído por Bourdieu,

trata-se de uma estrutura que funciona como garantidora da ordem social, uma

imensa “máquina simbólica”, a ratificar a veia patriarcal persistente na cultura

contemporânea:

(...) é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita

da atividades atribuídas aos dois sexos, de seu local, seu

momento, seus instrumentos; é a estrutura espaço, opondo o

lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e

a casa reservada “às mulheres; ou no interior desta, entre a

parte masculina, com o salão e a parte feminina, com o

estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a

jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de

ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos.

(BOURDIEU, 2011, p. 18)

Esses aspectos dicotômicos entre o masculino e feminino estão tanto

na ordem das coisas, como no imaginário. A cultura de mercado aproveitou

historicamente essa bifurcação entre os gêneros e criou um mercado repleto de

estilos de vida femininos, que são estimulados desde que a criança se encontra

na barriga.

Wolf (1992) traz um passado recente que se adequa ao olhar do

contexto simeliano e paralelo a Bourdieu, associa o contexto mercadológico à

construção da beleza, indo além quando observa que a beleza passa a ser um

valor no jogo social, na cultura patriarcal.

Como os homens usaram a “beleza” das mulheres como uma

forma de moeda entre eles, ideias acerca da “beleza”

evoluíram a partir da Revolução Industrial lado a lado com

ideias relacionadas ao dinheiro, de tal forma que as duas

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atitudes são praticamente paralelas em nossa economia de

consumo. (WOLF, 1992, p. 13)

Na cultura feminina, a beleza só pode ser atingida pelo consumo, por

isso é entendida nesse estudo como uma construção. Essa linha de

observação de Wolf está em conformidade com que Bourdieu (2011) quando

aborda que essas dicotomias, inicializada pela diferença de gênero gera

poderes. Durante as trocas simbólicas, a condição entre sujeito e objeto na

ordem das relações tradicionais familiares tende a determinar a condição

objetificada da mulher. Isso pode ser notado na atuação do papel masculino

como sujeito instrumentalizando a propagação da espécie, por meio do pedido

de casamento à mulher como regra normativa do senso comum.

(...) O principio de inferioridade e da exclusão da mulher, que o

sistema mítico-ritual ratifica e amplia, a ponto de fazer dele o

princípio de divisão de todo do universo, não é mais que

disseminação, fundamental, a do sujeito e do objeto, do agente

e do instrumento, instaurado entre o homem e a mulher no

terreno das trocas simbólicas, das relações de produção e

reprodução do capital simbólico, cujo dispositivo central é o

mercado matrimonial, que estão na base de toda a ordem

social: as mulheres aí só podem ser vistas como objetos, ou

melhor, como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e

cuja função é contribuir para a perpetuação ou aumento do

capital simbólico do poder do homem. (BOURDIEU, 2011,

p. 65)

É possível pensar, segundo o autor, que o valor feminino está na

capacidade de agregar valor ao homem. Por isso, o objeto dessa pesquisa, as

ciborgues coquetes, expressam por suas livres expressões em postagens no

Facebook, a preparação dessa feminilidade, objetificada e reprodutiva do que

Bourdieu tratou como “objeto” símbolo de perpetuação do poder masculino

historicamente, dada a estrutura do matrimônio, na ordem do sistema social.

É comum na experiência vivida na cultura de mercado, a beleza

feminina ser avaliada e até premiada. Agência de modelos, concursos de

beleza promovidos revistas femininas e até instituições de ensino, as quais

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seriam responsáveis por um papel educativo emancipador da condição

contemporânea da feminilidade, na realidade, são incentivadoras e

premiadoras da prática avaliativa do que é considerado “belo” nas mulheres.

Isso é claro no cotidiano, conforme uma postagem da comunidade feminista

“feminismo sem demagogia”, coletada para essa investigação das

comunidades online:

“De uma de nossas seguidoras: como é triste quando a própria

escola se transforma em ambiente de reprodução da objetificação

das mulheres e do padrão de beleza machista. Vale lembrar como

as mulheres têm problemas de autoestima e doenças como

depressão justamente pela imposição desses padrões.

Hoje na escola, eu recebi o bilhete para eleger a menina mais

bonita do meu colégio, a fim de desenvolver aos alunos a

“importância das eleições”.

Quero mostrar pra vocês a qual ponto a sociedade chegou,

como a objetificação feminina está grande, como está sendo

obrigatório a nós mulheres ficarmos bonitas o tempo todo,

sendo que os homens não tem essa obrigação.

A sociedade obriga a nós mulheres a seguirmos certos padrões

de beleza, mas devemos colocar em nossas cabeças que a

beleza do indivíduo é totalmente subjetiva. Precisamos ter a

obrigação de parar com esses padrões, TODAS as mulheres

são lindas de diferentes jeitos! Não deixe que a sociedade te objetifique, te jogue padrões ou te julgue pela sua aparência.

Então sociedade, porque SÓ as mulheres precisam ficar

bonitas o tempo todo? Porque só nós devemos participar de

“concursos de beleza?”

(Feminismo sem demagogia, postado em 05.07.2014).

A mensagem demonstra como as instituições educativas também

abrem mão de seu papel emancipador, em troca da reprodução da

objetificação da feminilidade. No caso dessa postagem, a importância da

manifestação está em pensar como os valores do senso comum seguem

instrumentalizando a mulher, de modo a aniquilar a potencialidade de seu

papel político, reduzindo-a a um elemento de competição no jogo da “beleza”.

Essa investigação, pautada nas análises dos dados coletados sobre o

estudo da feminilidade, constata que ela está ancorada em raízes históricas

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sociais, sob o poder dos valores tradicionais, patriarcais e de mercado. Como

garantia de manutenção desse poder mercadológico da aura da cultura de

mercado, as mídias fortificam os estereótipos femininos e garantem a sua

sobrevivência, defendendo uma criatividade estética e efêmera nas aparências,

não nas essências.

O circuito que Morin (2011) chama de “erotismo cotidiano” está nas

mensagens totalitárias de modelos femininos padronizados, na cultura

patriarcal e de mercado refletidos nas velhas mídias impressas e televisivas.

Considerando-se o ambiente virtual como extensão das capacidades

físicas e da comunicação em larga escala, reconhece-se na rede social,

Facebook, a maior expressão da mídia social dessa década e a reprodução

digital das estruturas sociais femininas nas telas em conexão online.

Reconhecem-se usuárias da rede como atrizes femininas da própria

vida. E a partir disso, conforme os dados coletados, localizamos os fortes

traços da “psicologia coquete” de Simmel (2001), com o intuito de “despertar

prazer e o desejo” nas exposições de suas imagens como postagens,

comumente seguida de elogios e números de “curtir”. Denominamos essa

categoria de ciborgues coquetes, principalmente por esse tipo de coquetismo

só ser possível pelos novos usos da tecnologia. Além disso, foi possível

observar que as ciborgues coquetes são a personificação histórica dos valores

construídos para feminilidade e publicados como identidade virtual/social.

O contexto da sociabilidade virtual é um campo de pesquisa em que

nos possibilitou mapear a cultura vigente feminina em suas práticas online.

Essa cultura é fruto da feminilidade construída, a qual foi categorizada aqui

como ciberfeminino. Mais adiante nesse estudo, há esclarecimentos sobre a

fonte de inspiração para esse termo. O objetivo desse capítulo é demonstrar o

reflexo da estrutura de matriz tradicional/patriarcal e midiática nas práticas

femininas no Facebook. Como consequência dos elementos da cultura de

mercado ditando fortificando padrões e modelos, baseados em estilos de vida

feminino, pelo fluxo constante de informações, difundidas pelas antigas e novas

mídias. Para retratar isso, Morin (2011) explica a seguir:

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(...) Essas imagens que provocam o desejo masculino ditam à

mulher sua condutas sedutoras. Constituem os modelos junto

aos quais irá buscar seus poderes. As imagens mais

fortemente erotizadas são da publicidade dos produtos de

beleza que se destinam diretamente às mulheres

consumidoras, a fim de lhes propor conquistas e vitorias. É

para submeter que a mulher submete ao ideal de sedução e

aos figurinos-modelo do erotismo padronizado. (MORIN, 2011,

p. 117)

Desse modo, a citação sugere que a Feminilidade” é um projeto

totalitário da cultura de mercado, que se retroalimenta pelas mídias e cria uma

cultura feminina latifundiária, movimentando-se esteticamente, conforme as

tendências do mercado da moda e “beleza”. Esse trabalho evidencia esse

estado feminino online, partindo da análise da publicação de retratos e

autorretratos de perfis em rede social como prática frequente do ciberfeminino.

A beleza feminina existe como preceito da feminilidade em todas as

esferas sociais na cultura ocidental. Muito mais divinizado que questionado,

nossas observações sobre o ciberfeminino no Facebook atendem

paralelamente, mais uma vez, ao que Wolf (1992) pensava sobre o sentido

endeusado da beleza:

O ceticismo da época moderna desaparece quando o assunto

é a beleza feminina. Ela ainda é descrita – na verdade mais do

que nunca antes – como se não fosse determinada por seres

mortais, moldada pela política, pela história e pelo mercado,

mas, sim, como se houvesse uma autoridade divina lá em cima

que emitisse um mandamento imortal sobre o que faz uma

mulher ser agradável de se ver. Essa “verdade” é vista como

Deus costumava ser visto – no alto de uma hierarquia, com sua

autoridade o ligando a seus representantes na terra: jurados de

concurso de beleza, fotógrafos e, em último lugar, o homem

comum. Mesmo ele, o último elo, tem uma parte dessa

autoridade divina sobre as mulheres (...). (WOLF, 1992, p. 62)

Segundo a autora, a feminilidade tem como projeto atingir a “beleza”

nos valores socialmente estipulados, como se fosse algo a se alcançar, cheio

de rituais diários e mensagens cotidianas constantes que sacramentam essa

prática, abençoada pelo aspecto mercadológico da nossa cultura.

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A incorporação dos referenciais de beleza, tão difundidos pelas mídias

em imagens, encontrou no espaço do Facebook, o desdobramento ideal como

campo para registrar, aprimorar e publicar ali, a imagem da identidade

“postada”. Esse objetivo também é pautado no “querer agradar” socialmente

como importante aspecto da autoconstrução de ciborgue coquete. Wolf (1992)

levanta o fato de a mulher ser historicamente avaliada, destacando os

concursos de beleza como exemplo da normalidade dessa avaliativa. Nessa

categorização estética, a feminilidade no Facebook, é tratada nesse estudo

como ciberfeminina, e demonstra seu fundamento no clamor do julgamento

positivo e nas reações numéricas em forma de “curtir” entre as imagens

publicadas.

A ciborgue coquete emprega os recursos das mídias móveis para

registrar o que se considera femininamente belo, usa esse instrumento de

vinculação em larga escala de conexões para publicar esse “mérito” em

formato de “postagens”, além de retocar e aprimorar as fotos por filtros e

aplicativos específicos. Destaca-se por esta a principal atividade da ciborgue

coquete na cultura ciberfeminina.

Tal fato mostra que a denominada como ciborgue2 ciberfeminina retifica

o que Wolf (1992) e Morin (2011) diagnosticaram quando ambos disseram que

o feminismo foi substituído pelo feminino. É justamente essa a convergência

desse estudo com ambas as obras, porque o termo ciborgue respectivo ao

Feminismo atende a outro sentido.

A implicância da ideia de ciborgue vem teoricamente de um manifesto,

de Hanna Haraway (1985), o qual, mais tarde, tornou-se forte inspiração às

ciberfeministas.

2 A primeira origem da inspiração do objeto e título dessa dissertação esteve no desdobramento do termo

“ciborgue” na tecnologia portátil na era comunicacional das relações digitais apresentados por uma

matéria do Jornal New York Times chamada: “Are We Becoming Cyborgs?, publicada em 30.11.2011.

<http://www.nytimes.com/2012/11/30/opinion/global/maria-popova-evgeny-morozov-susan-greenfield-are-

we-becoming cyborgs.html?>> Acesso em 27.11.2014 às 16h45. Foi a partir deste material que iniciei um

banco de dados das informações sobre ciborgues, encontradas na internet. Entre esses dados coletados,

um grande número de artigos sobre o Manifesto Ciborgue, de Haraway, mostraram a pertinência dessa

utopia para o desdobramento do feminismo e o estudo de gênero na rede social.

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O ciborgue é matéria de ficção e também da experiência vivida

– uma experiência que muda aquilo que conta como

experiência feminina no final do século XX. Trata-se de uma

luta de vida e morte, mas a fronteira entre ficção científica e a

realidade social é uma ilusão ótica. (HARAWAY , 1985, p. 3)

Esse grande representante da ideia de ciborgue originou-se do

“Manifesto Ciborgue” (1984), como um instrumento de reflexão que se pautava

nas possibilidades transcendentes da ótica relacional entre a política e os

gêneros. Essa onda de imaginação das potencialidades do ciborgue foi

proposta por Haraway3 como uma “utopia”, que recriaria nossa maneira de ser,

pensar e agir. ciborguismos 4 , neste caso, é refletido no caráter “animal-

máquina” como o trecho do manifesto apresentado a seguir:

Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de

máquina e organismo, uma criatura de realidade social e

também uma criatura de ficção. Realidade social significa

relações sociais vividas, significa nossa construção política

mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o mundo.

Os movimentos internacionais de mulheres tem construído

aquilo que se pode chamar de experiência das mulheres. Essa

experiência é tanto uma ficção quanto um fato do tipo mais

crucial, mais político. A libertação depende da construção da

consciência da opressão, depende de sua imaginativa

apreensão e, portanto, da consciência e da apreensão da

possibilidade. (HARAWAY, 1985, p. 4)

A utopia desse híbrido de máquina e humano do manifesto nascia da

fertilidade do pensamento cibernético em sinergia com o comunismo e os

movimentos tecnológicos, reconstruídos as experiências femininas,

ultrapassando as fronteiras científicas e a realidade social do século XX.

3

Manifesto Ciborgue: Disponível em http://www.rodrigomedeiros.com.br/pos/download/oriana/01-

ManifestoCyborgI.pdf Acessado em 12.11.13, às 23h49. 4

O ciborguismo, segundo Lafontaine (2004p.33,34) é um produto do imaginário militar. E foi na

experiência da guerra que gerou-se a relação humano-máquina, seja o piloto, o marinho ou mesmo o

combatente da infantaria os primeiro exemplos .da condição ciborgue, onde seu corpo não é mais nem

menos do que parte do armamento. A partir disso, se assiste a criação de uma aparelhagem eletrônica e

complexa integrando em um mesmo sistema o ser-humano e a máquina.

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O ciborguismo, segundo Haraway (1985), é interpretado como uma das

primeiras luzes da transcendência do gênero, e atenta às artificialidades dos

aparatos que fazem parte da vida cotidiana em todas as esferas sociais e de

lazer. Os veículos de comunicação como rádio, televisão, telefone,

computadores e celulares, com as mídias móveis, têm sido, no decorrer dos

tempos, grande companhia para consolo das angústias das pessoas.

Entretanto, esse trabalho tem a intenção de mostrar que a ciborgue coquete,

como atrizes sociais/virtuais no contexto ciberfeminino, está imensamente

distante do projeto de utopia ciborgue de Haraway, uma vez que a ciborgue,

meu objeto de estudo, tem sentido oposto.

A ciborgue atual deixa bem claro as limitações de gênero. Ao contrário

dessa transcendência proposta por Haraway, a ciborgue da geração

ciberfeminina, na maioria das vezes, usa a rede social para reafirmar a sua

feminilidade, por meio da exposição de imagens de si e seu grupo. Essas

imagens obedecem aos padrões normativos da condição feminina, como

estética, maternidade, vida profissional e poder de sedução, como informações

atualizadas em rede de sociabilidade ativas.

O amparo constante de todas as mídias nas fabricações de ilusões

leva a mulher contemporânea a sempre ter de consumir para poder constituir

seus “inacabados processos de identidade”, segundo a colocação de Bauman

(2008).

A feminilidade espetacular é a base do espírito virtual da ciborgue

coquete. A espetacularização (Debord, 1997) destaca-se como fonte aos

desdobramentos cotidianos da vida. Na esfera online, a “sociedade do

espetáculo” fica evidente na necessidade de aparecer virtualmente, para se

sentir real, em existência conectada com o mundo. As referências ciborgue

coquete estão concentradas em moldes de estilos de vida normativos dos

valores capitalistas, como condição estrutural da cultura ciberfeminina. Usa-se,

então, a tecnologia para um reconhecimento individual, sempre voltado às

esferas do individualismo e do narcisismo.

As atrizes sociais virtuais estudadas, assim como todos os usuários da

rede social virtual, atendem a essa lógica cultural do marketing de si. Elas

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demonstram que a cultura de mercado enalteceu a condição da sedução e da

maternidade, como fortes referenciais de feminilidade.

A feminilidade online retratada como ciberfeminino assegura a

condição de ciborgue coquete quando suas imagens transbordam

sensualidade, esse entendimento está de acordo com que Bauman (2007)

designa como “identidades carnavalescas” em que a qualidade mais atraente

desse jogo é o “baile das máscaras”.

Neste contexto, Simmel (2006) escreve que o jogo da coquete não é

uma sociabilidade real, pois é um jogo que não ocorre em equilíbrio de iguais, o

jogo da sociabilidade online que Bauman inspira para pensar as ciborgues

coquetes também não é uma tarefa da socialização, pois faz parte de um jogo

social revelado pelo mundo dos consumidores. Suas palavras deixam isso

claro, quando o jogo relacional das atividades online coloca em detrimento a

sociabilidade real. O contexto social virtual compartilha também o “faz de

conta” que Bauman e Simmel, de maneiras diferentes, diagnosticaram nos

jogos das relações sociais. A frase abaixo de Bauman sintetiza bem a essência

dessa ideia:

“A socialização segue o padrão do marketing e as ferramentas

eletrônicas desse tipo de socialização são feitas sob medida

para as técnicas mercadológicas.” (BAUMAN, 2004, p. 148)

Esse marketing e essas “técnicas mercadológicas” citadas pelo autor,

no sentido da nova “sociabilidade” online tornam as ciborgues coquetes, os

produtos de si próprias, com base nas referências de feminilidade das velhas

mídias estruturadas sob os alicerces patriarcais. Essa atuação feminina na

rede social é alimentada pelos aspectos vividos e valores absorvidos

socialmente nos jogos da cultura de mercado. São elementos garantidores da

identidade de seus papéis sociais-virtuais e fazem a atuação coquete ciborgue

ter o objetivo final de concentrar e exibir socialmente a sensualidade, como o

poder e a grande qualidade feminina. É partir dessa premissa que as atrizes

digitais no Facebook, mostram-se protagonistas individuais dos valores

femininos sociais.

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As coquetes ciborgues elaboram seus papéis com o intuito de

atenderem individualmente o que acredita que se espera dela. Desse modo, o

exercício de atuação virtual deixa claro que existe uma “fachada”, conforme

afirma Goffman (1975), quando a rede social permite visualizar os elementos

representativos da feminilidade nos perfis pessoais para construir essa atriz si

imersa na cultura ciberfeminina.

Essa fachada pode ser encarada como mais um jogo do “faz de conta”

social que Simmel (2006) e Bauman (2007) também mencionam. Em ambos, é

pertinente o seu desdobramento online tornando evidente o quanto esse jogo

está instaurado na sociedade, muito antes dos aparatos tecnológicos, uma vez

que o mundo virtual não está descolado do presencial e funciona como seu

avatar. Nessa pesquisa, fica claro que o “faz de conta” é instituído em nossa

sociedade e faz parte de uma verdade na realidade feminina e sua busca em

agregar poder pela sensualidade.

Já é um costume constantes transformações e alterações de fotos

entre as imagens femininas das revistas da mídia impressa, mas a

contemporaneidade dispôs de recursos muito práticos, com certos os

aplicativos em mídias móveis, para que o ciborguismo feminino consiga,

através do seu aparato sempre portátil, deixar a “fachada” de sua imagem

virtual, reflexo da representação do ideal de mulher contemporânea. Ou seja,

exibe-se virtualmente pela viabilidade das redes sociais a imagem da

personagem de si como um produto aos padrões ocidentais estabelecidos de

beleza, saúde, sucesso e bem-estar para mulher. Construir a apresentação de

si mesmo é um costume normal dentro do comportamento da vida, em

qualquer plano de sociabilidade. Em todas as esferas, valores familiares,

culturais e de mercado são oferecidos para esta auto construção como

demonstração dos valores pertinentes á vida. Vale a partir disso, pensar a

transposição do presencial para o virtual, proporcionado pela leitura de

Goffman (1985), e refletir melhor essas expressões ciberfemininas em rede

online.

(...) Entre as partes da fachada pessoal podemos incluir os

distintivos da função ou da categoria, vestuário, sexo, idade e

características raciais, altura e aparência, atitude, padrões de

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linguagem, expressões faciais, gestos corporais e coisas

semelhantes. Alguns destes veículos de transmissões de

sinais, como as características raciais, são relativamente fixos

e, dentro de um certo espaço de tempo, não variam para o

individuo de uma situação para a outra. Em contraposição,

alguns desses veículos, de sinais são relativamente moveis ou

transitórios, como a expressão facial, e podem variar, numa

representação de um momento ao outro (...). (GOFFMAN,

1985, p. 22)

A fachada do perfil em rede social passa pelas categorias da

aparência. Como na situação descrita anteriormente, a fachada é constituinte

de grande parte dos perfis pessoais femininos no Facebook e é trabalhada de

acordo com os preceitos do modo de vida da contemporaneidade. Um exemplo

banal está na possibilidade de ocultar a idade na rede e manter a imagem no

exercício de atuar online virtualmente jovem, independente da idade

cronológica.

O coquetismo na imagem das personagens atuantes nas relações

online está nas expressões dos olhares, das poses e dos estilos femininos

baseados na sensualidade midiática digitalizada no enredo da historia da vida

privada e socialmente compartilhada na rede. Essa pesquisa observou que,

entre milhares de perfis de páginas pessoais femininas, há sempre o controle

das poses e dos sorrisos que se repetem nas publicações das imagens como

parte do conteúdo do que se quer apresentar de si. O trabalho de atuação da

ciberfeminina não requer a necessidade técnica de especialistas como pede as

antigas mídias; a autonomia da cultura ciberfeminina garante a auto produção,

auto construção e auto publicação, faz dela uma celebridade virtual, pelo

menos para membros de sua família e contatos de conexão que garantem seu

sucesso “curtindo” as publicações da imagem da personagem de si.

A feminilidade versão ciberfeminina segue sempre atuando por

exercícios de publicação de “postagens”, embora seja bom lembrar que existe

a possibilidade de controle da página pessoal, que delimita quem pode ter

acesso às publicações, caso haja intenção de restringir a visibilidade do

material publicado. No entanto, todas as mensagens e imagens

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disponibilizadas na rede social Facebook, que foram analisadas ou mesmo

adicionadas nessa dissertação, são abertas para o público em geral, sem

privações e restrições.

A imagem da atriz acima, é um exemplo entre os dados coletados das

páginas pessoais femininas no Facebook, que demonstra como as ciborgues

coquetes estão sempre aptas a ter o olhar conectado ao foco de seu aparelho

de mídia móvel para reprodução de sua imagem. Nota-se a máquina

fotográfica do telefone e o espelho como uma relação narcísica e pertinente na

vida contemporânea. O hábito de olhar para postar segue direcionado a visão

propositada ao registro e publicação da imagem que reafirma em rede, as

conquistas físicas e estéticas sobre o corpo feminino. Aí está a ênfase da

identidade coquete ciborgue que aqui é a personagem principal da cultura

ciberfeminina. A melhor paisagem, a melhor luz, o melhor efeito de filtros

fotográficos, o retrato da meta alcançada como corpo ideal, a família agrupada

e feliz, a roda de amigos são informações discorrendo como mensagens fluidas

e constantes na interface no Facebook, servem como elementos garantidores

das expressões ciberfemininas.

Morin (1997) chama atenção pelo fato de a máquina fotográfica

funcionar como um “talismã” e ser a viabilidade do registro de “uma emoção a

qual quer apreciar mais tarde” e, por isso, o ato de fotografar está sempre

presente em ocasiões comemorativas e comumente compartilhadas em rede

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social virtual. Essa fácil viabilidade do registro proporcionada pelas mídias

móveis garante a divulgação e o “sucesso” das publicações dessas imagens.

Essa investigação demonstra que existe como hábito e costume essa

prática de registrar e publicar todos os consideráveis bons momentos; e num

período muito anterior ao aparecimento dessas atuais mídias digitais, Morin

(1997) já diagnosticava o hábito de registrar e mostrar os bons momentos

como um hábito social. Por outro lado, ele também demonstrou dificuldade

dessa ação nas ocasiões em que se fotografa o luto; esse continua sempre

como um momento “inviolado”, como mostra a raridade desse tipo de

publicações compartilhadas no Facebook. A rede social é visivelmente apta

para os momentos felizes de sociabilidade.

Um desdobramento das mídias sociais como campo mapeado foi a

cultura ciberfeminina atuando com a nova mídia, o Instagran5. Esse aplicativo

vem a fortificar a condição da ciborgue ciberfeminina ao vivificar, sentir e olhar

as experiências, pelo aparato tecnológico de mídia móvel. Esta nova mídia

pode, por meio das suas possibilidades de mecanismos, ativar a imagem por

transformações do ambiente e do indivíduo, registrados e tecnicamente

alterados pela artificialidade dos aplicativos. Como espaço de relacionamento

virtual, o Instagram exerce uma comunicação apenas através de fotografias

digitais, essa prática constante de publicar fotos e contemplar outras

5 Segundo a página de abertura da rede social Instagram é uma maneira rápida, bonita e divertida de

compartilhar sua vida com amigos e familiares. Tire uma foto ou vídeo, escolha um filtro para transformar

seu olhar e sentir, em seguida, enviar para o Instagram – é assim tão fácil. Você pode até mesmo

compartilhar no Facebook, Twitter, Tumblr e muito mais. É uma nova maneira de ver o mundo. Ah, sim,

isso sem mencionar que é grátis?”. Disponível em http://instagram.com/ Acessado em 28.01.2014, às

17h54.

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publicadas fortifica a imagem superficial da ciborgue coquete que vivifica sua

vida aspirando ao seu conteúdo pessoal o automarketing virtual/social na

condução de seu próprio personagem na rede.

No ciberfeminino, as atrizes sociais virtuais como ciborgue coquetes

apresentam-se online, sempre em imagens de “sensualidades” e “alegrias”, e

assim, divulgam os momentos pessoais que consagram o conceito de

felicidade e sucesso, ditados pela cultura de mercado. Fotos de casamento,

turma do trabalho, família, festas, momentos descontração, enfim demostram-

se por milhares de fotos, a pauta de um valor quantitativo para aceitação,

quando a principal satisfação está na reação dos contatos conectados que

positivamente demonstram que aprovam, clicando no ícone abaixo da imagem:

“curtir”. Como já dito anteriormente, quanto maior o numero no recebimento de

“curtir”, maior a sensação de satisfação, pois isso dimensiona de modo

quantitativo o alcance social da imagem pessoal.

Para Goffman (1985), “quando um indivíduo se apresenta diante de

outros, terá muitos motivos para procurar controlar a impressão que estes

recebem da situação”. Desse modo, esse trabalho reconhece, pelos dados

coletados sobre a cultura ciberfeminina, que as ciborgues coquetes possuem

sensação de controle, dado que pela técnica movimenta os recursos virtuais de

imagem.

O próprio circuito feminino delimita os moldes que normalmente são

baseados em jovialidade, felicidade, feminilidade, corpos em “boa forma”,

saúde, boa alimentação, moda entre outros, que visam modelar a “estrela”

digital de si mesma. A possibilidade da realidade vivida não corresponder à

imagem pretensa, não impede a atriz da rede social se utilizar dos aplicativos

para se modelar adequadamente às suas pretensões estéticas. Graças a tais

aplicativos dispostos nas novas mídias altera-se a imagem de modo a ficarem

imperceptíveis tais alterações e o processo de interferências devidamente

calculadas para enquadramento aos padrões sociais da “beleza” feminina.

O contemplador das imagens virtuais, pela própria abundância de

mensagens dignas da contemporaneidade, são agora acostumados a enxergar

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o mundo através das telas, seja da televisão, do computador ou mesmo por

todos os veículos impressos de publicidades. Isso criou o hábito de normalizar

e “embelezar” a realidade pela plasticidade das imagens e dos momentos,

tornando-os sempre adequados ou almejados pelo espírito contemporâneo dos

atores sociais virtuais.

O distanciamento das relações face a face e olho no olho também

dificultou o encarar de uma realidade em que existe a velhice, as ansiedades,

as compulsões, as inseguranças entre muitas outras, “imperfeições” da vida, da

natureza e das suas relações, características que a ciborgue coquete pode

facilmente esconder, camuflar perverter e manipular os dados, nas mensagens

e imagens sobre si presentes realidade vivida offline.

A tecnologia e seus aplicativos de “aprimoramento” e “embelezamento”

da ima aparência é a própria “dádiva” para o conceito ciberfeminino brasileiro,

servem de instrumentos para alcançarem a almejada feminilidade midiatizada

de referências incorporadas como agregação de valor à atriz virtual, perante a

sua autopublicação online.

Normalmente, a base de elementos que incorpora a imagem de si está

pautada na estética e na postura sensualizada do corpo, como princípios

valiosos para essa atuação em rede social. Porém esses fragmentos

manipulados e digitalizados de si dizem mais que uma relação substanciada

pela lógica do produto. Mauss (2003, p. 188), em seu trabalho sobre a “dádiva”,

expunha os elementos do processo de “troca” para uma moral, além de um

valor puramente venal. A troca que segue a dádiva entre as expressões do

ciberfeminino está em se apresentar, de acordo com a moral da cultura de

mercado, patriarcal e mídia.

O antropólogo mencionado interpreta como “regalo”, algo que é

oferecido com generosidade, mas por outro lado, aponta que isso leva

intrinsicamente em seu bojo, fundos de interesses econômicos. Nessa

pesquisa, é possível considerar o coquetismo na esfera virtual com o destaque

da sensualidade reconhecida socialmente na rede. Essa condição feminina é

tida pessoalmente para a atriz social/virtual como um regalo da tecnologia

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contemporânea. Mas leva também intrinsicamente em seu bojo interesses

econômicos e políticos que estagnam a condição contemporânea, nas matrizes

tradicionais da feminilidade e aprisionam a emergência novas performances

para a atual atriz social/virtual. O ciberfeminino marca no olhar social em rede

online, a construção de bela imagem feminina manipulada pelos padrões

estabelecidos nas estruturas sociais que contém seus valores bastante ativos

na vaidade, no casamento, na família e no trabalho.

O regalo que a atriz de si oferece é a absorção de valores sociais já

dados: oxigenados, iluminados e refletidos em rede social, em forma de suas

expressões online. E essa dádiva da contemporaneidade passa a enfatizar-se

na recompensa social, refletida na quantidade de elogios e “curtidas” de suas

conexões online.

Esse “presente” à ciborgue coquete, pela tecnologia se baseia

individualmente na contemplação da imagem de si e, exibe online, o mérito,

mesmo que artificial, que mostra dar conta das exigências sociais,

profissionais e familiares permanentemente impostas à figura feminina, em

imagens sempre coloridas com estilos de moda beleza e sorrisos.

Considerando como valor de troca, a quantificação de clicks em “curtir”

e como reconhecimento do valor construído digitalmente, as ciborgues

coquetes obtêm a impressão e sensação em termos de satisfação e amor

próprio consigo mesma. Mauss (2003, p. 188) apresenta o seguinte

questionamento: “Que força existe na coisa dada que faz com que o donatário

a retribua?” A força que existe na dada realidade digital da rede social

investigada é exercida na retribuição em forma de “curtir” e elogios que

discorrem ao que se espera socialmente da mulher e faz com que o êxito da

satisfação feminina se contente no sentido imaginativo de sua identidade por

imagens de qualidades sempre exaltadas, e nunca questionadas.

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1.2. Do Ciberfeminismo ao Ciberfeminino

A primeira reunião Ciberfeminista, segundo Faith Wilding (2014), foi

chamada de Internacional cyberfeminist kassel e ocorreu na Alemanha, em

vinte de setembro de mil novecentos e noventa e sete. Sua discussão era em

torno de um sujeito pós-humano e propunha a revolta de um sistema

emergente, na inclusão das mulheres e das máquinas. Essa hibridez serviria

como uma superação “da realidade matéria do patriarcado.” O ciberfeminino

tinha o intuito de criar uma nova imagem para a mulher, por meio da internet

visando ir contra os “estereótipos sexistas galopantes”. Seriam avatares

feministas como ciborgues consequentes também da fusão de gênero

orientando, assim, uma nova realidade.

Utopia, manifesto ou conceito, esses eram reflexos de um movimento

social/virtual, transbordando as raízes de suas contestações de base, não mais

para uma equidade de gêneros, mas rumo a uma superação dessa condição,

pelas interações humanas com a máquina. Faith menciona que a mulher

inserida nas novas tecnologias poderia dar vazão a outra forma de existir e

atuar, superando as dicotomias binárias já dadas e construídas historicamente,

dados os referenciais tecnológicos que celebravam a possibilidade de emergir

múltiplas diferenças assimétricas. Novos sistemas representacionais seriam

metáforas da matriz digital, desdobrada em inúmeras outras relações capazes

de ofuscar os tradicionais estereótipos de gêneros, bem como as leis de

dominação patriarcal e capitalista.

O questionamento dos sentidos binários e dicotômicos aqui levantados,

não é uma discussão recente. Se faz notável na psicanálise de Guattari (1981) e na

crítica aos preceitos da contemporaneidade que atualmente são levantados por

Bauman (2004), no sentido binário de homem/mulher, “ligar” e “deligar”. Isso

permeou o espirito contemporâneo social-virtual, precarizou a complexidade das

relações presenciais e organizou o corpo social; orientando a identidade em

processos dicotômicos, relacionando poder e dominação pelas diferenças.

O ciberfeminismo implicava a ideia de superar e subverter o sistema

patriarcal e hierárquico, aproximando-o de uma estrutura descentralizada, em

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que a conexão poderia interligar e revolucionar as dicotomias de gênero em

sua hibridez com o dispositivo tecnológico relacional vulnerabilizando as

identidades tradicionais. Essa essência do ciberfeminismo, segundo Sandie

Plant6 (1995), poderia gerar “um acidente maligno” para o patriarcado e as

suas noções normativas de comportamento.

O sentido das ideias da mãe do termo ciberfeminismo estava na

esperança da apropriação do sujeito digital nômade, não pré-determinado. Era

ativado pela capacidade de conquistar novas liberdades e emancipações. Na

verdade, pode-se constatar que a contemporaneidade recente, na grande

maioria das vezes, não vai além, mesmo no ambiente do ciberespaço, dos

pilares das instituições sociais e políticas hierarquizadas e dicotômicas:

“natureza/cultura”, “mulher/homem”, pobreza/riqueza, feio/bonito; e pelas

direções androcêntricas, que ainda seguem iluminando o ideal de

desenvolvimento, progresso e competividade, conforme a configuração

capitalista do cotidiano da realidade histórica da cultura contemporânea.

O ciberfeminismo era enaltecido como uma corrente ideológica de

resistência redimensionada pela tecnologia, para assim questionar os códigos

vigentes da realidade dicotômica, a fim de libertar a mulher dos

condicionamentos patriarcais no ambiente do ciberespaço. O ciberfeminismo é

exemplo de uma corrente pertinente aos anos noventa que enxergava o

ciberespaço com um lugar virtual de intensas transformações do hábito e da

identidade.

Percorrendo o desenvolvimento histórico das mídias, nota-se que a

partir dos anos sessenta do século XX, a tecnologia da comunicação começou

a ser desenvolvida massivamente até se encontrar na internet. Esse novo

horizonte, na década de 1990, conforme o ideal ciberfeminista também é capaz

de exemplificar, era considerado como um potencial real e transformador dos

valores sociais dados como saturados padrões convencionais, institucionais e

tradicionais ditados pelas antigas mídias.

6 Sadie, Sandie ; Ceros +Unos, Mujeres digitales + la nueva tecnocultura, 1997.

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Alastrada por todo ocidente, as relações de comunicação virtual e seus

artefatos passaram a ser a base da nova economia e a nova forma de

articulação da distribuição da informação, identidade e comunicação. Segundo

Langdon Winner (2012), filósofo da tecnologia, a internet e seu poder de

conexão nos representa um cenário em que um número indeterminado de

“nós” se fazem interligados de forma estrutural, e transversalmente se

apresentam sem qualquer ideologia.

Winner (2009) coloca o ciberfeminismo na categoria do “feminismo utópico

liberal”, e essa corrente, puxada por Sadie Plant, fazia parte do espírito daquela

época que defendia a internet e a tecnologia como símbolos de liberação, no

âmbito de transformar a “net-utopia”, um espaço de possibilidades reais de

transcendência virtual das delimitações de gênero e dos ideais tradicionais

normativos, socialmente construídos e impostos aos corpos humanos.

Nessa dissertação, entendemos que as relações de conexão online

observada pela prática feminina rompem, na realidade, com a utopia

ciberfeminista, uma vez que não supera ideologicamente e politicamente a

condição da mulher.

Desse modo, adotamos o termo ciberfeminino, não só como

contraponto ao ciberfeminismo, mas conforme o que Winner, eles também

podem se convergir, pois o ciberfeminismo de Plant, na ação liberal de abraçar

tantos elementos passou a ser um lugar “desprovido de ideologia” e

representativo como difusor das práticas culturais cotidianas da cultura de

mercado para mulher.

O estudo do ciberfeminino, além de fonte dados teóricos sobre uma

tipologia feminista e feminina recente pela rede, serviu como inspiração para se

lançar uma categoria de estudos femininos na internet, por isso o tema chave

dessa dissertação é o ciberfeminino, bem como o conceito de ciborgue que

desdobro no lado distante do símbolo emancipatório das condições tradicionais

femininas, como na proposta ciberfeminista.

Morin (2011) enfatiza o consumo da vida no imaginário da própria

existência, fato que a cultura ciberfeminina deixa bastante claro no Facebook,

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quando a novela da vida privada, pelas telas digitais apresentam os preceitos

apontados pelas antigas mídias como referências de beleza e felicidade. Estes

são inspiradores imaginativos que pelo poder que as mídias, exercem a

exaltação dos estilos de vida consumíveis. Nesse trecho, Morin explica como

estas imagens e mensagens podem estruturar o imaginário e desempenhar

referências para atuação social/virtual.

(...) o imaginário se estrutura segundo arquétipos: existem

figurinos modelo do espírito humano que ordenam os sonhos e,

particularmente os sonhos racionalizados que são os temas

míticos ou romanescos. Regras convenções, gêneros artísticos

impõem estruturas exteriores às obras enquanto situações-tipo

e personagens-tipo lhe fornecem as estruturas internas.

(MORIN, 2011, p. 16)

Desde o cinema, a imagem da mulher acompanha a mensagem que

desenha a sensualidade e provoca sonhos que direcionam o sucesso das

atribuições físicas como valor máximo da feminilidade. As últimas décadas do

século XX instituiu a televisão como um necessidade suprema aos lares

ocidentais. Novelas e filmes alimentavam a imaginação pelo ócio receptivo

como relaxamento e lazer. As primeiras décadas do novo milênio é atribuída ao

sucesso das tecnologias online e das recentes redes sociais revolucionando a

comunicação.

Portanto, esse trabalho é uma pesquisa que constrói e considera o

ciberfeminino, como um desdobramento dos valores historicamente repercutido

pelas mídias 7 . Demostra pela constante análise do conteúdo de dados

7 Sobre desdobramento da mídia, ler o artigo Rethinking ethnography an introduction. Esse trabalho

também é um estudo de mídia, pois a cultura ciberfeminina só existe, devido à sua atuação nas novas

mídias sociais. No texto, os autores apresentam a importância da etnografia e dos estudos

antropológicos, nas análises críticas das mais “recentes mídias. A “etnografia online” considerada uma

extensão da “etnografia de mídias”, uma vez que o universo digital compõe a nova “mídia símbolo” da

atual contemporaneidade. Por isso, o texto considera que ela teve seu início nos estudos do consumo,

durante o final dos anos oitenta na Grã-Bretanha. Esses estudos partiram da reação passiva dos

receptores, assim como suas posições acríticas e a crítica dos métodos de análise utilizados,

principalmente em estudos norte americanos, para categorizar e analisar as atividades da comunicação

sob o olhar construído através da metodologia quantitativa. Desse modo, aponta para o surgimento de um

estudo etnográfico desenvolvido em torno da cultura como uma volta com papel reflexivo na Antropologia,

sugerindo então um estudo que embarque as questões das práticas desenvolvidas através das mídias e o

estudo cultural do ambiente analisado, como uma expansão da antropologia. Assim, a Antropologia

começa a se focar no ambiente privado da cultura de classe media ocidental, em suas mais variadas

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coletados que substancialmente pouca coisa mudou; a não ser a proporção do

alcance da comunicação via conexão, e a possibilidade de transpor e executar

o sentido imaginativo da própria vida para esfera virtual, caracterizando assim,

como dito anteriormente, a cultura ciberfeminina como avatar da feminilidade

contemporânea.

Diante de uma cultura de mercado capitalista totalitária que se traveste

em forma de “avanço”, pelos setores tecnológicos existe o alimento de uma

política econômica que se desenvolve historicamente como predadora da

natureza da vida e da existência, rumo a uma “felicidade” que nos momentos

sociais de descontração serve para ser “adquirida” e “publicada” na rede social

online.

A cultura ciberfeminina embarca nesse sistema, entrelaçada com os

parâmetros culturais da indústria do lazer e do consumo. As comunidades

virtuais femininas e muitas das publicações que compõem os perfis pessoais

em rede parecem de acordo com uma consciência superficial e acrítica das

condições reais da vida em outras esferas além da vaidade, dos amigos, dos

sorrisos e da maternidade.

formas e contextos. O texto alega que passou a ser impossível para a Antropologia, ignorar a estrutura da

vida cotidiana nas relações sociais imersas nos contextos presenciais – virtuais, já que isto dinamiza um

novo contexto de realidade. Atualmente a etnografia da mídia começa a se mover sob novas direções

atualizadas e viabilizando o estudo da mídia digital , fruto da tecnologia. Introduzindo novas plataformas e

dispositivos que levaram a um alargamento das necessidades de compreensão destas novas fontes de

dados, as relações de comunicacionais tecnológicas e a interação social. (HORST, HJORTH e IO.

Rethinking ethnography an introduction. Revista de Mídia Internacional da Austrália (2012, (p. 86-91).

Disponível em http://journals.culture-communication.unimelb.edu.au/platform/resources/includes/

v5i1/platform_v5i1.pdf Acesso em 03.02.2014, às 17h24h.

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Entre os dados coletados como os primeiros reflexos da cultura

ciberfeminina, encontramos o texto online chamado La imagen virtual da la

mujer – de los estereótipos tradiconales al ciberfeminismo8 (2003). Como fonte

de inspiração ao presente estudo e categorização do tema, esse texto diz muito

sobre as capacidades de manipulação da mulher pelos tradicionais meios de

mídias, “impressa e televisiva”. Assim, chama atenção para a questão da

mulher ser muito pouco refletida ou conscientizada sobre essa manipulação

sofrida pelas “multinacionais” midiáticas convertidas em “grandes negócios

virtuais”. Esse estudo realizado no início da década, na Espanha, pontuava que

em noventa por cento dos sites femininos analisados pelo estudo, seus

principais aspectos estavam relacionados à beleza, à saúde, à cozinha, à

maternidade, ao casamento, ao sexo, ao romance, à família, à astrologia e à

cultura.

Esse estudo descrito anteriormente demarca a mulher virtual que

aspira ser uma “Barbie de passarela”, preocupada principalmente com a dieta e

grande consumidora dos produtos de beleza. Uma mulher que vive na contínua

condição de mãe e esposa, mas que agora aspira a uma formação profissional

competitiva com o homem. Esta “mulher maravilha”, segundo esse artigo,

assume a dupla ou tripla jornada de trabalho e não abre mão da inclusão de

seus rituais de beleza na rotina. Ela é constantemente bombardeada com o

entusiasmo da “liberação feminina”, mas mantém sua escravidão à imagem,

buscando o modelo de perfeição à mulher, proporcionado pelas grandes top

models e o envolvimento com “nova religião do culto ao corpo”.

Para uma noção clara da importância da beleza como preceito principal

da feminilidade e da cultura ciberfeminina, apresentamos um trecho retirado do

texto mencionado anteriormente, com a constatação de Lipovetsky (2006)

sobre esta questão:

(...) a celebração da beleza física feminina não perdeu nada de

sua força de imposição, sem dúvida, reforçou-se, generalizou-

se e universalizou-se, paralelamente ao desenvolvimento dos

trajes de praia, das estrelas e pin ups exibidos na mídia. [...] A

8 Rubi Liniers, Maria da Cruz , (2003), Espanha. Mas publicado no site www.gallup.es/encu_asp . em

13/02/2012 as 13:30 hrs

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exaltação da beleza feminina restitui no próprio coração do

narcisismo móvel e “transexual” uma divisão importante dos

sexos, uma divisão não apenas estética, mas cultural e

psicológica. (LIPOVETSKY, 2006, p. 137)

Ressaltando a beleza e a maternidade como os grandes preceitos da

feminilidade da mulher refletidos na rede social Facebook, o desenvolvimento

dessa pesquisa ainda afirma que tanto no entendimento de ciberfeminino como

do ciberfeminismo, a imagem da mulher é categorizada em estereótipos e

estigmas. Segundo Wilding (1998), até o ciberfeminismo, aqui como oposto do

ciberfeminino, é um movimento carente de “ideologia e debates políticos” e

enaltece a representação deste movimento por outras imagens, como a das

“mulheres guerreiras”, reproduzindo igualmente tipos de imagens da mulher

pautada em estereótipos.

De acordo com a leitura desse último texto, essa dissertação pode

diagnosticar que ciberfeminismo perde suas forças para o ciberfeminino;

quando sua expectativa era de libertar a mulher pela internet e a tecnologia

representava a pouca importância que os atributos físicos tinham no ambiente

virtual, na época em que a Internet ainda não era tão desenvolvida. Com o

desenvolvimento da rede virtual e as capacidades relacionais da

comunicabilidade, por novos avatares em redes sociais, a imagem passa a ser

um princípio para atuação online e da identidade virtual. Desse modo, essa

dissertação demonstra como a contemporaneidade recente sufocou a utopia

ciberfeminista na vida cotidiana e enalteceu a realidade tradicional feminina,

sem questionamento ou espírito crítico.

Nessa análise, o que é chamado de ciberfeminino representa o

mapeamento das diversas personagens online. Posteriormente, essas foram

delimitadas e nomeadas como ciborgues coquetes. O ciberfeminino é aqui

também discutido pelas diversas comunidades virtuais femininas e feministas,

as quais o acesso é viabilizado apenas num clique em “curtir” para receber

suas publicações. Desse modo, as comunidades virtuais femininas se

apresentam como símbolo do que Bauman (2001) chama de “comunidades

estéticas”.

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Uma coisa que a comunidade estética definitivamente não faz

é tecer entre seus membros uma rede de responsabilidades

éticas, e portanto, de compromisso a longo prazo. (BALMAN,

2001, p. 63)

O elo entre cada personagem ciborgue coquete e suas comunidades

ciberfemininas no Facebook é a referência estética, a qual Bauman atribui de

“natureza superficial”, acima de uma responsabilidade crítica dos conteúdos,

seja na comunidade estética da vaidade, como na da fé. Tal fato é a base da

elaboração das etnografias e será discutido no próximo capítulo.

Pelo estudo etnográfico das comunidades virtuais femininas online no

Facebook, o objetivo seguinte dessa dissertação é encontrar a vulnerabilidade

feminina intrínseca historicamente, na magia da “estrela”, que emerge desde os

primeiros encantos que interagem com as telas oriundas do cinema, até a

projeção da imagem do papel da mulher “ideal” agindo socialmente e

virtualmente nas telas do Facebook.

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Capítulo II – Compreendendo a condição feminina pela

etnografia online das comunidades virtuais no Facebook

Admite-se, hoje em dia, que a aparência, a superficialidade, a

“profundidade da superfície” estão na ordem do dia. Será que é

preciso deixar-se ofuscar por ela ou, o contrário, apreciar com

serenidade, o trágico social que isto induz?

Michel Maffesoli (1999)

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2.1. Do cinema à mulher online imaginária – as poses que cobrem as

dores

Como definir esta qualidade que reside,

não na vida, mas na imagem da vida?

Edgar Morin – O Cinema ou

o Homem Imaginário (1997)

1

O cinema e o que Morin (1997) chamou de “sua magia” inspiraram os

sonhos e as subjetividades que emergiam da interação entre o espectador e

tela representativa do poder das imagens como reflexos “duplos”, num “jogo

que se opõem e se ligam”:

A imagem é o estrito reflexo da realidade, a sua objetividade

está em contradição com a extravagância imaginária. Porém

este reflexo é já ao mesmo tempo, um “duplo”. A imagem já se

encontra embebida de poderes subjetivos que vão deslocar,

deformar e projetar para a fantasia e para o sonho. O

imaginário enfeitiça a imagem, porque esta é já uma feiticeira

de potência. O imaginário prolifera sobre a imagem como seu

cancro natural; vai cristalizar e revelar as humanas

necessidades, mas sempre em imagens; é o lugar comum da

imagem e da imaginação. (...) É, pois, segundo uma mesma

continuidade que o mundo dos duplos passa ao uso das

metamorfoses, que a imagem se exalta no imaginário, que o

cinema desenvolve as suas próprias potencialidades nas

técnicas e na ficção do cinema. (MORIN, 2007, p. 98)

No trecho anterior, Morin expressa um elo entre imagem, magia e

sonho, quando o espectador presencia a magnitude da tela de cinema. Os

1 Disponível em http://www.mundodrive.com/2010/05/mulheres-que-enlouqueceram-nossos-avos.html –

Acesso em 21.10.2014.

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grandes closes nos rostos das “estrelas”, símbolos da feminilidade, evidenciam

o que o autor (2011), ao analisar a cultura de massa no século XX, entende

como a “erotização do rosto”, um “fenômeno de civilização que corresponde a

um enfraquecimento da sexualidade genital”. Tal fato pode ser refletido nessa

direção quando se reflete, o que é tratado nessa pesquisa como ciborguismos

coquetes na rede social Facebook. Entre a própria política da rede social está a

censura do corpo nu feminino, inclusive os seios no ato da amamentação.

Portanto, a magia imaginativa que a contemporaneidade propicia está

no rosto, na face, ou no “Face” – início do nome da rede social que se traduz

em rosto, na língua inglesa. O rosto feminino, nos perfis pessoais, estão sob os

referenciais das grandes divas do cinema americano, agora desdobrados na

composição da imagem das coquetes online, num jogo que, de acordo com

Morin, trabalha muito excitação pela imagem da face, aqui no “Face”. O mesmo

autor também aponta a direção dessa “erotização da face” pela cultura

americana anglicana, a qual julga o sexo como maldito e “se vinga por uma

erotização geral do resto do corpo”.

2

Nessa capa de perfil pessoal, nota-se a exposição do corpo no

ambiente da cozinha, lugar onde a sociedade tradicional ainda associa a

mulher para responsabilidade do preparo do alimento. E nesse contexto

doméstico, o corpo feminino se apresenta em posição de pose diante das

panelas. Nota-se a delimitação do rosto, imponente, orgulhoso e sensualizado;

bem de acordo com que Morin (2011) chamou de “erotização da face” e do

“resto do corpo”. As telas inspiravam e inspiram a imagem e magia na

2 Usuária da comunidade Mulheres perfeitas – https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts/–

Acesso em 11.02.2014, às 00h33.

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configuração subjetiva da imaginação, embora agora em opções de ser muito

menores, portáteis e conectadas às mídias online. Segundo Morin, as estrelas

do cinema trouxeram um “erotismo que se especializou e se difundiu” pela

cultura de mercado, “cuja publicidade devora as páginas das revistas”, com os

rostos das “estrelas” célebres, atuando em grandes anúncios de maquiagens,

perfumes, roupas, cremes rejuvenescedores, entre outros.

São tantos os referenciais de consumo que as “estrelas” ajudam a

vender, o “duplo” imaginativo que Morin (1997) apresentou a partir da tela,

passa a fazer parte de mais um jogo da cultura de mercado, que visa a reduzir

a mulher a seres consumistas e sonhadoras de uma estética fabricada, para

dar lucro às grandes empresas formadoras de opinião e estilos de vida.

A saturação das mensagens e imagens, das cobranças relacionadas à

maternidade, aos cuidados com a família e pressões profissionais são

passíveis de exercer um alto nível de pressão social a ponto de suas

aspirações entrarem em colapso. De acordo com Morin (2011), esta situação,

compreendida pela super erotização “parece estar caminhando ao lado da

semifrigidez e da semi-impotência”, pois a cultura de mercado contemporânea

desloca os princípios de prazer e os instrumentalizam para excitar o “universo

do amor, o da produção dos valores femininos e os de consumo”, numa

sociedade em que o senso comum ainda está apegado aos valores tradicionais

e patriarcais, os quais vigiam, condenam e estigmatizam. Não são nada

libertadores para autonomia da sexualidade e do erotismo feminino, que

permanecem mais na esfera do excitar sensualmente do que consumar o ato

sexualmente.

O cinema trazia as projeções e logo as identificações e as aspirações.

Como fonte imagética, ele sofreu um percurso histórico, ao qual a

contemporaneidade incorporou, personificou e dispôs a cada indivíduo a

possibilidade de atuar, dirigir e divulgar o filme da vida privada, por meio do

fenômeno das redes sociais online. Muito antes desse fenômeno, Morin (1997),

ao construir sua análise sobre a cultura de massa, conseguiu deixá-la apta a

fazer sentido, ainda nos diferentes desdobramentos que dão conteúdo às telas,

do cinema, da televisão e das atuais mídias móveis:

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A magia não tem essência: verdade estéril, se se tratar

simplesmente de observar que a magia é ilusão. Urge por si só,

investigar os processos que dão corpo à esta ilusão (...). A

projeção é um processo universal e multiforme. As nossas

necessidades, aspirações, desejos, obsessões, receios,

projetam-se, não só no vácuo dos sonhos e imaginação, mas

também sobre todas as coisas e todos os seres. (MORIN, 1997,

p. 105)

A cultura contemporânea de mercado criou as divas que emergiram do

cinema e atualmente reinam como símbolos femininos na cultura do

entretenimento de massa. A contemporaneidade, pelas estrelas midiáticas,

consegue canalizar essa “magia” sem “essência” e instrumentalizar a

subjetividade para dar sentido ao que Morin (2011) chama de “boneca do

amor”. Essa apologia à “mulher modelo” está em todas esferas das mídias, das

antigas e tradicionais às novas mídias móveis, assim como esta incorporação

se faz nítida no mapeamento que esse estudo traçou em torno do que chamo

de “ciberfeminino”.

A prostituta não faz senão exagerar o apelo sedutor da mulher

normal. Esta se faz bela como que para suscitar um “desejam-

me” permanente. (...). A mulher e o modelo desenvolvida pela

cultura de massa estão orientados de modo bastante preciso

para os caracteres sexuais secundário aparência da boneca do

amor. (...) a publicidade da grande imprensa estende seu raio

de ação; as grandes casas tiram lucro ao marcar com sua

etiqueta os produtos erotizados de serie ou minissérie

(perfumes, meias etc.). (MORIN, 2011, p. 136)

Como expresso anteriormente, compreende-se que a erotização, a

sensualidade e os adornos que constituem o que Morin chama de “boneca do

amor” ajuda a demarcar o ciberfeminino em rede social online. A “boneca do

amor” é o que denominamos ciberfeminino, podendo se configurar com o que

Morin (1997) chamou de “duplo”, quando as telas interagem com o cotidiano.

Diante das etnografias realizadas por essa dissertação, demonstra-se

que o ideal feminino consagrado pela cultura contemporânea de mercado é

altamente coquete, com seus rituais de beleza e enaltecimento da estética, e

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ainda está sob a base estrutural patriarcal, que tem como estrutura o

casamento tradicional e monogâmico. O perfil apresentado a seguir foi

selecionado como exemplo desses pressupostos sustentados pela cultura

contemporânea para o desenho tradicional da mulher digitalizado em tela:

3

Nessa imagem, no quadrado menor representando a face, nota-se o

sorriso e a iluminação em qualidade profissional. No sentido maior está o

sorriso no rosto, o buquê nas mãos e o tradicional vestido branco de

casamento num modelo mais moderno e minimalista. Mas independente do

estilo, é na cerimônia e na festa de casamento em que a mulher, no papel de

noiva, tem a oportunidade de se contemplar como a “grande estrela”. Na

imagem, percebe-se que o sentido do casamento é maior que o espaço que

representa o rosto como representante da identidade individual online.

Considerando os pressupostos de Goffman (1975) já mencionados

anteriormente nesse estudo, quando o autor faz entender que a construção dos

perfis pessoais, no Facebook, equivale à construção do que ele chama de

“fachada”, atende aos princípios adequados do que é considerado admirável,

socialmente na tela. Isso nos remete novamente a Morin (1997), que ajuda a

completar essa ideia na investigação do ciberfeminino pelo Facebook, trazendo

a ideia do “duplo” na relação com as telas, por meio de seu estudo sobre o

cinema.

3 Integrante da comunidade “mulheres perfeitas”. Acessado em 24.03.2014, às 23h24.

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Essa outra apresentação pessoal de perfil no Facebook, inclui-se no

mesmo caso da imagem anterior, embora com diferente paisagem. A imagem

individual, da apresentação menor, é escura e sombria, de modo a ficar bem

antagônica à imagem maior, a da “capa”, a qual repercute a vedetitização

ciberfeminina colorida, iluminada e harmoniosa com inspiração construída sob

as raízes das estrelas das antigas mídias, em especial as divas

cinematográficas contrapondo o espaço que traz o rosto como a representação

da individualização de si mesma. Nesse aspecto, Gui Debord (1997), assim

como Morin e Goffman, consegue analisar o fenômeno do espetáculo, de

maneira significativa para o olhar das relações sociais/virtuais contemporâneas.

Dada a atual realidade, da construção do espetáculo de si, é tido como um

valor a se celebrar, na interação com a tela; revelando características

importantes que ainda servem para justificar o que, nesse trabalho, é entendido

como coquetismo ciborgue. No que diz respeito a essa questão, Gui Debord

explica:

Como vedete, o agente do espetáculo levado à cena é o

oposto do indivíduo, é o inimigo do individuo nele mesmo tão

evidente como nos outros. Aparecendo no espetáculo como

modelo de identificação, ele renunciou a toda qualidade

autônoma para identificar-se com a lei geral de obediência ao

desenrolar das coisas. A vedete do consumo, embora

represente exteriormente diferentes tipos de personalidades.

Mostra cada um destes tipos como se tivesse igual acesso à

totalidade do consumo, e também como encontrar a felicidade

neste consumo. A vedete da decisão deve possuir o estoque

completo do que foi admitido como qualidades humanas. (GUI

DEBORD, 1997, p. 40-41)

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O indivíduo em detrimento da vedete encontra um sentido que liga

tanto a análise da última imagem como consta da citação apresentada

anteriormente. O “consumo” a que Debord se refere, quando estendido ao

contexto contemporâneo, significa um consumo não só de produtos, mas de

estilos de vida inspirados, incorporados, reproduzidos e disseminados no ideal

de vedete, estrela ou coquete.

As telas de cinema, de televisão, do computador, dos aparelhos com

mídias móveis e as enxurradas de imagens que o universo das mídias

despejam diariamente agem em conjunto com a mídias impressas e

conseguem penetrar nas subjetividades e nos sentimentos. As telas

conectadas em redes sociais, como Facebook, permitem a interação social e a

comunicação social em larga escala, por identidades construídas com imagens

pessoais que representem um “eu” online. Considerando o cinema como

desdobramento luminoso da tela, agora individualizada, proliferada e como

palco para atores sociais/virtuais, a atriz denominada ciborgue coquete cabe

nas palavras de Morin (1997) quando reconhece, na sua imagem, a essência

dessa personagem:

A imagem não é mais do que uma abstração: reduz-se a

formas visuais. Estas formas são, no entanto, suficientes para

que se reconheça o objeto fotografado. São sinais. Mas são

mais símbolos do que sinais. A imagem representa – é esse o

termo – restitui presença. Com efeito, é simbólico tudo aquilo

que sugere, contem ou revela outra coisa, ou algo mais do que

a si próprio. (...) Essas abstrações significativas são simbólicas

precisamente porque a madeixa de cabelos, o lenço, o

perfume, a fotografia, a metáfora, a cruz comunicam, não só a

ideia, mas a presença daquilo de que são apenas fragmentos

ou sinais. (MORIN, 1997, p. 197-198)

Morin, nesse caso, revela o caráter simbólico da imagem na metáfora

da fotografia e a força significativa que ela tem em seu poder de demarcar a

presença. Pensando no fato de o universo ciberfeminino ser basicamente

composto pela imagem, é a partir dela que a ciborgue coquete alimenta a sua

personagem online. Assim, atrizes que atuam no universo ciberfeminino

demostram a condição feminina amparada na simbologia pela fotografia da

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imagem para “estrelar” a sua própria vida privada vinculada socialmente no

Facebook.

Sontag (1997) lembra que a fotografia pela tecnologia poderia significar

a disseminação da mentalidade que enxerga o mundo como potenciais

fotográficos, tal fato acrescentado ao narcisismo e ao individualismo configura

a essência da ciborgue coquete e o desempenho de sua visão de mundo que

consagra ela mesma como “estrela”.

Na decisão de como deverá ser uma fotografia e na escolha da

exposição adequada, os padrões sempre foram impostos.

Embora se pense que a câmera de fato sempre captura uma

realidade, sem interpretá-la, as fotografias se constituem

interpretações do mundo (...) Trata-se de um rito social, uma

defesa contra a ansiedade e um instrumento de poder.

Memorizar os feitos dos indivíduos membros de uma família (e

também de outros grupos) é o mais antigo uso popular da

fotografia. (SONTAG, 1997, p. 180-181)

Dessa forma, pelas imagens das fotografia digitais publicadas em rede

social, seguem reprodução virtual dos valores glorificáveis socialmente, que

nesta pesquisa se refere aos valores femininos. As ciborgues coquetes, como

as atrizes femininas por suas representações de online, apresentam a

individualização narcísica das forças sociais representativas do feminino, ao

mesmo tempo que interage socialmente na rede social, “compartilhando”

informações. Tal observação, nessa dissertação, está em conformidade com a

colocação de Lipovetsky e Serroy (2008) quando entendem que a tela

apresenta o “jogo com sua própria identidade” numa “segunda vida” de

conexões participativas como algo além do consumismo:

(...) A explosão das comunidades virtuais é, antes de tudo, a

expressão da hipertrofia bem real da individualização. (...) De

um lado é difícil não notar a dimensão profundamente narcísica

dessas trocas conectadas em que, muitas vezes, se trata

apensa de falar de si, de mostrar-se, de até mesmo exibir por

vezes os aspectos mais íntimos de sua vida privada. Mas de

outro lado, também existem os novos desejos de partilhas, de

expressões e participação, oferecendo uma imagem menos

redutora do individuo contemporâneo comparado ao

consumidor fanático: o individualismo hipermoderno não é

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apenas consumista; é ao mesmo tempo expressivo, interativo,

participativo, está em busca de interação múltipla. Se o

consumo funciona com frequência como um consolo para as

misérias da vida, o novo tropismo comunicacional revela as

insatisfações da vida passiva absorvida pelo consumismo.

(LIPOVETSKY e SERROY, 2008, p. 79)

As estrelas da vida privada na rede social Facebook, de acordo com os

autores mencionados anteriormente, aparentemente estão inseridas nesse

contexto, interagem nas “múltiplas esferas” e utilizam o espaço virtual social para o

“consolo da angústia consumista e individualista”. Mas pode-se pensar a respeito de

encontrar abrigo no “tropismo comunicacional” de certas comunidades virtuais

femininas, como as investigadas, significa a busca apoiada na proteção de um colo

virtual, sem a possibilidade de uma concretude acolhedora.

A “comunidade”, como diz Bauman (2001), é uma palavra que sempre

remete ao conforto e à segurança. “Compartilhar” é outra palavra que pode

trazer conforto à alma quando se pressupõe que ela significa o contrário do

egoísmo. Mas essa análise em torno da ciborgue coquete e da condição

feminina na contemporaneidade verifica que esse “consolo”, na esfera virtual,

pode ocorrer pelo compartilhar individualidades e privacidades, por imagens e

mensagens. Isso significa que, sob o efeito digital da tela, a angústia é

dissolvida em sensações, por meio de palavras confortáveis que não dão conta

de seu real significado vivido na prática offline. Se Morin (1997) estuda a

“magia” da tela do cinema, Lipovetsky e Serroy (2008) tratam da figura

“mágica” das estrelas das telas. Ambos os autores atentam ao sentido

generalizado “do estrelato” na totalidade das formas de atividade em todos os

domínios. Isso fica claro quando dizem que o “próprio mundo entrou no sistema

da celebridade e que não é midiatizado não existe”. Assim, a mulher imaginada

para ser a atriz virtual em rede social não poderia fugir dessa tendência da

contemporaneidade. Isto é baseado no que estes dois últimos autores tratam

como “banalização e degradação da figura pura da estrela trazendo consigo

uma imagem de eternidade”, em que as representações das imagens

ciberfemininas seguem desejando para sua personagem virtual a inspiração,

na notoriedade e no brilho eterno, das estrelas verdadeiras.

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Lipovetsky e Serroy (2008) ainda entendem que a estrelomania pode

ser vista como algo igualitário no imaginário: o enaltecimento o sucesso e o

individualismo. Mas, além de possibilidade democrática, o ideal feminino que

contempla esse culto ao sucesso, ao individualismo consumista, à maternidade

e à beleza feminina como projeto de identidade e de vida, é por Wolf (1992) e

por essa dissertação, considerado como um objetivo totalitário dos valores da

cultura de mercado contemporânea.

(...) Se a estrelomania não pode ser separada do formidável inchaço

da sociedade midiática, também não poderia ser explicada só por

este fator. A hipervisibilidade das pessoas revela o avanço do

imaginário igualitário, o culto do sucesso e dos valores individuais e

ao mesmo tempo o poder da cultura psicológica que acompanha a

dinâmica da hiperindividualização contemporânea (...). (LIPOVETSKY e

SERROY, 2008, p. 82)

Os autores contam com essas referências produzidas pela indústria cultural

de massa, como elo de comunicação e identificação e vetores de assuntos e

conversações. Porém a reflexão dessa dissertação a respeito das “estrelas” das

telas do Facebook é que a condição feminina contemporânea é carregada, os

autores chamam de “estrelomania”, e isso, como ressaltado anteriormente por esta

análise, conta com a base midiática sustentando e construindo a indústria das

celebridades. A esse respeito, os autores mencionam que:

(...) Fenômeno de massa. O interesse dirigido às celebridades

é o sinal manifesto de uma necessidade de personificação do

mundo impessoal do universo mercantil, bem como a expansão

do mundo do consumível e da moda com seu quinhão de

sonho e de evasão individualista (...). (LIPOVETSKY e SERROY,

2008, p. 86)

Quando esses autores falam sobre a hipermodernidade, colocam as

telas e a estrelomania como itens típicos da contemporaneidade

comunicacional. Essa forma de automarketing da mulher contemporânea em

suas expressões online, faz com que a imagem seja trabalhada de modo

autônomo pelos recursos tecnológicos e seus filtros de aperfeiçoamento do

registro da imagem. Desse modo, a ciborgue coquete pode ser atriz, produtora

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e divulgadora de sua vida privada, conforme Lipovetsky e Serroy identificaram,

quanto ser possível na “galáxia comunicacional”, tornar-se “fotógrafo” paparazzi

do autoestrelato, registrando os consideráveis fragmentos enfáticos do

cotidiano da própria vida à ser publicado na rede.

Outro aspecto que o estudo das estrelas da vida privada na versão

ciborgue coquete no Facebook foi capaz de trazer pelos desdobramentos das

mídias inseridos na imaginação da construção da imagem feminina, foi a

“coisificação” da identidade como um produto de si.

Desde as telas do cinema até as das mídias móveis, esta coisificação

da imagem feminina é derramada na imaginação, absorvida

imperceptivelmente e assimilada sem contestação, de modo normalizado e

disseminado pela sociedade da cultura de mercado contemporânea. Mas, entre

o cinema como a raiz do encanto feminino interagindo imaginativamente com

as telas e a interação ativa online do feminino na prática com as telas, existe

um mecanismo inspirador e mantedor da condição feminina que ainda vem da

televisão. O artigo “La mujer, cosa de hombres – Rol de la mujer en la

televisión y sociedad”4 discute a análise do vídeo5 de Isabel Coixet, a respeito

da televisão e da imagem feminina:

Empezamos de una urgencia. La constatación que las mujeres,

las mujeres reales, están desapareciendo de la televisión y que

son reemplazadas por una representación grotesca, vulgar y

humillante. La pérdida nos parece enorme: la cancelación de la

identidad de las mujeres ocurre bajo la mirada de todos, pero

sin que haya una reacción adecuada, ni por parte de las

mujeres mismas. A partir de aquí, se abrió camino la idea de seleccionar las imágenes televisivas que tuvieran en común la

utilización manipuladora del cuerpo de las mujeres para contar

lo que está pasando no sólo a quien nunca mira la televisión,

sino a quien la mira, pero “no ve”. (COIXET, 2013, s.n.)

O recorte do feminino nas redes sociais aqui denominado de

ciberfeminino é fruto do padrão midiático que traça os valores físicos e morais

4 Disponível em http://ssociologos.com/2013/11/01/la-mujer-cosa-de-hombres-rol-de-la-mujer-en-la-

television-y-sociedad/ – Acessado em 01.11.2014, às 18h41. 5 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1teAJZE1ark – Acessado em 01.11.2014, às 18h47.

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da feminilidade que são absorvidos pela fluidez constante de imagens

ditadoras destes contornos. Assim como a citação acima, a ciborgue coquete

demonstra uma exaltação passiva desta corrente e jamais questiona na rede, a

direção desta correnteza, a qual demonstra ter prazer em ser levada.

Todos esses mecanismos midiáticos são vetores das construções e

reconstruções das necessidades femininas, pois são sustentados

financeiramente e ideologicamente pela publicidade, na tentativa de atingir o

maior número de consumidores possíveis.

O brilho das “estrelas” midiáticas é o grande combustível para inspirar

e legitimar as construções dessas necessidades femininas, pois como

Lipovetsky (2006) explicitou: “Com as estrelas, a forma moda brilha com todo

seu esplendor, a sedução está no ápice da sua magia”.

A revista online Ssociólogos6, em uma publicação de Caroline Heldman

(2014), demonstrou esse fato, pela seleção de diversas imagens de

campanhas publicitárias que são capazes de atestar tais palavras por

mensagens, que implicitamente, aos olhos do senso comum, são carregadas

de violência simbólica.

Sin embargo, parece que es hoy en día cuando la cosificación

de la mujer se ha vuelto más relevante, en una sociedad

devorada por el consumismo y donde las mujeres han pasado

a convertirse una mercancía dedicada al disfrute,

generalmente, del hombre. Esta forma de violencia simbólica,

que resulta casi imperceptible, somete a todas las mujeres a

través de la publicidad, las revistas, las series de televisión,

las películas, los videojuegos, los videos musicales, las

noticias, la telerealidad, etc.¿ Pero en qué consiste realmente

la cosificación? Se trata del acto de representar o tratar a una

persona como a un objeto (una cosa no pensante que puede

ser usada como uno desee). Y más concretamente, la

cosificación sexual consiste en representar o tratar a una

persona como un objeto sexual, ignorando sus cualidades y

habilidades intelectuales y personales y reduciéndolas a meros

instrumentos para el deleite sexual de otra persona. (HELDMAN,

2014, s.n.)

6 Disponível emhttp://ssociologos.com/2013/07/16/representacion-de-la-mujer-en-los-medios-cosificacion-

sexual/ – Acessado em 28.10.2014, às 13h31.

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Na sociedade de mercado da cultura ocidental contemporânea,

conforme a ideia apresentada anteriormente, os valores mercadológicos ficam

introjetados nos espíritos dos atores sociais contemporâneos e convertem

facilmente a imagem da mulher em mercadoria dedicada ao desfrute do outro.

Na imagem apresentada a seguir, a foto com as modelos da campanha

global da marca americana de roupas íntimas Victoria Secret pode ser vista, de

acordo com o entendimento de Heldman, como exemplificação da construção

midiática das estrelas, desempenhando a força imaginativa nos referenciais de

construção do feminino, a fim de criar um padrão homogêneo de feminilidade

para, assim, garantir sucesso e lucro no mercado globalizado de vendas.

7

Essa imagem de modelos brasileiras, com exceção da primeira e da

terceira, protagonizando o ensaio das campanhas publicitárias da marca global,

em questão, demonstra que todas, quase igualmente seguidas, atendendo a

um mesmo padrão com diferenças leves nas nuances entre cor de pele e

cabelo. Isso, segundo Heldman, retira o valor individual de cada mulher.

Considerando as análises sobre o ciberfeminino apresentadas nessa pesquisa,

é possível constatar a fabricação de uma espécie de latifúndio feminino, pelos

modelos que a cultura contemporânea de mercado defende como “belo”.

Publicidades, como essa da Victoria Secret, garantem contratos

milionários para essas modelos venderem, além de roupas íntimas, cremes,

7 Disponível em http://images4.fanpop.com/image/photos/16100000/Victoria-s-Secret-Angels-victorias-

secret-angels-16195655-2494-1700.jpg – Acessado em 28.10.2014, às 17h.

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perfumes, joias entre outros, reforçando o conceito de que as mulheres se

comparam a objetos fungíveis. Ainda, segundo Heldman, isso se repercute na

homogeneização da feminilidade para consumo, atendendo ao objetivo de

“quanto mais, melhor”, na esfera dos prazeres típicos da cultura

contemporânea de mercado.

Na imagem a seguir, oriunda do armazenamento coletado para

análises de perfis pessoais representativos do ciborguismo coquete, há certos

aspectos, por exemplo, da incorporação individual dos preceitos de

feminilidade, anteriormente levantados.

Nessa imagem representativa do coquetismo online, a postura, os

cabelos esvoaçantes e o corpo iluminado na lancha, sob o desenho das ondas

realizado pelo motor, obviamente não tem toda a carga de glamour do espírito

Victoria Secret, mas também demonstra claramente a aproximação dessa

imagem a esse espírito, quando o automarketing trabalhado para essa

personagem desempenha, a exposição sensualizada no corpo em pose,

acompanhados do signo de “sucesso e riqueza” à feminilidade. Esse signo, na

foto acima da Victoria Secret está na joia que se acopla às luvas nos corpos

nus da top models, ao passo que na foto anterior, de Simone Navegante, no

Facebook, o signo de valor, sucesso e usufruto da cultura de mercado é posar

de “estrela” na lancha desenhando o mar.

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A análise de Lipovetsky e Serroy (2008), inspira pensar o Facebook

como um grande recurso da “galáxia comunicacional”, é um mecanismo que

permite reforçar e naturalizar a exposição dos corpos femininos como modo de

liberdade e sensualidade, e com os referenciais de sucesso inseridos, levando

justamente ao que Heldman, como demostrado anteriormente, colocou sobre a

coisificação em série e a homogeneização do feminino.

No perfil de Pollianna Alves são encontradas as mesmas

características, embora apresentadas de maneira diferente, pois se trata de

outra atriz ciborgue coquete. Seguindo o padrão homogêneo de feminilidade,

trata-se de outra “estrela” da vida privada usufruindo do que é valorizado

midiaticamente na base de valores das altas classes sociais, reproduzindo a

estética da alegria e da beleza, construídos e enaltecidos pela cultura de

mercado contemporânea.

Na revista online Ssociólogos8 foi publicada uma entrevista com

Bauman (2014), em que o autor responde sobre o conceito de celebridade e

estrela na contemporaneidade líquida, trazendo uma análise bastante

apropriada a essa dissertação, quando se trata da condição feminina pelas

perspectivas da sociabilidade online.

Segundo as respostas de Bauman (2014), é possível verificar que o

formato de sociabilidade está convertido numa rede, em que cada um segue

participando individualmente. Nas redes de comunidade virtual, como o

Facebook, o vínculo real (não virtual), muitas vezes, é inexistente e atende, no

8 Disponível em http://ssociologos.com/2014/10/05/conversacion-con-zygmunt-bauman-el-culto-de-las-

celebridades-en-la-sociedad-liquida/ – Acessado em 29.10.2014, às 18h45.

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máximo, ao que o próprio Bauman (2001) apresenta como comunidade

estética, conforme colocado anteriormente.

A sociabilidade online que o autor chama de rede é considerada um

lugar com as portas sempre abertas, em que qualquer pessoa pode aceitar ou

recusar. Nesse jogo de relações, o indivíduo, colocado que Bauman mostra, é

reconhecido aqui como a ciborgue coquete atendendo as mesmas

inseguranças, relacionadas ao aumento do medo de “ser abandonada” e

“condenada ao ostracismo”, nesse universo de imagens construídas e

divulgadas.

Desse modo, o fluxo das celebridades das telas e a magia digital da

vida virtual, pela pesquisa desenvolvida, podem direcionar um olhar que

reconhece o aumento do medo, da insegurança, da carência e da

autoaceitação feminina, camuflados na rede social, na satisfação da

necessidade quantificada em “curtir”, e aos comentários elogiosos que seguem

a publicação.

Bauman, nessa respectiva entrevista, salienta que:

Hoy todo ha cambiado. ¿Crees que si René Descartes hubiera

vivido en esta época, habría cambiado el famoso lema “Pienso,

luego existo”, por “Me veo en la tele, luego existo”, y luego “Yo

tengo mi propia página web, luego existo”. (BAUMAN, 2014,

s.n.)

Tal como é mencionado no pensameto de Bauman e estendendo para

o contexto dessa dissertação, pode-se dizer que: “tenho meu perfil no

Facebook, logo existo”. E, nessa dimensão da sociabilidade online, o pensador

crítico da contemporaneidade discorre sua análise verificando que a criação do

conceito de celebridade mudou de percepção das identidades, pois as

celebridades líquidas e contemporâneas são percebidas comuns e com

“biografias pessoais” muito próximas de seu público.

O desenvolvimento desse trabalho investigativo, sobre o que é

chamado ciberfeminino, coincide com o olhar analítico de Bauman nessa

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entrevista, em que o autor se refere à construção desse conceito do estrelato e

da celebridade, sob a plataforma de um grande negócio, incentivado pela

vigente cultura de mercado feminina.

A mulher contemporânea, signo da feminilidade, imaginada

pessoalmente e socialmente como atriz social/virtual, está também de acordo

com as palavras dispensadas pela antropóloga Dolores Juliano (2014) que, em

outra entrevista concedia á revista Ssociologos9, diz que mesmo quando a

figura feminina acredita que alcançou a liberdade, ela ainda tem a autonomia

de sua sexualidade perseguida:

Se persigue la sexualidad autónoma de las mujeres. Está bien

visto que la mujer sea coqueta, que tenga interés por ser

atractiva y deseable, que esté enamoradísima del marido y

viviendo para servirle y procrear y se penaliza que sea

consciente de que su sexualidad forma parte de sí misma y que

la utilice como ella quiera. Es la autonomía lo que está mal

visto, no solamente en materia de sexualidad, sino en otros

muchos aspectos. La disidencia de las mujeres se castiga más

que la de los hombres. (JULIANO, 2014, s.n.)

Segundo Juliano e o sentido que o ciberfeminino pode convergir com

essas palavras, fica evidente a sociedade legitimando para estrela da vida

privada, o sentido primordial para coquetismo, o despertar do desejo. Ao

mesmo tempo, pelo poder da tradição, se vê o ciberfeminino norteado por

valores, em que se clama enamorar o marido e desempenhar sua função de

procriar. De outro lado, no quesito da autonomia da sexualidade, assim como

em outros aspectos, os quais a mulher apresenta-se como dissidente de tais

valores anteriormente colocados, a sociedade reage contra ela e a aplica o

castigo do estigma.

Na família tradicional hétero normativa, a mulher torna-se a “moral” da

família. Esse modelo, ainda persistente como um valor, exerce o poder de

controle, observação, punição, bem como já mencionado, todo processo de

estigma exercido pela sociedade, desdobrando-se no contexto virtual.

9 Disponível em http://ssociologos.com/2014/04/02/dolores-juliano-el-cine-la-television-o-las-revistas-del-

corazon-generan-modelos-de-mujer-y-de-hombre-muy-poco-cuestionadores/ – em 28.10.2014, às

21h41.

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Revendo a ideia do “adestramento” exercido pelas mídias no ideal e na

condição feminina contemporânea, a comunicação da publicidade se releva no

estímulo do consumismo e, como demonstrado ao final do capitulo anterior, o

ideal de mulher a transforma numa mercadoria no sentido que Bauman (2007)

coloca de se remodelar na lógica dos “produtos capazes de obter atenção e

atrair a demanda de fregueses”.

Como todo produto pede uma ação de marketing, as redes sociais

servem como palco ideal de divulgação dessa capacidade que a tecnologia

proporcionou de automarketing social/virtual; visível pelos dados analisados e

pelas imagens apresentadas no primeiro capítulo. Desse modo, conclui-se que

a publicidade institucionalizada é grande responsável por criar os estímulos

com poder persuadir e impor identidades femininas que seguem o seu padrão,

instrumentalizando os desejos, as personalidades e estilos de vida.

Os registros e publicações das poses inspiradas pela sensualidade e a

relevância das curvas femininas, nas imagens em rede social, fazem da

ciborgue coquete uma consequência e um instrumento das forças coercitivas

da identidade feminina midiática.

Esse ângulo de visualização da condição feminina nas esferas midiáticas

está em consonância com um artigo da revista impressa espanhola Pueblo10 (2005),

em que Walzer e Lomas mencionam em seu respectivo artigo que:

De esta manera, el decir de los objetos (la estética de la

publicidad) se convierte en una astucia comunicativa orientada

no sólo a exhibir las cualidades de los productos sino también,

y sobre todo, en una eficacísima herramienta de construcción

de la identidad sociocultural de los sujetos (la ética de la

publicidad). (WALZER e LOMAS, 2005, p. 18-19).

A citação anterior, desdobrada para a análise do ciberfeminino na rede

social Facebook, faz entender que além de a publicidade lançar só “as

qualidades do produto”, ela é uma ferramenta que constrói a identidade,

10

Revista Pueblo (2005) nº 15/ março de 2005, pp. 18 y 19.

http://www.mujeresenred.net/spip.php?article694 23/11/1014 às 21h32.

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impulsionada a mostrar apenas o que reconhece como qualidade, na

teatralidade online.

A performance da teatralidade virtual é um aspecto importante nessa

dissertação quando diz respeito ao contexto das relações sociais

contemporâneas na esfera comunicacional desdobrada ao contexto virtual de

sociabilidades pelas personagens femininas online. Pelas expressões

ciberfemininas e seus grupismos virtuais, é pertinente estudar a sociedade

ressignificada digitalmente, mas atento às colocações de Simmel (2006)

quando trata a sociedade como:

(...) um conceito abstrato, mas cada um dos incontáveis

agrupamentos e configurações englobados em tal conceito é

um objeto a ser investigado e digno de ser pesquisado, e de

maneira alguma podem ser constituídos pela particularidade

das formas individuais de existência. (p. 25)

As possibilidades de convergência entre as palavras de Simmel e os

agrupamentos compostos pelas comunidades virtuais no Facebook ainda se

estendem quando ele considera:

“Seguramente que cada um desses indivíduos tem seu

comportamento conduzido por um outro, cujo o desenvolvimento é

de algum modo diferente, e provavelmente nenhum se comporta

exatamente como o outro; em nenhum indivíduo se encontram

postos, lado a lado, o elemento que o iguala e o elemento que o

separa dos demais; ambos os elementos constroem a unidade

indivisível da vida pessoal.” (p. 11)

Desse modo, indivíduos agrupam-se socialmente e virtualmente de

acordo com a identificação ou na inspiração conduzida pelo outro, fato que se

mostra evidente no padrão de feminilidade vigente e presente nas personagens

ciberfemininas. Reconhecendo o sentido relacional do Facebook como

desdobramento dos preceitos sociais históricos digitalmente atuados, as palavras de

Norbert Elias (1993) ilustram a falta dos “modelos conceituais” que possam dar conta

da compreensão do conjunto dos indivíduos isolados e virtualmente agregados em

grupismos online pelas infinitas possibilidades de comunidades virtuais no Facebook.

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“O que nos falta – vamos admitir com franqueza – são modelos

conceituais e uma visão global do qual podemos tornar

compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos

diariamente na realidade, mediante os quais possamos

compreender de que modo um grande número de indivíduos

compõem entre si algo maior e diferente que uma coleção de

indivíduos isolados (...)”. (ELIAS, 1993, p. 17)

Partindo dessa premissa de Elias, esse trabalho investigativo em

comunidade virtuais na rede social Facebook buscou voltar um olhar

investigativo que pudesse penetrar além das superficialidades que as imagens

e mensagens respectivas das comunidades representam. Tais comunidades

são coleções de personagens virtuais individualizados e isolados, mas

socialmente conectados na dimensão online por seus aparatos eletrônicos,

conforme o primeiro capítulo foi capaz de demonstrar na apresentação do

contexto contemporâneo na hibridez da tecnologia em ação direta com o corpo.

É na ação individual com o foco concentrado nas telas interagindo com

atores virtuais em redes sociais digitais onde a prática da relação no ambiente

social/virtual segue o que Bauman (2001) coloca como o refúgio tecnicamente

controlável de um mundo que, na verdade, é sem controle.

O consumo (de) e tecnologia são duas formas de tentativas de controle

do mundo, e as ciborgues coquetes, em suas imagens virtuais compostas

pelas fotografias digitais publicadas na rede, atendem ao que Sontag (1997)

mais uma vez acusa como papel das fotografias: “ajudar a conquistar o espaço

e onde se sentem inseguras”. A imagem fotográfica, para a autora, tem poder

“bidimensional”. E quando diz que a fotografia são “miniaturas de realidades”,

remete-se à condição do Facebook, em que as imagens imperam um contexto

perceptivelmente bidimensional das infinitas realidades em telas digitais.

A próxima comunidade feminina investigada no Facebook faz jus ao que a

cultura de mercado repercute para mulher na base do consumo e da imagem; é

composta por individualismos femininos, mulheres que “curtem” e “compartilham”

suas “realidades em miniaturas”, como mensagens em torno da vaidade e do poder

da “feminilidade” como necessidade constituinte da “mulher perfeita”.

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76

2.2. “As Mulheres Perfeitas”

11

Por meio da comunidade virtual “Mulheres perfeitas”, conhecemos a

comunidade “mulheres que oram”, pelo fato de compartilhar de modo constante

suas mensagens. Porém “mulheres oram” não compartilha mensagens de

“mulheres perfeitas”, por esta apresentar características de feminilidade e

sensualidade em torno do consumo, da vaidade e da estética. Entre as

mensagens, encontram-se algumas de “fé e esperança”. “Mulheres perfeitas”

faz o que George Bataille (1987) propôs na procura das possiblidades entre a

coesão da santa e do sensual.

O espírito humano está exposto às mais surpreendentes

injunções. Constantemente ele teme a si mesmo. Seus

movimentos eróticos o apavoram. A santa afasta-se com terror

do sensual: ela ignora a unidade das paixões inconfessáveis

deste último com as suas. Entretanto, é possível procurar a

coesão do espírito humano, cujas possibilidades vão da santa

ao sensual. (BATAILLE, 1987, p. 131-132)

Nessa comunidade, a “mulher perfeita” não usa sua sensualidade de

forma erótica a funcionar como transgressora dos valores instaurados no senso

comum. Ela mostra, pela comunidade online, que sua sensualidade está

11

Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts – Acessado em 15.10.2014.

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atrelada aos valores conservadores e tradicionais em torno do casamento, da

família e dos filhos e é construída pelas referências já estruturadas

midiaticamente em que a beleza e sensualidade são instrumentalizadas para

agregar valores da ordem da sociedade patriarcal. Tal ordem, em sinergia com

a cultura de mercado contemporânea, reforça ainda mais a mulher como

produto da mídia e dos pilares tradicionais da religião, pois a

contemporaneidade valoriza o consumo e o sagrado, e é nessas esferas que a

atriz social/virtual tem suas inspirações. Diante desse diagnóstico, sob o olhar

de Bataille, essa dissertação observou na rede social Facebook, que a “mulher

perfeita” é a “santa sensual”. Portanto, essa comunidade virtual feminina

selecionada para o estudo etnográfico traz a divulgação dos artefatos estéticos

como imprescindíveis para a construção do que é tratado como coquetismo

ciborgue. É essa comunidade a que mais desempenha atividades de

publicações, se comparada com as outras analisadas. Muitas vezes a

velocidade de postagens chega a ser de hora em hora, sendo mais trinta posts

por dia sobre publicidade de moda, estética, retratos de bebês “coquetes” do

sexo feminino; entre as mensagens indiretas de autoajuda e de religião.

“Mulheres perfeitas” é uma comunidade virtual em que é refletida a

divindade feminina, conforme Wolf (1992) chama de “Ritos de Beleza”. As

publicações que a comunidade compartilha estão entre aquelas que

repercutem o consumismo para construção da feminilidade; com os seguintes

elementos: maquiagens, unhas postiças, óculos, bolsas, esmaltes e vestidos.

Eles são apresentados como os elementos sagrados para a composição da

cultura contemporânea feminina de mercado. Onde os adornos e rituais

seguem funcionando como garantidores das cores e dos estilos que

simbolizam as coquetes físicas e virtuais.

Esse estudo recorre aos “ritos de beleza” que Wolf apresenta em sua

bibliografia e essa dissertação recorta em mensagens símbolos desse

contexto. Percorrendo a comunidade virtual “mulheres perfeitas”, encontram-se

esses itens simbólicos em forma de postagem apresentados pelas infinitas

sugestões de consumo para construir a “beleza” da cultura de mercado

feminina e exibi-la socialmente, principalmente do desdobramento da

sociabilidade online pela rede social.

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Tais traços podem ser mapeados não só nessa comunidade, mas na

maioria daquelas destinadas ao público feminino. Independente da raça ou da

religião, a beleza feminina busca ser cultuada sem muitos questionamentos.

Técnicas de sustento para esse culto se fazem presentes historicamente desde

as revistas e publicidade feminina, até os programas televisivos destinados às

mulheres sempre recheados de conteúdo culinário ou relacionando a mulher à

maternidade e vaidade.

Esse hábito em torno da beleza com seus rituais e sacrifícios é tão

endeusado e totalitário que se firmou, segundo Wolf (1992), sobre uma “raiz de

catolicismo falsamente medieval” e assim, acumularam elementos de outras

correntes religiosas, bem como ela explica a seguir:

(...) Ritos da Beleza foram acumulando alguns novos

elementos: um luteranismo em que as modelos de moda são

as Eleitas, e as restantes de nós as Amaldiçoadas; uma

adaptação episcopal às exigências do consumismo, na qual as

mulheres podem aspirar ao paraíso através de boas obras

(lucrativas); um judaísmo ortodoxo de compulsões à pureza, na

exegese minuciosa e trabalhosa de centenas de leis com seus

comentários sobre o que comer, o que vestir, o que fazer ao

corpo e em que momento; e um núcleo baseado nos mistérios

elêusicos na cerimônia da morte e do renascimento. Por cima

de tudo isso, foram fielmente adaptadas as técnicas de

doutrinação das seitas modernas. Suas grosseiras

manipulações psicológicas ajudam a conquistar adeptos numa

era refratária a profissões de fé espontâneas. Os Ritos da

Beleza conseguem isolar as mulheres tão bem, porque ainda

não é publicamente reconhecido que as devotas estão presas

a algo mais sério do que uma moda e de maior penetração

social do que uma deformação pessoal da própria imagem. Os

Ritos ainda não são descritos em termos do que realmente

representam: um novo fundamentalismo que transforma o

Ocidente secular, tão repressor e dogmático quanto qualquer

réplica sua no Oriente. À medida que as mulheres vão lidando

com uma hipermodernidade à qual só recentemente foram

admitidas, uma força que é de fato uma hipnose de massa

lança sobre elas seu peso total para forçá-las a uma visão de

mundo medieval. (WOLF, 1992, p. 115-116)

Pela comunidade “mulheres perfeitas” e considerando as palavras de

Wolf, é possível verificar que a condição feminina se encontra no

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desdobramento do sagrado à divindade da “beleza”; criada, desenvolvida e

propagada pela cultura de mercado e suas bases tradicionais e patriarcais

constituídos como um plano de modelagem para a “perfeição” do feminino

contemporâneo. No respectivo livro, ilustra-se esta condição feminina

socialmente construída, equiparando-a ao extremo antifeminismo, que marcou

historicamente a recente época. Conforme Wolf, o antifeminismo recente

equipara-se àquele baseado na tríade de Eva, Maria e Madalena, conforme a

época medieval. De volta à contemporaneidade, essa sacralidade medieval

que Wolf menciona foi desdobrada, na devoção do “mito da beleza” e sua

abrangência de pertinência, possui uma condição de atuação totalitária.

Wolf ainda elabora sua crítica sobre “a ideologia da beleza”, alegando

que ela é a última das ideologias femininas com capacidade de controlar os

ideais que a segunda onda do feminismo quase tornou incontroláveis. Essa

ideologia foi ideal para assumir o poder de coerção que antes estava ligado aos

mitos da “maternidade, castidade e passividade”, mas a contemporaneidade,

pelos dados coletados entre os perfis pessoais e comunidades virtuais

femininas na rede social, incapacita esta atuação crítica de visualizar a

realidade feminina. Desse modo, segundo Wolf, ocultamente, a ideologia da

beleza destrói a psicologia do feminismo e aniquila sua herança de maneira a

institucionalizar a discriminação com base na aparência da mulher. Segundo

ela, o modelo de magreza das modelos, bem como o padrão “sarado” das

atrizes conquistados em academias tomaram o lugar da “dona de casa

realizada” como mediador do feminino bem-sucedido.

A autora nivela o totalitarismo do mito da beleza feminina na mesma

esfera dos dogmas religiosos, suas técnicas de lavagem cerebral e cultos

suplantando sua funcionalidade nos rituais tradicionais. Com a destruição do

monopólio dos produtos de limpeza e seu ligamento midiático com o lado

doméstico do feminino, desempenhado pela inspiração das feministas liberais,

as indústrias da dieta e dos cosméticos tomaram os lugares como “novos

censores” dos espaços intelectuais da mulher. É quando a mulher começa a

ser vinculada com a beleza produzida, construída indiretamente manifestado

na sexualidade e na sensualidade, objetificados de modo a minar o “recém

adquirido e vulnerável amor próprio sexual”.

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O quadro a seguir, com um conjunto de algumas das sequências de

publicações de “mulheres perfeitas”, pode mostrar como a noção desse

feminino discorrido por Wolf é popularmente instrumentalizado para ser

incorporado e difundido pelas meninas, desde a primeira infância:

12

Entre os aspectos da vaidade e do consumismo feminino, as imagens

anteriores apresentam certos “fetiches” representativos da composição da mulher sob

os aspectos da construção da beleza, fortificada pelas antigas mídias e suas revistas,

comerciais, novelas, filmes e outros programas que seguem trabalhando o imaginário

da representação do que é ser mulher na contemporaneidade. Com relação a isso,

Morin (2011, p. 73) explicita a penetração:

(...) O imaginário é um sistema projetivo que se constitui em

universo espectral e que permite a projeção e a identificação

mágica, religiosa ou estética.

12

Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/photos_stream ts – Acessado em

15.10.2014.

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Tal citação justifica o porquê de as comunidades “mulheres que oram”

e “mulheres perfeitas” alcançarem mais de um milhão de adeptas, segundo os

dados da própria comunidade. Mas voltando ao foco de “mulheres perfeitas”, a

ironia está presente em muitas mensagens postadas, um exemplo está no

ícone que leva imagem de “Einsten” reivindicando o uso do cérebro, em meio a

milhares de mensagens que contemplam o consumismo e o “coquetismo”,

muitas vezes estimulado já no projeto e na projeção de uma filha menina.

Assim a comunidade virtual “mulheres perfeitas” pode representar a

expressão de uma democratização irreflexiva dos “rituais de moda” e beleza,

extrapolando classes e idade. Gill Lipovetsk (2006) já se atentava a isso no

processo histórico da esfera das classes sociais:

(...) A continuidade na qual a moda feminina se inscreve é

ainda mais manifesta se consideram a maquiagem e os

cuidados de beleza. Desde o fim da primeira Guerra Mundial,

as sociedade modernas conhecem um crescimento constante

do consumo dos produtos dos produtos cosméticos, uma

extraordinária democratização dos produtos de beleza, uma

voga sem precedentes de maquiagem. Batons, perfumes,

cremes, pinturas, esmaltes, produzidos industrialmente em

massa e a baixo preço, tornaram-se artigos de consumo

corrente, cada vez mais utilizados em todas as classes da

sociedade, depois de terem sido durante milênios artigos de

luxo reservados a um pequeno numero. Sem duvida ha

modificação no mercado dos produtos de beleza, que agora

demostram uma preferência maior pelos produtos de cuidado e

tratamento do que pelos produtos de maquiagem. Ocorre que

uma forte demanda de massa dirige-se sempre para as bases,

produtos para unhas, bases e óleos (...). (p. 134)

De acordo com essa investigação sobre os desdobramentos oriundos

da democratização e da construção estética feminina, esse acesso vem de

acordo com a cultura de mercado e patriarcal, a qual impõe essa construção da

“beleza” como hábito de “cuidar de si” como molde de um produto de si

mesma. Tal fato aponta a direção do uso instrumental da beleza idealizada,

ritualizada e desejada.

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Diante de outros “posts”, de uma maneira geral, observa-se a pressão

social do casamento e a obrigação da maternidade (pelas inúmeras roupas

para bebês “femininas”) surtindo nos efeitos da rivalidade entre mulheres em

muitas postagens de “mulheres perfeitas”. Essas mensagens que a

comunidade dispensa são rapidamente compartilhadas e servem de “indiretas”,

uma vez que sempre são apresentadas de modo agressivo ou sarcástico.

Esses tipos de mensagens podem ser representativos como símbolos

de competitividade pelo homem, entre as mulheres, mediados pelas dicotomias

boa, má; feia e bonita; amiga, inimiga. Percebe-se tal fato presente, mesmo

entre mulheres na fase adulta, pois, conforme os dados a seguir, oriundos

dessa comunidade, ela não se compõe por adolescentes.

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Fonte:https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/likes

Assim, mesmo numa fase considerada entre jovem e adulta, muitas das

publicações relembram as fase da adolescência, quando há indiretas e frases que

levam a ideias de superioridade são amplamente compartilhadas. Um feminino

infantilizado pode ser reconhecido nas expressões das comunidades virtuais

“mulheres que oram” e “mulheres perfeitas”. Na primeira, é demostrado um

comportamento pueril nas colocações de suas publicações, e ao mesmo tempo faz

apologia a uma feminizacão precoce da infância da menina.

Ao checar os históricos das comunidades pesquisadas e as outras

adjacentes no ícone “feed das páginas”, localizado ao lado esquerdo da

interface azul do Facebook, uma “postagem” da comunidade de “Mari del

Priori”13 (2014) chama atenção com o texto “mulheres contra mulheres”, por se

encaixar na leitura que esse estudo etnográfico realizou em torno da

comunidade virtual feminina “mulheres perfeitas” do Facebook:

(...) A mídia e as redes sociais vêm expondo um problema

velho: a violência ENTRE mulheres. O bullying praticado contra

aquelas colegas que não correspondem a determinado padrão

de beleza se tornou mania. O motivo é fútil e supérfluo, mas,

as consequências, não. Jovens ficam marcadas e sofridas, o

que não é pouco, naquela fase da vida que os poetas creem

que lhes oferece todos os possíveis. Mas a crueldade entre

mulheres não é novidade (…). (Mary del Priori - Facebook )

13

Disponível em: <<https://www.facebook.com/MaryDelPriore1?fref=ts>> Acessado em 23/10/2014.

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Desse modo, “mulheres perfeitas” trazem a ideia de que esse tipo de

violência entre meninas ainda se faz presente entre jovens e adultas.

A beleza, conforme essa análise desenvolvida sobre o feminino na rede

social, também retratada pela ciborgue coquete, no universo das relações online,

desenvolve-se respeitando um modelo midiaticamente construído de feminino. Assim,

o ideal de beleza estabelece um parâmetro de conduta feminina que estigmatiza a

outra e gera competição, na busca de posição de exclusividade no “mercado do

casamento”. Isso fragmenta o feminino e o torna cada vez mais individualizado, pois

se busca a pretensão de ser a “escolhida”, a “número um” ou a “principal” na

composição de um casal, e no olhar social, o que justifica as postagens que exaltam

o anseio de superioridade de umas sobre outras.

Competição, vaidade, casamento e fé são características das

“mulheres perfeitas” e essa comunidade virtual reflete a violência simbólica que

existe por trás desses preceitos, em que as relevâncias das características

femininas se mostram estar bem mais na esfera estética que na esfera ética ou

intelectual. Isso gera conflito, pois existe o sonho feminino do casamento e a

coletividade feminina é uma coletividade de indivíduos femininos dispostos a

competir para se tornar “a escolhida” ou a “número um”, sob os preceitos

orientados sobre as diretrizes do mercado publicitário de conquista do

consumidor. Isso não é um fato social contemporâneo, mas uma persistência

de matriz tradicional do casamento monogâmico que permeia o ideal social

feminino medindo sua qualidade em torno do que é considerado belo e ideal

para agregar valor à mulher.

Esse totalitarismo na construção da beleza na cultura de mercado não

respeita a emergência de uma beleza heterogênea e se estrutura em moldes e

padrões que as que não se adequam “devem se adequar”, lançando, assim,

inseguranças, conflitos , estigmas e desmerecimentos impróprios.

A esfera de sociabilidade virtual no Facebook, quando apresenta as

publicações da comunidade virtual “mulheres perfeitas” e a movimentação do

compartilhamento de mensagens entre suas adeptas, remete, mais uma vez,

ao mito da beleza de Wolf e as hostilidades que o ideal de belo da cultura

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patriarcal de mercado produz como violência simbólica entre as próprias

mulheres, sem que muitas vezes elas tenham noção da agressividade

desempenhada pela cultura feminina contemporânea vigente, conforme o

pensamento de Wolf (1992).

O nosso rosto e o nosso corpo se transformam em

instrumentos para castigar outras mulheres, muitas vezes

usados sem o nosso controle e contra a nossa vontade.

Atualmente, a "beleza" é um sistema econômico no qual

algumas mulheres descobrem que o "valor" do seu rosto e do

seu corpo entra em choque com o de outras mulheres, apesar

da sua vontade. Essa comparação constante, na qual o valor

de uma mulher flutua por meio da presença de uma outra,

divide e conquista. Ela força as mulheres a uma crítica

penetrante das "escolhas" que outras mulheres fazem com

relação à aparência. No entanto, esse sistema que lança as

mulheres umas contra as outras não é inevitável. Para superar

essa capacidade de divisão, as mulheres terão de destruir um

grande número de tabus que proíbem que se fale dela,

incluindo aquele que não permite que as mulheres falem do

lado escuro de ser tratada como um belo objeto. (p.38)

Conforme a autora finaliza seu raciocínio, a falta de coragem em

encarar o lado escuro da condição objetificada feminina deixa espaço para

essa condição ser preenchida pelo sonho do casamento e da maternidade, ou

pela busca inútil da beleza estonteante que as revista e a televisão defendem e

vendem como a síntese símbolo da imagem das “mulheres perfeitas”.

Isso fica claro, resumindo o sentido das fluidas postagens das imagens

de esmaltes, roupas, vestidos de noivas, indiretas para rivais, autoajuda,

orações, joias e mulheres com pouca vestimenta mostrando os corpos

femininos musculosos moldados por exercícios. A comunidade “mulheres

perfeitas” inspira fortemente esta objetificação normalizada e evidente no

decorrer constante da figura da mulher, associada a produtos para vaidade. Tal

situação comumente incorporada impede um posicionamento crítico e a

reflexão dessas superficialidades à consciência da real condição feminina.

Como se a vaidade e os pilares tradicionais da família e do casamento,

fortemente estimulados pela cultura de mercado, não abrissem brecha nem

tempo para nada além dessa visão.

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Essa parte da pesquisa relembra novamente o conceito de “estigma”

de Goffman14 (1988) para retratar a depreciação superficial que as mulheres

são passíveis de dispensar umas às outras. Como consequência e precaução

desses níveis de críticas, as coquete ciborgue recorrem às tecnologias para

“aperfeiçoar” a aparência presencial ou digital. Desse modo, atingir a

normalidade feminina é o que o autor considera como não só uma questão de

“status” do normal, mas uma “transformação do ego”.

A rivalidade entre as mulheres apresentada em formas de “indiretas”

em postagens compartilhadas pelas seguidoras de “mulheres perfeitas” é

causada pelo empoderamento estético da beleza, como pode demonstrar

essas frases compartilhadas pela comunidade e sua análise etnográfica:

“Eu só tenho amigas lindas, porque as feias me detestam”.15

Na realidade, a frase reforça o individualismo exacerbado, próprio da

cultura de mercado demostrando fragmentação do feminino desunido em rixas

entre “belas e feias”.

“Como existem cobras no mundo!”

Dizia essa outra postagem com 288 compartilhamentos16. Sempre com

imagens de desenhos ilustrativos ou sob o pano de fundo composto de

desenhos ou mulheres dotadas da beleza de padrões midiáticos, essas

mensagens são publicamente compartilhadas, mas com uma direção de

sentido a outras mulheres, as quais demostra perigo, sobre o maldizer da moral

das protagonistas das vidas privadas publicamente compartilhadas em rede

social online.

“Mulheres perfeitas” é uma comunidade que enaltece a mulher que se

constrói no âmbito da validação do olhar social, principalmente masculino. Por

14

Goffman, Erwin (1988, p. 18-19) explica a característica geral do indivíduo estigmatizado baseada na

frequência da “aceitação”. Os que tem relações com ele não conseguem dar o respeito e a consideração

que os aspectos contaminados de sua identidade social. Assim, ele tenta se corrigir de várias formas

visando ser “aceito”. 15

Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/photos/pb.266266190107705.-

2207520000.1411426213./751881818212804/?type=3&theater – Acessado em 26.12.2013, às 18h50. 16

Disponível na comunidade “mulheres perfeitas. Acessado no dia 22.09.2014, às 00h38.

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isso, foi selecionada para esse estudo como exemplo da tradição patriarcal

intrínseca ao fator da liberdade de se conectar e consumir para garantir a

personagem de si. Essa personagem se produz diante o olhar que inspira, ao

mesmo tempo que julga e compete, criando um jogo de relações conflituosas

explicitamente visíveis na sociabilidade virtual.

Certas mensagens inspiram uma revanche sobre alguma outra mulher

ou certamente entre algum ex afeto presente entre os “amigos” em conexão. A

interpretação dessas mensagens, na maioria das vezes, propicia um sentido de

busca de uma autoestima baseada na superioridade de umas mulheres sobre

as outras. São mensagens de “indiretas” publicadas socialmente, embora

tenham diretamente um alvo pessoal. Carregado de um humor sarcástico,

maldoso e, muitas vezes, prepotente, essas publicações dimensionam a

competição e o conflito entre mulheres, além de dar a entender que isso ocorre

por problemáticas afetivas, nas quais uma ameaça a felicidade e a estabilidade

de outra. Isso pode ser visualizado na mensagem postada por “mulheres

perfeitas” a seguir:

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A mensagem anterior, com mais de um mil e duzentos

compartilhamentos17, demonstra, mais uma vez, a reação dos processos

conflituosos da vida cotidiana, expostos publicamente, originados das

experiências femininas individuais. Esse hábito virtual de compartilhar, postar e

curtir é o que alimenta o conteúdo do papel das ciborgues coquetes como

atrizes virtuais/sociais, apresentando suas vidas individuais publicamente em

redes sociais online.

O comportamento feminino no ciberespaço é o reflexo digital do

comportamento controlado e guiado pelos preceitos sociais dos símbolos

femininos historicamente constituídos. Norbert Elias (1993), em a Sociedade

dos Indivíduos traz o autocontrole baseado nos atributos sociais. É nessa ironia

que se constitui, segundo ele, o orgulho das suas qualidades independentes

como a liberdade agir por si só.

Desse modo, as palavras de Elias inspiraram essa análise, no sentido

de como a cultura de mercado sustenta o “espírito do tempo”18 (Zietgeist”),

colocando a esfera das relações humanas imersas nas relações de

competitividade, como normalidade, e inspira pensar no enfraquecimento dos

laços de comunidade, tanto no sentido físico e histórico como no sentido virtual,

evidentes na observação das expressões online femininas em rede social

Esse estudo de investigação etnográfica das comunidades “mulheres

que oram” e “mulheres perfeitas” demonstra que elas representam os preceitos

historicamente construídos em torno da mulher, das relações e seus

desdobramentos visíveis nas tecnologias contemporâneas. Isso ocorre porque

trazem, em seu bojo, a cultura de mercado estruturando a feminilidade e a

identidade feminina da ciborgue coquete. Esse percurso em tais comunidades

virtuais serve como reflexo da aspiração do que a sociedade deseja para a

mulher, e esta exigência social em torno do “mito da beleza”, acrescido ao

17

Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=t – Acessado em 25.11.2014, às

22h35. 18

“Zietgeist”, o espírito do tempo pertence à configuração básica das pessoas que vivem em grupos

sociais como fenômenos individuais e sociais. Esse tipo de experiência faz parte da mudança geral em

cujo percurso, cada vez mais pessoas se desligam das comunidades pequenas, mesmo diferenciadas e

estruturalmente ligadas e se dispersam como que num movimento de um leque que se abre, formando as

sociedades mais complexas.

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sonho tradicional do casamento evidencia na rede social, a existência de uma

matriz feminina reacionária que se distancia do projeto emancipador na postura

social da mulher.

A cultura contemporânea de mercado destaca-se pela abrangência das

múltiplas opções de recursos de “beleza” para a imagem da mulher. Isso ocorre

em forma de milhares de produtos para consumo, que transformam a liberdade

de escolha consumista uma falsa emancipação, pois, na ilusão de uma

liberdade limitada ao consumo, não abre espaços para pensar essa liberdade

como aprisionadora e limitadora da figura feminina em estereótipos como

produto dos projetos de marketing e das publicidade para mulher.

“Mulheres perfeitas” e a reprodução saturada de referências de

produtos estéticos e ligados à moda em suas publicações em rede social,

segue visando contribuir para a composição da imagem feminina, e está de

acordo com Maffesoli (2010):

O hedonismo, os prazeres do corpo, o jogo das aparências, o

presenteísmo, todos representam pontos naquilo que não é um

ativismo voluntário, mas sim a manifestação de uma real

contemplação do mundo. Ou em outras palavras, a aceitação

de um mundo que não é o céu na terra e também não é o

inferno na terra, mas, sim, a terra na terra. (p. 35)

Nessa zona virtual das relações sociais, a comunidade “mulheres

perfeitas” é capaz de se enquadrar no que Maffesoli chama de “manifestação

de uma real contemplação do mundo”, ou seja, elas apresentam um universo

multiplamente diverso de recursos “de beleza” sem refletir que o “mito da

beleza” é também a “tirania do ideal de beleza”, segundo se confere nas

palavras de Debert (2008, p. 4):

O mito da beleza, ou tirania do ideal de beleza foi explorado

por muitas feministas nos anos 70. A novidade é a qual, a lutas

das mulheres para melhorar a aparência passou a ser

legitimada. A preocupação com a aparência e a tecnologia do

uso do embelezamento tem sido interpretada como vitória do

feminismo. O novo discurso sobre a beleza considera que as

mulheres moderna rejeitem o papel tradicional fundado no

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sacrifício e no sofrimento substituindo-o por um egoísmo sadio

e pelo prazer do cuidado de si e passam a ter o orgulho de

exibir em público seus corpos objetos de desejo. Portanto,

longe de serem vitimas passivas de pressões culturais

intoleráveis, provam uma capacidade admirável de remodelar

sua vida e controlar seus destinos. [...] os recursos

tecnológicos permitem a aquisição de propriedades e

capacidades novas e se inscreve na busca dos humanos para

ultrapassar os seus limites naturais.

Assim, as palavras de Debert, reconhecem o fracasso do princípios

feministas na equidade de direitos e na contestação das múltiplas jornadas de

trabalho, no entanto a contemporaneidade enaltece a vitória da legitimação da

“beleza”, bastante evidente em “mulheres perfeitas”. Debert retira o caráter de

vitimização feminina, pela capacidade de recriação de si, pelos artefatos

disponíveis nas diversas esferas das técnicas de embelezamento. Mas o que

esta presente pesquisa observa é que essas possibilidades de recriação de si

não retiram a condição de vítima dessas atrizes sociais virtuais, pois a

feminilidade está submetida à prisão do padrões pré estabelecidos que se

movimentam porem não avançam as barreiras. Isso porque as imagens

femininas que sistematicamente dominam o imaginário do senso comum, não

deixa brechas para o exercício de uma criatividade além da convencional,

repercutida pelos valores tradicionais e midiáticos. Por isso, Naomi Wolf (1992)

atribui o caráter totalitário do mito da beleza feminina atuando perversamente

na cultura contemporânea.

Outro preceito que os dados da comunidade “mulheres perfeitas”19

demonstrara é a apologia à felicidade. Na publicação apresentada a seguir, por

exemplo, a comunidade analisada demostra esse preceito:

O objetivo da vida é ser feliz! Apesar de tudo, aprendi a ser

feliz em todas as circunstâncias. Filipenses 4:11

19

Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/photos/pb.266266190107705.-

2207520000.1411426213./751881818212804/?type=3&theater – Acessado em 23.08.14, às 18h30h.

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Mensagens de felicidades entre tantas outras de consumo de artefatos

estéticos sugerem que essa proposta de felicidade é garantida pelo consumo.

Isso se confirma como algo indenitário das “mulheres perfeitas” na feminilidade

e acompanha um processo histórico em que a “mulher consumidora” é “mais

feliz” e muito mais comum, que a “mulher pensadora”. Essa característica que

a comunidade aponta, da supremacia da “mulher consumidora”, reflete a

cultura de mercado introjetada nas ações individuais/virtuais femininas.

Retomando a análise feita pela direção do pensamento de Norbert

Elias (1993), bem como o desenvolvimento da sociedade em seu elevado nível

de individualismo, seus componentes abrem o caminho para formas

específicas de felicidade e contentamento para seus indivíduos. Justifica-se aí

o consumo feminino e a satisfação que isso gera em torno da vaidade e do

ego, como consequência do que o mesmo autor chama de “espírito do tempo”

dando este conteúdo, à “felicidade” da “mulher perfeita” da cultura de mercado.

Isso comprova o sentido dessa dissertação, em apontar os traços de

matrizes tradicionais nas expressões ciborgues coquetes e nas comunidades

simbólicas do feminino virtual, isso ocorre porque a mãe, como suporte e moral

da família, a mulher vaidosa e trabalhadora não têm tempo, nem muitas

disponibilidades na vida ao questionamento, quando o mérito que a sociedade

exalta está em cumprir tais preceitos passivamente. E quando eles surgem, é

melhor camuflá-los com batons e roupas novas, pois, como exclamou bem

claro a postagem da comunidade do Facebook, “meninas malvadas”, uma

versão adolescente de “mulheres perfeitas”:

“Mulheres felizes são mais bonitas!”20

A respeito da “consciência feliz” que a beleza instaura na atriz

social/virtual feminina, cabe a ótica de Marcuse, (1979) sobre o sistema

entregue à ética da mercadoria. Isso foi mapeado nas expressões das

ciborgues coquetes quando trouxeram esse comportamento social online; e

20

Disponível em https://www.Facebook.com/pages/Meninas-Malvadas/222803077805283?ref=ts&fref=ts

– Acessado em 15.09.2014, às 12h30, com 383 compartilhamentos e 94 curtidas até a presente data. É

uma das comunidades virtuais que o estudo monitorou e se assemelhou bastante às “Mulheres perfeitas”,

mas, sem uma apelação comercial tão forte e voltada ao público adolescente de 16 a 24 anos e com

1033406 de “curtir” até a data referente à postagem.

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evidente pelos inúmeros sorrisos registrados entre seus momentos de

“felicidade compartilhada”, na rede social. O “conformismo” que o mesmo autor

trabalha, age em conjunto com apologia da felicidade, sem fazer presente

qualquer questionamento à sobrecarga típica da condição feminina

contemporânea.

A felicidade defendida nessa comunidade feminina do Facebook,

segundo Morin (2011), é fruto “da projeção imaginária de arquétipos e

felicidade” que também se releva em “fazer os outros felizes”, conforme sugere

a mensagem a seguir, repercutindo o papel feminino em atender arquétipos

socialmente marcados, para ter e doar “felicidade”, mesmo que os fatos, em

sua realidade, não comportem esse estado de espírito.

“Ser feliz” e “fazer os outros felizes” faz parte do contemporâneo “estilo

de vida” feminino observado na rede social Facebook, com a inspiração

socialmente adequada para criação da personagem de si, no instrumento da

publicidade. Essa premissa segue historicamente ditando a referência

adequada de produtos que trazem a “felicidade” para a mulher, por suas

enxurradas de campanhas que vendem ilusões de “felicidade”, por trás de cada

necessidade criada para o consumo feminino, o que coloca a condição

feminina num processo sempre inacabado de construção de si.

Morin (2011) dizia que a felicidade é “mito, isto é, projeção imaginária

de arquétipos de felicidade, mas ao mesmo tempo uma ideia-força, busca

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vivida por milhões de cidadãos”. Assim, as “mulheres perfeitas”, em sua

comunidade online no Facebook, configuram sua pretensa felicidade,

principalmente em torno da vaidade, das amigas, do casamento, da filha

menina (coquete) e da fé em Deus.

Essa observação remete novamente a Maffesoli (2009), numa

passagem de seu outro livro, que aponta que as mídias e os prazeres do

cotidiano não dão conta dos seus efeitos na sociedade contemporânea e as

satisfações em coisas que permanecem na esfera das aparências, acabam

alcançando o máximo de sentido na sociedade.

É diante de uma moral estruturada no perfil tradicional, em que o

coquetismo ciborgue encontra o cerne apropriado para de distanciar da

verdade e se satisfazer com a mentira, a qual transforma a prisão de uma vida

pautada no consumismo para se garantir como personagem de si, em deleite

da liberdade de comprar. Incorporando e propagando este equívoco na

realidade socialmente e virtualmente vivida.

No início da investigação em “mulheres perfeitas” foi possível percebeu

a democratização social do universo da estética, da vaidade e do

embelezamento da imagem. Posteriormente, constatou que essa

democratização é estimulada e sustentada pela cultura contemporânea de

mercado inserindo-se já nos primeiros dias de nascimento do sexo feminino.

Desse modo, como já apontado anteriormente, esse estudo consegue verificar

uma coquetizacão precoce apresentada como primeiro valor à criança do sexo

feminino ao vir ao mundo.

Essas imagens de bebês travestidas de mulheres ilustra um projeto de

sensualidade naturalizado às mulheres desde que nascem. O propósito desse

projeto de imagem erotizada está na imprensa adulta e é parte da mesma

estrutura que dita os valores midiáticos infantis. Morin (2011), sobre este fato

coloca:

Pode-se dizer que a cultura de massa, em seu setor infantil,

leva precocemente a criança ao alcance do setor adulto,

enquanto em seu setor adulto ela se coloca ao alcance de

criança. Essa cultura cria uma criança com caracteres pré

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adultos ou um adulto infantilizado? (...) A criança é um adulto

desde que sabe andar e o adulto fica, em principio,

estacionário. Assim uma hogeneização da produção se

prolonga em homogeneização do consumo que tende a

atenuar as barreiras entre as idades. (MORIN, 2011, p. 29)

A cultura de mercado que envolve a sedução e o erotismo da mulher

consumista constituiu-se na contemporaneidade recente como parte da cultura

feminina. “Mulheres perfeitas” demostram que isso não é mais só estratégia de

conquista, mas uma cultura sustentada pela esfera mercadológica das relações

que é totalitária em sua essência, independente da idade.

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21

Essa sequência de imagens demostra que, do nascimento aos

primeiros passos, a preparação do ideal coquete, como definido no início dessa

dissertação, já está na condição pré-determinada da criança do sexo feminino.

Esses traços de coquetismo mostram pelas imagens anteriormente

selecionadas, que a feminilidade já está efetivamente presente, logo na

primeira infância em detrimento de uma infância lúdica e menos

compromissada com os estereótipos de gênero.

O enaltecimento das características femininas e a identidade coquete

na totalidade das expectativas da mãe “de menina” fazem da feminilidade e da

“beleza construída” numa doutrina cultural a ser passada de mãe para filha,

sufocando, assim, toda a criatividade que poderia emergir para ultrapassar as

tradicionais linhas dicotômicas dos papéis de gênero, reforçando os desenhos

tradicionais que estipulam o padrão hétero normativo de sociedade.

O estereótipo mercantilizado que construiu o padrão de beleza

constituiu-se de uma referência que, desde a primeira infância, é estimulada

para comportamento nos padrões da “psicologia coquete” de Simmel (2001). A

comunidade ciberfeminina “mulheres perfeitas”, através de suas postagens

21

Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts/ – em 11.02.2014, às 00h33.

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como fonte de dados, e das análises em torno das postagens, apresenta a

divulgação de uma beleza feminina desdobrada de outras mídias e sustentada

por elas, fato que se encaixa a respeito do que os autores Lipvetsky e Serroy

(2008) trataram claramente quando enquadraram a “beleza” num “processo de

glocalização”, ou seja, a padronização global de uma feminilidade objetificada:

A beleza constitui outra ilustração exemplar do processo de

“glocalização”. Em todo o planeta, passa-se a difundir o mesmo

modelo de beleza feminina vinculado pela publicidade, pela

moda, pelas top models, pelas marcas de cosméticos. O ideal

tradicional de robustez e força, em vigor nas antigas

comunidades rurais, deu passagem a uma estética sexy e

longilínea que exige regime alimentar, exercícios físicos,

musculação, mas também maquiagem, produtos de cuidados,

cirurgia plástica. Um cânone estético internacional triunfa,

exaltando a mulher esbelta, o sex appeal, o glamour radiante,

os cuidados consumistas com o corpo. Essa é a beleza

cosmopolita consagrada pelos concursos de beleza nacionais e

internacionais, cujas imagens são amplamente transmitidas

pelas mídias em escalas planetárias. (LIPVETSKY e SERROY,

2008, p. 166)

Pela leitura analítica do contexto midiático e planetário da construção

da mulher ideal (glocalização da feminilidade), nota-se pela comunidade

ciberfeminina que, desde os primeiros passos da criança do sexo feminino, a

cultura feminina acompanha os aspectos tradicionais da vaidade, casamento e

família e dá como natural o interesse da menina brincar e se projetar com tais

ideais.

Como consequência disso, de modo geral, como abordado

anteriormente, sobra pouco espaço aos anseios profissionais, intelectuais e

transformadores desta imposição social e historicamente construída. Esses

pilares constituídos pela vaidade, casamento e família envolvem sacrifícios que

as mulheres ocultam em sorrisos que brilham no contexto de suas poses e

estão digitalmente expostos.

De conteúdo intelectual aparentemente raso, a comunidade “mulheres

perfeitas” publicam dezenas de mensagens comerciais, de venda de produtos

para mulheres e defendem o consumo constante, reforçando a cultura de

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mercado, quando a cultura feminina se completa em quase toda totalidade na

cultura de consumo. Fato conveniente para contemporaneidade patriarcal para

sufocar a emancipação intelectual feminina para reduzi-la à condição de

mercadoria e mantedora da cultura de mercado.

Portando, a análise do feminino na rede social Facebook comprova a

tese de Morin (2011) e Wolf (1992) quando ambos dizem que o feminino, não

na esfera do sexo feminino em termos biológicos, mas referente à construção

social da cultura feminina, como um projeto cultural de cunho tradicional e

mercadológico massacraram o feminismo e substituíram o âmbito da

autonomia por redenção à vaidade e ao casamento. É nesse sentido que essa

pesquisa discorre e concorda com essa afirmação quando pensa no contexto

cultural da mulher construído historicamente na dicotomia dos gêneros,

observável principalmente na amplitude do senso comum. Wolf ainda diz que a

vaidade contemporânea é análoga aos sacrifícios religiosos medievais. E

adiante, em “mulheres que oram” no Facebook, percebe-se que a religião,

mesmo com a devoção e sacrifício desdobrados em outras esferas, ainda

continua a ser pertinente em valores tradicionais que articulam mensagens

destinadas à mulher, condicionando-a para a família e o casamento submissos

às interpretações da bíblia muito longe de um posicionamento que privilegia a

crítica e a emancipação pessoal feminina.

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2.3. “As Mulheres que Oram”

A primeira etnografia virtual em comunidades online no Facebook,

desempenhada nessa presente dissertação, partiu da comunidade “mulheres

que oram”. Essa comunidade chamou atenção por ter muitas mensagens

compartilhadas por “mulheres perfeitas”22. Tendo em vista que essa

comunidade compôs o primeiro banco de dados brutos23, iniciamos um

processo de monitoramento e análise de conteúdo dessas publicações.

O início de nossa inserção na comunidade “mulheres que oram” foi

marcada pela observação evidente da mensagem de defesa do silêncio e da

submissão à orientação familiar religiosa como postura primordial de conduta.

Tal fato chamou atenção para analisar essa comunidade como força

representativa e simbólica do ideal tradicional e seu exercício comunicacional

online.

22

Por meio dos chamados “cliques córregos”, fomos levados às “mulheres que oram”, termo que Horst,

Hjorth e Tacchi (2013) pensaram quando as postagens de uma determinada comunidade são

compartilhadas por outras, as quais levam ao contato da comunidade fonte de origem das demais

postagens. Assim, percebemos que “mulheres perfeitas”, compartilhavam muitas publicações originadas

pela comunidade “mulheres que oram”, o que a tornou a próxima comunidade foco desse estudo.

Percebemos que, embora esta seja uma fonte que derivou em outra, nenhuma mensagem das “mulheres

perfeitas” é compartilhada pelas “mulheres que oram”, pois traços de sensualidade exacerbada,

consumismo explícito de acessórios da moda e mensagens de proteção na rivalidade feminina, conforme

veremos a seguir, não compõem o perfil da imagem feminina passada pela comunidade cristã. E, por

outro lado, mensagens religiosa, de autoajuda representados por imagens infantis típico da comunidade

“das que oram” são elementos que preenchem bastante “das perfeitas”. 23

Isso, conforme a direção dada pela já citada metodologia de Skågeby (2013) nessa pesquisa qualitativa

online, na qual a partir desse banco se considera uma série de especulações a ser feitas a fim de

delimitar o problema a ser estudado.

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Tönnies (1982, p. 91) entende que o papel da mãe na família é sua

relação afetiva como a primeira forma de comunidade, quando coloca posição

materna da seguinte maneira:

A relação materna é a mais profundamente fundada sobre o puro

instinto ou afeto; e nela, ademais, é quase palpável a transição de

uma conjunção física para uma conjunção espiritual, a qual tanto

mais se relaciona com a primeira quanto mais estiver próxima de sua

origem. Essa ligação implica longa duração, já que cabe à mãe a

tarefa de nutrir, proteger e guiar o filho até que ele seja capaz se

nutrir, proteger e se guiar por si só.

Por outro lado, o autor explica a função paternal de tal forma:

Assim, a paternidade se funda, em sua forma mais pura, a

ideia do poder em sentido comunitário; a qual significa não

tanto o uso e disposição em beneficio do detentor do poder,

mas educação e ensino como complemento da procriação;

comunicação da plenitude da própria vida (...). (p.93)

Para Tönnies, a família é a base do conceito de “comunidade”, em que

o instinto da mãe está na função de gerir, “nutrir, proteger e cuidar” e o do pai,

em garantir culturalmente a comunidade, sob o processo de “educação”. É a

união desses preceitos que, segundo o autor, serve para garantir a “plenitude

da própria vida”. Portanto, a base da família e do que se espera do sentido de

comunidade estão nos valores presentes em matrizes tradicionais e patriarcais

das funções maternas e paternas. Tal fato reflete-se até os tempos atuais

guiando o padrão social para “conduta” feminina, bem como pode ser legível e

ilustrado pela ressignificação que a etnografia online aqui desenvolvida faz da

“comunidade” em seu estado virtual pelo Facebook.

Iniciando os subitens com a comunidade virtual “mulheres que oram”,

essa base tradicional que Tönnies traz se mostra pertinente na rede social

como um valor sustentado pela religião.

A prova dessa relevância analítica é visível logo na abertura da

comunidade “mulheres que oram”, pois ilustra a abertura de sua capa virtual

com os seguintes dizeres em fundo cor de rosa: “É tempo de parar as

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murmuras, vamos abrir a boca para abençoar e orar”. A mensagem já clama às

mulheres o silêncio, a voz é apenas para orar e abençoar, distante de um

posicionamento que questiona, que pensa e reflete.

A omissão implícita nessa frase, de uma voz contestadora e reflexiva sobre o

comportamento feminino perante as situações da vida, remete à ideia de “violência

simbólica” que Bourdieu (2011) apresentou como base do universo androcêntrico tão

bem representado pela figura masculina de Deus, no cristianismo.

Os dominados aplicam categorias construídas do ponto de

vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as

assim ser vistas como naturais. [...]. A violência simbólica se

institui por intermédio da adesão que o dominado não pode

deixar de conceder ao dominante (e, portanto à dominação)

quando ele não dispõe, para pensa-la e para se pensar [...],

resultam da incorporação de classificações, assim

naturalizadas, de que seu ser social é produto. (p.46)

Pela apresentação dos aspectos claros da “violência simbólica”,

“mulheres que oram” oferece um campo fértil para a análise das estruturas

religiosas repercutindo no comportamento e na condição da mulher, bem como

o padrão cristão da religião em seus valores, refletidos na rede social online

como atuação no desdobramento digital de sua realidade vivida.

O gráfico a seguir, acessado no próprio Facebook, mostra as “curtidas”

e a média da idade das seguidoras.

Fonte: https://www.Facebook.com/Mulheresqoram?fref=ts

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Essa “comunidade” apresenta imagens infantis em tons pastéis que

lembram gravuras para quartos de bebês, e bichos fofinhos, como panos de

fundo para as mensagens, mas o dado da idade apresentado pela própria

comunidade, sob um mecanismo padrão das comunidades da rede social

virtual estudada, demonstra que ela não é composta de crianças e

adolescentes. Desse modo, ao observar a apresentação da média da faixa

etária que é adepta à “comunidade”, no dia 15 de Outubro de 2014, constata-se

que quem está “curtindo” a comunidade encontra-se entre 25 e 34. Para

acessar esse dado, basta clicar no ícone superior, o qual está escrito: “opções

curtir”, porém ele não é um dado fixo. Os dados em comunidades virtuais estão

sempre em movimento e em ascensão quantitativa em “Curtir”.

Pelo fato de a comunidade virtual em rede social “mulheres que oram”

no Facebook, não apresentar nenhum tipo de reza, apenas orações, considerei

que ela não se mostra muito católica, mas por apresentar versículos diversos

da bíblia e muitas mensagens relacionadas à autoajuda, ela pode agregar

qualquer simpatizante da fé cristã e outras correntes do “pensamento positivo”,

assim como de outras religiões, pois orações não são restritas a um

seguimento religioso exclusivo. As imagens coloridas e intensamente

infantilizadas são as que possuem mais “compartilhamentos” que “curtidas”,

isso ocorre porque as mensagens se disseminam para aqueles “amigos” dos

“amigos” que “curtem” a “comunidade”. Logo, esses disseminam

compartilhando novamente a mensagem publicada.

Essa comunidade do Facebook relaciona a mulher e a prática da

oração para contato com Deus e Jesus, e a partir de nossa conexão com a

“comunidade”, como pesquisadora, verificamos, pelas suas “postagens”

constantes, que essa é uma “comunidade” bastante ativa, capaz de seguir

diariamente publicando até dez “publicações” em apenas um dia: essas

mensagens são, na grande maioria, dizeres curtos, entre os versículos da

bíblia; orações de agradecimento, consolo e força em Deus e Jesus, entre

alguns poemas de autorias duvidosas que seguem formando o conteúdo desse

espaço virtual.

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A maioria das mensagens publicadas por “mulheres que oram” retiram

a reflexão autônoma das mãos das mulheres no sentido emancipador das lutas

feministas e femininas do século XX; quando o social e seus movimentos

buscavam marcar a autonomia das mulheres na construção de sua figura

independente. Atribui, assim, a condição da mulher a uma condição

considerada pela interpretação da bíblia e a noção de Deus. Leva a mensagem

de suportar a vida, sem reclamar, pois o seu intuito está em transferir a

felicidade para o futuro divino de fé e para a eternidade, como a solução de

todas as mazelas da vida.

Percebe-se, em “mulheres que oram”, assim como todas as

comunidades do Facebook, que possuem grande número de publicações que,

ao clicar no quadrado superior escrito “fotos”, abre-se uma página onde se

carregam miniaturas de todas as fotos com as mensagens, publicadas pela

comunidade. Nenhuma mensagem vem apenas digitada, todas possuem

imagens de bebês loiros e de olhos claros em inúmeras fotos, algumas poucas

mulheres sorrindo alegremente, bem como muitas gravuras infantis:

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Os dados coletados demonstram que, pela análise dessas e outras

publicações, a única forma de vitória e conquista presente da “comunidade”

para mulher é oriunda da fé e da confiança em Deus, como se não existisse

nenhum outro suporte que garantisse o bem-estar da mulher, como suporte

jurídico, médico ou psicológico, nenhuma ciência, apenas Deus e a família

completam a “mulher que ora”. O reconhecimento das orações publicadas

apresenta-se necessário como o único remédio para as fragilidades da vida e

da alma.

A “comunidade” não considera o fato das novas configurações

familiares que vão além do conceito tradicional de família e, como mostrado

anteriormente, nunca apresenta estratégias de sobrevivência e recursos

concretos de defesa e garantia dos direitos de saúde física e emocional.

A seguir há outras postagens dessa comunidade que explicitam alguns

aspectos preponderante de defesa da ação e conduta feminina:

“Não critique!!! Perdoe! Não guarde rancor!! Ore! Deus te

honrará e você será abençoado”. Publicado pela comunidade

“mulheres que oram” no dia 17 de agosto de 2013 com 1.152

“curtir” e 2.537 “compartilhamentos”.

“Se te machucam, Deus te restaura. Se te desprezam, Deus te

valoriza. Se te traem, Deus é fiel. Se te amaldiçoam, Deus te

abençoa. Se te ofendem, Deus luta por ti. Se te ferem, Deus te

sara. Se te abandonam, Deus está contigo”. Publicado por

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“Mulheres que oram” no dia 15 de agosto de 2013 com 594

“curtir” e 3.688 “compartilhamentos”.

“A família é o bem mais precioso que Deus deu... Ame, cuide,

valorize e sobretudo preserve o seu porto seguro.” Publicado

por “Mulheres que oram” no dia 1 de agosto de 2013, com

1739 “curtir” e 5.707 “compartilhamentos”.

Tais mensagens apresentam-se como padrões culturais constituidores

do comportamento feminino ao estilo tradicional próprio das camadas médias

da sociedade brasileira. Um perfil de “servidão voluntaria” submissa ao

pensamento religioso constituiu-se a temática corrente na orientação apontada

anteriormente, que, muito antes da dos tempo contemporâneos, La Boétie24 já

apontava como:

[...] tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de

homens a servir miseravelmente curvados ao peso do jugo,

esmagados não por uma força grande, mas aparentemente

dominados e encantados [...]. (LA BOETIE, 1530, s.n.)

Nas orações, como publicações correndo online, elas refletem

intrinsicamente a condição da obediência ao pai-marido a qualquer custo,

visando, assim, a manutenção da família como primazia. Na vida dessas

mulheres que “oram”, quando observada virtualmente, inspiram o perfil do pai-

marido refletido na imagem e semelhança do pai Deus, o que, segundo a

bíblia, não tem a ver com o caso da mulher, graças à sua condição construída,

a partir da costela do homem .

Essa observação vem do sentido que Nunes25 (2005) explica sobre o

cristianismo estar fortemente associado à repressão dos prazeres, assim como

na inseparável desvalorização simbólica e social das mulheres. Segundo a

autora, isso é reforçado pelo fato de a igreja ensinar que a mulher deve

24

La Boetie (1530) In: <http://www2.ufersa.edu.br/portal/view/uploads/setores/241/Discurso-da-Servidão-

Voluntária-por-Etienne-de-la-Boétie.pdf>> 23/10/2014 às 14:50 hrs. 25

Rosado, Nunes (2005); Rev. Estud. Fem. vol.13 no.2 Florianópolis May/Aug. 2005 In:

<<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2005000200009&script=sci_arttext >>23/11/2014 às

14:55 hrs.

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“trabalhar para Deus e se doar aos outros”, jamais ensina que “ela deve

trabalhar para ela mesma e pensar nela”.

O estudo comparativo entre as comunidades analisadas nesse capítulo

reacendem o que Nunes (2005) escreveu sobre o embate entre o feminismo e

a igreja, distanciando a mulher da “representação de si como sujeito autônomo

dotado de direitos individuais inabaláveis”, destituindo, assim, das mulheres, o

poder de sua própria natureza, recolocando-o nas mãos das interpretações

androcêntricas da bíblia.

Isso quer dizer que a bíblia, como livro sagrado, está passível de

leituras que suscitam a manutenção da servidão a Deus e à força patriarcal a

se interiorizar na alma feminina, carregando-a de fragilidade dependência.

Nunes traz luz a essa questão quando apresenta a mulher moldada pela igreja

no padrão de expectativas femininas as quais envolve a maternidade e a

sensibilidade enaltecendo o ato de se doar:

A concepção de mulheres que a igreja propõe vinculada

definitivamente à realização real ou espiritual da maternidade,

define-as como seres para os outros. As características

atribuídas a uma suposta “natureza” feminina, sensibilidade,

delicadeza, capacidade de doar-se e perdoar numa escala que

vai sempre delas para alguém, contrapõem-se frontalmente à

afirmação do desejo de ser para si mesmas que as mulheres

expressam. (NUNES, 2005)

Por meio dessa leitura, permite-se pensar que as interpretações

reativas reconhecem essas “características” da alma feminina como

qualitativas à composição da personagem de si. Socialmente, quando tais

características são dispensadas e reconhecidas por outros, reagem absorvidas

pelos elogios. Tais fatos remetem novamente a Bourdieu (2011), quando em

nada se reconhece a carga de violência simbólica intrínsecas a tais adjetivos.

O enquadramento desses valores incorporados nas manifestações femininas

online, nessa comunidade, são capazes de demonstrar orgulho da condição de

submissão, conforme se conclui, ao refletir antropologicamente, sobre o

decorrer do sentido das postagens de “mulheres que oram”.

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Por “compartilhar” tantas mensagens de autoajuda, a comunidade, pela

alta quantidade de “curtir” e “compartilhar”, demostra o quanto a condição

feminina se mostra cada vez mais frágil, fraca e necessitante do vigor,

midiático, divino e patriarcal, em pequenos “goles” para enxergar e representar

a si própria.

Historicamente esse estudo do gênero feminino, por suas expressões

no Facebook, demonstra que o projeto de autonomia do indivíduo da

modernidade não foi colocado à emancipação das mulheres na esfera

religiosa. A tal “emancipação” está dada, apenas por via de cunho econômico,

em que a mulher se autoafirma como uma profissional imersa no trabalho, mas

sem questionar sua posição na cultura de mercado em condições bastante

inferiores em termos salariais, mesmo com mais jornadas de trabalho, ao

assumir o casamento e a maternidade.

A etnografia das comunidades femininas do estudo comprova que as

estruturas tradicionais em torno do feminino adequam a mulher contemporânea

ao modelo de imagem e obrigações que as mulheres historicamente

absorveram e legitimaram, sem muitos questionamentos, exceto com as

reivindicações do movimento feminista nas comunidades do Facebook.

Mesmo com o decorrer do tempo, a falta de equidade entre os sexos

ainda se faz presente e mediante a imersão nas vertentes tradicionais elas se

fazem normalizadas e portanto despercebida. Isso está de acordo com

Debert26 (2008) quando esclarece a reprodução das formas de dominação,

mesmo com as transformações na área da educação da mulher:

(...) Apesar das mudanças em direção a posições que até

mesmo recentemente estiveram barradas às mulheres, a

desigualdade entre os sexos não apenas se reproduz, mas

tende a ser fortemente negada pelas mulheres ou pelo casal,

tornando-se imediatamente visível quando se dá a separação.

(DEBERT, 2008, p. 414)

26

Debert, Guita Green; cadernos pagu (30), janeiro-junho de 2008:409-414. In:

http://www.scielo.br/pdf/cpa/n30/a21n30.pdf >> dia 23/11/2014 às 117:20hrs

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107

Isso não quer dizer que as próprias mulheres sejam culpadas pelo nível

de consciência que as obstrui do caminho adequado, o que fica claro, pelas

personagens virtuais ciborgues coquetes e pela comunidade analisada, que

essa condição, ditada pelos valores tradicionais cristãos, ainda é sacramentada

e se faz a voz do sagrado. O que barra ainda mais esse desafio de

emancipação feminina, pois enfrentar a sua real condição, seria também

enfrentar a voz social e “sagrada” de sua condição tradicional.

A defesa dos valores tradicionais da igreja envolvendo a ação

ciberfeminina envolve a sinergia entre dois tempos, o da imagem, da técnica e

tecnologia; e o tradicional pautado nos ideais antigos de comunidade, que

segue remetendo seu sentido físico, clássico pautado na moral cristã. Tal moral

como fundamento da comunidade, desde os séculos passados, já havia sido

questionada, refletida e colocada como desmantelada, considerando-se os

valores mercadológicos que a sociedade industrial trouxera. Mas ainda mostra-

se persiste na figuração imaginativa da moral tradicional contemporânea,

quando observa-se esta comunidade cristã. A exemplo, estão as ideias de

Tönnies (1982), que seguem implicando na dissolução dos valores ideais da

comunidade fisicamente e geograficamente, quando a mulher torna-se

trabalhadora; atribuindo, assim, a esse fato, o início da sociedade moderna:

“(...) Por outro lado é claro que primeiro o comércio, depois ( se

não precisamente o trabalho industrial ) certamente aquela

liberdade e independência com as quais a trabalhadora é

introduzida na luta pela existência – como a autora de seus

contratos, proprietária de dinheiro, etc. –, exigem e favorecem

um desenvolvimento de sua consciência, a fim que ela se torne

capaz de pensamento calculador. A mulher se torna iluminada,

fria, consciente. Nada é mais estranho, alias horrível em

relação ao que continua a ser a sua natureza originária, e

apesar de tudo sempre inata malgrado todas as modificações

ocorridas . Nada é talvez mais característico e mais importante

para o processo de formação da sociedade e de dissolução da

vida de comunidade. Só com tal desenvolvimento é que o

“individualismo”, que constitui o pressuposto da sociedade,

torna-se verdade.” (TÖNNIES, 1982, p. 93)

A condição contemporânea implica o “individualismo” oriundo do

sentido da citação anterior, e desenvolvido pelas sociedades industriais. Tal

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individualismo é símbolo da essência, do que é tratado nessa dissertação como

cultura de mercado.

“Mulheres que oram” é uma comunidade virtual que é capaz de

evidenciar o quanto a figura feminina é afetada pelo voto de autodoação aos

valores que envolvem Deus, casamento e família, numa cultura altamente

competitiva e individualista, que envolve a competição e o consumismo, mas

apenas que cabe a ela, segundo os dizeres da abertura da comunidade: “Não

murmurar” e abrir a boca para apenas, “abençoar”.

Pelo estudo etnográfico de “mulheres que oram” e a análise do texto a

seguir, é possível entender a condição de subordinação, pregada pela comunidade,

estendia em outras formas de relações sociais, conforme exposto por Saffioti (2001),

quando pensa as outras articulações movidas pela violência de gênero:

Cabe chamar atenção para que esta violência de gênero

praticada diariamente pelo patriarca ou por seus pressupostos

pode recair sobre outro homem. Nada impede também que

uma mulher perpetue este tipo de violência contra um homem

ou uma mulher. (SAFFIOTI, 2001, p. 115-136)

Desse modo, compreende-se, por Saffioti e as interpretações dessa

pesquisa, que pela própria violência de gênero contida na dicotomia entre o

masculino e o feminino, transfiguram-se as outras formas de dicotomias que

pela força patriarcal regem categorizando a sociedade entre disfarçados

sistemas de opressão que envolvem poderes e sujeições, como o rico e o

pobre; o patrão/patroa e empregado ou empregada; o forte e fraco; a beleza e

a feiura; hétero sexual e homossexual e assim por diante.

Essa comunidade do Facebook é pueril, mas leva implicitamente a

perversidade das relações de poder das relações patriarcais tradicionais que

sujeitam a condição feminina à sua perda de autonomia e controle sobre a

própria vida.

Mas a condição feminina não atende a essas premissas em sua

totalidade, o feminismo pode ter perdido força pela ênfase que a sociedade dá

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a tais valores patriarcais e esteticamente superficiais, mas não morreu e pode

levantar forças pela rede social. Um exemplo vem da comunidade abordada no

próximo capítulo, em que mostra o novo caminho do ciberfeminismo pela rede

social Facebook, e a amplitude a qual se abriu a causa feminista para um

movimento político capaz de abraçar a luta de outras minorias pelo

reconhecimento de seus direitos, considerações e respeito da sociedade.

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Capítulo III – Feminismo online e a condição da mulher

no Século XXI

(...) a nós, mulheres, por todo o tempo que passamos nessa

bagaça: somos observadas, julgadas, avaliadas e rotuladas. O

corpo, o rosto, a “moral” sob uma enorme lupa. Uma série de

“tem que” dos quais é difícil escapar (e nunca sem alguma

marca), inscritos na estrutura e que, no máximo, nos é

apresentado como uma luta individual. Autoestima, amor

próprio, ser mais independente… uma dose especial de

crueldade tomar como responsabilidade pessoal um problema

social que se espalha na cultura. Essa lupa enorme e

constante não deixa escapar nada. A mulher está sempre

errada. Caso se submeta ao padrão (olha aí, não sabe

envelhecer, tá usando botox; tá magra demais, deve ser

anorexia) e caso o ignore (devia ter vergonha de ir a praia

mostrando as pelancas; olha já dá pra ver cabelo branco, é

muito desleixo). Uma mulher TEM QUE manter-se jovem, mas,

atenção, não pode aparentar estar querendo se manter jovem

(...).

Fonte: http://biscatesocialclub.com.br

Acesso em 29.10.2014, às 23h23

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3.1. “Feminismo sem Demagogia” – Ciberfeminismo no Facebook

Fonte: https://www.Facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-Original/564161453675848?fref=ts

A comunidade virtual ―feminismo sem demagogia‖, escolhida para a

análise dessa pesquisa, representa uma antítese das outras comunidades que

compõem esse estudo. Ao passo que nas outras comunidades encontramos

dados que evidenciam os aspectos tradicionais religiosos do ideal de mulher

―de família‖, de ou do endeusamento do consumo, essa comunidade apresenta

os aspectos típicos das bandeiras feministas referentes aos direitos e às

condições femininas contemporânea. Essa constatação é possível pelos tipos

de postagens das novas vanguardas do feminismo, que inclui, à sua causa,

outros grupos vitimados pela dicotomia de gênero e pela tradição hétero

normativa de família e casamento.

Com exceção das outras duas comunidades virtuais do Facebook,

utilizada como fonte de dados para a realização dessa pesquisa, que possuem

mais de um milhão de adeptas, a comunidade ―feminismo sem demagogia‖ não

ultrapassa cinquenta mil adeptas até o momento.

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Fonte: https://www.Facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-

Original/564161453675848?sk=likes

Mesmo levantando questões polêmicas, referentes aos direitos das

mulheres entre outros assuntos que a sociedade patriarcal despreza, essa

comunidade possui um público bem mais jovem que as outras: ―mulheres que

oram‖ estão entre vinte e cinco e trinta e quatro anos; as adeptas da

comunidade ―mulheres perfeitas‖ estão entre a mesma faixa etária da

comunidade ―mulheres que oram‖, conforme os gráficos que esta pesquisa

extrai do Facebook e apresenta nos itens respectivos ao estudo das comunidades

virtuais. A faixa etária das adeptas da comunidade ―feminismo sem demagogia‖

está entre dezoito e vinte e quatro anos, e ao estabelecer a comparação destes

dados, foi possível verificar a adesão jovem às causas feministas e não da maioria

adulta, como presente nas comunidades femininas e religiosas.

A seguir, encontra-se parte do quadro que resume as imagens

publicadas pela comunidade online estudada e suas reivindicações, em que se

foram notados os aspectos relacionados aos direitos como, por exemplo: do

corpo livre dos padrões de magreza, da opressão de mulheres por mulheres e

o questionamento do fato socialmente opressor de as mulheres negras estarem

vinculadas aos empregos domésticos em famílias de classe mídia, como um

resquício do ideal escravocrata, em que mulheres reproduziam a opressão e

dominação do trabalho de outras mulheres:

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Ao monitorar essa comunidade, observa-se menos frequência de

postagens, mas algumas mensagens são amplamente compartilhadas e

curtidas. ―Feminismo sem demagogia‖ cria debates que levantam a questão da

autonomia sobre o corpo no controle da maternidade, a lesbofobia, homofobia

e a violência de gênero, não se limitando a elaborar sua contestação em nome

apenas da opressão baseada na dicotomia de gêneros e na dominação

masculina.

De acordo com Gregori (2003), nota-se que o processo histórico do

feminismo nasceu em meio a outros movimentos libertários nas últimas

décadas do século XX, por isso, a autora defende a necessidade crítica das

limitações do desconstrutivismo do feminismo:

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―Nas duas últimas décadas, temos assistido à proliferação de

contribuições de peso dos chamados estudos feministas no

cenário das humanidades. Se é possível dizer que a década de

60 marcou definitiva e cabalmente a história política do ocidente

– e as mudanças promovidas tiveram participação intensa dos

vários movimentos libertários (entre os quais, o feminismo) –,

os anos 80 e 90 inauguraram novos paradigmas, ou mais

precisamente, o questionamento dos paradigmas modernistas,

a partir da desconstrução de categorias ou conceitos. É

inegável a participação de pensadores feministas nesse

movimento de rupturas na história do pensamento. Para

entender a abrangência dessas mudanças seria necessária

uma discussão teórica consistente de modo a, de um lado,

evitar as simplificações correntes – como aquela que reduz

toda a variedade de posições teóricas a um modismo pós-

moderno; e, de outro, proceder a um exame crítico sobre as

limitações e paradoxos do desconstrutivismo.‖ (GREGORI,

2003, p. 89)

―Feminismo sem demagogia – original‖ traz a visão do gênero como

uma construção cultural, tentando desconstruir a performance de gênero que,

se baseada no sexo biológico, mantém tradicionalmente as binariedades, de

modo a desconsiderar as pluralidades que vão além das simplificações

dicotômicas.

Publicações como a apresentada a seguir, é capaz de demonstrar a

abrangência de suas reivindicações, além das questões da opressão de gênero

e analisar uma construção limitadora da vitimização da mulher, em prol de um

movimento que inclua as outras minorias oprimidas e estigmatizadas pelo

senso comum, orientado conforme padrões tradicionais dualísticos e

dicotômicos.

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No olhar que ultrapassa os aspectos biológicos para o gênero como

uma performance cultural, Saffioti (2001) lembra Butler (1990) e encara os

aspectos da explícita polaridade das relações de dominação do espírito

patriarcal e dicotômico, desdobrando-se em outras esferas, para além da força

masculina sobre a feminina.

Deixando-se de lado as categorias binárias, pode-se aproveitar

da concepção de Butler para pensar múltiplas matrizes de

gênero: uma dominante e as demais competindo pela

hegemonia. Desta sorte, não se trata de pensar uma nova

educação fora do gênero, mas fora da matriz dominante,

adotando-se uma matriz alternativa ou fundindo-se para efeito

de observância, algumas matrizes subversivas, sem jamais

considera-las como desordem, irmã gêmea da patologia e

lembrando vivamente Durkheim, com seu par normal e

patológico. É a própria Butler que oferece, por meio do uso do

conceito de performance, um caminho importante para se sair

do impasse: ―Não há identidade de gênero por trás das

expressões de gênero; aquela identidade é, pela performance,

constituída pelas próprias ‗expressões‘ consideradas seus

resultados‖. (SAFFIOTTI, 2001, p. 124)

Saffiotti possibilita olhar que o patriarcado funciona em uma ordem

sistêmica e não de forma isolada e ainda salienta:

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Se é verdade que a ordem patriarcal de gênero não opera

sozinha, é também verdade que ela constitui o caldo de cultura

no qual tem lugar a violência de gênero, a argamassa que

edifica desigualdades várias, inclusive entre homens e

mulheres. (SAFFIOTTI, 2001, p. 121)

Desse modo, tomando por base as palavras da autora, torna-se

possível pensar as características da identidade como performance e, por outro

lado, a violência que a dicotomia de gêneros suscita por estigmatizar e não

considerar tais performances, pois essas, segundo a lógica tradicional e

patriarcal, são consideradas ―anormais‖, por não respeitar a condição biológica

do sexo. E nessa esfera, a comunidade virtual ―feminismo sem demagogia –

original‖ denuncia a dor que pode ser fatal, quando a moral social considerada

―normativa‖ se baseia em referências conservadoras para condenar as

performances femininas em corpos masculinos e seu contrário. Lembrando

Goffman (2012), em qualquer um destes casos o feminino está presente e

deteriorado na imagem destes atores sociais/ virtuais pelos estigmas

produzidos no senso comum, seja pela renegação da masculinidade pela

condição biológica em prol da performance feminina; ou pela rejeição da

performance feminina deslocada da condição biológica do respectivo sexo.

Portanto, o juízo de valores no deslocamento da performance na condição

biológica, é socialmente amparado pelo ponto de vista da matriz tradicional e

patriarcal.

Embora essa moral excludente seja evidente na rede social online,

esse fato não é novo no estudo da Sociologia. Refletir sobre essas questões

referentes aos outros socialmente rotulados remete aos outsiders, pensados

por Norbert Elias e John L. Scotson (2000). Estes autores reconheceram como

outsiders os fora da fronteira de onde estavam os ―estabelecidos‖, são os que

sofrem (até fatalmente) com a moralidade desta ―normalidade‖ baseada em

tradição:

[...] Já naquela época, é evidente que os ‗aldeões‘ formavam,

em muito maior grau, um grupo relativamente fechado. Tinham

desenvolvido tradições e padrões próprios. Quem não cumpria

essas normas era excluído como sendo de qualidade inferior.

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[...] Eles cerraram fileiras contra os intrusos, usando todas as

armas características de que dispõem as comunidades bem

estabelecidas e razoavelmente unidas. Excluíram-nos de todos

os postos de poder social, fosse na política local, nas

associações beneficentes ou em qualquer organização local

em que sua influência fosse predominante. Acima de tudo,

desenvolveram como arma uma ‗ideologia‘ [...], que enfatizava

e justificava sua própria superioridade, e que rotulava as

pessoas do loteamento como sendo de categoria inferior. [...]

Sua ideologia de status disseminou-se e foi mantida por um

fluxo constante de fofocas, [...] que se agarrava a qualquer

acontecimento entre as pessoas da outra zona, capaz de

reforçar a imagem negativa do loteamento. (ELIAS e

SCOTSON, 2000, p. 63-68)

Segundo a visão dos autores, por trás dessas características

depreciadoras dos outros, ―os estabelecidos‖, como grupos sólidos, mantinham

o poder, justificavam sua superioridade e se orgulhavam disso. Estendendo

esse pensamento às questões transfóbicas, lesbofóbicas e de outras minorias,

compreende-se que esse fato ainda é pertinente e desdobrado socialmente.

Para além das esferas da fofoca e das superficialidades sociais, a

mensagem da comunidade apresentada na sequência mostra como a rejeição

social reflete o número de suicídio de transgêneros.

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Na comunidade virtual ―feminismo sem demagogia – original‖1, a

defesa aos transexuais mostra um feminismo aliado às minorias sexuais sem

pregar a cultura sob tradição biológica de gêneros, como ainda permanecem as

―Feministas Radicais‖2. Desse modo, as ―feministas sem demagogia‖

contestam e debatem, em sua comunidade online, questões que não ficam

restritas à dominação de gênero, relevando outras bandeiras políticas, como a

luta contra o racismo, sexismo, fascismo e a homofobia, entre outros, de

maneira a incluir aqueles estigmatizados pelas raízes extremistas da tradição.

1 Em 23 de agosto de 2014, a comunidade ―feminismo sem demagogia‖ mostra através de uma

―postagem‖ que teve sua comunidade roubada por ―feministas radicais‖ as quais enviam mensagens

transfóbicas, por isso a mudança para ―feminismo sem demagogia – Original‖. 2 Segundo a matéria online, ―Para além do Feminismo Liberal‖, de Adriano Senkevics, o ―feminismo

liberal‖ é apresentado com aspectos dos conceitos do liberalismo clássico estendendo-os às

reivindicações das mulheres. Entra, nessa equação, a defesa dos ―direitos naturais‖, sobretudo a

liberdade do indivíduo. Explica que nessa concepção, se o Estado não promover a igualdade de

oportunidades, equiparando direitos e condições aos homens, as mulheres continuarão como grupos

oprimidos. Por outro lado, atualmente há uma campanha de defesa pela superação deste conceito, pois,

embora essa vertente tenha trazido ganhos indiscutíveis às mulheres, reivindicar a igualdade social entre

mulheres e homens, assim dito, segundo a matéria, mostra-se uma pauta frágil, pois a crítica às

feministas liberais observa que mulheres de grupos mais oprimidos, como as negras ou de baixa renda,

percebem com maior nitidez que as condições das mulheres são absolutamente heterogêneas na

sociedade, assim como de seus parceiros homens, sendo uma heresia chamá-los pelo singular: a mulher

e o homem. Em: http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/01/16/alem-do-feminismo-liberal-e-tempo-

de-superar-o-discurso-da-igualdade//. Acesso em 08.10.2014, às 14h14.

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Com perfil ideológico que varia entre anarquista e de esquerda (embora

critique o machismo na esquerda), as ―feministas sem demagogia‖ defendem, entre

outros, os importantes aspectos relacionados aos direitos dos transgêneros,

homossexuais, bissexuais, mulheres negras e muçulmanas. Denuncia casos de

homofobia, lesbofobia, bem como opressões de gênero. Faz críticas ao ―feminismo

radical‖, mas, de modo geral, não se assume dentro de alguma tipografia feminista,

embora se aproxime das Feministas Liberais3 e da ―Multidão Queer‖4.

Gregori (2003) também se remete às colocações de Butler para pensar

o sistema de hierarquia sexual tido como normalizado em contraposição a

outras performances sexuais mantidas socialmente com valores

―decrescentes‖, se comparados aos ―crescentes‖ valores contidos no padrão

tradicional hétero normativo:

A inter-relação sexualidade-gênero não pode ser tomada pelo

prisma da causalidade, nem ser fixada como necessária em

todos os casos. Nesse sentido, ela passa a adotar uma posição

de aliança com as minorias sexuais, distanciando-se do

ativismo feminista radical e propõe uma nova conceituação.

Nela, a autora apresenta elementos descritivos e teóricos para

3 Segundo a matéria online, ―Para além do Feminismo Liberal‖, de Adriano Senkevics, o ―feminismo

liberal‖ é apresentado com aspectos dos conceitos do liberalismo clássico estendendo-os às

reivindicações das mulheres. Entra, nessa equação, a defesa dos ―direitos naturais‖, sobretudo a

liberdade do indivíduo. Explica que nessa concepção, se o Estado não promover a igualdade de

oportunidades, equiparando direitos e condições aos homens, as mulheres continuarão como grupos

oprimidos. Por outro lado, atualmente há uma campanha de defesa pela superação deste conceito, pois,

embora essa vertente tenha trazido ganhos indiscutíveis às mulheres, reivindicar a igualdade social entre

mulheres e homens, assim dito, segundo a matéria, mostra-se uma pauta frágil, pois a crítica às

feministas liberais observa que mulheres de grupos mais oprimidos, como as negras ou de baixa renda,

percebem com maior nitidez que as condições das mulheres são absolutamente heterogêneas na

sociedade, assim como de seus parceiros homens, sendo uma heresia chamá-los pelo singular: a mulher

e o homem. Em: http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/01/16/alem-do-feminismo-liberal-e-tempo-

de-superar-o-discurso-da-igualdade//. Acesso em 08.10.2014, às 14h14. 4 Preciado; Beatriz (2003) em Multidões queer: notas para uma política dos anormais dá uma nova diretriz

politica à superação da criação social dos gêneros quando diz: ―A política das multidões queer emerge de

uma posição crítica a respeito dos efeitos normalizantes e disciplinares de toda formação identitária, de

uma desontologização do sujeito da política das identidades: não há uma base natural (mulher, gay, etc.)

que possa legitimar a ação política.

Não se pretende a liberação das mulheres da ―dominação masculina‖, como queria o feminismo clássico,

já que não se apoia sobre a ―diferença sexual‖, sinônimo da principal clivagem da opressão (transcultural,

trans-histórica), que revelaria uma diferença de natureza e que deveria estruturar a ação política. A noção

de multidão queer se opõe decididamente àquela de ―diferença sexual‖, tal como foi explorada tanto pelo

feminismo essencialista (de Irigaray a Cixous, passando por Kristeva) como pelas variações

estruturalistas e/ou lacanianas do discurso da psicanálise (Roudinesco, Héritier, Théry...). Ela se opõe às

políticas paritárias derivadas de uma noção biológica da ―mulher‖ ou da ―diferença sexual‖. Disponível em:

https:<<//periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000100002/18390. Acesso em

8.10.2014, às 22h30.

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pensar a sexualidade e elabora a noção de que os atos, as

práticas e as escolhas sexuais nas sociedades ocidentais

modernas se realizam no interior de um sistema hierárquico de

valorização sexual (sexual value system). Nele, a sexualidade

considerada normal é a que se exercita em meio às relações

heterossexuais firmadas em matrimônio, visando a reprodução.

A esse padrão, seguem outras situações escalonadas na

hierarquia valorativa, em posição decrescente: casais

heterossexuais monogâmicos não casados; solteiros com vida

sexual ativa; casais estáveis de gays e lésbicas; gays solteiros

sem vida promíscua; gays solteiros com vida promíscua;

fetichistas; S/M (sadomasoquistas); posições não masculinas

ou femininas (travestis, drag queens, etc.); sexo pago; sexo

inter-geracional (em particular, o que se dá entre adultos e

menores de idade). (GREGORI, 2003, p.102)

Com base no pensamento Butler e Rubin, o pensamento de Gregori

neste texto reconhece a luta feminista abraçando as causas das minorias

socialmente estigmatizadas, porém ela pontua uma atuação limitada às

―feministas radicais‖, diante dos problemas como a violência de gênero, onde

estas, processam questionavelmente tal problema por desenvolverem uma

análise ―determinística e rígida‖.

A comunidade virtual em questão contesta a violência de gênero e

principalmente o fato da culpabilidade da vítima como uma reação instintiva do

patriarcado, quando coloca que determinadas vestimentas femininas fazem

parte do estímulo principal do abuso.

Tal reação do senso comum torna-se irônica numa sociedade em que a

cultura de mercado feminina constrói um padrão de sensualidade baseada na

performance do corpo pouco vestido como liberdade de exercício da

feminilidade.

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―Feminismo sem demagogia‖ traz à tona a violência de gênero em

forma da violação da privacidade do corpo feminino. Denúncia o estupro,

inclusive do estupro ―corretivo‖ em lésbicas e o estupro vulnerável. Esses

casos só são possíveis pelo desenvolvimento da recente da tecnologia na

comunicação. A partir disso, registra-se, por qualquer mídia portátil, o

aproveitamento perverso da embriaguez feminina para violação de seu corpo.

No caso da publicação do depoimento a seguir, observa-se a tecnologia como

um instrumento de registro e também de poder sobre a vítima pelas imagens,

já que na contemporaneidade a facilidade de disseminação da imagem por

mensagem é muito maior.

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A publicação acima menciona o fato que, ―mesmo estando zonza e

dopada‖, ela ―pedia para parar‖ mas, o destaque na interpretação social não foi

de apoio e respeito à vítima, pelo contrário, a reação foi mais condenação,

quando: ―todo mundo falou mal de mim (...)‖. As novas tecnologias

comunicacionais podem ser instrumentalizadas para a disseminação da

violação da intimidade, a ponto de levar até a morte em casos extremos,

quando a moral de valor patriarcal da personagem feminina é socialmente

dilacerada.

Parreiras (2012) atenta ao fato dos desdobramentos do sexo pelas

telas, desde o cinema, até a recente ciberporn, em que atores e diretores dos

clássicos da indústria pornográfica deram lugar às produções caseiras com

suas interações online, o que faz perceptível que a conexão e a interação do

prazer com a tela são facilmente desenvolvidos nos ambientes domésticos:

Não se trata mais apenas de uma audiência defronte uma

grande tela partilhando publica ou grupalmente da exibição,

mas sim de pessoas que podem estar em seus quartos

sozinhas ou acompanhadas com a tela de seu computador liga

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à internet e interagindo das mais diferentes formas com o que

vê e sente. [...] a exibição do sexo hoje deve considerar as

múltiplas possibilidades que incluem clicar, digitar, escolher

(...). (PARREIRAS, 2012, p. 337)

―Feminismo sem demagogia - original‖ aponta o sentido que traz a face

negativa dos recursos tecnológicos, quando o acesso múltiplo e momentâneo

de conexões pulveriza as imagens socialmente depreciativas para as mulheres

que, muitas vezes, são feitas quando envolvidas pela paixão, instintos de

prazer e pela condição narcísica de ver a ―vida em telas‖, normalizada e

exaltada pela sociedade de mercado contemporânea; não percebem a arma

que pode ser criada para elas mesmas, em razão de valores patriarcais

depreciadores de uma moral historicamente construída e condicionada a

muitas vezes, culpar a vítima.

Essa moral tradicional e patriarcal pode ser reconhecida pelo contexto

das publicações da comunidade do Facebook ―feminismo sem demagogia -

original‖, como uma construção social que envolve poderes dissonantes para

emancipação. Foucault (1998) conta sobre o estudo sexual do acasalamento

na vida dos animais, desenvolvido por Aristóteles, concluindo que o problema

em se falar da vida sexual dos humanos por suas diferentes variantes é raro

porque isso acaba por se manifestar em outras dinâmicas.

(...) Quanto ao gênero humano, mesmo que as descrições dos

órgãos e de seu funcionamento sejam detalhadas, os

comportamentos sexuais com suas possíveis variantes, são

apenas evocados. O que não quer dizer contudo, que haja em

torno da atividade sexual dos humanos, na medicina, na

filosofia e na moral grega, uma zona de silêncio rigoroso. O

fato não é que se evite falar destes atos de prazer: mas quando

se reflete a respeito dele, o que coloca o problema não é a

forma que tomam e sim a atividade que manifestam. Sua

dinâmica, muito mais que sua morfologia (...). (FOUCAULT,

1998a, p. 41)

A consequência dessas dinâmicas em se verbalizar e estudar

abertamente as variações das performances sexuais, ainda é uma atividade

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difícil, quando os valores da igreja e da estrutura patriarcal tradicional se

perturbam e condenam muitos dos diferentes ―usos dos prazeres‖ nessas

diferentes performances sexuais.

No chamado Revange Porn, o ato de difundir online imagens íntimas

ou de relações sexuais para contatos de conexão e familiares das vítimas pode

ser considerado algo que leva àquelas dinâmicas mencionas por Foucault,

quando as consequências se tornam muito maiores que o ato da interação

erótica interagindo com telas digitais. A figura feminina torna-se, então,

altamente vulnerável, já que a difusão desse crime em rede social é abalar

moral da atriz feminina aos olhos sociais, numa amplitude imensurável, dada a

dificuldade de medir o espaço virtual e as dimensões das conexões em rede.

As telas estão no cotidiano da condição contemporânea, sendo a base

de existência do que trato aqui como ciborgues coquetes, pois elas também

não seriam mapeadas, se as telas em conexão online não as apresentassem.

No caso do Revange Porn, as telas digitais das recentes mídias são usadas

como um instrumento depreciativo, pela intensidade da intimidade, do erotismo

e muitas vezes da embriaguez registradas, servindo de arma para o prazer

sexual e poder masculino. Como das imagens em tela, absorve-se sempre o

superficial, elas ofuscam o caráter de vulnerabilidade feminina, por trás do

mundo digital de ver e ser visto, que segue se enfatizando como o atual

desdobramento midiático com reproduções massivas de referências

impensadas.

Porém essa vulnerabilidade não se esconde apenas atrás dessas

intimidades ou crimes sexuais registrados e compartilhados. Conforme o

estudo das outras comunidades do Facebook, essa dissertação conseguiu

demostrar que a vulnerabilidade se esconde também atrás do que

aparentemente pode ser considerado como ingênuo e sagrado, a exemplo da

comunidade online ―mulheres que oram‖; ou pode estar por baixo do universo

da moda, consumo e cosmética, como em ―mulheres perfeitas‖; em ―feminismo

sem demagogia - original‖, essa condição de vulnerabilidade está presente nas

categorias das minorias marginalizadas, e estigmatizadas pela violência da

dicotomia de gênero.

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3.2. A condição feminina sob o panóptico relacional online

A rede social tem capacidade de promover os atores sociais/virtuais em

conexão, por outro lado, ela pode ser um mecanismo ideal de humilhações e

insultos, principalmente quando se refere à questão da ―moral‖ feminina, como

foi demonstrado na etnografia online de ―feminismo sem demagogia – original‖

e as consequências trágicas do Revange Porn. Pelas próprias análises que

essa dissertação desenvolveu sobre a ciborgue coquete e as comunidades

femininas do Facebook, nos capítulos anteriores, compreende-se que para

sociedade, a mulher carrega a necessidade de uma moral, que atenda aos

preceitos patriarcais da comunidade imaginada, conforme demonstrado no

segundo capítulo, quando mencionado os estudos de Tönnies (1982)

fundamentando o papel materno e paterno na família da comunidade

tradicional.

Como essa condição, pretende se explicar, a partir do conceito do

―panóptico‖ desdobrado na vida reacional do universo virtual, esse capítulo

inicia-se explicando a dimensão desse conceito em sua essência, apresentado

por Foucault (1999) em ―Vigiar e Punir‖. O autor inicia seu trabalho, explicando

o tal conceito por sua função arquitetônica, desenvolvida por Bentham5, como

princípio de controle pela visibilidade:

O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa

composição. O princípio é conhecido: na periferia uma

construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de

largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a

construção periférica é dividida em celas, cada uma

atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas

janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da

torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse

a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre

central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um

condenado, um operário ou um escolar. (...) Tantas jaulas,

5 Panóptico é um termo utilizado para designar um centro penitenciário ideal desenhado pelo filósofo

Jeremy Bentham em 1785. O conceito do desenho permite a um vigilante observar todos os prisioneiros

sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. De acordo com o design de Bentham,

esse seria um design mais barato que o das prisões de sua época, já que requer menos empregados. O

nome aplica-se também a uma torre de observação localizada no pátio central de uma prisão, manicômio,

escola, hospital ou fábrica. Aquele que estivesse sobre esta torre poderia observar todos os presos da

cadeia (ou os funcionários, loucos, estudantes, etc.), tendo-os sob seu controle. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pan-óptico. Acesso em 3.10.2014, às 20h58.

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tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho,

perfeitamente individualizado e constantemente visível. O

dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que

permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. (...) A

visibilidade é uma armadilha. (FOUCAULT, 1999, p. 223-224)

Compreendendo as palavras de Foucault no contexto virtual, quando

se refere à ―visibilidade como uma armadilha‖, fica evidente a vulnerabilidade

feminina em rede social, pois o controle em relação à imagem e a moral

feminina é constante e, como apresentado no início desse capítulo, o Facebook

e as recentes mídias são capaz de promover e denegrir a imagem da atriz

social/virtual.

Sob a interface de borda azul, existem tantos ―pequenos teatros, em

que cada ator pode estar sozinho ou acompanhado, mas perfeitamente

individualizado e constantemente visível‖, no entanto, conectados. E na ilusão

da conexão, cria-se um elo que, como disse Bauman (2001), remete ao

conforto da palavra: ―comunidade‖ no virtual. Por outro lado, esse conforto

pode ser traiçoeiro; como estão todos encenando suas ―teatralidades pessoais‖

e conectados entre si, não se dão conta da prisão que pode exercer essas

janelas, tampouco da armadilha que pode representar a super exposição em

conexão, como um mecanismo de controle e ameaças interagindo com as

recentes mídias:

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Nessa publicação, percebe-se que o panóptico contemporâneo age por

diversas esferas; primeiro, as ameaças pelo What’s app6, um aplicativo de

mensagens que, quando programado, acusa quem está online, e se viu as

mensagens, mas não respondeu. No caso dessa postagem, pareceu ser o

6 WhatsApp Messenger é uma aplicação multiplataforma de mensagens instantâneas para smartphones.

Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e mensagens de áudio de

mídia. O software cliente está disponível para Android, BlackBerry OS, iOS, Symbian, Windows Phone, e

Nokia.1 A empresa com o mesmo nome foi fundada em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, ambos

veteranos do Yahoo! e está sediada em Santa Clara, Califórnia. Competindo com uma série de serviços

com base na Ásia, WhatsApp cresceu de 2 bilhões de mensagens por dia em abril de 2012 para 10

bilhões em agosto do mesmo ano. De acordo com o Financial Times , WhatsApp "tem feito para SMS em

celulares o que o Skype fez para chamadas internacionais em telefones fixos ". Em Junho de 2013, o

aplicativo alcançou a marca dos 250 milhões de usuários ativos e 25 bilhões de mensagens enviadas e

recebidas diariamente. No dia 19 de fevereiro de 2014, o Facebook adquiriu a empresa pelo montante de

16 bilhões de dólares, sendo 4 bilhões em dinheiro e 12 bilhões em ações do Facebook, além de 3

bilhões de ações no prazo de quatro anos caso permaneçam na companhia. Seus fundadores serão

incorporados no conselho administrativo do Facebook. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/WhatsApp. Acesso em 03.11.2014, às 17h09.

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estopim para a ira e o controle. Os insultos dispensados por esse mecanismo

de mensagens podem atingir toda a rede de conexão do ameaçador, caso ele

queira dispensar o conteúdo íntimo e inapropriado à exposição. Outra ameaça

veio pela foto do ex-namorado. Como descrito no capítulo anterior, os recursos

de mídias móveis e a magia da tela digital, registrando e divulgando a

intimidade compartilhada, tira a consciência da ideia que Foucault (1997) já

alertava, onde a ―visibilidade pode ser uma armadilha‖. O acesso à foto íntima

pode ser compartilhada com o parceiro e, a partir daí, passível de ser

compartilhada com toda a rede de conexão da conexão do mesmo. Por último,

a ameaça de morte e estupro sob a ameaça de divulgar as imagens no

Facebook na tentativa de coagir uma ―saída‖ com menina, faz alertar que a

visibilidade feminina é vulnerável a todas as recentes mídias num exercício

além da vigia e do controle, ou seja, elas podem ser usadas ameaçando a vida

e a integridade física, pela coação perversa armada do poder da rede conexão.

Estendendo a análise da citação de Foucault, quando em cada cela

está ―um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar‖,

entende-se que o autor coloca o controle desempenhado pelos seguintes

poderes: a psiquiatria e medicina; o sistema judiciário, o mercado de trabalho e

a educação como mecanismos de disciplina e controle.

Esses sistemas chamados por Foucault como ―disciplinadores‖,

alastram-se e desdobram-se sempre de maneira conservadora no universo

feminino e se evidenciam ao observar a matriz tradicional contornando as

expressões ciberfemininas. Mesmo a citação se tratando de uma estrutura

física com uma arquitetura apropriada para vigia, ela permite criar certas

analogias partindo dessa mesma essência interiorizada, presentes em

expressões na rede social ou na experiência cotidiana da vida.

Na rotina contemporânea, a medicina e a psiquiatria entram na esfera

feminina com a solução adequada para remediar o que pelo senso comum é

chamado de ―loucura‖ emocional da ―tensão pré-menstrual‖; a medicina ainda

desenvolve os métodos clínicos de contracepção, em sua maioria,

desenvolvidos para mulheres, impondo a responsabilidade da gravidez

primeiramente a elas; o sistema educacional e de trabalho exigem das

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responsabilidades femininas sem distinção de gênero, controlando-as sem

levar em conta, a jornada doméstica e materna do trabalho da mulher.

Para suportar toda demanda que é exigida ao perfil feminino

contemporâneo, a mulher urbana explora, vigia e disciplina, às suas

necessidades, o trabalho de outra mulher, exercendo o desdobramento de

outra relação de poder de raiz patriarcal, normalizado e pouco questionado.

Mediante a todas as funções atribuídas socialmente às mulheres, a

prática do ócio é como um grande pecado. Foucault atribuiu ao desempenho

em atividades em sucessivas, o funcionamento do poder totalizador do tempo e

do trabalho, no qual o indivíduo passa a se considerar ―utilizável‖, como

capacidade primordial da existência.

Recolhe-se a dispersão temporal para lucrar com isso e

conserva-se o domínio de uma duração que escapa. O poder

se articula diretamente sobre o tempo; realiza o controle dele e

garante sua utilização. (FOUCAULT, 1999, p. 243)

Por essa citação e a observação das expressões femininas online,

pode se constatar que esse poder exercido sobre a atividade no monopólio do

tempo feminino é consequência da inserção, agora socialmente defendida da

mulher no mercado de trabalho e sua responsabilidade tradicional com a

família e o casamento. Esses poderes reagem na própria identidade feminina,

quando a própria mulher normaliza arcar com as sobrecargas, e se conforma

que este é seu papel.

A publicação, a seguir, da comunidade virtual ―mulheres perfeitas‖ pode

exemplificar esse exercício de utilização total do tempo e trabalho que a mulher

incorpora, de acordo com que o autor coloca acima, quando o intuito dessa

publicação é justificar o tempo dispensado no Facebook:

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130

7

Analisando essa postagem, percebe-se que a condição de vigilância e

controle permanente que a era das mídias móveis e sociais proporcionam é

aproveitada pelas instituições jurídicas, familiares e relativas ao trabalho, pelo

monitoramento como viabilidade da tecnologia. Essas instituições observam e

controlam os movimentos dos atores em rede, pois o acesso a ela é visível

pelos ―amigos‖, ou contatos em conexão, principalmente quando a caixa de

―bate papo‖ online está aberta.

Assim, a justificativa da postagem apresentada encontra-se como

resposta ao âmbito das instituições e das sociabilidades que vigiam

virtualmente. Percebe-se, então, que a incorporação e a reprodução das

relações de poder seguem totalizando o tempo e o trabalho feminino, de

maneira que essa dissertação considera análoga ao que Foucault chamou

―docilidade-utilidade‖, consequente dos poderes disciplinadores, anteriormente

descritos.

A modalidade enfim: implica numa coerção ininterrupta,

constante, que vela sobre os processos da atividade mais que

7 << https://www.Facebook.com/Mulheresqoram?fref=ts>> . Acesso em 02.11.2014, às 22h24.

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sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma

codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os

movimentos. Esses métodos que permitem o controle

minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição

constante de suas forças e lhes impõem uma relação de

docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as

―disciplinas‖. (FOUCAULT, 1999, p. 225)

Quando a obra ―Vigiar e Punir‖ aborda a docilidade dos corpos, ela se

refere ao soldado como consequência do estado e em sua conduta de

disciplinaridade reagindo fisicamente nos corpos e, nos espíritos. Mas pode ser

deslocada para pensar as expressões ciberfemininas refletindo a condição da

mulher contemporânea. Isso ocorre porque, desde as matrizes tradicionais com

base no casamento e família aos ditados midiáticos com suas infinitas

mensagens sobre o que a mulher necessita consumir para ser mulher, fazem

do ideal feminino um instrumento manipulado em torno dos poderes

imperativos da cultura patriarcal e de mercado.

Esses referenciais inspiradores do feminino baseados na vaidade e

beleza; no trabalho, no consumismo, na família e nos casamentos tradicionais

são totalizadores do tempo e do ideal de feminino, assim como essa

dissertação apresentou, são totalitários na cultura feminina ocidental.

O poder que estimula a identidade da mulher de acordo com a

feminilidade tradicional consumista age em conjunto ao poder que explora seu

trabalho para reduzi-la a uma ―bela‖ mãe trabalhadora e consumidora. A

totalidade e o totalitarismo utilitarista desse fato deixam poucas brechas ou,

muitas vezes, nenhuma para um posicionamento do pensamento feminino

questionador e reflexivo.

Esse contexto cria uma cultura feminina que, em seu senso comum,

não aceita o que a ela não se espelha, pois como a etnografia da comunidade

―mulheres perfeitas‖ e a imagem a seguir, coletada dessa respectiva

comunidade do Facebook podem demostrar, é um ideal imposto desde os

primeiros passos:

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Portando, a ―docilidade-utilidade‖ está ativa e incentivada logo na

primeira infância, quando o ideal de mulher segue inspirando ―docilidade‖, na

absorção dos valores de consumo para construção de sua identidade, e

―utilidade‖ porque a outra face disso é se transformar num objeto de estímulo

de prazer, na exacerbação da sensualidade como valor agregado.

O estudo de Foucault demostra que a força dos poderes disciplinares

está evidente nos corpos, e a análise das expressões das ciborgues coquetes

pode demostrar como a força desses poderes molda a atriz social/virtual de si.

Enquanto em ―Vigiar e Punir‖ a docilidade dos corpos é consequência do

estado exercendo a força da disciplina; nas ciborgues coquetes, fica evidente a

força dos preceitos de ―beleza‖ fabricada pelas mídias e seus negócios

multinacionais, conforme as referências de Naomi Wolf (1997), as quais estão

presentes no primeiro capítulo dessa dissertação, exercendo o poder sobre a

disciplina de seus corpos e assim orgulhar-se de si e acumular elogios tanto na

esfera social como na virtual.

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8

A ciborgue coquete que alcança o desenho do corpo estipulado como

―belo‖ pela cultura de contemporânea de mercado, normalmente exibi como

sua ―beleza‖ a consequência do seu esforço e disciplina, divulgando-os pelos

atuais autorretratos chamados selfie, publicados em rede. Tal fato é um

desdobramento do que Foucault já havia observado, muito antes de tal

fenômeno:

Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de

investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer

sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito

apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou

obrigações. Muitas coisas, entretanto são novas nessas

técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata

de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse

uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente;

de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao

nível mesmo da mecânica — movimentos, gestos atitude,

rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em

seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos

significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas

a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização

interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os

sinais (…). (FOUCAULT, 1999, p. 245)

8 Disponível em http://www.feedbox.com/do-you-know-who-was-in-the-first-selfie. Acesso em 03.11.2014,

às 20h28h.

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A convergência entre as análises do ciberfeminino e o culto à imagem

do corpo, baseado nas diretrizes midiáticas, com as palavras de Foucault,

emerge-se quanto ao fato de qualquer sociedade aplicar ao corpo uma prisão

ideológica restritiva e cheia de obrigações, sob os poderes coercivos

incorporados e reproduzidos em valores sociais. Em ambos os casos, o

cuidado com o corpo ultrapassa esta noção do ―cuidar‖, se ativando em sua

performance física e em sua ―organização interna”. É aí onde o poder atua no

nível da ―mecânica‖ interior reproduzindo sua força e seu controle.

O estudo etnográfico nas comunidades virtuais do Facebook,

selecionadas como fonte de dados para esse trabalho explicar o ciberfeminino

e a condição da mulher contemporânea, constata que o ―poder disciplinar‖ faz

parte de uma identidade feminina que o absorve inquestionavelmente este

poder e ainda se enaltece por absorve-lo. Tal fato pode ser ilustrado pela

comunidade ―mulheres que oram‖ e suas orações e preces, aparentemente

inocentes, mas carregando intrinsicamente a obrigação da maternidade, do

casamento hétero normativo, das obrigações do lar e a submissão ao

patriarcado; como um mesmo vetor do modelo disciplinador controlador

baseado nas estruturas patriarcais de séculos passado.

(...) O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de

se apropriar e de retirar, tem como função maior ―adestrar‖; ou

sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e

melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-

las para multiplicá-las e utilizá-las num todo (....). (FOUCAULT,

1999, p. 195)

Essa dissertação também apresenta a força do poder controlador e

disciplinador pela apresentação da ―docilidade-utilidade‖, como consequência

da feminilidade ditada pela comunidade ―mulheres perfeitas‖, quando o

feminino se compõe primordialmente pelo consumismo para garantia de um

produto total de si mesma. O resultado da construção da personagem de si

interage na esfera da sociabilidade feminina baseada na concorrência; ou num

―mercado‖ feminino, que se pauta no ideal do casamento monogâmico,

cultivado de modo socialmente homogênico, o ideal de esposa pela

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exclusividade e singularidade por meio da ―beleza‖ e da sensualidade da

mulher. Para isso, a disciplina é direcionada para a manutenção do corpo

―jovem‖ e ―belo‖, de acordo com os referenciais ―estrelares‖ das velhas e novas

mídias. Dessa maneira, são pensados nesse capítulo, sob a inspiração de

Foucault, o poder dissolvido em diversas células reprodutivas, oriundas da

vigia, do monitoramento e do controle, pelas estruturas dos poderes

tradicionalmente coercitivos, como que seguissem alastrando-se socialmente e

virtualmente, com o objetivo de ―adestrar‖:

―Adestrar‖ as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e

forças para uma multiplicidade de elementos individuais —

pequenas células separadas, autonomias orgânicas,

identidades e continuidades genéticas, segmentos

combinatórios. A disciplina ―fabrica‖ indivíduos; ela é a técnica

específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo

tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.

Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso,

pode-se fiar em seu super poderio; é um poder modesto,

desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada,

mas permanente. (FOUCAULT, 1999, p. 195)

Essa citação aponta o fato que a o poder coercitivo das instituições

disciplinares (midiáticas e tradicionais) ―fabricando‖ o que esse estudo mapeia

como ciberfeminino, em que as atrizes ciborgues coquetes, ao mesmo tempo

em que são objetos, são também instrumentos do exercício de poder.

(...) As disciplinas estabelecem uma ―infra-penalidade‖;

quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e

reprimem um conjunto de comportamentos que escapava aos

grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença (...).

(FOUCAULT, 1999, p. 202)

Foucault coloca os valores disciplinares em forma de leis que

qualificam, julgam e reprimem o comportamento A cultura contemporânea de

mercado, pelo desenvolvimento dessa pesquisa, mostrou-se estruturada pelos

pilares tradicionais dos valores femininos e junto a isso, essa cultura elabora

um olhar controlador e sustentador da construção do feminino, para que sua

função não vá além de ―embelezar‖ e agregar valor moral pela maternidade e

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devoção à família, sempre no papel de coadjuvante, na cena social e virtual,

pois tem sua função instrumentalizada na essência da matriz patriarcal.

Sofrer o controle social e vestir a culpa, quando não corresponde aos

seus preceitos, são fatos que puderam ser diagnosticados como parte da

condição feminina, bastante persistentes na contemporaneidade, e visíveis

tomando-se por base a etnografia desenvolvida por essa pesquisa, nas

comunidades do Facebook: ―mulheres que oram‖, ―mulheres perfeitas‖ e

―Feminismo sem demagogia‖, . Isso porque, todos aqueles dados mostraram a

sociedade, ativa no exercício panóptico do olhar que vigia e julga e

responsabiliza a mulher por seu corpo, por suas roupas, seus cuidados

estéticos, sua família, seu trabalho doméstico, seu trabalho externo, seus

excessos e suas angústias.

Foucault traz a base do conceito do panóptico, aqui desdobrado na

viabilidade desse exercício conceitual na recente tecnologia comunicacional. A

tecnologia atual, portanto, é encarada nessa análise, como um fator imperativo

na cultura de mercado que não abala as forças das estruturas dos valores

femininos tradicionais.

Como apresentado no capítulo anterior, a sociedade da cultura

contemporânea se encanta com o protagonismo das ―estrelas‖ das novas e

velhas mídias, mas tais valores, intrinsecamente, moldam o perfil feminino para

compor uma atuação feminina que permaneça restrita ao papel de coadjuvante

na cena patriarcal. Tais valores são instrumentalizados e socialmente

controlados para direcionar o papel feminino sujeita a um script socialmente

defendido. Trabalhar fora de casa, é reconhecido como emancipação, mas

também é exigido socialmente, principalmente para que a mulher

contemporânea tenha condição de cumprir seu papel de grande consumidora e

não ―explorar‖ o marido com o acesso a todas as novidades e tendências de

moda, que a cada semestre se renovam e se descartam. Essa condição da

mulher, observada pelas expressões femininas em rede social, converge com a

reflexão que releva a lógica econômica como grande manipulador do poder,

instaurado nos mecanismos internos dos atores sociais/virtuais. Tal fato

também converge com as análises construídas por Foucault (1999) quando, no

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parágrafo a seguir, esclarece o sucesso da economia ocidental, a partir dos

métodos de ―sujeição‖.

Se a decolagem econômica do Ocidente começou com os

processos que permitiram a acumulação do capital, pode-se

dizer, talvez, que os métodos para gerir a acumulação dos

homens permitiram uma decolagem política em relação a

formas de poder tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas e

que, logo caídas em desuso, foram substituídas por uma

tecnologia minuciosa e calculada da sujeição. (FOUCAULT,

1999, p. 243)

Desse modo, o panoptismo, que Foucault inspira ao presente estudo,

está no sentido da ordem mercadológica e tradicional da sociedade, visíveis

também no lado virtual, da cultura de mercado contemporânea. Constata-se,

então, que a esfera da comunicabilidade online, bem como a demonstração do

Ciberfeminino adequam-se ao desdobramento derivado dos conceitos

tradicionais e midiáticos, num contexto, ao qual, cabe no que o mesmo autor

chamou de ―processo técnico, universalmente difundido, da coerção‖ do

feminino.

Essa ―sujeição‖ feminina corrobora com a sua própria objetificação, em

que o produto de si mesma se transforma no objeto de consumo, ―adestrado‖

pelos referenciais da cultura feminina mercadológica. E no exercício contínuo

de ―adestramento‖ feminino, analisado nas expressões ciborgues coquetes, do

universo comunicacional ciberfeminino, encontra-se as mídias, que seguem

disseminando suas técnicas e estratégias de imagens persuasivas do

comportamento feminino contemporâneo; por uma enxurrada de mensagens,

em que as poses encobertam as dores, conforme foi visto no segundo capítulo

dessa pesquisa.

Foucault (1998), no volume II de sua trilogia sobre ―a historia da

sexualidade‖, fala sobre o questionamento do comportamento do marido no

pensamento da Grécia antiga e desde lá é possível observar os

enquadramentos para a mulher que até a contemporaneidade ainda estão se

fazem persistente no pensamento da cultura ocidental. Nas expressões

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femininas virtuais, isso se mostra um fato determinante na categorização das

mulheres e, assim como o panóptico de Foucault (1987), já reconhecia

―armadilha da visibilidade‖ ao controle dos ―loucos‖, dos ―doentes‖, por

exemplo. O panóptico online reproduz os estigmas em categorias femininas,

como mulher para casar, a promíscua, a boa e a péssima mãe, entre outros

rótulos que respectivamente entram de acordo com os referenciais tradicionais

considerados adequados às mulheres ―de valores‖, pelo senso comum e

notável pela leitura de Foucault (1998) , desde o período grego:

No final do libelo Contra Nera, atribuído a Demostenes, o autor

formula uma espécie de aforismo que permaneceu celebre: As

cortezãs nós temos para o prazer; as concubinas, para os

cuidados de todos os dias; as esposas para ter uma

descendência legitima e uma fiel guardiã do lar. [...] Por outro

lado, as mulheres enquanto esposas devem, são de fatos

circunscritas em seu status jurídico e social; toda a sua

atividade sexual deve se situar no interior da relação conjugal e

seu marido deve ser seu parceiro exclusivo. Elas se encontram

sob seu poder e é a ele que devem que serão seus herdeiros e

cidadãos. (FOUCAULT, 1998, p. 129)

Como essa dissertação apresentou anteriormente, a emancipação

sobre os valores tradicionais como esses anteriormente colocados, e as

relações dicotômicas de poder ainda se fazem presentes na tecnologia

comunicacional pelas redes sociais. Por outro lado, manifestações feministas

nas comunidades do Facebook, como ―Feminismo sem demagogia‖, entre

outras, resgatam fragmentos pertinentes das relações de poder, papéis dos

gêneros na sociedade ocidental e da teoria queer como resistência.

A cultura de mercado, em seus processos históricos, acompanhada

pela cultura patriarcal, segue continuamente esses referenciais tradicionais

dando-lhes roupagens midiáticas que mudam de tonalidade conforme as

tendências dos tempos decorrentes. Isso acaba por criar categorias

homogêneas e competitivas entre as mulheres, muitas vezes articuladas, a

partir das teatralidades online, reproduzindo os conteúdos estereotipados.

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As duas imagens acima podem repercutir os traços da sensualidade

homogeneizada da coquete ciborgue logo na fase da adolescência como valor

ao feminino exibido na interface do Facebook. Tal valor, é oriundo do teor

midiático da produção que visa despertar os estímulos sexuais como um valor

ao feminino, e ao mesmo tempo, é um valor frágil e socialmente disposto à

degradação da mulher, sob a mesma essência desta condição.

Foucault (1999) dizia que nossa sociedade é mais da ―vigia‖, que do

―espetáculo‖, porém o estudo que aqui decorre demonstra que as redes sociais

como palco das relações virtuais faz com que esses dois aspectos se

retroalimentem de forma a construir uma vaidade tradicionalmente pautada nos

valores patriarcais e midiáticos. A química entre esses dois aspectos ocorre de

maneira incisiva na contemporaneidade, é quando nasce o olhar das atrizes

sociais virtuais que julga sua própria categoria baseando-se no poder

disciplinar que é mantido e estruturado pelas bases tradicionais e

espetaculares na imagem superficialmente construída e posada da mulher em

telas digitais.

A contemporaneidade pelas expressões femininas, de matriz

tradicional, investigadas no Facebook, não ultrapassou o que Foucault (1998)

resgatou do período grego quando a utilidade de sua virtude da mulher estava

em função da garantia em saber respeitar ―por vontade e por razão, as regras

que lhe são impostas‖. E não se importa na atualidade, isso implique numa

condição objetivada, coisificada e utilitária para reprodução da espécie

sustentada pela retroalimentação dos valores de mercado e patriarcal, o que

importa nesse nicho feminino amplamente presente na rede social Facebook

é ser uma ―estrela‖ baseada nesta respectiva condição, e obedecer à estes

valores, afim de receber ―curtidas‖ e ―elogios‖.

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Considerações Finais

Este foi um trabalho de etnografia, no campo da rede social Facebook,

em que busquei compreender um segmento cultura contemporânea

relacionando-o, de forma teórica, à essência das manifestações femininas. Foi

também uma auto etnografia online, já que me considero a atriz social/virtual,

imersa em alguns dos papeis abordados por esta análise.

Foi possível observar, por meio dos perfis pessoais das comunidades

virtuais femininas e de autoanálise desempenhada na esfera aqui denominada

de coquete ciborgue, que um novo fenômeno vinha estabelecer uma nova

forma de existência. Isto é, a capacidade de construção e manipulação de

autoimagem e da auto-identidade no palco virtual da rede digital – que

corresponde a um vínculo direto com a identidade. Pelo avatar virtual, foi

apresentado um quadro que corresponde aos signos, valores e preceitos

sociais que agem de forma coercitiva à atuação da atriz social, de modo geral,

na vida cotidiana.

A interpretação da condição ciborgue, na amplitude do senso comum,

desconhece a essência do conceito de Hathaway. Embora, atualmente, essa

definição seja reconsiderada pela superação do conceito dicotômico do gênero e

fortalecida como símbolo da era das próteses, da incorporação e absorção da

tecnologia. O que nos leva a visualizar uma sinergia entre o animal e o tecnologia.

Ao focar na esfera feminina em rede social, a dissertação permitiu

demostrar que a tecnologia comunicacional se tornou um instrumento, em que

o virtual pode ser um vetor maior disseminador do imaginativo e do fantasioso

do que transformador dos valores estruturados e socialmente dados. O

Facebook, diante das comunidades e perfis femininos, exibe os traços

evidentes de um senso comum. Ancorados nas correntes religiosas e

midiáticas, que se apegam à esta esfera para aspirar à construção da auto-

identidade ou fachada pessoal.

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Nada mais parece ser tão significativo e representativo como a

tecnologia na rotina das ações sociais, em todas as esferas da vida. Então,

estudar a revolução das novas mídias digitais, com seus poderes de conexão

simultânea, trouxe à tona o desdobramento, nada deslumbrado, do processo

de se relacionar.

Notei, após os primeiros passos da pesquisa, uma aspiração contrária

do que definia a internet, com seu poder de conexão, como sinônimo de rede

de conhecimento e superação dos poderes dominadores do patriarcado e da

ética social do mercado. Focando a objetificação da imagem feminina,

reproduzida pela atuação das ciborgues coquetes em rede social Facebook,

um desencanto surgiu nesse percurso investigativo. Principalmente, ao finalizar

a pesquisa e considerar que as atrizes da própria vida são personagens

femininas sociais/virtuais que demostram, em suas expressões, o sistema de

competição e dos poderes disciplinadores da sociedade tradicional –

incorporados ao caráter feminino. A fuga dos delimitados moldes sociais,

consequentemente, resultam em estigmas depreciadores e desqualificadores

das diferentes performances da identidade humana. A feminilidade obedece os

contornos da sociedade, que segue cobrando os signos para a identidade da

personagem virtual/social de si na rede da vida, de um feminino homogêneo,

coisificado, objetivado e pouco criativo.

Quando digo que a rede social foi instrumentalizada para o narcisismo

individualista das ciborgues coquetes, exponho que a atuação da cultura

ciberfeminina, no campo comunicacional, atende desde a magreza das revistas

de moda até ao padrão curvilíneo ou musculoso como padrões exuberantes e

sensualizados de mulher, na sociedade da cultura capitalista. Tal ideal de

mulher, difundido na ênfase das pinups do pós-guerra, ainda é fonte dos

desdobramentos significativos da feminilidade pautada na fantasia libidinosa.

Esses valores se estenderam, e continuam socialmente ativos, como

inspiração para elaboração de produtos e mulheres. A partir do ideal excitável,

ao mesmo tempo continua a condenar o erotismo vinculado à liberdade sexual

da mulher. Um fato que não é recente, pois essa ideia esteve presente na

leitura simmeliana, quando ela apontava a composição dos traços da filosofia

coquete em um nicho da cultura feminina. Mais adiante, a sensualidade e o

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fazer excitável estavam para além deste aspecto, pois os atrativos da sedução

agiam, segundo ele, no desejo de aquisição de objetos desde o final do século

XVIII e começo do século XIV.

É possível alegar que o ideal de mulher contemporânea é composto

pela moral tradicional-midiática, na qual a inundação de mensagens deixa

pouco espaço para o processo criativo e autônomo de autoconstrução. O

desempenho do papel feminino está focado em querer agradar socialmente

para se agradar individualmente. Liberdade e liberação parecem apenas

eufemismos, típicos da sociedade neoliberal que, falsamente, estão presentes

na condição feminina contemporânea.

O trabalho de monitoramento das expressões femininas no Facebook e

das comunidades virtuais apresentou elementos simbólicos de um ideal

feminino que desloca a infância como direito e a leva para outras fases da vida

adulta – como na sujeição feminina do poder patriarcal, na rendição aos

preceitos do conteúdo midiático, nos desejos consumistas etc. Em

contrapartida, o exercício da pesquisa demonstrou que a cultura do mercado

vigente substitui a ludicidade da infância para meninas, com padrão coquete de

mulher adulta.

Tendo como referência o universo masculino, no entretenimento da

cultura mercadológica, verifica-se que a criança e/ou adolescente enfrenta e

vence, brutalmente, os adversários nos jogos e filmes. Lutam em guerras

violentas contra monstros fortes e poderosos. Além de salvar mocinhas,

crianças, famílias ou comunidades indefesas. Já o ideal feminino aparece no

cuidado da boneca, nas brincadeiras ingênuas, pautadas em seu visual

atualizado nos consumismos da moda e nos diversos utensílios da casinha e

das roupinhas, dos acessórios etc. No romance com um príncipe destinado a

viver feliz para sempre. A fragilidade, subjacente ao papel de ser valiosa por

ser bonita e saber cuidar, começa na infância fazendo com que as meninas

escondam da sua própria condição, e ao mesmo tempo que se aproveitam

destas referências para viver e espetacularizá-las. A exacerbação da sedução,

como empoderamento para espantar e afastar os medos que fazem da vida

cotidiana uma realidade instável e insegura, dá continuidade a ilusão de um

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poder de feminilidade. Em constante movimento rumo a finitude do corpo, pelo

próprio percurso da vida.

Esse trabalho investigativo pode afirmar que, historicamente, a

idealização da mulher é uma arte desenhada e aprimorada pelo traço

masculino. E o aprimoramento dessa técnica foi intensificado quando o

feminino incorporou, pelas novas mídias, a representação do imaginário social,

traçando os desenhos da feminilidade. Todas as esferas da mídia cooperam

para a manutenção deste padrão. Algumas vezes misóginos, mas garantidores

do lucro e da dominação adequada para o constante sucesso desse atual

sistema de poder. Que age, profundamente, na falência da autoestima, na

ausência de autoconfiança e na falta de autonomia de desenvolver

performances que possam ir além de uma estrutura caduca de feminilidade. E

que se mantem tradicionalmente imperativa e persistente da ordem patriarcal.

Desse modo, conclui-se que o capital sensual, como essência do

feminino, é uma orquestração da cultura de mercado que aliena, coisifica e

objetiva as potencialidades da mulher. Controlando para que não ultrapasse as

fantasias do imaginário masculino, da família e da vaidade rival. O aspecto

socialmente preocupante é que as patologias oriundas dessa cultura feminina,

em busca da perfeição física e moral, são aceitas, no imaginário, como poder.

No geral, para cobrir e camuflar sua real condição de sujeitada às identidades

construídas, reprodutoras das estruturas sólida em sua matriz tradicional.

No Facebook, as comunidades femininas são quantitativas. Porém,

Feminismo Sem Demagogia, entre outras feministas, são qualitativas. Suas

mensagens carregam conteúdos que circulam debates e discussões profundas ou

conflituosas. Como as comunidades feministas possuem um público mais jovem e

atuante, penso brotar a semente de um movimento reverso se fortificando na rede –

em termos de qualidade e não na quantidade como aquelas representadas por

divas cristãs, superficiais e individualistas. É possível pensar que as comunidades

femininas pesquisadas têm um público mais velho, em termos de adeptas. As

mulheres, em fase adulta, são mais cobradas pelo amor incondicional ao

marido e família. Identificando-se, assim, muito mais com os preceitos da

feminilidade tradicional do que com as comunidades feministas.

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Como pesquisadora, faço críticas ao deslumbre online. No entanto, não

posso deixar de reconhecer que o longo alcance da comunicabilidade, pode

alimentar mentes questionadoras e transformadoras. Não podemos

desmerecer o poder das redes! Acredito que seus efeitos sociais só sejam

positivamente efetivos quando o poder reflexivo e crítico estiverem presentes

nos questionamentos das mensagens, infinitamente fluidas, virtualmente. E

quando adjetivos como individualismo, egocentrismo, competitividade e

narcisismos darem lugar a uma visão de mundo emancipada das lavagens

cerebrais instrumentalizadas midiaticamente, que tradicionalmente, educam

para uma sociedade desmembrada em nichos de hierarquias e segmentos

desunidos e até rivalizados.

A educação crítica é sinônimo de resistência. No entanto, não é uma

pauta que interessa a atual estrutura do sistema de poder. Isso traz à luz a

crítica foucaultiana que aponta os sistemas educacional, médico e jurídico

como reprodutivos das estruturas disciplinares do poder. Provavelmente, por

esse diagnóstico, seria pertinente o aprimoramento da democracia e dos

direitos, associando-os ao futuro da conexão na internet. Porém a emergência

das redes sociais, aponta a consequência do processo de absorção das

informações de modo passivo, alimentando o imaginário dos atores sociais, na

condição de telespectadores. Tal fato, justifica as matérias jornalísticas que

mostram o declínio do hábito de assistir televisão – desenhando a

necessidade de um futuro de outras tecnologias acopladas, na união dos

computadores em rede com a televisão, como estratégia para aumentar a

audiência.

Na vida baseada em telas e no reflexo e refração da inércia, gerada

pela recepção e absorção passiva das mensagens que fluem constantemente

das telas, constata-se a perda da aura que a análise benjaminiana retrata do

contexto cinematográfico. O olhar para postar é uma bifurcação, pois

abandona-se a aura [original] para enxergar a realidade das paisagens

concretas mundo. Por esse delimitado foco na visão reprodutiva dos modelos

de imagens já dados. O olhar conectado da condição contemporânea não se

atenta aos prejuízos de poder escolher o que se quer ver. Vendando-se para

as realidades táteis, as quais, cada vez mais, trazem situações de inabilidade

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na relação da convivência social e física, baseada em respeito e equidade

humana. Pelo contrário, as comunidades virtuais, quando aqui refletidas,

funcionam para pensar a ética dos grupismos contemporâneos consolidados

em nichos competitivos. Defendem as morais de seus próprios estilos de vida –

que são tensões entre estilos diferentes, mas, na maioria das vezes, são

mantedores dos sistemas tradicionais dos poderes de coerção do pensamento

social.

A alienação e a aceitação do papel feminino – sobrecarregado de

responsabilidades com lar, família, trabalho, vaidade e consumo , parece

isentar o empreendimento das políticas públicas e serviços de qualidade que

poderiam dar o suporte necessário ao ingresso no mercado de trabalho.

O ciberfeminino demonstra que a identidade feminina, elaborada como

modelo dos preceitos acima colocados, distancia a responsabilidade do estado

de oferecer, democraticamente, esse suporte – acessível para todas as mães e

trabalhadoras. Esse orgulho individualista feminino que visa mostrar um dar

conta de tudo, também torna invisível o trabalho doméstico dessas mulheres

auxiliares. Sejam elas, parentes, vizinhas e funcionárias, elas são essenciais

para a ênfase da mulher de altos postos no mercado de trabalho. As

supermulheres mostram (mesmo que sob o preço da mentira), com orgulho,

que são capazes de arcar com todas as responsabilidades e descarregam o

stress na contemplação dos elementos da autoimagem. São como constituintes

de um hedonismo pautado na autocontemplação da vaidade narcísica.

O fechamento desta dissertação se dá na consagração do espaço

virtual como um ambiente repleto de elementos reproduzidos. Em dados que

demonstram as tendências e direções que o senso comum acredita, dissemina

e defende. Nesse estudo, pude perceber o trabalho de etnografia online como

um instrumento de estudo qualitativo do campo das relações virtuais, bastante

relevante para a compreensão dos fluxos sociais e essencial para o

entendimento da contemporaneidade refletida digitalmente.

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