morais; vânia disseminando liberdade
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VÂNIA MORAIS
DISSEMINANDO LIBERDADE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - BACHARELADO
CAMPO GRANDE – MS NOVEMBRO DE 2011
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VÂNIA MORAIS
DISSEMINANDO LIBERDADE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Orientadora: Profa. Msc. Priscilla Paula Pessoa. Área de Concentração: Artes Visuais.
CAMPO GRANDE – MS NOVEMBRO DE 2011
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VÂNIA MORAIS
DISSEMINANDO LIBERDADE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais.
Campo Grande, MS, ____ de _________________ de 2004.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________________________ Examinador 1: Prof. Ma. Priscilla Paula Pessoa
Orientadora – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
______________________________________________________ Examinador 2: Prof. Esp. Adalberto Miranda
Universidade Federal de Mato Gross do Sul (UFMS)
______________________________________________________ Examinador 3: Prof.Dra.Carla Maria Buffo Cápua
Universidade Federal de Mato Gross do Sul (UFMS)
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Este Trabalho de Conclusão de Curso é dedicado à minha família, que me impulsionou a trilhar novos caminhos.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço o apoio da minha família e dos meus amigos; Aos professores que me orientaram, sem eles não poderia ter
chegado até aqui e principalmente a Deus, sem o qual nada se realizaria.
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MORAIS, Vânia. Disseminando liberdade. 2011. 34 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2011.
RESUMO
O surrealismo é uma forma de expressão da arte que tem, dentre vários aportes, o sonho como uma de suas principais bases, ainda que não seja a única. É uma proposta que exige rigor, metodologia e precisão, pois tem como principal característica a quebra da realidade através dos elementos da mesma, em combinações inusitadas. Empreendeu-se o processo de construção de uma série baseada no surrealismo, objetivando realizar uma produção intimista e desenvolver conhecimentos técnicos e teóricos a respeito dos caminhos surrealistas na pintura. A metodologia empregada foi o levantamento bibliográfico e documental, que serviu como base para o conhecimento dos sentidos do sonho e dos principais expoentes surrealistas, bem como árduas pesquisas práticas sobre as possibilidades técnicas e narrativas da pintura. Como resultado, obteve-se uma série que aborda a experiência onírica da artista, em seis telas que tratam símbolos e representações da liberdade. Numa análise geral da produção, trata-se de uma linha de aperfeiçoamento, na qual importa o enriquecimento metodológico da arte na pintura e da qual o principal fruto, além da aproximação e conhecimento dos sentidos diversos da expressão visual e de um movimento significativo na história da arte, foi a aquisição de vivência e repertório prático, capaz de permitir uma produção de cunho intimista.
Palavras-chave: Surrealismo. Sonho. Pintura.
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MORAIS, Vânia. Disseminando liberdade. 2011. 34 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2011.
ABSTRACT
Surrealism is a way of artistic expression that as, among many inspirations, had the dream as a significant base, though not the only. Requires rigor, methodology and accuracy, as the main feature of reality breaks through the reality elements in a unusual combinations. Undertook the process of building a series based on surrealism, this proposal aims to make an intimate production and develop technical and theoretical knowledge about the surrealistic painting. The methodology used was the bibliographic research, as the knowledge base about of dream and surrealist leading exponents, and arduous practical research on the technical and ways of produce this paint. As a result, obtained a series that addresses the dream artist’s experience in dealing with six paints that represents some symbols of freedom. In a production general analysis, it’s a improvement line, in which methodological enrichment of art and painting, that the main result and the approach and knowledge of the different meanings of visual expression and a significant movement in history art, was the acquisition of practical experience, that would allow a intimate production.
Keywords: Surrealism. Dream. Painting.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1 DISSEMINANDO LIBERDADE .............................................................................. 10
1.1 SONHO: FISIOLOGIA, SENTIDO E REFLEXÕES .............................................. 10 1.2 METAFÍSICA E SURREALISMO ......................................................................... 12 1.3 REFERÊNCIAS DE TÉCNICA E ESTILO ............................................................ 15 1.4 O SONHO PINTADO ........................................................................................... 17
2 PROCESSO CRIATIVO ......................................................................................... 20
2.1 MÉTODOS E FASES DA PRODUÇÃO ................................................................ 21
3 A SÉRIE DISSEMINANDO LIBERDADE .............................................................. 24
3.1 A SÉRIE ............................................................................................................... 27
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 30
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 32
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INTRODUÇÃO
A estética surrealista é marcante até os dias atuais e, na arte
regional (Mato Grosso do Sul), ainda são raras as produções nesse sentido. Poucos
artistas locais fazem uso das bases surreais, ainda que exista um rico repertório de
possibilidades. O Estado do Mato Grosso do Sul e sua capital, Campo Grande,
possuem abundantes referências, paisagens e cores que, sob o olhar artístico, são
um convite ao surreal.
Este trabalho tem como objetivo geral desenvolver uma experiência
prática em artes visuais, contextualizada ao cenário regional e capaz de promover o
contato com técnicas e métodos de produção que visam a aproximação do
observador com o universo surreal. Junto a isso, objetiva-se ainda estudar e
reconhecer aspectos da retratação de pássaros e partes de pessoas (olhos, face,
planos fechados e afins), realizando uma produção intimista, capaz de envolver e
chamar à ressignificação os sentidos, experiências e mensagens contidas na
proposta de arte apresentada.
Assim, este trabalho justifica-se no interesse de experimentar,
através do surrealismo, a retratação das paisagens e espaços urbanos de Campo
Grande, em uma ótica de desafio das proporções e realidade, tendo como centro a
figura de pássaros e o convite à reordenação surreal de símbolos e imagens
associadas à liberdade. A relevância da proposta centra-se na produção de um
estilo não muito disseminado localmente, visando o desenvolvimento prático das
técnicas de pintura e o conhecimento angariado no decorrer do curso,
transformando o saber teórico em produção artística material, em uma oportunidade
e temática há muito desejadas pela artista.
Para tanto, se propôs a realização de uma série de seis telas, que
relatam uma experiência onírica relacionada a pássaros, liberdade, cores e formas.
As aves são o eixo da produção proposta, sob as bases do surrealismo: suas cores,
matizes, reflexos e proporções são o caminho para a quebra com a realidade
possível, condição essencial para a proposta surrealista.
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As principais referências teóricas que servirão de base para o
desenvolvimento da proposta são André Breton, Salvador Dali, Donis Dondis,
Sigmund Freud, Carl Gustav Jung e Guyton, conjuntamente utilizados para a
compreensão do significado do fisiológico e psicológico do sonho e da proposta
contida no surrealismo. Como referências visuais e de estilo, as cores e a forma de
produzir de René Magritte e Salvador Dali serviram como aporte para a composição
das produções.
A série de pinturas Disseminando Liberdade – título do trabalho em
questão – representa como objetivo a proposta de uma quebra da lógica real na
visualização das aves, fazendo fluir o imaginário e fertilizando a interpretação
variada da simbologia das asas e do voo livre para o expectador. Conforme o
raciocínio de Freud (1999), em sua obra A Interpretação dos Sonhos, mostraremos
na pintura a realidade interior para a qual o sonho é o caminho de contato.
A série é ainda um convite ao exercício semiótico: os significados e
camadas de interpretação elaborados pela autora em sua vivência onírica e pessoal
são expostos aos receptores dessa arte que, de acordo com seu repertório, poderá
ressignificar cada conteúdo. É possível e muito provável que, nesse processo, novos
sentidos surjam de acordo com a vivência de cada receptor, dando motricidade, vida
e mutabilidade à produção.
Por fim, de acordo com os objetivos propostos para o trabalho, sua
organização ocorre da seguinte forma: o capítulo I trata da apresentação do
surrealismo e dos rumos percorridos por este movimento tanto no Brasil quanto no
mundo, bem como da apresentação de sua ligação com o sonho e o detalhamento
dos aspectos fisiológicos, psíquicos e gerais ligados à experiência onírica; o capítulo
II aborda a experiência sonhada da artista, na apresentação dos recursos, objetivos,
métodos e passos para a elaboração da série pretendida; o capítulo III traz a
apresentação da produção e a descrição do percurso prático de sua elaboração,
servindo como fechamento do trabalho a apresentação de um fechamento teórico
acerca da proposta.
1 DISSEMINANDO LIBERDADE
O homem, esse sonhador definitivo, cada dia mais desgostoso com seu destino, a custo repara nos objetos de seu uso habitual e que lhe vieram por sua displicência, ou quase sempre por seu esforço, pois ele aceitou trabalhar, ou pelo menos, não lhe repugnou tomar sua decisão (o que ele chama de decisão!) (BRETON, 2001, p. 3).
O homem pratica a expressão artística desde tempos imemoriais. O
fazer artístico tem a ver com a imaginação e assume um papel social, a partir do
momento em que envolve sujeitos em sua interpretação. Por seu papel na história
humana, o interesse de outras ciências na compreensão das linguagens e
processos artísticos fez com que a arte há muito não esteja mais só em sua teia
produtiva: a psicanálise, a psicologia, a comunicação e outras ciências empenham-
se em investigar suas particularidades e dela fazem uso e/ou conhecimento.
Considerando a pluralidade das expressões artísticas, este estudo
procura desenvolver uma produção baseada na arte relacionada com o sonho,
traçando um paralelo entre a arte e o inconsciente, com o uso da emoção,
sensibilidade e impulso criativo na elaboração de uma série de composições
baseadas em uma vivência onírica da pesquisadora, cujo tema principal é
"Disseminando Liberdade".
O voo livre de pássaros, a liberdade, o vidro, a urbanização – todos
estes são elementos presentes na proposta, embasada na psicanálise e no
surrealismo, campos fortemente entrelaçados. Por esta razão, aqui se apresenta o
referencial teórico de aporte para a seleção das cenas, das opções de retratação e
temática geral da série proposta.
1.1 Sonho: Fisiologia, Sentido e Reflexões
Jung (1997) entende o sonho como uma atividade enriquecedora do
descanso humano, na qual o homem pode não somente experienciar atividades ou
acontecimentos com os quais não teria contato em qualquer outra oportunidade de
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sua vida “real”, mas também oportuniza intensos momentos de prazer, ludicidade e
encanto. Por outro lado, os sonhos podem ainda, conforme o psiquismo daquele que
sonha, representarem momentos de extrema angústia, uma vez que neles o ego se
revela puramente e deixa fluir os desejos e conteúdos inconscientes.
O interior, o eu real, se manifesta pelos sonhos, independente, livre
e solto das amarras da consciência no ato sonhador. Ainda que após a retomada da
consciência os conteúdos possam se apagar, o momento da vivencia onírica é
sempre misterioso, envolvente e paradoxal. De acordo com o autor, “[...] quanto
menos a consciência acordada interferir com reflexões e cálculos, mais segura e
convincente será a objetivação do sonho” (JUNG, 1997, p. 97).
Fisiologicamente, o sonho também é complexo: exige integração
cerebral e a união de uma série de aspectos fisiológicos e atitudinais. Segundo
Guyton (1998), sonhar faz parte da fisiologia humana, é uma forma do corpo
descansar e extravasar tensões e conteúdos reprimidos. Quando sonha ou dorme, o
homem não reduz a sua função cerebral, mas entra em um estado diferenciado de
consciência, do qual pode acordar quando estimulado sensorialmente ou por
impulsos corporais voluntários ou não que conduzam ao despertar.
A fisiologia do sonho humano possui estágios, independentemente
da presença ou não do sonho. O sono REM (Rapid Eye Moviment – movimento
rápido dos olhos), que envolve movimentos oculares rápidos e seu estágio
aprofundado, o NREM (No-Rapid Eye Moviment, sem movimento rápido dos olhos),
que exclui tais movimentos – dentro destas ocorrem as fases de sono, sendo que a
primeira etapa comporta apenas uma fase e a segunda, todas as demais quatro, que
envolvem o aprofundamento da entrada em um estado de consciência alterado, apto
à manifestação do ego, do self (DAVIDOFF, 1983; JUNG, 1997).
Na série propõe-se a passagem do sonho para a tela, construindo
uma percepção limiar entre a sensação e o conhecimento que sempre se renova,
descobrindo o sujeito através de uma interpretação que percebe e sente, mudando o
irreal (sonho) para real (pintura).
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1.2 Metafísica e Surrealismo
Os conceitos abordados na produção da série Disseminando
Liberdade têm ligações com a metafísica. Abbagnano (2000, p.63) expõe que o
termo é uma ciência primeira, aquela que seria capaz de oferecer um fundamento
comum a todas as demais. Dessa forma, sendo ela a fonte inicial – todas as demais
ciências dela dependeriam e também nela teriam origem. Os surrealistas, contudo,
interessam-se pela metafísica por outra característica que lhe é muito peculiar: a
metafísica reflete a teoria da substância, aquilo que algo não pode ser ou ainda, de
modo mais completo, aquilo que não pode, mas que tem necessidade de ser, a
essência necessária. A pintura metafísica, expressão em tela desse conceito, teve
início, durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente na Itália, através do
trabalho do pintor Giorgio de Chirico, em especial nos “manequins” expressivos,
conforme vemos abaixo:
[...] se a pintura metafísica nasceu em Paris, foi na Itália, em Ferrari que se formou, durante a primeira guerra mundial. Não um movimento como o futurismo, mas escola, cujo emblema talvez fosse um manequim. (MONTEIRO, 1981, p. 253).
Era uma manifestação não como um movimento, mas sim como
uma escola de pintura, baseada na metafísica em suas manifestações
sobrenaturais, em produções envoltas em mistérios e ainda apresentando
associações de objetos incomuns em situações idênticas, causando o
estranhamento tanto por isso quanto pelos recursos inusitados de luzes, cores e
plástica. A magia desta pintura reside na ausência de fidedignidade dos objetos e
cenários, pois o realismo existe, mas está no inusitado das composições e efeitos.
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Figura 1 – Canção do Amor – óleo sobre tela de Giorgio de Chirico, 73 x 59,3 cm (1914) Fonte: PORTAL DA ARTE, s/d.
Já o surrealismo é assim definido por André Breton, conforme a seguir:
[...] automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir [...] o funcionamento real do pensamento. Ditado pelo pensamento, na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preocupação estética ou moral (BRETON, 2001, p. 40).
Pode-se dizer que o surrealismo também se envolve nas relações de
surpresa, inquietação e no inusitado. De acordo com Monteiro (1981), o surrealismo
engloba a literatura e as artes plásticas, tendo como principal foco de ação a
retratação livre do pensamento em detrimento às amarras da razão. Representa
uma forma de expressão livre do conteúdo mental e psíquico, sendo a arte com tal
natureza uma materialização do sonho no mundo da realidade.
A pintura surrealista é baseada na refutação da racionalidade, na
retratação com técnicas realistas de cenários e ocorrências inesperadas ou
impossíveis no mundo concreto e no diálogo desafiador às proporções e
possibilidades reais. É uma expressão baseada na quebra de convenções do
inconsciente comum, com a materialização nas telas do inesgotável repertório
humano psíquico. Helena (1996, p.36) destaca que um dos aspectos associados ao
movimento surrealista é o “[...] elogio ao sonho, do maravilhoso, da liberdade e da
imagem surrealista”.
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Rochel (2009) afirma que o surrealismo surgiu da constatação de
uma crise entre razão e lógica, verificada por artistas do século XX. Diante disso, um
grupo composto principalmente pelos artistas André Breton, Francis Picabia, Louis
Aragon, Phillippe Soupault, Paul Éluard, Benajmin Péret, Roberto Desnos, Antonin
Artaud e Jacques Baron – dentre outros - no ano de 1924, propôs a fuga para o
inconsciente que propiciaria uma saída para o impasse criado pela razão humana.
Com isso, de acordo com Tasca (2008), o movimento fez surgir impulsos de regiões
até então inexploradas da mente humana, em sua maioria abordando temas como
sonhos, humor e loucura.
É comum que pinturas dessa natureza apresentem uma técnica
fidedigna de representação dos objetos e cenários da vida real, para ali, em meio a
uma aparente trama concreta, fazer mostrar o bizarro, o impossível e o imaterial.
Dali (1992) acreditava que a maior parte das produções surrealistas
poderia encontrar bases nas teorias freudianas a respeito do sonho e da sua
subjetividade. Essa subjetividade é, de acordo com Abbagnano (1998, p. 922), o
“caráter de todos os fenômenos psíquicos, enquanto fenômenos de consciência que
o sujeito relaciona consigo mesmo e chama de meus”.
Seriam válvulas de expressão para fantasias, desejos e conflitos do
artista, expressos livremente do momento do sonho. O sonhar significaria um
momento de liberdade. De acordo com Dali (1992, p. 20), "[...] o homem é livre para
cometer os crimes mais hediondos; o sonho é embrionário, porque dá ao homem o
abrigo trépido e a imunidade do útero".
Sobre os sonhos, é interessante citar Karl Jung, que afirma:
[...] Os sonhos fornecem informações extremamente interessantes a quem se empenhar em compreender o seu simbolismo. O resultado, é verdade, pouco tem a ver com preocupações mundanas como comprar ou vender. Mas o sentido da vida não é explicado pelos negócios que se fez, assim como os desejos profundos do coração não são satisfeitos por uma conta bancária. (JUNG apud FRANZ, 1991, p. 10).
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1.3 Referências de Técnica e Estilo
Os tons e a formulação da composição seguem a linha inspiracional
experimentada por Salvador Dali e René Magritte. Salvador Dali conseguiu destaque
em sua arte principalmente por seu poder de representação e identidade do
inconsciente humano. Sempre foi muito aproximado com as teorias freudianas e,
assim, a psicanálise norteou boa parte da produção do artista. Dentre os aspectos
que marcam a personalidade de uma obra de Dali está a presença constante de
imagens duplas, sugestões, segundos-planos, acontecimentos paralelos, quase
sempre inseridos em um cenário que lembra sonhos. Em geral, o que se mostra na
primeiridade do olhar das obras de Dali se abre profundamente quando na
secundidade e terceiridade: sua obra cresce, os sentidos se revelam e os
componentes, algumas vezes despercebidos em um olhar rápido, manifestam-se
cada vez mais nítidos conforme profunda é a interpretação (DALI, 1992, p. 20).
Figura 2 – A tentação de Santo Antônio, óleo sobre tela de Salvador Dali, 90 x 119,5 cm (1946).
Fonte: PORTAL DA ARTE, s/d.
De acordo com Moutinho (1999, p. 143), Magritte é outro dos fortes
expoentes do surrealismo, sendo inclusive um dos artistas com maior volume de
reproduções do século passado. Para a autora, a relação de René Magritte com o
surrealismo ocorreu gradativamente, até que o próprio se visse completamente
envolvido pela proposta. No ano de 1965, foi de Magritte a definição de que a
produção surreal servia para o conhecimento direto da realidade, mas de uma forma
desconectada com o que coletivamente imagina-se convencionado. Na visão do
artista, o poder do surrealismo era o de retratar a verdade, não a relativa e humana,
que varia de acordo com a cultura e aspectos pessoais ou coletivos: Magritte via o
surrealismo como uma forma de revelação da verdade absoluta.
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Figura 3 – Magia Negra, óleo sobre tela de René Magritte, 73 x 54.4 cm (1935)
Fonte: PORTAL DA ARTE, s/d.
Em seguida, apresenta-se uma das obras de 1929 de Magritte,
denominada “Isto não é um cachimbo”, parte de uma série para a qual a negação da
imagem óbvia, da realidade retratada e do senso comum representam o maior
destaque.
Figura 4 – René Magritte, “La Trahison des images (Ceci n'est
pas une pipe), óleo sobre tela, 60,33 x 81,12 cm (1928/29) Los Angeles County Museum of Art
Fonte: MOUTINHO, 1999.
A produção integra uma série que é pautada pela negação do que é
aparentemente evidente. Isto não é um cachimbo, também conhecido como La
trahison des images, abre as portas para a reflexão a respeito das relações
presentes entre a arte e a realidade. O cachimbo foi importante para Magritte e alvo
de muitas críticas, mas também uma expressão e ideia na qual o autor se apegou
fortemente. Assumia a presença de constantes críticas a respeito de sua proposta,
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mas não se afastava deste encantamento, o que justificou as inúmeras versões
apresentadas pelo artista para mesma obra. Foi também um quadro notável, ainda
que tivesse outros de mesma ideia, como o Ceci n’est pas une pomme, de 1964
(FIGUEIREDO, 2005).
É provável que boa parte da repercussão dessa proposta de
Magritte se deva ao fato de sintetizar o que é o surrealismo e sua ruptura com aquilo
que, convencionalmente, tem-se por realidade. Na reprodução das propostas do
artista abaixo, vemos um pouco da polêmica, interesse do assunto e dedicação do
artista a respeito do que se propunha com esta obra surrealista.
Como referência sul-mato-grossense, foi utilizada a produção e
proposta do artista Luxavli (Luiz Xavier Lima). Sua obra tem tendência surrealista e
utiliza cores e temas muito próximos da realidade vivenciada no Estado. Em suas
telas, frequentemente temos a referência a etnias, elementos (cabeças de boi,
chifres e outros) que fazem menção à cultura pecuarista e indígena local.
Figura 5 – Visões de uma canção, de Luiz Xavier Lima, óleo sobre tela, 54 x 73 cm (1992) Fonte: Cessão de imagem de acervo particular. Dados primários, 2011.
1.4 O Sonho Pintado
Aqui se encontra relatado o percurso de base para a escolha do
tema exposto e para a elaboração das telas. Através da descrição da experiência
onírica da artista, percorre-se as alternativas e representações adotadas para a série
Disseminando Liberdade.
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Do alto de um prédio, observava a cidade. O pé direito revelava uma
vidraça imensa no andar em que me encontrava e dali, através daquela lâmina de
vidro, podia ver boa parte da cidade. Era um dia normal e dali observava o
movimento dos carros, das pessoas, do vento. Ao tirar o foco do olhar da parte
inferior da cidade e fixar os olhos no céu, de um azul profundo, imensos pássaros de
plumagem iridescente (furta-cor e parecida com joias, segundo o Prof. Sandro
Zanon) surgiram.
Eram semelhantes a beija-flores e invadiram o céu, voando
elegantemente. O episódio era uma revoada de cores nas asas, plumagens e
detalhes até que toda a paisagem urbana que podia observar tinha sido tomada
pelos pássaros-cintilantes gigantes. Suas cores podem ser definidas como
iridescentes1. O jogo de figuras abaixo situa visualmente o leitor a respeito da figura
das aves no sonho:
Figura 6 – Pássaros conhecidos com plumagem iridescente – Beija-flor, algumas aves do campo e pavões/faisões.
Fonte: Stock Photos/2010
Maiores que uma pessoa, eles revoavam sobre os principais pontos
de Campo Grande, tocavam com seus bicos os prédios e coloriam a cidade. Um
deles parou à frente da vidraça e refletido nela, voou próximo do local em que me
encontrava, mostrando todos os seus detalhes. Aquela ave, ali, em primeiro plano,
transformava a cidade e os demais pássaros em uma massa de detalhes sem
importância: suas cores, suas formas eram o foco do olhar. Não havia como fugir,
retirar os olhos daquela figura. A ave se afastou e todos os pássaros cintilantes se
reuniram em um espiral colorido voador, como se combinassem a hora da retirada e,
em um piscar de olhos, não estavam mais ali.
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As aves de sonho deste projeto partem de um referencial detalhista
geral e, aos poucos, desvencilham-se das particularidades das espécies conhecidas,
até assumirem o perfil de um ser surreal, seja em tamanho, forma ou cor. Esse jogo
de ser, parecer e unir características possíveis e impossíveis – a exemplo, o porte da
ave – tem a ver com a construção de um caminho inverso ao apresentado por
Dondis (2007), abaixo, ao mostrar o percurso da construção da realidade, quando
diz:
A realidade é a experiência visual básica e predominante. A categoria total do pássaro é definida em termos visuais elementares. [...] A ideia geral de um pássaro com características comuns avança até o pássaro específico através de fatores de identificação cada vez mais detalhados. Toda essa informação visual é facilmente obtida através dos diversos níveis da experiência direto do ato de ver. Todos nós somos a câmera original. [...] Não há dúvida de que, em ambas as áreas, o artista e a câmera são detentores de uma destreza especial (DONDIS, 2007, p. 87).
A presença de uma coletânea de imagens para posicionar o leitor a
respeito da iridescência e diferenças sensoriais dos pássaros reais e sonhados tem
a ver com a inserção teórica do percurso de modificação que a arte realizará nos
pássaros de sonho: similares a beija-flores, possuem características e formas
peculiares que podem, em dado momento, afastá-los dessa espécie e, ainda que
tenham a coloração similar a joias, tão comum em faisões e pavões, em nada mais
com esses se assemelham.
1 Capazes de dividir a luz em cores ou, para Michaellis (2010), refletir/ mostrar as cores do arco-íris.
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2 PROCESSO CRIATIVO
Assim, sem mexer no time, sem mexer com o corpo, sem mexer
com a criatividade, sem mexer com as emoções, vamos congelando alma (ANGELA
PHILIPPINI).
O processo criativo pode ser definido como o ato de dar a forma, de
fazer uma proposta que antes era apenas ideia, materializar-se. Philippini (2004)
mencionou que uma das funções da arte é trazer os conteúdos internos daquele que
a produz, servindo como veículo para que sentimentos, emoções e pensamentos
sejam extravasados – conteúdos esses que não necessariamente estão em
períodos cobertos pela memória consciente. A arte é um instrumento, um recurso
humano para a expressão desde as eras mais antigas e a liberdade de expressar-se
e criar é uma maneira de fazer ouvir a voz cultural, de preservar esta identidade às
gerações. Mas isto ocorre em um processo, em fases, etapas.
Este capítulo trata sintaticamente das fases desta materialização,
definidas por Ostrower (1985), como a transformação, elaboração da ideia inicial em
um processo dinâmico pelo qual a arte e a expressão transformam a matéria de
criação em objeto expressivo. Nessa intervenção, os processos são as vias de
transformação. A postura adotada para a produção aqui em muito tem a ver com a
arte terapia, dada por Philippini (2004, p. 23) como:
[...] experimentação de materiais diversos [...] em atmosfera acolhedora e protegida, [...] no despertar da sensorialidade, aguçando a sensibilidade, a percepção e permitindo a vivência de momentos mais soltos e lúdicos. [...] No reconhecimento de cada material expressivo, somos beneficiados por suas propriedades terapêuticas e teremos em consequência o desenvolvimento destas habilidades adormecidas.
O conjunto de obras denominado “Disseminando Liberdade” foi
construído com base na experiência de sonho, que conforme Silveira (1983) “[...] são
representações de acontecimentos psíquicos [...] sobrecarregados de fatores de
natureza pessoal.” (p. 119), apresentados conforme uma teia de acessórios que
visual e conceitualmente procuram contornar a sua ossatura. As fases da produção
foram separadas por telas e encontram-se descritas a seguir.
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2.1 Métodos e Fases da Produção
Durante as orientações e acompanhamento por parte da professora
responsável pelo projeto, foram desenvolvidas algumas das bases de telas que
compõem a mostra total. Para um melhor entendimento dos processos da obra e
das etapas de produção que foram repetidos sistematicamente em cada tela,
apresenta-se um passo-a-passo ilustrado da pintura Mãos Livres:
Figura 7 – Esboço em traço de uma das telas (Mãos Livres)
Fonte: arquivo particular da artista.
Figura 8 – Algumas fotos e referências utilizadas para o desenho, pintura e composição de fases dos
quadros: anatomia da mão humana e olhar. Fonte: arquivo particular da artista.
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Figura 9 – A artista durante um dos processos utilizados para o desenvolvimento da tela (uso do retroprojetor)
Fonte: arquivo particular da artista.
Figura 10 – Etapas do desenvolvimento da tela Mãos Livres Fonte: arquivo particular da artista.
O processo geral de produção, semelhante para todas as telas, foi
pautado nos seguintes passos:
a) Desenho e definição livre da cena a ser retratada, através de esboços à mão
livre ;
b) Produção de fotos (fotografia de cenas ou situações específicas) e/ou busca na
internet de imagens para a composição das bases que formariam as imagens
retratadas nas telas;
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c) Montagem digital das cenas a serem ilustradas através dos softwares Microsoft
PaintBrush e Adobe Photoshop;
d) Tracejamento do desenho e repasse para a tela com apoio de projeção das
cenas, com um aparelho de Datashow;
e) Acabamento e fechamento das pinturas com o apoio de computador e
maximização das imagens para a captura de detalhes e aplicação de detalhes;
É importante citar aqui o papel do suporte do microcomputador no
desenvolvimento das pinturas. Lado a lado com a tela, o recurso permitiu que
imagens fossem ampliadas ao máximo detalhe, facilitando a reprodução e
melhorando o resultado final. Para que o objetivo de realismo fosse atingido, ainda
que em situações surreais, uma série de fotografias foi tirada para respaldar a artista
sobre a anatomia ou movimentos humanos pretendidos. A produção de fotos foi
importante porque permitiu não apenas um realismo mais apurado, mas também
maior domínio sobre as representações de luz e sombra existentes na proposta de
cada tela.
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3 A SÉRIE DISSEMINANDO LIBERDADE
Neste capítulo são apresentadas as obras que surgiram de um
sonho, uma sequência colorida e movimentada de fatos que mostraram, na
realidade da cidade (Campo Grande), uma sucessão de eventos revestidos de
simbolismo, magia e cores.
A série Disseminando Liberdade é fruto não somente dessa
experiência onírica, mas da realização de um projeto pessoal: transformar o
simbolismo dessa experiência em um processo de evolução em arte.
O sonho que trouxe a ideia da série foi repleto de sentidos pessoais,
mas que também, de certa forma, tinham significados universais e poderiam ser
experimentados com a mesma emoção e sentimentos por muitos outros: as asas, o
sentido de liberdade dos pássaros, as misturas suaves e contrastantes de cores e o
desejo de desligamento e quebra da realidade não são nem foram experiências
unicamente pessoais, mas fazem parte do inconsciente coletivo em um ou outro
momento.
O primeiro plano das obras apresenta o olhar da liberdade, a
visualização da explosão de cores e falta de vínculo realístico dos pássaros em uma
revoada atípica sobre uma cidade, que vivia seu cotidiano.
As cenas dos cinco primeiros quadros, especialmente os primeiros,
mostram a visão, o encantamento, quando ainda não se é parte dessa explosão.
Em segundo plano, está o envolvimento com a proposta, a imersão
na surrealidade, quando aquela que olha, de repente, toma parte nos sonhos. Uma
amostra rápida que explica àquele que vê: a antes expectadora foi envolta no sonho
e agora, é e toma parte ativa nele; não mais apenas olha e deseja a liberdade, mas
foi contagiada pela sua disseminação e levada por um dos pássaros, a um passeio
surreal pela cidade, em um balanço carregado por frágeis pés que, no mundo real,
sequer poderiam imaginar tal esforço. O quadro final, em etapa de produção quando
do fechamento deste documento mas devidamente apresentado na mostra de
resultados, ilustra, no voo pela cidade da observadora central, a imaterialidade da
liberdade e o seu sentido.
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O eixo central das propostas são os pássaros, cujo sentido Borges
(2008) descreve de modo pleno, incorporando à visão psicanalítica aspectos
históricos e sentidos construídos no desenvolvimento humano:
Simboliza de modo geral as entidades psíquicas de carácter intuitivo e mental, pois é considerado como uma entidade sem corpo e alada. É um apropriado símbolo da transcendência. Pode ainda estar representando o SELF que surge como um princípio único, uma intuição da totalidade oriunda das profundezas do inconsciente. Por vezes é associado aos pensamentos autónomos que nos surgem para depois desaparecerem com relativa autonomia. É uma intuição profunda, a verdade invisível que se auto realiza. Na alquimia, o pássaro encontra-se vinculado ao medo da morte, à separação da alma do corpo, que é a Sublimação definitiva; sendo que existem representações medievais em que a alma deixa o corpo do morto em forma de pássaro. Nos tratados alquímicos, aparece como um guia em direção à experiência interior e os alquimistas consideravam-no como formas gasosas de matéria sublimada, de forma que os espíritos, os vapores e as substâncias evaporadas eram simbolizados por eles, usando representações distintas das suas espécies. O pássaro SIMORG é um pássaro mitológico de imensas proporções e de cor preta que representa a alma coletiva de todas as aves. Na mitologia germânica, os pássaros pertencem a Wotan e na mitologia greco-romana a Apolo sendo que uma das suas características seria a capacidade de profetizar. Possui ainda o simbolismo de ser um anjo (BORGES, 2008, s.p).
As obras apresentam inúmeros momentos de síntese da surpresa e
deslumbramento ante a invasão e descoberta dos passados, uma inusitada revoada
multicolorida e de tamanho avantajado. O self (eu) do observador se sobrepõe,
através das constantes reproduções de rostos ou olhos ampliados, que simbolizam o
engrandecimento e unicidade da experiência que aquela visão traz ao observador,
com o avistamento de representantes da liberdade.
Geralmente, quando a cidade aparece nas telas, isso ocorre de
modo unicolor, da mesma forma que o céu, para evidenciar o brilho existente entre
os personagens pluritonais (observadores ou partes observadoras ou em êxtase do
corpo humano e os pássaros).
A reversão de papeis é também uma condição notável: como não
raramente as aves são feitas cativas, nesse caso, o sentido de cativeiro na maior
parte das telas é remetido ao homem, que se engrandece para tentar se libertar e se
igualar aos representantes da liberdade que deseja.
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Buscou-se dar realismo fotográfico aos olhos e mãos,
especialmente, porque significam o ver e o tocar. Refletem a experiência de
avistamento no momento de encanto que o observador capta a imagem de seu
desejo, a liberdade.
Os pássaros, algumas das vezes, refletem-se nas pupilas (centros
oculares) e colorem o seu preto, simbolizando o poder da liberdade de preencher de
cores até mesmo os espaços reconhecidamente monocromáticos bastando, para
tanto, a sua visualização.
Os olhos apresentados nas obras apresentam uma certa expressão
melancólica, que refletem o sentido do inatingível por sua visão, algo que no primeiro
avistamento era tido como realidade. A observadora deseja obter aquela liberdade,
mas naquele momento da retratação, apenas pode observá-la.
Então, melancolicamente deseja ter o que acredita não ser seu. As
cores que tingem os representantes da liberdade (os pássaros) nas obras são
iridescentes, mudam conforme o olhar e a luz daquele que as observa, assim como
a visão da vida e de mundo. Dessa forma, o que temos é uma representação gráfica
da mutação humana do “o que é liberdade”, sentido individual que colore os
pássaros, campo físico de sua representação.
Por fim, a luz aplicada aos quadros representa outro aspecto importante: ela
ilumina a observadora ou as mãos que desejam tocar o intangível, focalizam e
destacam a razão do voo de liberdade. Sustentando esse destaque, contrapõem-se
as cores dos pássaros que, conforme a sua disposição e efeitos, simbolizam os
distintos significados da liberdade para cada pessoa e, no todo, para o mundo.
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3.1 A Série
Figura 11 –Liberdade sob o olhar da cidade – Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.
Figura 12 – Êxtase - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.
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Figura 13– Revoada - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.
Figura 14 – Mãos Livres- Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.
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Figura 15 – Passagem livre - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista
Figura 16 – Experimentando liberdade - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desenvolver uma série de pinturas foi um trabalho bastante
desafiador. Da experiência coletada na produção de Disseminando Liberdade, para
muito além da realização artística de obter uma seção de telas, extraíram-se
recursos importantes que têm a ver com prática e disciplina.
A pintura, mais que inspiração, exige empenho, pesquisa e uma
metodologia consistente para o seu desenvolvimento.
Em busca de ilustrar o sonho e a liberdade, foi empreendida uma
pesquisa profunda a respeito das formas de representação destes elementos e
sobre a história do movimento surrealista, mais complexa e densa que apenas a
manifestação na pintura.
A exigência da técnica, que busca reproduzir o máximo da realidade
em construções que extrapolam seus limites requer pensamento criativo, tempo e os
resultados, para serem satisfatórios, requerem empenho.
Na busca e levantamento teórico a respeito do surrealismo e de
suas bases, não houve problemas maiores relacionados a disposição de conteúdo
ou dificuldades de busca: a temática é bastante abundante nesse sentido. O maior
desafio foi a descoberta gradativa das técnicas para a pintura, em busca de
representar o mais fielmente a realidade em um cenário cujas proporções a
desafiavam.
A seleção poética e teórica realizada para desenvolver este estudo
foi feita pelo interesse de conhecer mais a respeito do simbolismo envolto nas
representações surrealistas. A partir do conhecimento sobre como as formas, cores
e disposições, bem como sobre de que maneira o conteúdo dos sonhos pode
ganhar voz, foi feita a adoção pelas técnicas e materiais.
O óleo sobre tela foi selecionado por permitir, dentro dos domínios
da artista, a realização de reproduções mais proximais das proporções e cores da
realidade.
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A produção de uma obra surrealista em um momento em que
provavelmente seria mais comum a opção pela arte ou expressão contemporânea foi
uma forma de realizar um desafio técnico e aperfeiçoar os conhecimentos na
produção visual.
Assim como o sonho que já estava presente há algum tempo
apresentava um universo diferenciado, o qual apenas o surrealismo permitiria essa
aproximação, o interesse de aperfeiçoamento técnico e teórico pediam por esse
caminho.
Disto, depreende-se que o objetivo de desenvolver uma experiência
baseada na prática da arte visual foi atingido, manifesto através da apresentação da
série em questão.
O contato com as técnicas e métodos de produção também foi
positivo, dado o trabalho desenvolvido no levantamento bibliográfico e documental.
A respeito dos objetivos específicos, pode-se concluir que:
O estudo da forma e maneiras de representação de pássaros e
pessoas foi cumprido em uma linha gradativa de progresso: da primeira a última
representação, é possível perceber alguns avanços nas técnicas de coloração,
proporção e efeitos de luz e sombra que colaboram e se aproximam cada vez mais
da proposta surrealista;
A realização de uma produção intimista, ao final da série, acreditou-
se possível ao passo que as telas apresentam um universo simples, belo mas
surreal. A familiaridade dos cenários, os espaços vivenciados no cotidiano da cidade
auxiliam essa intimidade com o observador, sendo os caminhos de aproximação
selecionados;
Por fim, o convite à ressignificação acredita-se realizado, dado ao
fato de que o observador pode, a seu critério e conforme seu repertório preexistente,
empreender um processo interpretativo sobre cada cenário ou situação, posto que a
arte é feita do universo dos olhos não daquele que a produz, mas daquele que a
recebe.
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