na contramÃo da cidadania: os desafios do ensino profissionalizante na luta de classe
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História do Ensino Profissional no BrasilTRANSCRIPT
NA CONTRAMÃO DA CIDADANIA: OS DESAFIOS DO ENSINO
PROFISSIONALIZANTE NA LUTA DE CLASSE
WALLACE MELO BARBOSA
SINPRO/PE CTB/PE - FITEE
Certa vez o filósofo Adorno, escrevia que “em casa de carrasco não se deve lembrar a
forca para não provocar ressentimento”. Uma frase que, mesmo sem relações com o
contexto original dos escritos do citado pensador neomarxista, se enquadra perfeitamente
nos objetivos de debater os princípios estruturantes do ensino profissional no Brasil e
suas atuais políticas, à luz dos processos históricos de consolidação desta modalidade de
ensino. Dessa maneira, debater sobre as bases norteadoras do ensino profissional deve
ser para a classe trabalhadora uma forma de provocar ressentimento, mobilização e
denuncia ao contexto de precarização e reprodução de valores propagados pelas classes
hegemônicas, uma vez que por razões obvias, não trazem a baila tal debate já que não
faz parte de seus interesses que certas contradições sejam notadas.
Nessa perspectiva, o roteiro a qual o texto se estrutura parte inicialmente da análise
histórica do ensino profissional no Brasil a fim de se formular uma crítica de teor classista
em paralelo a defesa de uma proposta mais avançada para tal modalidade de ensino,
entendendo que essa formação é um campo estratégico para a constituição de uma
classe trabalhador consciente de seu papel na construção de um projeto nacional de
desenvolvimento e capaz de reafirmar a educação como um direito social e não como um
serviço mercantilizado ou mero processo de formação de mão-de-obra.
Partindo para uma contextualização histórica, é sabido que após o advento da Revolução
Industrial, o trabalho passa a ser relacionar de maneira mais nítida com a tecnologia e a
qualificação intelectual, porém com o foco voltado aos interesses produtivos. E a
necessidade de formar profissionais capazes de manusear as máquinas e as novas
tecnologias das fabricas favoreceu o surgimento dos primeiros cursos profissionais,
organizados no contexto industrial e instalados no próprio local de trabalho. Essas
primeiras iniciativas foram patrocinada pelo próprio patronato e eram focadas
exclusivamente para atender a lógica da produção, corroborando de uma certa forma,
com a separação de dois tipos distintos de formação educacional, uma voltada à classe
trabalhadora e outra voltada às elites.
No Brasil, a educação profissional teve inicio ainda na colonização, com a instalação das
Corporações de Ofícios, no qual homens livres podiam aprender certas profissões que os
diferenciavam das funções desempenhadas pelos escravos. Posteriormente, influenciado
pelas transformações provenientes da vinda da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808 com
a retomanda da abertura de novas fábricas e por consequente o ensino voltado a
formação de profissionais. Nesse período, “os espaços de ensino e trabalho se davam no
interior dos arsenais militares e da marinha, onde os “desvalidos” eram internados e
postos a trabalhar por alguns anos até se tornarem livres e escolher onde, como e para
quem trabalhar” (CANALI, 2009). Temos aqui as Escolas Fábricas, onde é oportuno
afirmar que os princípios dessas instituições atendiam notoriamente aos interesses da
elite econômica e que foram as principais referências para a instalação do ensino
profissional nos anos seguintes. No império, o ensino profissional foi ofertado com maior
intensidade após as instalações dos Liceus, instituições de ensino fundadas através dos
interesses particulares e só posteriormente que passaram a receber recursos públicos.
É importante apontar esses recortes históricos, uma vez que, nos permitem visualizar os
interesses que são postos enquanto os princípios da formação profissional e o quanto
estão estritamente ligados aos objetivos dos seus financiadores. Não erramos ao avaliar
que os tempos coloniais à república, a conveniência das elites sempre se colocaram
como prioridades nos processos de definições sobre o escopo da formação profissional.
Ainda no século XIX, com o advento da modernização da economia, principalmente
devido aos investimentos provenientes do ciclo do café, as novas técnicas de produção
penetraram nas terras brasileiras, e ao mesmo tempo que integrou o país à dinâmica do
capital internacional, estancaram-se na tradicional fonte de trabalho escravo. E os barões
do café, se constituindo como classe dirigente desse período, enfrentaram a necessidade
de formar mão-de-obra incentivaram a formação de uma nova classe trabalhadora
tomando como referência os valores da burguesia industrial europeia.
Nas primeiras décadas do período republicano, foram fundadas 19 Escolas de Aprendizes
e Artífices através do Decreto 7.566/1909 onde o Estado passou a ofertar o ensino
profissional primário e gratuito. Os recursos públicos destinados à essas escolas eram
provenientes do Ministério da Agricultura, Insdústria e Comércio, instituição pautada pelos
interesses das elites nacionais. Nessas escolas, o aprendizado era marcado por
atividades voltadas a conhecimentos mais empíricos e com pouca reflexão teórica.
Geralmente essas instituições eram meros espaços formadores de uma classe
trabalhadora mecanizada e com uma débil ou inexistente capacidade reflexiva de
consciência de classe. Segundo Saviani apud Canali, “as políticas pertinentes a educação
profissional objetivavam atender às demandas do processo de industrialização e do
crescimento ascensional da população urbana”. E esses fatos nos levam a perceber que
os valores inclusos no processo de formação profissional atendem nitidamente aos
interesses de seus financiadores diretos e indiretos e são voltados para o atendimento de
demandas pragmáticas e sem preocupações com uma qualificação profissional que traga
autonomia as trabalhadores.
A continuidade nas transformações inerentes à indústria e a urbanização continuam no
início do século XX einfluenciando diretamente na modernização da produção e que em
dado momento, era marcado por um contexto de crescimento demográfico, e
consequentemente com uma abundante oferta de mão-de-obra. Porém, essa
configuração não levou a formação qualificada do trabalho.
Durante a década de 1940, a Reforma Capanema (1942/43) foi responsável pela
separação de duas modalidades de ensino, o profissional e o superior, onde a primeira
era destinada as classes sociais mais pobres, e a segunda às elites. Foi nesse momento
que surgiu o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), instituição que até os
dias atuais, representa o que é mais conservador no processo de formação dos
trabalhadores.
É válido citar que em ambas as modalidades de ensino (superior e profissional), os
recursos públicos e privados investidos, só reforçavam princípios que legitimavam a
intenção de se forjar uma formação profissional com um perfil focado apenas na
produtividade, no adestramento da classe trabalhadora, na adaptação às diversas formas
de exploração e na incapacidade de fazer com que o trabalhador compreenda sua
realidade social, econômica, política e cultural.
E diante dessas considerações, podemos avaliar que as bases do ensino profissional no
Brasil foram construídas principalmente em períodos marcados pelo desenvolvimento
econômico e pela necessidade de mão-de-obra. Dessa maneira, educação e trabalho são
tomados como aspectos políticos e postos em um ambiente marcado pelos interesses das
classes hegemônicas. Destarte, torna-se imperioso que a classe trabalhadora construa a
crítica e oposição ao então modelo de formação profissional alicerçado pelos cânones do
sistema capitalista, no qual as escolas mais uma vez tornam-se legítimos aparelhos
ideológicos para a reprodução de valores oriundos da elite dominante, havendo assim
uma forte associação entre formação profissional e subserviência aos interesses do
capital econômico, acarretando em uma forma prejudicial de aprendizado e formação
mecanizada, impregnados por ideologias conservadoras e contrárias à organização da
classe trabalhadora.
Nessa conjuntura, torna-se evidente que debater a formação da classe trabalhadora é
primeiramente perceber os projetos educacionais e interesses postos na quadra do capital
e do trabalho, e a partir daí, formular uma crítica ao predomínio de um método de
educação empresarial e alienante que evidentemente se consolida como obstáculo para o
estabelecimento de uma educação plena, libertadora e capaz de transformar o indivíduo
em agente protagonista de um ciclo histórico de desenvolvimento. E por fim, nos resta
tomarmos decisões mais avançadas, abrir mão do conformismo e unificar forças e
experiências para ousarmos e avançarmos no fortalecimento das tranformações sociais.
Referências Bibliográficas:
CANALI, Heloisa Helena Barbosa. A trajetória da educação profissional no Brasil e os desafios da construção de um ensino médio integrado à educação profissional. In: SIMPÓSIO SOBRE TRABALHO E EDUCAÇÃO, 5., 2009, Pará. Anais eletrônicos. Pará: UFPA, 2009. Disponível em: <http://www.portal.fae.ufmg.br/simposionete_old2/sites/default/files/CANALI,Heloisa.pdf>. Acesso: 5 nov. 2013.
DIEESE. Qualificação profissional e mercado de trabalho: reflexões e ensaios metodológicos construídos a partir da pesquisa de emprego e desemprego. São Paulo: DIEESE, 2011.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Ed. 6ª. S. Paulo: Civilização Brasileira, 1998.
MÉSZAROS, István. A educação para além do capital. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.