neuro eurofarma 2-12 (2)
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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 1
Sem dúvida existe hoje uma demanda cada vez maior dos serviços psiquiátricos noBrasil e no mundo. Preconceitos e mitos caem pela galopante evolução da Psiquiatriae a busca dos especialistas vem aumentando mais que a paralela formação dos espe-cialistas.
A primeira consequência deste fenômeno é que a Psiquiatria, e algumas poucasoutras especialidades médicas mostraram um crescimento científico profundo e de-talhado, principalmente em pesquisas e em modernidade. Começando pelareformulação dos conceitos e dos critérios de diagnóstico, que resultarão numa pró-xima edição do DSM-5, os quadros patológicos se definem melhor, permitindo odetalhamento progressivo das patologias nesta especialidade.
A imediata resposta vem da ampliação consequente dos esquemas terapêuticos,hoje cada vez mais exatos e precisos, em função da observação de diferentes verten-tes de conhecimentos utilizadas para o aprimoramento do diagnóstico. Cada vezmais o médico tem condições de detalhar o quadro clínico do paciente, resultandonuma melhor abordagem terapêutica.
A presente edição é um exemplo desta evolução para a modernidade. Falar se hojedo Transtorno Afetivo Bipolar já não se baseia mais na limitação do diagnóstico. E,como tão bem o abordam estes artigos, o Transtorno Bipolar é hoje considerado o“Espectro Bipolar”, pois muitos quadros limítrofes foram abrangidos por um diagnós-tico mais amplo, permitindo melhor o entendimento e a busca de soluções terapêuti-cas. Esta busca de melhores soluções tem como consequência imediata a procura demedicamentos cada vez mais específicos. O que representa, em última instância,uma evolução cada vez maior da Psiquiatria.
Falando do diagnóstico do Espectro Bipolar, além da sintomatologia clínica, a evo-lução de cada paciente pode ser mais bem individualizada se levarmos em contatambém os aspectos da personalidade. E o entendimento da personalidade, mesmoem níveis inconscientes, inserida num todo de vivências e de ações ambientais, podeser visto a partir de enfoques analíticos. Assim vem abrindo-se horizontes mais am-plos , que permitem uma adequação melhor do tratamento a cada caso clínico emparticular. Nem sempre colocar de lado as técnicas clássicas e tradicionais é válido, jáque estas sempre incorporaram mais elementos aos diagnósticos clínicos, permitin-do que realmente cada paciente pudesse ser entendido como um universo próprio,com sua doença, mas com toda uma personalidade consciente e inconsciente, que,no mínimo, altera a sua resposta à terapêutica instituída.
Um os principais grupos terapêuticos no controle das fases de mania e de hipomaniados quadros do Espectro Bipolar são os antipsicóticos. Uma necessidade imperiosano controle dos pacientes, tanto com sintomas positivos quanto os com sintomasnegativos.
Estes partem desde a tradicional, e ainda usada, clorpromazina até os medicamen-tos de última geração, cujos efeitos terapêuticos se observam desde o início da suaadministração. A adequada seleção dos mesmos, cada um mais apropriado a cadacaso, permite a recuperação mais rápida, mais eficiente e com menos efeitos colaterais.
Qual destes deverá ser usado vai depender do quadro clínico de cada paciente e doobjetivo que o psiquiatra traça quanto à sua recuperação. Escolhendo, por outro lado,o mais eficiente, mas também o que menos efeitos colaterais apresentem. Estes efei-tos colaterais, quando não bem explicados e entendidos de parte a parte, o médico eo paciente/familiares podem ser um obstáculo ao tratamento. Daí a necessidade deuma comunicação adequada entre ambas as partes.
E, por falar dos psicóticos atípicos, hoje um realce na moderna Psiquiatria, a pato-logia que também mais se beneficiou com estes avanços terapêuticos foi a clássicaesquizofrenia, conhecida historicamente e descrita por autores de todos os tempos.Pela relativamente alta prevalência entre as psicoses, o estudo da terapêutica daesquizofrenia pela nova classe de antipsicóticos mais modernos, sempre permiteadicionar novos conhecimentos aos que já possuímos, abrindo os esquemas em usopara a luz da modernidade.
Dr. Vladimir Bernik
edit
ori
al Publicação damoreira jr. editora ltda.
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Abertura de conceitos ampliaestratégias terapêuticas
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Destaque
Esquizofrenia: antipsicóticos atípicosItiro ShirakawaMarcel H. Kaio
Destaque
Transtorno afetivo bipolar. Atenção às diferençasJosé Gilberto Franco
Destaque
Transtorno de humor (afetivo) bipolar - TABRicardo Cezar TorresanFlorence Kerr-CorrêaGabriel Savi Coll
Artigo comentado
Memantina na doença de Alzheimer moderadaa graveRenata Areza-Fegyveres
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Eficácia comparativa e aceitabilidade de12 antidepressiv]os da nova geração:uma meta-análise de múltiplos tratamentosElisa Brietzke
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Um passo adiante
RBM-Neuropsiquiatria em busca do aperfeiçoamento contínuo
do seu conteúdo para oferecer ao médico o que de melhor a
medicina vem oferecendo nesta área, inicia uma fase mais di-
nâmica de apresentação de suas matérias. É um passo adiante
no aprofundamento das patologias vinculadas à neuropsiquia-
tria.
Neste número, em entrevista concedida à jornalista Branca
Ferrari, o Dr. José Gilberto Franco amplia o horizonte de abor-
dagem do Transtorno Afetivo Bipolar, comentando aspectos
cruciais do diagnóstico para uma boa evolução do tratamen-
to. Ainda na área do Transtorno Afetivo Bipolar, o Dr. Ricardo
Cezar Torresan, Dra. Florence Kerr-Coorrêa e Dr. Gabriel Salvi
Coll tratam questões pertinentes às causas, diagnóstico e tra-
tamento, com destaque para o fato de que atinge igualmente
homens e mulheres de qualquer raça e está associado a pre-
juízos psicossociais e profissionais importantes.
Já o Dr. Itiro Shirakawa e Dr. Marcelo Kaio falam do tratamento
da Esquizofrenia com antipsicóticos atípicos, oferecendo reco-
mendações básicas, indicações e efeitos adversos dos medica-
mentos em uso no país. Chamam a atenção para as conse-
quências psicológicas e sociais devastadoras deste transtorno
tanto para seus portadores como para seus familiares.
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20124 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20124
RBM - Entre as psicoses como é classificada a es-quizofrenia?
A esquizofrenia é a mais comum das psicoses crôni-
cas1. Manifesta-se em aproximadamente 1% da popula-
ção, principalmente no sexo masculino e em indivíduos
jovens, estando presente em todas as culturas, regiões
geográficas e estratos sociais. Sendo um transtorno men-
tal de evolução crônica gera, comumente, consequên-
cias psicológicas e sociais devastadoras, tanto para seus
portadores quanto para seus familiares, ceifando sonhos
e aspirações de boa parte deles.
Muitos pesquisadores contribuíram, com o passar dos
anos, para a melhor compreensão da doença. Emil
Kraepelin (1896) enfatizou os aspectos processuais da
patologia, Eugen Bleuler (1911) se notabilizou na defini-
ção dos sinais e sintomas típicos, Kurt Schneider (déca-
da de 30) descreveu os sintomas de primeira ordem, que
retratavam a vivência psicótica em si.
Além desses avanços na descrição psicopatológica da
doença, pôde-se também observar, mais recentemente,
uma importante evolução nas áreas de neurobiologia,
neuroimagem e neuropsicologia. A psicofarmacologia,
em especial, vem contribuindo decisivamente para a
melhoria da clínica e do atendimento aos portadores de
esquizofrenia.
RBM - O que mudou no tratamento da doença aolongo do tempo?
A era moderna do tratamento dos transtornos psicóti-
cos se iniciou em 1952 com o descobrimento das propri-
edades antipsicóticas da clorpromazina e seu efeito na
melhora dos sintomas da doença. Inicialmente a clorpro-
mazina foi denominada como fármaco neuroléptico (do
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Esquizofrenia:antipsicóticos atípicos
Itiro ShirakawaProfessor titular do Departamento dePsiquiatria da Universidade Federal de SãoPaulo da Escola Paulista de Medicina(UNIFESP-EPM).
Marcel H. KaioPós-graduando do Departamento dePsiquiatria da Universidade Federal de SãoPaulo da Escola Paulista de Medicina(UNIFESP-EPM).
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 5revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 5
grego neuron e lepsis, em referência a “contenção do
sistema nervoso”), termo utilizado para descrever seus
efeitos inibitórios centrais sobre a psicomotricidade.
Outros compostos antipsicóticos surgiram e, como a
clorpromazina, foram considerados pertencentes à clas-
se dos fármacos neurolépticos, na qual os efeitos tera-
pêuticos se apresentavam inseparáveis dos sintomas
extrapiramidais (SEP), efeitos secundários indesejáveis
produzidos pelos mesmos2.
Todavia, o maior benefício desses medicamentos foi
ter viabilizado a transformação da esquizofrenia em do-
ença ambulatorial – até então ainda muito vinculada à
institucionalização crônica – e possibilitado aos seus
doentes usufruir de outras técnicas terapêuticas, como
hospitais-dia e centros de atenção psicossocial. Permi-
tiu, também, uma melhor reinserção familiar, reintegra-
ção social e laborativa desses pacientes.
No panorama atual, o desenvolvimento de novas me-
dicações tem priorizado, principalmente, a melhora glo-
bal dos portadores da doença. Observava-se na prática
clínica que o tratamento com os antipsicóticos clássicos
(de primeira geração) se restringia apenas ao controle
dos sintomas positivos (ou produtivos) da esquizofrenia
e não propiciava melhora dos sintomas negativos da
doença. O parkinsonismo medicamentoso induzido pela
diminuição da transmissão dopaminérgica no sistema
nervoso (através do bloqueio de receptores de dopami-
na no sistema nigroestriatal) dificultava a adesão de pa-
cientes e familiares ao tratamento e contribuía para a
piora dos sintomas negativos.
RBM - Quais são esses sintomas positivos e negati-vos?
Entre os sintomas positivos da esquizofrenia estão os
delírios, as alucinações, a agitação psicomotora. Entre
os negativos se alinham o pensamento empobrecido, o
embotamento afetivo, o retraimento social.
RBM - Como foram contornadas as dificuldades?
O desafio que se colocava era como lidar com a rela-
ção intrínseca dos efeitos antipsicóticos das drogas, fun-
damentais para o tratamento e os consequentes efeitos
colaterais destas medicações, sem detrimento ao bem-
estar do paciente. O desenvolvimento dos chamados
antipsicóticos atípicos promoveu uma inversão na rela-
ção risco/benefício do tratamento com essas drogas con-
tornando aquelas dificuldades.
RBM - Quais os elementos essenciais ao diagnósti-co apropriado da esquizofrenia?
O diagnóstico precoce da esquizofrenia permite que
os impactos causados pela doença sejam evitados ou,
pelo menos, retardados. O conhecimento e a correta iden-
tificação dos sintomas ainda são as melhores estratégi-
as para se detectar as alterações geradas pela patologia
e, posteriormente, instituir-se o tratamento incisivo dos
surtos psicóticos.
A heterogeneidade da esquizofrenia, muito apontada
por Bleuler no início do século passado, tem sido com-
provada a partir das décadas de 80-90 por pesquisas
que procuraram identificar subtipos específicos que a
definam melhor, tendo se utilizado de técnicas avança-
das de neuroimagem, estatística e testes neuropsicoló-
gicos.
Dentre várias abordagens diagnósticas se destaca a
de Peter Liddle3, que no início da década de 90 sugeriu
uma abordagem dimensional da esquizofrenia. Tal abor-
dagem tenta estabelecer dimensões sintomatológicas, as
quais podem refletir mais facilmente a heterogeneidade
e a variabilidade clínica da patologia.
As abordagens categoriais, por outro lado, tentam di-
ferenciar subtipos da esquizofrenia dentro de critérios
sintomatológicos bem definidos, porém com uma des-
crição de corte transversal, ou seja, procuram classificar
um surto a partir de um conjunto de sintomas presentes
na fase aguda.
Vamos nos restringir à classificação dimensional de
Liddle que permite, de forma mais prática e objetiva, a
identificação dos principais sintomas da doença para o
clínico geral. Liddle distingue três formas principais de
esquizofrenia: a forma POSITIVA, que abrange delírios
(distorção da realidade) e alucinações; a forma DESOR-
GANIZADA, que compreende distúrbio da forma do pen-
samento, resposta afetiva inadequada, atitudes inade-
quadas/desorganizadas; a forma NEGATIVA, que inclui
discurso de conteúdo empobrecido, afeto embotado
(“achatado”), inibição psicomotora.
RBM - Quais são as recomendações básicas para otratamento?
Do ponto de vista farmacológico, os antipsicóticos de
primeira geração (típicos) bloqueiam os receptores do-
paminérgicos do tipo D2 existentes nos sistemas
mesolímbico, mesocortical, nigroestriatal e tuberoinfun-
dibular. Considera-se que a base do efeito antipsicótico
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está no bloqueio de receptores no sistema límbico; a re-
dução da atividade no estriado contribui para o surgi-
mento de sintomas extrapiramidais; que o bloqueio D2
no eixo hipotálamo-hipófise induz a hiperprolactinemia
e a diminuição da dopamina no córtex pré-frontal acar-
reta os sintomas negativos.
Já os antipsicóticos de segunda geração apresentam
como características diferenciais uma menor afinidade
pelo receptor D2 e maior afinidade pelos receptores 5-
HT2 de serotonina4.
Meltzer5 relata que quando a razão D2/5HT2 da atua-
ção de um neuroléptico for menor que 1, estamos diante
de um antipsicótico atípico, com menor possibilidade de
SEP, maior tolerabilidade e melhora dos sintomas nega-
tivos.
A serotonina, principalmente a localizada no sistema
límbico e em suas projeções corticais, está amplamente
relacionada às funções cognitivas e à manutenção do
humor. Este mecanismo de ação dos novos antipsicóti-
cos (menor bloqueio D2 e maior bloqueio 5HT-2) melho-
ra os sintomas positivos e os negativos – sintomas típi-
cos da esquizofrenia.
As justificativas para a relativa ausência de efeitos se-
cundários indesejáveis de alguns dos antipsicóticos atí-
picos parecem estar relacionadas à menor ocupação dos
receptores D2 (50%) e maior ocupação de receptores
5HT2. Estes também demonstram menor propensão para
provocar hipotensão e taquicardia, bem como efeitos
secundários anticolinérgicos (boca seca, obstipação in-
testinal, distúrbios de acomodação visual), provavelmente
devido à sua menor afinidade, respectivamente, pelos
receptores adrenérgicos (alfa-1 e 2) e receptores mus-
carínicos, quando comparados aos antipsicóticos de pri-
meira geração.
Os efeitos clínicos dos antipsicóticos atípicos estão
relacionados às suas propriedades farmacológicas e re-
fletem suas afinidades por vários receptores dos neuro-
transmissores. Por sua superior segurança em termos
de efeitos colaterais neurológicos, existe um consenso
crescente de que essa nova classe de medicação seja
utilizada como tratamento de primeira linha no tratamen-
to da esquizofrenia e deve ser a primeira escolha para
pacientes de primeiro episódio psicótico6.
RBM - Que critérios deverão orientar o médico naindicação dos antipsicóticos atípicos?
Seguir sempre o critério de dose recomendada para cada
droga, de acordo com o perfil do receptor (Tabela 1).
Tabela 1
Droga Dose Perfil de receptorrecomen- (afinidade por bloqueio)dada(mg/dia)
1 - Quetiapina 150-750 H1 > 5HT2 > alfa > D2
2 - Amisulprida 50-1200 D2 > D3 > D1
3 - Olanzapina 05-20 5HT2 > D > M > alfa > H1
4 - Risperidona 02-08 5HT2 > D > alfa > H1
5 - Clozapina 50-900* 5HT2 > D > alfa > M > H1
6 - Ziprasidona 40-160 5HT2 > D2 > 5HT1a
7 - Aripiprazol 15-30 5HT2
Bloqueio 5HT2: melhora de sintomas negativos.* acima de 600 mg/dia - risco de convulsão.Bloqueio D: efeito antipsicótico.Bloqueio M: efeito anticolinérgico.Bloqueio alfa: efeito hipotensor.Bloqueio H1: sedação.
RBM - E os efeitos colaterais?
Traçamos o perfil dos efeitos colaterais dos antipsicó-
ticos atípicos dentro do critério mostrado na Tabela 2.
RBM - É possível especificar as características decada um deles, indicações e efeitos adversos?
1. Risperidona. É um derivado dos benzisoxazoles com
efeitos antisserotoninérgicos (5HT2), antidopaminér-
gicos (D4, D1, D2 e D3) e antiadrenérgicos (alfa-1,
alfa-2) marcantes22, mas que não apresenta atividade
anticolinérgica. Quando utilizada em doses elevadas
(acima de 10 mg/dia) mostrou perfil de efeitos cola-
terais – particularmente com a presença dos sinto-
mas extrapiramidais – semelhante ao observado com
o uso de haloperidol. Sua meia-vida de eliminação é
de 20 a 22 horas.
Indicações
É principalmente indicada para os casos de esquizo-
frenia, tanto no tratamento dos primeiros episódios psi-
cóticos como nas reagudizações da doença ou no trata-
mento de manutenção. É indicada também nos transtor-
nos delirantes, transtorno esquizoafetivo, no controle dos
distúrbios do comportamento associados à demência
(agitação e agressividade, sintomatologia psicótica). Em
comparação aos antipsicóticos de primeira geração de-
monstrou ser mais efetiva na melhora de sintomas nega-
tivos23 e funções cognitivas específicas24.
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Posologia
Recomenda-se uma dose inicial de 1 mg ao dia, com
aumento de 1 mg/dia até se atingir a faixa terapêutica
de 4-8 mg/dia, em uma ou duas tomadas diárias.
Efeitos colaterais
Sedação, hipotensão postural, cefaleia, disfunções
sexuais, taquicardia, ganho de peso (a longo prazo), par-
kinsonismo (em doses acima de 10 mg/dia).
Contraindicações
- Gravidez e lactação.
- Insuficiência renal ou hepática grave.
2. Amisulprida é uma benzamida substituída, antago-
nista dopaminérgica de alta seletividade por recepto-
res do tipo D2 e D37, mas de pouca afinidade por
receptores de outros neurotransmissores. Não se tra-
ta de droga nova, porém sua indicação para o trata-
mento das psicoses é recente. Apresenta meia-vida
de eliminação de aproximadamente 12 horas.
Indicações
A amisulprida apresentou eficácia tanto em sintomas
positivos quanto em sintomas negativos da esquizofre-
nia. Em pacientes com predomínio de sintomas positi-
vos, doses mais altas da droga devem ser utilizadas (400
a 800 mg/dia)8. Já pacientes com sintomas negativos
devem receber doses entre 50 e 300 mg/dia, que se
mostraram mais efetivas que placebo9,10 e também capa-
zes de atuar em sintomas positivos leves. Doses acima
de 1200 mg/dia foram estudadas sem demonstrar van-
tagem em relação à dose de 800 mg/dia11.
Posologia
Dividir a dose diária em duas administrações ao dia.
Efeitos colaterais
Sedação, sonolência e galactorreia, mas tende ser bem
tolerada. Os sintomas extrapiramidais induzidos pela
amisulprida são doses-dependente.
Contraindicações
- Insuficiência renal (devido à sua excreção renal).
- Epilepsia (diminui o limiar convulsivante).
- Feocromocitoma.
- Gravidez e lactação (mães que necessitam ser medi-
cadas devem interromper amamentação).
3. Clozapina é uma dibenzodiazepina que apresenta afi-
nidade por receptores do tipo D1, D3, D4, colinérgicos
e serotonérgicos 5HT2a,c. Foi o primeiro antipsicóti-
co a tratar os sintomas da esquizofrenia efetivamen-
te, com riscos mínimos de provocar sintomas extra-
piramidais e aumento dos níveis de prolactina12,13. Tem
meia-vida de eliminação de 10 a 17 horas.
Indicações
A clozapina se mostrou mais eficaz que os antipsicó-
ticos de primeira geração no tratamento da esquizofre-
nia refratária14,15, sendo esta uma de suas principais in-
dicações. Seus efeitos terapêuticos vão além do controle
dos sintomas psicóticos: é efetiva para sintomas negati-
vos, déficits cognitivos específicos, comportamento sui-
cida16,17, além de também ser eficaz no tratamento da
doença bipolar refratária a tratamento18. Por apresentar
perfil bastante tolerável em relação à produção de sinto-
Tabela 2
Evento Típicos Cloz Risp Olanz Quetp Zipr Arip
SEP +/+++ ± ±/+++* ±/+* ± ±/+* ±/+
Discinesia +++ ± ±/+ ± (?) ± (?) ± (?) ± (?)
Sonolência ±/+++ +++ ± +‘ ++ ± ±
Prolactina +++ ± +++ ± ±‘ ± ±
Peso ±/++ +++ + +++ + ± ±
Dislipidemia ±/+ +++ + +++ ++ ± ±
Diabetes ±/+ +++ + +++ ++ ± ±
QTc ±/+++ ++ + + + ++ ±
Hipotensão ortostática ±/+ +++ ++ + ++ ± ±
* dose relacionado; ± mínimo; + leve; +++ marcante comparado a placebo.
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mas extrapiramidais é indicada para os pacientes que,
durante o uso de antipsicóticos convencionais, apresen-
taram SEP intoleráveis ou que desenvolveram discinesia
tardia. Pode ser também utilizada em pacientes portado-
res de doença de Parkinson que apresentem quadros
psicóticos quando em uso de levodopa. A clozapina,
porém, deve ser indicada após tentativas com pelo me-
nos dois dos antipsicóticos tradicionais e passagem pe-
los antipsicóticos de segunda geração, estes mais segu-
ros em relação ao risco de causar agranulocitose (devido
à toxicidade seletiva a leucócitos polimorfonucleares) em
0,8% dos pacientes expostos à clozapina por pelo me-
nos seis meses19,20.
Posologia
Iniciar com dose de 25 mg, com aumentos de 25 a
50 mg/dia a cada dois a três dias até se atingir a dose
terapêutica 200 a 500 mg/dia (média de 300 mg/dia)
após duas a três semanas, divididas em duas a três to-
madas diárias, para se minimizar os efeitos colaterais.
Em doses de até 200 mg/dia a administração pode ser
única, à noite. A dose máxima recomendada é de 900
mg/dia, embora poucos pacientes necessitem de doses
superiores a 650 mg/dia. As respostas ao tratamento
surgem após três meses de uso contínuo da droga, po-
dendo variar até dois anos, sendo preconizado, em ge-
ral, uma tentativa de pelo menos seis a nove meses de
uso21.
Efeitos colaterais
Sedação, hipotensão, taquicardia, constipação, convul-
sões (doses-dependente, acima de 600 mg/dia), ganho
de peso e leucopenia.
Contraindicações
- Leucócitos abaixo de 3.500/mm3.
- Doenças mieloproliferativas.
- História de granulocitopenia ou agranulocitose.
- Psicoses alcoólicas.
- Uso concomitante de carbamazepina.
- Gravidez e lactação.
4. Quetiapina. É uma dibenzotiazepina que se asse-
melha estruturalmente à clozapina e que interage
com ampla variedade de receptores: exibe alta afini-
dade pelos receptores tipo 5HT2 e 5HT6, H1 e alfa-1
e 2, bem como tem afinidade pelo receptor D2 do
sistema límbico. Tem meia-vida de eliminação de sete
horas.
Indicações
É eficaz no tratamento de sintomas positivos e negati-
vos da esquizofrenia. Tem sido considerada especialmen-
te vantajosa em casos de pacientes idosos com transtor-
nos psicóticos25, na psicose da doença de Parkinson in-
duzida por medicações26 e nas alterações de comporta-
mento de quadros demenciais.
Posologia
Apesar de apresentar meia-vida de eliminação curta,
pode ser administrada duas vezes ao dia, sem maiores
repercussões a seu efeito clínico27. Recomenda-se uma
dose inicial de 50 mg/dia com aumento gradativo: 100
mg/dia no segundo dia, 200 mg/dia no terceiro dia, 300
mg/dia no quarto dia até atingir 400 mg/dia no quinto
dia. Essa titulação favorece uma melhor tolerância dos
efeitos colaterais mais comuns na fase inicial do trata-
mento. Doses terapêuticas são, em média, de 150 a 400
mg/dia e, em situações mais graves, podem chegar a
750 mg/dia.
Efeitos colaterais
Sonolência, tontura, hipotensão, pode causar ganho
de peso.
Contraindicações
Gravidez e lactação.
5. Olanzapina. É um antipsicótico da classe dos tieno-
dibenzodiazepínicos que apresenta perfil farmacoló-
gico e estrutura química semelhante à clozapina28,
contudo não há indicações de que induza discrasias
sanguíneas como aquela droga. Age em receptores
D1 a D4, 5HT2, muscarínicos, adrenérgicos alfa-1 e
histaminérgico H1. A meia-vida de eliminação é de
30 horas, permitindo administração em dose única
diária.
Indicações
Pode ser utilizada no tratamento da esquizofrenia e
outros transtornos psicóticos, particularmente naque-
les pacientes que apresentaram alta incidência de sin-
tomas extrapiramidais e/ou discinesia tardia com ou-
tras medicações; ou em pacientes com sintomas nega-
tivos e depressivos predominantes29. A olanzapina já
tem uso aprovado para tratamento da mania aguda em
pacientes bipolares. As alterações comportamentais em
pacientes com demência também podem ser tratadas
efetivamente30.
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20128
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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201210
Posologia
A administração única diária facilita a adesão ao trata-
mento. A faixa terapêutica se encontra entre 5 e 20 mg/
dia. A dose inicial de 10 mg/dia é considerada bastante
tolerável para a maioria dos pacientes, não sendo reco-
mendada dose acima de 20 mg/dia.
Efeitos colaterais
Ganho de peso (não aparentando ser dose-dependente),
sedação, aumento assintomático das enzimas hepáticas.
Contraindicações
- Glaucoma de ângulo estreito.
- Gravidez e lactação.
6. Ziprasidona. Esta droga difere farmacologicamente
dos demais antipsicóticos atípicos por seu efeito ago-
nista em receptor 5HT1a e por inibição da recaptação
de serotonina e noradrenalina31. Tem meia-vida de
eliminação de três a dez horas.
Indicações
A ziprasidona se mostrou efetiva no controle de sinto-
mas positivos e negativos da esquizofrenia32, além de
benefício na prevenção de recaídas no tratamento a lon-
go prazo. Parece induzir menor ganho de peso se com-
parado aos demais antipsicóticos atípicos. Demonstrou
eficácia ao ser utilizada no controle dos sintomas da
mania em pacientes bipolares.
Posologia
A administração deve ser realizada em duas tomadas
por dia. A faixa terapêutica é de 80 a 160 mg/dia, podendo
iniciar-se o tratamento com 40 mg/dia, de 12/12 horas.
Efeitos colaterais
Sedação, náusea, obstipação intestinal e aumento do
intervalo QTc ao eletrocardiograma, dose-dependente
(QTc menor que 500 msec: sem relevância clínica em
indivíduos hígidos).
Contraindicações
- Pacientes com alterações cardíacas.
- Gravidez e lactação.
7. Aripiprazol. Derivado de quinolona, inaugurou uma
nova classe de antipsicóticos em face dos antagonis-
tas dopaminérgicos pós-sinápticos clássicos: possui
ação diferenciada por ser um agonista D2 e 5HT1a
parcial, porém com ação antagonista potente de re-
ceptores 5HT2a. Se caracteriza por não ser um blo-
queador dopaminérgico central e, sim, um modulador
ou estabilizador da função, ajustando seus excessos
ou deficiências onde se fizer necessário33,34. Tem meia-
vida de eliminação de 75 horas. É o mais recente an-
tipsicótico no mercado, com sua comercialização ini-
ciada em abril de 2003.
Indicações
O aripiprazol já demonstrou ser mais eficaz que place-
bo em estudos que avaliaram episódios agudos, preven-
ção de recaídas e melhora dos sintomas negativos e de-
pressivos. Pode, portanto, ser utilizado em quadros agu-
dos e crônicos da esquizofrenia e também nos transtor-
nos esquizoafetivos. A aplicação na mania aguda de paci-
entes bipolares foi também estudada com melhora signi-
ficativa dos sintomas e bom perfil de tolerabilidade35.
Posologia
A administração deve ser realizada em dose única di-
ária. A faixa terapêutica é de 15 a 30 mg/dia, podendo
iniciar-se o tratamento com 15 mg/dia, já considerada
dose efetiva.
Efeitos colaterais
Cefaleia, ansiedade, insônia.
Contraindicações
Gravidez e lactação.
RBM - Qual a sua avaliação final sobre os antipsi-cóticos atípicos?
Não há dúvidas de que os antipsicóticos atípicos repre-
sentam um avanço no tratamento dos transtornos psicó-
ticos, em particular, da esquizofrenia. Apesar de terem
custo muito mais elevado que os neurolépticos clássicos,
se considerada a proporção diante dos custos totais (dire-
tos e indiretos) da doença, os gastos são, na realidade,
modestos. Como o impacto da doença nas despesas dos
serviços de assistência à saúde (ambulatórios, hospitais
etc.) são substanciais, é muito provável que, cada vez mais,
programas de saúde mental, em especial, sejam
priorizados nos gastos ligados à saúde pública.
Tornam-se, então, necessárias pesquisas dos vários
fatores que podem estar relacionados à introdução e ao
uso mais disseminado dos antipsicóticos de segunda
geração na prática clínica, para que estes possam vir a
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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 11
beneficiar mais pacientes portadores das patologias psi-
quiátricas mencionadas36.
Vale salientar que o tratamento psicossocial da esqui-
zofrenia (psicoterapia individual ou de grupo, interven-
ção familiar, terapia ocupacional, programas de reabili-
tação social e profissional) é tão importante quanto o
tratamento medicamentoso. O trabalho em equipe mul-
tidisciplinar em muito otimiza e aumenta as possibilida-
des de controle da doença, de adesão ao tratamento e
de readaptação do paciente à sociedade37.
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Não há dúvidas de que os antipsicóticos
atípicos representam um avanço no tra-
tamento dos transtornos psicóticos, em
particular, da esquizofrenia. Apesar de
terem custo muito mais elevado que os
neurolépticos clássicos, se considerada
a proporção diante dos custos totais (di-
retos e indiretos) da doença, os gastos
são, na realidade, modestos.
destaque
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201212
RBM - O transtorno afetivo bipolar incide com mai-or frequência em que faixa etária?
O transtorno afetivo bipolar atinge desde adolescen-
tes até pessoas com idade mais avançada. A maior inci-
dência fica entre o jovem e as pessoas na faixa dos 45
anos mais ou menos e um pouco mais frequente em mu-
lheres. Raramente em idosos e na infância, quando o
diagnóstico é mais difícil.
RBM - Quais as dificuldades para um diagnósticoadequado de TAB?
Inicialmente é necessário destacar não apenas na psi-
quiatria, como em medicina geral, pelo menos duas ma-
neiras de avaliar a doença: uma é a abordagem descriti-
va, fenomenológica com influência muito grande da in-
dústria farmacêutica, interessada na facilitação da pes-
quisa clínica.
Isso cria uma dificuldade muito grande porque muitas
doenças, descritivamente, podem apresentar o mesmo
quadro clínico num determinado momento de sua evolu-
ção.
Aí, então, fica fácil cometer o erro diagnóstico de con-
fundir psicoses benignas, que são perfeitamente trata-
das, com esquizofrenia, cujo prognóstico é muito reser-
vado.
A outra é a maneira etiopatogênica de estudar a do-
ença, considerando causas, evolução, ambiente, biolo-
gia e principalmente a carga genética que determina e
dá o colorido no quadro clínico, obviamente, sem des-
considerar o seu aspecto sintomatológico. Tudo isso, com
o suporte de uma Teoria de Personalidade consistente,
que permite entender a patogênese dos quadros noso-
lógicos, correlacionando os dados psicológicos com a
Transtorno afetivo bipolar.Atenção às diferenças
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José Gilberto FrancoPsiquiatra. Consultor científico da Socieda-de Rorscharch e diretor do Centro deEstudos Anibal Silveira.
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 13
fisiologia cerebral e sua disposição heredológica, permi-
tindo um diagnóstico mais preciso, um prognóstico se-
guro e até a identificação precoce na constelação familial
de indivíduos predispostos.
Para esse estudo, Anibal Silveira, aqui no Brasil, de-
senvolveu todo um sistema na Psiquiatria que envolve
uma Teoria de Personalidade correlacionando os elemen-
tos patológicos de acordo com a sua gênese nas esferas
da personalidade, a regência cerebral envolvida, a reper-
cussão sintomática e a carga genética determinante atra-
vés da anamnese heredológica. Esta permite pesquisar
a partir do paciente estudado seus traços de personali-
dade os quais determinam o colorido clínico de sua con-
dição mórbida e elaborar o diagnóstico, um prognóstico
mais seguro e realizar psiquiatria preventiva buscando
na família os possíveis indivíduos, mesmo com sinais
discretos da patologia, que possam ser diagnosticados
mais precocemente.
Nesse sentido, citamos um caso emblemático que te-
mos em nossa clínica. Um paciente na faixa dos 55 anos
tem transtorno afetivo bipolar. Ele toma lítio e ácido
valproico. Ele tem três filhos, dos quais dois apresentam
TAB e uma filha sem sinais patognomônicos do TAB,
porém intelectualmente superdotada. Este paciente tem
um tio com TAB de 82 anos (lúcido e muito inteligente)
que está sendo tratado por nós, o qual tem duas irmãs,
já falecidas, que foram diagnosticadas com TAB. Vemos,
então, a importância da pesquisa genética e dos traços
de personalidade na constelação familial, não só nos ca-
sos de transtorno afetivo bipolar, mas também em toda
condição mórbida estudada. Isso é importante para veri-
ficarmos a disposição biológica que está interferindo no
quadro clínico, especialmente no caso do TAB, em que
as primeiras manifestações são mais discretas, mais in-
sidiosas, tornando o diagnóstico mais difícil.
É importante destacar que no transtorno afetivo bipo-
lar, especialmente na fase de mania, não existem mani-
festações de alteração senso-perceptiva, como muitos
acreditam. Isso levaria a outra condição clínica. Mesmo
depois, na fase de depressão, raramente poderá ocorrer
de forma discreta alguma manifestação de alteração sen-
so-perceptiva. Isto é patognomônico da bipolaridade.
Seguindo a história clínica do paciente, a maneira como
a doença evolui e os aspectos heredológicos, chegamos
ao diagnóstico. Chamamos a atenção para as diferenças
na história clínica do transtorno afetivo bipolar que não
começa de forma exuberante. Tem evolução insidiosa.
As primeiras crises de mania são discretas, seguidas de
depressão menos intensa. Depois, seguem-se crises mais
exuberantes. De modo geral, os episódios de transtorno
afetivo bipolar são progressivamente mais graves, se o
paciente não for tratado, evidentemente.
Há um aspecto interessante na bipolaridade que con-
vém destacar. São pessoas com inteligência muito
aguçada, até com certa genialidade (cientistas, composi-
tores, poetas, artistas). Elas se distinguem em seus cam-
pos de atuação. É perceptível nesses pacientes uma dife-
renciação intelectual maior do que a média da popula-
ção. Tudo isso, fartamente estudado na literatura cientí-
fica especializada.
destaque
No transtorno afetivo bipolar, que se
desenvolve por fases, quando o quadro
de mania aparece o pensamento fica
acelerado, a elaboração se torna mais
dedutiva, o pormenor secundário assu-
me grande importância e a pessoa tem
dificuldade de elaborar uma síntese.
Então, prevalece o juízo de valor que ela
faz em detrimento da noção da verda-
de, da realidade objetiva.
RBM - Por que o suicídio é um dos maiores riscosno transtorno afetivo bipolar?
No transtorno afetivo bipolar, que se desenvolve por
fases, quando o quadro de mania aparece o pensamento
fica acelerado, a elaboração se torna mais dedutiva, o
pormenor secundário assume grande importância e a
pessoa tem dificuldade de elaborar uma síntese. Então,
prevalece o juízo de valor que ela faz em detrimento da
noção da verdade, da realidade objetiva. O paciente nes-
ta condição passa a vivenciar aquilo que pensa como
verdadeiro. Fica incoerente e uma catadupa de pensa-
mentos gravitam em torno de pormenores irrelevantes,
perdendo a noção do que é óbvio. Torna-se muito afeta-
do, o humor fica instável, fica prolixo, delirante, com
ideias de referência, persecutório, excitado. Compra com-
pulsivamente, fica insone, comportamento totalmente
saltuário, não conclui o que começa, porém, permanece
com uma resistência física bastante aumentada. Passa a
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correr grandes riscos até na vida profissional, frequente-
mente agressivo e, às vezes, com agitação psicomotora,
pensamento acelerado, necessitando de atenção médica
imediata.
Um dos grandes riscos da bipolaridade surge da mu-
dança do quadro da mania para a depressão. É uma
depressão singular, diferente das demais. Nesta fase
há um acinte à própria sobrevivência pessoal. A pes-
soa é tomada por um impulso de autoeliminação. Na
fase de depressão o paciente deve ser monitorado por-
que pode ser levado ao suicídio ou passa a elaborar
intelectualmente como fazer isso. A medicação é es-
sencial e, às vezes, hospitalização e eletroconvulsote-
rapia.
RBM - O lítio é considerado a terapia de escolhapara o paciente bipolar por contornar eficientemen-te este risco. Qual é a sua opinião?
O lítio é, hoje, a melhor opção para o tratamento de
transtorno afetivo bipolar. Se tivéssemos de estabelecer
uma escala de eficiência, daríamos nota 7 ao lítio e nota
4 ao ácido valproico, que é o segundo medicamento de
escolha no caso de TAB (Kennedy, S - Simpósio no Méxi-
co,2007 - Laboratório Lilly). Destacadamente, o lítio é a
melhor opção. Indicamos de forma sistemática e tenho
pacientes que usam há mais de 30 anos com acompa-
nhamento sem nenhum grande problema. Preferimos
usar o lítio de ação prolongada porque o paciente cria de
forma mais eficaz o hábito de ingerir o comprimido pela
manhã e à noite. Assim, evita-se o risco do paciente es-
quecer no meio do dia, desequilibrando a dosagem
litêmica.
O que fazemos na clínica é monitorar regularmente
o paciente fazendo litemia em janeiro, maio e setem-
bro, um mês quente, outro frio, outro de meia estação.
Juntamente com a litemia pesquisamos, também, fun-
ções da tireoide, do rim, glicemia, triglicérides, leuco-
grama, eletrocardiograma, dosagem plasmática de
sódio, potássio, fósforo e cálcio. O lítio sendo usado
adequadamente não apresenta problemas graves. O
monitoramento clínico e conscientização do paciente
são fundamentais para isso porque, uma vez feito o di-
agnóstico, ele precisa conscientizar-se de que vai to-
mar a medicação indicada durante muito tempo. Tam-
bém a família é orientada e mobilizada para auxiliar
neste controle porque toda medicação tem efeitos ad-
versos, em especial o lítio, se não for respeitada a pres-
crição e a orientação médica.
RBM - Como controla o uso do lítio ao longo dotempo?
A litioterapia é excelente, mas exige atenção do médi-
co para os efeitos secundários por conta do uso prolon-
gado do lítio no TAB. Às vezes é necessária a ajuda do
endocrinologista, quando as funções tiroidianas ficam
muito alteradas, ou do nefrologista, por conta da altera-
ção renal, sem que haja necessidade de interromper a
litioterapia. É questão de adequar o tratamento. O pri-
meiro passo é o paciente interiorizar a necessidade de
tomar lítio dentro dos critérios estabelecidos.
É um medicamento que exige do médico um cuidado
também na avaliação clínica, posteriormente, para evi-
tar problemas no uso prolongado como é o caso espe-
cialmente da bipolaridade. O primeiro passo é levar o
paciente a interiorizar a necessidade de tomar lítio den-
tro dos critérios estabelecidos. Os pacientes que já ti-
veram uma crise entendem bem isso, assim como seus
familiares.
RBM - Em que consiste esta adequação?
No transtorno afetivo bipolar existem situações parti-
culares. Às vezes usamos lítio associado a outros medi-
camentos como ácido valproico, lamotrigina, oxcarba-
zepina, carbamazepina ou algum neuroléptico associa-
do (quetiapina, aripiprazol, olanzapina, risperidona ou
paliperidona). Quando necessário, utilizamos a bupropi-
ona como antidepressivo.
No caso do lítio, dependendo da idade do paciente e
da condição clínica, começamos com dosagem pequena
e depois vamos aumentando gradativamente, sempre
com monitoramento através de litemia de quatro em
quatro meses, que permite um controle muito eficaz na
faixa de 0,7 a 1.4 mEq/L.
RBM - Há fatores externos que influenciam a doen-ça?
O componente situacional pode dar um colorido es-
pecífico ao quadro clínico que se desenvolve, acentuan-
do ou atenuando alguns sintomas. Inúmeros aconteci-
mentos vitais estressantes podem agravar a predisposi-
ção endógena do TAB, como separações conjugais, con-
flitos no trabalho, falências, situações graves em famí-
lia. Também as drogas estimulantes do sistema nervoso
central servem de gatilho para desencadear o processo,
alterando a ciclagem do transtorno afetivo bipolar.
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A harmonia mental advém da subordinação da
individualidade à sociabilidade, dos instintos aos
sentimentos, do egoísmo ao altruísmo. Orientan-
do-se por este conceito, o psiquiatra paulista
Anibal Silveira, considerado um dos mestres da
psiquiatria brasileira, criou uma original teoria da
personalidade. Construída sobre base biológica,
sua teoria vem sendo progressivamente resgata-
da pela sua modernidade. Foi em São Paulo que
Silveira passou a maior par-
te de sua vida profissional,
especificamente no Hospital
Juqueri, onde desenvolveu
seus estudos sobre doenças
mentais, que resultaram em
numerosos artigos, mais de
400, dispersos em centenas
de publicações científicas.
No seu livro “Patogêne-
se”, o psiquiatra Paulo
Palladini esmiúça o pensa-
mento de Anibal Silveira.
Mostra em todas as suas
nuances a sua modernidade
desde o início de sua carrei-
ra profissional. Já em 1931,
na sua defesa de tese de for-
mação médica na Faculda-
de de Medicina de São Paulo, Silveira propunha a
organização de clínicas abertas para tratamento
precoce de doenças mentais considerando a in-
ternação em hospital fechado como último recur-
so. Critério que viria a ser posto em prática
cinquenta anos depois.
Anibal Silveira não parou por aí. Todos os seus
estudos posteriores sobre doenças mentais con-
vergiram para a correlação entre cérebro e men-
te e entre mente e meio social. Além de
aprofundar estudos sobre as concepções de psi-
quiatras como o alemão Karl Kleist ou o suíço
Hermann Rorschach, fundou em 1952, em São
Paulo, uma sociedade com esse nome. Em 1960
Anibal Silveira e a patogênese
criou a classificação patogenética das doenças
mentais. E, na década de 70, organizaria uma
escola orientada por critérios patogenéticos pou-
co antes de falecer, em 1979, aos 77 anos.
Palladini resume o critério patogenético de
Anibal Silveira como uma avaliação dos fenôme-
nos psicopatológicos enquanto expressões sis-
têmicas.
“Consiste na filiação dos sintomas e quadros
clínicos, respectivamente,
a sistemas e esferas psí-
quicas e cerebrais. Inclui,
também, o estudo da par-
ticipação da carga genéti-
ca em cada entidade clíni-
ca. A patogênese indica a
origem de uma determina-
da desordem patológica. É
cerebropatogênese quan-
do relativa à origem e di-
nâmica encefálicas;
psicopatogênese quando
relativa à origem e dinâmi-
ca psíquicas...“
“O diagnóstico
patogenético não deve dei-
xar de incluir a investiga-
ção da época do início da
desordem psíquica considerada, pois a sequên-
cia dos fatos clínicos é fundamental para a avali-
ação”.
Por fim, ele indica que a escola psiquiátrica
construída por Anibal Silveira ao longo de meio
século constitui-se de sólida teoria e abrange to-
dos os aspectos relativos às desordens mentais,
sua gênese, diagnóstico, tratamento, prevenção.
O fundamento filosófico, os embasamentos bio-
lógico e sociológico, a teoria da personalidade, o
psicodiagnóstico e psicopatologia pelo critério
patogenético, destaca Palladini, permitem inter-
venções precisas e profundas nos processos en-
cefálicos, psíquicos e sociais.
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Uma coisa interessante, até paradoxal, é o uso dos
antidepressivos no tratamento da depressão do pacien-
te bipolar. Os antidepressivos podem diminuir a ciclagem
do transtorno afetivo bipolar. O médico tem de proteger
o paciente com estabilizadores de humor para utilizar o
antidepressivo. Se uma pessoa tem um ciclo de crises a
cada dois anos, ao tomar um antidepressivo esta ciclagem
se encurta e ele passa a ter crises mais próximas. Às
vezes, o paciente necessita ampliar o tratamento com
outros estabilizantes de humor e neurolépticos. Outras
vezes, a depressão exige eletroconvulsoterapia ou remite
com doses da associação sinérgica de venlafaxina e
mirtazapina, que deve ser utilizada pouco tempo e de-
pois substituída por bupropiona.
Contudo, a população mais vulnerável para o TAB é
encontrada na elaboração da anamnese heredológica,
onde aparecem na constelação familial, de forma mais
clara, os indivíduos predispostos com elementos que
podem ter algum indicador de TAB para então o especi-
alista fazer o diagnóstico e realizar o tratamento pre-
ventivo.
É necessária a adoção de estratégias preventivas e uti-
lização de fatores de proteção na população mais pre-
disposta ao TAB. Alguns países, como os Estados Uni-
dos, chegam a gastar bilhões de dólares para prevenir e
controlar o TAB.
A utilização da anamnese heredológica, a partir de
pacientes que estão sendo tratados, permite identificar
na constelação familial elementos sugestivos dessa con-
dição mórbida e realizar o tratamento precoce ao lado
de orientar esta população sobre os benefícios do trata-
mento profilático.
RBM - Como conclusão o que acrescentaria?
Quanto ao lítio, vale registrar que seu uso vem sendo
estudado na profilaxia dos quadros demenciais, como a
doença de Alzheimer, na profilaxia de algumas formas
de enxaqueca e até para potencializar alguns antidepres-
sivos, sem contar a sua importância na prevenção do
suicídio.
Depois, o registro de que o TAB é muito confundido
com outras patologias. Kleist já assinalou em seu estudo
o que chamou de Fasofrenias (psicoses fásicas), utilizan-
do também o critério patogênico, como faz Anibal Silveira,
ficando mais evidente que ciclotimia, TAB, psicoses be-
nignas como as esquizoafetivas, tem prognósticos dife-
rentes, pois a esfera de personalidade responsável tam-
bém é distinta: afetiva no TAB, conativa na ciclotimia e
na esfera intelectual as formas paranóides (psicose agu-
da de inspiração, alucinose agunda, e psicose de refe-
rência).
Umas podem demenciar. TAB não demencia.
Finalmente, a Psiquiatria exige diagnóstico diferencial
para que se realize tratamento adequado, estudo epide-
miológico, prevenção e prognóstico. Tudo é possível com
a Psiquiatria Patogenética, utilizando a evolução clinica,
a anamnese heredológica como instrumento semiológico
importante ou basta uma máquina programada para ava-
liar sintomas e tabelas para realizar o atendimento clíni-
co dos pacientes.
Certamente o uso exagerado de substân-
cias psicoativas, estimulantes, anfetami-
nas, álcool e até antidepressivos em ida-
de cada vez mais precoce eleva a vulne-
rabilidade nas populações mais predis-
postas, expondo sintomas maníacos
mais cedo.
RBM - Existem segmentos populacionais com maiorvulnerabilidade para TAB?
Isso ainda não foi estudado adequadamente, pois ca-
recemos de dados epidemiológicos por várias razões.
Uma delas está ligada ao diagnóstico correto. Ainda se
confunde muito o transtorno afetivo bipolar com ciclo-
timia, com psicose benigna, com psicoses de evolução
episódica que Kleist chamava de psicoses degenerativas,
não por haver degeneração do cérebro, mas porque a
própria psicose degenera, para as quais Anibal Silveira
propôs o nome de psicoses diatéticas, denominação que
Kleist aceitou. Este tipo de psicose lembra muito o TAB
que também evolui episodicamente. Mas são coisas dis-
tintas.
Certamente o uso exagerado de substâncias psico-
ativas, estimulantes, anfetaminas, álcool e até antidepres-
sivos em idade cada vez mais precoce eleva a vulnerabi-
lidade nas populações mais predispostas, expondo sin-
tomas maníacos mais cedo.
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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201220
RBM - Qual é a incidência de TAB no Brasil e a ida-de em que se manifesta? Há alguma informaçãosobre prevalência geográfica no país?
O transtorno bipolar (TAB) é um problema médico
crônico que se mantém durante toda a vida, assim como
o diabetes e a hipertensão arterial. Tem morbidade ele-
vada, com risco de morte por suicídio, mas é passível
de tratamento, com bom controle do quadro. O TAB
começa em geral entre 14 e 30 anos de idade, podendo
inclusive se iniciar na infância, sendo raro seu início em
idades mais avançadas. A idade média de início se en-
contra entre 20 e 24 anos. A forma de determinar o
início da doença não é consenso na literatura. Em geral,
os sintomas aparecem pela primeira vez antes que os
pacientes satisfaçam os critérios diagnósticos e o pri-
meiro contato clínico se dá ainda mais tarde. A datação
dos sintomas iniciais seria muito imprecisa, pois exige
a rememoração por parte dos portadores que poderiam
ser sugestionados pelos entrevistadores. A literatura é
consistente na observação de uma lacuna de tempo sig-
nificativa entre o início da doença e o primeiro trata-
mento. Estabelecer o início do TAB pode ser de extrema
importância para indivíduos geneticamente vulneráveis
e para seus clínicos, já que pode oferecer pistas quanto
ao curso futuro.
Com a introdução do conceito de espectro bipolar,
ampliando as fronteiras diagnósticas, as estimativas de
prevalências encontradas são substancialmente mais al-
tas. São escassos os trabalhos nacionais sobre a preva-
lência do TAB, não sendo possível passar um panorama
regional de sua ocorrência, com estudos principalmente
ocorrendo na região Sudeste. Em amostras populacio-
nais a prevalência de TAB I varia entre 0,5% e 3,3%; a de
TAB II entre 0,3% e 8,4%; e considerando-se o “espectro
N E U R O P S I Q U I AT R I A
RevistaBrasileira deMedicina
Gabriel Savi CollCentro de Saúde Escola da Faculdade
de Medicina de Botucatu, UNESP.
Transtorno de humor(afetivo) bipolar - TAB
Ricardo CezarTorresan
Departamento deNeurologia, Psicologia ePsiquiatria da Faculda-
de de Medicina deBotucatu, UNESP.
Florence Kerr-Corrêa
Departamento deNeurologia, Psicologia ePsiquiatria da Faculda-
de de Medicina deBotucatu, UNESP.
destaque
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 21
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201222
bipolar” variando entre 3,3% e 10,9%. Num estudo reali-
zado em São Paulo se obteve prevalência de 1% para TAB
I, 0,7% para TAB II e 8,3% para o “espectro bipolar”. Atin-
ge igualmente homens e mulheres de qualquer raça e
está associado a maiores prejuízos psicossociais e pro-
fissionais.
RBM - Quais são as causas ou fatores desencadea-dores?
As bases biológicas do TAB mostram tratar-se de um
quadro complexo de interação entre múltiplos genes
associados a fatores ambientais e suas consequências
para o organismo. O conceito de carga alostática, pro-
posto por Kapcizinskiet et al. (2008), sugere um elo en-
tre as alterações moleculares associadas a eventos
estressores biológicos e ambientais que ocorrem em ní-
vel neuronal e que levariam a um rompimento em circui-
tos intimamente associados à regulação do humor e que
resultaria na exacerbação de sintomas do humor. Estu-
dos indicam que eventos de vida estressantes como a
perda de um ente querido ou mudança no emprego po-
dem anteceder o início de um episódio de humor. Entre
potenciais desencadeantes de episódios de humor esta-
riam também o uso de medicações antidepressivas, pri-
vação de sono e o abuso de drogas, principalmente os
estimulantes do SNC.
A herança genética tem papel importante para o apa-
recimento do transtorno, que quanto maior o número
de genes biologicamente alterados, maior o risco de
expressão do fenótipo. Mais recentemente tem sido
sugerido que variações do gene do transportador de
dopamina (DA) podem estar envolvidas na suscetibili-
dade para o desenvolvimento de TAB e o tratamento
com lítio regula a quantidade de transportadores de
dopamina em cérebros de ratos. Atualmente se aceita
que a vulnerabilidade para o transtorno bipolar é em
grande parte genética e as forças ambientais psicosso-
ciais ou físicas contribuiriam proeminentemente nas
fases iniciais do TAB.
RBM - Há diferenças na manifestação do TAB?
O transtorno bipolar é usualmente classificado em tipo
I e tipo II. O termo “espectro bipolar” engloba as formas
oficialmente descritas e as subclínicas, aquelas que não
preenchem os critérios de duração ou gravidade desses
subtipos. O termo bipolar tipo I se refere à forma clássi-
ca da doença maníaco-depressiva, na qual o indivíduo
apresenta pelo menos um episódio de mania ou estado
misto ao longo da vida, não importando quantas depres-
sões ou hipomanias o paciente tenha apresentado. No
bipolar tipo II há a presença de pelo menos um episódio
de hipomania, de duração mínima de dois a quatro, com
os mesmos sintomas da mania, mas jamais graves a pon-
to de causarem consequências sérias ou surtos psicóti-
cos, além de episódios depressivos em frequência e in-
tensidade variáveis.
RBM - Como estabelecer um diagnóstico mais se-guro?
O TAB demonstra ser uma categoria diagnóstica rela-
tivamente consistente e estável nos sistemas diagnósti-
cos atuais e caracterização de um indivíduo como bipo-
lar leva a previsões válidas sobre história familiar, curso,
prognóstico e resposta a tratamento. O diagnóstico do
TAB é eminentemente clínico. Para um diagnóstico
confiável do TAB se exige uma visão tanto longitudinal
quanto transversal do paciente, já que a doença se mani-
festa em fases (mania, hipomania, estados mistos e de-
pressão), com a possibilidade de períodos de remissão
completa dos sintomas entre elas, podendo os pacientes
negar, ou esquecer, de episódios prévios e mais bran-
dos. Apenas a avaliação com encontros frequentes com
o paciente, além de relatos de outras pessoas que convi-
vem com ele, em especial os familiares, poderiam ajudar
a formar um quadro mais preciso da história, dos sinto-
mas e do comportamento do paciente, corroborando um
diagnóstico mais preciso. Sem a contribuição da família,
até metade dos portadores de TAB poderia não ser ca-
racterizada como tal.
Não existe, até o momento, qualquer exame subsidiá-
rio que confirme ou colabore de forma determinante para
o diagnóstico do TAB. A separação entre TAB das formas
de depressão unipolar, proposto no DSM-IV da Associa-
ção Americana de Psiquiatria (APA) pode dificultar a iden-
tificação de casos que posteriormente seriam reclassi-
ficados como bipolares. Os diagnósticos alternativos prin-
cipais, que deveriam ser descartados ao se diagnosticar
a fase maníaca do TAB, são a esquizofrenia, as psicoses
secundárias por uso problemático de substâncias
psicoativas, uma condição médica geral. Outros diagnós-
ticos diferenciais relevantes são o transtorno esquizo-
afetivo, a depressão unipolar, o transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), o transtorno de perso-
nalidade borderline, a demência e epilepsia (especialmen-
te a do lobo temporal).
N E U R O P S I Q U I AT R I A
RevistaBrasileira deMedicina
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 23
RBM - Quais são os principais mecanismos de açãodo lítio?
Apesar de ser um medicamento de eficácia estabeleci-
da há muito tempo, ainda não temos uma compreensão
total dos mecanismos de ação do lítio. No entanto, nos
últimos anos, houve um avanço no entendimento dos
mecanismos de ação da droga.Podemos considerar que
o lítio funciona de duas formas diferentes:
1. Efeitos na modulação da transmissão de monoaminas,
principalmente potencializando a transmissão sero-
toninérgica;
2. Mecanismos de “segundos mensageiros” ou de sinali-
zação intracelular.
Em relação ao primeiro, sabemos que o lítio modula
de forma significativa a neurotransmissão serotoninér-
gica aumentando a atividade de monoaminas nas vias
serotoninérgicas.O lítio afeta a dopamina, esta droga
diminui os estímulos dopaminérgicos nas vias mesolím-
bicas e mesocorticais. Alguns pesquisadores têm associa-
do esse efeito à eficácia antimaníaca da droga, já que o
efeito antidopaminérgico aparece quando a droga é ad-
ministrada em forma aguda.
O efeito mais interessante, e talvez de maior relevân-
cia do lítio, está nos sistemas de sinalização intracelular.
Há muito tempo sabemos que o lítio afeta a atividade de
enzimas intracelulares que mediam diversos processos
bioquímicos dentro dos neurônios. Foi descoberto recen-
temente que o lítio é um potente inibidor da enzima gli-
cogênio sintase-quinase-3 (GSK3). Esta enzima é um po-
tente mediador de importantes processos bioquímicos
celulares, entre os quais está a regulação de fatores de
transcrição associados a apoptose e plasticidade neural.
Este poderia ser um dos motivos pelos quais o lítio apre-
senta atividade neuroprotetora. O lítio teria potencial para
proteger neurônios da morte celular quando estes sofrem
agressão por diferentes mecanismos tóxicos (estresse,
insuficiência vascular etc.). Além disso, o lítio tem a capa-
cidade de estimular a formação de novas conexões sináp-
ticas, fato evidenciado pelo aumento dos volumes de subs-
tância cinzenta em diversas áreas do cérebro após o uso
crônico do lítio. Esta atividade protetora do lítio é acom-
panhada pelo incremento dos fatores de proteção
antiapoptóticos como o Bcl-2, assim como indução da
expressão do fator de proteção cerebral (BDNF).
Podemos concluir que o lítio pode modular vários al-
vos, mas ainda estamos longe de entender totalmente
como esses efeitos se combinam para dar ao lítio a sua
capacidade estabilizadora do humor.
RBM - E os principais efeitos adversos?
Existe uma extensa lista de efeitos colaterais do lítio,
porém, vamos considerar aqui aqueles efeitos mais rele-
vantes, tanto pela frequência como pela gravidade dos
mesmos. Os sistemas envolvidos com maior frequência
são: o cardiovascular, o dermatológico, o gastrointesti-
nal, o neurológico, o endocrinológico, o renal e o fetal
(teratogenicidade).
Embora os sintomas renais, endócrinos, cardiovascu-
lares e tóxicos (relacionados com aumento excessivo dos
níveis plasmáticos do lítio) acarretem riscos, o monitora-
mento cuidadoso, no curto e longo prazo, pode prevenir
a maior parte dos problemas relacionados com o lítio.
Efeitos cardiovasculares
São geralmente bem tolerados e o mais frequente é o
atraso na condução atrioventricular, alongamento do in-
tervalo QT e achatamento da onda T. Porém tais achados
raramente são encontrados em dosagens terapêuticas e
são mais frequentes na intoxicação por lítio.
O lítio, porém, é contraindicado em pacientes com fa-
lência cardíaca e síndrome do nodo sinusal. Temos, ain-
da, de tomar cuidado no uso da droga em pacientes diuré-
ticos tiazídicos, pois estes podem elevar perigosamente
a concentração do lítio.
Efeitos dermatológicos
Logo no início do uso do lítio podem aparecer reações
de tipo psoriático na pele ou piorar uma psoríase prévia.
Geralmente, estas reações desaparecem de maneira es-
pontânea e raramente requerem a suspensão da droga.
Efeitos gastrointestinais
Diarreia e náuseas são efeitos frequentes no uso da dro-
ga. Estes efeitos podem incomodar e dificultar a adesão ao
lítio.Recomendam-se dietas constipantes, diminuições da
dose, uso de formulações de liberação prolongada. Estas
medidas podem ajudar a reduzir estes sintomas.
Outro efeito colateral que aparece com determinada
frequência é o aumento de peso. Deve-se orientar o paci-
ente sobre as medidas a serem tomadas caso isso suce-
da, assim como explicar previamente esta possibilidade.
Efeitos neurológicos
Os tremores são efeitos neurológicos que acontecem
com muita frequência no uso da droga, dependendo da
dose. Geralmente são bem tolerados, não requerendo
tratamento.
destaque
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201224
Quadros de confusão mental poderão aparecer com o
uso do lítio, principalmente, associados a dosagens aci-
ma das recomendadas ou quando o paciente ingere gran-
des quantidades da droga com intencionalidade suicida.
Sedação é outro efeito comum, porém, é pouco inten-
so e geralmente o paciente se habitua ao remédio e a
sonolência desaparece.
Efeitos endócrinos
O lítio está associado à indução de hipotireoidismo,
principalmente nos pacientes com antecedentes anterio-
res desta doença ou, ainda, quando há antecedentes fa-
miliares da mesma.
O ideal é acompanhar o paciente de perto e suple-
mentar com T4 sempre que seja necessário. No entanto,
raramente é necessário suspender o tratamento com lítio
por esse motivo.
Efeitos renais
Os efeitos do lítio na funcionalidade renal têm sido
amplamente estudados, uma vez que o uso crônico des-
ta droga pode gerar mudanças morfológicas nos rins.
Essas mudanças podem gerar toxicidade renal e levar à
interrupção do tratamento, porém, é importante desta-
car que este quadro é pouco frequente e aparece em
determinados pacientes com suscetibilidade especial à
droga.
A funcionalidade renal deverá ser avaliada periodica-
mente nos pacientes que utilizam lítio. Dessa forma,
podemos prevenir e evitar posteriores complicações.
Polidipsia e poliúria são frequentes com o uso do me-
dicamento, mas sem prejuízos significativos. Se o paci-
ente superar os 5 litros de ingestão diária, podemos con-
siderar o diagnóstico de diabetes insípida. Neste caso,
podemos recorrer ao especialista para auxiliar no con-
trole da síndrome.
Devemos lembrar que a reabsorção do sódio e do lítio
nos rins acontece de forma similar, portanto, todo esta-
do que leva à diminuição do sódio (restrição do sal, desi-
dratação, diuréticos) aumentará a reabsorção do lítio e
consequentemente aumentará a sua toxicidade.
Como já mencionado, o controle periódico dos níveis
do lítio, assim como dos efeitos colaterais, poderá aju-
dar a evitar problemas relacionados com o uso deste
importante recurso terapêutico.
RBM - Como conclusão, quais são as recomenda-ções básicas?
Assim como outros psicofármacos, o lítio apresenta
efeitos colaterais adversos que deverão ser acompanha-
dos. Portanto, o planejamento do uso da droga precisa
ser cuidadosamente considerado dentro da equação ris-
co-benefício e individualizada, considerando que cada
paciente pode ser particularmente vulnerável aos diver-
sos efeitos colaterais da droga.
Por outro lado, é uma droga menos teratogênica que
os demais estabilizadores do humor. É a única que com-
provadamente diminui a incidência de suicídios e ainda
considerada, pela maioria dos especialistas, como a pri-
meira escolha.
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destaque
O lítio é uma droga menos teratogênica
que os demais estabilizadores do humor.
É a única que comprovadamente dimi-
nui a incidência de suicídios e ainda con-
siderada, pela maioria dos especialistas,
como a primeira escolha.
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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 25
Introdução
A superestimulação do receptor N-metil-D-aspartato
(NMDA) pelo glutamato, principal neurotransmissor
excitatório no cérebro, é implicado em doenças neuro-
degenerativas. Este estudo investiga a memantina, anta-
gonista do receptor NMDA, para o tratamento de doença
de Alzheimer (DA).
Pacientes e métodos
Foram selecionados pacientes com idade maior ou
igual a 50 anos, que residiam na comunidade com diag-
nóstico de DA, de acordo com os critérios do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders, 4ª edição -
DSM-IV)¹ e do Instituto Nacional de Disordens Neurológi-
cas e Comunicativas e AVC e Associação de Doença de
Alzheimer e desordens relacionadas (National Institute
of Neurologic and Communicative Disorders and Stroke
and The Alzheimer’s Disease and Related Disorder’s
Association – NINCDS-ADRDA)². Outros critérios de in-
clusão consistiam em: pontuação do Miniexame do Esta-
do Mental (MEEM)³ inicial de 3 a 14, estágios 5 ou 6 na
Escala de Deterioração Global (Global Deterioration Scale
- GDS)4 e estágio 6a ou mais no Instrumento de Acesso e
Estagiamento Funcional (Funcional Assessment Staging
Instrument – FAST)5; o que significa a presença de de-
mência com comprometimento funcional grave. Os paci-
entes eram acompanhados por cuidadores confiáveis e
haviam realizado neuroimagem (tomografia ou ressonân-
cia de crânio) nos últimos 12 meses.
Os critérios de exclusão foram: demência vascular,
outra doença neurológica clinicamente significativa, de-
pressão maior pelo DSM-IV ou pontuação maior que 4 na
Escala de Hachinski modificada6. Outras doenças clíni-
cas significativas ou alterações laboratoriais também fo-
ram excluídas, bem como pacientes que utilizavam me-
dicações concomitantes como anticonvulsivantes, anti-
parkinsonianos, hipnóticos, neurolépticos e outros. Pa-
cientes que recebiam antidepressivos por pelo menos
dois meses em doses estáveis foram incluídos.
O desenho do estudo consistiu em dois grupos para-
lelos de pacientes aleatoriamente distribuídos para rece-
ber memantina 20mg, por dia, ou placebo com aparên-
cia idêntica, duplo-cego, que foram seguidos por 28 se-
manas. Os indivíduos que desistiram prematuramente
do estudo foram encorajados a participar das medidas
finais de avaliação (end-point measures) no momento da
N E U R O P S I Q U I AT R I A
RevistaBrasileira deMedicina
Memantina na doença deAlzheimer moderada a graveMemantine in moderate-to-severe Alzheimer’s diseaseReisberg, B et al.
N Engl J Med 2003; 348:1333-41.
Renata Areza-FegyveresMédica Neurologista especializada emdistúrbios cognitivos e de comportamentopela USP.Doutora em Neurologia pela USP.Neurologista pesquisadora colaboradora doGrupo de Neurologia Cognitiva e doComportamento da USP.Membro do Departamento Científico deDistúrbios Cognitivos e do Envelhecimentoda Academia Brasileira de Neurologia.E-mail: [email protected]
artigo comentado
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saída do estudo e a também a retornar na 28ª semana
para uma nova avaliação, que incluiu todos os instru-
mentos de desfecho. Houve participação de 32 centros
especializados nos Estados Unidos.
Medidas de eficácia: As variáveis previamente es-
pecificadas de eficácia primária foram: pontuação global
na Impressão de Mudança Baseada em Entrevista Clínica
Associada à Avaliação do Cuidador (Clinician’s Interview-
Based Impresssion of Change Plus Caregiver input – CIBIC-
plus)7; instrumento que associa a impressão do médico
assistente com a opinião do cuidador para verificar me-
lhora do quadro clínico, na 28ª semana e a mudança do
momento inicial até a 28ª semana com o Inventário de
Atividades Diárias modificado (Alzheimer’s Disease
Cooperative Study Activities of Daily Living Inventory
modificado para demência grave – ADCS-ADLsev)8,9. As
avaliações foram realizadas na entrada do estudo, na 12ª
e na 28ª semana ou no momento da retirada do estudo,
caso houvesse desistência precoce.
Seis outras variáveis de eficácia foram realizadas: a
Bateria de Alteração Grave (Severe Impairment Battery),
escala de 51 itens desenhada para avaliar o desempe-
nho cognitivo em pacientes com demência grave10,11;
MEEM3; GDS4, que avalia desempenho funcional e cogni-
tivo; a FAST5, que avalia a magnitude da piora funcional
progressiva; o Inventário Neuropsiquiátrico (Neuropsy-
chiatric Inventory – NPI)12, que avalia predominantemen-
te sintomas comportamentais quantitativamente e quali-
tativamente e, por fim, a escala de Utilização de Recur-
sos em Demência (Resource Utilization in Dementia)13,
instrumento desenhado para avaliar a sobrecarga do
cuidador e quantificar os custos com a doença.
As medidas de segurança, que dizem respeito aos efei-
tos adversos e tolerabilidade da medicação, foram reali-
zadas em todas as consultas.
Resultados
População do estudo
Foram rastreados 345 pacientes nos 32 centros de
pesquisa, 252 foram distribuídos aleatoriamente nos
grupos de estudo. Setenta e um pacientes desistiram do
tratamento antes da 28ª semana (42 dos 126 em uso de
placebo e 29 de 126 no grupo memantina). Cento e oi-
tenta e um pacientes completaram o estudo duplo-cego.
Cinco pacientes foram excluídos da análise do ADCS-
ADLsev e 16 da análise do CIBIC-plus, porque não foram
avaliados após a visita inicial. A duração média (desvio
padrão) do tratamento para ambos os grupos foi de 24(8)
semanas. Somente 5 dos 71 pacientes que desistiram
voltaram para completar a avaliação final na 28ª semana
(retrieve drop-out visit). Foram múltiplos os motivos de
desistência prematura: efeitos adversos (22 (17%) no gru-
po placebo e 13 (10%) no grupo da memantina); recusa a
continuar participando (14 (11%) no grupo placebo e 12
(10%) no grupo da memantina); óbito (4 (3%) no grupo
placebo e 1 (1%) recebendo memantina); violação de pro-
tocolo (3 (2%) pacientes no grupo placebo e o mesmo no
grupo memantina); mudança de cuidador (2 (2%) pacien-
tes recebendo placebo e nenhum do grupo memantina).
Os grupos eram semelhantes nas características de
base como distribuição de homens e mulheres, idade,
educação, raça, pontuação no MEEM e estágio da GDS.
Sessenta e sete eram do sexo feminino e a média de
idade foi de 76 anos. A média do MEEM de entrada foi
de 7,9.
Eficácia
As análises foram realizadas de duas formas: a pri-
meira considerou a última visita realizada como avalia-
ção final e a segunda foi realizada apenas com as visitas
obtidas para as variáveis de eficácia. A pontuação do
CIBIC-plus na última avaliação (diferença entre os gru-
pos média=0,3; p=0,06) e na 28ª semana (diferença mé-
dia 0,3; p=0,003) demonstra a efetividade da memanti-
na.
A pontuação total do ADCS-ADLsev na última avalia-
ção e na 28ª semana demonstrou significativamente
menos deterioração no grupo da memantina do que no
grupo placebo (média de diferenças 2,1 (0,02) no pri-
meiro grupo e 3,4 (0,003) no segundo grupo, respecti-
vamente).
A Bateria de Alteração Grave mostrou diferença signi-
ficativa a favor da memantina (p<0,001) na última visita
e nos casos observados (p=0,002).
O grupo tratado com memantina demonstrou menos
deterioração nos estágios funcionais mensurados pela
FAST (p=0,02 na última observação levada adiante e
p=0,007 nos casos observados na 28ª semana). Análises
adicionais foram realizadas com dois subgrupos de pa-
cientes divididos em MEEM de 10 a 14 e menor que 10
pontos. Ambos os grupos apresentaram benefício nas
medidas de desfecho em relação ao grupo placebo.
Segurança e tolerabilidade
A maioria dos pacientes apresentou eventos adversos
durante o estudo (84% com memantina e 87% com place-
bo). No entanto, a maioria dos eventos adversos foi clas-
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sificada como leve a moderado e foram considerados não
relacionados ou possivelmente não relacionados com a
medicação. A taxa de incidência para os efeitos adversos
mais frequentes no grupo que utilizou memantina não
excedeu 2% a mais do que o grupo em uso de placebo. A
taxa de desistência por efeitos colaterais foi maior no
grupo placebo do que no grupo memantina, como visto
nos resultados. Agitação foi o motivo mais comum de
desistência (7% no grupo placebo e 5% no grupo meman-
tina). Efeitos adversos sérios foram relatados em 23 pa-
cientes recebendo placebo (18%) e em 16 pacientes utili-
zando memantina (13%). Ocorreram sete óbitos, dois dos
quais no grupo da memantina. A maioria dos efeitos ad-
versos e todos os óbitos foram considerados não relaci-
onados à medicação do estudo.
medicações para doença de Alzheimer. Diferenças na
pontuação em escalas quantitativas entre os grupos tra-
tados com memantina ante o grupo placebo não neces-
sariamente indicam que esses efeitos são significativos
clinicamente.
A análise das respostas (taxas de resposta individual)
é geralmente realizada para ilustrar a importância clíni-
ca do tratamento. No presente estudo uma diferença sig-
nificativa no critério pré-definido como resposta, que
consistia em vários pontos de desfecho, foi observada.
Os efeitos do tratamento demonstrados nas áreas cogni-
tiva e funcional se refletiram em melhora no comporta-
mento (menos agitação nos relatos de eventos adversos)
e redução na sobrecarga dos cuidadores (menos horas
dispensadas na assistência ao paciente).
Os autores alegam que os resultados do presente es-
tudo não podem ser comparados diretamente com ou-
tros ensaios de outras drogas (tacrina, donepezil,
rivastigmina e galantamina), pois praticamente todos os
estudos publicados com esses compostos foram realiza-
dos em pacientes com DA leve a moderada, com exce-
ção de apenas um deles14. No entanto, mesmo neste últi-
mo, foram incluídos pacientes com doença menos avan-
çada (MEEM de base 12 pontos frente a 8 pontos no pre-
sente estudo).
Os autores também comentam sobre as limitações do
estudo. A taxa de desistência foi de 28%, o que provavel-
mente resultou da gravidade da doença. A frequência de
retirada foi maior no grupo placebo. No entanto, a mé-
dia de duração do tratamento nos dois grupos foi seme-
lhante (24 semanas). Por fim, as três análises realizadas,
com diferentes estratégias de substituição dos dados
faltantes, mostraram que a memantina realmente reduz
o declínio em pacientes com DA moderada a grave.
Comentário
Este é um dos principais estudos que alicerçou o uso
da memantina entre os clínicos na época em que foi pu-
blicado. É um ensaio clínico com desenho clássico, em
que há dois grupos de pacientes; um utilizando placebo
e outro recebendo a droga testada, distribuídos aleatori-
amente, que caminham paralelamente. Os avaliadores
foram cegos para a condição do paciente e quanto ao
uso de droga ou placebo, bem como os pacientes. Al-
guns ensaios clínicos utilizam o modelo de grupos cru-
zados (cross-over) em que os dois grupos passam pelo
tratamento com a droga e pelo placebo, de modo que o
mesmo grupo se torna controle dele próprio. Além dis-
Discussão
Este estudo demonstra evidências de que a modula-
ção da memantina sobre os receptores de NMDA, a fim
de reduzir a exotoxicidade induzida pelo glutamato, ali-
via os sintomas da DA. Essa nova abordagem é diferente
do mecanismo colinomimético de todas as outras dro-
gas aprovadas atualmente como tratamento da DA. Este
estudo avaliou pacientes em estágio grave da doença,
sendo mais de 95% com pontuação no FAS igual a 6.
Diferenças significativas observadas a favor da meman-
tina na ADCLS-ADLsev, na FAS e na Bateria de Alterações
Graves sugerem declínio nessas capacidades críticas, que
ficou aparente na avaliação global subjetiva dos pacien-
tes com CIBIC-plus.
A relevância clínica do efeito do tratamento foi assun-
to exaustivamente discutido nos ensaios clínicos das
Este estudo demonstra evidências de que
a modulação da memantina sobre os
receptores de NMDA, a fim de reduzir a
exotoxicidade induzida pelo glutamato,
alivia os sintomas da doença de Alzhei-
mer. Essa nova abordagem é diferente
do mecanismo colinomimético de todas
as outras drogas aprovadas atualmen-
te como tratamento da DA.
artigo comentado
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so, uma das limitações do estudo é não haver informa-
ção sobre a 28ª semana na maior parte dos pacientes
que desistiram do estudo. Esta é uma das limitações do
estudo. De fato, após análises variadas o grupo que usou
a memantina apresentou pontuações significativamente
melhores, tanto nos instrumentos que avaliaram cognição
quanto naqueles que mensuraram o aspecto funcional.
No Brasil há cerca de duas décadas os clínicos que
assistiam pacientes com DA não dispunham de opção
farmacológica para prescrever aos seus pacientes. Vie-
ram, então, os inibidores da acetilcolinesterase. Estes
representavam uma possibilidade terapêutica para paci-
entes em estágio leve a moderado. No entanto, à medida
que a doença avançava e os pacientes se tornavam mais
graves, novamente os clínicos não dispunham de drogas
para melhorar sua qualidade de vida ou diminuir a velo-
cidade da doença. O surgimento da memantina é um
avanço e um alívio para a frustração de se deparar com
um paciente em fase grave e não ter opção de drogas
para prescrever. Com a memantina a velocidade de piora
da cognição e do comportamento desses pacientes é mais
artigo comentado
lenta. Esse fato é visível clinicamente para profissionais
que lidam com este tipo de doença há muitos anos e se
recordam de como a doença transcorria sem essa possi-
bilidade terapêutica. Consequentemente, o declínio fun-
cional é mais lento e o paciente mantém a sua indepen-
dência em alguns aspectos por mais tempo.
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O surgimento da memantina é um avan-
ço e um alívio para a frustração de se
deparar com um paciente em fase gra-
ve e não ter opção de drogas para pres-
crever. Com a memantina a velocidade
de piora da cognição e do comportamen-
to desses pacientes é mais lenta. Esse
fato é visível clinicamente para profissi-
onais que lidam com este tipo de doença
há muitos anos e se recordam de como
a doença transcorria sem essa possibili-
dade terapêutica.
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Introdução
Este artigo foi publicado na revista Lancet por um
grupo multidisciplinar de sete centros de excelência
da Europa e Japão. Ele é um exemplo interessante de
como o emprego de métodos robustos de análise po-
dem responder a uma pergunta extremamente relevan-
te na prática clínica. A escolha do antidepressivo a ser
usado no tratamento de pacientes com transtorno de-
pressivo maior faz parte do dia-a-dia do psiquiatra. Por
outro lado, o clínico que se disponha a pesquisar na
literatura dados comparativos referentes a eficácia, to-
lerabilidade e abandono de tratamento, frequentemen-
te estará diante de um quebra-cabeça de múltiplos da-
dos, em que tirar uma conclusão definitiva será uma
tarefa bastante trabalhosa.
Na introdução do artigo os autores argumentam que
nos últimos 20 anos diversos antidepressivos surgiram
no mercado, sendo que muitos deles são modificações
de moléculas mais antigas. O quanto estas modificações
acrescentam em efeito clínico em relação a outros fár-
macos do mesmo grupo, incluindo eficácia, efetividade
e tolerabilidade permanece, porém, relativamente pou-
co investigado.
Para resumir a literatura científica no que diz respeito
a um determinado tema, a metodologia mais usada são
os estudos de meta-análise. Porém, no que diz respeito
aos antidepressivos no tratamento da depressão maior,
as metodologias convencionais de meta-análises mos-
tram algumas inconsistências no momento de comparar
diversos antidepressivos de segunda geração com rela-
ção à eficácia.
Métodos
Neste estudo, foi realizada uma metodologia de meta-
análise de múltiplos tratamentos, que levou em conta
tanto comparações diretas quanto indiretas, com o obje-
tivo de avaliar 12 antidepressivos da nova geração no
tratamento de depressão maior. Os autores iniciaram uma
busca na literatura de todos os ensaios clínicos randomi-
zados, controlados, que comparassem 12 antidepressi-
vos de nova geração. Para isso incluíram 117 ensaios clí-
nicos randomizados controlados (em um total de 25.928
participantes), de 1991 a 30 de novembro de 2007, que
tenham comparado qualquer um dos seguintes antide-
pressivos para o tratamento da depressão maior em adul-
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Eficácia comparativa e aceitabilidadede 12 antidepressivos da novageração: uma meta-análise demúltiplos tratamentos
Comparative efficacy and acceptability of 12 new-generation antidepressants:a multiple treatments meta-analysisAndrea Cipriani et al.
Lancet 2009; 373:746-58
Elisa BrietzkeMédica psiquiatra.Doutora em Psiquiatria pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul.CRM 128.292
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artigo comentado
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tos: bupropiona, citalopram, duloxetina, escitalopram,
fluoxetina, fluvoxamina, minalciprano, mirtazapina, pa-
roxetina, reboxetina, sertralina e venlafaxina. Além dis-
so, o protocolo de revisão de artigos foi elaborado e dei-
xado livremente no website da instituição para que ou-
tros estudos não encontrados ou mesmo dados não pu-
blicados pudesse ser levados em conta na revisão. Os
autores classificaram os estudos quanto à qualidade do
seu desenho em: adequado, duvidoso ou inadequado e
somente os que foram classificados nas duas primeiras
categorias foram incluídos na revisão final.
O principal desfecho foi a proporção de pacientes que
responderam e a proporção de pacientes que abandona-
ram o tratamento para o qual havia sido alocado. A aná-
lise foi feita seguindo o método de “intenção-de-tratar”,
ou seja, os sujeitos foram considerados como perten-
cendo ao grupo para o qual foram designados na
randomização, independente do tipo de análise feito em
cada estudo individualmente. Além disso, os indivíduos
perdidos foram considerados como não respondendores,
uma forma conservadora de analisar este tipo de situa-
ção.
É interessante notar que alguns detalhes da metodo-
logia tornam o estudo bastante robusto. Como diferen-
tes doses foram utilizadas nos estudos incluídos, os au-
tores buscaram atingir um grau adequado de compara-
bilidade entre os diferentes medicamentos e incluíram
apenas estudos em que doses equivalentes de antide-
pressivo foram usadas.
Do ponto de vista estatístico, uma análise bastante
sofisticada foi utilizada. Primeiramente, os diferentes tra-
tamentos foram analisados um contra outro. Posterior-
mente, através de modelagem estatística, os desfechos
(“respondeu” ou “não respondeu” e “tolerou” ou “não to-
lerou”) foram incluídos em múltiplas comparações entre
os diferentes antidepressivos. Os diferentes tratamen-
tos foram, então, colocados em um ranking, conforme
sua eficácia, e em outro, conforme sua tolerabilidade.
Resultados
Na busca eletrônica por artigos foram encontrados,
inicialmente, 345 referências potencialmente relevantes
para a meta-análise, dos quais 274 artigos potencialmente
elegíveis foram selecionados. Foram excluídos 172 arti-
gos por não preencherem os critérios de inclusão. Os
autores identificaram, também, um total de 15 artigos
não publicados relevantes para a revisão. Foram selecio-
nados, no total, 117 artigos. A maioria dos estudos foi
realizada nos Estados Unidos e Europa (63%) e cerca de
dois terços dos pacientes arrolados eram do sexo femi-
nino (64%). Em 11 estudos havia desfechos relacionados
à eficácia e em 112 os desfechos eram relacionados a
aceitabilidade. O tempo médio de duração dos estudos
foi de 8,1 semanas e o número médio de participantes
incluídos foi de 109. Apenas 14 estudos adotaram em
tempo de seguimento superior a 14 semanas. É interes-
sante notar, também, que a maioria dos estudos excluiu
a participação de pacientes idosos (acima de 65 anos) e
a maior parte foi realizada em centros de referência.
Apenas sete estudos foram feitos em serviços de aten-
ção primária. Os pacientes incluídos tinham, na maioria
dos casos, depressão moderada. Os escores médios da
escala Hamilton Depression Rating Scale - 17 itens fo-
ram de 24,47 na entrada.
A mirtazapina, o escitalopram, a venlafaxina e a ser-
tralina foram significativamente mais eficazes que a
duloxetina (odds ratios [OR] 1.39, 1.33, 1.30 e 1.27, res-
pectivamente), a fluvoxamina (1.41, 1.35, 1.30, e 1.27,
respectivamente), a paroxetina (1.35, 1.30, 1.27, e 1.22,
respectivamente) e a reboxetina (2.03, 1.95, 1.89, e 1.85,
respectivamente). A reboxetina foi significativamente
menos eficaz do que os outros antidepressivos testados.
O escitalopram e a sertralina demonstraram o melhor
perfil de aceitabilidade, levando a taxas significativamente
menores de descontinuação do que a duloxetina, fluvo-
xamina, paroxetina, reboxetina e venlafaxina.
As probabilidades de estar entre os quatro tratamen-
tos mais eficazes foram: mirtazapina 24,4%; escitalopram
23,7%; venlafaxina 22,3%; sertralina 20,3%; citalopram
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O estudo mostrou que existem diferen-
ças clinicamente importantes entre os
antidepressivos comumente prescritos,
no que diz respeito tanto à eficácia quan-
to à aceitabilidade. Em termos de res-
posta, a mirtazapina, o escitalopram, a
venlafaxina e a sertralina foram mais
eficazes. Já em termos de aceitabilida-
de, o escitalopram, a setralina e a
bupropiona foram superiores.
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3,4%; milnaciprano 2,7%; bupropiona 2%; duloxetina 0,9%;
fluvoxamina 0,7%; paroxetina 0,1%; fluoxetina 0% e re-
boxetina 0%. As probabilidades de estar entre os quatro
tratamentos mais tolerados foram: escitalpram 27,6%;
setralina 21,3%; bupropiona 19,3%; citalopram 18,7%;
minalciprano 7,1%; mirtazapina 4,4%; fluoxetina 3,4%;
venlafaxina 0,9%; duloxetina 0,7%; fluvoxamina 0,4%;
paroxetina 0,2% e reboxetina 0,1%.
Discussão dos autores
Na seção de discussão os autores enfatizam a exten-
sa revisão da literatura e a adoção de rígidos critérios de
inclusão e exclusão, o que torna a metodologia do estu-
do bastante robusta. Além disso, referem que os resulta-
dos podem, potencialmente, ser de grande valia para o
clínico, no momento de optar pela prescrição de um ou
outro antidepressivo.
O estudo mostrou que existem diferenças clinicamen-
te importantes entre os antidepressivos comumente pres-
critos, no que diz respeito tanto à eficácia quanto à acei-
tabilidade. Em termos de resposta, a mirtazapina, o esci-
talopram, a venlafaxina e a sertralina foram mais efica-
zes. Já em termos de aceitabilidade, o escitalopram, a
setralina e a bupropiona foram superiores. Estes resulta-
dos indicam que dois dos mais eficazes antidepressivos
(a mirtazapina e a venlafaxina) podem não ser os melho-
res quando se pensa em tolerabilidade em geral. Consi-
derando-se os resultados do estudo de forma global, há
evidências de que a sertralina e o escitalopram sejam os
mais equilibrados no que diz respeito a eficácia e tolera-
bilidade.
Os autores discutem, também, as limitações do pre-
sente artigo. Importantes desfechos como efeitos adver-
sos, efeitos tóxicos, sintomas de descontinuação e fun-
cionamento social não foram investigados. Também pode
ser considerada uma limitação o fato de que não foi feita
uma análise de custo-efetividade, o que também é útil
quando se trata de guiar escolhas do clínico. Neste caso,
uma análise desse tipo não foi possível porque alguns
dos medicamentos permaneciam protegidos por paten-
tes e outros não, o que era um fator de grande desigual-
dade de custo.
Quanto aos antidepressivos de pior desempenho nes-
te estudo, a reboxetina, a fluvoxamina, a paroxetina e a
duloxetina foram as medicações menos eficazes, o que
os torna alternativas menos favoráveis como uma pri-
meira escolha no tratamento agudo da depressão. Além
disso, a reboxetina foi o agente menos tolerado e o me-
nos eficaz entre os 12 antidepressivos.
É importante notar que os resultados desse estudo se
aplicam somente às primeiras 8 semanas de tratamento,
pois o foco dos autores foi na resposta inicial. Os estu-
dos que buscam investigar respostas mais prolongadas
aos antidepressivos possivelmente encontrariam diferen-
ças ainda maiores, mas a sua heterogeneidade faz com
que agrupar seus resultados em uma meta-análise seja
mais sujeito a viéses.
Os autores discutem, também, um possível papel das
fontes financiadoras nos resultados dos estudos incluí-
dos, especialmente no que diz respeito a medicamentos
mais novos. A metodologia escolhida por incorporar com-
parações diretas e indiretas diminui o risco desse tipo de
viés.
Na etapa final do texto os autores comentam sobre a
exigência, adotada por alguns países, da realização de
estudos controlados com placebo, para definir como
adequada a avaliação de eficácia de um fármaco. Os au-
tores comentam que este tipo de estudo é, na maioria
dos casos, realizado por propósitos regulatórios e que,
por ter a preocupação de não manter pacientes potenci-
almente graves em regime exclusivo de placebo, acabam
recrutando uma grande proporção de pacientes com de-
pressão leve.
Por causa disso as taxas de resposta a placebo em
estudos com antidepressivos são sempre bastante ele-
vadas (até 40%). Os autores sugerem que, devido à dis-
ponibilidade de um tratamento eficaz, bem tolerado e
de custo razoável como a setralina, seria interessante
considerar que novas alternativas de tratamento medi-
camentoso fossem testadas contra a sertralina e não mais
contra placebo.
Comentário
Este estudo tem como principal ponto forte o fato de
responder a uma pergunta fundamental da prática clíni-
ca do psiquiatra: “Que antidepressivo vou prescrever para
este paciente?” Sabemos que muitos fatores influenciem
a escolha de um ou outro antidepressivo, como a res-
posta prévia, resposta na família, perfil de efeitos adver-
sos, disponibilidade, preço etc. Porém, eficácia e tolera-
bilidade, justamente os dois desfechos analisados neste
artigo, são os principais parâmetros para definir a esco-
lha dessas medicações. Exatamente por isso, os autores
escolheram desfechos dicotômicos (“respondeu” ou “não
respondeu à medicação” e “tolerou” ou “não tolerou” a
medicação) em vez de escolher variações nos escores de
artigo comentado
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escalas de gravidade de depressão. A situação ideal para
o tratamento do paciente com depressão maior é a bus-
ca da resposta e da tolerabilidade. Quando qualquer um
desses fatores não é atingido, sentimentos de frustração
ou desesperança em relação ao tratamento podem ocor-
rer no paciente deprimido o que pode, potencialmente,
ameaçar o vínculo e até mesmo a adesão ao tratamento.
O outro ponto forte do estudo foi fazer uma revisão
extensa da literatura e até mesmo de estudos não publi-
cados sobre o tema, através de consultas a colegas, a
companhias farmacêuticas e a outros centros de pesqui-
sa. Na rotina do clínico, muitas vezes não há espaço para
buscas detalhadas de informações na literatura científi-
ca, o que faz com que artigos que resumam com compe-
tência o conhecimento na área sejam extremamente va-
liosos. O estudo comentado, porém, foi muito além de
uma excelente revisão de literatura. A escolha de uma
metodologia original e robusta de comparação de múlti-
plas alternativas de tratamento ofereceu ao leitor uma
análise muito mais detalhada em relação à que encon-
tramos nos estudos anteriores, incluindo fatores tão di-
versos como a qualidade metodológica de cada estudo
individualmente, a dosagem dos medicamentos antide-
pressivos investigados e até mesmo as fontes de financi-
amento dos estudos incluídos. Métodos mais simples
permitem a comparação de apenas poucos parâmetros,
o que acaba não sendo útil para a tomada de uma deci-
são complexa, como a abordada aqui. Certamente a ex-
tensão da revisão da literatura e a qualidade do trata-
mento dos dados foram os fatores decisivos para a pu-
blicação deste artigo em uma revista de tanto impacto
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Do ponto de vista clínico, os resultados
desse estudo indicam que a sertralina
poderia ser considerada a melhor es-
colha para iniciar o tratamento para
depressões moderadas a graves em
adultos, por causa do seu equilíbrio fa-
vorável entre benefícios, aceitabilida-
de e custos.
como o Lancet. Além disso, do ponto de vista ciencio-
métrico, este artigo tem sido altamente citado (cerca de
300 citações) desde a sua publicação em 2009, o que
indica um alto valor dos seus achados para a pesquisa
realizada em campo. Devido à sua qualidade, o artigo foi
levado em conta na elaboração de guidelines que seguem
o referencial da medicina embasada em evidências.
Do ponto de vista clínico, os resultados desse estudo
indicam que a sertralina poderia ser considerada a me-
lhor escolha para iniciar o tratamento para depressões
moderadas a graves em adultos, por causa do seu equi-
líbrio favorável entre benefícios, aceitabilidade e custos.
É interessante notar que outros fatores relevantes a
respeito da decisão entre os diferentes antidepressivos
envolvidos nesta análise não foram explorados. Entre eles
se destaca o potencial de interações medicamentosas.
Embora na maioria dos estudos a presença de comorbi-
dades médicas gerais e o uso de outras medicações seja
frequentemente considerado um fator de exclusão, sa-
bemos que, na prática clínica, é comum que o potencial
de interações medicamentosas tenha que ser levado em
conta no momento de escolher um antidepressivo. No
que diz respeito à sertralina, este medicamento apresen-
ta um baixo potencial de interação, podendo constituir-
se em uma escolha viável para pacientes idosos ou
polimedicados. Deve-se lembrar, porém, que, assim como
os demais antidepressivos de segunda geração, o uso
concomitante com inibidores da MAO deve ser evitado,
assim como a administração concomitante de triptanos.
A eficácia da sertralina também foi demonstrada em
outras condições frequentemente comórbidas com a de-
pressão maior, tais como fobia social, transtorno obses-
sivo-compulsivo (TOC), transtorno do pânico com ou sem
agorafobia, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT),
transtornos alimentares e transtorno disfórico pré-mens-
trual. Estes dados tornam a sertralina uma opção viável
para o tratamento de pacientes que sejam portadores de
ambas as condições.
Os resultados desse estudo demonstram, através de
uma revisão extensa da literatura e por métodos robus-
tos de análise estatística, o que a experiência clínica vem
indicando sistematicamente. A sertralina é um antide-
pressivo que apresenta um excelente equilíbrio entre efi-
cácia, tolerabilidade e custo para a maioria dos pacien-
tes com depressão maior, constituindo-se em uma op-
ção de primeira escolha para esta condição.
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