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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 1 Sem dúvida existe hoje uma demanda cada vez maior dos serviços psiquiátricos no Brasil e no mundo. Preconceitos e mitos caem pela galopante evolução da Psiquiatria e a busca dos especialistas vem aumentando mais que a paralela formação dos espe- cialistas. A primeira consequência deste fenômeno é que a Psiquiatria, e algumas poucas outras especialidades médicas mostraram um crescimento científico profundo e de- talhado, principalmente em pesquisas e em modernidade. Começando pela reformulação dos conceitos e dos critérios de diagnóstico, que resultarão numa pró- xima edição do DSM-5, os quadros patológicos se definem melhor, permitindo o detalhamento progressivo das patologias nesta especialidade. A imediata resposta vem da ampliação consequente dos esquemas terapêuticos, hoje cada vez mais exatos e precisos, em função da observação de diferentes verten- tes de conhecimentos utilizadas para o aprimoramento do diagnóstico. Cada vez mais o médico tem condições de detalhar o quadro clínico do paciente, resultando numa melhor abordagem terapêutica. A presente edição é um exemplo desta evolução para a modernidade. Falar se hoje do Transtorno Afetivo Bipolar já não se baseia mais na limitação do diagnóstico. E, como tão bem o abordam estes artigos, o Transtorno Bipolar é hoje considerado o “Espectro Bipolar”, pois muitos quadros limítrofes foram abrangidos por um diagnós- tico mais amplo, permitindo melhor o entendimento e a busca de soluções terapêuti- cas. Esta busca de melhores soluções tem como consequência imediata a procura de medicamentos cada vez mais específicos. O que representa, em última instância, uma evolução cada vez maior da Psiquiatria. Falando do diagnóstico do Espectro Bipolar, além da sintomatologia clínica, a evo- lução de cada paciente pode ser mais bem individualizada se levarmos em conta também os aspectos da personalidade. E o entendimento da personalidade, mesmo em níveis inconscientes, inserida num todo de vivências e de ações ambientais, pode ser visto a partir de enfoques analíticos. Assim vem abrindo-se horizontes mais am- plos , que permitem uma adequação melhor do tratamento a cada caso clínico em particular. Nem sempre colocar de lado as técnicas clássicas e tradicionais é válido, já que estas sempre incorporaram mais elementos aos diagnósticos clínicos, permitin- do que realmente cada paciente pudesse ser entendido como um universo próprio, com sua doença, mas com toda uma personalidade consciente e inconsciente, que, no mínimo, altera a sua resposta à terapêutica instituída. Um os principais grupos terapêuticos no controle das fases de mania e de hipomania dos quadros do Espectro Bipolar são os antipsicóticos. Uma necessidade imperiosa no controle dos pacientes, tanto com sintomas positivos quanto os com sintomas negativos. Estes partem desde a tradicional, e ainda usada, clorpromazina até os medicamen- tos de última geração, cujos efeitos terapêuticos se observam desde o início da sua administração. A adequada seleção dos mesmos, cada um mais apropriado a cada caso, permite a recuperação mais rápida, mais eficiente e com menos efeitos colaterais. Qual destes deverá ser usado vai depender do quadro clínico de cada paciente e do objetivo que o psiquiatra traça quanto à sua recuperação. Escolhendo, por outro lado, o mais eficiente, mas também o que menos efeitos colaterais apresentem. Estes efei- tos colaterais, quando não bem explicados e entendidos de parte a parte, o médico e o paciente/familiares podem ser um obstáculo ao tratamento. Daí a necessidade de uma comunicação adequada entre ambas as partes. E, por falar dos psicóticos atípicos, hoje um realce na moderna Psiquiatria, a pato- logia que também mais se beneficiou com estes avanços terapêuticos foi a clássica esquizofrenia, conhecida historicamente e descrita por autores de todos os tempos. Pela relativamente alta prevalência entre as psicoses, o estudo da terapêutica da esquizofrenia pela nova classe de antipsicóticos mais modernos, sempre permite adicionar novos conhecimentos aos que já possuímos, abrindo os esquemas em uso para a luz da modernidade. Dr. Vladimir Bernik editorial Publicação da moreira jr. editora ltda. Rua Henrique Martins, 493 - CEP 04504-000 Tel.: (011)3884-9911 - Fax: (011)3884-9993 São Paulo - SP - E-mail: editora@mor eirajr .com.br Web site: www .mor eirajr .com.br Editor Coordenador Vladimir Bernik Conselho Editorial Alexandrina Meleiro (FMUSP) Antônio Egídio Nardi (UFRJ) Carlos R. de M. Rieder (HC Porto Alegre) Carmita H.N. Abdo (FMUSP) Chei Tung Teng (HC-FMUSP) Denise Hack Nicaretta (UFF) Doris Hupfeld Moreno (HC-FMUSP) Fábio Lopes Rocha (IPSEMG) Fábio G. Matos (UFCE) Fátima Vasconcellos (APERJ) Hélio Teive (UFPR) Henrique Ballalai Ferraz (UNIFESP-EPM) Irismar Reis de Oliveira (UFBA) José Alberto Del Porto (UNIFESP-EPM) Kalil Duailibi - Fac. de Medicina de Santo Amaro Luiz Augusto Franco de Andrade (Hospital Albert Einstein - SP) Luiz Gonzaga Vaz Coelho (UFMG) Márcio Bernik (FMUSP) Marcos Pacheco de Toledo Ferraz (UNIFESP- EPM) Orlando Barsottini (UNIFESP-EPM) Ricardo Alberto Moreno (HC-FMUSP) Ricardo S. Komatsu (FAMEMA) Sandra Odebrecht Vargas Nunes (UEL) Sérgio Luís Blay - UNIFESP Vanderci Borges (UNIFESP-EPM) Vanessa de Albuquerque Cítero (UNIFESP) Vitor Tumas (FM Ribeirão Preto) Ylmar Corrêa Neto (UFSCA) A Revista Brasileira de Medicina, ISSN 0034- 7264, editada desde 1944, é publicada men- salmente (de jan/fev a dezembro) pela Moreira Jr. Editora Ltda. e destina-se a divulgar a inves- tigação médica brasileira, por meio da publica- ção de artigos originais de estudos clínicos e experimentais, considerados de bom nível ci- entífico, realizados em nosso meio. Atuar como instrumento do Ensino continuado em Medici- na, estimulando e promovendo a publicação de artigos de atualização e revisão sistemática e de meta-análise, escritos por convite por es- pecialistas reconhecidos. Atuar, por meio de cartas dirigidas ao Editor, como fórum para a documentação de experiências pessoais e de- bates de interesse médico-científico. Os conceitos e opiniões emitidos nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos auto- res e nas propagandas são de responsabili- dade exclusiva dos anunciantes. Todos os artigos publicados na Revista Brasi- leira de Medicina terão seus direitos resguar- dados pela Moreira Jr. Editora Ltda. e só pode- rão ser publicados, parcial ou integralmente, com autorização por escrito da Editora. Revista Brasileira de Medicina está registrada na lei de imprensa sob nº 5.142 em 06/05/77 (3º Cartório de Registro de Títulos e Documentos). Censura Federal Nº 2.340 - P. 209/73. Esta revista figura no INDEX MEDICUS LATINO AMERICANO (LILACS), Excerpta Medica, Perio- dica, SIIC-DATABASES, Ulrich’s Periodicals Di- rectory, Tropical Diseases Bulletin, La Prensa Medica Mundial, Bibliografia Brasileira de Me- dicina e Database Global Health. NEUROPSIQUIATRIA Revista Brasileira de Medicina Abertura de conceitos amplia estratégias terapêuticas revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 1

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 1

Sem dúvida existe hoje uma demanda cada vez maior dos serviços psiquiátricos noBrasil e no mundo. Preconceitos e mitos caem pela galopante evolução da Psiquiatriae a busca dos especialistas vem aumentando mais que a paralela formação dos espe-cialistas.

A primeira consequência deste fenômeno é que a Psiquiatria, e algumas poucasoutras especialidades médicas mostraram um crescimento científico profundo e de-talhado, principalmente em pesquisas e em modernidade. Começando pelareformulação dos conceitos e dos critérios de diagnóstico, que resultarão numa pró-xima edição do DSM-5, os quadros patológicos se definem melhor, permitindo odetalhamento progressivo das patologias nesta especialidade.

A imediata resposta vem da ampliação consequente dos esquemas terapêuticos,hoje cada vez mais exatos e precisos, em função da observação de diferentes verten-tes de conhecimentos utilizadas para o aprimoramento do diagnóstico. Cada vezmais o médico tem condições de detalhar o quadro clínico do paciente, resultandonuma melhor abordagem terapêutica.

A presente edição é um exemplo desta evolução para a modernidade. Falar se hojedo Transtorno Afetivo Bipolar já não se baseia mais na limitação do diagnóstico. E,como tão bem o abordam estes artigos, o Transtorno Bipolar é hoje considerado o“Espectro Bipolar”, pois muitos quadros limítrofes foram abrangidos por um diagnós-tico mais amplo, permitindo melhor o entendimento e a busca de soluções terapêuti-cas. Esta busca de melhores soluções tem como consequência imediata a procura demedicamentos cada vez mais específicos. O que representa, em última instância,uma evolução cada vez maior da Psiquiatria.

Falando do diagnóstico do Espectro Bipolar, além da sintomatologia clínica, a evo-lução de cada paciente pode ser mais bem individualizada se levarmos em contatambém os aspectos da personalidade. E o entendimento da personalidade, mesmoem níveis inconscientes, inserida num todo de vivências e de ações ambientais, podeser visto a partir de enfoques analíticos. Assim vem abrindo-se horizontes mais am-plos , que permitem uma adequação melhor do tratamento a cada caso clínico emparticular. Nem sempre colocar de lado as técnicas clássicas e tradicionais é válido, jáque estas sempre incorporaram mais elementos aos diagnósticos clínicos, permitin-do que realmente cada paciente pudesse ser entendido como um universo próprio,com sua doença, mas com toda uma personalidade consciente e inconsciente, que,no mínimo, altera a sua resposta à terapêutica instituída.

Um os principais grupos terapêuticos no controle das fases de mania e de hipomaniados quadros do Espectro Bipolar são os antipsicóticos. Uma necessidade imperiosano controle dos pacientes, tanto com sintomas positivos quanto os com sintomasnegativos.

Estes partem desde a tradicional, e ainda usada, clorpromazina até os medicamen-tos de última geração, cujos efeitos terapêuticos se observam desde o início da suaadministração. A adequada seleção dos mesmos, cada um mais apropriado a cadacaso, permite a recuperação mais rápida, mais eficiente e com menos efeitos colaterais.

Qual destes deverá ser usado vai depender do quadro clínico de cada paciente e doobjetivo que o psiquiatra traça quanto à sua recuperação. Escolhendo, por outro lado,o mais eficiente, mas também o que menos efeitos colaterais apresentem. Estes efei-tos colaterais, quando não bem explicados e entendidos de parte a parte, o médico eo paciente/familiares podem ser um obstáculo ao tratamento. Daí a necessidade deuma comunicação adequada entre ambas as partes.

E, por falar dos psicóticos atípicos, hoje um realce na moderna Psiquiatria, a pato-logia que também mais se beneficiou com estes avanços terapêuticos foi a clássicaesquizofrenia, conhecida historicamente e descrita por autores de todos os tempos.Pela relativamente alta prevalência entre as psicoses, o estudo da terapêutica daesquizofrenia pela nova classe de antipsicóticos mais modernos, sempre permiteadicionar novos conhecimentos aos que já possuímos, abrindo os esquemas em usopara a luz da modernidade.

Dr. Vladimir Bernik

edit

ori

al Publicação damoreira jr. editora ltda.

Rua Henrique Martins, 493 - CEP 04504-000Tel.: (011)3884-9911 - Fax: (011)3884-9993São Paulo - SP - E-mail:[email protected] site: www.moreirajr.com.br

Editor CoordenadorVladimir Bernik

Conselho EditorialAlexandrina Meleiro (FMUSP)Antônio Egídio Nardi (UFRJ)Carlos R. de M. Rieder (HC Porto Alegre)Carmita H.N. Abdo (FMUSP)Chei Tung Teng (HC-FMUSP)Denise Hack Nicaretta (UFF)Doris Hupfeld Moreno (HC-FMUSP)Fábio Lopes Rocha (IPSEMG)Fábio G. Matos (UFCE)Fátima Vasconcellos (APERJ)Hélio Teive (UFPR)Henrique Ballalai Ferraz (UNIFESP-EPM)Irismar Reis de Oliveira (UFBA)José Alberto Del Porto (UNIFESP-EPM)Kalil Duailibi - Fac. de Medicina de SantoAmaroLuiz Augusto Franco de Andrade(Hospital Albert Einstein - SP)Luiz Gonzaga Vaz Coelho (UFMG)Márcio Bernik (FMUSP)Marcos Pacheco de Toledo Ferraz (UNIFESP-EPM)Orlando Barsottini (UNIFESP-EPM)Ricardo Alberto Moreno (HC-FMUSP)Ricardo S. Komatsu (FAMEMA)Sandra Odebrecht Vargas Nunes (UEL)Sérgio Luís Blay - UNIFESPVanderci Borges (UNIFESP-EPM)Vanessa de Albuquerque Cítero (UNIFESP)Vitor Tumas (FM Ribeirão Preto)Ylmar Corrêa Neto (UFSCA)

A Revista Brasileira de Medicina, ISSN 0034-7264, editada desde 1944, é publicada men-salmente (de jan/fev a dezembro) pela MoreiraJr. Editora Ltda. e destina-se a divulgar a inves-tigação médica brasileira, por meio da publica-ção de artigos originais de estudos clínicos eexperimentais, considerados de bom nível ci-entífico, realizados em nosso meio. Atuar comoinstrumento do Ensino continuado em Medici-na, estimulando e promovendo a publicaçãode artigos de atualização e revisão sistemáticae de meta-análise, escritos por convite por es-pecialistas reconhecidos. Atuar, por meio decartas dirigidas ao Editor, como fórum para adocumentação de experiências pessoais e de-bates de interesse médico-científico.

Os conceitos e opiniões emitidos nos artigossão de responsabilidade exclusiva dos auto-res e nas propagandas são de responsabili-dade exclusiva dos anunciantes.

Todos os artigos publicados na Revista Brasi-leira de Medicina terão seus direitos resguar-dados pela Moreira Jr. Editora Ltda. e só pode-rão ser publicados, parcial ou integralmente,com autorização por escrito da Editora.

Revista Brasileira de Medicina está registradana lei de imprensa sob nº 5.142 em 06/05/77(3º Cartório de Registro de Títulos eDocumentos). Censura Federal Nº 2.340 - P.209/73.Esta revista figura no INDEX MEDICUS LATINOAMERICANO (LILACS), Excerpta Medica, Perio-dica, SIIC-DATABASES, Ulrich’s Periodicals Di-rectory, Tropical Diseases Bulletin, La PrensaMedica Mundial, Bibliografia Brasileira de Me-dicina e Database Global Health.

N E U R O P S I Q U I A T R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Abertura de conceitos ampliaestratégias terapêuticas

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 1

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20122 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20122

índi

ce

Destaque

Esquizofrenia: antipsicóticos atípicosItiro ShirakawaMarcel H. Kaio

Destaque

Transtorno afetivo bipolar. Atenção às diferençasJosé Gilberto Franco

Destaque

Transtorno de humor (afetivo) bipolar - TABRicardo Cezar TorresanFlorence Kerr-CorrêaGabriel Savi Coll

Artigo comentado

Memantina na doença de Alzheimer moderadaa graveRenata Areza-Fegyveres

Artigo comentado

Eficácia comparativa e aceitabilidade de12 antidepressiv]os da nova geração:uma meta-análise de múltiplos tratamentosElisa Brietzke

Eventos

4

12

20

25

29

33

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 3revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 3

Um passo adiante

RBM-Neuropsiquiatria em busca do aperfeiçoamento contínuo

do seu conteúdo para oferecer ao médico o que de melhor a

medicina vem oferecendo nesta área, inicia uma fase mais di-

nâmica de apresentação de suas matérias. É um passo adiante

no aprofundamento das patologias vinculadas à neuropsiquia-

tria.

Neste número, em entrevista concedida à jornalista Branca

Ferrari, o Dr. José Gilberto Franco amplia o horizonte de abor-

dagem do Transtorno Afetivo Bipolar, comentando aspectos

cruciais do diagnóstico para uma boa evolução do tratamen-

to. Ainda na área do Transtorno Afetivo Bipolar, o Dr. Ricardo

Cezar Torresan, Dra. Florence Kerr-Coorrêa e Dr. Gabriel Salvi

Coll tratam questões pertinentes às causas, diagnóstico e tra-

tamento, com destaque para o fato de que atinge igualmente

homens e mulheres de qualquer raça e está associado a pre-

juízos psicossociais e profissionais importantes.

Já o Dr. Itiro Shirakawa e Dr. Marcelo Kaio falam do tratamento

da Esquizofrenia com antipsicóticos atípicos, oferecendo reco-

mendações básicas, indicações e efeitos adversos dos medica-

mentos em uso no país. Chamam a atenção para as conse-

quências psicológicas e sociais devastadoras deste transtorno

tanto para seus portadores como para seus familiares.

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20124 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20124

RBM - Entre as psicoses como é classificada a es-quizofrenia?

A esquizofrenia é a mais comum das psicoses crôni-

cas1. Manifesta-se em aproximadamente 1% da popula-

ção, principalmente no sexo masculino e em indivíduos

jovens, estando presente em todas as culturas, regiões

geográficas e estratos sociais. Sendo um transtorno men-

tal de evolução crônica gera, comumente, consequên-

cias psicológicas e sociais devastadoras, tanto para seus

portadores quanto para seus familiares, ceifando sonhos

e aspirações de boa parte deles.

Muitos pesquisadores contribuíram, com o passar dos

anos, para a melhor compreensão da doença. Emil

Kraepelin (1896) enfatizou os aspectos processuais da

patologia, Eugen Bleuler (1911) se notabilizou na defini-

ção dos sinais e sintomas típicos, Kurt Schneider (déca-

da de 30) descreveu os sintomas de primeira ordem, que

retratavam a vivência psicótica em si.

Além desses avanços na descrição psicopatológica da

doença, pôde-se também observar, mais recentemente,

uma importante evolução nas áreas de neurobiologia,

neuroimagem e neuropsicologia. A psicofarmacologia,

em especial, vem contribuindo decisivamente para a

melhoria da clínica e do atendimento aos portadores de

esquizofrenia.

RBM - O que mudou no tratamento da doença aolongo do tempo?

A era moderna do tratamento dos transtornos psicóti-

cos se iniciou em 1952 com o descobrimento das propri-

edades antipsicóticas da clorpromazina e seu efeito na

melhora dos sintomas da doença. Inicialmente a clorpro-

mazina foi denominada como fármaco neuroléptico (do

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Esquizofrenia:antipsicóticos atípicos

Itiro ShirakawaProfessor titular do Departamento dePsiquiatria da Universidade Federal de SãoPaulo da Escola Paulista de Medicina(UNIFESP-EPM).

Marcel H. KaioPós-graduando do Departamento dePsiquiatria da Universidade Federal de SãoPaulo da Escola Paulista de Medicina(UNIFESP-EPM).

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 5revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 5

grego neuron e lepsis, em referência a “contenção do

sistema nervoso”), termo utilizado para descrever seus

efeitos inibitórios centrais sobre a psicomotricidade.

Outros compostos antipsicóticos surgiram e, como a

clorpromazina, foram considerados pertencentes à clas-

se dos fármacos neurolépticos, na qual os efeitos tera-

pêuticos se apresentavam inseparáveis dos sintomas

extrapiramidais (SEP), efeitos secundários indesejáveis

produzidos pelos mesmos2.

Todavia, o maior benefício desses medicamentos foi

ter viabilizado a transformação da esquizofrenia em do-

ença ambulatorial – até então ainda muito vinculada à

institucionalização crônica – e possibilitado aos seus

doentes usufruir de outras técnicas terapêuticas, como

hospitais-dia e centros de atenção psicossocial. Permi-

tiu, também, uma melhor reinserção familiar, reintegra-

ção social e laborativa desses pacientes.

No panorama atual, o desenvolvimento de novas me-

dicações tem priorizado, principalmente, a melhora glo-

bal dos portadores da doença. Observava-se na prática

clínica que o tratamento com os antipsicóticos clássicos

(de primeira geração) se restringia apenas ao controle

dos sintomas positivos (ou produtivos) da esquizofrenia

e não propiciava melhora dos sintomas negativos da

doença. O parkinsonismo medicamentoso induzido pela

diminuição da transmissão dopaminérgica no sistema

nervoso (através do bloqueio de receptores de dopami-

na no sistema nigroestriatal) dificultava a adesão de pa-

cientes e familiares ao tratamento e contribuía para a

piora dos sintomas negativos.

RBM - Quais são esses sintomas positivos e negati-vos?

Entre os sintomas positivos da esquizofrenia estão os

delírios, as alucinações, a agitação psicomotora. Entre

os negativos se alinham o pensamento empobrecido, o

embotamento afetivo, o retraimento social.

RBM - Como foram contornadas as dificuldades?

O desafio que se colocava era como lidar com a rela-

ção intrínseca dos efeitos antipsicóticos das drogas, fun-

damentais para o tratamento e os consequentes efeitos

colaterais destas medicações, sem detrimento ao bem-

estar do paciente. O desenvolvimento dos chamados

antipsicóticos atípicos promoveu uma inversão na rela-

ção risco/benefício do tratamento com essas drogas con-

tornando aquelas dificuldades.

RBM - Quais os elementos essenciais ao diagnósti-co apropriado da esquizofrenia?

O diagnóstico precoce da esquizofrenia permite que

os impactos causados pela doença sejam evitados ou,

pelo menos, retardados. O conhecimento e a correta iden-

tificação dos sintomas ainda são as melhores estratégi-

as para se detectar as alterações geradas pela patologia

e, posteriormente, instituir-se o tratamento incisivo dos

surtos psicóticos.

A heterogeneidade da esquizofrenia, muito apontada

por Bleuler no início do século passado, tem sido com-

provada a partir das décadas de 80-90 por pesquisas

que procuraram identificar subtipos específicos que a

definam melhor, tendo se utilizado de técnicas avança-

das de neuroimagem, estatística e testes neuropsicoló-

gicos.

Dentre várias abordagens diagnósticas se destaca a

de Peter Liddle3, que no início da década de 90 sugeriu

uma abordagem dimensional da esquizofrenia. Tal abor-

dagem tenta estabelecer dimensões sintomatológicas, as

quais podem refletir mais facilmente a heterogeneidade

e a variabilidade clínica da patologia.

As abordagens categoriais, por outro lado, tentam di-

ferenciar subtipos da esquizofrenia dentro de critérios

sintomatológicos bem definidos, porém com uma des-

crição de corte transversal, ou seja, procuram classificar

um surto a partir de um conjunto de sintomas presentes

na fase aguda.

Vamos nos restringir à classificação dimensional de

Liddle que permite, de forma mais prática e objetiva, a

identificação dos principais sintomas da doença para o

clínico geral. Liddle distingue três formas principais de

esquizofrenia: a forma POSITIVA, que abrange delírios

(distorção da realidade) e alucinações; a forma DESOR-

GANIZADA, que compreende distúrbio da forma do pen-

samento, resposta afetiva inadequada, atitudes inade-

quadas/desorganizadas; a forma NEGATIVA, que inclui

discurso de conteúdo empobrecido, afeto embotado

(“achatado”), inibição psicomotora.

RBM - Quais são as recomendações básicas para otratamento?

Do ponto de vista farmacológico, os antipsicóticos de

primeira geração (típicos) bloqueiam os receptores do-

paminérgicos do tipo D2 existentes nos sistemas

mesolímbico, mesocortical, nigroestriatal e tuberoinfun-

dibular. Considera-se que a base do efeito antipsicótico

destaque

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20126

está no bloqueio de receptores no sistema límbico; a re-

dução da atividade no estriado contribui para o surgi-

mento de sintomas extrapiramidais; que o bloqueio D2

no eixo hipotálamo-hipófise induz a hiperprolactinemia

e a diminuição da dopamina no córtex pré-frontal acar-

reta os sintomas negativos.

Já os antipsicóticos de segunda geração apresentam

como características diferenciais uma menor afinidade

pelo receptor D2 e maior afinidade pelos receptores 5-

HT2 de serotonina4.

Meltzer5 relata que quando a razão D2/5HT2 da atua-

ção de um neuroléptico for menor que 1, estamos diante

de um antipsicótico atípico, com menor possibilidade de

SEP, maior tolerabilidade e melhora dos sintomas nega-

tivos.

A serotonina, principalmente a localizada no sistema

límbico e em suas projeções corticais, está amplamente

relacionada às funções cognitivas e à manutenção do

humor. Este mecanismo de ação dos novos antipsicóti-

cos (menor bloqueio D2 e maior bloqueio 5HT-2) melho-

ra os sintomas positivos e os negativos – sintomas típi-

cos da esquizofrenia.

As justificativas para a relativa ausência de efeitos se-

cundários indesejáveis de alguns dos antipsicóticos atí-

picos parecem estar relacionadas à menor ocupação dos

receptores D2 (50%) e maior ocupação de receptores

5HT2. Estes também demonstram menor propensão para

provocar hipotensão e taquicardia, bem como efeitos

secundários anticolinérgicos (boca seca, obstipação in-

testinal, distúrbios de acomodação visual), provavelmente

devido à sua menor afinidade, respectivamente, pelos

receptores adrenérgicos (alfa-1 e 2) e receptores mus-

carínicos, quando comparados aos antipsicóticos de pri-

meira geração.

Os efeitos clínicos dos antipsicóticos atípicos estão

relacionados às suas propriedades farmacológicas e re-

fletem suas afinidades por vários receptores dos neuro-

transmissores. Por sua superior segurança em termos

de efeitos colaterais neurológicos, existe um consenso

crescente de que essa nova classe de medicação seja

utilizada como tratamento de primeira linha no tratamen-

to da esquizofrenia e deve ser a primeira escolha para

pacientes de primeiro episódio psicótico6.

RBM - Que critérios deverão orientar o médico naindicação dos antipsicóticos atípicos?

Seguir sempre o critério de dose recomendada para cada

droga, de acordo com o perfil do receptor (Tabela 1).

Tabela 1

Droga Dose Perfil de receptorrecomen- (afinidade por bloqueio)dada(mg/dia)

1 - Quetiapina 150-750 H1 > 5HT2 > alfa > D2

2 - Amisulprida 50-1200 D2 > D3 > D1

3 - Olanzapina 05-20 5HT2 > D > M > alfa > H1

4 - Risperidona 02-08 5HT2 > D > alfa > H1

5 - Clozapina 50-900* 5HT2 > D > alfa > M > H1

6 - Ziprasidona 40-160 5HT2 > D2 > 5HT1a

7 - Aripiprazol 15-30 5HT2

Bloqueio 5HT2: melhora de sintomas negativos.* acima de 600 mg/dia - risco de convulsão.Bloqueio D: efeito antipsicótico.Bloqueio M: efeito anticolinérgico.Bloqueio alfa: efeito hipotensor.Bloqueio H1: sedação.

RBM - E os efeitos colaterais?

Traçamos o perfil dos efeitos colaterais dos antipsicó-

ticos atípicos dentro do critério mostrado na Tabela 2.

RBM - É possível especificar as características decada um deles, indicações e efeitos adversos?

1. Risperidona. É um derivado dos benzisoxazoles com

efeitos antisserotoninérgicos (5HT2), antidopaminér-

gicos (D4, D1, D2 e D3) e antiadrenérgicos (alfa-1,

alfa-2) marcantes22, mas que não apresenta atividade

anticolinérgica. Quando utilizada em doses elevadas

(acima de 10 mg/dia) mostrou perfil de efeitos cola-

terais – particularmente com a presença dos sinto-

mas extrapiramidais – semelhante ao observado com

o uso de haloperidol. Sua meia-vida de eliminação é

de 20 a 22 horas.

Indicações

É principalmente indicada para os casos de esquizo-

frenia, tanto no tratamento dos primeiros episódios psi-

cóticos como nas reagudizações da doença ou no trata-

mento de manutenção. É indicada também nos transtor-

nos delirantes, transtorno esquizoafetivo, no controle dos

distúrbios do comportamento associados à demência

(agitação e agressividade, sintomatologia psicótica). Em

comparação aos antipsicóticos de primeira geração de-

monstrou ser mais efetiva na melhora de sintomas nega-

tivos23 e funções cognitivas específicas24.

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20126

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 7

Posologia

Recomenda-se uma dose inicial de 1 mg ao dia, com

aumento de 1 mg/dia até se atingir a faixa terapêutica

de 4-8 mg/dia, em uma ou duas tomadas diárias.

Efeitos colaterais

Sedação, hipotensão postural, cefaleia, disfunções

sexuais, taquicardia, ganho de peso (a longo prazo), par-

kinsonismo (em doses acima de 10 mg/dia).

Contraindicações

- Gravidez e lactação.

- Insuficiência renal ou hepática grave.

2. Amisulprida é uma benzamida substituída, antago-

nista dopaminérgica de alta seletividade por recepto-

res do tipo D2 e D37, mas de pouca afinidade por

receptores de outros neurotransmissores. Não se tra-

ta de droga nova, porém sua indicação para o trata-

mento das psicoses é recente. Apresenta meia-vida

de eliminação de aproximadamente 12 horas.

Indicações

A amisulprida apresentou eficácia tanto em sintomas

positivos quanto em sintomas negativos da esquizofre-

nia. Em pacientes com predomínio de sintomas positi-

vos, doses mais altas da droga devem ser utilizadas (400

a 800 mg/dia)8. Já pacientes com sintomas negativos

devem receber doses entre 50 e 300 mg/dia, que se

mostraram mais efetivas que placebo9,10 e também capa-

zes de atuar em sintomas positivos leves. Doses acima

de 1200 mg/dia foram estudadas sem demonstrar van-

tagem em relação à dose de 800 mg/dia11.

Posologia

Dividir a dose diária em duas administrações ao dia.

Efeitos colaterais

Sedação, sonolência e galactorreia, mas tende ser bem

tolerada. Os sintomas extrapiramidais induzidos pela

amisulprida são doses-dependente.

Contraindicações

- Insuficiência renal (devido à sua excreção renal).

- Epilepsia (diminui o limiar convulsivante).

- Feocromocitoma.

- Gravidez e lactação (mães que necessitam ser medi-

cadas devem interromper amamentação).

3. Clozapina é uma dibenzodiazepina que apresenta afi-

nidade por receptores do tipo D1, D3, D4, colinérgicos

e serotonérgicos 5HT2a,c. Foi o primeiro antipsicóti-

co a tratar os sintomas da esquizofrenia efetivamen-

te, com riscos mínimos de provocar sintomas extra-

piramidais e aumento dos níveis de prolactina12,13. Tem

meia-vida de eliminação de 10 a 17 horas.

Indicações

A clozapina se mostrou mais eficaz que os antipsicó-

ticos de primeira geração no tratamento da esquizofre-

nia refratária14,15, sendo esta uma de suas principais in-

dicações. Seus efeitos terapêuticos vão além do controle

dos sintomas psicóticos: é efetiva para sintomas negati-

vos, déficits cognitivos específicos, comportamento sui-

cida16,17, além de também ser eficaz no tratamento da

doença bipolar refratária a tratamento18. Por apresentar

perfil bastante tolerável em relação à produção de sinto-

Tabela 2

Evento Típicos Cloz Risp Olanz Quetp Zipr Arip

SEP +/+++ ± ±/+++* ±/+* ± ±/+* ±/+

Discinesia +++ ± ±/+ ± (?) ± (?) ± (?) ± (?)

Sonolência ±/+++ +++ ± +‘ ++ ± ±

Prolactina +++ ± +++ ± ±‘ ± ±

Peso ±/++ +++ + +++ + ± ±

Dislipidemia ±/+ +++ + +++ ++ ± ±

Diabetes ±/+ +++ + +++ ++ ± ±

QTc ±/+++ ++ + + + ++ ±

Hipotensão ortostática ±/+ +++ ++ + ++ ± ±

* dose relacionado; ± mínimo; + leve; +++ marcante comparado a placebo.

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 7

destaque

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20128

mas extrapiramidais é indicada para os pacientes que,

durante o uso de antipsicóticos convencionais, apresen-

taram SEP intoleráveis ou que desenvolveram discinesia

tardia. Pode ser também utilizada em pacientes portado-

res de doença de Parkinson que apresentem quadros

psicóticos quando em uso de levodopa. A clozapina,

porém, deve ser indicada após tentativas com pelo me-

nos dois dos antipsicóticos tradicionais e passagem pe-

los antipsicóticos de segunda geração, estes mais segu-

ros em relação ao risco de causar agranulocitose (devido

à toxicidade seletiva a leucócitos polimorfonucleares) em

0,8% dos pacientes expostos à clozapina por pelo me-

nos seis meses19,20.

Posologia

Iniciar com dose de 25 mg, com aumentos de 25 a

50 mg/dia a cada dois a três dias até se atingir a dose

terapêutica 200 a 500 mg/dia (média de 300 mg/dia)

após duas a três semanas, divididas em duas a três to-

madas diárias, para se minimizar os efeitos colaterais.

Em doses de até 200 mg/dia a administração pode ser

única, à noite. A dose máxima recomendada é de 900

mg/dia, embora poucos pacientes necessitem de doses

superiores a 650 mg/dia. As respostas ao tratamento

surgem após três meses de uso contínuo da droga, po-

dendo variar até dois anos, sendo preconizado, em ge-

ral, uma tentativa de pelo menos seis a nove meses de

uso21.

Efeitos colaterais

Sedação, hipotensão, taquicardia, constipação, convul-

sões (doses-dependente, acima de 600 mg/dia), ganho

de peso e leucopenia.

Contraindicações

- Leucócitos abaixo de 3.500/mm3.

- Doenças mieloproliferativas.

- História de granulocitopenia ou agranulocitose.

- Psicoses alcoólicas.

- Uso concomitante de carbamazepina.

- Gravidez e lactação.

4. Quetiapina. É uma dibenzotiazepina que se asse-

melha estruturalmente à clozapina e que interage

com ampla variedade de receptores: exibe alta afini-

dade pelos receptores tipo 5HT2 e 5HT6, H1 e alfa-1

e 2, bem como tem afinidade pelo receptor D2 do

sistema límbico. Tem meia-vida de eliminação de sete

horas.

Indicações

É eficaz no tratamento de sintomas positivos e negati-

vos da esquizofrenia. Tem sido considerada especialmen-

te vantajosa em casos de pacientes idosos com transtor-

nos psicóticos25, na psicose da doença de Parkinson in-

duzida por medicações26 e nas alterações de comporta-

mento de quadros demenciais.

Posologia

Apesar de apresentar meia-vida de eliminação curta,

pode ser administrada duas vezes ao dia, sem maiores

repercussões a seu efeito clínico27. Recomenda-se uma

dose inicial de 50 mg/dia com aumento gradativo: 100

mg/dia no segundo dia, 200 mg/dia no terceiro dia, 300

mg/dia no quarto dia até atingir 400 mg/dia no quinto

dia. Essa titulação favorece uma melhor tolerância dos

efeitos colaterais mais comuns na fase inicial do trata-

mento. Doses terapêuticas são, em média, de 150 a 400

mg/dia e, em situações mais graves, podem chegar a

750 mg/dia.

Efeitos colaterais

Sonolência, tontura, hipotensão, pode causar ganho

de peso.

Contraindicações

Gravidez e lactação.

5. Olanzapina. É um antipsicótico da classe dos tieno-

dibenzodiazepínicos que apresenta perfil farmacoló-

gico e estrutura química semelhante à clozapina28,

contudo não há indicações de que induza discrasias

sanguíneas como aquela droga. Age em receptores

D1 a D4, 5HT2, muscarínicos, adrenérgicos alfa-1 e

histaminérgico H1. A meia-vida de eliminação é de

30 horas, permitindo administração em dose única

diária.

Indicações

Pode ser utilizada no tratamento da esquizofrenia e

outros transtornos psicóticos, particularmente naque-

les pacientes que apresentaram alta incidência de sin-

tomas extrapiramidais e/ou discinesia tardia com ou-

tras medicações; ou em pacientes com sintomas nega-

tivos e depressivos predominantes29. A olanzapina já

tem uso aprovado para tratamento da mania aguda em

pacientes bipolares. As alterações comportamentais em

pacientes com demência também podem ser tratadas

efetivamente30.

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 20128

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201210

Posologia

A administração única diária facilita a adesão ao trata-

mento. A faixa terapêutica se encontra entre 5 e 20 mg/

dia. A dose inicial de 10 mg/dia é considerada bastante

tolerável para a maioria dos pacientes, não sendo reco-

mendada dose acima de 20 mg/dia.

Efeitos colaterais

Ganho de peso (não aparentando ser dose-dependente),

sedação, aumento assintomático das enzimas hepáticas.

Contraindicações

- Glaucoma de ângulo estreito.

- Gravidez e lactação.

6. Ziprasidona. Esta droga difere farmacologicamente

dos demais antipsicóticos atípicos por seu efeito ago-

nista em receptor 5HT1a e por inibição da recaptação

de serotonina e noradrenalina31. Tem meia-vida de

eliminação de três a dez horas.

Indicações

A ziprasidona se mostrou efetiva no controle de sinto-

mas positivos e negativos da esquizofrenia32, além de

benefício na prevenção de recaídas no tratamento a lon-

go prazo. Parece induzir menor ganho de peso se com-

parado aos demais antipsicóticos atípicos. Demonstrou

eficácia ao ser utilizada no controle dos sintomas da

mania em pacientes bipolares.

Posologia

A administração deve ser realizada em duas tomadas

por dia. A faixa terapêutica é de 80 a 160 mg/dia, podendo

iniciar-se o tratamento com 40 mg/dia, de 12/12 horas.

Efeitos colaterais

Sedação, náusea, obstipação intestinal e aumento do

intervalo QTc ao eletrocardiograma, dose-dependente

(QTc menor que 500 msec: sem relevância clínica em

indivíduos hígidos).

Contraindicações

- Pacientes com alterações cardíacas.

- Gravidez e lactação.

7. Aripiprazol. Derivado de quinolona, inaugurou uma

nova classe de antipsicóticos em face dos antagonis-

tas dopaminérgicos pós-sinápticos clássicos: possui

ação diferenciada por ser um agonista D2 e 5HT1a

parcial, porém com ação antagonista potente de re-

ceptores 5HT2a. Se caracteriza por não ser um blo-

queador dopaminérgico central e, sim, um modulador

ou estabilizador da função, ajustando seus excessos

ou deficiências onde se fizer necessário33,34. Tem meia-

vida de eliminação de 75 horas. É o mais recente an-

tipsicótico no mercado, com sua comercialização ini-

ciada em abril de 2003.

Indicações

O aripiprazol já demonstrou ser mais eficaz que place-

bo em estudos que avaliaram episódios agudos, preven-

ção de recaídas e melhora dos sintomas negativos e de-

pressivos. Pode, portanto, ser utilizado em quadros agu-

dos e crônicos da esquizofrenia e também nos transtor-

nos esquizoafetivos. A aplicação na mania aguda de paci-

entes bipolares foi também estudada com melhora signi-

ficativa dos sintomas e bom perfil de tolerabilidade35.

Posologia

A administração deve ser realizada em dose única di-

ária. A faixa terapêutica é de 15 a 30 mg/dia, podendo

iniciar-se o tratamento com 15 mg/dia, já considerada

dose efetiva.

Efeitos colaterais

Cefaleia, ansiedade, insônia.

Contraindicações

Gravidez e lactação.

RBM - Qual a sua avaliação final sobre os antipsi-cóticos atípicos?

Não há dúvidas de que os antipsicóticos atípicos repre-

sentam um avanço no tratamento dos transtornos psicó-

ticos, em particular, da esquizofrenia. Apesar de terem

custo muito mais elevado que os neurolépticos clássicos,

se considerada a proporção diante dos custos totais (dire-

tos e indiretos) da doença, os gastos são, na realidade,

modestos. Como o impacto da doença nas despesas dos

serviços de assistência à saúde (ambulatórios, hospitais

etc.) são substanciais, é muito provável que, cada vez mais,

programas de saúde mental, em especial, sejam

priorizados nos gastos ligados à saúde pública.

Tornam-se, então, necessárias pesquisas dos vários

fatores que podem estar relacionados à introdução e ao

uso mais disseminado dos antipsicóticos de segunda

geração na prática clínica, para que estes possam vir a

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Page 11: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 11

beneficiar mais pacientes portadores das patologias psi-

quiátricas mencionadas36.

Vale salientar que o tratamento psicossocial da esqui-

zofrenia (psicoterapia individual ou de grupo, interven-

ção familiar, terapia ocupacional, programas de reabili-

tação social e profissional) é tão importante quanto o

tratamento medicamentoso. O trabalho em equipe mul-

tidisciplinar em muito otimiza e aumenta as possibilida-

des de controle da doença, de adesão ao tratamento e

de readaptação do paciente à sociedade37.

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Não há dúvidas de que os antipsicóticos

atípicos representam um avanço no tra-

tamento dos transtornos psicóticos, em

particular, da esquizofrenia. Apesar de

terem custo muito mais elevado que os

neurolépticos clássicos, se considerada

a proporção diante dos custos totais (di-

retos e indiretos) da doença, os gastos

são, na realidade, modestos.

destaque

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201212

RBM - O transtorno afetivo bipolar incide com mai-or frequência em que faixa etária?

O transtorno afetivo bipolar atinge desde adolescen-

tes até pessoas com idade mais avançada. A maior inci-

dência fica entre o jovem e as pessoas na faixa dos 45

anos mais ou menos e um pouco mais frequente em mu-

lheres. Raramente em idosos e na infância, quando o

diagnóstico é mais difícil.

RBM - Quais as dificuldades para um diagnósticoadequado de TAB?

Inicialmente é necessário destacar não apenas na psi-

quiatria, como em medicina geral, pelo menos duas ma-

neiras de avaliar a doença: uma é a abordagem descriti-

va, fenomenológica com influência muito grande da in-

dústria farmacêutica, interessada na facilitação da pes-

quisa clínica.

Isso cria uma dificuldade muito grande porque muitas

doenças, descritivamente, podem apresentar o mesmo

quadro clínico num determinado momento de sua evolu-

ção.

Aí, então, fica fácil cometer o erro diagnóstico de con-

fundir psicoses benignas, que são perfeitamente trata-

das, com esquizofrenia, cujo prognóstico é muito reser-

vado.

A outra é a maneira etiopatogênica de estudar a do-

ença, considerando causas, evolução, ambiente, biolo-

gia e principalmente a carga genética que determina e

dá o colorido no quadro clínico, obviamente, sem des-

considerar o seu aspecto sintomatológico. Tudo isso, com

o suporte de uma Teoria de Personalidade consistente,

que permite entender a patogênese dos quadros noso-

lógicos, correlacionando os dados psicológicos com a

Transtorno afetivo bipolar.Atenção às diferenças

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

José Gilberto FrancoPsiquiatra. Consultor científico da Socieda-de Rorscharch e diretor do Centro deEstudos Anibal Silveira.

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 13

fisiologia cerebral e sua disposição heredológica, permi-

tindo um diagnóstico mais preciso, um prognóstico se-

guro e até a identificação precoce na constelação familial

de indivíduos predispostos.

Para esse estudo, Anibal Silveira, aqui no Brasil, de-

senvolveu todo um sistema na Psiquiatria que envolve

uma Teoria de Personalidade correlacionando os elemen-

tos patológicos de acordo com a sua gênese nas esferas

da personalidade, a regência cerebral envolvida, a reper-

cussão sintomática e a carga genética determinante atra-

vés da anamnese heredológica. Esta permite pesquisar

a partir do paciente estudado seus traços de personali-

dade os quais determinam o colorido clínico de sua con-

dição mórbida e elaborar o diagnóstico, um prognóstico

mais seguro e realizar psiquiatria preventiva buscando

na família os possíveis indivíduos, mesmo com sinais

discretos da patologia, que possam ser diagnosticados

mais precocemente.

Nesse sentido, citamos um caso emblemático que te-

mos em nossa clínica. Um paciente na faixa dos 55 anos

tem transtorno afetivo bipolar. Ele toma lítio e ácido

valproico. Ele tem três filhos, dos quais dois apresentam

TAB e uma filha sem sinais patognomônicos do TAB,

porém intelectualmente superdotada. Este paciente tem

um tio com TAB de 82 anos (lúcido e muito inteligente)

que está sendo tratado por nós, o qual tem duas irmãs,

já falecidas, que foram diagnosticadas com TAB. Vemos,

então, a importância da pesquisa genética e dos traços

de personalidade na constelação familial, não só nos ca-

sos de transtorno afetivo bipolar, mas também em toda

condição mórbida estudada. Isso é importante para veri-

ficarmos a disposição biológica que está interferindo no

quadro clínico, especialmente no caso do TAB, em que

as primeiras manifestações são mais discretas, mais in-

sidiosas, tornando o diagnóstico mais difícil.

É importante destacar que no transtorno afetivo bipo-

lar, especialmente na fase de mania, não existem mani-

festações de alteração senso-perceptiva, como muitos

acreditam. Isso levaria a outra condição clínica. Mesmo

depois, na fase de depressão, raramente poderá ocorrer

de forma discreta alguma manifestação de alteração sen-

so-perceptiva. Isto é patognomônico da bipolaridade.

Seguindo a história clínica do paciente, a maneira como

a doença evolui e os aspectos heredológicos, chegamos

ao diagnóstico. Chamamos a atenção para as diferenças

na história clínica do transtorno afetivo bipolar que não

começa de forma exuberante. Tem evolução insidiosa.

As primeiras crises de mania são discretas, seguidas de

depressão menos intensa. Depois, seguem-se crises mais

exuberantes. De modo geral, os episódios de transtorno

afetivo bipolar são progressivamente mais graves, se o

paciente não for tratado, evidentemente.

Há um aspecto interessante na bipolaridade que con-

vém destacar. São pessoas com inteligência muito

aguçada, até com certa genialidade (cientistas, composi-

tores, poetas, artistas). Elas se distinguem em seus cam-

pos de atuação. É perceptível nesses pacientes uma dife-

renciação intelectual maior do que a média da popula-

ção. Tudo isso, fartamente estudado na literatura cientí-

fica especializada.

destaque

No transtorno afetivo bipolar, que se

desenvolve por fases, quando o quadro

de mania aparece o pensamento fica

acelerado, a elaboração se torna mais

dedutiva, o pormenor secundário assu-

me grande importância e a pessoa tem

dificuldade de elaborar uma síntese.

Então, prevalece o juízo de valor que ela

faz em detrimento da noção da verda-

de, da realidade objetiva.

RBM - Por que o suicídio é um dos maiores riscosno transtorno afetivo bipolar?

No transtorno afetivo bipolar, que se desenvolve por

fases, quando o quadro de mania aparece o pensamento

fica acelerado, a elaboração se torna mais dedutiva, o

pormenor secundário assume grande importância e a

pessoa tem dificuldade de elaborar uma síntese. Então,

prevalece o juízo de valor que ela faz em detrimento da

noção da verdade, da realidade objetiva. O paciente nes-

ta condição passa a vivenciar aquilo que pensa como

verdadeiro. Fica incoerente e uma catadupa de pensa-

mentos gravitam em torno de pormenores irrelevantes,

perdendo a noção do que é óbvio. Torna-se muito afeta-

do, o humor fica instável, fica prolixo, delirante, com

ideias de referência, persecutório, excitado. Compra com-

pulsivamente, fica insone, comportamento totalmente

saltuário, não conclui o que começa, porém, permanece

com uma resistência física bastante aumentada. Passa a

Page 14: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201214

correr grandes riscos até na vida profissional, frequente-

mente agressivo e, às vezes, com agitação psicomotora,

pensamento acelerado, necessitando de atenção médica

imediata.

Um dos grandes riscos da bipolaridade surge da mu-

dança do quadro da mania para a depressão. É uma

depressão singular, diferente das demais. Nesta fase

há um acinte à própria sobrevivência pessoal. A pes-

soa é tomada por um impulso de autoeliminação. Na

fase de depressão o paciente deve ser monitorado por-

que pode ser levado ao suicídio ou passa a elaborar

intelectualmente como fazer isso. A medicação é es-

sencial e, às vezes, hospitalização e eletroconvulsote-

rapia.

RBM - O lítio é considerado a terapia de escolhapara o paciente bipolar por contornar eficientemen-te este risco. Qual é a sua opinião?

O lítio é, hoje, a melhor opção para o tratamento de

transtorno afetivo bipolar. Se tivéssemos de estabelecer

uma escala de eficiência, daríamos nota 7 ao lítio e nota

4 ao ácido valproico, que é o segundo medicamento de

escolha no caso de TAB (Kennedy, S - Simpósio no Méxi-

co,2007 - Laboratório Lilly). Destacadamente, o lítio é a

melhor opção. Indicamos de forma sistemática e tenho

pacientes que usam há mais de 30 anos com acompa-

nhamento sem nenhum grande problema. Preferimos

usar o lítio de ação prolongada porque o paciente cria de

forma mais eficaz o hábito de ingerir o comprimido pela

manhã e à noite. Assim, evita-se o risco do paciente es-

quecer no meio do dia, desequilibrando a dosagem

litêmica.

O que fazemos na clínica é monitorar regularmente

o paciente fazendo litemia em janeiro, maio e setem-

bro, um mês quente, outro frio, outro de meia estação.

Juntamente com a litemia pesquisamos, também, fun-

ções da tireoide, do rim, glicemia, triglicérides, leuco-

grama, eletrocardiograma, dosagem plasmática de

sódio, potássio, fósforo e cálcio. O lítio sendo usado

adequadamente não apresenta problemas graves. O

monitoramento clínico e conscientização do paciente

são fundamentais para isso porque, uma vez feito o di-

agnóstico, ele precisa conscientizar-se de que vai to-

mar a medicação indicada durante muito tempo. Tam-

bém a família é orientada e mobilizada para auxiliar

neste controle porque toda medicação tem efeitos ad-

versos, em especial o lítio, se não for respeitada a pres-

crição e a orientação médica.

RBM - Como controla o uso do lítio ao longo dotempo?

A litioterapia é excelente, mas exige atenção do médi-

co para os efeitos secundários por conta do uso prolon-

gado do lítio no TAB. Às vezes é necessária a ajuda do

endocrinologista, quando as funções tiroidianas ficam

muito alteradas, ou do nefrologista, por conta da altera-

ção renal, sem que haja necessidade de interromper a

litioterapia. É questão de adequar o tratamento. O pri-

meiro passo é o paciente interiorizar a necessidade de

tomar lítio dentro dos critérios estabelecidos.

É um medicamento que exige do médico um cuidado

também na avaliação clínica, posteriormente, para evi-

tar problemas no uso prolongado como é o caso espe-

cialmente da bipolaridade. O primeiro passo é levar o

paciente a interiorizar a necessidade de tomar lítio den-

tro dos critérios estabelecidos. Os pacientes que já ti-

veram uma crise entendem bem isso, assim como seus

familiares.

RBM - Em que consiste esta adequação?

No transtorno afetivo bipolar existem situações parti-

culares. Às vezes usamos lítio associado a outros medi-

camentos como ácido valproico, lamotrigina, oxcarba-

zepina, carbamazepina ou algum neuroléptico associa-

do (quetiapina, aripiprazol, olanzapina, risperidona ou

paliperidona). Quando necessário, utilizamos a bupropi-

ona como antidepressivo.

No caso do lítio, dependendo da idade do paciente e

da condição clínica, começamos com dosagem pequena

e depois vamos aumentando gradativamente, sempre

com monitoramento através de litemia de quatro em

quatro meses, que permite um controle muito eficaz na

faixa de 0,7 a 1.4 mEq/L.

RBM - Há fatores externos que influenciam a doen-ça?

O componente situacional pode dar um colorido es-

pecífico ao quadro clínico que se desenvolve, acentuan-

do ou atenuando alguns sintomas. Inúmeros aconteci-

mentos vitais estressantes podem agravar a predisposi-

ção endógena do TAB, como separações conjugais, con-

flitos no trabalho, falências, situações graves em famí-

lia. Também as drogas estimulantes do sistema nervoso

central servem de gatilho para desencadear o processo,

alterando a ciclagem do transtorno afetivo bipolar.

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

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A harmonia mental advém da subordinação da

individualidade à sociabilidade, dos instintos aos

sentimentos, do egoísmo ao altruísmo. Orientan-

do-se por este conceito, o psiquiatra paulista

Anibal Silveira, considerado um dos mestres da

psiquiatria brasileira, criou uma original teoria da

personalidade. Construída sobre base biológica,

sua teoria vem sendo progressivamente resgata-

da pela sua modernidade. Foi em São Paulo que

Silveira passou a maior par-

te de sua vida profissional,

especificamente no Hospital

Juqueri, onde desenvolveu

seus estudos sobre doenças

mentais, que resultaram em

numerosos artigos, mais de

400, dispersos em centenas

de publicações científicas.

No seu livro “Patogêne-

se”, o psiquiatra Paulo

Palladini esmiúça o pensa-

mento de Anibal Silveira.

Mostra em todas as suas

nuances a sua modernidade

desde o início de sua carrei-

ra profissional. Já em 1931,

na sua defesa de tese de for-

mação médica na Faculda-

de de Medicina de São Paulo, Silveira propunha a

organização de clínicas abertas para tratamento

precoce de doenças mentais considerando a in-

ternação em hospital fechado como último recur-

so. Critério que viria a ser posto em prática

cinquenta anos depois.

Anibal Silveira não parou por aí. Todos os seus

estudos posteriores sobre doenças mentais con-

vergiram para a correlação entre cérebro e men-

te e entre mente e meio social. Além de

aprofundar estudos sobre as concepções de psi-

quiatras como o alemão Karl Kleist ou o suíço

Hermann Rorschach, fundou em 1952, em São

Paulo, uma sociedade com esse nome. Em 1960

Anibal Silveira e a patogênese

criou a classificação patogenética das doenças

mentais. E, na década de 70, organizaria uma

escola orientada por critérios patogenéticos pou-

co antes de falecer, em 1979, aos 77 anos.

Palladini resume o critério patogenético de

Anibal Silveira como uma avaliação dos fenôme-

nos psicopatológicos enquanto expressões sis-

têmicas.

“Consiste na filiação dos sintomas e quadros

clínicos, respectivamente,

a sistemas e esferas psí-

quicas e cerebrais. Inclui,

também, o estudo da par-

ticipação da carga genéti-

ca em cada entidade clíni-

ca. A patogênese indica a

origem de uma determina-

da desordem patológica. É

cerebropatogênese quan-

do relativa à origem e di-

nâmica encefálicas;

psicopatogênese quando

relativa à origem e dinâmi-

ca psíquicas...“

“O diagnóstico

patogenético não deve dei-

xar de incluir a investiga-

ção da época do início da

desordem psíquica considerada, pois a sequên-

cia dos fatos clínicos é fundamental para a avali-

ação”.

Por fim, ele indica que a escola psiquiátrica

construída por Anibal Silveira ao longo de meio

século constitui-se de sólida teoria e abrange to-

dos os aspectos relativos às desordens mentais,

sua gênese, diagnóstico, tratamento, prevenção.

O fundamento filosófico, os embasamentos bio-

lógico e sociológico, a teoria da personalidade, o

psicodiagnóstico e psicopatologia pelo critério

patogenético, destaca Palladini, permitem inter-

venções precisas e profundas nos processos en-

cefálicos, psíquicos e sociais.

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 19

Uma coisa interessante, até paradoxal, é o uso dos

antidepressivos no tratamento da depressão do pacien-

te bipolar. Os antidepressivos podem diminuir a ciclagem

do transtorno afetivo bipolar. O médico tem de proteger

o paciente com estabilizadores de humor para utilizar o

antidepressivo. Se uma pessoa tem um ciclo de crises a

cada dois anos, ao tomar um antidepressivo esta ciclagem

se encurta e ele passa a ter crises mais próximas. Às

vezes, o paciente necessita ampliar o tratamento com

outros estabilizantes de humor e neurolépticos. Outras

vezes, a depressão exige eletroconvulsoterapia ou remite

com doses da associação sinérgica de venlafaxina e

mirtazapina, que deve ser utilizada pouco tempo e de-

pois substituída por bupropiona.

Contudo, a população mais vulnerável para o TAB é

encontrada na elaboração da anamnese heredológica,

onde aparecem na constelação familial, de forma mais

clara, os indivíduos predispostos com elementos que

podem ter algum indicador de TAB para então o especi-

alista fazer o diagnóstico e realizar o tratamento pre-

ventivo.

É necessária a adoção de estratégias preventivas e uti-

lização de fatores de proteção na população mais pre-

disposta ao TAB. Alguns países, como os Estados Uni-

dos, chegam a gastar bilhões de dólares para prevenir e

controlar o TAB.

A utilização da anamnese heredológica, a partir de

pacientes que estão sendo tratados, permite identificar

na constelação familial elementos sugestivos dessa con-

dição mórbida e realizar o tratamento precoce ao lado

de orientar esta população sobre os benefícios do trata-

mento profilático.

RBM - Como conclusão o que acrescentaria?

Quanto ao lítio, vale registrar que seu uso vem sendo

estudado na profilaxia dos quadros demenciais, como a

doença de Alzheimer, na profilaxia de algumas formas

de enxaqueca e até para potencializar alguns antidepres-

sivos, sem contar a sua importância na prevenção do

suicídio.

Depois, o registro de que o TAB é muito confundido

com outras patologias. Kleist já assinalou em seu estudo

o que chamou de Fasofrenias (psicoses fásicas), utilizan-

do também o critério patogênico, como faz Anibal Silveira,

ficando mais evidente que ciclotimia, TAB, psicoses be-

nignas como as esquizoafetivas, tem prognósticos dife-

rentes, pois a esfera de personalidade responsável tam-

bém é distinta: afetiva no TAB, conativa na ciclotimia e

na esfera intelectual as formas paranóides (psicose agu-

da de inspiração, alucinose agunda, e psicose de refe-

rência).

Umas podem demenciar. TAB não demencia.

Finalmente, a Psiquiatria exige diagnóstico diferencial

para que se realize tratamento adequado, estudo epide-

miológico, prevenção e prognóstico. Tudo é possível com

a Psiquiatria Patogenética, utilizando a evolução clinica,

a anamnese heredológica como instrumento semiológico

importante ou basta uma máquina programada para ava-

liar sintomas e tabelas para realizar o atendimento clíni-

co dos pacientes.

Certamente o uso exagerado de substân-

cias psicoativas, estimulantes, anfetami-

nas, álcool e até antidepressivos em ida-

de cada vez mais precoce eleva a vulne-

rabilidade nas populações mais predis-

postas, expondo sintomas maníacos

mais cedo.

RBM - Existem segmentos populacionais com maiorvulnerabilidade para TAB?

Isso ainda não foi estudado adequadamente, pois ca-

recemos de dados epidemiológicos por várias razões.

Uma delas está ligada ao diagnóstico correto. Ainda se

confunde muito o transtorno afetivo bipolar com ciclo-

timia, com psicose benigna, com psicoses de evolução

episódica que Kleist chamava de psicoses degenerativas,

não por haver degeneração do cérebro, mas porque a

própria psicose degenera, para as quais Anibal Silveira

propôs o nome de psicoses diatéticas, denominação que

Kleist aceitou. Este tipo de psicose lembra muito o TAB

que também evolui episodicamente. Mas são coisas dis-

tintas.

Certamente o uso exagerado de substâncias psico-

ativas, estimulantes, anfetaminas, álcool e até antidepres-

sivos em idade cada vez mais precoce eleva a vulnerabi-

lidade nas populações mais predispostas, expondo sin-

tomas maníacos mais cedo.

destaque

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201220

RBM - Qual é a incidência de TAB no Brasil e a ida-de em que se manifesta? Há alguma informaçãosobre prevalência geográfica no país?

O transtorno bipolar (TAB) é um problema médico

crônico que se mantém durante toda a vida, assim como

o diabetes e a hipertensão arterial. Tem morbidade ele-

vada, com risco de morte por suicídio, mas é passível

de tratamento, com bom controle do quadro. O TAB

começa em geral entre 14 e 30 anos de idade, podendo

inclusive se iniciar na infância, sendo raro seu início em

idades mais avançadas. A idade média de início se en-

contra entre 20 e 24 anos. A forma de determinar o

início da doença não é consenso na literatura. Em geral,

os sintomas aparecem pela primeira vez antes que os

pacientes satisfaçam os critérios diagnósticos e o pri-

meiro contato clínico se dá ainda mais tarde. A datação

dos sintomas iniciais seria muito imprecisa, pois exige

a rememoração por parte dos portadores que poderiam

ser sugestionados pelos entrevistadores. A literatura é

consistente na observação de uma lacuna de tempo sig-

nificativa entre o início da doença e o primeiro trata-

mento. Estabelecer o início do TAB pode ser de extrema

importância para indivíduos geneticamente vulneráveis

e para seus clínicos, já que pode oferecer pistas quanto

ao curso futuro.

Com a introdução do conceito de espectro bipolar,

ampliando as fronteiras diagnósticas, as estimativas de

prevalências encontradas são substancialmente mais al-

tas. São escassos os trabalhos nacionais sobre a preva-

lência do TAB, não sendo possível passar um panorama

regional de sua ocorrência, com estudos principalmente

ocorrendo na região Sudeste. Em amostras populacio-

nais a prevalência de TAB I varia entre 0,5% e 3,3%; a de

TAB II entre 0,3% e 8,4%; e considerando-se o “espectro

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Gabriel Savi CollCentro de Saúde Escola da Faculdade

de Medicina de Botucatu, UNESP.

Transtorno de humor(afetivo) bipolar - TAB

Ricardo CezarTorresan

Departamento deNeurologia, Psicologia ePsiquiatria da Faculda-

de de Medicina deBotucatu, UNESP.

Florence Kerr-Corrêa

Departamento deNeurologia, Psicologia ePsiquiatria da Faculda-

de de Medicina deBotucatu, UNESP.

destaque

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201222

bipolar” variando entre 3,3% e 10,9%. Num estudo reali-

zado em São Paulo se obteve prevalência de 1% para TAB

I, 0,7% para TAB II e 8,3% para o “espectro bipolar”. Atin-

ge igualmente homens e mulheres de qualquer raça e

está associado a maiores prejuízos psicossociais e pro-

fissionais.

RBM - Quais são as causas ou fatores desencadea-dores?

As bases biológicas do TAB mostram tratar-se de um

quadro complexo de interação entre múltiplos genes

associados a fatores ambientais e suas consequências

para o organismo. O conceito de carga alostática, pro-

posto por Kapcizinskiet et al. (2008), sugere um elo en-

tre as alterações moleculares associadas a eventos

estressores biológicos e ambientais que ocorrem em ní-

vel neuronal e que levariam a um rompimento em circui-

tos intimamente associados à regulação do humor e que

resultaria na exacerbação de sintomas do humor. Estu-

dos indicam que eventos de vida estressantes como a

perda de um ente querido ou mudança no emprego po-

dem anteceder o início de um episódio de humor. Entre

potenciais desencadeantes de episódios de humor esta-

riam também o uso de medicações antidepressivas, pri-

vação de sono e o abuso de drogas, principalmente os

estimulantes do SNC.

A herança genética tem papel importante para o apa-

recimento do transtorno, que quanto maior o número

de genes biologicamente alterados, maior o risco de

expressão do fenótipo. Mais recentemente tem sido

sugerido que variações do gene do transportador de

dopamina (DA) podem estar envolvidas na suscetibili-

dade para o desenvolvimento de TAB e o tratamento

com lítio regula a quantidade de transportadores de

dopamina em cérebros de ratos. Atualmente se aceita

que a vulnerabilidade para o transtorno bipolar é em

grande parte genética e as forças ambientais psicosso-

ciais ou físicas contribuiriam proeminentemente nas

fases iniciais do TAB.

RBM - Há diferenças na manifestação do TAB?

O transtorno bipolar é usualmente classificado em tipo

I e tipo II. O termo “espectro bipolar” engloba as formas

oficialmente descritas e as subclínicas, aquelas que não

preenchem os critérios de duração ou gravidade desses

subtipos. O termo bipolar tipo I se refere à forma clássi-

ca da doença maníaco-depressiva, na qual o indivíduo

apresenta pelo menos um episódio de mania ou estado

misto ao longo da vida, não importando quantas depres-

sões ou hipomanias o paciente tenha apresentado. No

bipolar tipo II há a presença de pelo menos um episódio

de hipomania, de duração mínima de dois a quatro, com

os mesmos sintomas da mania, mas jamais graves a pon-

to de causarem consequências sérias ou surtos psicóti-

cos, além de episódios depressivos em frequência e in-

tensidade variáveis.

RBM - Como estabelecer um diagnóstico mais se-guro?

O TAB demonstra ser uma categoria diagnóstica rela-

tivamente consistente e estável nos sistemas diagnósti-

cos atuais e caracterização de um indivíduo como bipo-

lar leva a previsões válidas sobre história familiar, curso,

prognóstico e resposta a tratamento. O diagnóstico do

TAB é eminentemente clínico. Para um diagnóstico

confiável do TAB se exige uma visão tanto longitudinal

quanto transversal do paciente, já que a doença se mani-

festa em fases (mania, hipomania, estados mistos e de-

pressão), com a possibilidade de períodos de remissão

completa dos sintomas entre elas, podendo os pacientes

negar, ou esquecer, de episódios prévios e mais bran-

dos. Apenas a avaliação com encontros frequentes com

o paciente, além de relatos de outras pessoas que convi-

vem com ele, em especial os familiares, poderiam ajudar

a formar um quadro mais preciso da história, dos sinto-

mas e do comportamento do paciente, corroborando um

diagnóstico mais preciso. Sem a contribuição da família,

até metade dos portadores de TAB poderia não ser ca-

racterizada como tal.

Não existe, até o momento, qualquer exame subsidiá-

rio que confirme ou colabore de forma determinante para

o diagnóstico do TAB. A separação entre TAB das formas

de depressão unipolar, proposto no DSM-IV da Associa-

ção Americana de Psiquiatria (APA) pode dificultar a iden-

tificação de casos que posteriormente seriam reclassi-

ficados como bipolares. Os diagnósticos alternativos prin-

cipais, que deveriam ser descartados ao se diagnosticar

a fase maníaca do TAB, são a esquizofrenia, as psicoses

secundárias por uso problemático de substâncias

psicoativas, uma condição médica geral. Outros diagnós-

ticos diferenciais relevantes são o transtorno esquizo-

afetivo, a depressão unipolar, o transtorno do déficit de

atenção e hiperatividade (TDAH), o transtorno de perso-

nalidade borderline, a demência e epilepsia (especialmen-

te a do lobo temporal).

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 23

RBM - Quais são os principais mecanismos de açãodo lítio?

Apesar de ser um medicamento de eficácia estabeleci-

da há muito tempo, ainda não temos uma compreensão

total dos mecanismos de ação do lítio. No entanto, nos

últimos anos, houve um avanço no entendimento dos

mecanismos de ação da droga.Podemos considerar que

o lítio funciona de duas formas diferentes:

1. Efeitos na modulação da transmissão de monoaminas,

principalmente potencializando a transmissão sero-

toninérgica;

2. Mecanismos de “segundos mensageiros” ou de sinali-

zação intracelular.

Em relação ao primeiro, sabemos que o lítio modula

de forma significativa a neurotransmissão serotoninér-

gica aumentando a atividade de monoaminas nas vias

serotoninérgicas.O lítio afeta a dopamina, esta droga

diminui os estímulos dopaminérgicos nas vias mesolím-

bicas e mesocorticais. Alguns pesquisadores têm associa-

do esse efeito à eficácia antimaníaca da droga, já que o

efeito antidopaminérgico aparece quando a droga é ad-

ministrada em forma aguda.

O efeito mais interessante, e talvez de maior relevân-

cia do lítio, está nos sistemas de sinalização intracelular.

Há muito tempo sabemos que o lítio afeta a atividade de

enzimas intracelulares que mediam diversos processos

bioquímicos dentro dos neurônios. Foi descoberto recen-

temente que o lítio é um potente inibidor da enzima gli-

cogênio sintase-quinase-3 (GSK3). Esta enzima é um po-

tente mediador de importantes processos bioquímicos

celulares, entre os quais está a regulação de fatores de

transcrição associados a apoptose e plasticidade neural.

Este poderia ser um dos motivos pelos quais o lítio apre-

senta atividade neuroprotetora. O lítio teria potencial para

proteger neurônios da morte celular quando estes sofrem

agressão por diferentes mecanismos tóxicos (estresse,

insuficiência vascular etc.). Além disso, o lítio tem a capa-

cidade de estimular a formação de novas conexões sináp-

ticas, fato evidenciado pelo aumento dos volumes de subs-

tância cinzenta em diversas áreas do cérebro após o uso

crônico do lítio. Esta atividade protetora do lítio é acom-

panhada pelo incremento dos fatores de proteção

antiapoptóticos como o Bcl-2, assim como indução da

expressão do fator de proteção cerebral (BDNF).

Podemos concluir que o lítio pode modular vários al-

vos, mas ainda estamos longe de entender totalmente

como esses efeitos se combinam para dar ao lítio a sua

capacidade estabilizadora do humor.

RBM - E os principais efeitos adversos?

Existe uma extensa lista de efeitos colaterais do lítio,

porém, vamos considerar aqui aqueles efeitos mais rele-

vantes, tanto pela frequência como pela gravidade dos

mesmos. Os sistemas envolvidos com maior frequência

são: o cardiovascular, o dermatológico, o gastrointesti-

nal, o neurológico, o endocrinológico, o renal e o fetal

(teratogenicidade).

Embora os sintomas renais, endócrinos, cardiovascu-

lares e tóxicos (relacionados com aumento excessivo dos

níveis plasmáticos do lítio) acarretem riscos, o monitora-

mento cuidadoso, no curto e longo prazo, pode prevenir

a maior parte dos problemas relacionados com o lítio.

Efeitos cardiovasculares

São geralmente bem tolerados e o mais frequente é o

atraso na condução atrioventricular, alongamento do in-

tervalo QT e achatamento da onda T. Porém tais achados

raramente são encontrados em dosagens terapêuticas e

são mais frequentes na intoxicação por lítio.

O lítio, porém, é contraindicado em pacientes com fa-

lência cardíaca e síndrome do nodo sinusal. Temos, ain-

da, de tomar cuidado no uso da droga em pacientes diuré-

ticos tiazídicos, pois estes podem elevar perigosamente

a concentração do lítio.

Efeitos dermatológicos

Logo no início do uso do lítio podem aparecer reações

de tipo psoriático na pele ou piorar uma psoríase prévia.

Geralmente, estas reações desaparecem de maneira es-

pontânea e raramente requerem a suspensão da droga.

Efeitos gastrointestinais

Diarreia e náuseas são efeitos frequentes no uso da dro-

ga. Estes efeitos podem incomodar e dificultar a adesão ao

lítio.Recomendam-se dietas constipantes, diminuições da

dose, uso de formulações de liberação prolongada. Estas

medidas podem ajudar a reduzir estes sintomas.

Outro efeito colateral que aparece com determinada

frequência é o aumento de peso. Deve-se orientar o paci-

ente sobre as medidas a serem tomadas caso isso suce-

da, assim como explicar previamente esta possibilidade.

Efeitos neurológicos

Os tremores são efeitos neurológicos que acontecem

com muita frequência no uso da droga, dependendo da

dose. Geralmente são bem tolerados, não requerendo

tratamento.

destaque

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201224

Quadros de confusão mental poderão aparecer com o

uso do lítio, principalmente, associados a dosagens aci-

ma das recomendadas ou quando o paciente ingere gran-

des quantidades da droga com intencionalidade suicida.

Sedação é outro efeito comum, porém, é pouco inten-

so e geralmente o paciente se habitua ao remédio e a

sonolência desaparece.

Efeitos endócrinos

O lítio está associado à indução de hipotireoidismo,

principalmente nos pacientes com antecedentes anterio-

res desta doença ou, ainda, quando há antecedentes fa-

miliares da mesma.

O ideal é acompanhar o paciente de perto e suple-

mentar com T4 sempre que seja necessário. No entanto,

raramente é necessário suspender o tratamento com lítio

por esse motivo.

Efeitos renais

Os efeitos do lítio na funcionalidade renal têm sido

amplamente estudados, uma vez que o uso crônico des-

ta droga pode gerar mudanças morfológicas nos rins.

Essas mudanças podem gerar toxicidade renal e levar à

interrupção do tratamento, porém, é importante desta-

car que este quadro é pouco frequente e aparece em

determinados pacientes com suscetibilidade especial à

droga.

A funcionalidade renal deverá ser avaliada periodica-

mente nos pacientes que utilizam lítio. Dessa forma,

podemos prevenir e evitar posteriores complicações.

Polidipsia e poliúria são frequentes com o uso do me-

dicamento, mas sem prejuízos significativos. Se o paci-

ente superar os 5 litros de ingestão diária, podemos con-

siderar o diagnóstico de diabetes insípida. Neste caso,

podemos recorrer ao especialista para auxiliar no con-

trole da síndrome.

Devemos lembrar que a reabsorção do sódio e do lítio

nos rins acontece de forma similar, portanto, todo esta-

do que leva à diminuição do sódio (restrição do sal, desi-

dratação, diuréticos) aumentará a reabsorção do lítio e

consequentemente aumentará a sua toxicidade.

Como já mencionado, o controle periódico dos níveis

do lítio, assim como dos efeitos colaterais, poderá aju-

dar a evitar problemas relacionados com o uso deste

importante recurso terapêutico.

RBM - Como conclusão, quais são as recomenda-ções básicas?

Assim como outros psicofármacos, o lítio apresenta

efeitos colaterais adversos que deverão ser acompanha-

dos. Portanto, o planejamento do uso da droga precisa

ser cuidadosamente considerado dentro da equação ris-

co-benefício e individualizada, considerando que cada

paciente pode ser particularmente vulnerável aos diver-

sos efeitos colaterais da droga.

Por outro lado, é uma droga menos teratogênica que

os demais estabilizadores do humor. É a única que com-

provadamente diminui a incidência de suicídios e ainda

considerada, pela maioria dos especialistas, como a pri-

meira escolha.

Referências bibliográficas

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destaque

O lítio é uma droga menos teratogênica

que os demais estabilizadores do humor.

É a única que comprovadamente dimi-

nui a incidência de suicídios e ainda con-

siderada, pela maioria dos especialistas,

como a primeira escolha.

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201224

Page 25: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 25

Introdução

A superestimulação do receptor N-metil-D-aspartato

(NMDA) pelo glutamato, principal neurotransmissor

excitatório no cérebro, é implicado em doenças neuro-

degenerativas. Este estudo investiga a memantina, anta-

gonista do receptor NMDA, para o tratamento de doença

de Alzheimer (DA).

Pacientes e métodos

Foram selecionados pacientes com idade maior ou

igual a 50 anos, que residiam na comunidade com diag-

nóstico de DA, de acordo com os critérios do Manual

Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (Diagnostic

and Statistical Manual of Mental Disorders, 4ª edição -

DSM-IV)¹ e do Instituto Nacional de Disordens Neurológi-

cas e Comunicativas e AVC e Associação de Doença de

Alzheimer e desordens relacionadas (National Institute

of Neurologic and Communicative Disorders and Stroke

and The Alzheimer’s Disease and Related Disorder’s

Association – NINCDS-ADRDA)². Outros critérios de in-

clusão consistiam em: pontuação do Miniexame do Esta-

do Mental (MEEM)³ inicial de 3 a 14, estágios 5 ou 6 na

Escala de Deterioração Global (Global Deterioration Scale

- GDS)4 e estágio 6a ou mais no Instrumento de Acesso e

Estagiamento Funcional (Funcional Assessment Staging

Instrument – FAST)5; o que significa a presença de de-

mência com comprometimento funcional grave. Os paci-

entes eram acompanhados por cuidadores confiáveis e

haviam realizado neuroimagem (tomografia ou ressonân-

cia de crânio) nos últimos 12 meses.

Os critérios de exclusão foram: demência vascular,

outra doença neurológica clinicamente significativa, de-

pressão maior pelo DSM-IV ou pontuação maior que 4 na

Escala de Hachinski modificada6. Outras doenças clíni-

cas significativas ou alterações laboratoriais também fo-

ram excluídas, bem como pacientes que utilizavam me-

dicações concomitantes como anticonvulsivantes, anti-

parkinsonianos, hipnóticos, neurolépticos e outros. Pa-

cientes que recebiam antidepressivos por pelo menos

dois meses em doses estáveis foram incluídos.

O desenho do estudo consistiu em dois grupos para-

lelos de pacientes aleatoriamente distribuídos para rece-

ber memantina 20mg, por dia, ou placebo com aparên-

cia idêntica, duplo-cego, que foram seguidos por 28 se-

manas. Os indivíduos que desistiram prematuramente

do estudo foram encorajados a participar das medidas

finais de avaliação (end-point measures) no momento da

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Memantina na doença deAlzheimer moderada a graveMemantine in moderate-to-severe Alzheimer’s diseaseReisberg, B et al.

N Engl J Med 2003; 348:1333-41.

Renata Areza-FegyveresMédica Neurologista especializada emdistúrbios cognitivos e de comportamentopela USP.Doutora em Neurologia pela USP.Neurologista pesquisadora colaboradora doGrupo de Neurologia Cognitiva e doComportamento da USP.Membro do Departamento Científico deDistúrbios Cognitivos e do Envelhecimentoda Academia Brasileira de Neurologia.E-mail: [email protected]

artigo comentado

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 25

Page 26: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201226

saída do estudo e a também a retornar na 28ª semana

para uma nova avaliação, que incluiu todos os instru-

mentos de desfecho. Houve participação de 32 centros

especializados nos Estados Unidos.

Medidas de eficácia: As variáveis previamente es-

pecificadas de eficácia primária foram: pontuação global

na Impressão de Mudança Baseada em Entrevista Clínica

Associada à Avaliação do Cuidador (Clinician’s Interview-

Based Impresssion of Change Plus Caregiver input – CIBIC-

plus)7; instrumento que associa a impressão do médico

assistente com a opinião do cuidador para verificar me-

lhora do quadro clínico, na 28ª semana e a mudança do

momento inicial até a 28ª semana com o Inventário de

Atividades Diárias modificado (Alzheimer’s Disease

Cooperative Study Activities of Daily Living Inventory

modificado para demência grave – ADCS-ADLsev)8,9. As

avaliações foram realizadas na entrada do estudo, na 12ª

e na 28ª semana ou no momento da retirada do estudo,

caso houvesse desistência precoce.

Seis outras variáveis de eficácia foram realizadas: a

Bateria de Alteração Grave (Severe Impairment Battery),

escala de 51 itens desenhada para avaliar o desempe-

nho cognitivo em pacientes com demência grave10,11;

MEEM3; GDS4, que avalia desempenho funcional e cogni-

tivo; a FAST5, que avalia a magnitude da piora funcional

progressiva; o Inventário Neuropsiquiátrico (Neuropsy-

chiatric Inventory – NPI)12, que avalia predominantemen-

te sintomas comportamentais quantitativamente e quali-

tativamente e, por fim, a escala de Utilização de Recur-

sos em Demência (Resource Utilization in Dementia)13,

instrumento desenhado para avaliar a sobrecarga do

cuidador e quantificar os custos com a doença.

As medidas de segurança, que dizem respeito aos efei-

tos adversos e tolerabilidade da medicação, foram reali-

zadas em todas as consultas.

Resultados

População do estudo

Foram rastreados 345 pacientes nos 32 centros de

pesquisa, 252 foram distribuídos aleatoriamente nos

grupos de estudo. Setenta e um pacientes desistiram do

tratamento antes da 28ª semana (42 dos 126 em uso de

placebo e 29 de 126 no grupo memantina). Cento e oi-

tenta e um pacientes completaram o estudo duplo-cego.

Cinco pacientes foram excluídos da análise do ADCS-

ADLsev e 16 da análise do CIBIC-plus, porque não foram

avaliados após a visita inicial. A duração média (desvio

padrão) do tratamento para ambos os grupos foi de 24(8)

semanas. Somente 5 dos 71 pacientes que desistiram

voltaram para completar a avaliação final na 28ª semana

(retrieve drop-out visit). Foram múltiplos os motivos de

desistência prematura: efeitos adversos (22 (17%) no gru-

po placebo e 13 (10%) no grupo da memantina); recusa a

continuar participando (14 (11%) no grupo placebo e 12

(10%) no grupo da memantina); óbito (4 (3%) no grupo

placebo e 1 (1%) recebendo memantina); violação de pro-

tocolo (3 (2%) pacientes no grupo placebo e o mesmo no

grupo memantina); mudança de cuidador (2 (2%) pacien-

tes recebendo placebo e nenhum do grupo memantina).

Os grupos eram semelhantes nas características de

base como distribuição de homens e mulheres, idade,

educação, raça, pontuação no MEEM e estágio da GDS.

Sessenta e sete eram do sexo feminino e a média de

idade foi de 76 anos. A média do MEEM de entrada foi

de 7,9.

Eficácia

As análises foram realizadas de duas formas: a pri-

meira considerou a última visita realizada como avalia-

ção final e a segunda foi realizada apenas com as visitas

obtidas para as variáveis de eficácia. A pontuação do

CIBIC-plus na última avaliação (diferença entre os gru-

pos média=0,3; p=0,06) e na 28ª semana (diferença mé-

dia 0,3; p=0,003) demonstra a efetividade da memanti-

na.

A pontuação total do ADCS-ADLsev na última avalia-

ção e na 28ª semana demonstrou significativamente

menos deterioração no grupo da memantina do que no

grupo placebo (média de diferenças 2,1 (0,02) no pri-

meiro grupo e 3,4 (0,003) no segundo grupo, respecti-

vamente).

A Bateria de Alteração Grave mostrou diferença signi-

ficativa a favor da memantina (p<0,001) na última visita

e nos casos observados (p=0,002).

O grupo tratado com memantina demonstrou menos

deterioração nos estágios funcionais mensurados pela

FAST (p=0,02 na última observação levada adiante e

p=0,007 nos casos observados na 28ª semana). Análises

adicionais foram realizadas com dois subgrupos de pa-

cientes divididos em MEEM de 10 a 14 e menor que 10

pontos. Ambos os grupos apresentaram benefício nas

medidas de desfecho em relação ao grupo placebo.

Segurança e tolerabilidade

A maioria dos pacientes apresentou eventos adversos

durante o estudo (84% com memantina e 87% com place-

bo). No entanto, a maioria dos eventos adversos foi clas-

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201226

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 27

sificada como leve a moderado e foram considerados não

relacionados ou possivelmente não relacionados com a

medicação. A taxa de incidência para os efeitos adversos

mais frequentes no grupo que utilizou memantina não

excedeu 2% a mais do que o grupo em uso de placebo. A

taxa de desistência por efeitos colaterais foi maior no

grupo placebo do que no grupo memantina, como visto

nos resultados. Agitação foi o motivo mais comum de

desistência (7% no grupo placebo e 5% no grupo meman-

tina). Efeitos adversos sérios foram relatados em 23 pa-

cientes recebendo placebo (18%) e em 16 pacientes utili-

zando memantina (13%). Ocorreram sete óbitos, dois dos

quais no grupo da memantina. A maioria dos efeitos ad-

versos e todos os óbitos foram considerados não relaci-

onados à medicação do estudo.

medicações para doença de Alzheimer. Diferenças na

pontuação em escalas quantitativas entre os grupos tra-

tados com memantina ante o grupo placebo não neces-

sariamente indicam que esses efeitos são significativos

clinicamente.

A análise das respostas (taxas de resposta individual)

é geralmente realizada para ilustrar a importância clíni-

ca do tratamento. No presente estudo uma diferença sig-

nificativa no critério pré-definido como resposta, que

consistia em vários pontos de desfecho, foi observada.

Os efeitos do tratamento demonstrados nas áreas cogni-

tiva e funcional se refletiram em melhora no comporta-

mento (menos agitação nos relatos de eventos adversos)

e redução na sobrecarga dos cuidadores (menos horas

dispensadas na assistência ao paciente).

Os autores alegam que os resultados do presente es-

tudo não podem ser comparados diretamente com ou-

tros ensaios de outras drogas (tacrina, donepezil,

rivastigmina e galantamina), pois praticamente todos os

estudos publicados com esses compostos foram realiza-

dos em pacientes com DA leve a moderada, com exce-

ção de apenas um deles14. No entanto, mesmo neste últi-

mo, foram incluídos pacientes com doença menos avan-

çada (MEEM de base 12 pontos frente a 8 pontos no pre-

sente estudo).

Os autores também comentam sobre as limitações do

estudo. A taxa de desistência foi de 28%, o que provavel-

mente resultou da gravidade da doença. A frequência de

retirada foi maior no grupo placebo. No entanto, a mé-

dia de duração do tratamento nos dois grupos foi seme-

lhante (24 semanas). Por fim, as três análises realizadas,

com diferentes estratégias de substituição dos dados

faltantes, mostraram que a memantina realmente reduz

o declínio em pacientes com DA moderada a grave.

Comentário

Este é um dos principais estudos que alicerçou o uso

da memantina entre os clínicos na época em que foi pu-

blicado. É um ensaio clínico com desenho clássico, em

que há dois grupos de pacientes; um utilizando placebo

e outro recebendo a droga testada, distribuídos aleatori-

amente, que caminham paralelamente. Os avaliadores

foram cegos para a condição do paciente e quanto ao

uso de droga ou placebo, bem como os pacientes. Al-

guns ensaios clínicos utilizam o modelo de grupos cru-

zados (cross-over) em que os dois grupos passam pelo

tratamento com a droga e pelo placebo, de modo que o

mesmo grupo se torna controle dele próprio. Além dis-

Discussão

Este estudo demonstra evidências de que a modula-

ção da memantina sobre os receptores de NMDA, a fim

de reduzir a exotoxicidade induzida pelo glutamato, ali-

via os sintomas da DA. Essa nova abordagem é diferente

do mecanismo colinomimético de todas as outras dro-

gas aprovadas atualmente como tratamento da DA. Este

estudo avaliou pacientes em estágio grave da doença,

sendo mais de 95% com pontuação no FAS igual a 6.

Diferenças significativas observadas a favor da meman-

tina na ADCLS-ADLsev, na FAS e na Bateria de Alterações

Graves sugerem declínio nessas capacidades críticas, que

ficou aparente na avaliação global subjetiva dos pacien-

tes com CIBIC-plus.

A relevância clínica do efeito do tratamento foi assun-

to exaustivamente discutido nos ensaios clínicos das

Este estudo demonstra evidências de que

a modulação da memantina sobre os

receptores de NMDA, a fim de reduzir a

exotoxicidade induzida pelo glutamato,

alivia os sintomas da doença de Alzhei-

mer. Essa nova abordagem é diferente

do mecanismo colinomimético de todas

as outras drogas aprovadas atualmen-

te como tratamento da DA.

artigo comentado

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 27

Page 28: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201228

so, uma das limitações do estudo é não haver informa-

ção sobre a 28ª semana na maior parte dos pacientes

que desistiram do estudo. Esta é uma das limitações do

estudo. De fato, após análises variadas o grupo que usou

a memantina apresentou pontuações significativamente

melhores, tanto nos instrumentos que avaliaram cognição

quanto naqueles que mensuraram o aspecto funcional.

No Brasil há cerca de duas décadas os clínicos que

assistiam pacientes com DA não dispunham de opção

farmacológica para prescrever aos seus pacientes. Vie-

ram, então, os inibidores da acetilcolinesterase. Estes

representavam uma possibilidade terapêutica para paci-

entes em estágio leve a moderado. No entanto, à medida

que a doença avançava e os pacientes se tornavam mais

graves, novamente os clínicos não dispunham de drogas

para melhorar sua qualidade de vida ou diminuir a velo-

cidade da doença. O surgimento da memantina é um

avanço e um alívio para a frustração de se deparar com

um paciente em fase grave e não ter opção de drogas

para prescrever. Com a memantina a velocidade de piora

da cognição e do comportamento desses pacientes é mais

artigo comentado

lenta. Esse fato é visível clinicamente para profissionais

que lidam com este tipo de doença há muitos anos e se

recordam de como a doença transcorria sem essa possi-

bilidade terapêutica. Consequentemente, o declínio fun-

cional é mais lento e o paciente mantém a sua indepen-

dência em alguns aspectos por mais tempo.

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O surgimento da memantina é um avan-

ço e um alívio para a frustração de se

deparar com um paciente em fase gra-

ve e não ter opção de drogas para pres-

crever. Com a memantina a velocidade

de piora da cognição e do comportamen-

to desses pacientes é mais lenta. Esse

fato é visível clinicamente para profissi-

onais que lidam com este tipo de doença

há muitos anos e se recordam de como

a doença transcorria sem essa possibili-

dade terapêutica.

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revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 29

Introdução

Este artigo foi publicado na revista Lancet por um

grupo multidisciplinar de sete centros de excelência

da Europa e Japão. Ele é um exemplo interessante de

como o emprego de métodos robustos de análise po-

dem responder a uma pergunta extremamente relevan-

te na prática clínica. A escolha do antidepressivo a ser

usado no tratamento de pacientes com transtorno de-

pressivo maior faz parte do dia-a-dia do psiquiatra. Por

outro lado, o clínico que se disponha a pesquisar na

literatura dados comparativos referentes a eficácia, to-

lerabilidade e abandono de tratamento, frequentemen-

te estará diante de um quebra-cabeça de múltiplos da-

dos, em que tirar uma conclusão definitiva será uma

tarefa bastante trabalhosa.

Na introdução do artigo os autores argumentam que

nos últimos 20 anos diversos antidepressivos surgiram

no mercado, sendo que muitos deles são modificações

de moléculas mais antigas. O quanto estas modificações

acrescentam em efeito clínico em relação a outros fár-

macos do mesmo grupo, incluindo eficácia, efetividade

e tolerabilidade permanece, porém, relativamente pou-

co investigado.

Para resumir a literatura científica no que diz respeito

a um determinado tema, a metodologia mais usada são

os estudos de meta-análise. Porém, no que diz respeito

aos antidepressivos no tratamento da depressão maior,

as metodologias convencionais de meta-análises mos-

tram algumas inconsistências no momento de comparar

diversos antidepressivos de segunda geração com rela-

ção à eficácia.

Métodos

Neste estudo, foi realizada uma metodologia de meta-

análise de múltiplos tratamentos, que levou em conta

tanto comparações diretas quanto indiretas, com o obje-

tivo de avaliar 12 antidepressivos da nova geração no

tratamento de depressão maior. Os autores iniciaram uma

busca na literatura de todos os ensaios clínicos randomi-

zados, controlados, que comparassem 12 antidepressi-

vos de nova geração. Para isso incluíram 117 ensaios clí-

nicos randomizados controlados (em um total de 25.928

participantes), de 1991 a 30 de novembro de 2007, que

tenham comparado qualquer um dos seguintes antide-

pressivos para o tratamento da depressão maior em adul-

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Eficácia comparativa e aceitabilidadede 12 antidepressivos da novageração: uma meta-análise demúltiplos tratamentos

Comparative efficacy and acceptability of 12 new-generation antidepressants:a multiple treatments meta-analysisAndrea Cipriani et al.

Lancet 2009; 373:746-58

Elisa BrietzkeMédica psiquiatra.Doutora em Psiquiatria pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul.CRM 128.292

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 29

artigo comentado

Page 30: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201230

tos: bupropiona, citalopram, duloxetina, escitalopram,

fluoxetina, fluvoxamina, minalciprano, mirtazapina, pa-

roxetina, reboxetina, sertralina e venlafaxina. Além dis-

so, o protocolo de revisão de artigos foi elaborado e dei-

xado livremente no website da instituição para que ou-

tros estudos não encontrados ou mesmo dados não pu-

blicados pudesse ser levados em conta na revisão. Os

autores classificaram os estudos quanto à qualidade do

seu desenho em: adequado, duvidoso ou inadequado e

somente os que foram classificados nas duas primeiras

categorias foram incluídos na revisão final.

O principal desfecho foi a proporção de pacientes que

responderam e a proporção de pacientes que abandona-

ram o tratamento para o qual havia sido alocado. A aná-

lise foi feita seguindo o método de “intenção-de-tratar”,

ou seja, os sujeitos foram considerados como perten-

cendo ao grupo para o qual foram designados na

randomização, independente do tipo de análise feito em

cada estudo individualmente. Além disso, os indivíduos

perdidos foram considerados como não respondendores,

uma forma conservadora de analisar este tipo de situa-

ção.

É interessante notar que alguns detalhes da metodo-

logia tornam o estudo bastante robusto. Como diferen-

tes doses foram utilizadas nos estudos incluídos, os au-

tores buscaram atingir um grau adequado de compara-

bilidade entre os diferentes medicamentos e incluíram

apenas estudos em que doses equivalentes de antide-

pressivo foram usadas.

Do ponto de vista estatístico, uma análise bastante

sofisticada foi utilizada. Primeiramente, os diferentes tra-

tamentos foram analisados um contra outro. Posterior-

mente, através de modelagem estatística, os desfechos

(“respondeu” ou “não respondeu” e “tolerou” ou “não to-

lerou”) foram incluídos em múltiplas comparações entre

os diferentes antidepressivos. Os diferentes tratamen-

tos foram, então, colocados em um ranking, conforme

sua eficácia, e em outro, conforme sua tolerabilidade.

Resultados

Na busca eletrônica por artigos foram encontrados,

inicialmente, 345 referências potencialmente relevantes

para a meta-análise, dos quais 274 artigos potencialmente

elegíveis foram selecionados. Foram excluídos 172 arti-

gos por não preencherem os critérios de inclusão. Os

autores identificaram, também, um total de 15 artigos

não publicados relevantes para a revisão. Foram selecio-

nados, no total, 117 artigos. A maioria dos estudos foi

realizada nos Estados Unidos e Europa (63%) e cerca de

dois terços dos pacientes arrolados eram do sexo femi-

nino (64%). Em 11 estudos havia desfechos relacionados

à eficácia e em 112 os desfechos eram relacionados a

aceitabilidade. O tempo médio de duração dos estudos

foi de 8,1 semanas e o número médio de participantes

incluídos foi de 109. Apenas 14 estudos adotaram em

tempo de seguimento superior a 14 semanas. É interes-

sante notar, também, que a maioria dos estudos excluiu

a participação de pacientes idosos (acima de 65 anos) e

a maior parte foi realizada em centros de referência.

Apenas sete estudos foram feitos em serviços de aten-

ção primária. Os pacientes incluídos tinham, na maioria

dos casos, depressão moderada. Os escores médios da

escala Hamilton Depression Rating Scale - 17 itens fo-

ram de 24,47 na entrada.

A mirtazapina, o escitalopram, a venlafaxina e a ser-

tralina foram significativamente mais eficazes que a

duloxetina (odds ratios [OR] 1.39, 1.33, 1.30 e 1.27, res-

pectivamente), a fluvoxamina (1.41, 1.35, 1.30, e 1.27,

respectivamente), a paroxetina (1.35, 1.30, 1.27, e 1.22,

respectivamente) e a reboxetina (2.03, 1.95, 1.89, e 1.85,

respectivamente). A reboxetina foi significativamente

menos eficaz do que os outros antidepressivos testados.

O escitalopram e a sertralina demonstraram o melhor

perfil de aceitabilidade, levando a taxas significativamente

menores de descontinuação do que a duloxetina, fluvo-

xamina, paroxetina, reboxetina e venlafaxina.

As probabilidades de estar entre os quatro tratamen-

tos mais eficazes foram: mirtazapina 24,4%; escitalopram

23,7%; venlafaxina 22,3%; sertralina 20,3%; citalopram

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 201230

O estudo mostrou que existem diferen-

ças clinicamente importantes entre os

antidepressivos comumente prescritos,

no que diz respeito tanto à eficácia quan-

to à aceitabilidade. Em termos de res-

posta, a mirtazapina, o escitalopram, a

venlafaxina e a sertralina foram mais

eficazes. Já em termos de aceitabilida-

de, o escitalopram, a setralina e a

bupropiona foram superiores.

Page 31: Neuro eurofarma 2-12 (2)

revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 31

3,4%; milnaciprano 2,7%; bupropiona 2%; duloxetina 0,9%;

fluvoxamina 0,7%; paroxetina 0,1%; fluoxetina 0% e re-

boxetina 0%. As probabilidades de estar entre os quatro

tratamentos mais tolerados foram: escitalpram 27,6%;

setralina 21,3%; bupropiona 19,3%; citalopram 18,7%;

minalciprano 7,1%; mirtazapina 4,4%; fluoxetina 3,4%;

venlafaxina 0,9%; duloxetina 0,7%; fluvoxamina 0,4%;

paroxetina 0,2% e reboxetina 0,1%.

Discussão dos autores

Na seção de discussão os autores enfatizam a exten-

sa revisão da literatura e a adoção de rígidos critérios de

inclusão e exclusão, o que torna a metodologia do estu-

do bastante robusta. Além disso, referem que os resulta-

dos podem, potencialmente, ser de grande valia para o

clínico, no momento de optar pela prescrição de um ou

outro antidepressivo.

O estudo mostrou que existem diferenças clinicamen-

te importantes entre os antidepressivos comumente pres-

critos, no que diz respeito tanto à eficácia quanto à acei-

tabilidade. Em termos de resposta, a mirtazapina, o esci-

talopram, a venlafaxina e a sertralina foram mais efica-

zes. Já em termos de aceitabilidade, o escitalopram, a

setralina e a bupropiona foram superiores. Estes resulta-

dos indicam que dois dos mais eficazes antidepressivos

(a mirtazapina e a venlafaxina) podem não ser os melho-

res quando se pensa em tolerabilidade em geral. Consi-

derando-se os resultados do estudo de forma global, há

evidências de que a sertralina e o escitalopram sejam os

mais equilibrados no que diz respeito a eficácia e tolera-

bilidade.

Os autores discutem, também, as limitações do pre-

sente artigo. Importantes desfechos como efeitos adver-

sos, efeitos tóxicos, sintomas de descontinuação e fun-

cionamento social não foram investigados. Também pode

ser considerada uma limitação o fato de que não foi feita

uma análise de custo-efetividade, o que também é útil

quando se trata de guiar escolhas do clínico. Neste caso,

uma análise desse tipo não foi possível porque alguns

dos medicamentos permaneciam protegidos por paten-

tes e outros não, o que era um fator de grande desigual-

dade de custo.

Quanto aos antidepressivos de pior desempenho nes-

te estudo, a reboxetina, a fluvoxamina, a paroxetina e a

duloxetina foram as medicações menos eficazes, o que

os torna alternativas menos favoráveis como uma pri-

meira escolha no tratamento agudo da depressão. Além

disso, a reboxetina foi o agente menos tolerado e o me-

nos eficaz entre os 12 antidepressivos.

É importante notar que os resultados desse estudo se

aplicam somente às primeiras 8 semanas de tratamento,

pois o foco dos autores foi na resposta inicial. Os estu-

dos que buscam investigar respostas mais prolongadas

aos antidepressivos possivelmente encontrariam diferen-

ças ainda maiores, mas a sua heterogeneidade faz com

que agrupar seus resultados em uma meta-análise seja

mais sujeito a viéses.

Os autores discutem, também, um possível papel das

fontes financiadoras nos resultados dos estudos incluí-

dos, especialmente no que diz respeito a medicamentos

mais novos. A metodologia escolhida por incorporar com-

parações diretas e indiretas diminui o risco desse tipo de

viés.

Na etapa final do texto os autores comentam sobre a

exigência, adotada por alguns países, da realização de

estudos controlados com placebo, para definir como

adequada a avaliação de eficácia de um fármaco. Os au-

tores comentam que este tipo de estudo é, na maioria

dos casos, realizado por propósitos regulatórios e que,

por ter a preocupação de não manter pacientes potenci-

almente graves em regime exclusivo de placebo, acabam

recrutando uma grande proporção de pacientes com de-

pressão leve.

Por causa disso as taxas de resposta a placebo em

estudos com antidepressivos são sempre bastante ele-

vadas (até 40%). Os autores sugerem que, devido à dis-

ponibilidade de um tratamento eficaz, bem tolerado e

de custo razoável como a setralina, seria interessante

considerar que novas alternativas de tratamento medi-

camentoso fossem testadas contra a sertralina e não mais

contra placebo.

Comentário

Este estudo tem como principal ponto forte o fato de

responder a uma pergunta fundamental da prática clíni-

ca do psiquiatra: “Que antidepressivo vou prescrever para

este paciente?” Sabemos que muitos fatores influenciem

a escolha de um ou outro antidepressivo, como a res-

posta prévia, resposta na família, perfil de efeitos adver-

sos, disponibilidade, preço etc. Porém, eficácia e tolera-

bilidade, justamente os dois desfechos analisados neste

artigo, são os principais parâmetros para definir a esco-

lha dessas medicações. Exatamente por isso, os autores

escolheram desfechos dicotômicos (“respondeu” ou “não

respondeu à medicação” e “tolerou” ou “não tolerou” a

medicação) em vez de escolher variações nos escores de

artigo comentado

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escalas de gravidade de depressão. A situação ideal para

o tratamento do paciente com depressão maior é a bus-

ca da resposta e da tolerabilidade. Quando qualquer um

desses fatores não é atingido, sentimentos de frustração

ou desesperança em relação ao tratamento podem ocor-

rer no paciente deprimido o que pode, potencialmente,

ameaçar o vínculo e até mesmo a adesão ao tratamento.

O outro ponto forte do estudo foi fazer uma revisão

extensa da literatura e até mesmo de estudos não publi-

cados sobre o tema, através de consultas a colegas, a

companhias farmacêuticas e a outros centros de pesqui-

sa. Na rotina do clínico, muitas vezes não há espaço para

buscas detalhadas de informações na literatura científi-

ca, o que faz com que artigos que resumam com compe-

tência o conhecimento na área sejam extremamente va-

liosos. O estudo comentado, porém, foi muito além de

uma excelente revisão de literatura. A escolha de uma

metodologia original e robusta de comparação de múlti-

plas alternativas de tratamento ofereceu ao leitor uma

análise muito mais detalhada em relação à que encon-

tramos nos estudos anteriores, incluindo fatores tão di-

versos como a qualidade metodológica de cada estudo

individualmente, a dosagem dos medicamentos antide-

pressivos investigados e até mesmo as fontes de financi-

amento dos estudos incluídos. Métodos mais simples

permitem a comparação de apenas poucos parâmetros,

o que acaba não sendo útil para a tomada de uma deci-

são complexa, como a abordada aqui. Certamente a ex-

tensão da revisão da literatura e a qualidade do trata-

mento dos dados foram os fatores decisivos para a pu-

blicação deste artigo em uma revista de tanto impacto

N E U R O P S I Q U I AT R I A

RevistaBrasileira deMedicina

Do ponto de vista clínico, os resultados

desse estudo indicam que a sertralina

poderia ser considerada a melhor es-

colha para iniciar o tratamento para

depressões moderadas a graves em

adultos, por causa do seu equilíbrio fa-

vorável entre benefícios, aceitabilida-

de e custos.

como o Lancet. Além disso, do ponto de vista ciencio-

métrico, este artigo tem sido altamente citado (cerca de

300 citações) desde a sua publicação em 2009, o que

indica um alto valor dos seus achados para a pesquisa

realizada em campo. Devido à sua qualidade, o artigo foi

levado em conta na elaboração de guidelines que seguem

o referencial da medicina embasada em evidências.

Do ponto de vista clínico, os resultados desse estudo

indicam que a sertralina poderia ser considerada a me-

lhor escolha para iniciar o tratamento para depressões

moderadas a graves em adultos, por causa do seu equi-

líbrio favorável entre benefícios, aceitabilidade e custos.

É interessante notar que outros fatores relevantes a

respeito da decisão entre os diferentes antidepressivos

envolvidos nesta análise não foram explorados. Entre eles

se destaca o potencial de interações medicamentosas.

Embora na maioria dos estudos a presença de comorbi-

dades médicas gerais e o uso de outras medicações seja

frequentemente considerado um fator de exclusão, sa-

bemos que, na prática clínica, é comum que o potencial

de interações medicamentosas tenha que ser levado em

conta no momento de escolher um antidepressivo. No

que diz respeito à sertralina, este medicamento apresen-

ta um baixo potencial de interação, podendo constituir-

se em uma escolha viável para pacientes idosos ou

polimedicados. Deve-se lembrar, porém, que, assim como

os demais antidepressivos de segunda geração, o uso

concomitante com inibidores da MAO deve ser evitado,

assim como a administração concomitante de triptanos.

A eficácia da sertralina também foi demonstrada em

outras condições frequentemente comórbidas com a de-

pressão maior, tais como fobia social, transtorno obses-

sivo-compulsivo (TOC), transtorno do pânico com ou sem

agorafobia, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT),

transtornos alimentares e transtorno disfórico pré-mens-

trual. Estes dados tornam a sertralina uma opção viável

para o tratamento de pacientes que sejam portadores de

ambas as condições.

Os resultados desse estudo demonstram, através de

uma revisão extensa da literatura e por métodos robus-

tos de análise estatística, o que a experiência clínica vem

indicando sistematicamente. A sertralina é um antide-

pressivo que apresenta um excelente equilíbrio entre efi-

cácia, tolerabilidade e custo para a maioria dos pacien-

tes com depressão maior, constituindo-se em uma op-

ção de primeira escolha para esta condição.

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