nunes, denise figueira. defesa civil
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DENISE FIGUEIRA NUNES
Defesa Civil
ações estruturantes frente a desastres
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Ten Cel R/1 Neyde Lúcia de Freitas
Souza.
Rio de Janeiro 2013
C2013 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG
_________________________________
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Nunes, Denise Figueira. Defesa civil: ações estruturantes frente a desastres/Denise
Figueira Nunes. Rio de Janeiro : ESG, 2013. 40 f.: il. Orientador: Ten Cel R/1 Neyde Lucia de Freitas Souza. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013.
1. Defesa Civil. 2. Prevenção de desastres. 3. Ações estruturantes
4. Responsabilidade social. I.Título.
Dedico este trabalho aos agentes das defesas
civis municipais, aos bombeiros militares e aos voluntários
que arriscam a vida todos os dias em defesa dos outros.
AGRADECIMENTOS
Aos estagiários da Turma Força Brasil pelo convívio harmonioso de todas
as horas.
À Ten Cel Neyde Lucia Freitas Souza, pelo apoio e incentivo durante a
elaboração desta monografia.
Por fim, deixo aqui expresso meu sincero agradecimento a todos aqueles
que de alguma forma contribuíram para a construção deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho aborda os aspectos estruturais do sistema de proteção civil no âmbito
municipal. O município é o menor ente da federação e é onde estão concentradas as
ações preventivas que visam mitigar os efeitos de desastres naturais. No Brasil, 90%
dos municípios não possuem estrutura de defesa civil. Historicamente, as políticas
públicas são voltadas para a remediação. É grande o desafio dos municípios para
executar políticas públicas que envolvam saneamento básico, habitação,
planejamento urbano e implementar as medidas estruturantes voltadas para a
prevenção e remediação de desastres naturais previstas na nova Política Nacional
de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/12).
Com base nas estratégias para prevenção de desastres estabelecidas no Marco de
nas Ação de Hyogo visando o aumento de resiliência das cidades e para garantir
que a redução de riscos de desastres seja uma prioridade local e nacional com forte
base institucional para sua implementação, a Secretaria Nacional de Defesa Civil
formulou um plano de ação de dez passos, prestando apoio para que os municípios
desenvolvam ações em âmbito local para reduzir os perdas com desastres.
A magnitude e consequências da tragédia ocorrida em 2011 no Rio de Janeiro
evidenciaram para as autoridades e para a sociedade brasileira a necessidade de
fortalecer o município com dotação de recursos especialmente destinados à criação
de estruturas de defesa civil e políticas públicas que os capacitem a atuar de forma
sistêmica e integrada na prevenção e mitigação de desastres.
Palavras chave: Defesa Civil. Prevenção de desastres. Ações estruturantes. Responsabilidade social.
ABSTRACT
This paper addresses the structural aspects of the civil protection system in the
municipal context. The city is the smallest entity of the federation and is where are
concentrated the preventive actions aiming to mitigate the effects of natural
disasters. In Brazil, 90% of municipalities have no civil defense structure. Historically,
public policies are geared towards remediation. The challenge for municipalities to
implement public policies involving sanitation, housing, urban planning and
structuring measures aimed at the prevention and remediation of natural disasters
included in the new National Policy on Protection and Civil Defense (Law 12.608/12).
Based on the Hyogo Framework for Action for achieving disaster resilience and to
ensure that disaster risk reduction is a national and a local priority with a strong
institutional basis for implementation, the Civil Defence National Secretary outlined a
ten steps plan in order to offer guiding principles and practical means to the cities
aiming to reduce disaster losses.
The magnitude and consequences of the tragedy that occurred in 2011 in Rio de
Janeiro revealed to the authorities and to the Brazilian society the need to strengthen
the municipality with resource allocation specifically for the creation of structures of
civil defense and public policies that enable them to work systemic and integrated in
the prevention and mitigation of disasters.
Keywords: Civil Defense. Disaster prevention. Structural actions. Social
responsibility.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Desastres naturais mais recorrentes no Brasil ......................................13
FIGURA 2 Ocorrência de desastres nas décadas 1990 e 2000 .............................14
FIGURA 3 Municípios afetados por inundações, enxurradas, enchentes e alagamentos ....................................................................................15
FIGURA 4 Verbas orçamentárias para prevenção e resposta a desastres..............36
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Classificação de desastres ..............................................................12
Tabela 2 População afetada, por município.....................................................25
Tabela 3 Inundações e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011..............................................................................26
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 8
2 OS DESASTRES E A DEFESA CIVIL...................................................... 12
2.1 DESASTRES: CONCEITUAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E OCORRÊNCIA... 12
2.2 O SURGIMENTO DA DEFESA CIVIL....................................................... 16
2.2.1 A Defesa Civil no Brasil.......................................................................... 17
2.3 A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA CIVIL............................................ 19
3 ESTRATÉGIA PARA REDUÇÃO DE DESASTRES................................ 22
3.1 AÇÕES DA DEFESA CIVIL NO BRASIL................................................... 24
3.2 RIO DE JANEIRO – CIDADE RESILIENTE.............................................. 27
4 A DEFESA CIVIL E AS MEDIDAS DE PREVENÇÃO DE
DESASTRES.......................................................................................
33
4.1 PREVENIR X REMEDIAR: A QUESTÃO ORÇAMENTÁRIA.................... 35
5 CONCLUSÃO............................................................................................ 38
REFERÊNCIAS......................................................................................... 40
8
1 INTRODUÇÃO
O Brasil, juntamente com outros 167 países, é signatário do Marco de Ação
de Hyogo1, instrumento adotado em 2005 pelas Nações Unidas como parte de uma
Estratégia Internacional para Prevenção de Desastres visando gerar soluções
coordenadas, a nível mundial, para redução de riscos de desastres. Foram
estabelecidas metas para os municípios visando à avaliação e redução de riscos, a
implantação de sistemas de alerta e alarme, além de cuidados com a água e
construção em áreas de risco.
Com o objetivo de aumentar a resiliência das comunidades afetadas e
fortalecer a capacidade de reação, o Protocolo de Hyogo estabelece cinco metas
prioritárias a serem alcançadas até o ano de 2015, quais sejam: garantir que a
redução de desastres seja uma prioridade nacional e local com sólida base
institucional para sua implantação; identificar, avaliar e monitorar as áreas com risco
de desastre, e melhorar o sistema de alerta à população; utilizar o conhecimento, a
educação e a inovação, para construir uma cultura de segurança e resiliência em
todos os níveis; reduzir os fatores fundamentais de risco e fortalecer a preparação
em desastres para uma pronta resposta em todos os níveis.
Os municípios e os gestores municipais devem identificar as comunidades
que se encontram ameaçadas, atuar preventivamente na redução dos riscos e dar
resposta aos desastres com a participação de comunidades e da sociedade civil. O
município é quem primeiro vivencia situações de crises e emergências, e é no
âmbito municipal que estão concentradas as ações preventivas que visem mitigar os
efeitos de desastres naturais.
A campanha Construindo Cidades Resilientes2, lançada no Brasil em 2010
pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, objetiva ordenar esforços para implementar
as ações prioritárias do Protocolo de Hyogo no âmbito municipal ao estabelecer
1 Marco de Ação Hyogo, Conferência Mundial para Redução de Desastres, conduzida pela
Organização da Nações Unidas em Hyogo, Japão, no período de 18 a 22 de Janeiro de 2005, estabelece metas mundiais de redução de riscos de desastres no período de dez anos. 2 Campanha Construindo Cidades Resilientes: Minha Cidade Está se Preparando, Estratatégia
Internacional para a Redução de Desastres (EIRD), das Nações Unidas (ONU), foi lançada no Brasil pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional visando sensibilizar governos e cidadãos para os benefícios da redução de riscos por meio da implementação de 10 passos para se construir cidades resilientes.
9
mecanismos de organização e coordenação de ações com base na participação de
comunidades e da sociedade civil organizada.
Um progresso notável, derivado da Lei 12.608/12 (BRASIL.2012), que
instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, foi o estabelecimento da
competência dos entes federados nas ações de prevenção e remediação em sua
jurisdição.
Além disso, a referida legislação:
Cria um cadastro nacional de municípios com risco de desastres naturais;
Obriga prefeituras a fazerem mapeamento das áreas de risco e incluírem
essas áreas no plano diretor municipal;
Obriga municípios a elaborarem o plano de contingência, determinando
quais são os procedimentos a serem adotados, no caso catástrofe;
Veda a concessão de alvará para novas construções em áreas de risco,
sob pena de o gestor ser processado por improbidade;
Obriga o ensino de prevenção a desastres nas escolas; e
Cria o serviço militar alternativo na área de Defesa Civil.
A nova Política Nacional prioriza a integração das políticas públicas voltadas
ao ordenamento territorial dos municípios, incentiva a criação de sistemas de
informação e alerta, as iniciativas educacionais, o mapeamento das áreas de riscos
e medidas estruturantes voltadas para a prevenção aos desastres naturais.
O Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais,
outro importante instrumento para a consecução das políticas preventivas, recebeu
recursos federais que somavam 7,7 bilhões de reais em 2012, de acordo com dados
do Ministério da Integração. No entanto, levantamento feito pela ONG Contas
Abertas3 com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira -
SIAFI, mostra que o governo federal teve 5,7 bilhões de reais do orçamento
disponível para o programa de prevenção de desastres mas aplicou somente 32,2%
dos recursos.
3 Levantamento da ONG Contas abertas publicado na Revista Veja em edição do dia 23/12/12.
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Mesmo os municípios já mapeados como área de risco sofrem com a
demora na realização de obras estruturantes, seja por falta de projetos adequados,
burocracia, rigidez da legislação ou despreparo de gestores no âmbito municipal.
Para reduzir o impacto das tragédias naturais as ações de defesa civil visam
prevenir, mapear, monitorar e responder prontamente às situações de emergência
causadas pelas secas, enchentes e deslizamentos. No entanto, o que a população
brasileira vivencia ano a ano é a repetição de tragédias que poderiam ser
minimizadas com a implementação eficaz das políticas públicas concebidas para
esse fim, com a capacitação técnica dos gestores municipais e, caso necessário,
com a instauração do devido processo legal para apuração de eventuais
responsabilidades dos agentes públicos.
As tragédias que ocorrem anualmente no Brasil envolvendo enchentes,
deslizamentos e perdas de vidas são uma mostra do que a ausência de quadros
técnicos estáveis e preparados para ações preventivas, a ineficácia dos sistemas de
prevenção a cargo do governo municipal e a ausência de políticas públicas
eficientes ligadas à defesa civil representam para a população.
A partir do levantamento histórico da atuação da defesa civil no mundo e
particularmente no Brasil, este trabalho pretende analisar as ações preventivas no
âmbito da administração municipal e identificar os possíveis entraves enfrentados
pelos municípios na aplicação das leis que regem as ações da Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil e o sistema de informações e monitoramento de desastres.
Em complemento, este trabalho enfoca o município do Rio de Janeiro, em
especial a catástrofe ocorrida em 2011 e as ações decorrentes até os dias atuais.
A escolha do enfoque no município recai no fato de ser este o menor ente da
federação e em sua imensa maioria não possui meios ou gestores com a
qualificação necessária para desenvolver projetos consistentes e de longo prazo
visando a prevenção de desastres no âmbito dos municípios. Essas deficiências
operacionais e carência de recursos humanos nos órgãos de defesa civil federal e
municipais e, consequentemente, atrasos no processo de solicitação e liberação de
recursos necessários para fazer frente a despesas emergenciais realizadas pela
Secretaria Nacional de Defesa Civil, já foram objeto de análise pelo Tribunal de
Contas da União em auditoria realizada no período de 2004 a 2009 (TCU,2010).
É a Defesa Civil municipal que estará encarregada de dar a primeira
resposta em caso de desastre e sua preparação será determinante para mobilizar os
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recursos materiais e humanos disponíveis e a agilidade para acionar o auxílio
externo visando remover, abrigar e alimentar a população atingida.
Em 2012 o orçamento da união alocou para ações de defesa civil recursos
na ordem de R$5,74 bilhões, assim distribuídos: ações preventivas (R$3,47 bilhões)
e de remediação (R$2,27 bilhões). De acordo com os dados disponíveis no Portal do
Orçamento/Siga Brasil, somente 13,6% do orçamento destinado à prevenção foi
efetivamente empenhado, enquanto 87% do montante previsto para remediação foi
utilizado em regime de emergência.
Esta lógica poderia ser invertida por meio de ações tais como fornecimento
de assistência técnica aos municípios, formação de agentes facilitadores e o
estabelecimento de prioridades para as ações de defesa civil em áreas já
identificadas como de risco, capacitação adequada dos agentes envolvidos com a
defesa civil e o envolvimento da comunidade das áreas a serem monitoradas.
Entre as limitações da pesquisa vale ressaltar a ausência de dados
confiáveis e padronizados sobre desastres no Brasil e a escassez de registros
informatizados sobre a ocorrência de desastres, o que dificulta a atualização dos
dados coletados.
A metodologia utilizada no estudo foi baseada em pesquisa bibliográfica e
documental, em especial na Lei 12.608, de 10 de abril de 2012 que institui a Política
Nacional de Proteção e Defesa Civil, em matérias jornalísticas em razão da
contemporaneidade da legislação e nas publicações e proposições legislativas
oriundas da Cämara dos Deputados.
12
2 OS DESASTRES E A DEFESA CIVIL
2.1 DESASTRES: CONCEITUAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E OCORRÊNCIA.
Para uniformização e melhor compreensão deste texto, é necessário
conceituar desastre. Para reconhecimento federal4, desastre é o resultado de
eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um cenário vulnerável,
causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade
envolvendo extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou
ambientais, que excede a sua capacidade de lidar com o problema usando meios
próprios (CASTRO, 1999).
De acordo com a Política Nacional de Defesa Civil (SECRETARIA
NACIONAL DE DEFESA CIVIL, 2007), os desastres são classificados de acordo
com os critérios de evolução, intensidade e origem:
CRITÉRIO TIPO DE
DESASTRE COMENTÁRIO
EVOLUÇÃO
Súbito ou de evolução aguda
Causados por eventos adversos violentos e rápidos. Exemplos: deslizamento, enxurrada, vendaval, terremoto, erupção vulcânica, chuva de granizo etc.
De evolução crônica ou gradual
Insidiosos, com agravamento progressivo. Exemplos: seca, erosão, poluição ambiental etc.
Por somatório de efeitos parciais
Somatório de vários acidentes ou desastres que, após um período, definem um grande desastre. Exemplos: cólera, malária, acidentes de trânsito e de trabalho etc.
INTENSIDADE
Acidente Danos e prejuízos de pouca importância para a coletividade como um todo.
Desastre de médio porte
Danos e prejuízos importantes, mas recuperáveis com recursos da própria área sob sinistro.
Desastre de grande porte
Recuperação exige o reforço de recursos regionais, estaduais ou federais. Implica decretação de situação de emergência.
Desastre de muito grande porte
Recuperação exige a ação coordenada de todos os níveis do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil e, eventualmente, a ajuda externa. Implica decretação de estado de calamidade.
CAUSA PRIMÁRIA
Natural Decorrente de fatores e desequilíbrios da natureza que atuam independentemente da ação humana.
Humana ou antropogênica
Provocado pela ação ou omissão humana. Homem como agente e autor.
Mista Decorrente da intercorrência de fenômeno natural sobre áreas degradadas pela ação humana ou quando um fenômeno é agravado pela ação ou omissão humana
Tabela nº 1 – Classificação de desastres Fonte: GANEM, 2011, adaptado a partir da Política Nacional de Defesa Civil (SNDC, 2007).
4 O reconhecimento federal de Situação de Emergência ou do Estado de Calamidade Pública se dará
por meio de portaria, mediante requerimento do Poder Executivo do Município, do Estado ou do Distrito Federal afetado pelo desastre, obedecidos os critérios estabelecidos na Instrução Normativa MI nº 001, de 24 de agosto de 2012.
13
Os desastres naturais registrados com maior frequência no Brasil são os
decorrentes de inundações, alagamentos, enxurradas, deslizamentos, estiagens,
secas e vendavais, sendo que nos ambientes urbanos, onde está concentrada a
grande maioria da população brasileira, as inundações, as enxurradas e os
deslizamentos de solo ou rocha constituem-se nos eventos que causam os maiores
impactos5.
Figura 1 : Desastres naturais mais recorrentes no Brasil Fonte: Atlas Bras. Desastres Naturais, 2012.
O gráfico seguinte retrata os registros de desastres ocorridos nas décadas
de 1990 e 2000. A disparidade no número de ocorrências evidencia a dificuldade de
compilação de dados padronizados e confiáveis sobre desastres no Brasil, tendo em
vista a ausência de coleta sistêmica e armazenagem adequada de dados. Como
tendência é possível afirmar que tanto os desastres têm potencial crescimento,
como o sistema de registro desses dados cresceu na última década.
5 O Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, Volume Brasil, aponta que do total de afetados
(96.220.879) estiagem e seca é o desastre que mais afeta a população brasileira, por ser mais recorrente (50,34%), mas as inundações bruscas, com 29,56% dos afetados brasileiros, causam maior número de mortes (43,19%) . A região com maior proporção de mortos é a Sudeste, em parte devido à alta densidade demográfica.
14
Figura 2: Ocorrência de desastres nas décadas 1990 e 2000 Fonte: Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, Volume Brasil, 2012.
No Brasil, a ocorrência e a intensidade dos desastres naturais dependem
mais do grau de vulnerabilidade das comunidades afetadas do que da magnitude
dos eventos adversos.
A figura seguinte retrata a distribuição dos municípios afetados por, no
mínimo, três eventos de inundações, enxurradas, enchentes e alagamentos entre
janeiro de 2003 e maio de 2011, com Portaria de Reconhecimento de Situação de
Emergência ou Estado de calamidade pública expedida pela Secretaria Nacional de
Defesa Civil. Com essa distribuição, percebe-se a significativa concentração dessas
situações de risco em municípios das regiões Sudeste, Sul e Nordeste do País.
15
Figura 3 – Municípios afetados por inundações, enxurradas, enchentes e alagamentos.
Fonte: Secretaria Nacional de Defesa Civil (MI). Elaboração: Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (MP).
A crescente urbanização do país não foi acompanhada de políticas de
desenvolvimento urbano capazes de prover moradia para grande parcela da
população que, aos poucos, estabeleceu-se em assentamentos precários e em
terrenos e encostas que ofereciam risco potencial de deslizamento e
desmoronamento gerando um quadro de extrema vulnerabilidade. Soma-se a este
quadro a expansão da área impermeabilizada das cidades contribuindo para o
aumento das áreas de risco.
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O programa de Gestão de Riscos e Reposta a Desastres do Ministério da
Integração aponta para a necessidade de uma ação coordenada e articulada dos
entes federados para a consecução das seguintes ações estruturantes:
ampliação do conhecimento público sobre as áreas de risco nos
municípios mais críticos, por meio do mapeamento da suscetibilidade
geológica aos fenômenos deslizamentos, inundações e enxurradas;
mapeamento de riscos nas áreas ocupadas;
definição de diretrizes para a ocupação urbana segura, tanto na escala de
planejamento urbano, quanto na escala dos projetos de parcelamento do
solo;
monitoramento da ocupação urbana, permitindo avançar num processo de
controle e fiscalização urbanos que reduza o avanço da ocupação sobre
áreas de maior fragilidade natural.
As intervenções estruturais de caráter preventivo devem ser ampliadas para
envolver a implantação de sistemas de drenagem urbana e do manejo adequado
das águas pluviais; a implantação de parques, bosques e áreas de lazer em áreas
de grande suscetibilidade a inundações rápidas e enxurradas; e a execução de
obras de estabilização e contenção de encostas, além da execução de intervenções
emergenciais voltadas para proteger a infraestrutura e setores críticos sob risco de
colapso iminente.
Tais intervenções estruturais contemplam ainda a remoção criteriosa de
moradias em áreas de risco, associada ao reassentamento em áreas próximas, de
forma a permitir a manutenção das condições de emprego e renda e do acesso aos
equipamentos públicos.
2.2 O SURGIMENTO DA DEFESA CIVIL
O primeiro país a preocupar-se com a segurança de sua população foi a
Inglaterra, que instituiu a Civil Defense (Defesa Civil) após os ataques sofridos entre
1940 e 1941, quando suas principais cidades e centros industriais foram
bombardeados, causando milhares de perdas de vida na população civil.
As autoridades inglesas padronizaram um conjunto de procedimentos para
diminuir o número de mortes. O plano, que ficou conhecido como Defesa Passiva
17
atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e socorro. Nascia assim o
conceito moderno de Defesa Civil, até hoje usado como modelo para prevenção de
catástrofes por vários governos em todo o mundo.
A Civil Defense britânica foi o primeiro órgão de Defesa Civil organizado no
mundo. As primeiras ações, estruturas e estratégias de proteção e segurança
dirigidas à população, tanto no Brasil e como no resto do mundo, foram realizadas
nos países envolvidos na Segunda Guerra Mundial.
O Japão também possuía, durante a segunda guerra, um sistema eficiente
de proteção civil, com alto grau de organização e mobilização. Esta organização foi
evidenciada quando da explosão das bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e
Nagasaki. De um total de 500.000 pessoas que residiam nas duas cidades,
aproximadamente 200.000 foram evacuadas, e cerca de 350.000 sobreviveram. Sua
capacidade organizacional permitiu que as indústrias voltassem a operar com 70%
de sua capacidade em menos de dez dias.
A Alemanha, após os bombardeios, teve sua população paralisada, pois não
possuía um sistema de proteção civil eficiente e organizado.
A Cruz Vermelha Internacional (1859) é a mais antiga organização ligada à
defesa civil. Durante e após este período de guerras, surgiram outros organismos
internacionais de proteção civil, como a Organização Internacional de Proteção Civil
(1931), a Organização das Nações Unidas (1945), a Secretaria de Coordenação de
Socorro às Catástrofes da Organização das Nações Unidas (1971).
2.2.1 A defesa civil no Brasil
Com a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e, principalmente,
após o afundamento, na costa brasileira, dos navios de passageiros Arará e Itagiba,
totalizando 56 vítimas, o governo brasileiro, em 1942, cria o Serviço de Defesa
Passiva Antiaérea e estabelece a obrigatoriedade do ensino da defesa passiva em
todos os estabelecimentos de ensino, oficiais ou particulares, existentes no país,
entre outras medidas.
Em 1943, a denominação de Defesa Passiva Antiaérea é alterada para
Serviço de Defesa Civil, sob a supervisão da Diretoria Nacional do Serviço da
Defesa Civil, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores e extinto em 1946, bem
18
como as Diretorias Regionais do mesmo Serviço, criadas no Estado, Territórios e no
Distrito Federal.
Em 1966, foi criado, no então Estado da Guanabara, um Grupo de Trabalho
com a finalidade de estudar a mobilização dos diversos órgãos estaduais em casos
de catástrofes. Este grupo elaborou o Plano Diretor de Defesa Civil do Estado da
Guanabara, definindo atribuições para cada órgão componente do Sistema Estadual
de Defesa Civil. Em 19.12.1966 foi organizada no Estado da Guanabara, a primeira
Defesa Civil Estadual do Brasil.
Em 1967 foi criado o Ministério do Interior com a competência, entre outras,
de assistir as populações atingidas por calamidade pública em todo o território
nacional.
O Decreto-Lei nº 950, de 13.10.1969, institui no Ministério do Interior o
Fundo Especial para Calamidades Públicas – FUNCAP, sendo regulamentado por
intermédio do Decreto nº 66.204, de 13.02.1970. Com o intuito de prestar assistência
e defesa permanente contra as calamidades públicas, é criado em 05.10.1970, no
âmbito do Ministério do Interior, o Grupo Especial para Assuntos de Calamidades
Públicas - GEACAP.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 144 que cabe aos
bombeiros militares executar as atividades de defesa civil. Portanto, a Carta Magna
incumbe ao Corpo de Bombeiros, vinculados aos governos estaduais, a função de
socorrer a população em situação de desastre. No mesmo ano, o Decreto 97.274
instituiu o Sistema Nacional da Defesa Civil, que tinha como órgão central a
Secretaria Especial de Defesa Civil, vinculada ao Ministério do Interior.
O conceito de Defesa Civil como instituição estratégica para redução de
riscos de desastres deu-se com a criação do Sistema Nacional de Defesa Civil –
SINDEC, por meio do Decreto nº 97.274, de 16.12.1988. No ano seguinte, a
Assembleia Geral da ONU realizada em 22 de dezembro, aprovou a Resolução
44/236, que estabelecia o ano de 1990 como início da Década Internacional para
Redução dos Desastres Naturais (DIRDN), objetivando a redução de perdas de
vidas, danos e transtornos socioeconômicos provocados por desastres naturais
como escorregamentos, terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis, inundações,
vendavais, secas e desertificação, incêndios, pragas, além de outras calamidades
de origem natural.
19
Em 1989, em cumprimento aos termos da Resolução 44/236, o Brasil
elaborou a Política Nacional de Defesa Civil - PNDC estruturada em quatro pilares:
prevenção, preparação, resposta e reconstrução, estabelecendo metas e programas
a serem alcançados até o ano 2000.
Em 2010, o Sistema sofreu uma simplificação, com a exclusão das
coordenadorias regionais e dos órgãos setoriais, os quais retornaram por meio da
Lei 12.608/2012. Esta Lei ampliou as atribuições do Sistema, que passou a
denominar-se Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, visando fortalecer as
ações de prevenção aos desastres.
Na nova estrutura do Sistema Nacional de Defesa Civil, destaca-se a criação
do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres – CENAD, o Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) , o Grupo
de Apoio a Desastres e o fortalecimento dos órgãos de Defesa Civil locais.
Ainda em 2012 o governo federal lançou o Plano Nacional de Gestão de
Risco e Resposta a Desastres Naturais, que prevê investimento de R$ 18,8 bilhões
até o final de 2014 a ser utilizado em ações de prevenção a enchentes e
inundações, mapeamento das áreas de risco, resposta a catástrofes, monitoramento
e alerta, fortalecimento das Defesas Civis Municipais entre outras ações. Oitenta e
três por cento desse total vão financiar obras capazes de prevenir ou minimizar os
efeitos das catástrofes.
2.3 A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA CIVIL
A Lei 12.608/2012 (BRASIL, 2012) institui a Política Nacional de Proteção e
Defesa Civil (PNPDEC), que abrange as ações de prevenção, mitigação,
preparação, resposta e recuperação.
A nova política traz uma forte orientação no sentido de priorizar as ações de
prevenção aos desastres naturais a partir de medidas estruturantes como: o
incentivo à criação de sistemas de informação, mapeamento de áreas de risco,
iniciativas educacionais e a articulação de diferentes políticas públicas direcionadas
ao ordenamento territorial das cidades.
Apesar de explicitar o estímulo à participação de entidades privadas,
associações de voluntários, clubes de serviços, organizações não governamentais,
associações de classe e comunitárias em suas diretrizes, a nova política não
20
apresenta uma estratégia clara para a organização da população residente nas
áreas de risco frente a situações de prevenção e reação à ocorrência de eventos
extremos.
Entre os objetivos da PNPDEC estão a redução dos quatorze riscos de
desastres; a incorporação do risco de desastre e as ações de proteção e defesa civil
entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das políticas setoriais; o
desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sustentáveis de urbanização;
a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades a
desastres; o monitoramento dos eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos,
biológicos, nucleares ,químicos e outros potencialmente causadores de desastres; a
produção de alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres
naturais; o combate à ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e a
realocação da população residente nessas áreas; e o estímulo às iniciativas que
resultem na destinação de moradia em local seguro.
A Lei 12.608/2012 determina que todos os Entes da Federação programem
ações para desenvolver uma cultura nacional de prevenção de desastres e a
conscientizar a população sobre os riscos de desastre no País e autoriza a criação
de sistema de informações e monitoramento de desastres, cuja base de dados será
compartilhada pelas três esferas da Federação, visando ao oferecimento de
informações atualizadas para prevenção, mitigação, alerta, resposta e recuperação
em situações de desastre em todo o território nacional.
Além disso, a Lei 12.608/2012 alterou a Lei 8.239, de 4 de outubro de 1991,
que “regulamenta o art. 143, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, que dispõem sobre
a prestação de Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório”. Conforme as
novas disposições, o Serviço Alternativo incluirá o treinamento para atuação em
áreas atingidas por desastre, em situação de emergência e estado de calamidade. O
objetivo dessa medida é oferecer a possibilidade de que os jovens alistados nas
Forças Armadas possam ser capacitados para o exercício de outras atividades que
não aquelas de cunho militar.
A Lei define as responsabilidades de cada ente da federação cabendo à
União atribuições relacionadas ao planejamento e monitoramento em ampla escala,
bem como ao reconhecimento do estado de calamidade pública e situação de
emergência. Os Estados também têm forte atuação nas ações de planejamento e
monitoramento, na elaboração de Planos Estaduais de Proteção e Defesa Civil que
21
devem conter a identificação das bacias hidrográficas com risco de ocorrência de
desastres e as diretrizes de ação governamental de proteção e defesa civil no
âmbito estadual, em especial no que se refere à implantação da rede de
monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das bacias com risco de
desastre e devem apoiar os Municípios, a quem cabe o planejamento urbano
preventivo, de modo a evitar as ocupações em áreas de risco, bem como a
implantação de ações de prevenção e gestão de situação de risco.
Conforme orienta a Política Nacional, os municípios poderão solicitar
inscrição no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de
inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. Os
municípios inscritos no cadastro deverão elaborar Planos Municipais de
Contingência de Proteção e Defesa Civil, a serem avaliados e reformulados
anualmente.
22
3 ESTRATÉGIAS PARA REDUÇÃO DE DESASTRES
O Marco de Ação de Hyogo (MAH) é o instrumento mais importante para a
implementação da redução de riscos de desastres que adotaram os Estados
Membros das Nações Unidas. Seu objetivo geral é aumentar o resiliência das
nações e das comunidades frente aos desastres até o ano de 2015.
O MAH oferece cinco áreas prioritárias para a tomada de decisões, em
iguais desafios e meios práticos para aumentar a resiliencia de cidades vulneráveis
aos desastres, no contexto do desenvolvimento sustentável.
As Ações prioritárias do MAH são:
a) Fazer com que a redução dos riscos de desastres seja uma prioridade
nacional e local com sólida base institucional para sua implementação;
b) Conhecer os riscos e tomar medidas para identificar, avaliar e observar de
perto os riscos dos desastres e melhorar os alertas prévios;
c) Desenvolver uma maior compreensão e conscientização utilizando o
conhecimento a inovação e a educação para criar uma cultura de
segurança e resiliência em todos os níveis;
d) Reduzir os fatores fundamentais de risco diminuindo a vulnerabilidade
frente às ameaças naturais; e
e) Fortalecer a preparação em desastres para uma resposta eficaz em todos
os níveis.
Com base nas prioridades estabelecidas no Marco de Açao de Hyogo para
2005-2015, que visa o aumento da resiliência das nações e comunidades frente aos
desastres, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) implementou um plano de
ação de dez passos, no qual estão inclusos dez aspectos essenciais para a
resiliência das cidades, prestando apoio para que os municípios desenvolvam ações
em âmbito local para reduzir o risco de desastres.
Uma cidade resiliente é aquela que tem a capacidade de resistir, absorver e
se recuperar de forma eficiente dos efeitos de um desastre e de maneira organizada
prevenir que vidas e bens sejam perdidos.
O objetivo da ação é aumentar o grau de consciência e compromisso em
torno das práticas de desenvolvimento sustentável, como forma de diminuir as
vulnerabilidades e propiciar o bem estar e segurança dos cidadãos.
A seguir, os dez passos estabelecidos no plano de ação:
23
a) Estabelecer mecanismos de organização e coordenação de ações com
base na participação de comunidades e sociedade civil organizada, por
meio, por exemplo, do estabelecimento de alianças locais. Incentivar que
os diversos segmentos sociais compreendam seu papel na construção de
cidades mais seguras com vistas à redução de riscos e preparação para
situações de desastres;
b) Elaborar documentos de orientação para redução do risco de desastres e
ofereça incentivos aos moradores de áreas de risco: famílias de baixa
renda, comunidades, comércio e setor público, para que invistam na
redução dos riscos que enfrentam;
c) Manter informação atualizada sobre as ameaças e vulnerabilidades de
sua cidade; conduza avaliações de risco e as utilize como base para os
planos e processos decisórios relativos ao desenvolvimento urbano.
Garantir que os cidadãos de sua cidade tenham acesso à informação e
aos planos para resiliência, criando espaço para discutir sobre os
mesmos;
d) Investir e manter uma infraestrutura para redução de risco, com enfoque
estrutural, como por exemplo, obras de drenagens para evitar
inundações; e, conforme necessário invista em ações de adaptação às
mudanças climáticas;
e) Avaliar a segurança de todas as escolas e postos de saúde de sua
cidade, e modernizá-los se necessário;
f) Aplicar e fazer cumprir regulamentos sobre construção e princípios para
planejamento do uso e ocupação do solo. Identificar áreas seguras para
os cidadãos de baixa renda e, quando possível, modernizar os
assentamentos informais;
g) Investir na criação de programas educativos e de capacitação sobre a
redução de riscos de desastres, tanto nas escolas como nas
comunidades locais;
h) Proteger os ecossistemas e as zonas naturais para atenuar alagamentos,
inundações, e outras ameaças às quais sua cidade seja vulnerável.
Adaptar-se às mudanças climáticas recorrendo a boas práticas de
redução de risco;
24
i) Instalar sistemas de alerta e desenvolver capacitações para gestão de
emergências em sua cidade, realizando, com regularidade, simulados
para preparação do público em geral, nos quais participem todos os
habitantes; e
j) Depois de qualquer desastre, velar para que as necessidades dos
sobreviventes sejam atendidas e se concentrem nos esforços de
reconstrução. Garantir o apoio necessário à população afetada e suas
organizações comunitárias, incluindo a reconstrução de suas residências
e seus meios de sustento.
3.1 AÇÕES DA DEFESA CIVIL NO BRASIL
Os eventos dos dias 11 e 12 de janeiro de 2011, quando chuvas de grande
intensidade deflagraram o que seria considerado o pior desastre brasileiro dos
últimos tempos: as inundações e deslizamentos da Região Serrana do Rio de
Janeiro, evento que causou 905 mortes em sete cidades e afetou mais de 300 mil
pessoas, ou 42% da população dos municípios atingidos, de acordo com dados da
Polícia Civil do Rio de Janeiro.6
As operações de resgate mobilizaram o Corpo de Bombeiros de quatro
estados, a Força Nacional, efetivos das Forças Armadas, Governos dos Estados de
Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro em uma operação sem
precedentes que envolveu mais de mil homens no resgate às vítimas.
Os impactos do desastre na Região Serrana não se limitaram às perdas e
danos, mas também configuraram um marco nas políticas de gestão de riscos e
desastre no país. Imediatamente após as chuvas, no processo de resposta, o
Governo Federal instalou uma força tarefa bem como iniciou um processo de
fortalecimento das práticas de gestão de riscos e desastres a nível nacional.
As inundações e deslizamentos da Região Serrana do Rio de Janeiro em
janeiro de 2011 ficaram conhecidos como o pior desastre brasileiro em termos de
danos humanos, mas as perdas e danos econômicos também foram significativos,
com implicações sobre a qualidade de vida dos sobreviventes e para a atividade
econômica na região, que ainda está longe de recuperar seu status pré-desastre. 6 Dados constantes do Relatório do Banco Mundial intitulado Avaliação de Perdas e Danos -
Inundações e Deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro -Janeiro de 2011, com base nos dados oficiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro, publicado em novembro de 2012.
25
Estima-se que 304.562 habitantes dos sete municípios que entraram em
estado de calamidade pública, foram diretamente afetados pelo desastre,
representando 42,68% da população daquelas localidades7. As perdas de vidas
humanas e outros danos que não podem ser mensurados estão assim distribuídos,
por município:
Tabela 2: População afetada, por município: Fonte: Secretaria Nacional de Defesa Civil do Rio de Janeiro
Ainda de acordo com o Relatório do Banco Mundial (TORO, 2012) as perdas
e danos totais foram estimados em R$ 4.8 bilhões, valor que não inclui o impacto
nas áreas de educação e saúde, que não puderam ser considerados em função da
indisponibilidade de informações detalhadas. Dos custos totais, R$ 2.2 bilhões (46%)
correspondem aos danos, custos diretos das inundações e deslizamentos. Por sua
vez, as perdas (custos indiretos do desastre) foram estimadas em R$ 2.6 bilhões
(54% dos custos totais). Os custos mensuráveis dessa tragédia foram consolidados
na tabela abaixo:
7 De acordo com o Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),nos sete
municípios que entraram em estado de calamidade pública viviam 713.652 pessoas, ou 4.46% da população do estado do Rio de Janeiro (15.989.929).
MUNICÍPIO AFETADOS DESABRIGADOS DESALOJADOS MORTOS FERIDOS
PARCELA DA
POPULAÇÃO AFETADA %
Areal 7,000 1,469 1,031 na 15 61
Bom Jardim
12,380 632 1,186 na 423 49
Nova Friburgo
180,000 3,800 4,500 420 900 99
Teresópolis 50,500 6,727 9,110 355 837 31
S.J. do Rio Preto
20,682 790 na na 163 100
Sumidouro 15,000 240 311 22 13 100
Petrópolis 19,000 2,800 6,341 68 na 6
Total 304,562 16,458 na na na
Subtotal - - 22,479 865 2,351
26
Impacto (R$1.00) Propriedade Danos Perdas Setor Público Setor Privado Total
Infraestrutura
1.106.312.344,44 1.426.518,04 1.038.839,38 83.8958.923,10 1,013.585.000,00
Transporte
620.971.233,15 0,00 620.971.233,15 0,00 620.971.233,15
Telecomunicações
9.303.400,00 0,00 0,00 9.303.400,00 9.303.400,00
Água e saneamento
451.890.352,83 3.143.000,00 417.868.706,23 39.164.646,60 457.033.352,83
Energia
22.147.358,46 13.283.518,04 0,00 35.430.876,50 35.430.876,50
Setores Sociais
721.817.400,00 1.973.754.827,97 2.047.382.327,97 648.190.300,00 2.695.572.627,97
Habitação 644.685.300,00 1.964.987.327,97 1.962.662.327,97 647.010.300,00 2.609.672.627,97
Saúde
2.502.500,00 8.767.500,00 10.720.000,00 550.000,00 11.270.000,00
Educação
74.630.000,00 0,00 74.000.000,00 630.000,00 74.630.000,00
Setores Produtivos
294.724.415,61 601.376.475,88 2.000.000,00 894.100.891,49 896.100.891,49
Agricultura
124.000.000,00 90.000.000,00 0,00 24.000.000,00 214.000.000,00
Indústria
30.184.961,00 123.297.889,00 0,00 153.482.850,00 153.482.850,00
Comércio
133.539.459,61 335.678.586,90 0,00 469.218.041,49 469.218.041,49
Turismo
7.000.000,00 52.400.000,00 2.000.000,00 57.400.000,00 59.400.000,00
Meio ambiente
71.466.000,00 0,00 71.466.000,00 0,00 71.466.000,00
Total 2.194.320.560,05 2.591.557.821,89 3.159.688.267,35 1.626.190.114,59 4.785.878.381,94
Tabela 3 : Inundações e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011.
Fonte: Estimativas do Banco Mundial, com base em informações oficiais
As tragédias naturais ocorridas entre 2008 e 2011 custaram R$15 bilhões a
quatro estados brasileiros, segundo estudos do Banco Mundial. O setor de habitação
foi o mais afetado pelos desastres e impactos importantes na infraestrutura, na
saúde, na agricultura, na educação e no comércio. Das perdas e danos estimados
no setor de infraestrutura de saneamento, por exemplo, mais de 90% podem ter
implicações fiscais diretas em algum nível de governo (municipal, estadual ou
federal).
Deve-se ainda considerar que os reais impactos econômicos e sociais
possam estar sendo subestimados devido a pouca tradição do Brasil no setor de
gestão de riscos e desastres.
27
3.2 RIO DE JANEIRO: CIDADE RESILIENTE
A cidade do Rio de Janeiro tem desenvolvido ações envolvendo a formação
e capacitação de agentes locais de defesa civil, parcerias com instituições
municipais de ensino, conscientização de moradores, preparação de voluntários e
agentes comunitários para executar ações típicas de prevenção de desastres como
a organização de abrigos, evacuação de áreas, cursos de primeiros socorros, entre
outras.
Algumas ações preconizadas pelo Protocolo de Hyogo servem de guia para
tornar o Rio de Janeiro uma cidade resiliente. A seguir, um resumo das ações de
prevenção a desastres realizadas pelo município em parceria com a Secretaria de
Defesa Civil no bojo da Campanha “Rio de Janeiro em Busca da Resiliência Frente a
Chuvas Fortes8” :
I. Fazer da Redução de Desastres uma prioridade
Aquisição de um Novo Radar Meteorológico
Adquirido em dezembro de 2010, o equipamento mostra as condições
(localização e intensidade) das chuvas a cada momento e, estas informações, em
conjunto com outros parâmetros meteorológicos (vento, umidade, etc.) permitem que
o meteorologista efetue uma previsão de curtíssimo prazo (nowcasting) em relação à
trajetória mais provável que a chuva terá nas próximas horas. Além do Radar
Meteorológico, o Sistema Alerta Rio também conta com uma rede de pluviômetros
localizados em diversas regiões da cidade que monitoram a quantidade de chuva.
Fortalecimento da Defesa Civil e demais órgãos do Sistema
Aumento do orçamento, realização de concurso público específico e
aquisição (ou locação) de viaturas, máquinas e equipamentos são exemplos de
medidas visando fortalecer a Defesa Civil Municipal.
8 Campanha realizada pela prefeitura da cidade do Rio, em parceria com UNISDR (Estratégia Internacional para
Redução de Desastres), e a Secretaria Nacional de Defesa Civil, disponível em
http://www.preventionweb.net/files/32363_32363riodejaneiroresiliente20131.pdf, acesso em 20.9.2013.
28
Implantação de um Centro de Operações
Centro de Operações Rio é um centro de operações que integra cerca de 30
órgãos municipais e concessionárias com o objetivo de monitorar e otimizar o
funcionamento da cidade, além de antecipar soluções e minimizar as ocorrências. A
unidade vai alertar os setores responsáveis sobre os riscos e as medidas urgentes
que devem ser tomadas em casos de emergências como chuvas fortes, acidentes
de trânsito e deslizamentos e irá integrar todas as etapas de um gerenciamento de
crise: desde a antecipação, mitigação e preparação, até a resposta imediata aos
eventos e realimentação do sistema com novas informações que podem ser usadas
em futuros casos.
II. Conhecer o Risco e tomar ações
Mapeamento das Áreas de Risco Geológico
Foram mapeadas as encostas localizadas no Maciço da Tijuca e
adjacências, abrangendo 52 bairros das zonas Norte, Sul, Oeste e do Centro da
cidade. Ao todo foram vistoriados 13,02 quilômetros quadrados (1.302 hectares),
dos quais 30% foram considerados áreas de alto risco. Este mapeamento permite à
Prefeitura carioca elaborar projetos específicos para cada comunidade mapeada e
definir as ações junto às comunidades em risco, além de priorizar a implantação do
Sistema de Alerta Comunitário.
Implantação do Sistema de Alerta e Alarme Comunitário
O Sistema de Alerta e Alarme Comunitário é fundamentado no Sistema
Alerta Rio que é um órgão específico da Prefeitura para a Previsão Meteorológica e
para o Monitoramento das Chuvas.
A previsão de chuva possui 4 estágios:
1 - VIGILÂNCIA (ausência de chuva ou chuva leve nas próximas 6 horas -
verde);
2 - ATENÇÃO (possibilidade de chuva moderada, ocasionalmente forte, nas
próximas horas – amarelo);
3 - ALERTA (chuva forte nas próximas horas podendo causar alagamentos e
deslizamentos isolados - vermelho);
29
4 - ALERTA MÁXIMO (chuva muito forte nas próximas horas podendo
causar alagamentos e deslizamentos generalizados - preto).
Quando o estágio entra em Atenção é enviada uma mensagem de texto para
os telefones celulares de todos integrantes do sistema (Agentes Comunitários de
Saúde, Líderes Comunitários e Agentes Públicos), alertando para a possibilidade de
chuva moderada/forte.
A Defesa Civil e a Geo Rio instalaram um SISTEMA DE ALARME POR
SIRENES em 103 comunidades (que possuem residências em áreas de alto risco
conforme mapeamento de risco). Nestes locais, quando a chuva atinge um limite
pré-estabelecido, a sirene é acionada informando os moradores sobre o risco de
deslizamentos e solicitando que os mesmos dirijam-se para os Pontos de Apoio
(locais seguros previamente definidos na comunidade – igrejas, associação de
moradores, escolas, quadras de escola de samba etc).
III. Construir entendimento e consciência
Formação de Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDECs)
Este trabalho teve como foco os Agentes Comunitários de Saúde (ACS),
presidentes das Associações de Moradores e integrantes de outros Programas
Comunitários Municipais (Educação Ambiental, Mutirão do Reflorestamento e
Guardiões dos rios), que moram e trabalham na comunidade.
Cada equipe (que é composta por 6 ACS) é considerada como um Nudec.
Atualmente, existem 569 Nudecs e 3653 Agentes Comunitários envolvidos. Os
membros dos Nudecs também atuam na organização das comunidades que
possuem Sistema de Alarme por Sirenes instalado, desocupando áreas de risco e
direcionando moradores para abrigos temporários, diante da possibilidade de
ocorrência de desastres. Aos membros dos Nudecs são disponibilizaçãos
equipamentos pessoais, como: lanternas, capas de chuvas, apitos e telefones
celulares que podem falar gratuitamente entre si, formando uma rede de mobilização
em caso de desastres.
30
Atuação nas Escolas (eventos e simulados).
A Defesa Civil Municipal possui os projetos “Construindo A Cidadania Nas
Escolas” e “Educando Para A Proteção Comunitária” em parceria com a Secretaria
Municipal de Educação para atender alunos da Rede Municipal de Ensino.
No Projeto “Construindo a Cidadania nas Escolas”, é realizado um evento
em um ambiente externo a escola, que busca desenvolver nas crianças noções de
Preservação do Meio Ambiente e ações de Redução de Desastres.
O Projeto “Educando para a Proteção Comunitária” conta com ações nas
escolas, seja por meio de palestras explicativas ou, principalmente, com a realização
de Exercícios Simulados (por meio do subprojeto Alerta nas Escolas).
Os Exercícios Simulados nas Escolas tiveram início em agosto de 2011 e
mais de 10.000 alunos de cerca de 50 escolas já participaram deste treinamento.
Estas escolas, que são localizadas no interior ou entorno de comunidades que
apresentam áreas com alto risco de deslizamento, já atuam como Ponto de Apoio
(local seguro - abrigo temporário) para a população residente nestas comunidades
em caso de chuva forte.
A base da ação como um todo é a Estratégia de Mobilização do Sistema de
Alerta e Alarme Comunitário para Chuvas Fortes.
IV. Reduzir o risco
Delimitação legal e física das áreas de risco e de preservação ambiental.
O Novo Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, sancionado em fevereiro
de 2011, contempla de a preservação da paisagem e o controle do uso e ocupação
para combater irregularidades e prevenir situações de risco. A legislação e a
fiscalização por parte do governo local, entretanto, não são suficientes para conter a
expansão de comunidades em áreas impróprias.
Ações contínuas de conservação e limpeza.
Além das coletas já realizadas em toda a cidade, a Comlurb (Companhia
Municipal de Limpeza Urbana), órgão da Secretaria de Conservação e Serviços
Públicos, esta implantando, de forma integrada com a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e com a UPP Social, uma nova logística de limpeza e coleta de lixo em
várias comunidades.
31
A entrada em vigor da Lei do Lixo Zero9, somada a ações educativas vão
reforçar junto à comunidade a importância de fazer o descarte correto do lixo.
Reassentamento de moradores das áreas de alto risco.
Para a transferência destes moradores e liberação das localidades de risco,
a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) paga a cada família um aluguel social.
Essas famílias recebem o benefício até serem reassentadas definitivamente em
imóveis do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Realização de obras de infraestrutura e estabilização de encostas.
Fundação Geo Rio também executa obras emergenciais de estabilização de
encostas em diversos morros da cidade. No ano de 2010 foram executadas 380
frentes de serviço com volume de recursos superior a R$ 145 milhões e a realização
de mais de 4.000 vistorias.
V. Estar preparado e pronto para agir
Definição das Atribuições e Responsabilidades (Plano de Emergência).
Visando definir as instituições (públicas, privadas ou sociedade civil)
integrantes do Sistema de Defesa Civil e que possam ter atribuições antes, durante
e depois do evento adverso, bem como integrá-las e conscientizá-las das ameaças a
que a cidade está exposta, foi elaborado um Plano de Emergências.
Comunidade, Sociedade Civil e Poder Público Mobilizados.
O treinamento de Agentes e Líderes Comunitários, bem como a implantação
de Núcleos Comunitários de Defesa Civil tem por objetivo conscientizar e esclarecer
os moradores, fortalecendo a mobilização comunitária. A identificação,
cadastramento e treinamento de grupos voluntários de instituições religiosas,
associações de classe, ONGs etc representa a sociedade civil mobilizada. A Cruz
Vermelha Brasileira é outro importante parceiro da Defesa Civil Municipal auxiliando
na formação de agentes aptos a agir em emergências e ajudando a formar uma
cultura de prevenção na sociedade.
9 Lei Municipal 3273 (Lei de Limpeza Urbana, de 2011) prevê multas que variam de R$ 157 a R$ 3
mil, dependendo do volume do item descartado incorretamente.
32
Simulação de Desocupação Emergencial das Comunidades
Para a que o Sistema de Alarme por Sirenes funcione de forma eficiente, os
moradores devem ser treinados sobre como proceder quando a sirene for acionada.
Desta forma são realizados exercícios simulados de desocupação, com o intuito de
treinar e adaptar, de uma forma concreta e próxima da realidade, os moradores da
área de risco para a desocupação em uma situação emergencial. Esta ação é parte
do Plano de Desocupação do Município do Rio de Janeiro que tem por objetivo
estabelecer procedimentos e orientações gerais da desocupação.
Todas as 103 comunidades que possuem Sistema de Alarme por Sirenes
instalado já tiveram exercício simulado de desocupação com a participação de
representantes de mais de 13.000 famílias.
33
4 A DEFESA CIVIL E AS MEDIDAS DE PREVENÇÃO DE DESASTRES
As enchentes e deslizamentos provocados pelo megadesastre ocorrido na
região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011 representaram um “divisor de
águas” no que tange à gestão de desastres no Brasil. A magnitude e as
consequências nefastas daquela tragédia evidenciaram para as autoridades e para a
sociedade brasileira a importância da prevenção, mitigação e criação de cidades
mais resilientes. A defesa civil e a gestão de desastres tornaram-se, finalmente, um
tema prioritário na agenda governamental.
Três iniciativas de grande importância para a gestão e prevenção de
desastres foram consolidadas ainda em 2012, a saber:
Elaboração do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais 1991 a 2010,
organizado pelo Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre
Desastres(CEPED), da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC;
Diagnóstico do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a
Desastres (PNGRD), organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); e
Criação do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID),
tornando públicas as informações oficiais sobre desastres no Brasil e
possibilitando, entre outras funções, a construção de um banco de dados
confiável sobre desastres no país.
As ações governamentais incluem a criação de um programa específico no
Plano Plurianual (PPA) 2012–2015 para tratar dessa temática — o Programa nº
2040 “Gestão de Riscos e Resposta a Desastres” — e o Plano Nacional de Gestão
de Riscos e Resposta a Desastres (PNGRD).
De acordo com o Programa 2040 – Gestão de Riscos e Resposta a
Desastres, do Plano Plurianual (2012-2015) do Governo Federal, menos de 10% dos
municípios brasileiros possuem órgãos de defesa civil instalados e estruturados.
Considerando que o desastre ocorre no âmbito do município, a instituição local
deveria estar bem estruturada, articulada com os demais órgãos integrantes do
Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), cujo órgão central é a Secretaria
Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional, e servir de referência
para os demais segmentos para a tomada de decisão sobre ações preventivas e de
resposta.
34
Praticamente inexistem ações sistêmicas voltadas para a prevenção e
políticas públicas que promovam a redução de vulnerabilidades sócio-econômicas
dos moradores que residem em áreas de risco. O Programa aponta a necessidade
de ampliação dos investimentos estruturais de caráter preventivo, tais como a
implantação de sistemas de drenagem urbana e de medidas que promovam
adequadamente o manejo das águas pluviais, a implantação de parques, bosques e
áreas de lazer em áreas de grande suscetibilidade a inundações rápidas e
enxurradas, e a execução de obras de estabilização e contenção de encostas.
O Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais,
lançado em 2012 com a previsão de aplicação de cerca de 19 bilhões em estados e
municípios para o estabelecimento das seguintes ações:
Prevenção, através da execução de obras estruturantes;
Mapeamento de áreas de risco;
Monitoramento e Alerta, através da estruturação da rede nacional;
Socorro, Assistência e Reconstrução.
Assim como a nova Política Nacional, o PNGRD prioriza as ações de
prevenção, sendo destinados 15,6 bilhões a estas iniciativas, que compreendem
obras de contenção de encostas, drenagem, retenção de cheias, barragens,adutoras
e sistemas de abastecimento de água.
Há a previsão de capacitação de 4000 membros da sociedade civil
organizada em Defesa Civil e Gestão de Risco e a expansão da rede de observação
e alerta, com a instalação de radares, sensores de deslizamentos, pluviômetros e
outros, bem como de uma articulação nacional destes sistemas.
O Plano não prevê, no entanto, a construção de abrigos temporários para
acolher os atingidos por esses fenômenos, medida considerada de extrema
necessidade considerando a dificuldade de remoção total das habitações localizadas
em áreas de risco e a insuficiência de políticas habitacionais para esse fim.
35
De acordo com pesquisa10 publicada em janeiro de 2013 pelo Comitê de
Entidades no Combate à Fome e pela Vida - COEP, somente os estados de Minas
Gerais, Paraíba, Paraná, Santa Catarina e São Paulo possuem planos de prevenção
conforme preconiza a Política Nacional e das onze capitais pesquisadas, somente
sete possuem planos municipais de contingência, a saber: Rio de Janeiro, São
Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, João Pessoa e Manaus.
4.1 PREVENIR X REMEDIAR: A QUESTÃO ORÇAMENTÁRIA
A Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a efetuar
estudos e apresentar propostas em relação às medidas preventivas e saneadoras
diante de catástrofes, em relatório11 publicado em novembro 2011, faz a seguinte
análise da execução da Lei Orçamentária na Política de Defesa Civil (BRASIL,2011):
[...] O Poder Executivo Federal adota a estratégia de utilizar o crédito extraordinário, via medida provisória, para abastecer especialmente o programa de Resposta aos Desastres. Já o programa de Prevenção, que decorre de ações planejadas de intervenção, não recebe o devido aporte de recursos. A título de exemplo, ressalte-se que em 2010 foram destinados no Orçamento da União, para esses dois programas, o total de R$ 3,17 bilhões (valores liquidados), sendo R$ 2,89 bilhões para Resposta aos Desastres e apenas R$ 280 milhões para a Prevenção. Desse montante destinado aos dois programas, tão somente R$ 169 milhões foram alocados ao Orçamento no início do exercício financeiro e R$ 3 bilhões foram acrescidos ao longo do ano, especialmente via créditos extraordinários. Essa situação revela fatos preocupantes acerca da execução da política de Defesa Civil. Fica evidenciado que o Governo Federal não se antecipa aos eventos climáticos danosos, mas apenas reage quando ocorre a tragédia. Mesmo nesses casos, o Governo Federal depende da edição de medidas provisórias para alocar recursos para o atendimento emergencial à população atingida por desastres, já que esses recursos não se acham reservados em programação orçamentária aprovada no início do exercício financeiro.
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pesquisa entitulada ‘Políticas Públicas e Iniciativas da Sociedade Civil de Prevenção e Resposta a
Situações de Desastres Climáticos’ realizada pelo COEP Nacional no âmbito das atividades do Grupo de Trabalho Mudanças Climáticas, Pobreza e Desigualdades Sociais, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. A pesquisa foi realizada no período de setembro a novembro de 2012, junto aos órgãos de Defesa Civil de onze estados e suas capitais disponível em http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarArquivo.aspx?TP=1&ID=e997b561-d59f-4aec-9d48-30d1f18edfb&NOME=Relat%C3%B3rio%20S%C3%ADntese_Pesquisa.pdf 11
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/medidas-preventivas-diante-de-catastrofes/arquivos/relatorio-do-dep.-glauber-braga>. Acesso em: 17 set. 2013.
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O Jornal O Globo, em reportagem publicada em 4.1.13 e disponível no portal
de notícias G1, ao analisar as verbas orçamentárias destinadas aos programas de
prevenção e remediação de desastres para o ano de 2012, corrobora o relatório
daquela Casa Legislativa.
Da verba para investir em prevenção de desastres naturais em todo o país –
R$3,47 bilhões – somente 13,6% desse total foi executado. Por outro lado, o
governo federal usou 87% dos R$2,27 bilhões disponíveis para remediar as
tragédias.
Figura 4 : Verbas orçamentárias para prevenção e resposta a desastres Fonte:Portal do Orçamento/Siga Brasil*até 29.12.12 Defesa Civil Nacional
Em um país que tem, segundo os mapeamentos do governo federal, 5
milhões de pessoas morando em 800 áreas de risco, um dos maiores entraves é a
falta de estrutura dos municípios. Apenas 426 dos 5.565 municípios brasileiros têm
estrutura de Defesa Civil e a gestão dos recursos repassados são apenas outro
complicador. Dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) dão conta de
que, em média, somente 10% das cidades brasileiras tiveram gastos com ações de
Defesa Civil nos últimos cinco anos.
A diferença entre os valores empenhados e aqueles efetivamente pagos
deve-se principalmente à falta ou apresentação inadequada de projetos por parte
dos municípios atingidos. Os municípios, especialmente os mais pobres, não têm
capacidade técnica ou de pessoal para apresentar projetos que possam ser
aprovados pelo governo federal ou pelos Estados.
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Para contornar essa dificuldade, ministérios e governos estaduais deveriam
fornecer assistência técnica aos municípios para desenvolver projetos e adaptar
exigências burocráticas para dar mais agilidade a esse processo.
A questão orçamentária não é apenas técnica, mas essencialmente uma
questão política. As comunidades vitimadas não têm força política para se
representarem na execução das políticas públicas de prevenção a desastres. Após
uma grande tragédia, a administração pública tende a investir em ações de
prevenção e isso se reflete no orçamento das prefeituras das cidades atingidas por
enchentes e deslizamentos. Essas comunidades, no entanto, não estão
representadas por partidos políticos, movimentos sociais ou outros grupos de
pressão e as ações de prevenção a desastres acabam não se concretizando.
Resta demonstrada a necessidade de prover condições pra que os
municípios criem suas estruturas de defesa civil, especialmente nos que
recorrentemente são afetados por desastres. Como já comentado, menos de 10%
dos municípios brasileiros têm órgãos de defesa civil estruturados. É necessário
implementar políticas públicas que os capacitem a atuar de maneira sistêmica e
integrados a centros de monitoramento, previsão e alerta de desastres naturais, com
capacidade de monitoramento ininterrupto que permitam alertar sobre a
possibilidade de desastres e viabilizar uma ação preventiva dos órgãos do sistema
de defesa e da própria sociedade.
Além da política de gestão de riscos e resposta a desastres, o estado
precisa dirigir seu foco para a prevenção por meio de políticas estruturadas de
planejamento urbano, habitação, saneamento básico e conservação ambiental.
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5 CONCLUSÃO
Embora a seca seja o desastre natural mais comum no Brasil, com cerca de
54% das ocorrências registradas, as inundações decorrentes de fortes chuvas são
as mais devastadoras. Na década de 1990 foram registradas mais de dez mil
enchentes no país e a ocorrida na região serrana do Rio de Janeiro em 2011, a mais
grave.
Desde então o país vem se preparando para dotar os entes da federação
com meios para prevenir e mitigar os efeitos de desastres naturais com a formulação
de políticas públicas voltadas para esse fim, a elaboração de protocolos de
precaução e alerta para cada tipo de desastre e a realização de campanhas
educativas para envolver a sociedade e criar uma cultura de defesa civil visando
aumentar a capacidade de percepção de riscos e desestimular as ocupações em
áreas de risco de desastre.
Existe consenso acerca da necessidade de fortalecer o Município com a
dotação de recursos especialmente destinados à prevenção de desastres, pois 90%
deles não possui estrutura para o enfrentamento de tragédias como as que vêm
ocorrendo anualmente no país. A administração municipal, por ser a mais próxima
da população atingida precisa estar preparada para responder prontamente às
situações de risco.
Os órgãos que compõem o Sistema Nacional de Proteção Civil devem
trabalhar de forma integrada para garantir que os recursos e ações coordenadas
possam efetivamente cumprir o planejamento estratégico voltado para a prevenção
e remediação de desastres.
No entanto, a implantação de um sistema de informações e a elaboração de
complexos estudos técnicos, ainda que importantes, terão pouca ou nenhuma
eficácia se não forem acompanhados de estruturação e capacitação municipal.
A nova política traz uma forte orientação no sentido de priorizar as ações de
prevenção aos desastres naturais a partir de medidas estruturantes mas não
estabelece novas fontes de recursos para as ações de gestão de desastres e
tampouco define penas para os gestores municipais que não elaborem, por
exemplo, um plano de contingência como previsto em lei.
O plano de contingência é a formalização de uma estratégia de
enfrentamento dos desastres onde estão detalhadas as características do evento
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previsto, as ações planejadas para o seu enfrentamento, o número provável de
pessoas atingidas e os recursos disponíveis ou necessários para a preparação ou
enfrentamento dos eventos adversos. Um plano de contingência bem elaborado
deve proporcionar o estabelecimento de formas de monitoramento, alertas e alarmes
para que tanto a comunidade quanto as instituições. Em um enfoque realista, no
entanto, devemos admitir as limitações e dificuldades técnicas que pequenos
municípios teriam para elaborar um plano que cumprisse todos esses requisitos.
Os planos estaduais de prevenção a desastres e os planos municipais de
contingência, em geral, apresentam estratégias para a atuação dos sistemas de
defesa civil em casos de emergências, não compreendendo o planejamento de
ações estruturantes, a longo e médio prazo nem ações integradas entre os sistemas
de prevenção e políticas públicas que promovam a redução de vulnerabilidades
socioeconômicas dos moradores que residem em áreas de risco.
Para que ações de prevenção a desastres funcionem de forma sistêmica
como prevê a nova Lei, a estruturação de um sistema central de monitoramento,
previsão e alerta de desastres naturais, fazendo uso de tecnologias modernas e com
capacidade de monitoramento. Deve, ainda, ser capaz de incorporar e processar
informações de diversas fontes, a exemplo da rede de radares meteorológicos, da
rede nacional hidrometeorológica, de imagens de sensores remotos e da rede
nacional de sismógrafos, produzindo a informação que permita alertar sobre a
probabilidade de ocorrência de desastres e viabilizar a ação preventiva dos órgãos
do SINDEC e da sociedade.
Entende-se que o esforço do Estado deve, cada vez mais, ser concentrado
nas ações de prevenção. Para tanto, o enfrentamento da questão também se dará
em outras políticas públicas além da política de gestão de riscos e resposta a
desastres, a exemplo das políticas de: saneamento básico, oferta de água,
planejamento urbano, habitação, energia nuclear e conservação ambiental. Para
tanto, a fim de orientar essas e outras políticas públicas, os órgãos e instituições do
Sistema Nacional de Defesa Civil devem, estar estruturados e integrados.
Além das questões orçamentárias já comentadas nesse estudo, há ainda
questões jurídicas, sociais e até geográficas que dificultam a consecução de
remoção de grande número de pessoas de uma área de risco. Enquanto as
intervenções estruturais não são possíveis, a educação para a percepção e
convivência com o risco é fundamental.
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REFERÊNCIAS
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