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IE-00000097-8 Ensaios FEE, Porto Alegre, 3(2) 5-30,1983. O CAPITALISMO EM VIAS DE RECUPERAÇÃO?* Sobre Teorias áà "Onda Longa" e dos "Estágios" Elmar Altvater** 1 - A Formulação do Problema Um congresso internacional de economia, promovido no fim dos anos 50, na República Democrática Alemã, passou, uma vez maisecom base em "ana- lises objetivas", ao capitalismo o atestado da sua já antiga obsoles- cência como sistema social. Segundo um dos comunicados principais en- caminhados ao congresso, de autoria do cientista soviético Kirsanov, somente o socialismo estaria em condições de "garantir um desenvolvi- mento econômico sem crises e criar condições para uma melhoria efetiva e incessante do bem-estar da população". Esta esperança (para nao di- zer certeza) era provavelmente partilhada então pela maioria dos cien- tistas marxistas. E assim ficavam dispensadas as perguntas dubitativas pelas forças motrizes da expansão, que era por assim dizer transfigu- rada em "milagre econômico" na Alemanha Ocidental e, alguns anos mais tarde, na Itália e no Japão. Possivelmente, estas perguntas teriam evi- denciado que, depois da Segunda Guerra Mundial e mesmo no fim dos anos 50 e no inicio dos anos 60, a dinâmica da prosperidade ainda estava longe do esgotamento nos países capitalistas e que, portanto, as esperanças po- líticas na decadência necessária do capitalismo e na vitoria do socia- lismo na competição dos sistemas ainda eram altamente ilusórias. Antes que também os teóricos do capitalismo estatal monopolista tiras- sem, finalmente, as suas conclusões a partir da estabilidade inespera- da do capitalismo (presumidamente frágil), no final dos anos 60, Theo- dor Prager fazia em 1963, no seu livro "Wirtschaftswunder oder keines?", muito lido na época, a pergunta pelas forças motrizes da expansão ca- pitalista nos decênios após a Segunda Guerra Mundial. Segundo Prage.r, o capitalismo tinha sofrido transformações, as "oligarquias" tinham em- preendido, em face dos novos desafios, uma "fuga para frente", em ge- ral vitoriosa. Havia naturalmente uma tendência ã estagnação nos Esta- dos Unidos (que seria mais tarde, a partir de 1964, encoberta até o fim da década pelo "Vietnã boom"), mas na Europa as forças dinâmicas ain- da prevaleciam, "... embora pudessem se revelar em uma fase posterior e em * Der Kapitalismus vor einem Aufschwung? Über Iheorien dei "langen Welle" und der "Stadien" Tradução de Peter Naumann, O tradutor agradece a Cláudio Einloft várias sugestões terminológicas ** Professor da tJniversidade Livre de Berlim.

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IE-00000097-8

Ensaios FEE, Porto Alegre, 3(2) 5-30,1983.

O CAPITALISMO EM VIAS DE RECUPERAÇÃO?*

Sobre Teorias áà "Onda Longa" e dos "Estágios"

Elmar Altvater**

1 - A Formulação do Problema

Um congresso internacional de economia, promovido no fim dos anos 50, na República Democrática Alemã, passou, uma vez maisecom base em "ana­lises objetivas", ao capitalismo o atestado da sua já antiga obsoles­cência como sistema social. Segundo um dos comunicados principais en­caminhados ao congresso, de autoria do cientista soviético Kirsanov, somente o socialismo estaria em condições de "garantir um desenvolvi­mento econômico sem crises e criar condições para uma melhoria efetiva e incessante do bem-estar da população". Esta esperança (para nao di­zer certeza) era provavelmente partilhada então pela maioria dos cien­tistas marxistas. E assim ficavam dispensadas as perguntas dubitativas pelas forças motrizes da expansão, que era por assim dizer transfigu­rada em "milagre econômico" na Alemanha Ocidental e, alguns anos mais tarde, na Itália e no Japão. Possivelmente, estas perguntas teriam evi­denciado que, depois da Segunda Guerra Mundial e mesmo no fim dos anos 50 e no inicio dos anos 60, a dinâmica da prosperidade ainda estava longe do esgotamento nos países capitalistas e que, portanto, as esperanças po­líticas na decadência necessária do capitalismo e na vitoria do socia­lismo na competição dos sistemas ainda eram altamente ilusórias.

Antes que também os teóricos do capitalismo estatal monopolista tiras­sem, finalmente, as suas conclusões a partir da estabilidade inespera­da do capitalismo (presumidamente frágil), no final dos anos 60, Theo-dor Prager fazia em 1963, no seu livro "Wirtschaftswunder oder keines?", muito lido na época, a pergunta pelas forças motrizes da expansão ca­pitalista nos decênios após a Segunda Guerra Mundial. Segundo Prage.r, o capitalismo tinha sofrido transformações, as "oligarquias" tinham em­preendido, em face dos novos desafios, uma "fuga para frente", em ge­ral vitoriosa. Havia naturalmente uma tendência ã estagnação nos Esta­dos Unidos (que seria mais tarde, a partir de 1964, encoberta até o fim da década pelo "Vietnã boom"), mas na Europa as forças dinâmicas ain­da prevaleciam, "... embora pudessem se revelar em uma fase posterior e em

* Der Kapitalismus vor einem Aufschwung? Über Iheorien dei "langen Welle" und der "Stadien"

Tradução de Peter Naumann, O tradutor agradece a Cláudio Einloft várias sugestões terminológicas

** Professor da tJniversidade Livre de Berlim.

um nível superior de desenvolvimento das forças produtivas, muito mais como entraves ao crescimento" (Prager,1963, p. 154) . Esta afirmação cer­tamente nao deve ser interpretada como um prognóstico da crise dos anos 70, mas como identificação clarividente das tendências dos problemas, que a maioria dos economistas suprimira por via da discussão durante o apogeu do "milagre econômico". Problemas , aliás , cuja manifestação aber­ta (recessoes na Itália e na República Federal da Alemanha) era regis­trada desde meados dos anos 60 apenas com surpresa.

Vinte anos depois, no início dos anos 80, a situação econômica nao nos formula mais a pergunta pelas forças motrizes da expansão. Discute-se hoje a dinâmica da crise e da longa depressão e se, e sob quais condi­ções, uma nova recuperação i possível nos anos 80. Uma experiência fei­ta a partir de todas as grandes crises da história do capitalismo en­sina-nos que o capitalismo nao deverá simplesmente desmoronar: muito pelo contrário, ele poderá mobilizar, inclusive dentro da crise, reser­vas políticas para a estabilização da sua estrutura de dominação. No entanto, quais são as saldas da crise e da depressão e para onde elas conduzem? Estaríamos confrontados com a perspectiva de uma nova fase de desenvolvimento capitalista? A "onda longa", marcada pela estagnação, teria como seqüência uma nova "onda longa", desta vez marcada pela ex­pansão? Pretendo examinar estas questões no presente artigo e refletir simultaneamente sobre o problema dos limites do crescimento, utilizan­do como pano de fundo teorias das "ondas longas" do crescimento econô­mico e teorias dos estágios do desenvolvimento capitalista.

2 - A Crise do Racionalísmo Europeu

Após a euforia do crescimento e da técnica nos anos 50 e 60, sem falar na "cultura de racionalização" dos anos 20, predomina, desde meados dos anos 70, um clima de ceticismo. Revelaram-se ilusórias as esperanças de reduzir a alienação do trabalho (no sentido da curva V de Blauner) e de aumentar a autodeterminação e a satisfação no trabalho através da au­tomação integral da produção. A aparente possibilidade de dominar ere­gular quase integralmente o mundo por meio da tecnologia avançada dá cada vez menos margem a sentimentos triunfalistas e difunde, muito pe­lo contrário, temores de que os homens nao dominem a técnica, mas a téc­nica domine os homens. Mais ainda: de que a técnica possa escapar ap controle e destruir a humanidade, a semelhança do feitiço que se vira contra o feiticeiro. E.P. Thompson (1981) cunhou o termo "exterminismo" e procurou com ele chamar a atenção para esta perspectiva de uma socie­dade global, cujos blocos extraem seu poder econômico e militar do seu "progressismo" relativo na área tecnológica, expondo-se assim ao irra-cionalismo de uma lógica incontrolável (irracional com relação aos in­teresses de sobrevivência da humanidade).

Concomitantemente ã perda das esperanças depositadas na técnica, evi­denciam-se os aspectos negativos de uma tecnologia que é aplicada ma­ciçamente para destruir empregos, baixar perfis de qualificação e re­duzir, com isto, os custos salariais, a competência do indivíduo no seu campo de trabalho e na sua vida e aumentar proporcionalmente as possi­bilidades de controle por parte de uma central. Em muitos países capi­talistas avançados, surgiram diante deste pano de fundo "novos movimen­tos sociais", que nao mais se sujeitam ã racionalidade previamente im-

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posta de desenvolvimento, crescimento e progresso, fixando, ao contra­rio, novos critérios para o sentido da vida.

Com isto fica questionado mais do que a complementação ou a substitui­ção de critérios, segundo os quais podemos avaliar comparativamente o crescimento, o desenvolvimento ou o progresso. Pois a quantifioação é um resultado profundamente ancorado das formas de soaialização burgue­sa, a premissa fundamental dos cálculos capitalistas de racionalidade e rentabilidade, do "espírito do capitalismo" (Max Weber) e da socie­dade orientada para a eficiência [Leistungsgesellsahaft] , mediada pelo mercado (Polanyi, 1977, p. 129), que utiliza a técnica de uma maneira bem_determinada, isto e, de maneira instrumental. Nas formas da repro­dução social — no salário, no preço, no lucro, no dinheiro e na media­ção destas categorias pelo mercado—,ê possível apenas a quantificação com vistas ao objetivo superior da maximizaçao, ou seja, da otimização. Qualidade da vida e elevação do nível de vida tornam-se dependentes de uma determinada quantidade de dinheiro. No mercado, necessariamente se dá a redução de qualidade e quantidade. Aqui estamos no ponto decisi­vo: na medida do desenvolvimento de critérios qualitativos sao ques­tionadas as instituições que exercem pressão no sentido da quantifica­ção. Por isso devemos ter clareza acerca do seguinte: o crescimento qua­litativo (ou seletivo, no sentido de Eppler,1981) exigido é ou uma me­ra fórmula, que é criticada na prática pela própria realidade, ou as instituições da socialização devera ser modificadas — o mercado e os in­teresses, nele veiculados, da propriedade e da valorização, na área econômica, e a democracia formal, que repousa sobre o princípio da ma­ximizaçao dos votos, na área política. Com isso entramos num tema ex­traordinariamente delicado, que não pode ser aprofundado aqui em todas as suas ramificações. Para os efeitos deste artigo, é suficiente dizer que, tanto no mercado como no processo democrático, nao se trata de promover o desaparecimento, mas a reforma institucional, que neutrali­za a pressão no sentido da quantificação e permite a consideração de critérios qualitativos. Assim concebida, a fórmula do crescimento qua­litativo visa, portanto, a critérios de seleção modificados- com rela­ção ao tipo tradicional de crescimento, critérios de seleção politiza­dos, que somente podem ser realizados em um quadro institucional di­ferente .

No entanto, a próxima questão deve ser formulada da seguinte maneira: por que o crescimento quantitativo nao pode mais ser considerado sufi­ciente para a melhoria do padrão de vida e para a medição do progresso, como em tempos anteriores? Atrás desta pergunta está escondido o pro­blema do relacionamento de meios e fins, de "input" e "output" eda me­dição destas duas grandezas. A racionalidade formal na acepção de Max Weber e o principio fundamental, o imperativo categórico do pensamento e da ação burguesas, resultado histórico da "ética protestante": "in­put" e "output" sao calculados e colocados em uma relação de recipro­cidade. Quanto melhor esta relação, maior o "bem-estar". Mas esta me­dida sofre uma restrição adicional no capitalismo, enquanto medida da rentabilidade do capital. A lucratividade (taxa de lucro como relação do resultado do processo produtivo com as premissas do processo produ­tivo) e estruturalmente idêntica ao cálculo abstrato de racionalidade: contrapoe-se ao adiantamento de capital o lucro como resultado. Mas já aqui se encerra_^uma contradição, cujo desdobramento \E,ntfaltung\ des­poja esta relação da sua racionalidade previamente imposta: poisapro-cura da taxa máxima de lucro, individual em todos os casos, conduz so-

cialmente ã sua decadência, isto é, ã deterioração da relação entre "input" e "output", para expressar este processo em termos genéricos. Assim o restabelecimento da rentabilidade do capital parece enfrentar, no limiar dos anos 80, uma acumulação de problemas, que dificultam uma saída tradicional da crise e da depressão através de um forte incenti­vo de investimentos, baseado em novas tecnologias.

1. No capitalismo, a ação racional é mediada pelo mercado. Mas o mercado como mecanismo racional de seleção, como um lugar de "trial and error", cujo processo devera otimizar as soluções enquanto conduzido pela "invisible hand", funciona somente quando os "sinais", isto é, os preços estão corretamente relacionados. Como esta condição inexiste no mundo atual (em virtude da monopolizaçao, dos efeitos externos e das intervenções do Estado), soluções ótimas nao podem, em princípio, ser produzidas apenas pelo mercado {"falência do mercado") .

2. Como o horizonte dos respectivos agentes decisórios é necessa­riamente limitado, a racionalidade também pode ser aumentada mediante a exclusão de "inputs" da produção (por exemplo: gastos na proteção am­biental) ou mediante a reivindicação de "outputs" de outros produtores (por exemplo: a solicitação de serviços públicos de infra-estrutura). Aqui lidamos com as "externalities", que varias ve-Gs desafinaram a harmonia dos modelos econômicos na teoria acadêmica da economia desde os tempos de Marshall e Pigou. Mas o sistema aparentemente racional de­ve d seu irracionalismo ãs "externalities", já que a estrutura dos in­teresses, subjacente ã racionalidade, impossibilita o cálculo de todos os "inputs e outputs". A dramaticidade do problema é ainda ampliada pela impossibilidade de calcular dentro do horizonte temporal do res­pectivo agente decisorio o efeito de certos processos de produção ou também de produtos (ou derivados). Acrescenta-se,finalmente, que deci­sões nao acarretam necessariamente efeitos graves para a sociedade co­mo um todo, se tomadas isoladamente, mas podem ter conseqüências devas­tadoras quando aparecem reunidas.

3. Do exposto segue, também, que racionalização no capitalismo im­plica necessariamente racionalização falha (Otto Bauer,1931). "Inputs" privados de custos e custos sociais totais também não coincidem, quan­do todos os "inputs" privados sao agregados. Isto deve-se ao fato de que certos custos nem podem ser calculados em quantidades (em dinheiro) ou encontram expressão monetária apenas no momento no qual devem ser cal­culados como compensações de prejuízos. O critério quantitativo de ra­cionalidade é, portanto, limitado "per se", já que nem todos os custos podem ser avaliados em dinheiro.

4. Isto tem também a ver com a impossibilidade de descrever pro­cessos econômicos apenas como uma relação de "input" e "output". Com vistas ao sistema dos recursos naturais e humanos, eles devem ser des­critos como uma espécie de "throughput". O crescimento econômico nunca deixa os recursos sem estragos, que a partir de uma certa dimensão não podem mais ser compensados pela capacidade de regeneração do sistema dos recursos naturais e humanos. Aqui entra em jogo o problema do li­mite imanente de onerabilidade, além do efeito da exploração muito one­rosa dos recursos, através da transgressão dos limites individuais e coletivos de percepção e conhecimento, de sorte que o ônus da explora­ção pode também ser percebido e processado politicamente. "Input" e "output" sao medidos como grandezas de mercado, diferentemente do "throughput".

5. A irracionalidade do quantitativismo pode ainda ser ampliada pela medição do "output", enquanto grandeza quantitativa e com indife­rença total pela qualidade como valor de uso. Por exemplo: no cálculo do produto social entra tanto a criação de valor da industria química quanto a criação de valor das empresas encarregadas da limpeza dos de­tritos, para sanear os estragos causados pela indústria química. Neste sentido, também os hospitais aumentam o bem-estar, embora neles apenas sejam curados os casos de acidentes de trabalho sofridos na produção industrial, enquanto que os gastos para evitar acidentes diminuiriam a criação de valor nas empresas. A forma da mediação do mercado produz uma indiferença para com o produto ou para com a prestação de serviço, ora avaliada. Surge aqui a situação paradoxa, na qual o "... sistema in­dustrial ainda lucra com seus defeitos" (JSnicke,1979).

6. Com a crescente exploração onerosa dos recursos no processo de industrialização e urbanização, os "inputs" nao-calculados da produção crescem na proporção dos calculados: aumenta o coeficiente de capital. Nao podemos excluir a possibilidade de uma situação na qual os custos marginais do crescimento superam a sua utilidade marginal. Então a con­tinuação do crescimento quantitativo pode-se tornar efetivamente irra­cional, mesmo diante de critérios burgueses tradicionais.

7. Como processo social, esta virada da racionalidade para a irra­cionalidade tem como conseqüência um enfraquecimento da autoconfiança burguesa, cujo "racionalismo da dominação mundial" entra sem mediações em uma profunda crise, compreensível nas categorias do próprio racio­nalismo. Progresso e modernização perdem a sua validez universal como critérios de avaliação de todas as formas de manifestação do mundo. Es­te afastamento do racionalismo quantitativo, da crença no progresso, da consciência da modernidade e também do principio de eficiência \Leis-tungsprizip] ocorre em formas muito distintas nas sociedades capita­listas avançadas como um processo social com novos protagonistas. Sur­gem o movimento ecológico, o movimento antinuclear, o movimento femi­nista, o movimento dos jovens; desenvolvem-se projetos alternativos, que procuram escapar ao produtivismo industrial; e ficamos confronta­dos com novos mitos da interioridade [innerlíohkei-tj e do "êxodo" (as­sim Bahro,1981) para uma nova "retroterra", um mundo Integroenao-in-dustrial. A crise da racionalidade e da modernidade burguesas tem uma dimensão cultural e uma dimensão geográfica: pois a racionalidade na acepção Weberiana surgiu na Europa e foi também a partir dela exporta­da para o mundo inteiro, pela dominação imperialista, de acordo com a "tendência propagandistica do capital", diagnosticada por Marx (Grun-drisse, p. 313). Com o questionamento da racionalidade capitalista nao apenas como principio do cálculo empresarial, mas também como um momen­to da cultura, o eurooentrismo vê-se simultaneamente desafiado.

8. Atualmente os defensores do racionalismo burguês podem respon­der a este desafio apenas com a brutalidade do mercado desenfreado. Pa­ra que os sinais dos preços funcionem no mercado, devera ser afastados todos os obstáculos que se opõem ã racionalidade do "homo oeconomicus", dominador do mundo. Isto nao é apenas uma questão de eficiência técni­ca, pois os sinais funcionam apenas com a garantia de rentabilidades suficientes para os investimentos. Se a função sinalizadora dos preços relativos pode ser restaurada, torna-se possível um aumento da renta­bilidade; então, também pode ser planejado um crescimento quantitativo mediante o emprego maciço de novas tecnologias. Trata-se, pois, de rom-

3 — 0 Fim de Uma "Onda Longa" de Acumulação do Capital

Nao é nada surpreendente o fato de que, desde meados dos anos 70, isto é, desde o fim do período de prosperidade do pÕs-guerra, tenha ressur­gido o interesse pelas teorias das "ondas longas" da conjuntura. Estas teorias, com sua longa tradição desde van Gelderen, passando por Trotzki, Kondrátieff (1972) e Schumpeter (1961) até Forrester (1977), Wallerstein (1979), Mandei (1972, 1979) ou Kleinknecht (1980), tanto afirmam ter uma explicação para as causas da recuperação dos últimos 34 anos e pa­ra as causas de transição a crise quanto afirmam saber as condições nas quais haveria uma salda da recessão atual. Devemos observar aqui que as diferentes teorias sobre as "ondas longas" não são nada homogêneas: defrontamo-nos tanto com teorias descritivas (Kondrátieff) quanto com teorias analíticas (por exemplo: Mandei). Muitos teóricos vêem^os fa­tores, que deslancham longas recuperações, nas condições tecnológicas: segundo eles, b acúmulo de inovações abriria em certas épocas novos mercados, estimularia assim a produçãoe a procura, acarretaria, em vir­tude da rentabilidade de novos produtos ou processos de produção, ino­vações de aperfeiçoamento, que poderiam sustentar uma recuperação de longo prazo, inclusive durante vários ciclos conjunturais médios ("ju-glars") . Mas chega ummomento no qual as potencialidades das inovações de basee de aperfeiçoamento se esgotam: ãsemelhança da lei do rendimento da economia, funcionaria na implementação técnica a"lei de Wolf" dos limites do desenvolvimento técnico-economico. Haveria então, ainda, "inovações aparentes", mas o grande lance da inovação, que causaria uma arrancada econômica, já não ocorreria mais. Nesta situação, a atividade investi­dora decai para a mera racionalização da produção. Como a taxa de au­mento da produção decai, as liberações de forças de trabalho nao podem mais ser compensadas. A prosperidade passa para uma fase depressiva, que dura até que uma nova onda de inovações de base resolva o "empate tecnológico" (Mensch, 1977).

Parece que este modelo relativamente simples do impulso exógeno (tecno­lógico, no caso) e de uma dinâmica econômica, que sustenta a prosperi­dade até o momento, no qual o impulso perdeu a força, pode ser compro­vado empiricamente, embora nao haja consenso acerca da datação de ino­vações de base que se acumulam, acerca da extensão e ãs vezes também do caráter de fases de desenvolvimento (confira Mandei, 1979 Kleinknecht, 1980).. Esta insegurança na determinação das características de "ondas longas" vale também para a nossa época. Assim Immanuel Wallerstein cha-

per os limites da produção capitalista de mercadorias ,que se apresentam co­mo irracionalidades ,e oferecer ao capital uma nova perspectiva de evolução.

Mas a crise do "racionalismo da dominação mundial", da qual res­saltei alguns aspectos, tem conseqüências para uma nova recuperação econômica, cujo fundamento enquanto "bunching of investment" (Gordon, 1979, p.26) nao encontra mais uma correspondência livre de problemas na técnica e na orientação pela quantidade e produção. A estrutura social para o crescimento quantitativo sofreu transformações, e isto torna-se um grande problema para á superação da crise atual. Nas observações a seguir, tentarei discutir este problema, usando como pano de fundo as teorias sobre os estágios do desenvolvimento capitalistae sobre as "on­das longas" da acumulação.

^ N,,T,: "Recuperação"; optei por este termo para traduzir o alemão "Aufschwung", cujo equivalente inglês é "upswing"„

ma a atenção ao fato de que Mandei (1979) e Dupriez (1978) interpretam os anos 70 como uma fase de desenvolvimento, marcada pela estagnação, enquanto que Rostow (1978 a, b) ve a mesma década ainda como continua­ção da fase expansiva anterior (Wallerstein, 1979, p. 663). Franz Janossy (1968), por sua vez, que procura formular uma explicação geral de períodos longos de prosperidade depois de interrupções profundas do desenvolvimento econômico, causadas sobretudo pela guerra, acredita ver o "fim dos milagres econômicos" ja no início dos anos 60, quando a evo­lução efetiva das economias européia, japonesa e norte-americana chega a uma linha tendencial de longo prazo de crescimento potencial, perden­do, por conseguinte, a sua dinâmica (relembro aqui que, poucos anos mais tarde, também Theodor Prager apontara, no inicio dos anos 60, para ten­dências ã estagnação, com argumentos bem diferentes de Janossy). A li­nha tendencial do desenvolvimento esta pré-traçada, independentemente de todos os esforços de acumulação (investimentos em capital real) : es­tá pré-traçada pela estrutura de qualificação do trabalhador coletivo [Gesamtarbeiterj , que muda lentamente e apenas em espaços maiores de tempo,e pelo condicionamento doj)rogresso tecnológico — na sua aplicação ã produção industrial — ãs condições de qualificação da forçado trabalho.

A primeira vista, um paradigma teórico nao ganha prestígio quando uma década inteira pode ser interpretada através dele de maneiras diferen­tes ou até opostas. Mas isto deve-se ã escolha dos indicadores e, "last but not least", ã importância fundamental do enfoque crltico-pesgimis-ta ou af irmativo-otimista do autor, ã sua "cosmovisão" \Weltan8ohauung\ , como escreve Wallerstein. Se, contudo, considerarmos a periodização das "ondas longas" dos últimos 200 anos por parte de diferentes autores, podemos constatar a existência de um consenso básico, pelo menos com relação ãs grandes depressões na história do capitalismo: a primeira grande depressão do desenvolvimento industrial-capitalista inicia nos anos 20 do século passado e passa, na segunda metade dos anos 30, para uma nova fase de recuperação^; a segunda grande depressão inicia nos anos 70 e dura até o início dos anos 90; e a terceira grande depressão nao pode ser datada univocamente, devido ãs duas guerras mundiais e ã mudança radical das estruturas no mercado mundiale devido ao surgimen­to da União Soviética depois de 1917, mas seu apogeu esta, sem dúvida, na grande crise depois de 1929. De qualquer maneira, é possível datar o início da recuperação depois da Segunda Guerra Mundial em meados dos anos 40, não apenas por causa do fim da guerra, mas também por causa da reestruturação do mercado mundial, da qual os Estados Unidos resultaram definitivamente como potência hegemônica nas áreas econômica, política e militar. Esta posição hegemônica Óo pré-requisito para a recuperação posterior e com o seu enfraquecimento a recuperação perde a sua dinâ­mica, desembocando nos anos 70 em uma nova depressão, a quarta grande depressão da história do capitalismo industrial.

A existência de "ondas longas" parece estar largamente aceita, como também a importância da técnica, ao menos como primeiro impulso para uma "onda longa". Mas esta explicação permanece insatisfatória por nao levar em conta as decisões empresariais de investimentos e seus crité­rios. Afinal de contas a tecnologia necessitaser implementada. Mas is-

to acontece somente quando ha perspectivas de lucro. Nosso problema e, portanto, não apenas detectar os acíómulos de inovações tecnológicas (Mensch,19 77), mas examinar as condições de longo prazo da^expansao lu­crativa do capitale as suas conseqüências para as decisões empresa­riais de investimentos. Quero apresentar aqui, resumidamente, três en­foques, para examinar melhor o problema das "ondas longas":

1. Um grupo de autores do Instituto de Doutrina Econômica Mundial de Kiel (Glismann et alii,1978) utiliza o sistema categorial neoclãssi-co para explicar a regressão a longo prazo da atividade investidora (como indicador do atual período de estagnação): no decorrer da recupe­ração surgiriam, segundo estes autores, distorções no preço dos fato­res e no preço dos produtos. A responsabilidade caberia ao aumento dos custos salariais para alem do produto marginal do trabalho, ao aumento dos gastos públicos de consumo, ã concentração crescente da economia (monopolização) e ao protecionismo no comercio exterior. Como os au­mentos salariais e o aumento da participação estatal atingiriam negati­vamente a expectativa de lucro das empresas, a disposição para novos investimentos sofreria um abalo. Neste enfoque esta, em primeiro lugar, implícita a tese segundo a qual uma depressão mais longa poderia ser evitada, e o crescimento econômico poderia ser assegurado no caminho expansionista de um volume sempre crescente da produção — desde que os sujeitos econômicos se comportassem de maneira adequada, não perturban­do a função sinalizadora dos preços nem prejudicando os investimentos dependentes de lucros. Em segundo lugar, decorre deste enfoque a solu­ção para superar a depressão: ela estaria na redução dos custos sala­riais por unidade e da quota estatal do produto social, na reestrutu­ração da economia de mercado, que restituiria integralmente a função sinalizadora dos preços, aumentando com isso os lucros e incentivando os investimentos.

2. Em Ernest Mandei (1972, 1979), a taxa de lucro (na acepção de Marx) esta no primeiro plano da discussão. Ela depende da taxa de mais--valia e da composição do capital, como também da velocidade de cir­culação do capital. Complexos de condicionamento, sempre históricos, incidiram positivamente em uma ou em várias das grandezas mencionadas, com a conseqüência de uma expansão mais prolongada ou, negativamente, com a conseqüência de uma longa,depressão. Segundo Mandei, deve ser as­sinalada aqui uma assimetria. Uma "onda longa" de crescimento expansivo sempre e iniciada por fatores exogenos, mas a virada para a fase de estagnação é causada endogenamente pelas contradições e seu acirramen­to no processo de acumulação do capital. Os impulsos exógenos da de­pressão podem também se originar em novas tecnologias. Mas estas cau­sam uma recuperação prolongada somente quando podem aumentar decisiva­mente a taxa de mais-valia e/ou reduzir significativamente a composição orgânica do capital e/ou aumentar a velocidade de rotação do capital. Alem disso, necessita-se de fundos monetários correspondentes ã reali­zação de investimentos, que sempre aparecem em quantidade no início da recuperação. De fato, sempre existe um capital maciço de empréstimos ao longo de uma depressão, como Marx explica na 5? Seção do Terceiro Livro do "Capital" e como a extensão dos mercados nacionais e sobretu­do internacionais de credito no início dos anos 80 demonstra. No entan­to, isto é apenas o lado monetário do fundo de investimentos; devem existir, alem dele, recursos reais, sem os quais a atividade investi­dora chegará muito rapidamente a um limite. Aqui podemos ver que a lu-

cratividade de investimentos depende tanto do aspecto de valor (mone­tário) como das condições materiais da acumulação do capital, cuja im­portância Janossy aponta, embora de maneira unilateral, quando enfati­za a função da estrutura de qualificações no desenvolvimento capitalista.

3i Poderíamos creditar a longa recuperação apÕs a Segunda Guerra Mundial também a situação assimétrica nos pólos do mercado mundial: a lucratividade do capital foi extremamente elevada em todas as partes após a Segunda Cerra Mundial, mas isso devido a causas diferentes. En­quanto nos Estados Unidos havia a possibilidade de conseguir lucros ex­traordinários, em virtude da tecnologia e da produtividade superiores, na Europa e no Japão os salários estavam relativamente baixos e a in­tensidade de trabalho, alta. O mercado mundial em expansão originou, em primeiro lugar, a possibilidade de realizar lucros extraordinários e, em segundo lugar, a coerçao para a homogeneização das condições de produção. A primeira causa determinou o grande interesse dos Estados Unidos numa ampla liberalização do comercio mundial. Mas, na medida do avanço dos processos de homogeneização das condições de produção, a ta­xa de lucro tinha de baixar no mundo inteiro, pois os lucros extraor­dinários desapareceram nos Estados Unidos, quando outros centros do. mercado mundial (primeiro a Europa Ocidental, depois o Japão) melhora­ram a sua posição de concorrência com relação aos Estados Unidos em al­guns ramos importantes. Via de regra, tal evolução era possível apenas através de investimentos que aumentavam a produtividade, mas eram in­tensivos em capital, causando uma crescente composição orgânica do ca­pital. Além disso, os salários subiam na medida da criação do pleno em­prego. Uma inversão da fase de recuperação em uma fase de estagnação não pôde ser evitada. Mas ela significa simultaneamente o fim da hege­monia norte-americana. Assim, o fim de uma longa fase de recuperação coincide com a perda da hegemonia norte-americana. A ultima causa, que contudo aparece em múltiplas mediações, é a queda da lucratividade do capital nas metrópoles capitalistas, que é devida a razões diferentes.

Empiricamente, esta evolução pode ser mostrada em vários indicadores. Comecemos com a evolução da produtividade. No período de 1870 a 1950, os Estados Unidos apresentavam, entre todas as nações industriais, as maiores taxas de crescimento da produtividade. Nas décadas seguintes, elas caíram inicialmente para abaixo da média, chegando a assumir, des­de meados dos anos 60, com a Grã-Bretanha a posição mais baixa na área da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). As razoes para tal estão nas condições internas das economias nacionais. Nos Estados Unidos, as taxas de avesoimento do estoque de capital, nun­ca superiores a 5%, sempre foram muito inferiores, por exemplo, ãs da República Federal da Alemanha (6% a 9% nos anos 50 é 60). Nos anos 70, o ritmo de formação do capital decresceu, inclusive para abaixo de 3%. As razões devem ser procuradas, em primeiro lugar, na quota muito alta (acima da média) de gastos improdutivos (Setor Terciârioe gastos mili­tares e armamentistas) e, em segundo lugar, na quota alta dos investi­mentos de capital norte-americano no exterior.

Mas, com isto, o fenômeno das taxas declinantes de incremento da pro­dutividade não pode ser plenamente explicado, pois a média plurianual do nível da quota de investimentos & inferior ã da maioria dos concor­rentes, mas a quota de investimentos durante o período de 1960 a 1980 está em torno de 17 a 18%. Por isso, as razões devem ser procuradas so­bretudo no aumento do coeficiente de capital (K/Y), de sorte que uma

quota constante de investimentos (I/Y) conduz a uma taxa decrescente de crescimento do estoque de capital (l/K). Tal evolução não deveria exercer um efeito negativo sobre a evolução da produtividade, se as ca­pacidades fossem plenamente utilizadas. Mas, segundo Thurow, 30% do de­créscimo da produtividade podem ser creditados somente ã deficiente utilização das capacidades e ao desemprego. Outros 40% da queda da pro­dutividade são, ainda, segundo Thurow, conseqüência de um efeito nega­tivo da estrutura, isto é, do maior crescimento de áreas produtivas abaixo da média, ao passo que os restantes 30% sao devidos a problemas específicos de ramos isolados da indústria (Thurow 1980). O fato de que apesar disso a taxa de lucro da economia norte-americana nao tenha caí­do na segunda metade dos anos 70 — mas pareça ter encontrado estabili­dade num patamar inferior — é possivelmente uma decorrência da queda dos salários individuais reais: em 1980, o salário real médio dos ope­rários norte-americanos era mais baixo do que 15 anos antes. Esta cons­telação favorável para o desenvolvimento do lucro só nao provocou um caos social nos anos 70 porque o salário social subiu ligeiramente em media (Bowles e Gintis 1980). Somente sob a Administração Reagan tenta--se reduzir não apenas o salário individual, mas também o salário real (isto é, os gastos estatais com fins sociais, que beneficiam a classe operária), e aumentar a taxa de lucro mediante a redução dos custos salariais.

A evolução na Europa Ocidental e no Japão transcorreu, quantoS tendên­cia da taxa de lucro, de forma marcadamente^mais negativa do que nos Estados Unidos. Mas os fatores causadores sao de outra ordem. As taxas de crescimento da produtividade sao, em media, e com exceção da Gra--Bretanha, mais altas do que nos Estados Unidos, mas isto vale também para as taxas de crescimento dá intensidade de capital (K/L), de sorte que o coeficiente de capital (K/Y) sobe apesar das altas taxas de cres­cimento da produtividade (Y/L), ou seja: a produtividade do capital (Y/K) diminui (as únicas exceções sao o Japão e a Itália, onde se podia obser­var ainda, até o fim dos anos 60, uma tendência rumo ao crescimento). Simultaneamente, os salários reais sobem em todos os países, de manei­ra que os custos salariais por unidade sobem sobretudo nos anos 70 e nos países concorrentes dos Estados Unidos, muito mais do que nos pró­prios Estados Unidos.

O resultado destas tendências evolutivas éa"decadência do lucro", que pode ser constatada em todos os países desenvolvidos. Considerada iso­ladamente, ela nao deveria provocar necessariamente uma "decadência da taxa de crescimento e do emprego". Mas as estruturas de produção des­locaram-se em direção a áreas de maior intensidade de capital, de sor­te que também uma quota razoavelmente constante de investimentos gera taxas de crescimento tendencialmente reduzidas, que, além disso, estão abaixo do crescimento da produtividade (desvinculação de crescimento e emprego). Nesta situação, já instável, a inflação, que se acelera des­de fins dos anos 60, tem a função de protelar a crise. Em última ins­tância, ela nao consegue cumprir esta função, poisapartir de 1973 en­tra um agravante no processo: os "inputs" de recursos, sobretudo o pe­tróleo, sofrem uma carestia radical, e isto em uma proporção nao mais neutralizável, através do inflacionamento adicional dos preços das mer­cadorias industriais. Torna-se agora patente que a longa prosperidade do pós-guerra acabou: os anos 70 aparecem na retrospectiva como um pe­ríodo da virada da fase longa de recuperação para uma fase de depressão.

Nestes enfoques explicativos, a importância da tecnologia i devidamen­te considerada, sõ que com acentuações muito diferentes em cada caso.

No enfoque neoclãssico, o problema reduz-se a garantia de um sistema consistente de preços relativos, produzido pela economia de mercado com a finalidade de permitir lucros e incentivar assim investimentos, dian­te de uma determinada tecnologia. Se esta estratégia for exitosa, o problema das "ondas longas" desaparece automaticamente em favor de um processo de crescimento constante e equilibrado.

No enfoque de Mandei, as tecnologias exercem, na sua qualidade de im­pulsos exógenos, um efeito decisivo sobre os componentes da taxa de lu­cro, que elas podem impulsionar para o alto. A virada para uma fase de estagnação surge a partir da dinâmica endógena do sistema capitalista de lucro (sobreacumulação e queda da taxa de lucro).

No terceiro enfoque, a argumentação é semelhante ã de Mandei, embora contenha uma dupla ampliação: em primeiro lugar, sao refletidas as con­dições materiais dos investimentos maciços feitos no inicio da fase de recuperação e, em segundo lugar, sao levadas em consideração as condi­ções assimétricas do mercado mundial, a. medida que se introduzem as ca­tegorias da mais-valia extraordinária e do lucro extraordinário no ar­cabouço de uma teoria do mercado mundial.

Neste estágio do nosso argumento faz sentido abordar brevemente os con­ceitos "endõgeno" e "exógeno". Em sua polemica contra David Gordon (1979), Mandei (1979) critica Gordon por sua tentativa de "endogenei-zar" inclusive o impulso rumo ã recuperação. Atras desta crítica es­conde-se, na minha opinião, uma idéia "sui generis" da "onda longa" co­mo uma oscilação de fatores sõcio-econÔmicos, cíclica a longo prazo. E Mandei tem razão ao afirmar que nao pode existir uma "mecânica das ondas" no sentido de trajetória de crescimento senoidal a longo prazo. Dai a sua insistência na "exogeneidade" dos impulsos, que visa a coi­bir de saída a idéia de uma oscilação senoidal. No outro lado, Gordon (1979) parte explicitamente de uma outra concepção de "onda longa": no seu modelo, as fases longas de depressão sao fases de reestruturação das instituiçoes tecnológicas, sócio-econômicas e políticas da socieda­de. Somente o rompimento, a nível estrutural, com as rei ações do desen­volvimento anterior permite a recuperação renovada, que por conseguin­te deve repousar sobre uma base sóoio estrutural aompletamente dife­rente a da recuperação anterior. Assim, a recuperação renovada parece exógena, quando vista a partir do setor econômico, ao passo que ela é endogena enquanto produzida pela dinâmica da crise e da depressão. Man­dei, portanto, ao enfatizar a exogeneidade do impulso para uma recupe­ração prolongada, incorre num mal-entendido acerca do caráter da crise e da depressão como momentos necessários e, com isso, "endógenos" d^ desen­volvimento capitalista. Precisamos, portanto, dedicar alguma atenção ao ca­ráter da crise e da depressão,para depois esclarecer este equívoco.

4 — Crise e Depressão Como Rompimento Estrutural e Como Fase de Reestruturação

Como se sabe, existem ciclos de duração variada. Quero ressaltar aqui apenas dois aspectos: em primeiro lugar, todos os ciclos devem permi­tir sua explicação pela contraditoriedade interna do mesmo princípio de

lucro da acumulação capitalista, isto e, eles nao podem ser construídos a partir dé complexos diferentes de causaçoes (confira, para tal, Al­tvater /Hoffmann/Semmler 1979). Em segundo lugar, os longos ciclos de Kondratieff diferenciam-se de "outros" ciclos não apenas na sua exten­são temporal, mas sobretudo segundo a profundidade, a amplitude e a ex­tensão da depressãoj que segue a fase após a crise. Diferentemente das crises de curto e médio prazos, o fim de uma longa recuperação eviden­cia que o modelo de acumulação do ciclo de Kondratieff anterior chegou a. um limite e que uma nova recuperação depende de reestruturações do sistema social. A depressão depois de uma longa recuperação é, portan­to, uma "grande crise" em relação ãs "crises pequenas", através das quais o ciclo conjuntural de sete a nove anos precisa "passar" regular­mente. Nas pequenas crises, o equilíbrio sempre precário das contradi­ções sociais e das oposições sociais e políticas dentro das formas vi­gentes do compromisso social está ameaçado, mas pode ser também res­taurado, quando a perturbação é apenas parcial: assim é o caso do equi­líbrio da distribuição entre trabalho assalariado e capital; o equilí­brio entre fundos sociais de acumulação do capital, consumo privado das massas e gastos estatais; o equilíbrio entre lucro individual e juros do capital bancário, etc. As contradiçõese oposições mencionadas acir­ram-se dentro das formas sociais e encontram também dentro delas uma solu­ção, por meio da acomodação; a contraditoriedade é reduzida, os equilibrios sao restaurados em grau maior ou menor e assim surgem as condições pa­ra uma nova fase de desenvolvimento. As crises pequenas regeneram, por­tanto, o sistema; elas são momentos progressistas no-grõcesso àa conser­vação do sistema.

A situação ja e bem diferente nas "grandes crises". Elas podem ser in­terpretadas como rompimento estrutural de formas do desenvolvimento so­cial. Nelas os compromissos sociais, que deveriam garantir os equill-brios mencionados acima, chegaram a um limite e nao podem mais cumprir sua função dentro das formas existentes. Questiona-se, portanto, um mo­delo de acumulação, um determinado tipo de política e as estruturas de consenso. A forma das estruturas sociais, nas quais se constróem e sao ameaçados sempre de novo os equilíbrios, torna-se um limite para o de­senvolvimento da estrutura no processo evolutivo da sociedadee conduz, assim, a um rompimento estrutural. A duração da "grande crise" nao é ape­nas maior do que a da pequena crise por ter dimensões quantitativas maiores; muito pelo contrário, o rompimento estrutural é seguido pela longa depressão, que é, do ponto de vista social, politicoe econômico, uma fase de destruição de formas antigas e de estruturação de novas relações sociais. Reestruturação implica sempre destruição no sentido material (desvalorização e destruição do capital e da riqueza) e des­truição de estruturas históricas de compromisso social. Este processo acarreta, necessariamente, conflitos sociais e politicos muito pesados, que se prolongam ate o surgimento de um novo consenso.

Esta questão deve ser esclarecida em detalhe. Não é nada evidente que a acumulação do capital pode contar com o consewso dos explorados. Este consenso só se torna possível através da mistificação virtualmente con­tida na relação capitalista (a) e nas ideologias geradas e reproduzidas no sistema burguês (b). Além disso, naturalmente, entra em jogo o as­pecto material deste consenso, que se mostra numa multiplicidade de compromissos institucionalizados (c) entre trabalho assalariado e capi­tal, que, via de regra, sao mediados pelo Estado. Este sistema de oon-

senso (d) e, por um lado, pré-requisito para a acumulação do capital sem entraves; por outro lado, ele mesmo depende do crescimento, a saber: do crescimento da renda e do pleno empfé'go. Mas o sistema da acumulação do capital entra em zonas de turbulência e em crises que surgem a par­tir da sua contraditoriedade econômica (sobreacumulação do capital) muito antes das resistências políticas. Mas os momentos de crise chegam a articular-se em formas sociais e políticas, que no fim das contas causam o rompimento estrutural. Este rompimento é, pois, nunca apenas econômico, mas sempre também político e caracteriza-se por vários, aspectos:

- o compromisso social de classes esta exposto a um processo de desagregação social (por exemplo, na acepção de Joan Robinson, que dis­se existir algo pior do que ser explorado: não ser explorado). Este pro­cessa é a conseqüência do fracionamento da classe operária em emprega­dos e desempregados, mas também conseqüência da segmentação dü mercado de trabalho em setores diferentes. Em virtude da afetação diferente dos capitais individuais pela crise, este processo de desagregação ocorre também dentro da classe dos capitalistas, que nao se vê mais em condi­ções de agir segundo uma concepção política unitária;

- para o Estado, a crise manifesta-se inicialmente como crise fis­cal, que dificulta o cumprimento das tarefas de política social, con­tanto que a função economico-politica de respaldo da acumulação ainda deva ser mantida em dimensões razoáveis. Com isso, a função de aonmuta-çao recebe uma importância indiscutivelmente maior do que a função de legitimação. A conseqüência ê a desmontagem e remontagem do "welfare State". Além disso, o aparelho estatal desenvolve nesta situação uma maior necessidade de ação, que só pode ser satisfeita pela modificação e acomodação das instituições do sistema político, por exemplo,através do fortalecimento do executivo. A contraditoriedade entre democracia e capitalismo aguça-se ate chegar ã crise política aberta: as exigências democráticas so podem ser realizadas mediante o abandono da meta do ple­no emprego ou tenta-se a realização do pleno emprego, mas pelo preço do enfraquecimento das estruturas democráticas;

- ao mesmo tempo, as orientações e atitudes valorativas sociais sofrem modificações no decorrer de uma longa e profunda crise de Kon­drátieff. Surge algo parecido com uma "cultura de crise", ja que as perspectivas de vida não estão mais centradas predominante ou até exclusivamente no trabalho e n4 produção, mas simplesmente na vida. Se as chances de conquistar um botil lugar de trabalho desaparecem com a du­ração da "grande crise", o trabalho nao pode mais determinar o sentido da vida. Surgem, então, novas atitudes valorativas, que encontram ex­pressão social e política em novos movimentos sociais. Isto significa que as instituições do trabalho, da eficiência \Leistung\ e do mercado nao constituem mais a identidade nem conseguem mais produzir a síntese social, como no passado;

- as modificações tecnológicas introduzidas durante a crise em to­das as áreas do processo de produção soc"ial têm graves conseqüências para o trabalho. Isto não vale apenas para a qualificação, para a ga­rantia do lugar de trabalho, para a hierarquia salarial nas empresas ou para a possibilidade do indivíduo ou dos quadros da empresa contro­larem o processo de produção, mas também para a atitude valorativa dos trabalhadores. Amplia-se o horizonte de um mundo de trabalho construído

além das estruturas capitalistas. Esta tendência evidencia-se mesmo nos programas ocupacionais dos sindicatos da Europa Ocidental;

. - ao mesmo tempo, cerram-se as barreiras para o modelo político tradicional do conjunto formado pelo estado keynesiano intevveneionis-ta^pelo "welf are State" e pela demo(3raí3-ía social. A perda do pleno emprego assinala que a meta da política keynesiana nao pode mais ser atingida,que a promessa política "'àa democracia social nao. pode mais ser cumprida e que os fundamentos da existência do "welfare state" estão minados. Mas as condições, que poderiam garantir a volta do pleno emprego, deterio­raram-se radicalmente no decorrer da longa recuperação:com a monopoli­zaçao da economia desapareceu a flexibilidade dos preços e por isso as intervenções estatais nao podem mais contar sem mais nem menos com efei­tos quantitativos; diminuiu também o efeito gerador de empregos, pró­prio dos investimentos. E, finalmente, o encerramento de um. ciclo de Kondratieff e marcado, como que por fatalidade, pelo aumento dos inves­timentos de raoionalizaçdo diante dos investimentos de ampliçao,de sor­te que, mesmo quando investimentos podem ser incentivados, o seu efei­to gerador de emprego sera antes negativo. Nao devemos esquecer que o malogro do modelo político keynesiano pode ser explicado também a par­tir do seu sucesso. Crescimento econômico acelerado significa acumula­ção de capital e, com isso, um fortalecimento constante do poder do ca­pital, que segue uma lógica diferente da subjacente ao keynesianismo estatal. O controle político do desenvolvimento econômico só e possí­vel enquanto os aparelhos estatais dispõem de recursos suficientes dian­te dos capitais. Se os meios de intervenção do Estado nao sao suficien­tes, o controle estatal pode liberar desde já as forças do mercado e desistir completamente de intervenções. Esta é a resposta aos proble­mas da crise do keynesianismo, conforme ela é formulada pelos moneta-ristas e pelos neoliberais, ou os meios de intervenção existentes sao preenchidos tao maciçamente, que a direção da acumulação do capital po­de ser influenciada de forma politicamente eficiente.Mas, então,um dos pilares do modelo político, a democracia social, fica ameaçado.Sob to­dos os aspectos evidencia-se, no fim dos anos 70 e início dos anos 80, que um modelo político, que determinou as décadas passadas depois da Segunda Guerra Mundial, atingiu o seu limite e está, portanto, sofren­do reestruturações radicais;

- o desenvolvimento da estrutura, o rompimento e a reestruturação possuem também uma dimensão internacional. Nao e por acaso que a gran­de crise de 1929 se inicia com a decadência da hegemonia britânica,e a grande crise atual, com a decadência da hegemonia norte-americana a par­tir de 1971-7,3. Se as grandes crises anunciam visivelmente o fimdeuma época, isto da-se por meio dos deslocamentos espetaculares de poder no mercado mundial. A "pax americana", no sentido de uma hegemonia econô­mica, política, militar e cultural dos Estados Unidos,chegou ao fim com a erosão da força relativa da economia,que se expressa em primeira ins­tância na queda da moeda. Este processo nao tem apenas um lado formal, ele é também significativo como uma tendencial redistribuiçao de recur­sos. A transferência de recursos para alguns dos países produtores de petróleo é apenas um momento deste processo .Mais significativas ,no fun­do, sao as tentativas dos estados nacionais de evitarem a redistribui-çao material de recursos com meios monetários. Mas a inchaçao do sis­tema creditício internacional consegue apenas protelar os processos de crise, mas nao impedir o seu transcurso. Como já aconteceu na grande

t-" r:

crise dos anos 30, poderão ocorrer também aqui grandes colapsos (con­fira, para tal, a análise longevidente de Karl Polanyi, do "mecanismo da crise econômica mundial", 1979).^

Colapso nao significa reestruturação; é apenas o seu prelúdio. Diante do acumulo dos fenômenos de crise no mercado mundial, este processo de­verá durar ainda muito tempo; seu resultado, hoje, ainda nao pode ser prognosticado. Sobretudo no mercado mundial, torna-se evidente que a crise atual e uma "grande crise" no sentido da crise de formas do mo­delo de desenvolvimento. Pois aqui houve efetivamente um colapso de to­das as formas, nas quais a longa fase de prosperidade pÔde desenvol­ver. As múltiplas tentativas de desenvolver novas formas (papel-moeda artificial de validade internacional, regionalização do sistema mone­tário, câmbios flexíveis, formas moderadas de protecionismo,para citar somente alguns exemplos) ainda nao chegaram a se estabilizar. Sem uma nova hegemonia esta estabilização dificilmente poderá ocorrer... Uma nova recuperação de longo prazo torna-se viável, quando a reestrutura­ção modifica as condições da acumulação econômica e da reprodução sS-cio-politica. Mas se a importância desta depressão para a evolução da sociedade mundial capitalista — sua importância como rompimento a ní­vel estrutural e reestruturação — for corretamente avaliada, então de­vemos ainda formular a pergunta, se não está sendo iniciada uma nova fase de desenvolvimento capitalista. Admitida esta hipótese, nao deve­ríamos, em princípio, desistir de uma teoria das "ondas longas" em fa­vor de uma teoria dos estágios ou das fases do desenvolvimento capita­lista?

5 - "Ondas Longas" ou Estágios do Desenvolvimento Capitalista?

Os teóricos das "ondas longas" concebem o capitalismo como um sistema social histórico com leis unitárias de desenvolvimento, que geram^in-clusive o movimento ondular do desenvolvimento econômico. Ja os teori-

^ O endividamento internacional atingiu, nos últimos tempos, proporções inusitadas. Ele seria não-problemáíico se as dívidas e as exigências pudessem ser saldadas reciprocamente. No entanto, este não é o caso. As dívidas unilaterais são apenas compromissos protelados de pagamento, que deverão ser saldados um dia. Até agora estes compromissos foram protelados por muitos países por meio do reendividamento, processo que conduziu alguns casos (Brasil, Chile) ao absurdo financeiro-técnico de financiar até os juros de dividas antigas por meio de novas dívidas. O cumprimento dos compromissos de pagamento pod'é ser feito unicamente por meio da transferência de recursos, por exemplo, protecionismo para as importações e ofensiva na exportação. Esta estratégia conduziria - como já conduziu no inicio dos anos 30 - a uma desintegração do mercado mundiaJ com conseqüências agravantes da crise. Polanyi encerra a sua análise da crise econômica de 50 anos atrás com as seguintes palavras: . . os estados devedores não têm outra alternativa senão pagar em mercadorias. Desde 1928-29, eles começam a forçar as suas exportações. Da Europa, como também dos países ultramarinos produtores de matérias-primas, as mercadorias, que procuram a qualquer preço um comprador, fluem para o mercado mundial. As tendências à queda universal dos preços impõem--se em 1929: a crise econômica mundial bate à porta. Outras etapas são a crise creditícia em 1931, o estrangulamen­to do comércio mundial em 1932 e a crise monetária generalizada em 1933. O deslocamento espacial e temporal do déficit da economia mundial completou o seu ciclo, As inflações salvaram talvez a estrutura social, mas prolon­garam o sofrimento do processo terapêutico, sem poder poupar a humanidade do sofrimento." (Polanyi, 1979, p. 80). Nada se repete na história e, assim, os percursos da crise nos anos 80 terão outro perfil e outra seqüên­cia, Mas as estruturas da economia mundial são hoje semelhantes ás da crise dos anos 30. Por isso, as descrições de Polanyi são um "memento crisis"!

COS dos estágios de desenvolvimento nao têm muita certeza com relação a este problema, pois, se o capitalismo é subdividido em diferentes etapas de desenvolvimento (por exemplo: capitalismo de concorrência, capitalismo monopolista e capitalismo estatal monopolista), surge, ne­cessariamente, o problema, se nos sucessivos estágios ou nas fases ope­ram leis idênticas de desenvolvimento ou se em cada estagio surgem no­vas lógicas evolutivas. Na Teoria Marxista este problema remete ã per­gunta, se a "lei do valor" deixou de funcionar ou nao, se ela ainda va­le hoje nos termos estabelecidos por Marx ou se ela foi modificada.

Sê aceitarmos — simplificando, como no Quadro 1 — as divisões em está­gios segundo critérios diferentes de delimitação, poderemos constatar que as transições de um estágio de desenvolvimento a outro se realizam sempre em períodos, nos quais os teóricos das "ondas longas" diagnosti­cam uma fase ãe depressão: nos anos 20 a 40 do século XlX, depois de 1873 e, de novo, após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Natural­mente esta comparação é muito grosseira, mas nem por isso ela deixa de ser atrativa. Se os rompimentos estruturais, no desenvolvimento capi­talista, possivelmente são subestimados pelos teóricos das "ondas lon­gas" y eles são superestimados pelos teóricos dos estágios...

Quadro 1

Quadro sinotico dos estágios do desenvolvimento capitalista

PEKlODOS S I S T E M A S D A D I V I S Ã O

S O C I A L D O T R A B A L H O

T R A N S F O R M A Ç Õ E S

N A E S F E R A D A

C O N C O R R Ê N C I A

S R E A D E D O M I N A Ç Ã O

E F O R M A S D E D O M I ­

N A Ç Ã O

D I N Â M I C A E V O L U ­

T I V A D O C A P I T A ­

L I S M O

Ate cerca de 1820 manufatura capitalismo de con- capitalismo de con- capitalismo ascen-correncia,concentra- correncia nos merca- dente, expansivo çao e centralização dos nacionais

A partir de - 1820 grande industria

A partir de - 1870

sistema colonial

capitalismo monopo- imperialismo lista, deficits go­vernamentais que pro­vocam a intervenção do Estado

período de decadên­

cia, podridão

A partir de - 1920 taylorismo,fordis-

mo, keynesianismo

A partir de - 1945 capitalismo monopo­lista de estado

crise.geral do ca­pitalismo estatal monopolista

N O T A : O quadro foi organizado segundo critérios diferentes.

Passemos agora ao exame da lógica das transições, ou seja, das delimi­tações das fases de desenvolvimento.

1. Na exposição da produção da mais-valia relativa, Marx conceitua manufatura e grande indústria como fases históricas de desenvolvimen-

to, que obedecem a uma lógica específica da acumulação do capital, Ã primeira vista, as duas fases diferenciam-se a partir da sua base tec­nológica, mas esta diferença nao é o cerne da questão, que está, muito pelo contrário, na modificação da forma da "subsunçao real do trabalho ao capital" (confira Marx 1969). Na manufatura, o limite da extração da mais-valia relativa ainda não está localizado na estrutura do capital, objetivada no sistema dos meios de produção, mas no fator subjetivo do processo de produção, isto é, no operário multifuncional [petrieblioher' Gesamtarbeiter'] . Mas, para elevar a taxa de mais-valia, o capital pre­cisa superar a limitação contida nas condições subjetivas do trabalho. Disso resulta nao apenas a tendência permanente de substituir trabalho vivo por trabalho morto — isto i,colocar meios de produção no lugar do operário vivo e aumentar neste contexto a composição orgânica do capi­tal —, mas também a tendência permanente de libertar o sistema da di­visão de trabalho das limitações impostas pelas condições subjetivas do mesmo (qualificação, rendimento, necessidades humanas do trabalhador) e subordiná-lo ao princípio ilimitado de valorização do capital. A es­trutura da divisão do trabalho, a velocidade do trabalho e o condicio­namento da estrutura temporal sao, de agora em diante, com a transição ao sistema industrial, objetivados na estrutura do oapital que se in­corpora aos meios de produção. O capital ganha o controle sobre o tra­balho e sobre o tempo. Ao mesmo tempo, agrava-se a oposição entre tra­balho manual e trabalho intelectual, pois os resultados do trabalho in­telectual, da ciência e da técnica materializam-se na tecnologia da produção e tornam-se assim, diretamente, atributos do capital materia­lizado e, com isso, potência do inimigo de classe contra os trabalha­dores .

Se prolongarmos esta destilação da lógica evolutiva,elaborada por Marx, em direção ao presente, poderemos interpretar também o sistema do tay­lorismo. Na manufatura, a divisão do trabalho e a forma do desgaste no mesmo ainda estavam limitadas ãs condições subjetivas do trabalhador coletivo [pesamtarbeiter'] . Na grande indústria, estes limites tinham si­do ampliados através da usurpação das potências da divisão do trabalho por parte do capital. Ja o taylorismo representa oaperfeiçoamento des­te processo, ã medida que desenvolve a organização coletiva do trabalho (direção empresarial científica) e o desgaste individual no mesmo (es­tudos sobre tempo e movimento, padronização do trabalho) como sistemas pelos quais o grau de eficiência dos meios de produção e de trabalho, isto é, do trabalho vivo e morto, é reduzido ã mesma dimensão da racio­nalidade da eficiência quantitativa e pelos quais a. subjetividade do trabalhador ê quase integralmente obliterada (que este processo sempre pode alcançar apenas resultados parciais, já que, apesar de todas as tentativas de cientificizaçao do trabalho o operário é uma pessoa hu­mana e com isso um indivíduo rebelde, foi demonstrado por Braverman (1974) e condensado, num contexto teórico e político diferente, em es­tratégia e tática políticas pela teoria "operaista"). Nesta subdivisão em estágios, que segue a lÓgica de Marx (confira Quadro 2), o desenvol­vimento capitalista apresenta-se como um processo de sistemas sucessi­vos de^subsunçao real do trabalho ao capital. Ciência,tecnologia etéc­nica sao apenas meios para este fim, que busca otimizar as possibili­dades de valorização, Mas para que elas possam trabalhar para este fim, impoem-se amplas transformações da organização social do trabalho na empresa capitalista e das formas ãe vida fora da empresa. Estas trans-

Quadro 2

Sistemas da divisão social do trabalho

Marcadas pelas condições subjetivas do processo de produçãoepelo trabalha­dor coletivo [cesamtar-beiter] ("lógica do fa­tor subjetivo do proces­so produtivo").

Transição ã determinação pela estrutura objetiva dos meios de produção, pela separação da ciên­cia do trabalho e pela incorporação do trabalho ao capital ("lógica do fator objetivo do pro­cesso produtivo").

Acomodação do fator sub­jetivo as condições da estrutura objetiva dos meios de produção atra­vés da cientificizaçao do trabalho (fatores sub­jetivo e objetivo obede­cem a mesma lógica).

período da manufatura

até + 1820

grande industria

até ± 1910

taylorismo, fordismo

até hoje

Este enfoque, fornecido por Marx, praticamente nao foi desenvolvido^na tradição teórica do marxismo. Maior importância coube ãs subdivisões em estágios, que se referem a transformação da oonoorrencia exercida pelos capitais em regime de reciprocidade. A idéia básica é simples: através da concentração e da centralização surgem as empresas monopo­listas, que se subtraem como capitais individuais ã coersao compensa­tória das leis da concorrência e que estão, em virtude do seu poderio econômico, em condições de subverter as tendências compensadoras em di­reção á taxa média de lucro, para se apropriarem do lucro monopolista. Como o efeito da concorrência é, desta forma, restringido oumesmo abo­lido, surgem déficits de regulagem, que acabam por chamar o Estado como força extra-econõmica. Como a regulagem efetuada pelo Estado serve ã conservação das estruturas monopolistas, o capitalismo desenvolve-se em direção ao capitalismo monopolista de estado.

Este processo aparece na tradição leniniana como organização social da deoadênoia do capitalismo: a monopolização conduziria a estagnação e S podridão; a expansão imperialista conduziria ao acirramento dos con­flitos internacionais e, finalmente, até a guerra. O capitalismo esta­tal monopolista é, portanto, momento e forma de expressão da desesta-bilização do sistema; está ligado indissoluvelmente ã crise geral do capitalismo. Podemos afirmar inclusive que a especificidade do capita-

formações nao podem se processar de forma harmônica e num crescimento continuo, mas tão-somente na forma de rompimentos estruturais, carre­gados de conflitos. Gramsci cunhou, para este fenômeno, o conceito de "fordismo", que foi utilizado mais tarde por Aglietta (1979) e, de ma­neira genérica e nao especifica, por Hirsch e Roth (1980), para apreen­der conceitualmente as formas taylorista-fordistas da organização do trabalho, que influenciam a vida inteira (desde o trabalho na empresa até a sexualidade), e para avaliar as conseqüências para uma estraté­gia política do movimento operário.

lismo^estatal monopolista é vista, no seu caráter, como forma de orga­nização da sociedade capitalista na sua "crise geral", independentemen-" te das grandes diferenças e, inclusive, controvérsias entre as várias teorias do capitalismo estatal monopolista.

Bem diferente é o caso dos teóricos do capitalismo organizado, que via de regra estão na tradição social-democrata. No seu entender, a mono­polizaçao possibilita o entrelaçamento do capital industrial com o ca­pital financeiro, a organização da sociedade, a eliminação da anarquia da co.nçQrrência (nestes termos Hilferding na Segunda Internacional em 1927 c Bukharin em 1926 na Terceira Internacional). Com isso, porém, é p<is.sil)ilit'ado um aumento de racionalidade social (Otto Bauer comenta esta.̂ tes,f. de forma critica em 1931) . No lugar da desestabilização sur­ge agGça perspectiva de uma estabilização do capitalismo através da intervepçaQ estatal (Renner, 1917, fala neste contexto da "estatização" Ipia-chs-^cuztliQhung] do capitalismo) . Os dois paradigmas teóricos não di§p.oem de um conceito satisfatório da crise estrutural. Na teoria do capitaligmci estatal monopolista a crise é geral e duradoura; ainda Var-ga (1962) subdividiu a "crise geral" em várias etapas — numa empresa claramente absurda. Esta teoria esquece que a função da crise e da de­pressão posterior está em superar a zona de turbulências da crise atra­vés da reestruturação das formas sociais, políticas eeconômicas da he­gemonia burguesa. Marx escreve, nas "Teorias da Mais-Valia", que crises permanentes nao podem existir. Isto vale também para a "crise geral", que ou é o conceito sem sentido ou não pode ser "geral".

Por outro lado, a hipótese da estabilização é igualmente problemática, se bem que por outras razões, pois ela está ligada ã idéia de que o Es­tado, enquanto instância reguladora, tem condições para governar as con­tradições do capitalismo, mantendo-o, em grande parte,fora das crises. Esta esperança foi alimentada adicionalmente por concepções políticas keynesianas durante o período de prosperidade depois da Segunda Guerra Mundial, de sorte que os seguidores desta teoria não estavam preparados para a crise dos anos 70, que para eles veio de surpresa. Podemos tirar aqui uma conclusão final: se a tese da desestabilização nao consegue perceber a função da crise como crise de reestruturação para a garantia das condições de dominação do capital, chegando por conseguinte ao con­ceito da "crise geral", a tese da estabilização não logra compreender o caráter da crise enquanto rompimento estrutural. Na verdade, a crise é dupla: no decorrer do "boom" (rompimento estrutural), ela se manifesta no acirramento das contradições, na fase da depressão como processo de reestruturação.

Certamente nem todas as crises no decorrer da acumulação do capital sao um "rompimento estrutural" neste sentido dramático. Mas parece claro que a contraditoriedade do modo de produção capitalista conduz, através de períodos mais longos (40 a 60 anos), a um acirramento muito forte, que so pode ser reduzido por meio de uma crise e de uma depressão particular­mente profundas, amplas e prolongadas. O rompimento estrutural ainda se refere ao período anterior, ao acirramento das contradições; o concei­to de reestruturação aponta para a perspectiva de uma revolução das for­mas de dominação, radical apesar de ocorrer dentro do capitalismo. Es­ta revolução diz respeito a todos os lados da hegemonia. Seria pouco in­teligente esperar apenas por novas tecnologias e por um impulso inova­dor e ver neles o encerramento da depressão. Nosso recurso a posição

6 — Condições Para Uma Recuperação nos Anos 80 A partir da nossa argumentação anterior, podemos agora proceder a um resumo e tentar extrair, da própria realidade histórica, as condições para uma possível transição da depressão atual a uma recuperação de longo prazo (e nao apenas a um restabelecimento conjuntural a curto pra­zo) . No decorrer do processo de reestruturação modificam-se, conforme constatamos, as relações técnicas, sociais, econômicas epolíticas; de­ve ser buscado um novo balanço das contradições sociais, já que somen­te assim poderá ocorrer uma elevação da taxa de lucro e, com isso, umi reativação da acumulação e uma reorganização da dominação política do capital. Ê típico de cada crise e da depressão posterior que a política se concentre inicialmente apenas na criação de condições para o foom/w.n-cionamento da economia (isto é, condições para o lucro e a acumula­ção) . O meio empregado nesta fase consiste em liberar a dinâmica eco­nômica das forças do mercado e deixar agir seus "imperativos" \Sachz-wãnge\ na direção da acomodação ãs necessidades da valorização. A po­lítica do Estado, portanto, finca pé nos imperativos econômicos e uti-za-se deles como de um projeto político. Esta é a segunda intenção das concepções e das ideologias neoliberais, que estão ganhando prestígio justamente na depressão atual (confira Müller-Plantenberg,1981, Altva­ter, 1981 a). Elas não aceitam mais as estruturas de compromisso da fa­se expansiva anterior, mas investem suas esperanças nos imperativos do

A depressão conjuntural de 1974-76 foi seguida de uma nova recuperação nos anos 1978-80, que induziu muitas pessoas a interpretarem a crise, após o "clioque do petróleo", como uma crise conjuntural "normal" Esta in­terpretação era difundida justamente no interior do movimento sindicalista europeu. Conseqüentemente, as estraté­gias da superação da crise basearam-se por muito tempo em medidas tradicionais anticiclicas. Só bem tarde surge a consciência de que é impossjVel enfrentar problemas estruturais com medidas conjunturais De qualquer maneira, é importante saber que a depressão (como fase de reestruturação) pode abrigar ciclos conjunturais de curto e médio prazos.

de Marx, nesta questão, deveria deixar claro que a tecnologia sempre exerce influência sobre a organização do trabalho, sobre o relaciona­mento das classes e sobre a estrutura dos conflitos sociais. Com isso chegamos a um ponto importante: os processos de reestruturação nao ocor­rem sem conflitos (ocorrem, por exemplo, economicamente em bancarro­tas, na perda do lugar de trabalho, e t c ) : a obsolescência de valores e idéias, que orientam a ação, inclui a regressão da influencia de pro­jetos políticos e seus promotores, que até o momento ocupavam posições fortes. No âmbito internacional, liga-se a este fenômeno a decadência de posições hegemônicas na economia e na política; e é improvável que esta decadência seja aceita sem resistência. Por isso, sempre existe o perigo de que rompimentos estruturais bruscos poderão provocar graves conflitos sociais e, eventualmente, até conflitos bélicos.

Não importa se argumentamos no contexto teórico das "ondas longas" ou dos "estágios": em ambas as situações sempre estaremos confrontados com o significado central das crises e das depressões. Elas são, como já disse Marx, "pontos nodais" da evolução, e, por isso,as tendências pos­síveis da evolução social devem ser analisadas a partir delas.

Esta tecnologia não tem ainda conseqüências plenamente previsíveis para a comunicação social, para sua reguiagem e seu controle, para a produção, reprodução e difusão do saber, para a concentração e filttação de informações, para o transcurso de processos de socialização e para as formas de participação e dominação, Para tal. confira o estudo de Nora e Mine (1978) e. na República Federal da Alemanha, os trabalhos de Wilhelm Steinmüller. Queremos ressaltar aqui um outro aspecto. Se calcularmos que países inteiros necessitam ser ligados por cabos e/ou um sistema de satéli­tes necessita ser lançado ao espaço e que cada economia doméstica necessita gastar vários milhares de dólares para o terminal e outros aparelhos, para participar da "fruição" dos serviços oferecidos pelo sistema, então cada um pode imaginar sem dificuldade o tamanho do mercado que se abre aqui ao capital Um "boom" baseado neste mercado poderia ter dimensões maiores do que o "boom" automobilístico dos anos 50 e 60 , que sustentou parte significativa da recuperação de Kondratieff da onda longa passada Naturalmente, a euforia de alguns representantes destas tecnologias é imprópria, pois a demanda deveria ser produzida na forma da renda. A mesma tecnologia, que abre um mercado novo, torna supérflua a força de trabalho na produção, em proporções igualmente grandes Pode-se constatar que a nova recuperação não pode ser sustentada apenas por uma tecnologia nova. Medidas como redução da jornada de trabalho com compensação salarial simplesmente não podem ser abandonadas. O ünico problema está em saber como o sistema da produção de mais-valia irá processar esta evolução.

mercado anônimo e, simultaneamente, na força legitimadora deste, ten­tando forçar condições mais favoráveis para os novos compromissos. Ê evidente que este processo de imperativos acomodaticios e de reestru­turação deve chegar num dado momento ao seu termo; a reestruturação de­ve resultar na criação de um novo equilíbrio de forças, num novo con­senso básico da sociedade de classes, sob pena de nao poder introduzir uma expansão a longo prazo. Se nao houver possibilidades de_garantir o consenso no decorrer das exigências da acumulaçao,.sua criação sera for­çada pela repressão por parte das instituições estatais repressivas.Em­bora a repressão sempre desempenhe um papel mais ou menos importante, já que a reestruturação de economia, sociedade, políticaeideologia se dá de maneira coordenada, mas em "fusos horários" diferentes a nível nacional e de maneira não uniforme no mercado mundial, tambim ela nao pode dispensar um consenso mínimo.

Vistas a partir desta perspectiva, as novas tecnologias nao sao condi­ções suficientes para uma nova "onda longa, marcada pela expansão" (Mandei). Porém as novas tecnologias são certamente necessárias para a superação da depressão. A partir desta condição, nao deveriam surgir problemas nos próximos dois decênios: estamos ainda muito longe de iden­tificar as possibilidades de aplicação da microeletrÔnica; a introdução de novos meios de comunicação está mal começando e poderá eventualmen­te sustentar um "boom" gigantesco"*; também há reservas incógnitas na área da tecnologia nuclear <? nas tecnologias solar e de vídeo, reservas que poderão impulsionar a economia nos próximos decênios. Novas tecno­logias estão, pois, em "compasso de espera", mas sua implementação eco­nômica e, com isso, seus efeitos em favor de uma nova fase ascendente dos ciclos de Kondratieff dependem das seguintes condições econômicas, sociais e políticas:

1. Parece que na primeira metade dos anos 80 aquelas indústrias, que foram o centro da recuperação anterior, isto é, a indústria auto­mobilística com os seus ramos dependentes, tentarão garantir a sua so­brevivência numa luta de concorrência, que se alastrara pelo mundo in­teiro e que será levada a cabo com investimentos gigantescos de racio­nalização. Uma coisa é certa: os mercados para automóveis nao poderão mais se expandir significativamente, por isso os esforços de investi­mentos resultarão no colapso de algumas empresas e na acomodação da pro­dução a mercados menores. Temos aqui um exemplo de um empate tecnologi-

Um exemplo disso é o deslocamento do eixo industrial dos Estados Unidos do "frost-belt" "desindustrializado" do Nordeste para o "sun-belt" "reindustrializado" do Sudoeste. Semelhantes tendências à desindustrialização podem ser observadas em muitos outros países com indústrias tradicionais- O dramatismo e, por vezes, até o caráter trágico destes deslocamentos resultam da importância das conexões regionais de vida paia os homens que vivem e trabalham lá, Estas conexões criam e gaiantem identidade. Assim, a destruição durante a fase depressiva "desenraíza" A reestruturação deverá - no sentido da restauração do equilil^rio — conduzir a novos enraizamentos.

CO, caracterizado pelo fato de ainda ocorrerem pouquíssimos investimen­tos de ampliação nos novos mercados, mas, por outro lado, de ocorrerem investimentos maciços de racionalização em industrias dos "mercados" antigos, para obter vantagens comparativas de custos. Kste exemplo in­dicia aomesmo tempo que a reestruturação na depressão atual ainda não chegou ao termo econômico. Este sera alcançado apenas no momento em que os investimentos de ampliação das novas indústrias superarem os inves­timentos de racionalização. Investimentos de racianalização sao inves­timentos de combate na defesa de parcelas do mercado, nao para a des­coberta de mercados novos. Eventualmente, esta relação mudará nos pró­ximos anos. Nao devemos, porém, ignorar o componente regional. Inves­timentos de racionalização em indústrias tradicionais sao simultanea­mente investimentos para a conservação, porventura exitosa, de tradi­cionais regiões industriais. Investimentos de ampliação em indústrias novas, por outro lado, sao feitos quase sempre em importantes regiões novas da economia mundial^.

2. No caso de inovações tecnológicas e da sua aplicação ãprodução não importa apenas a dimensão material, mas sobretudo as condições de valor para a sua utilização lucrativa. A simples existência de inova­ções ainda está longe de garantir a sua utilizag^ão lucrativa; o mesmo vale para os mercados potenciais, que as inovações poderão abrir. Para garantir a utilização lucrativa, torna-se necessária uma acomodação das relações sociais de trabalho assalariado e capital, ou seja, da relação de distribuição de salário e lucro, como também das condições de tra­balho (produtividade e intensidade do trabalho, qualificação, mecanis­mos de controle). Também este processo implica a criação de equill-brios, como são experimentados, por exemplo, no programa de humaniza-ção da República Federal da Alemanha (neste caso, no entanto, com êxito reduzido). Além disso, o Estado realiza, via de regra, uma política de fomento da tecnologia, para reduzir o ônus dos custos assumidos pelas empresas com o fim da introdução de novas tecnologias e para garantir o seguro social diante de novas tecnologias (confira, para tal, OCDE 1981). Mesmo quando os neoliberais pedem a "desregulaçao", isto é, a re­tirada de obrigações estatais da produção, a intervenção seguradora do Estado, para fins de implementação da tecnologia, via de regra, nao po­de ser evitada.

3. A próxima condição de uma nova recuperação é a sua finanoiábi-lidade, isto é, a disponibilidade de fundos investiveis para os inves­timentos de ampliação nas novas indústrias. Esta condição é, ao menos atualmente, o menor problema, já que a liquidez é extraordinariamente grande nos mercados crediticios. Contudo os juros sao muito elevados, em virtude das políticas restritivas de alguns governos. E, além disso, há uma demanda de meios líquidos para o financiamento dos déficits^do balanço de pagamentos. Estes déficits sao apenas expressão de relações unilaterais de devedor, que não apenas absorvem a liquidez, mas deses-

tabilizam tambim os sistemas de crédito nacional e internacional. Po­deria acontecer o caso de que, no dado momento em que os meios líqui­dos fossem absolutamente necessários para o financiamento de um novo "boom", estes meios nao estariam mais disponíveis, em virtude de uma crise internacional de crédito. A dominação política das tendências ã crise, no sistema crediticio internacional, poderia ser uma condição importante para uma nova recuperação de longo prazo nos anos 80.

4. Mostramos antes que os investimentos, que aparecem maciçamente no início de uma recuperação de Kondratieff, não devem ser analisados apenas a partir do aspecto monetariamente valorativo, mas também a par­tir do aspecto material dos recursos. E aqui surgem efetivamente limi­tes que estão relacionados com as manifestações de crise da racionali­dade (confira item 2 deste artigo). Um "boom" de investimentos para a aceleração do crescimento chocar-se-ia em sociedades já altamente de­senvolvidas com as barreiras dos recursos naturais. Assim sempre ocor­re na produção enquanto "metabolismo entre o homem e a natureza",,con­forme já formulou Marx. Os limites das naturezas interna e externa exis­tem na natureza de forma praticamente "objetiva". No entanto, a novida­de da atual fase de desenvolvimento consiste no fato de que essas bar­reiras puderam articu]ar-ae politicamente nos "novos movimentos sociais" . Contra uma política do crescimento, que não leva em consideração os re­cursos naturais, surgem formas de reslstêneia política.Noa Estados Uni­dos, onde a esquerda ê extraordinariamente frágil, e possível a impo­sição de uma política e de uma desregulação orientadas segundo___a ofer­ta, isto e, a imposição da redução de obrigações para a proteção do am­biente. Mas, na Europa atual, nenhuma política de incentivo do cresci­mento pode ser realizada contra padrões mínimos de sentido ecológico. Os limites do quantitativismo, que se manifestam como resistência po­lítica, são ainda hoje limites para um novo "boom" de Kondratieff. Se­guramente, estes limites podem ser ultrapassados dentro do capitalis­mo; suas manifestações políticas podem ser reprimidas com meios políti­cos, mas com tais medidas os problemas destes limites são,quando muito, recalcados, mas não resolvidos.

5. As novas tecnologias nao tem apenas epifenomenos e conseqüên­cias sociais, cujos efeitos políticos não podem ser integrados ao sis­tema no sentido de um equilíbrio e sem dificuldades; elas dependem tam­bém de pré-requisitos sociais. Um deles, a saber, a existência de uma camada de empresários dinâmicos e favoráveis ã realização de inovações, nao deveria constituir um problema nas sociedades "ocidentais".Mas nao se sabe de antemão se os novos movimentos sociais e as partes da clas­se operaria, atingidas pelas novas tecnologias, aceitarão estas tecno­logias sem conflitos; e nao se sabe, sobretudo, se o sistema político desenvolverá a capacidade de processar os conflitos no sentido da reor­ganização da dominação por meio da restauração de um consenso "remonta­do" de base. Para amenizar as conseqüências das racionalizações (os efeitos do rompimento estrutural e da reestruturação), foi feita a ex­periência de reunir os representantes do capital e dos operários junto com instituições estatais,na forma de um cartel da crise, enegociar in­denizações monetárias, por exemplo, pela perda do emprego (planos so­ciais). Em alguns casos, esta experiência funcionou relativamente sem conflitos na República Federal da Alemanha (exemplo:indústria siderúr­gica do Estado do Saarland); mas ela nao pode ser cogitada como modelo universal de seguro social diante de novas tecnologias que eliminam em-

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pregos, pela simples razão de ser muito dispendiosa com relação a quan­tidades monetárias. Inclusive por esta razão, contrapõe-se a este mode­lo corporativista o modelo neoliberal,. que pretende regular as rela­ções sociais da acomodação, a novas condições de produção através do mercado e que aposta, quanto ao controle dos conflitos incluídos no cál­culo geral, antes no aparelho repressivo do Estado, para o resguardo da "ordem". Talvez pudéssemos concluir que os dois modelos de poli tica dis^ poem de poucas chances diante de uma regulagem reforçada dos investi­mentos por parte do Estado.

6. Em virtude da irregularidade do crescimento da produtividade no mercado mundial, deslocam-se as posições de concorrência dos dife­rentes países. A longa recuperação, desde os anos AO, estava também ligada ã posição hegemônica dos Estados Unidos no mercado mundial e na política mundial ("pax americana"). Desde os anos 70, éevidente que os Estados Unidos nao ocupam mais esta posição. Mas nenhum outro estado nacional capitalista pode substituir os Estados Unidos nesta hegemonia, para não falar do "campo socialista" com a União Soviética como potên­cia líder, extraordinariamente debilitado por conflitos internos. As­sim, os Estados Unidos empenham-se em reconquistar o posto de líder da economia mundial: na economia, mas sobretudo por meio de uma gigantesca superioridade militar. O poder militar é usado como escudo protetor nos processos de seleção da economia de mercado e durante a reestruturação econômica e político-social, empenhada na reconquista da hegemonia amea­çada. Há o perigo de que a reestruturação possa ser acelerada como des­truição com meios militares. Diante da atual tecnologia bélica isto su­gere uma aventura perigosa para a humanidade...

A crise e a depressão, enquanto rompimento estrutural ereestruturação, ainda não chegaram a termo. A situação da tecnologia fornece algumas condições para uma nova e longa recuperação, mas nem as contradições econômicas foram "saneadas" nem os pré-requisitos sociais e políticos para um "bunching of investment" foram fornecidos. É possível que haja breves conjunturas favoráveis nos anos 80, mas elas não deverão intro­duzir uma nova onda longa com a tÔnica na expansão, nem haverá uma tran­sição a um novo estágio do desenvolvimento capitalista. Ao contrário, os próximos anos deverão caracterizar-se pela agudização das contradi­ções da depressão, apesar de um possível restabelecimento conjuntural.

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