o custo do passaporte para a globalização - inicio · altera o padrão rígido e padronizado...
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O Custo do Passaporte para a Globalização
Autoras: Elaine Rossetti Behring Ilma Doher
Ivana Regina Gonçalves Bastos
Esta comunicação busca aprofundar a compreensão das mudanças no mundo
do trabalho que vêm se operando nas últimas décadas, tendo em vista compreender a
condição da política social no capitalismo contemporâneo. Trata-se, na verdade, de um
ponto de partida metodológico: a indissociabilidade entre o mundo da produção e
reprodução sociais. Este ponto de partida é o que marca o conjunto de projetos do
Programa de Estudos do Trabalho e da Reprodução Social (PETRES), da UERJ. Na
linguagem da Escola da Regulação Francesa, trata-se de compreender as mudanças
no regime de acumulação e seus impactos na esfera da regulação, neste caso, com
um destaque especial para duas formas institucionais especialmente deslocadas e
atingidas: a relação salarial e o Estado.
Nesse sentido, vimos desenvolvendo uma pesquisa intitulada “A Reestruturação
Produtiva, a Crise Fiscal e o Financiamento das Políticas Sociais no Brasil”, cuja
questão central é observar o impacto dessas transformações na perda de capacidade
de regulação do Estado, especialmente com o aprofundamento da crise fiscal. Dentro
disso, a hipótese é de que a política social é o setor mais dilacerado, mesmo, e talvez
especialmente, no Brasil, onde nunca houve um padrão de proteção social de caráter
universalista, pactuado com os trabalhadores - o Welfare State -, ainda que seu
anúncio tenha sido feito na Constituição de 1988.
1 - Características do Capitalismo Contemporâneo
Existem inúmeras diferenças teórico-metodológicas e políticas entre os
analistas dos acontecimentos deste final de século. No entanto, é possível visualizar um
consenso mínimo de que há um ambiente de profundas transformações, num trânsito
para configurações originais no mundo da produção e da reprodução sociais. Porém,
as interpretações são realmente diferenciadas. Alguns percebem esta abundância de
sinais como “boas oportunidades”, como um natural processo de “modernização”. É
desta forma que os fenômenos em curso aparecem nas revistas empresariais, na
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mídia falada e escrita, e nas entrevistas de membros dos governos. O desemprego
estrutural é naturalizado e só resta a preparação dos indivíduos para a brutal
competição num mercado para poucos. Afinal, o mercado é sinônimo de equilíbrio, é
autoregulável e as disfunções são passageiras. O emprego perdido reaparecerá,
então, em outro setor.
Outros percebem processos de superação do trabalho como categoria
ontológica central e medida estruturante da história da sociedade, já que a tendência é
ao desemprego de muitos e ao tempo livre. Trata-se de um passo acelerado na
direção de uma sociedade pós-industrial, e o conceito de classe social se dilui. A
realidade é que existe neste raciocínio grande aposta numa hegemonia social-
democrata na condução desse processo de mudanças, rumo a um projeto social "para
além do socialismo" e do capitalismo. Entretanto, o fato é que a chamada
reestruturação produtiva vem descaracterizando e desorganizando a social-
democracia, e não o inverso (Antunes, 1995). Por outro lado, é um renovado
fetichismo considerar tais mudanças como sinais de uma nova ordem societária, ou de
uma superação do mundo das mercadorias.
Sem a pretensão de esgotar tais questões, procuraremos caracterizar estas
transformações, distanciando-nos das versões delineadas anteriormente. Trata-se de
uma reação burguesa à crise configurada pelas tendências sinalizadas por Mandel já
em fins da década de 60. Desde esse período, então, se afirmam algumas tendências
no contexto da crise global contemporânea (Netto, 1993). Tal crise expõe o fim dos
anos de crescimento do pós-guerra e a crise do welfare state, processos estes
amplificados pela crise no "socialismo real". Longe de serem conjunturais, são
tendências que promovem inflexões estruturais na produção/acumulação, com fortes
repercussões na esfera da regulação/reprodução.
Para Mandel(1990), a recessão de 1974/75 denota o esgotamento do boom do
pós-guerra e o início de uma onda longa recessiva. Para David Harvey(1993), assiste-
se à passagem de um padrão de acumulação e regulamentação fordista-keynesiano,
para um novo padrão - a acumulação flexível. Há grande consenso entre os
pesquisadores de que a crise de 74/75 demarca um momento de inflexão. Vale
observar os sinais que em grande abundância insistentemente perfilam um velho-novo
mundo do capital.
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Como resposta à queda das taxas de lucro na década de 70, os anos 80 são
marcados por uma ofensiva revolução tecnológica na produção, confirmando a
assertiva mandeliana da corrida tecnológica e do diferencial de produtividade do
trabalho como fonte dos superlucros, pela globalização da economia e pelo ajuste
neoliberal.
No mundo da produção e do trabalho generaliza-se o modelo japonês, o
ohnismo/toyotismo, fundado nas possibilidades abertas pela introdução de um novo
padrão tecnológico: a revolução microeletrônica. É a chamada produção flexível, que
altera o padrão rígido e padronizado fordista, da linha de montagem de base técnica
eletromecânica, com uma estrutura organizacional hierarquizada, da produção em
massa para um consumo de massa, este último viabilizado por meio dos acordos
coletivos de trabalho que definem certa distribuição dos ganhos de produtividade do
trabalho(Aglietta,1981). A nova base técnica é caracterizada hoje pela microeletrônica
digital, miniaturizada. A introdução dessa tecnologia na produção parte da intuição de
um engenheiro da Força Aérea dos EUA (1949), que vislumbra a possibilidade de
acoplar o computador à máquina ferramenta universal, introduzindo o controle
numérico, que é posteriormente computadorizado(anos 70). Dessa forma, cria-se a
possibilidade de automatizar a produção em pequena escala, quebrando ainda mais o
poder do trabalhador na operação das máquinas, ao lado de uma exigência de maior
qualificação - um trabalhador com maior capacidade de abstração.
Nessa "nova forma produtiva", forja-se uma articulação entre descentralização
produtiva e avanço tecnológico (a rede microeletrônica de informações). Há também
uma combinação entre trabalho extremamente qualificado e desqualificação.
Contrapondo-se à verticalização fordista, a produção flexível é
horizontalizada/descentralizada. Trata-se de terceirizar e subcontratar uma rede de
pequenas/médias empresas, muitas vezes com perfil semi-artesanal e familiar.
A produção é conduzida pela demanda e sustenta-se na existência do estoque
mínimo. O just in time e o kanban asseguram o controle de qualidade e o estoque.
Aqui um pequeno grupo de trabalhadores multifuncionais ou polivalentes opera uma
ilha de máquinas automatizadas, num processo de trabalho intensificado, que diminui
ainda mais a "porosidade" no trabalho e o desperdício. Diminui, também, a hierarquia
no chão de fábrica, já que o "grupo" assume o papel de controle e chefia. Acrescente-
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se a pressão patronal pelo sindicalismo por empresa - "sindicalismo de envolvimento"-
e a pressão do "desemprego para toda a vida ", e tem-se o caldo de cultura para a
adesão às novas regras (Coriat, 1994).
Como o toyotismo é baseado em tecnologias capital intensivas e poupadoras
de mão de obra, os efeitos sobre a força de trabalho têm sido devastadores,
caracterizando um processo de heterogeneização, fragmentação e
complexificação da classe trabalhadora ( Antunes, 1995; Mattoso, 1995).
Observa-se os fenômenos do aprofundamento do desemprego estrutural, da rápida
destruição e reconstrução de habilidades, da perda salarial e do retrocesso do poder
sindical.
Para Harvey, há uma radical reestruturação do mercado de trabalho, no sentido
de regimes e contratos de trabalho mais flexíveis e da redução do emprego regular em
favor do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. Ele vê um grupo de
trabalhadores "centrais", que têm maior estabilidade, perspectivas de promoção e
reciclagem, bons salários diretos e indiretos, e se caracterizam por sua
adaptabilidade, flexibilidade e mobilidade. Na periferia, Harvey identifica outros dois
grandes grupos de trabalhadores. No primeiro, tem-se os empregados em tempo
integral com habilidades menos especializadas, que possuem alta taxa de rotatividade
e menos oportunidades que os trabalhadores centrais. No segundo, e este grupo é o
que mais tem crescido, tem-se os trabalhadores em tempo parcial, casuais, com
contrato por tempo determinado, e sem direitos assegurados: são os subcontratados.
Para Antunes, esta configuração do mercado de trabalho revela uma
processualidade contraditória que combina a desproletarização do trabalho industrial
fabril com uma subproletarização (com aumento do assalariamento). Daí advém a
idéia de uma sociedade dual. Impõe-se, então, simultaneamente, uma tendência à
qualificação e intelectualização dos trabalhadores centrais, de maneira paralela à
desespecialização e desqualificação do "subproletariado moderno".
Estes processos abalam fortemente as condições de vida e de trabalho da
classe-que-vive-para-o-trabalho, e vêm desencadeando mudanças nas formas de
sua organização política. Presencia-se a queda dos índices de sindicalização, bem
como a dificuldade de organizar o "subproletariado moderno". Há dificuldades em
tecer alianças entre os segmentos "centrais" e os precarizados e subcontratados (o
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que dizer dos definitivamente expulsos?), impondo-se tendências neocorporativas e
individualistas. Esses processos apontam para obstáculos na constituição de uma
consciência de classe para si, minando a solidariedade de classe, e enfraquecendo
a resistência à restruturação produtiva. Telles (1994) oferece elementos instigantes
para pensar a relação entre a reestruturação produtiva, a reprodução da pobreza e a
cidadania, chamando a atenção para a dificuldade de articulação dos sujeitos políticos
em função, também, da fratura de identidades promovida pela condição de
precariedade. A reestruturação produtiva, como sabemos, vem sendo conduzida em
combinação com o ajuste neoliberal, o qual implica na desregulamentação de direitos,
no corte dos gastos sociais, em deixar milhões de pessoas à sua própria sorte e
“mérito” individuais - elemento que também desconstrói as identidades, jogando os
indivíduos numa aleatória e violenta luta pela sobrevivência. Assinalamos, então, que o
caráter da organização do trabalho na revolução tecnológica em curso é desagregador
da solidariedade e regressivo.
No entanto, se há dificuldades e grandes desafios, a perplexidade que tomou
conta das direções políticas dos trabalhadores, sobretudo daquelas que tendem a
recusar soluções "neocorporativas" e de "envolvimento", começa lentamente a ceder
espaço à busca de alternativas. O movimento social começa a formular seus
kikenshiso - pensamentos perigosos, como caracteriza a burguesia japonesa (Joffily,
1993). Por exemplo, para Jane Slauter (1994), é um grande desafio para os sindicatos
aprender a funcionar na produção ajustada (lean production), ganhando poder coletivo
para restringir a flexibilidade arbitrária da direção, assegurando conquistas no acordo
coletivo ou alterando a cultura da fábrica, através da defesa de direitos no dia-a-dia.
Contudo, há experiências de resistência ao toyotismo, onde o movimento dos
trabalhadores procura transformar o grupo em terreno de luta, ao invés de gestor de
empresa. Esta foi, por exemplo, a direção assegurada no acordo coletivo da Mazda
americana em 1991. Lá os trabalhadores conquistaram a eleição dos coordenadores
dos grupos, o que se tornou reivindicação de todas as fábricas com just in time.
Conseguiram desafiar as normas de produção colocando representantes sindicais
para vigiar os padrões de produção, sendo que a empresa não pode intensificar o
ritmo da produção sem comunicá-los. A autora sugere outras frentes de resistência: o
combate aos empregos temporários a partir da constituição de grupos fixos; a
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definição clara nos acordos coletivos de direitos e procedimentos sem "flexibilidade";
e a independência sindical, não aceitando propostas de co-gestão.
Bernardo Joffily acrescenta a centralidade da luta pela redução da jornada de
trabalho e da perspectiva de conjunto a ser retomada pelo movimento sindical, para
sair da resistência e articular uma contra-ofensiva. Para ele, há que tornar transparente
o potencial libertário das novas tecnologias, mas, ao lado disso, denunciar seu
conteúdo regressivo como estratégia de reprodução ampliada do capital, cuja maior
expressão é o desemprego estrutural1.
Hoje, existem cerca de 36 milhões de desempregados apenas nos países de
capitalismo central, bem como a retomada da extração da mais-valia absoluta no setor
terceirizado, semi-artesanal e familiar. Aqui, Alain Lipietz (1988), numa análise da
introdução “capenga”do fordismo na periferia do mundo do capital, fala inclusive de
uma “taylorização sanguinária”, referindo-se à estratégia da acumulação dos
chamados “tigres asiáticos” com sua combinação perversa entre estagnação do poder
aquisitivo, extensão da jornada de trabalho e patriarcado, num contexto de reserva
inesgotável de força de trabalho, em sua maioria feminina e disponível para as
indústrias têxtil e eletrônica.
Jorge Mattoso realiza uma síntese importante, quando aponta que a
reestruturação produtiva em curso encerra uma antinomia entre seguridade e
insegurança, na passagem para esse novo regime de acumulação, que é
acompanhado por um novo modo de regulamentação. Dentro disso, a insegurança se
manifesta em algumas formas: insegurança no mercado de trabalho, com a não
priorização do pleno emprego como objetivo de governo, a destruição de empregos
em plena expansão econômica, sobretudo no setor industrial, a ampliação da
desigualdade entre os desempregados em função da redução dos benefícios sociais;
insegurança no emprego, que implica a redução da estabilidade e subcontratação
(formas atípicas ou contingenciais de emprego, diga-se, precárias); insegurança na
renda, através da flexibilização dos salários, da diluição da relação entre salário e
produtividade, da queda nos gastos sociais e fiscais das empresas, da deterioração
da distribuição de renda, e, por fim, do crescimento da pobreza; insegurança na
1Além da redução da jornada de trabalho várias propostas vêm sendo feitas, tendo em vista a construção de um novo pacto social. Para um contato com essas propostas, consultar Aznar,1994 e Rifkin, 1995.
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contratação do trabalho, pela expansão do dualismo no mercado de trabalho e pelo
risco da explosão jurídica do contrato coletivo de trabalho; insegurança na
representação do trabalho, com a redução dos níveis de sindicalização.
As metamorfoses do mundo do trabalho são acompanhadas pelo processo de
globalização da economia. Trata-se, conforme Husson (1994), da formação de um
mercado unificado com campanhas mundializadas, bem como da configuração de
uma base planetária de concepção, produção e distribuição de produtos e serviços,
inclusive com uma redefinição das especialidades no mercado mundial. A
globalização vem se revelando um processo contraditório, desigual e assimétrico. Tal
processo vem sendo intensificado pela revolução tecnológica, sobretudo com a
horizontalização das empresas e sua ligação pela rede de informática; e pelo
neoliberalismo, cuja essência é o afastamento dos obstáculos à circulação do fluxo de
mercadorias e dinheiro. No entanto, ela está longe de promover uma homogeneização
do espaço econômico, reafirmando a idéia de um desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo, cuja maior expressão é a recente crise do mercado
financeiro globalizado, que atinge diferenciadamente os países, segundo as
características de sua inserção no mercado mundial.
Para Husson, já existem fortes repercussões da globalização no papel do
Estado. Percebe-se a dissolução da unidade constitutiva do Estado e do capital
nacionais. Os Estados nacionais têm dificuldades em desenvolver políticas industriais,
restringindo-se a tornar mais atrativos às inversões estrangeiras os territórios
nacionais. Os Estados locais convertem-se em ponto de apoio das empresas. O
modelo de ajuste proposto pelo Banco Mundial e o FMI, sobretudo para o Terceiro
Mundo, reforça a perda de substância dos Estados nacionais, que, ao reorientarem a
parte mais competitiva da economia para a exportação(o que implica para alguns
países um largo processo de desindustrialização e a volta a certas “vocações
naturais”); conterem o mercado interno; e bloquearem o crescimento dos salários e
dos direitos sociais, encontram dificuldades de desempenhar suas funções de
regulação econômico-sociais internas.
Para este autor, há, com a globalização, uma tendência à diminuição do
controle democrático, com a configuração de um Estado forte e enxuto que despreza
o tipo de consenso social dos anos de crescimento, com claras tendências
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antidemocráticas. Na América Latina vimos assistindo a práticas políticas
extremamente nefastas do ponto de vista da democracia, que vão desde a
fujimorização até o autoritarismo de Fernando Henrique Cardoso no Brasil, através das
medidas provisórias e do clientelismo com o Congresso Nacional, governos estaduais
e municipais. A mesma prática tem realizado o governo Menen, na Argentina, gerando
uma reação exemplar dos trabalhadores, com o “apagón” e a greve geral (outubro de
1996).
Harvey relaciona a globalização a uma tendência geral do período da
acumulação flexível, que ele caracteriza como compressão do espaço-tempo. Se o
tempo de rotação do capital na produção e no consumo é decisivo para a
lucratividade, como salienta Mandel, a acumulação flexível é precisamente a criação de
condições para isso, o que gera uma aceleração de conjunto de todos os processos
de vida social - do cotidiano ao sistema bancário, com sua diluição do tempo nos
"mercados de futuros".
Chama atenção, ainda, um outro aspecto em todo esse processo. Para além da
perda de substância do Estado engendrada pela globalização, observa-se que àquela
perda soma-se um outro elemento: a crise fiscal do Estado. Da virada para a onda
longa com tonalidade depressiva a partir de 1973, decorre uma inflexão no gasto
público. É o fim dos anos de ouro do keynesianismo e da combinação entre
capitalismo e social-democracia. Segundo a OCDE, no período de 1960/82, a receita
média dos países membros sobre o PIB aumentou de 26% em 1960 para 42% em
1982. Enquanto isso, o gasto médio sobre o PIB aumentou de 20% em 1960 para 47%
em 1982. Assim, vai-se de um superávit em 60 a um déficit em 82. O momento da
inflexão é justamente o ano de 1973, quando reverte o ciclo econômico (OCDE, 1985).
Ocorre que, dentre os aspectos da intervenção estatal que fazem parte de seu
papel como capitalista total ideal (Mandel, 1982), foram ampliadas as fronteiras da
proteção social, seja por pressão dos excluídos do pacto welfareano pela
universalização dos gastos sem contrapartida, seja dos incluídos no mesmo pacto com
correções de benefícios maiores que a inflação. Ao lado disso, já havia resistência à
ampliação da carga tributária. No contexto da reversão do ciclo econômico, a renda
nacional cai ao mesmo tempo que a carga tributária efetiva (o que é diferente da carga
tributária potencial), enquanto aumenta o gasto em função das estratégias keynesianas
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de contenção do ciclo depressivo (déficit público). Outro aspecto aqui é a tendência de
crescimento da renúncia fiscal, que, para Dain (1996), consiste na explicação primeira
da crise fiscal. Se fosse computada a carga tributária potencial (que inclui a renúncia),
a questão do déficit, na opinião desta autora, estaria minimizada. Para David Heald
(1983), trata-se de uma redistribuição às avessas, que tende a se ampliar na crise,
constituindo um welfare state invisível, o qual beneficia o empresariado.
Contudo, para além do impacto da renúncia fiscal crescente no contexto da
crise, a reestruturação produtiva tem fortes implicações para a carga tributária.
A pulverização da grande indústria e o crescimento do mundo da informalidade
desencadeiam a perda do "power of enforcement" do Estado e a baixa na
arrecadação, já que o controle fiscal de pequenas empresas e do trabalho informal
encontram grandes dificuldades de operacionalização. Dain também chama a atenção
para o fato de que a regulação keynesiana se preparou para um contexto de
desemprego conjuntural, diante do qual é admissível o déficit público para estimular a
demanda efetiva. Entretanto, a revolução tecnológica infirma a hipótese keynesiana
como estratégia de largo prazo, haja vista o desemprego estrutural, a tendência à
horizontalização das empresas e a globalização.
Num contexto em que há pressão pelo o aumento do gasto vis-a-vis com a
pressão para uma queda da receita, a disputa pelos fundos públicos intensifica-se. É
nesse contexto que, sob o argumento da escassez de recursos, de conter o déficit
público, ou mesmo, como no caso do Brasil hoje, de evitar a volta da inflação,
preconiza-se o corte dos gastos estatais, para o "equilíbrio das contas públicas", como
indicador de saúde econômica. Então, a política social - elemento significativo do
pacto welfareano, mas "patinho feio" dessa estratégia - entra neste cenário como
paternalismo, como geradora de desequilíbrio, como algo que deve ser acessado via
mercado, e não como direito social. Daí as tendências de desresponsabilização e
desfinanciamento da proteção social pelo Estado, o que, aos poucos (já que há
resistências e sujeitos políticos nesse processo), vai configurando um Estado mínimo
para os trabalhadores e um Estado máximo para o capital (Netto,1993). Este último
não prescinde de seu pressuposto geral, que lhe assegura as condições de produção
e reprodução. Hoje, cumprir com esse papel é facilitar o fluxo global de mercadorias e
dinheiro, através da desregulamentação de direitos sociais, de garantias fiscais ao
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capital, da "vista grossa" para a fuga fiscal, da política de privatização
(supercapitalização), dentre inúmeras possibilidades que pragmaticamente viabilizem
a realização dos superlucros e da acumulação.
Este é o caráter do ajuste estrutural proposto pelos organismos
internacionais,como forma através da qual as economias nacionais devem adaptar-se
às novas condições da economia mundial. Como bem apontam Grassi, Hintze e
Neufeld (1994), estes mesmos organismos já admitem hoje o custo social e político
(governabilidade) do ajuste, tanto que passaram a ter preocupações em relação ao
flagrante crescimento da pobreza e decadência de indicadores sociais nos países que
vem aplicando o receituário econômico do Banco Mundial e do FMI. Este interessante
estudo das autoras argentinas mostra os discursos de consultores e dirigentes dessas
agências, desnudando o caráter meramente compensatório da intervenção social
presente em suas proposições. O estudo identifica ainda as divergências entre os
vários organismos das Nações Unidas quanto à questão das estratégias de
enfrentamento da pobreza. Porém, fundamentalmente, o ajuste tem passado pela
desregulamentação dos mercados, pela redução do déficit fiscal e/ou do gasto
público, por uma clara política de privatização, pela capitalização da dívida e um maior
espaço para o capital internacional, inclusive como condição para empréstimos. Para
a política social, a grande orientação é a focalização das ações, com estímulo a fundos
sociais de emergência.
2 -O Passaporte Brasileiro para o Admirável Mundo do Capital
Depois de dez ajustes fiscais e sete máxi ou mididesvalorizações da moeda;
uns de caráter mais ortodoxo, outros mais heterodoxos, mas todos sem resultados
duradouros (Tavares e Fiori, 1993), a partir de 1994, o país entrou no Plano Real.
Capitaneado pelo então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso, evidente
candidato à Presidência da República, o Plano Real promoveu, poucos meses antes
da eleição, uma verdadeira chantagem eleitoral: ou votava-se no candidato do Plano,
ou estava em risco a estabilidade da moeda, promovendo-se a volta da inflação, a
ciranda financeira, e a escalada dos preços. Os brasileiros, traumatizados com uma
inflação de 50% ao mês (junho de 1994) e esgotados com a incapacidade de planejar
sua vida cotidiana, votaram na moeda e na promessa de que, com a estabilidade,
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viriam o crescimento e dias melhores. Trata-se de uma variável político-econômica
importante: a necessidade de esperança (Gonçalves,1996). O plano real, de fato,
colocou a inflação sob controle. A inflação brasileira tem ficado em menos de 1,0% ao
mês em 1997/98, com variações pouco relevantes. No entanto, a ênfase exclusiva na
moeda e a política de juros altos (previstos em 14,4% ao mês, em 1998) para
assegurar a presença do capital volátil - o que nos torna reféns deste - vem gerando
uma queda do investimento que, combinada à reestruturação produtiva, está levando a
um aumento assustador do desemprego. A política de altas taxas de juros, por
exemplo, favorece a queda do investimento produtivo, com grande deslocamento de
capitais para a especulação financeira. Além disso, favorece também o endividamento
de empresas, muitas das quais vêm fechando suas portas por não conseguirem pagar
os empréstimos assumidos, em especial as pequenas e médias empresas que hoje
se responsabilizam por cerca de 41% dos empregos (SEBRAE, 1997).
A política abrupta de abertura comercial acirra a competitividade e pressiona a
indústria nacional para a “modernização”, direcionando-a para o mercado externo,
numa economia com características de fechamento. Aqui assistimos à introdução de
tecnologias poupadoras de mão de obra e à precarização do trabalho. Por outro lado,
a Reforma do Estado em curso também é geradora de desemprego, através de
mecanismos como os Programas de Demissão Voluntária e a instituição das
Organizações Sociais.
As conseqüências do ajuste neoliberal para a política social são enormes, não
só porque o aumento do desemprego leva ao empobrecimento e ao aumento
generalizado da demanda por serviços sociais públicos. Mas porque corta-se gastos,
flexibiliza-se direitos e se propõe implícita ou explicitamente a privatização dos
serviços, promovendo uma verdadeira antinomia entre política econômica e política
social ou, como dizem Lessa, Salm, Tavares e Dain, transformando a política social
num “nicho incômodo”.
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Um dos discursos da equipe econômica de FHC é de que a Ordem Social
consagrada em 1988 é perdulária/paternalista e amplia o déficit público. Na verdade,
sabe-se que o crescimento do déficit está relacionado à dívida interna adquirida para
para cobrir déficits seguidos da balança comercial - fruto da abertura precipitada e
irresponsável da economia. A dívida cresce em ritmo acelerado em função das altas
taxas de juros mantidas para atrair o capital financeiro. Ou seja, é um círculo vicioso
gerado pela própria política econômica e não pela política social.
Na verdade, o ataque à seguridade social passa pela política de abertura
econômica, no que diz respeito a baixar o “custo Brasil”2 - diga-se, baixar o custo de
uma mão de obra que é das mais baratas do mundo - em termos de salários
indiretos/direitos sociais, para que unidades produtivas transnacionais se instalem no
país. Um outro aspecto é a maneira de compensar o setor exportador nacional dos
prejuízos da abertura comercial: dar isenção de ICMS e das contribuições sociais para
estes segmentos. Esta política tem feito baixar a receita da União, Estados e
Municípios, com ampla contaminação dos recursos da política social.
Se deixamos de lado os mecanismos de renúncia fiscal, ainda teremos o
contingenciamento de recursos da política social ou seu desvio explícito, como é o
caso da transferência de 20% do Orçamento da Seguridade Social para o antigo
Fundo Social de Emergência, que se tornou Fundo de Estabilização Fiscal. Na
verdade, hoje é difícil falar de um Orçamento da Seguridade, já que o que se pode
observar é uma forte especialização das fontes, em detrimento de um orçamento
global, segundo o conceito constitucional. A política, portanto, é cortar, de variadas
formas, recursos da área social, nestes tempos de crise fiscal e de intensa disputa
pelo fundo público. O governo brasileiro soma-se ao “pensamento único” difundido em
nível internacional.
Essa postura é confirmada pelos dados.Vejamos as recentes análises do
Tribunal de Contas da União, extraídos do Relatório sobre a Prestação de Contas do
Governo Federal de 1995 (DOU, 26 de junho de 1996). Estes dados mostram o
descaso para com o acirramento da questão social no Brasil, e corroboram a hipótese
2João Sabóia (1990) faz um estudo sobre o fordismo “capenga” introduzido no Brasil, em especial no período do chamado milagre brasileiro, demonstrando o quanto os ganhos de produtividade foram precariamente repartidos, ou seja, que à produção em massa não seguiu um amplo consumo de massa, e que a mão de obra no Brasil,
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de que há uma verdadeira sabotagem da Constituição através do corte de recursos.
No Brasil real, em 1995 o investimento no programa de alimentação caiu 6,0%; em
educação e apoio ao ensino fundamental, caiu 19,95%; em infra-estrutura e
saneamento básico, decresceu 21,86%; nos programas de geração de renda e
emprego, caiu em 40,95%; e, na assistência social e defesa dos direitos da criança e
do adolescente, os recursos reduziram-se em 82,93%. Nos programas de
desenvolvimento urbano, houve um decréscimo de recursos de cerca de 46,47%,
enquanto no desenvolvimento rural , a queda foi de 67,64%.
A situação não foi muito diferente em 1996. Houve redução de recursos da
ordem de 51,86% em saúde e saneamento, em relação à 1995; houve queda de
42,48% na assistência e previdência; caiu também o investimento em educação e
cultura, em 12,55%. O relator Paulo Affonso Martins de Oliveira aponta que o PROER -
um programa de apoio às instituições bancárias - recebeu mais recursos que a saúde,
e que o Banco Central se recusou a revelar o custo fiscal deste programa. Aponta
ainda que o governo federal não foi explícito quanto à destinação dos recursos
oriundos dos processos de privatização das estatais.
Para onde se destina o orçamento da união? Para Sulamis Dain, chamando
atenção para dados de 1995, “só os juros da dívida pública previstos no orçamento
de 1996 são superiores a todos os gastos do Ministério da Saúde” (1996: 51). Estes
números mostram o grau de desrespeito com que vem sendo tratada a área social no
Brasil, e sobretudo as necessidades mais elementares da maioria da população
brasileira, que não tem condições de acessar a satisfação de suas necessidades pela
via do mercado, tão desmonetarizada que está, com um salário mínimo que mal cobre
a cesta básica alimentar. O relator do TCU é claro na sua avaliação: “Todas essas
substanciais reduções na liberação de recursos para programas considerados
essenciais e eleitos pelo próprio Governo Federal para combater a fome e a pobreza
no País demonstram que, de fato, em 1995, a política social não foi prioridade”. É
bom que se diga, ainda, que a totalidade destas áreas prioritárias (sic!) executou uma
percentagem menor do que o que estava autorizado e previsto na Lei Orçamentária
Anual de 1995. É verdade, também, que no primeiro ano de governo, o Executivo está
portanto teve um baixo custo direto, e, acrescento, também indireto, já que temos um pobre padrão de proteção
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submetido à Lei Orçamentária aprovada no exercício anterior. Porém, além de o
governo FHC ser de continuidade, observa-se que o quadro não mudou nem 1996 nem
até os dias de hoje, confirmando, na verdade uma orientação político econômica.
A leitura dos relatórios de 1995 e de 1996 - análises cuidadosas das contas
públicas que foram aprovadas com ressalvas e várias recomendações - revela
também o quanto o Estado brasileiro é privatizado, clientelista e patrimonialista, ou
seja, mostra aspectos de nossa cultura política, bem como o quanto os preceitos
constitucionais de 1988 em matéria orçamentária vem sendo sistematicamente
desrespeitados. Nos Relatórios aparece um outro indicador interessante e revelador
do projeto político econômico em curso: a única área em que houve um bom
desempenho da relação entre o que foi planejado na revisão do Plano Plurianual pós
impeachment e o que realmente aconteceu foi a de modernização da produção, como
um efeito da redução de custos (renúncia fiscal? perda de direitos sociais? arrocho
salarial estimulado pelo e dentro do próprio setor público?) e melhoria dos
procedimentos operacionais das empresas, diga-se, reestruturação produtiva. Nos
demais setores estratégicos, o desempenho foi fraco, sobretudo naquele denominado
como Equalização de Oportunidades e Crescimento Econômico com Distribuição de
Renda. Essa análise leva à conclusão de que o governo brasileiro está
extremamente afinado com o coro do neoliberalismo, desencadeando um ajustamento
passivo e a qualquer custo, numa forte sintonia com as orientações das agências
supranacionais.
3 - O Cenário Regional: Alguns Exemplos
A entrada definitiva do Rio de Janeiro na guerra fiscal, elemento que faz
parte dessa versão contemporânea da “abertura dos portos para as nações amigas”
para atrair investimentos para o Estado, se deu tardiamente, pois só em junho de 94
este criou seu programa de incentivos, o que surtiu um efeito imediato: 17 empresas
instaladas, geração de 3.700 empregos, com um investimento de US$600 milhões em
sete meses. Esta tendência se repetiu durante todo o ano de 95, com um grande
número de empresas se instalando no Estado, atrás dos incentivos oferecidos. Aliás,
social.
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ao que parece, grande parte da política governamental no ano de 1995 esteve voltada
para este objetivo, atrair empresas e seus investimentos. E como, além dos incentivos
fiscais, o governo estadual também teria que oferecer infra-estrutura para competir
com os outros estados, ele também direcionou suas ações para isso.
Todo esse esforço parece ter surtido efeito, já que o Rio fechou o ano de 95 em
alta, com a indústria fluminense liderando o ranking nacional de produção e com o
Estado tendo uma participação de 12,56% do PIB brasileiro, resultados esses que se
dão devido ao fato de que no fim daquele ano, 70 empresas estavam injetando no
Estado um total de R$ 1,8 bilhão em investimentos. O que todo esse crescimento, todo
esse investimento trouxe de retorno à população do Rio (além, é claro, dos reduzidos
empregos que foram gerados, que não compensam os que foram extintos) em formas
de políticas públicas, não é possível precisar, mas alguns exemplos são visíveis: o não
investimento na despoluição da Baía de Guanabara, a situação dos hospitais
estaduais, a greve dos professores da rede estadual, dentre outros. Alguns exemplos
são significativos da antinomia entre política econômica e política social e explicam a
ausência de recursos para as prioridades que nunca são prioritárias.
2.1- Industrialização e Incentivos Fiscais em Queimados
Queimados é um município relativamente novo, que se emancipou de Nova
Iguaçú em 21 de dezembro de 1990. Localizado na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, possui uma área de aproximadamente 75KM, onde vivem cerca de 109 mil
pessoas (segundo dados do Anuário Estatístico do Rio de Janeiro 95/96). Este
município chamou atenção quando, ao fazer um levantamento em jornais do ano de
1995, apareceu ocupando o 3 º lugar em crescimento econômico do Estado, no
ranking da Firjan (Federação de Industrias do Rio de Janeiro) daquele ano, apesar de
ser um município tão pequeno.
Vimos, então, que Queimados possui um Distrito Industrial que dispõe de uma
boa infra-estrutura - com grandes áreas para a instalação das empresas e que conta
com energia elétrica (luz e força com estação própria), gás natural (canalizado da
CEG) água, comunicação, etc.. Queimados tem ainda uma localização privilegiada,
pois está no centro de um triângulo formado pelas três capitais mais importantes do
país, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, o que facilita tanto o recebimento de
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insumos quanto o escoamento da produção para praticamente todo país. Tudo isso foi
exaustivamente oferecido ao público empresarial. Entretanto, seu maior trunfo e
atrativo está na Lei Municipal de Incentivos Fiscais n.º110/94, que concede a isenção
de todos os tributos municipais pelo prazo de 10 anos e redução da alíquota do ISS
para as empresas que lá se instalarem.
Com isso Queimados conseguiu atrair um número grande de empresas - 12 só
no Distrito Industrial -, das quais destaca-se a Pepsi. Em busca das vantagens
oferecidas pelo município, essas empresas levaram um total de R$ 95 milhões em
investimentos para Queimados, no ano de 1995. Ora, se o município oferece 10 anos
de isenção de todos os seus tributos para as empresas que nele se instalarem, ficam
nulos quaisquer retornos financeiros a curto ou médios prazos, já que a ida dessas
empresas para o município não altera em nada a sua arrecadação durante 10 anos.
Quanto a tão propalada geração de empregos, ficam dúvidas de sua
concretude, uma vez que as empresas de grande porte como as multinacionais (que
são as mais disputadas pelos estados e municípios) usam tecnologia
reconhecidamente poupadora de mão-de-obra e exigem um trabalhador mais
especializado, que muitas vezes não está disponível no município tendo que vir de
outras localidades. Com o que a Lei 110/94 vem ainda colaborar ao fazer como
exigência às empresas que se beneficiarão com ela, que seu quadro de funcionários
venha a contar com o mínimo de (apenas!) 30 funcionários.
Diante disto fica difícil compreender a razão por que o governo de um município
se esforça tanto para atrair investimentos de empresas que pouco irão beneficiar à
população, e direciona todas as suas ações neste sentido, dando-lhe prioridade total.
Talvez seja em função das obras que têm que ser feitas para poder oferecer infra-
estrutura às empresas e que acabam por beneficiar toda a população, ou talvez, quem
sabe, seja pelo status de estar entre os primeiros no ranking da Firjan. Porém,
provavelmente seja apenas um reflexo da atual condução das ações governamentais
do Estado brasileiro, onde o econômico é priorizado em detrimento do social,
obedecendo às exigências desta fase do capitalismo.
Tudo isso, só torna ainda mais questionáveis os argumentos usados, sobre a
geração de empregos, para justificar os incentivos, já que num mundo globalizado
temos que ser flexíveis para podermos acompanhar o movimento e nos mantermos no
mercado mundial. E este preconiza que seja feito um ajuste fiscal do Estado, que por
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sua vez, muitas vezes, toma como uma das medidas para a manutenção da
estabilidade econômica a aplicação de altos juros o que leva a uma tendência de
redução da produção, levando ao desemprego. Em Queimados , por exemplo, a Pepsi
e a Kaiser demitiram juntas 283 funcionários só no início deste ano.
2.2- Resende e o efeito Volkswagen
A notícia da implantação de uma fábrica da Volkswagen, com investimento
calculado em U$ 300 milhões, deixou os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo
em polvorosa. Ambos se interessaram na possibilidade de aumento do Produto Interno
Bruto (PIB) do estado e na geração de novos postos de emprego. Para tal, se
dispuseram a uma considerável disputa pela sua instalação nos respectivos municípios
de Resende e São Carlos. Como num leilão, ambos os estados ofereciam vantagens,
que aumentavam de acordo com as ofertas do estado concorrente. Quando São Paulo
ofereceu um porto privado, na Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) da Baixada
Santista, o Rio ofereceu dois portos exclusivos; sendo um no Rio e outro em Niterói. Na
mesma lógica o valor das isenções fiscais crescia,. até que o Município de Resende,
no Rio de Janeiro, foi escolhido pela empresa com uma proposta que previa a isenção
fiscal de 75% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por
cinco anos, baixando gradativamente até 40% no último ano e ainda isenção total dos
impostos municipais por quinze anos. No entanto, o vice-presidente mundial da
empresa, declarou que a escolha ocorreu por questões técnicas; como a infra-
estrutura, localização e a disponibilidade de recursos, minimizando o peso dos
incentivos fiscais.
O município de Resende situa-se no Sul Fluminense do Estado do Rio de
Janeiro, às margens do rio Paraíba do Sul. São 170 Km que o separam da cidade do
Rio de Janeiro e 261 Km da cidade de São Paulo. Possui uma área de 1.155 km2,
com população estimada em 130 mil habitantes.
O anúncio da instalação da fábrica em Resende, causou grande expectativa na
cidade. A principal foi a mudança para lá, de milhares de pessoas que acreditaram na
anunciada possibilidade de empregos. No período anterior a inauguração da fábrica,
chegavam por dia uma base de duas famílias do interior paulista e do Nordeste.
Previa-se a geração de dois mil empregos diretos e vinte mil indiretos (!) .Uma média
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de 400 pequenas e microempresas abriram na ocasião. Foi neste clima de
expectativas que em novembro de 1996, a fábrica de caminhões e ônibus da
Volkswagen foi inaugurada. Mas já em 1997, nos deparamos com o número real e total
de empregos equivalente a 1.500 observando 8.000 desempregados no município,
além do fechamento de quase metade destas empresas abertas no período da
inauguração.
A fábrica de 70.000 metros quadrados, possui um sistema revolucionário na
indústria automobilística mundial. Já na década de 80, as montadoras vinham
modificando suas formas de produção, mas nenhuma ousou como a Volks, que
apostou radicalmente na montagem dos veículos pelos fornecedores. Neste sentido, a
empresa lida diretamente com oito grandes fornecedores terceirizados, que montam
integralmente os caminhões. Dos 1.500 funcionários apenas 12% são da Volks.
Dentro da própria fábrica, empregados da Iochpe – Maxion colocam os chassis,
enquanto os da Rock – Well, montam os eixos, freios e a suspensão. No final, atuam
os pintores da Eisenmann. Com isto, a Volkswagem prioriza as atividades de
Logística e de Garantia do Processo de Qualidade, se distanciando da montagem dos
veículos. Ao invés da Volks negociar com centenas de fornecedores, se restringe a
atuar com estes oito grandes fornecedores/montadores, o que possibilita maior
flexibilidade ao trabalho, que torna-se capaz de imprimir mudanças mais rapidamente,
sem interrupção na produção. Com esse sistema, o tempo de montagem dos
caminhões, fica decrescido em 10% e os custos se reduzem entre 15% e 20%, numa
capacidade que chega a produzir um veículo a cada 10 minutos, o que corresponde a
30 mil por ano. Desta forma, podemos dizer que a fábrica vem cumprindo à risca seus
objetivos. Conseguindo aumentar e flexibilizar a produção, reduzindo seu tempo e seus
custos. Para tal, contou com a contratação da mão-de-obra terceirizada, que em geral,
não tem sindicatos, não tem direitos e tem remuneração menor.
Já o Estado e o município não conseguiram (se é que pretenderam!) assegurar
a geração de empregos prevista. E o pior, com a grandeza dos valores da isenção
fiscal por um período tão longo, (a Secretaria de Planejamento estimou cerca de R$
372 milhões!!!) ficam impossibilitados de investimentos na área de políticas sociais
públicas, ou seja, na resposta às necessidades básicas da população; como
alimentação, saúde, educação e moradia. Esta situação é um exemplo concreto da
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direção política de nosso governo. Se pôr um lado, ele dá insumos para reprodução do
Capital, por outro, não garante as condições mínimas de sobrevivência da classe
trabalhadora.
2.3- CSN Privatizada e Competitiva: Volta Redonda em Pedaços A Companhia Siderúrgica Nacional foi fundada em abril de 1941 e iniciou suas
operações em outubro de 1946, configurando um marco da industrialização brasileira,
impulsionada pela intervenção do Estado, nos tempos de Getúlio Vargas. Ao seu redor
construiu-se a cidade de Volta Redonda, cujo destino vinculou-se sempre aos
acontecimentos ligados à empresa. Em 1993, sob o argumento de combater o déficit
público e de que o Estado deveria se retirar de alguns setores já que não tinha
condições de torná-los competitivos, a CSN foi privatizada. Nessa ocasião a CSN
gerava cerca de 24 mil empregos diretos e indiretos (nas empreiteiras).
Com a privatização, a empresa desencadeou um ofensivo programa de
diminuição de custos, através da modernização de seqüências inteiras do processo
produtivo, com a introdução de novas tecnologias e novas estratégias organizacionais.
Assim, a CSN chegou a 1997 com um salto na produção de aço líquido, com o
certificado de qualidade ISO 9001, dentro da filosofia administrativa do TQC - Total
Quality Control, com um aumento no volume de negócios e da rentabilidade do capital
(um aumento de 58,3% do lucro bruto entre jan/set de 1996 e jan/set/1997), e com os
tributos federais em dia - incluindo as Contribuições Sociais para a seguridade.
Em que pese seu vínculo com a fundação da cidade, a CSN, uma empresa de
grande rentabilidade, obteve isenção do pagamento do principal tributo municipal, o
IPTU, durante cinco anos. O processo de privatização e de preparação para a
competitividade no mundo globalizado reduziu o número de funcionários de 24 mil para
cerca de 10.800 mil (1998), ou seja, menos da metade. A cidade, constituída em torno
da usina, vem sofrendo um impacto para o qual não foi preparada, e para o qual a
empresa não ofereceu contrapartida: desemprego, aumento da violência, falta de
perspectivas para a juventude, aumento dos problemas de saúde. A CSN também
ganhou, em 1998, o diploma de uma das maiores poluidoras do Estado, gerando
problemas ambientais que prejudicam a qualidade de vida da população. A nova
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direção da CSN manifesta preocupações com isso, mas as iniciativas têm sido
insuficientes.
Breve Conclusão
A partir do exposto, procuramos demonstrar o caráter do ajuste brasileiro. Não
há escassez de recursos, mas falta de vontade política para realizar uma política fiscal
verdadeiramente redistributiva, rompendo pactos historicamente consolidados, e
contrapondo-se às tendências de barbárie engendradas pelas mudanças em curso
nos mundos do trabalho e da regulação. Assim, configura-se no Rio de Janeiro e no
Brasil um Estado máximo para o capital e um Estado mínimo para os trabalhadores.
Por outro lado, também quero demonstrar que os incentivos fiscais/renúncia - uma
marca central da política econômica em andamento - não são acompanhados de uma
política de empregos. Por outro lado, as privatizações não foram capazes de
assegurar/criar empregos e diminuir o déficit público, como fica exposto pelo índice
recente do déficit -cerca de 8% do PIB.
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