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Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 25, n. 2: 269-310, jul./dez. 2009 DIREITO CONSTITUCIONAL AO RECURSO CONSTITUTIONAL LAW TO APPEAL Robson Renault Godinho * RESUMO O artigo trata do direito constitucional ao recurso como espaço procedi- mental para a realização do debate e da participação no processo, legiti- mando-o por meio da efetivação do contraditório entre as partes. Preten- de-se demonstrar que o direito ao recurso não se confunde com o princípio do duplo grau de jurisdição, nem com a ampla e irrestrita revisão da ma- téria debatida no processo. Também não se mostra adequada a crescente tentativa da jurisprudência de criar meios autoritários para a inadmissibi- lidade de recursos previstos no ordenamento, a fim de diminuir à força a quantidade de trabalho. Por meio da dimensão objetiva dos direitos fun- damentais, busca-se fundamentar essa visão como forma de concretização de um processo compatível com o Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Processo civil e Constituição; Estado Democrático de Direito; Princípio do Contraditório; Dimensão objetiva dos direitos fun- damentais; Admissibilidade recursal. ABSTRACT The article deals with constitutional law to appeal as a procedural alter- native to perform debates and participation in the process, making it legitimate by means of the execution of the adversarial among the parties. It is intended to demonstrate that the right to appeal should not be taken as the double degree of jurisdiction principle, or as the broad and un- bounded revision of the matter discussed in the proceeding. As well as that, it is not appropriate the growing attempt of jurisprudence to create authoritative means to promote impermissibility of resources foreseen in the proceeding, in order to forcefully reduce the amount of work. By means of objective dimension of fundamental rights, there is a pursuit of * Doutorando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Avenida Marechal Câmara, 370, Centro, 20020-080, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: Rua José Linhares, 218/201, Leblon, 22430-220, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 11_Robson.indd 269 11_Robson.indd 269 24/5/2010 15:51:24 24/5/2010 15:51:24

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Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 25, n. 2: 269-310, jul./dez. 2009

DIREITO CONSTITUCIONAL AO RECURSO

CONSTITUTIONAL LAW TO APPEAL

Robson Renault Godinho*

RESUMO

O artigo trata do direito constitucional ao recurso como espaço procedi-

mental para a realização do debate e da participação no processo, legiti-

mando-o por meio da efetivação do contraditório entre as partes. Preten-

de-se demonstrar que o direito ao recurso não se confunde com o princípio

do duplo grau de jurisdição, nem com a ampla e irrestrita revisão da ma-

téria debatida no processo. Também não se mostra adequada a crescente

tentativa da jurisprudência de criar meios autoritários para a inadmissibi-

lidade de recursos previstos no ordenamento, a fi m de diminuir à força a

quantidade de trabalho. Por meio da dimensão objetiva dos direitos fun-

damentais, busca-se fundamentar essa visão como forma de concretização

de um processo compatível com o Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Processo civil e Constituição; Estado Democrático de

Direito; Princípio do Contraditório; Dimensão objetiva dos direitos fun-

damentais; Admissibilidade recursal.

ABSTRACT

The article deals with constitutional law to appeal as a procedural alter-

native to perform debates and participation in the process, making it

legitimate by means of the execution of the adversarial among the parties.

It is intended to demonstrate that the right to appeal should not be taken

as the double degree of jurisdiction principle, or as the broad and un-

bounded revision of the matter discussed in the proceeding. As well as

that, it is not appropriate the growing attempt of jurisprudence to create

authoritative means to promote impermissibility of resources foreseen

in the proceeding, in order to forcefully reduce the amount of work. By

means of objective dimension of fundamental rights, there is a pursuit of

* Doutorando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Avenida Marechal Câmara, 370, Centro, 20020-080, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: Rua José Linhares, 218/201, Leblon, 22430-220, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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substantiating this view as a way to substantiate proceedings compatible with Democratic Rule-of-law State.

Keywords: Civil proceeding and Constitution; Democratic rule-of-law

State; Adversary system. objective dimension of fundamental rights; Re-

source admissibility.

INTRODUÇÃO

Sobre o sistema recursal recaiu o estigma de constituir um entrave para uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Com efeito, ao menos no tocante às reformas legislativas pátrias, incluindo a recente Comissão instituída para a elaboração de uma nova codifi cação processual civil1, os recursos foram erigidos à condição de obstáculos inconvenientes para a duração razoável do processo2, tornando-se o principal objeto de propostas de modifi cações na legislação3, com evidente propósito de reforçar o protagonismo judicial na abreviação do julgamento dos litígios, com especial ênfase na preeminência de decisões monocráticas4 e com mais prestígio para as decisões emanadas pelos Tribunais Superiores nas questões repetitivas5.

1 Em entrevista recente, o presidente da Comissão, Ministro Luiz Fux, assim se pronunciou: “O sis-tema atual oferece inúmeras oportunidades de manifestação das partes. Algumas delas poderiam ser suprimidas para que o processo fosse decidido mais rapidamente. Hoje cabe recurso a cada momento do processo. Por que não deixar isso só para o fi m? Se um processo em primeiro grau recebe dez agravos, eles podem gerar mais dez embargos de declaração, dez recursos especiais e dez recursos extraordinários. Num mesmo processo, podemos chegar a 40 recursos! O sistema recursal brasileiro é muito pródigo. A supressão de alguns recursos é um reclamo histórico, porque isso está se revelando um entrave para os tribunais. Os embargos de declaração, por exemplo, que são ilimi-tados. E o que é pior: cada um deles interrompe o prazo para outro recurso. Por outro lado, temos um recurso ímpar, em que a parte pode recorrer se tiver um único voto isolado a favor dela: o embargo infringente. Essa fi gura poderia cair.” (Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/10/13/luiz-fux-preciso-desformalizar-processo-judicial-768046444.asp>.)

2 Sobre a duração razoável do processo, vale conferir: ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fun-damental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

3 BARBOSA MOREIRA. Reforma do CPC em matéria de recursos. São Paulo: Saraiva, 2004. (Coleção Temas de direito processual, oitava série.) As intensas e variadas modifi cações legislativas por que vêm passando os recursos podem ser acompanhadas, não sem alguma perplexidade, pelo exame dos diversos volumes (até o fi nal de 2009 haviam sido publicados 11 volumes) da coletânea organi-zada por Teresa Alvim Wambier e Nelson Nery Junior, denominada de Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT.

4 Cf. CARVALHO, Fabiano. Poderes do relator nos recursos. São Paulo: Saraiva, 2008. 5 Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça protagonizou interessante e inédita decisão nesse

sentido, suspendendo o andamento de dezenas de ações individuais, cujos trechos principais merecem transcrição: “O enfoque jurisdicional dos processos repetitivos vem decididamente no sentido de fazer agrupar a macro-lide neles contida, a qual em cada um deles identicamente se repete, em poucos processos, sufi cientes para o conhecimento e a decisão de todos os aspectos da lide, de modo a cumprir-se a prestação jurisdicional sem verdadeira inundação dos órgãos judi-ciários pela massa de processos individuais, que, por vezes às centenas de milhares, inviabilizam a atuação judiciária. [...] Mas o mais fi rme e decidido passo recente no sentido de “enxugamen-to” da multidão de processos em poucos autos pelos quais seja julgada a mesma lide em todos

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O abuso do direito de recorrer6 e a necessidade de revisão do sistema recur-sal são inegavelmente pontos críticos que merecem atenção da doutrina e do le-gislador, mas há de se ter cautela para evitar um discurso maniqueísta e simplista, que acabe por sacrifi car o contraditório e a participação das partes no processo em prol de um pretenso resultado mais satisfatório da prestação jurisdicional.

A crença na onisciência e na onipotência do julgador, além de discutível ideológica e metodologicamente, pode levar à exclusão do diálogo no processo, alijando as partes da necessária participação para que seja construída a decisão fi nal7. Isso demonstra que um discurso de efetividade do processo pode signifi car, na verdade, uma ditadura mal disfarçada8, inaugurando uma nova “fase” da ciên-cia processual, em que o processa deixa de ser “coisa das partes” e praticamente passa a ser uma “coisa sem partes”.

O presente texto pretende veicular algumas refl exões sobre essa complexa discussão, com a específi ca fi nalidade de buscar apontar que a subtração absoluta do direito ao recurso é medida arbitrária incompatível com a Constituição da República, o que não se confunde, como será melhor visto em item próprio, com a impossibilidade de o sistema prever tipos de decisões irrecorríveis em determi-nado momento procedimental.

contida veio na recente Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672, de 8.05.2008), que alterou o art. 543-C do Código de Processo Civil, para “quando houver multiplicidade de recursos com funda-mento em idêntica questão de direito” – o que é, sem dúvida, o caso presente. [...] A suspensão do processo individual pode perfeitamente dar-se já ao início, assim que ajuizado, porque, dian-te do julgamento da tese central na Ação Civil Pública, o processo individual poderá ser julgado de plano, por sentença liminar de mérito (CPC, art. 285-A), para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na Ação Civil Pública, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação, pode-rá ocorrer a conversão da ação individual em cumprimento de sentença da ação coletiva. [...] Mas a faculdade de suspensão, nos casos multitudinários, abre-se ao Juízo, em atenção ao inte-resse público de preservação da efetividade da Justiça, que se frustra se estrangulada por proces-sos individuais multitudinários, contendo a mesma e única lide, de modo que válida a determi-nação de suspensão do processo individual, no aguardo do julgamento da macro-lide trazida no processo de ação coletiva. [...] Note-se que não bastaria, no caso, a utilização apenas parcial do sistema da Lei dos Processos Repetitivos, com o bloqueio de subida dos Recursos ao Tribunal Superior, restando a multidão de processos, contudo, a girar, desgastante e inutilmente, por toda a máquina jurisdicional em 1º Grau e perante o Tribunal de Justiça competente, inclusive até a interposição, no caso, do Recurso Especial. Seria, convenha-se, longo e custoso caminho desne-cessário, de cujo inútil trilhar os órgãos judiciários e as próprias partes conscientes concordarão em poupar-se, inclusive, repita-se, em atenção ao interesse público de preservar a viabilidade do próprio sistema judiciário ante as demandas multitudinárias decorrentes de macro-lides” (REsp 1110549/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 28.10.2009).

6 Sobre o abuso do processo, com ampla bibliografi a complementar: ABDO, Helena Najjar. O abu-so do processo. São Paulo: RT, 2007. SILVA, Paula Costa e. A litigância de má-fé. Coimbra: Coim-bra, 2008.

7 Cf. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008.8 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Para uma revolução democrática da justiça, n. 134. São Paulo,

2007. p. 90. (Coleção Questões da nossa época.)

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Não se nega neste texto que o sistema recursal passa por grave crise, próximo

a um estado falimentar9, e que há, sim, necessidade de mudanças legislativas, in-

clusive com a limitação dos recursos. Entretanto, o direito ao recurso possibilita

a realização do “diálogo regrado”10, integrando e realizando o necessário contra-

ditório que possibilite a infl uência no julgamento do mérito do processo. Deve-se,

evitar, pois, uma espécie de maniqueísmo processual que reserve às garantias

constitucionais a qualidade de estorvo procedimental.

Para o desenvolvimento do tema, iniciaremos por uma breve abordagem

histórica sobre a recorribilidade das decisões; a seguir, faremos uma incursão

conceitual sobre o denominado duplo grau de jurisdição, distinguindo-o do di-

reito ao recurso; no item posterior, serão examinados o contraditório e o devido

processo legal, quando aproveitaremos para tratar do estudo do processo civil

sob a perspectiva dos direitos fundamentais, especialmente em sua dimensão

objetiva; na sequência, examinaremos as restrições ao direito de recorrer, mor-

9 Cf. GRECO, Leonardo. A falência do sistema de recursos. Estudos de direito processual. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2005. Pode-se ilustrar o afi rmado com a evo-lução estatística do Supremo Tribunal Federal, cujo quadro atual aponta para aproximadamente cem mil processos protocolados anualmente, com uma média atual de julgamentos na mesma quantidade, sobretudo em razão da adoção da denominada jurisprudência defensiva e das deci-sões monocráticas, mas ainda é assustador acompanhar o exponencial crescimento do trabalho daquele Tribunal (os dados são informados ano a ano, desde 1940 e podem ser obtidos no ícone referente a “estatísticas” na página ofi cial: <www.stf.jus.br>). Em 2008, dos pouco mais de cem mil processos protocolados, aproximadamente 23 mil foram recursos extraordinários e 65 mil recursos de agravo de instrumento; em 2009, até o início do mês de dezembro, foram protocola-dos aproximadamente 80 mil processos, sendo que quase 12 mil recursos extraordinários e pouco mais de 55 mil recursos de agravo de instrumento. Se o critério for a distribuição dos processos, os números são ainda mais impressionantes: em 1990, os recursos extraordinários e os agravos de instrumento já respondiam pela imensa proporção de 81,6% do total de processos distribuídos, atingindo já no ano seguinte a casa dos 90%, mantendo-se desde então na casa dos 95% do total de feitos distribuídos naquela Corte. Já no Superior Tribunal de Justiça, segundo o relatório di-vulgado pela coordenadoria de Gestão da Informação referente ao ano de 2008, dos 354.042 processos julgados, 121.106 foram agravos de instrumento, 106.984 recursos especiais, 51.195 agravos regimentais, 28.600 embargos de declaração, 23.504 habeas corpus, 9.553 confl itos de competência, 2.445 embargos de divergência, 2.332 recursos em mandado de segurança, 2.120 recursos em habeas corpus, 1.326 medidas cautelares, 745 mandados de segurança e 4.132 proces-sos enquadrados na categoria outros. Segundo a “Justiça em Números” do ano de 2008, relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, a “taxa de recorribilidade externa” (recursos para Tribunais Superiores contra acórdãos dos Tribunais Regionais Federais) da Justiça Federal, em 2008, fi cou na média de 30%, contra uma média de 20% da mesma taxa no que se refere ao pri-meiro grau (recursos contra processos julgados no primeiro grau da Justiça Federal); quanto às taxas de recorribilidade interna, os índices são, respectivamente, 29,6%. Na Justiça Estadual, os números são esses, respectivamente: 26,5% (chegando a 50% no Rio de Janeiro) e 12% por cento, quanto à recorribilidade externa, e 22,2%, referentes à recorribilidade interna (disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/justica_em_numeros_2008.pdf>).

10 Expressão utilizada diversas vezes por José Souto Maior Borges em seu interessante opúsculo O contraditório no processo judicial (uma visão dialética). São Paulo: Malheiros, 1996.

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mente no plano da admissibilidade dos recursos; por fi m, faremos uma síntese do que foi exposto.

A RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES

O ato de recorrer de uma decisão que causa prejuízo subjetivo é inerente ao ser humano e conta com referências históricas imemoriais, inclusive com amparo em alegorias descritas desde o Velho Testamento11, podendo-se dizer que integra à cultura jurídica universal a possibilidade, em maior ou menor escala, de revisão das decisões judiciais12.

São variadas as razões que levam à interposição de um recurso, não sendo possível apontar aprioristicamente todas elas, especialmente porque não raro há motivos insondáveis e não exatamente nobres que animar a interposição do ato que prolongará a relação processual. Não se pode ignorar, outrossim, que a pos-sibilidade de recorrer de determinada decisão pode signifi car o único modo de se restaurar a higidez objetiva do ordenamento jurídico e sobretudo, mormente para o que interessa para este trabalho, constituir no espaço para se desenvolver o necessário diálogo que deve inspirar a formação de uma decisão em um processo democrático.

Mesmo diante de intuitivas difi culdades para inventariar as razões que levam à interposição de um recurso, José Carlos Barbosa Moreira manteve sua costu-meira precisão ao apresentar alguns motivos:

Na realidade, a utilização das vias recursais pode explicar-se por uma

série de razões extremamente diversifi cadas – desde a sincera convicção

de que o órgão a quo decidiu de maneira errônea, até o puro capricho ou

espírito emulatório, passando pelo desejo de ganhar tempo, pela irritação

com dizeres da decisão recorrida, pelo intuito de pressionar o adversário

para induzi-lo a acordo, e assim por diante. Não fi ca excluída a hipótese

de que a vontade de recorrer esteja menos no litigante que no advogado,

receoso de ver-se atingido em seu prestígio profi ssional pela derrota, ou

movido por animosidade contra o patrono da parte adversa. É intuitivo,

11 Alcides de Mendonça Lima afi rmava que “a ideia de recurso deve ter nascido com o próprio ho-mem, quando, pela primeira vez, alguém se sentiu vítima de alguma injustiça. [...] As origens, portanto, do recurso se perdem nas épocas mais remotas da humanidade, sem que se possam precisar mesmo as formas mais primitivas, que seriam contemporâneas das fases iniciais do gênero humano. Esta concepção mais se fortalece na consulta da Bíblia, pelos textos que indicam a exis-tência de situações ou de meios que equivalem a verdadeiros recursos, em que pese às metáforas ou ao simbolismo das narrativas.” (Introdução aos recursos cíveis. 2. ed. São Paulo: RT, 1976. p. 1.)

12 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Demasiados recursos? In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 178, em que noticia que apenas na Turquia e em um Cantão suíço não haveria previsão de recurso contra decisões judiciais.

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por outro lado, que fatores também múltiplos e variados infl em na opção

fi nal entre interpor e não interpor o recurso: a estimativa das despesas com

este relacionadas, a previsão do tempo que fl uirá até o julgamento, a qua-

lidade da decisão proferida, a existência ou inexistência de orientação ju-

risprudencial fi rme sobre a questão de direito, e até a situação do mercado

de trabalho na advocacia... Trata-se de problemática do maior interesse,

notadamente pelo ângulo da sociologia do processo, a reclamar estudos

interdisciplinares, como os que já se vão fazendo noutros países13.

Ainda nesse contexto, merece registro o fato de não ser raro encontrar um incentivo contratual na interposição de recursos envolvendo a Fazenda Pública, quando da contratação de advogados privados, nem sempre de forma regular, pautando-se pelo critério econômico da “produtividade”, que é aferida, entre outros componentes, pelo número de atos praticados. Isso signifi ca que, indepen-dentemente do teor da decisão, haverá interposição de recursos porque economi-camente isso é favorável ao advogado contratado, por exemplo, por uma autarquia. A propósito, é notório que a Fazenda Pública, em todos os seus níveis, é a maior litigante do sistema judiciário brasileiro14 e, consequentemente, responsável por um sem número de recursos em todas as modalidades permitidas pelo direito positivo. Como contraponto a essa realidade, registra-se que a Advocacia Geral da União vem prestigiando a conciliação e fi nalmente vem se valendo dos expe-dientes técnicos que uniformizam entendimentos e têm imediato efeito na inter-posição de recursos15.

Costuma-se atribuir a origem histórica de nosso sistema recursal ao Direito Romano, mais especifi camente com a previsão da appellatio, embora seja relevante

13 BARBOSA MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 238. v. V.

14 O Superior Tribunal de Justiça divulgou em 2004 um estudo consolidado acerca dos litigantes habituais e constatou que a União fi gurava em primeiro lugar.

15 Lei Complementar n. 73/93: “Art. 4º São atribuições do Advogado-Geral da União: VI – desistir, transigir, acordar e fi rmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente; X – fi xar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal; XI – unifi car a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as contro-vérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal; XII – editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais; XIII – exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos das entidades a que alude o Capítulo IX do Título II desta Lei Complementar; Art. 28. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado: II – contrariar súmu-la, parecer normativo ou orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União.” Lembre-se ainda a Lei 9469/97: “art. 4º Não havendo Súmula da Advocacia-Geral da União (arts. 4º, inciso XII, e 43, da Lei Complementar nº 73, de 1993), o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações ou a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores.”

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a menção à hierarquia judiciária existente no período republicano, cuja infl uência se espraiou pela Idade Média16. Durante o período romano, a recorribilidade das decisões era ampla, abrangendo as interlocutórias. Na codifi cação de Justiniano, na tentativa de recuperar a credibilidade do Império, proibiram-se as apelações contra decisões interlocutórias, as apelações sucessivas foram reduzidas a três instâncias e determinou-se que, após dois anos de tramitação, seria extinto o recurso que não tivesse chegado ao fi m17. Além dessa origem remota, é notória a infl uência do di-reito lusitano em nosso sistema recursal18. Dentro da evolução dos recursos, a re-corribilidade das decisões interlocutórias assume interessante desenvolvimento19.

De acordo com a pesquisa realizada por Humberto Theodoro Junior20, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias deriva-se do princípio da oralidade e, em sua origem histórica, remonta a um conjunto de critérios estabelecidos para se contrapor à ampla recorribilidade existente na Idade Média.

Hodiernamente, segundo o mesmo autor, em Portugal, a regra é a recorri-bilidade das decisões interlocutórias por meio do recurso de agravo retido (“de subida diferida”), tendência também observada na França e em outros países21.

Theodoro Junior conclui seu estudo no sentido de que a ampla recorribili-dade das decisões interlocutórias no direito processual brasileiro contraria a origem histórica do agravo e seu uso no direito comparado, propondo mais rigor na utilização da modalidade por instrumento, propondo decisões irrecorríveis e afi rmando ser preferível retornar à “era do mandado de segurança” contra ato jurisdicional a conviver com o excesso de agravos que congestionam os tribunais, mesmo com as constantes reformas legislativas22.

16 Cf. GRECO, op. cit., p. 287.17 Ibid., p. 288/289. Essas providências adotadas há 15 séculos são bastante familiares nos atuais

debates de reformas legislativas, sobretudo em tempos em que a denominada “Meta 2” tornou-se o fetiche do Judiciário.

18 Sobre a evolução histórica do sistema recursal, cujo escorço não encontra espaço neste texto, vale conferir, além do mencionado estudo de Mendonça Lima, os trabalhos reunidos em MAIA FI-LHO, Napoleão Nunes. O direito de recorrer: introdução ao estudo do sistema recursal. Fortaleza: UFC/Casa de José Alencar, 2002. Sobre o direito lusitano, recentemente foi publicado interessan-te panorama: CRUZ e TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil lusitano. São Paulo: RT, 2009.

19 Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os Agravos no CPC Brasileiro. 4. ed. São Paulo: RT, 2006. 20 O problema da recorribilidade das interlocutórias no processo civil brasileiro, disponível em: <www.

abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20J%C3%BAnior%20-%20formatado.pdf>.21 Cf. POITTEVIN, Ana Laura González. Recorribilidade das decisões interlocutórias: uma compara-

ção do Direito Brasileiro com outros ordenamentos. Curitiba: Juruá, 2008.22 “A amplitude que se deu, em nosso direito processual, ao cabimento indiscriminado do agravo

contrato das decisões interlocutórias contraria a história do recurso e a experiência do direito comparado. A recorribilidade das interlocutórias por meio de instrumento deveria continuar li-mitada ao casos expressamente previstos em lei, como os de prisão civil, levantamento de dinhei-ro e alienação de bens litigiosos e aqueles em que se comprovasse inequivocamente o perigo de

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Indubitavelmente, o problema acerca da recorribilidade das interlocutórias é o mais sensível problema a ser resolvido em nosso atual sistema recursal, sobre-tudo em razão não só da ampla possibilidade de interpor recursos, mas também pela peculiar cultura da impetração de mandado de segurança contra decisões jurisdicionais23.

dano iminente grave e de difícil reparação, cuja prevenção não possa aguardar o julgamento fi nal da causa. Pela Lei nº 10.352/2001, deu-se oportunidade ao relator de evitar o processamento do agravo de instrumento, dando-se preferência à forma de agravo retido se a impugnação não reve-lar urgência para solucionamento. Penso, porém, que ao invés de instituir uma faculdade para o julgador, se deva estatuir, de forma mais categórica, que a regra é o agravo retido e que o agravo de instrumento é medida restrita às hipóteses da lei. Para evitar abusos, duas medidas poderiam ser adotadas: a) a decisão do relator de converter o agravo de instrumento em agravo retido deve-ria ser irrecorrível; b) se por outras vias, como o mandado de segurança, o agravante tentasse burlar a forma do agravo retido e não obtivesse sucesso estaria ipso facto sujeito a penalidade de litigante temerário. A longa experiência brasileira, durante a vigência do CPC de 1973 e suas re-modelações, tem demonstrado que a luta por impedir o emprego do mandado de segurança para-lelamente ao agravo de instrumento tem sido contraproducente, pois acabou por congestionar a instância recursal com mais numerosos incidentes do que os representados pela antiga praxe. A cada medida que se toma para reduzir o trâmite do agravo de instrumento, um novo agravo inter-no é instituído. Dessa maneira, além do estímulo ao uso indiscriminado do agravo de instrumen-to diretamente formulado perante o tribunal múltiplos agravos internos foram franqueados à parte, que assim se julga com o direito de sempre ter a seu dispor um pronunciamento do colegia-do de segunda instância sobre o cabimento, ou não, do agravo de instrumento, assim como sobre seu objeto (a impugnação da interlocutória). Talvez o maior rigor na seleção dos casos de admis-são do agravo de instrumento e o exercício, não da faculdade, mas do poder de convertê-lo neces-sariamente em agravo retido, sem possibilidade de novo recurso, seja mais interessante do ponto de vista prático do que a sistemática preocupação de evitar as possibilidades de uso do mandado de segurança. Se o volume de agravos de instrumento descabidos, aliados aos agravos internos que o insucesso dos primeiros acarreta é muito maior que o dos antigos mandados de segurança – que sempre foram excepcionais porque sujeitos a requisitos mais sérios que os dos agravos internos –, já seria tempo de pensar em voltar ao risco de conviver com o mandado de segurança durante a tramitação mais bem policiada dos agravos” Cf. POITTEVIN, Ana Laura González. Recorribilidade das decisões interlocutórias: uma comparação do direito brasileiro com outros ordenamentos.

23 Sobre a discussão, remetemo-nos uma vez mais ao trabalho de Teresa Arruda Alvim Wambier. Recentemente foram proferidas duas importantes decisões que demonstram a perene atualidade da discussão: “Recurso extraordinário. Processo civil. Repercussão geral reconhecida. Mandado de segurança. Cabimento. Decisão liminar nos juizados especiais. Lei n. 9.099/95. Art. 5º, LV da Constituição do Brasil. Princípio constitucional da ampla defesa. Ausência de violação. 1. Não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n. 9.099/95. 2. A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processa-mento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irre-corribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. 3. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de segurança. 4. Não há afronta ao princípio constitucional da ampla de-fesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da inter-posição de recurso inominado. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (RE 576847, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 2005/2009, Repercussão Geral – Mérito – DJe-148 DIVULG 06-08-2009 – PUBLIC 07-08-2009). “Recurso ordinário em mandado de segurança – Writ contra decisão judicial – Persistência da autoridade impetrada em, mediante sucessivas decisões monocráticas, negar o julgamento colegiado de agravo regimental – Impetração

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Esse tema merece, por si só, aprofundado exame, com imprescindíveis sub-sídios estatísticos, cabendo-nos somente mencioná-lo, sem nenhuma pretensão de diagnóstico ou prognóstico (salvo talvez quanto à unânime previsão de um caos processual em futuro breve, com os Tribunais tornando-se uma corte de agravos, em que cada vez mais os julgamentos são monocráticos e quase se apro-ximam de uma atividade autômota).

Basta ilustrarmos a situação com a constatação de que vivemos um fracasso do agravo:

em 1939 o Código previa o agravo de instrumento em algumas oportu-

nidades apenas; o Código de 1973 ampliou o cabimento do agravo de

instrumento em face de todas as decisões interlocutórias – mas sem efei-

to suspensivo –, o que provocou uma enxurrada de mandados de segu-

rança; visando a coibir os mandados de segurança, a Reforma concedeu

a oportunidade de o relator de recurso conceder efeito suspensivo ao

agravo, o que aumentou sensivelmente a quantidade desse recurso; nesse

cenário, a Reforma da Reforma ampliou as hipóteses de agravo retido e

os poderes do relator e, mesmo assim, os efeitos benéfi cos não vieram;

por último, a nova lei de agravo fez da forma retida a regra e – mesmo

sem muitas esperanças – aguarda-se um resultado positivo. Diante deste

cenário, só se pode dizer que as alterações promovidas no regramento do

recurso de agravo durante todos esses anos conduziram a um fracasso24.

Visando a constituir um sistema coerente, Teresa Alvim Wambier apresenta estas sugestões:

entendemos que um sistema efetivo de controle das decisões interlocu-

tórias deve observar especialmente os seguintes fatores: a) a recorribili-

dade das interlocutórias não pode ser incentivada, sob pena de se trans-

ferir precocemente a solução da lide para o tribunal, esvaziando-se a

atuação jurisdicional do juízo de primeiro grau; b) por outro lado, não

pode ser vedado o acesso à instância superior quando houver erro evi-

dente na decisão recorrida, capaz de causar grave dano à parte; c) as de-

cisões interlocutórias podem ser elaboradas de forma sucinta, mas devem

do mandamus – Admissibilidade – Recurso ordinário em mandado de segurança provido para afastar o seu indeferimento liminar. 1. As peculiaridades do caso afasta o óbice da Súmula n. 267/STF (“não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”), ante a “irrecorribilidade prática” da decisão da autoridade impetrada, que, em sucessivas decisões mo-nocráticas, impede o julgamento colegiado do agravo regimental, em contraste com o disposto no art. 557, § 1º, do CPC. 2. Recurso ordinário em mandado de segurança provido para afastar o indeferimento liminar do writ” (RMS 26867/RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, julgado em 15.10.2009, DJe 23.11.2009).

24 MARCATO, Ana Cândida Menezes. O princípio do duplo grau de jurisdição e a reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2006. p. 153.

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ser rigorosamente fundamentadas; d) deve a norma jurídica defi nir pro-nunciamentos judiciais irrecorríveis, que podem ser revistos pelo juiz

quando do proferimento da sentença25.

Evidentemente que são critérios relevantíssimos, mas, com a exceção do da alínea d, os demais não contribuirão para a melhoria do quadro, já que não se trata exatamente de incentivo legislativo (já que a jurisprudência cada vez mais se vale de critérios de admissibilidade “defensivos”, para evitar o julgamento do mérito de recursos), a existência de dano mantém aberta a porta para a ampla admissibilidade e a fundamentação da decisão interlocutória é questão à margem dessa discussão. Tudo isso apenas demonstra a difi culdade inerente ao tema.

DIREITO AO RECURSO E O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Em um conceito que, com vistas ao nosso direito positivo, já pode ser deno-minado de clássico, recurso é “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”26.

Para os fi ns deste texto, importa estabelecer as seguintes premissas: 1) o di-reito ao recurso não se confunde com o duplo grau de jurisdição; 2) pode haver decisões irrecorríveis; 3) mas a irrecorribilidade não pode signifi car prejuízo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, servindo o recurso exatamente como espaço para o exercício daquelas garantias constitucionais.

Para início de raciocínio, parece-nos correta a constatação de Calmon de Passos no sentido de que

afi rmar o direito ao recurso como garantia constitucional não signifi ca direito de recorrer de toda decisão e em qualquer fase do procedimento que antecede sua formulação. O que é garantido constitucionalmente é o que poderíamos denominar de núcleo resistente, o mínimo indispen-sável para emprestar segurança à garantia da coerência entre o direito posto e o direito aplicado, podendo o legislador infraconstitucional ampliá-lo, não, porém, restringi-lo ou eliminá-lo27.

25 MARCATO, Ana Cândida Menezes. O princípio do duplo grau de jurisdição e a reforma do código de processo civil, p. 99.

26 BARBOSA MOREIRA. Comentários ao código de processo civil, p. 233. Para quem “se no plano da lógi-ca pura talvez se tornasse difícil demonstrar more geometrico a superioridade do sistema do duplo grau, é certo que na prática, até por motivos de ordem psicológica, se têm considerados positivos os resulta-dos de sua adoção, como revela a consagração generalizada do princípio nos ordenamentos dos povos cultos, principalmente depois que a Revolução Francesa, apesar de forte resistência, o encampou”.

27 Cf. As razões da crise de nosso sistema recursal. In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. p. 376.

Do mesmo autor, relembre-se o clássico artigo sobre tema correlato: O devido processo legal e o duplo grau de jurisdição. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 25, jul. 1982.

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Realmente, a recorribilidade das decisões não é nenhum fetiche e nem deve ser erigida à condição de ídolo, assim como não pode ser vista como obstáculo incômodo para a prestação jurisdicional, como se o processo fosse uma prova de velocidade, confundindo-se economia com avareza processual.

Em antológico texto, Barbosa Moreira apresentou quatro mitos sobre o “futuro da justiça” e o primeiro deles foi exatamente “a rapidez acima de tudo (ou: quanto mais depressa, melhor)”, que se desdobraria em outros quatro sub-mitos28: 1) crença de que a demora da prestação jurisdicional é fenômeno parti-cular do processo brasileiro; 2) ideia de que todos os jurisdicionados clamam, em qualquer circunstância, pela solução rápida do litígio; 3) pensamento de que os defeitos da legislação são responsáveis pela excessiva demora da prestação juris-dicional; 4) hiperdimensionamento da malignidade da lentidão e sobrepô-la, sem ressalvas nem matizes, a todos os demais problemas da justiça.

Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue

que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O

que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser

melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem:

não, contudo, a qualquer preço.

Como será visto mais detidamente, o direito ao recurso possibilita a imple-mentação ou o aperfeiçoamento do contraditório e, nessa medida, integra um modelo constitucional do processo.

Quanto ao denominado princípio do duplo grau de jurisdição ou duplo reexame, os argumentos favoráveis ou contrários à sua adoção são bem conheci-dos e se situam entre o clássico confl ito entre a celeridade na obtenção do provi-mento jurisdicional e a exatidão e a legitimidade da decisão29. Desde o intenso

28 O futuro da justiça: alguns mitos, p. 1-5.29 No processo penal, costuma-se afi rmar que o princípio do duplo grau de jurisdição é obrigatório,

sobretudo em razão do previsto no Pacto de São José da Costa Rica: PENTEADO, Jaques de Ca-margo. O duplo grau de jurisdição no processo penal: garantismo e efetividade. São Paulo: RT, 2006. LIMA, Carolina Alves de Souza. O princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Barueri: Manole, 2004. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, não deu cores absolutas ao princípio: “Agravo regimental. Processual penal. Alegação de ofensa ao artigo 5°, §§ 1° e 3°, da Constituição Federal. Duplo grau de jurisdição e Convenção Americana de Direitos Humanos. Emenda Cons-titucional 45/04. Garantia que não é absoluta e deve se compatibilizar com as exceções previstas no próprio texto constitucional. Precedente. Ausência de violação ao princípio da igualdade. Agravo regimental improvido. 1. Agravo que pretende exame do recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão con-denatória proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência criminal originária. 2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos tratados e convenções internacionais sobre direi-tos humanos, desde que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Fede-ral, hierarquia constitucional. 3. Contudo, não obstante o fato de que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado

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debate travado na década de 1970 na doutrina italiana, provocado sobretudo pelo relatório elaborado por Mauro Cappelletti, repetem-se aos argumentos pendentes para um dos lados30.

Em apertada síntese, podem ser apontadas como razões favoráveis para a adoção do duplo grau de jurisdição a maior experiência dos julgadores revisores, a diminuição do erro, a conveniência psicológica de haver um controle da decisão, a ampliação do exame da causa, e a uniformização de jurisprudência; em contra-partida, os óbices normalmente apontados são a ofensa ao princípio da oralidade e à duração razoável do processo, a desvalorização do juiz de primeiro grau e sua inutilidade em razão do alto percentual de manutenção das decisões31.

O fundamento primário do duplo grau é a possibilidade de controle32. Des-necessário perquirir, nesta quadra do estudo processual, sobre a superioridade

no direito doméstico brasileiro, isto não signifi ca que esse princípio revista-se de natureza abso-luta. 4. A própria Constituição Federal estabelece exceções ao princípio do duplo grau de jurisdi-ção. Não procede, assim, a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na Constitui-ção uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a conferir efi cácia ao duplo grau de jurisdição. 5. Alegação de violação ao princípio da igualdade que se repele porque o agravante, na condição de magistrado, possui foro por prerrogativa de função e, por conseguinte, não pode ser equiparado aos demais cidadãos. O agravante foi julgado por 14 Desembargadores Federais que integram a Corte Especial do Tribunal Regional Federal e fez uso de rito processual que oferece possibilidade de defesa preliminar ao recebimento da denúncia, o que não ocorre, de regra, no rito comum ordinário a que são submetidas as demais pessoas. 6. Agravo regimental improvido” (AI 601832 AgR, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 17.03.2009, DJe-064 PUBLIC 03.04.2009). Sobre o tema: DELLORE, Luiz. Devido processo legal e duplo grau de ju-risdição na jurisprudência do STF: princípio ou garantia processual? In: AMARAL JÚNIOR, Al-berto do; JUBILUT, Liliana Lyra (Org.). O STF e o direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 261-288.

30 Cf. Síntese da discussão: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de di-reito processual civil. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 20-26. v. 3. Para exame da discussão na Itália e indicação de outras referências bibliográfi cas: NUNES, Dierle José Coelho. Direito consti-tucional ao recurso: da teoria geral dos recursos, das reformas processuais e da comparticipação nas decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 113-121.

31 GATTO, Joaquim Henrique. O duplo grau de jurisdição e a efetividade do processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 31-50. Sobre o tema, confi ram-se também: MARCATO, Ana Cândida Menezes. O princípio do duplo grau de jurisdição e a reforma do código de processo civil, p. 41-51. TESHEINER, José Maria Rosa. Em tempo de reformas: o reexame de decisões judiciais. In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira, p. 384-401. LASPRO, Orestes Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: RT, 1995, passim, especialmente a partir da p. 99, mas com importante escorço histórico e conceitual nas páginas antecedentes.

32 CALMON DE PASSOS: “A lei, por mais ameaçador e restritivo que seja o seu enunciado, é um juízo, ainda quando prescrito, um enunciado, algo desprovido de gerar, por isso, consequências materiais, concretas, que alcancem efetivamente os indivíduos e a sociedade. O agente adminis-trativo, por mais violento, arbitrário e brutal que seja, permite antever-se a proteção do juiz, o império da decisão justa, que pune o excesso, reconduz as coisas a seus devidos limites e resgata o indivíduo da servidão à autoridade. Mas a sentença, o ato de poder do magistrado, quando arbitrária, cai sobre nós como um cataclismo, irremediável e sem apelo, salvo o brado de socorro

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qualitativa da decisão posterior, mesmo que emanada de órgão colegiado e com-posta por juízes mais experientes. A experiência pode signifi car apenas a consa-gração de vícios atávicos, nada mais do que isso33.

Há outros argumentos que podem ser apontados favorável ou contrariamen-te à adoção do referido princípio e em relação a todos eles haverá campo para contraposições, o que apenas demonstra que estamos no campo da política legis-lativa e não há lugar para posições absolutas34.

Entretanto, mesmo diante dessa pletora argumentativa que se descortina, é conveniente observarmos mais detidamente alguns discursos recorrentes.

Primeiramente, não deixa de ser curiosa a utilização do princípio da oralida-de para afastar o duplo grau de jurisdição35. É indiscutível que o princípio da oralidade possui fundamental relevância e ainda desperta viva controvérsia36, mas também não se pode negar que seus corolários são ignorados rotineiramente no processo civil brasileiro. Parece-nos que a oralidade só é lembrada como argumen-to contra o duplo grau de jurisdição, restando esquecida nos demais campos processuais. Nem é necessário lembrar os casos em que a matéria é meramente de direito e há julgamento antecipado do mérito, bastando ter em mente que nossa sistemática e a prática judiciária são divorciadas do princípio da oralidade. É uma

dirigido, pela vítima aos próprios juízes. Decisão judicial liberada de controle é, por isso mesmo, terremoto, catástrofe, dilúvio, o juízo fi nal do direito” (O mandado de segurança contra atos jurisdicionais. Mandado de segurança. Aroldo Plínio Gonçalves (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 92).

33 Sobre o ponto, conciso e preciso, NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 37-40.

34 Ao comentar o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, Barbosa Moreira afi rmou exatamen-te isto: “Ampliou-se o efeito devolutivo da apelação e, do mesmo passo, tornou-se inevitável a revisão das ideias correntes acerca do princípio do duplo grau de jurisdição – que, repita-se, não está defi nido em texto algum, nem tem signifi cação universal fi xada a priori: seu alcance será aquele que resulta do exame do ius positum, e portanto discutir se o infringe ou não disposição legal como a que ora se comenta é inverter os termos da questão” (BARBOSA MOREIRA. Co-mentários ao Código de Processo Civil, p. 432).

35 Duplo grau e antagonismo com a oralidade: GUEDES, Jefferson Carús. O princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 2003. p. 87-90. Chiovenda falava na irrecorribilidade das interlocutórias como regra da qual não se deve abrir mão senão para algumas exceções litis ingressum impedientes (Procedimento oral. Tradução de Osvaldo Magon. Processo oral. Rio de Janeiro: Forense, 1940. p. 61). A questão hoje se situa mais propriamente na “recorribilidade em separado” das interlocutórias e na ausência de suspensivida-de do recurso, não sendo concebível a absoluta vedação à revisão da decisão ante as inúmeras si-tuações em que se permite, por exemplo, a concessão de tutelas de urgência (cf., inclusive contex-tualizando historicamente, NUNES, Dierle José Coelho. Direito constitucional ao recurso: da teoria geral dos recursos, das reformas processuais e da comparticipação nas decisões, p. 95-98).

36 Confi ram-se os dois volumes reunindo os trabalhos apresentados em encontro da Associação Inter-nacional de Direito Processual, realizado em Valencia, Espanha: Oralidad y escritura en un proceso civil efi ciente. Federico Carpi e Manuel Ortellis (Ed.). Valencia: Universitat de València, 2008.

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falácia afi rmar que vivemos em um sistema de oralidade, quando não há uma séria fase de conciliação e quando os julgadores cada vez mais prestigiam audiências sintéticas e manifestações escritas. Até mesmo o mobiliário das salas de audiência37, com anacrônicos tablados, por exemplo, vai contra o espírito da oralidade. Repita-se que a objeção argumentativa é relevante, mas não se pode deixar de mencionar que, ao menos no discurso ordinário do processo brasileiro, o princípio da oralidade somente assume lugar nobre para servir de argumento contrário ao duplo grau de jurisdição. Acrescente, ainda, que

não se pode dizer que a oralidade é perdida, pois num sistema em que a

motivação é obrigatória e o duplo grau existe, o juiz deve trazer na sen-

tença aqueles elementos que a oralidade lhe proporcionou, não só para

o duplo grau, mas para a própria interpretação da sentença. Qualquer

elemento de caráter puramente psicológico que tenha sido relevante o

sufi ciente para que o mesmo consolidasse tal fato na sentença não tem

qualquer valor sob o ponto de vista jurídico38.

Há quem afi rme que, “cultuando-se” a ideia de duplo grau de jurisdição, ou duplo juízo sobre o mérito, a sentença do juiz de primeiro grau seria insufi ciente39. Esse tema está atrelado diretamente ao problema do efeito suspensivo da apelação, que ainda é a regra geral de nosso sistema40. Para essa linha argumentativa, “dar ao juiz poder para decidir sozinho determinadas demandas é imprescindível para a qualidade e efetividade da prestação jurisdicional”41. Deve-se lembrar, porém, que não se discute o ganho qualitativo que se pode ter com a decisão de segundo grau, mas, sim, o aprofundamento do contraditório que dele decorre42.

Marinoni e Arenhart mencionam também que a Constituição da República não garante de forma absoluta o duplo grau de jurisdição, mas apenas prevê que o recurso não pode ser suprimido quando inerente à ampla defesa, o que não

37 Sobre esse tema, mas em outra perspectiva: GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ri-tual judiciário. Instituto Piaget, 2000. BARBOSA MOREIRA. Notas sobre alguns fatores extrajurí-dicos no julgamento colegiado. São Paulo: Saraiva, 1997. (Coleção Temas de direito processual, sexta série.)

38 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O duplo grau de jurisdição de sua perspectiva constitucional. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Org.) Processo e constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 220.

39 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 487.

40 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Apelação sem efeito suspensivo. São Paulo: Saraiva, 2010.41 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Processo de conhecimento, p. 489.42 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O duplo grau de jurisdição de sua perspectiva constitucional.

Processo e constituição, p. 195. Registre-se que a valorização da sentença de primeiro grau é uma tendência mundial. Cf. BARBOSA MOREIRA. Breve notícia sobre a reforma do processo civil ale-mão. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 203-204. (Temas de direito processual, oitava série), mas isso não invalida a necessidade de revisão das sentenças judiciais.

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ocorre, por exemplo, nas causas de menor complexidade. Ilustram a argumenta-ção com o fato de que, no sistema da common Law, não há exame de matéria fática por meio de recursos, exatamente para prestigiar a oralidade, “justifi cando até mesmo uma certa hostilidade diante de um imaginável ‘segundo juízo’ por parte de alguém que evidentemente não pode estar em condições mais adequadas para dar solução ao caso”, concluindo que a prestação jurisdicional efetiva e tem-pestiva sobrepõe-se ao duplo juízo sobre o mérito43. Essa afi rmação foi extraída do que dois autores italianos escreveram sobre o direito processual inglês na dé-cada de 1970. Entretanto, segundo se colhe em autorizado estudo sobre a moder-na sistemática processual inglesa, que desde 1998 possui legislação codifi cada sobre a matéria, o exame dos fatos por via recursal é corriqueiro. Com efeito, segundo noticia Neil Andrews,

quanto ao tratamento dado pelos tribunais aos recursos em matéria de fato, há três aspectos principais: (1) o recebimento de ‘provas novas’ por parte da Court of Appeal; (2) a consideração por parte do tribunal acerca de observações ou constatações sobre fatos feitas em primeira instância; (3) a falta de disposição da Court of Appeal para receber de-poimentos orais, acrescentando que, sobre esse último ponto, caso haja necessidade de prova oral, tal diligência será devolvida para o primeiro grau44.

Acerca da relação entre o instituto do recurso e o duplo grau de jurisdição, remarque-se que não há uma relação vinculativa entre ambos, ligando-se aquele à ideia de concretização de um diálogo que se mostrou incompleto. Como bem observado por Dierle Nunes,

o instituto do recurso não pode ser analisado de modo unitário com o princípio do duplo grau de jurisdição, que garante um duplo exame de todas as questões debatidas em juízo, mas sim deve ser visto como uma decorrência do princípio do contraditório e o da ampla defesa, possibili-tando uma intervenção das partes e um diálogo destas com o juízo todas as vezes que a decisão recorrida não tenha levado em consideração o seu contributo crítico. Como percebeu Ricci, a avaliação do princípio do duplo grau e a do instituto do recurso não podem ser apresentadas como

43 BARBOSA MOREIRA. Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão. Temas de direito processual, p. 494-495.

44 O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de confl itos na Inglaterra. Orientação e revisão da tradução de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2010. p. 193-197. A codifi cação inglesa, aliás, é a demonstração que os sistemas legislativos vêm se aproximan-do (TARUFFO, Michele. Observações sobre os modelos processuais de civil law e de common law. Tradução de José Carlos Barbosa Moreira. RePro, São Paulo: RT, ano 28, v. 110, p. 141-158, abr./jun. 2003.) O que não signifi ca que o reforço da importância da sentença de primeiro grau não seja uma tendência verifi cada em outros países.

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dois aspectos do mesmo problema. Nota-se, então, que o duplo grau (no

sentido de duplo exame) passa a ser uma decorrência, não necessária, do

instituto do recurso.

Por isso,

o instituto do recurso apresenta-se como criador de um espaço procedi-

mental de exercício do contraditório e da ampla defesa, permitindo ao

juízo ad quem a análise de questões já debatidas pelas partes, mas levadas,

ou não, em consideração pelo órgão julgador de primeira instância em

sua decisão, ou de questões suscitadas pelo juízo de primeira instância de

ofício ou sem a participação de todas as partes em seu provimento, im-

plementando, assim, um espaço de debate. [...] Após todas essas ponde-

rações, percebe-se que o duplo grau não é realmente um princípio

constitucional, pois não há necessidade de um duplo exame de todas as

questões suscitadas e debatidas. Ao contrário, o instituto do recurso

apresenta-se como corolário das garantias do contraditório e da ampla

defesa, permitindo sua implementação sucessiva ao proferimento das

decisões judiciais45.

Esse esclarecimento é necessário, porque estabelece que o direito ao recurso vincula-se, na realidade, à concretização do contraditório e, consequentemente, à legitimação do processo. Como aponta o próprio Dierle Nunes,

em um Estado Democrático de Direito, este instituto [do recurso]

garante uma hipótese técnica de implementação sucessiva do contra-

ditório e da ampla defesa, possibilitando uma redução da falibilidade

do processo, que, por não ser implementado de modo perfeito e nem

sempre garantir uma intervenção preventiva das partes na formação

do provimento, permite uma postura solipsista do julgador, desaten-

dendo, assim, ao modelo constitucional de processo assegurado, em

sua leitura dinâmica. Com o instituto, busca-se a legitimidade do

processo46.

Para fi nalizar este item, devemos mencionar os “vícios” existentes em nos-so sistema recursal que causam, na linguagem de Leonardo Greco, um “défi cit garantístico” do processo47, para fi ns de refl exão, ainda que não se concorde integralmente com o diagnóstico (e com o prognóstico) a seguir apresentado.

45 NUNES, Dierle José Coelho. Direito constitucional ao recurso, p. 167-168.46 NUNES, Dierle José Coelho. Direito constitucional ao recurso, p. xxii-xxviii. Esclarecimento entre

colchetes não consta no original.47 GRECO, Leonardo. A falência do sistema de recursos. Estudos de direito processual, p. 301-316.

Os vícios que apontamos nas linhas subsequentes resultam de uma paráfrase desse trabalho de Leonardo Greco.

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Segundo o citado Professor, são estes os vícios: 1) desrespeito ao princípio do duplo grau de jurisdição; 2) criação de obstáculos ilegítimos à admissibilidade recursal, como o preparo, o depósito recursal existente na Justiça do Trabalho e a multa prevista no artigo 557, § 2º, do Código de Processo Civil, excesso de formalismo; 3) inexistência de oralidade, especialmente com a limitação da sustentação oral; 4) supressão da colegialidade (e instituição da “falsa” colegia-lidade, por meio de julgamentos “relâmpagos” ou “em pilhas”; 5) restrições ao contraditório participativo, sobretudo com a prática de julgamento de recursos sem prévia inclusão em pauta; 6) violação do princípio do juiz natural (exemplo: artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil); 7) violação ao princípio da iso-nomia; 8) falta de comunicação real da interposição e julgamento de recursos; 9) violação da imparcialidade, com a participação no julgamento de alguns recursos de julgador que já havia se pronunciado sobre a mesma matéria; 10) subordinação do direito de ser ouvido à jurisprudência; e 11) défi cit no acesso à jurisdição constitucional. E o próprio Leonardo Greco descreve algumas so-luções possíveis, para ao menos amenizar uma crise que decorre do excesso de meios de impugnação, da má qualidade e falta de credibilidade das decisões e a facilidade e a vantagem de recorrer, mesmo sem ter razão: 1) soluções paliativas: a) ampliação numérica de julgadores, b) ampliação da competência dos juizados especiais, c) elevação (acompanhada de efetiva aplicação) do valor das multas por litigância de má-fé ou pela interposição de recursos procrastinatórios; 2) soluções que agravariam o défi cit garantístico, mas certamente diminuiriam o número de recursos: d) elevação do valor do preparo, e) depósito do valor da condenação antes da interposição do recurso, f) redução do efeito devolutivo das apelações a questões de direito, g) imposição de limitações à admissibilida-de em função do valor, da relevância, do procedimento etc., h) adoção das sú-mulas vinculantes; 3) medidas que ampliam o aspecto garantístico, mas não contribuem para a redução quantitativa: i) eliminação do prazo em dobro para a fazenda pública, j) eliminação das intimações pessoais da Advocacia Geral da União, k) ampliação do princípio da causa madura, além de questões exclusi-vamente de direito; 4) providências efi cazes no combate ao automatismo recur-sal e aos recursos procrastinatórios: l) supressão do efeito suspensivo automá-tico dos recursos ordinários, m) execução provisória exaustiva, independente-mente de caução, n) nova sucumbência em grau de recurso, o) juros progressi-vos, p) eliminação do duplo grau de jurisdição obrigatório, q) eliminação de alguns recursos, r) concentração das questões constitucionais e infra-constitu-cionais em um único recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, deste cabendo recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, s) eliminação da exigência de trânsito em julgado para execuções contra a Fazenda Pública, e t) estímulo à utilização voluntária de meios alternativos de solução de confl itos ou imposição de alguns deles, como a conciliação prévia.

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A ANÁLISE DO TEMA SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O estudo de temas processuais sob uma perspectiva constitucional, embora não seja propriamente uma novidade48, ainda não é realizado com a frequência necessária, o que faz alguns institutos terem sua efi cácia reduzida na efetiva tutela de direitos, por não serem compreendidos sob o ângulo da realização dos direitos fundamentais.

48 Alguns exemplos dessa abordagem, apenas a título de ilustração: TROCKER, Nicolò. Processo civile e Costituzione. Milano: Giuffrè, 1974. VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionali del proceso civile. Milano: Giuffrè, 1973. ANDOLINA, Ítalo; VIGNERA, Giuseppe. I Fondamenti costituizionali della gistizia civile:il modello costituzionale del processo civile italiano. 2. ed. Torino: Giappichelli, 1997. COMOGLIO, Luigi Paolo. La garanzia costituzionale dell’azione el il processo civile. Padova: Cedam, 1970, e, entre outros, Etica e tecnica del giusto processo. Giappichelli, 2004. MORELLO, Augusto M. Constitución y proceso. Buenos Aires: Platense, 1998. PORTO, Sergio Gilberto (Org.). As garantias do cidadão no processo civil: relações entre Constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2003. TUCCI, José Rogério (Coord.). Garantias constitucio nais do processo civil. São Paulo: RT, 1999. GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição. 8. ed. São Paulo: RT, 2004. TUCCI, José Rogério Lauria. Constitui ção de 1988 e processo. São Paulo: Saraiva, 1989. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed. São Paulo: RCS, 2005. ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. MITIDIERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. MIRANDA, Jorge. Constitui-ção e processo civil. Revista de Processo, n. 98. RT, abr./jun. 2000. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro (Org.). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. OLIVEIRA, Carlos Alber-to Alvaro. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais, disponível em: <www.mun-dojuridico.adv.br> e Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâ-mica. Revista de Processo, n. 155, RT, jan. 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004 e Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, além de vários artigos disponíveis em seu sítio pessoal: <www.professormarinoni.com.br>. NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Catoni de; MACHADO, Felipe Daniel Amorin. (Coord.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitu-cionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2008 (em 2009, foi lançado o segun-do volume dessa coletânea, com enfoque primordial no processo penal, cujo título é Constituição e processo: a resposta do constitucionalismo à banalização do terror). Registre-se, ainda, que mo-derna obra sistemática sobre o processo civil é inaugurada exatamente com estudo sobre a rela-ção entre o processo e os direitos fundamentais: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2006. v. 1. Ressalte-se, ainda, a constante preocupação de Barbo-sa Moreira com as repercussões das normas constitucionais no estudo do processo, cujo reconhe-cimento se traduziu em oportuna homenagem coordenada por Luiz Fux, Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier, que recebeu signifi cativo título: Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. Lembre-se de que Eduardo Couture, ainda na primeira metade do século anterior, dedicou ao estudo da relação entre a Constituição e o processo o primeiro volume de seus Estudios de derecho procesal civil (Buenos Aires: Depalma, 2003). No Brasil, mencionem-se ainda os nomes de José Frederico Mar-ques e Ada Pellegrini Grinover. Também Cappelletti, Calamandrei e Fix-zamudio possuem im-portância histórica no estudo entre a Constituição e o processo (cf. MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Aportaciones de Héctor Fix-Zamudio al derecho procesal constitucional. Revista de Pro-cesso, n. 111, RT, jul./set. 2003.

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Se uma abordagem constitucional dos institutos processuais já se justifi caria pela proeminência da Constituição, seja na análise da compatibilidade normativa, seja em virtude da veiculação de diversas normas referentes ao direito processual, o direito fundamental de acesso à justiça irradia seus efeitos por todo o processo, na medida em que o entendemos como o instrumento apto à realização de direi-tos fundamentais49.

Já se viu nos itens anteriores que situamos a discussão acerca do direito ao recurso exatamente nessa perspectiva de realização de direitos fundamentais.

Para a exata compreensão do papel assumido pelo instituto do recurso, deve-se ter em mente que o processo em um Estado Democrático de Direito há de ser comprometido com o devido processo legal e com o contraditório.

O conceito formulado por Gomes Canotilho acerca das “palavras viajantes”50, ou seja, aquelas que recebem novos signifi cados a partir de mudanças de paradig-mas na história do constitucionalismo, assume particular signifi cado no contexto processual. Com efeito, não se pode dizer que a caracterização de um Estado de Direito tenha uma estrutura ontológica atemporal, já que depende da evolução histórica de uma civilização determinada geográfi ca e temporalmente, a partir de experiências concretas e consolidadas no tempo. Isso também se verifi ca com o devido processo legal e com o contraditório, evidentemente, cujas noções ganha-ram novas roupagens nos dias de hoje.

Como bem apontado por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,

o princípio do contraditório não foge à regra geral e também tem sua

história, não se mostrando indiferente às circunstâncias e valores da

época em que exercido. Daí, a menção a uma simples audiência bilateral

(Grundsatz des beiderseitigen Gehörs), garantia considerada atendida

quando assegurada à outra parte a devida oportunidade de ser ouvida.

[Recupera-se, assim, o valor essencial do diálogo judicial na formação

Nesse estudo, além do exame dos trabalhos de Fix-Zamudio, há interessantes notícias sobre os trabalhos de Couture e Calamandrei. Registre-se que em 2009 foi editada uma coleção em 12 volumes em homenagem a Fix-Zamudio intitulada La ciencia del derecho procesal constiucional, com artigos de autores de vários países, pela editora Marcial Pons. A Editora Malheiros publicou os trabalhos dos juristas brasileiros que integraram a monumental obra coletiva: Estudos de di-reito processual constitucional: homenagem brasileira a Héctor Fix-Zamudio, 2009).

49 “Nos dias atuais, cresce em signifi cado a importância dessa concepção, se atentarmos para a ín-tima conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na aplicação e proteção dos direi-tos e garantias assegurados na Constituição. Aqui não se trata mais, bem entendido, de apenas conformar o processo às normas constitucionais, mas de empregá-las no próprio exercício da função jurisdicional, com refl exo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão ju-dicial e na maneira como o processo é por ele conduzido” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais, disponível em: <www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=216>, acesso em: 01.08.2006).

50 Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 12.

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do juízo, fruto da colaboração e cooperação das partes com o órgão

judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo.

Está longe de terminar a dissonância entre o fortalecimento do contra-

ditório pela cooperação e o seu enfraquecimento determinado pela

urgência51.

Realmente, o princípio do contraditório partiu de uma completa desvalori-zação na primeira metade do século passado para uma plena revalorização poste-rior52, deixando de ser mera garantia formal de uma bilateralidade de audiência para se constituir em uma possibilidade de infl uência e uma vedação à surpresa, especialmente diante do aumento dos poderes do juiz. Sobre esse ponto, Antonio do Passo Cabral anotou que

é verdade que o crescimento do poder do juiz no processo moderno é

uma tendência que não deve ser compreendida necessariamente como

autoritária, mas desde que compensada pela participação das partes, que

não pode ser desprezada. Mas o aumento dos poderes do juiz torna-se

realmente perigoso se não se lhe retiram as oportunidades de deles abusar.

Impende, portanto, haver um contrapeso dos poderes do julgador com

o reforço de prerrogativas das partes, permitindo um controle das potes-

tades estatais pelos demais sujeitos do processo53.

Nessa mesma linha, constata-se a necessidade de o controle da decisão judi-cial passar pela efetiva participação das partes:

Hoje, em virtude de características da época em que vivemos, pode

realmente acontecer (e efetivamente ocorre) que o juiz nem mesmo se

refi ra a muitas das questões levantadas pelas partes, argumentos, teses

jurídicas, e decida solitariamente, segundo seus critérios pessoais. Talvez

este fato tenha feito com que se passasse a sentir de forma mais aguda

a necessidade de explicitar que o contraditório tem esta dimensão, que

deve ser necessariamente considerada: a atividade argumentativa das

partes deve necessariamente refl etir-se na fundamentação das decisões

judiciais54.

51 A garantia do contraditório (disponível em: <www.mundojuridico.adv.br>).52 PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório. In:

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Org.). Jurisdição e processo. Tradução de Luís Alberto Rei-chelt. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 140-143.

53 Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confi ança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 99.

54 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A influência do contraditório na convicção do juiz: funda-mentação de sentença e de acórdão. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 168, fev. 2009. p. 57.

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Estamos diante, portanto, de uma visão dinâmica e multifacetada do contra-

ditório55, com evidente e necessária repercussão na análise do direito ao recurso56.

Também o princípio do devido processo legal recebe novo enfoque57, inte-

grando ao seu conteúdo o direito ao recurso58.

Ainda acerca da essencial postura metodológica de tratar dos temas pro-

cessuais a partir do modelo constitucional, é relevante mencionar a dimensão

objetiva dos direitos fundamentais como desdobramento de uma leitura cons-

titucional do processo59. Nessa linha, deve ser uma premissa inafastável a ideia

de que os direitos fundamentais não se limitam à função subjetiva de proteção

contra atos do estado, constituindo-se, também, decisões valorativas de natu-

reza jurídico-objetiva da Constituição, com efi cácia em todo o ordenamento

jurídico, especialmente como um conjunto de valores objetivos básicos e fi ns

diretivos da ação positiva dos poderes públicos. Nessa perspectiva, os direitos

fundamentais transformam-se em princípios superiores do ordenamento jurí-

dico-constitucional, na condição de componentes estruturais básicos da ordem

jurídica. Aqui é necessário transcrever literalmente Ingo Sarlet:

55 Cf. MANZIN, Maurizio; Puppo, Federico (Org.). Audiatur et Altera Pars: Il contraddittorio fra principio e regola. Milano: Giuffrè, 2008. Confi ra-se também o trabalho de THEODORO JÚ-NIOR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditó-rio no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de infl uência, de não surpresa e de aprovei-tamento da atividade processual. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 168, fev. 2009 (também publicado nesta obra).

56 OLIANI, José Alexandre Manzano. O contraditório nos recursos e no pedido de reconsideração. São Paulo: RT, 2006.

57 ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”? Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 163, set. 2008. p. 50-59. FREIRE, Ricardo Mauricio. Devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salva-dor: JusPodivm, 2008. O Supremo Tribunal Federal até mesmo já utilizou uma nova leitura para afastar o fi ltro da “ofensa refl exa” referente ao devido processo legal: “RECURSO EXTRAORDI-NÁRIO – PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – NORMAS LEGAIS – CABIMENTO. A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido pro-cesso legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta da República sufi ciente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo apreciar a matéria, distinguindo os recursos protelató-rios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto do Diploma Maior, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendi-mento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da legalidade e o do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais” (RE 428991, Relator: Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 26.08.2008, DJe-206, PUBLIC 31.10.2008).

58 MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo legal e proteção de direitos. Porto Alegre, 2009. p. 237-244.

59 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 175, set. 2009. p. 9-33. Basicamente usaremos esse texto como base para as considerações derradeiras deste item.

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tendo em vista que os deveres de proteção do Estado podem e devem,

por vezes, concretizar-se por meio de normas dispondo sobre o proce-

dimento administrativo ou judicial, bem como pela criação de órgãos

incumbidos da tutela e promoção de direitos, constata-se, desde já, a

conexão que pode existir entre estas duas facetas da perspectiva jurídico-

-objetiva dos direitos fundamentais, no caso, entre os deveres de proteção

e a dimensão organizatória e procedimental. Para além desta constatação

que já deveria de há muito estar consolidada também no âmbito da

cultura jurídica nacional, foi feita oportuna referência na doutrina para

a necessidade de um procedimento ordenado e justo para a efetivação

ou garantia efi caz dos direitos fundamentais. Por fi m, agregada à pers-

pectiva subjetiva e à teoria dos direitos a prestações, esta concepção levou

ao reconhecimento de direitos subjetivos fundamentais à proteção me-

diante a organização e o procedimento [...], incluindo a ideia de partici-

pação [...]. Importa destacar, nesta quadra, a íntima ligação entre as

noções de organização e procedimento e os direitos fundamentais, no

sentido de uma infl uência recíproca entre as três categorias, visto que, se

os direitos fundamentais são, sempre e de certa forma, dependentes da

organização e do procedimento, sobre estes também exercem uma in-

fl uência que, dentre outros aspectos, se manifesta na medida em que os

direitos fundamentais podem ser considerados como parâmetro para a

formação das estruturas organizatórias e dos procedimentos, servindo,

para além disso, como diretrizes para a aplicação e interpretação das

normas procedimentais60.

Verifi ca-se, dessa forma, que, para além do aspecto subjetivo dos direitos fundamentais, a dimensão objetiva também se revela essencial para a compreen-são do contorno constitucional do direito ao recurso.

RESTRIÇÕES À ADMISSIBILIDADE RECURSAL

A necessária existência de um plano de admissibilidade não signifi ca que o acesso à justiça possa ser obstado pela imposição de requisitos arbitrários, sob pena de se vedar indevidamente o acesso à justiça e o devido processo legal.

A existência dessa espécie de fi ltro não é livre nem soberana, havendo outras circunstâncias que devem ser ponderadas, sobretudo a missão primordial do processo, que é a tutela de direitos.

Nesse sentido, vale transcrever a seguinte decisão do Tribunal Constitucional da Espanha, que bem demonstra que requisitos de admissibilidade são legítimos desde que não embaracem desarrazoadamente o acesso à tutela jurisdicional:

60 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações, p. 20-21.

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Es consolidada doctrina de este Tribunal que el derecho constitucional a la tutela judicial efectiva (art. 24.1, CE) no conlleva el reconocimiento de un derecho a que los órganos judiciales se pronuncien sobre el fondo de la cuestión planteada ante ellos, resultando aquél satisfecho con una de-cisión de inadmisión siempre y cuando la misma sea consecuencia de la aplicación razonada de una causa legal. Ahora bien, si cuando esa decisión de inadmisión se produce en relación con los recursos legalmente esta-blecidos el juicio de constitucionalidad ha de ceñirse a los cánones del error patente, la arbitrariedad o la manifi esta irrazonabilidad, cuando del acceso a la jurisdicción se trata, como aquí ocurre, el principio hermenéu-tico pro actione opera con especial intensidad, de manera que si bien el mismo no obliga ‘la forzosa selección de la interpretación más favorable a la admisión de entre todas las posibles’, si proscribe aquellas decisiones de inadmisión que ‘por su rigorismo, por su formalismo excesivo o por cualquier otra razón revelen una clara desproporción entre los fi nes que

aquellas causas preservan y los intereses que sacrifi can61.

Realmente, o fato de haver um plano de admissibilidade não pode servir de artifício para que o mérito seja ignorado e para que os direitos constitucionais processuais sejam violados. A estrutura processual é concebida para possibilitar a garantia de direitos e não para ela própria se tornar uma ameaça a direitos.

Entretanto, há situações em que o processo, como se fosse um objeto incô-modo, é extinto precipitadamente, sem um adequado exame da situação concre-ta. Esse comportamento pode decorrer de vários fatores, como o despreparo técnico, a desatenção, a concentração na produção estatística da vara judicial – cuja preocupação com a produtividade cinge-se à quantidade de sentenças sem se preocupar com a qualidade da prestação jurisdicional –, a busca de artifício para o não enfrentamento do mérito e o comodismo62, frustrando a fi nalidade do processo e negando o acesso à tutela jurisdicional.

Sobre a preocupação com a produtividade estatística do Judiciário, uma advertência se faz necessária nesse particular: os dados estatísticos são fundamen-tais para o estudo de qualquer ciência e toda iniciativa desse jaez deve ser celebra-da e incentivada, especialmente porque o campo jurídico não é muito amigo de dados objetivos (a propósito dessa carência de dados objetivos em estudos jurídi-cos, merece ser destacado o recente trabalho de Moniz de Aragão – que, com Barbosa Moreira, sempre alerta para a necessidade de um estudo com base em

61 Apud PÉREZ, Jesús González. El derecho a la tutela jurisdiccional. 3. ed. Madri: Civitas, 2001. p. 74-75.62 Bem notou esse aspecto Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “muitas vezes, para facilitar o seu

trabalho, o órgão judicial adota uma rigidez excessiva, não condizente com o estágio atual do nosso desenvolvimento, ou então a parte insiste em levar às últimas consequências as exigências formais do processo” O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Disponí-vel em: <http://www.alvarodeoliveira.com.br/home/artigos.php?id=1>.

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dados objetivos (Estatística judiciária. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 110, abr./jun. 2003). Entretanto, há uma faceta presente no estabelecimento de con-trole estatístico que nos preocupa seriamente e toca de perto o objeto deste tra-balho, que é uma espécie de pressão perversa que pode ser impingida aos magis-trados, aproximando-se a salutar iniciativa de uma espécie de ditadura numérica. A partir do momento em que se exige uma certa prolação de sentenças por mês de um juiz, por exemplo, apenas com os olhos voltados para um programa de “quantidade total”, sem preocupações qualitativas, efeitos danosos podem ser produzidos, como o descaso com a instrução do processo pela pressa de produzir sentenças e, inclusive, evitando-se a “difícil” tarefa de se julgar o mérito, buscan-do artifícios formais para tornar inadmissível a tutela jurisdicional.

Nesse contexto, a recente iniciativa do Conselho Nacional de Justiça de efe-tivar a denominada “Meta 2”63 mostra-se ao mesmo tempo louvável e preocupan-te, na medida em que parece haver consagrado que os fi ns justifi cam os meios, desde que se reduzam os volumes de processos. Para verifi car a produtividade dos tribunais, criou-se, no endereço eletrônico daquele Colegiado, um medidor de-nominado de “processômetro”, em que se computam os dados referentes ao cumprimento da meta. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por meio do Aviso nº 69, de novembro de 2009, divulgou diversos enunciados visando a aten-der à Meta 2, entre os quais merece menção o que tornou inadmissível a interpo-sição de agravo regimental contra as decisões baseadas no artigo 527, II e III, CPC (enunciado nº 5), o que torna presumida a falta de interesse processual superve-niente, no caso de arquivamento provisório dos autos paralisados há mais de três anos, autorizando o juiz, de ofício, a extinguir o processo sem resolução do mé-rito. Referido enunciado possui o propósito de coonestar ato do presidente do tribunal que disciplinou a extinção virtual e em bloco dos processos nessa situação, sem intimação das partes64, o que ilustra a preocupação antes anunciada.

63 “Identifi car os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31.12.2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais superiores)”.

64 “ATO NORMATIVO N. 18/2009: Regula o procedimento de desarquivamento no sistema e julga-mento de casos idênticos em bloco dos processos arquivados provisoriamente de modo a possi-bilitar o cumprimento da Meta 2 do CNJ. CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 6º parágrafo único da Resolução n. 70 do Conselho Nacional de Justiça, de 18 de março de 2009, que prevê o julgamento de todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005; CONSIDERANDO que compete à Administração do Tribunal de Justiça prover meios para o alcance das metas defi -nidas pelo Conselho Nacional de Justiça; CONSIDERANDO que grande parte dos processos que se encontram no arquivo provisório, por falta de interesse das partes devem ser extintos; CONSI-DERANDO a possibilidade de julgamento em bloco desses casos idênticos, trazendo economia de tempo, permitindo que os funcionários dos cartórios e os magistrados se ocupem de outros processos, revertendo-se em benefício dos jurisdicionados; CONSIDERANDO a aprovação de enunciado pelos Desembargadores das Câmaras Cíveis, reconhecendo a perda de interesse pro-cessual superveniente nos processos paralisados no arquivo provisório; RESOLVE: Art. 1º Os processos distribuídos até 31/12/2005 que se encontram no arquivamento provisório sem

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O juízo de admissibilidade, repita-se, não é um ardil para se inviabilizar a tutela jurisdicional, mas, sim, um instrumento técnico que interrompe um pro-cesso inviável por si só.

julgamento, poderão ser desarquivados virtualmente (no sistema de movimentação processual – DCP) e o magistrado proferir sentença de julgamento de casos idênticos, em bloco, extinguindo o processo por falta de interesse, na forma do artigo 267, inciso VI, do CPC, independentemente de prévia intimação da parte. § 1º Considerada a excepcionalidade da medida disposta no caput, não haverá movimentação física dos feitos judiciais, salvo nas hipóteses previstas no inciso IV do art. 2º e no art. 3º deste Ato, devendo o registro das informações ser realizado diretamente no sistema de movimentação processual (Sistema DCP). § 2º Sempre que possível o registro das in-formações será automatizado, com movimentação processual em lotes. § 3º Havendo erro de lançamento da sentença no sistema informatizado, gerando com isso duplicidade de sentença lançada no mesmo feito, poderá o magistrado anular o ato de ofício ou a requerimento de qual-quer interessado, retifi cando o lançamento no sistema. Art. 2º Para fi ns de cumprimento do pre-sente Ato, deverão ser observados os seguintes procedimentos: I – Cada serventia judicial deverá emitir, no prazo de cinco dias, Relatório Estatístico de Processos Distribuídos até 31.12.2005 e não julgados e que se encontrem arquivados provisoriamente, disponíveis no sistema de movi-mentação processual (Sistema DCP), constando a data do arquivamento dos feitos; II – Autuar o relatório, instaurar Procedimento Administrativo Interno e abrir conclusão ao Magistrado que se encontrar em exercício junto ao Juízo; III – O Magistrado, de posse do relatório, poderá determi-nar: a) o desarquivamento do processo no sistema de movimentação processual, dispensado o desarquivamento físico dos autos; b) determinar a abertura de conclusão, sempre que possível em lote, também no sistema, para a prolação de sentença de extinção nos termos do art. 267, VI, do CPC, devendo o magistrado na sentença mencionar a relação na qual está inserido o processo objeto de julgamento. Após o que a serventia judicial providenciará, imediatamente, o lançamen-to da sentença no sistema DCP; c) proferida a sentença serão intimados os advogados das partes cadastrados no sistema através do Diário da Justiça Eletrônico. IV – Voltarão ao seu trâmite regu-lar, os processos em que a parte interessada provocou o andamento por meio de requerimento formal de desarquivamento, antes da sentença extintiva. V – Cumprido integralmente o disposto na alínea “c” do inciso III e decorrido o prazo recursal, o cartório certifi cará o trânsito em julgado da sentença, com a respectiva baixa no Sistema DCP; VI – Concluído o procedimento, o Escrivão/Responsável pelo Expediente deverá efetuar a alteração na situação de arquivamento dos proces-sos, a qual passará de provisório para a de defi nitivo. Os autos permanecerão no Departamento de Gestão de Acervos Arquivístivos (DGCON/DEGEA), devendo ser descartados após o cumpri-mento do prazo de guarda defi nido na Tabela de Temporalidade de Documentos (TTD). Art. 3º Interposta apelação, poderá o juiz aplicar, por analogia, a regra do artigo 296, caput do CPC, refor-mando sua decisão, nos casos em que o recorrente manifestar interesse, por ocasião da interposi-ção do recurso. Neste caso deverão os autos ser desarquivados fi sicamente, juntando-se cópia da sentença do julgamento em bloco e a respectiva decisão de reforma. Parágrafo único. Para cumpri-mento do disposto no caput, a serventia deverá efetuar o arquivamento provisório virtual proces-so no sistema DCP, para em seguida solicitar o desarquivamento físico do processo ao DGCON/DEGEA através do mesmo sistema, conforme procedimentos já estabelecidos. Antes de iniciar o processamento dos autos desarquivados, a serventia juntará a sentença extintiva e demais peças processuais eventualmente existentes. Art. 4º A sistemática prevista no artigo 2º deste Ato, de jul-gamento de casos idênticos, em bloco, poderá ser adotada igualmente para declaração da prescri-ção intercorrente em processos paralisados por inação da parte autora, observados os prazos legais. §1º. Para fi ns de cumprimento do caput, deverá ser obedecido procedimento previsto no art. 2º deste Ato, com a respectiva instauração de procedimento administrativo interno, instruído com a relação dos processos não julgados, constando a data do arquivamento dos feitos, devendo o magistrado na sentença mencionar a relação na qual está inserido o processo objeto de julgamen-to. § 2º Sempre que possível o registro das informações será automatizado, com movimentação processual em lotes. § 3º Havendo erro de lançamento da sentença no sistema informatizado,

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O preocupante fenômeno que desvia a fi nalidade do processo, erigindo o plano de admissibilidade à condição de obstáculo quase intransponível, vem se tornando mais comum e mais sensível naqueles casos que se denominam de cau-sas complexas65.

Com propriedade, anota Celso Fernandes Campilongo que vem aumentan-do o fenômeno segundo o qual o judiciário vem deixando de enfrentar a matéria de mérito em questões complexas, invariavelmente envolvendo direitos funda-mentais, julgando-se quase tudo com “pretexto de natureza processual”, ensejan-do um “perverso fenômeno de utilização do Direito para o descumprimento do Direito por meio de pretextos jurídicos”66.

Não se propugna um irresponsável acesso à tutela jurisdicional; busca-se, simplesmente, que sua admissibilidade não seja uma barreira intransponível e idolatrada, tornando o julgamento do mérito um episódio acidental, como se a inadmissibilidade fosse um evento natural. Enfi m, deve ser proscrito o fetichismo da forma.

Evidentemente, se o requisito de admissibilidade ausente for intransponível, a tutela jurisdicional não poderá ser prestada. Não se pretende banir o plano da ad-missibilidade, mas apenas demonstrar que a extinção do processo prematuramente

gerando com isso duplicidade de sentença lançada no mesmo feito, poderá o magistrado anular o ato de ofício ou a requerimento de qualquer interessado, retifi cando o lançamento no sistema. Art. 5º. Em relação aos processos que se encontram sem sentença, disponíveis na serventia judi-cial, deverá ser elaborado relatório circunstanciado sobre o estado em que se encontram, com pronta remessa à conclusão, visando ao exame do juízo e, se possível, o imediato julgamento. Art. 6º. Os casos omissos no presente Ato Normativo serão dirimidos por esta Presidência, revogan-do-se as disposições em contrário. Publique-se. Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2009. Desembar-gador Luiz Zveiter (Presidente)”.

65 Cf. MORELLO, Augusto M. Difi cultades de la prueba en procesos complejos. Buenos Aires: Rubin-zal-Culzoni, 2004. Na teoria da argumentação, fala-se ainda em “casos trágicos”, em que “não se pode encontrar uma solução que não sacrifi que algum elemento essencial de um valor considera-do fundamental do ponto de vista jurídico e/ou moral. A adoção de uma decisão em tais hipóteses não signifi ca enfrentar uma simples alternativa, mas sim um dilema” (ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Perelman, Toulmin, MacCormik, Alexy e outros. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000. p. 335).

66 Direitos fundamentais e poder judiciário. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 109. Como corretamente anota Bidart Campos, “actualmente, el problema de la legitimación no puede recluirse en el derecho procesal como cuestión a resolver exclusivamen-te por sus normas. El cordón umbilical que anuda lo procesal con lo constitucional no tolera cortarse porque, de ocurrir tal cosa, se puede frustrar el sistema de derechos y el sistema garan-tista. Basta una pregunta para esclarecer la afi rmación: ¿de qué vale y de qué sirve que un sistema de derechos resulte todo lo completo que es posible, y que lo auxilie la cobertura de un sistema garantista idóneo, si el justiciable que postula el acceso a un proceso ve rechazada o denegada su legitimación? [...] Cada día más nos convencemos de que toda la doctrina y la praxis de la tutela judicial efectiva se desvanecen en su esfuerzo cuando procesalmente se estrangula la legitima-ción” (El acceso a la justicia, el proceso y la legitimación. La legitimación – homenaje al Profesor Doctor Lino Enrique Palacio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996. p. 17-18).

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não pode ser automática ou natural. Pretende-se, dessa forma, que o plano de ad-missibilidade seja considerado de forma razoável e contextualizado de acordo com a garantia do acesso à tutela jurisdicional.

O processo não é autossufi ciente e não possui vocação para solista. A tutela jurisdicional é a sua fi nalidade e a sua gênese. Por essa razão, o juízo de admissi-bilidade não é estático nem mecânico, merecendo criteriosa e razoável apreciação para que não se torne um artifício para a frustração da função do processo.

A fi nalidade do processo é a resolução da crise de direito material e não a procura de fugas técnicas para evitar o enfrentamento do mérito ou impossibilitar a demonstração dos fatos relevantes para o julgamento.

A admissibilidade da tutela jurisdicional serve para evitar o ato processual inviável e não para inviabilizar a tutela do direito material.

Exatamente o plano da admissibilidade vem sendo utilizado como forma de afrontar o direito constitucional ao recurso, com a criação de obstáculos artifi ciais com o único propósito de impedir a utilização daquele instituto pelas partes.

Ao abordar esse tema das restrições ilegítimas ao direito de recorrer, Barbo-sa Moreira bem observou que, além de serem confundidos os planos da existência e da efi cácia dos atos processuais, criam-se ônus desarrazoados, como a questão da legibilidade do protocolo: “não é o recorrente que carimba o protocolo, e não parece justo fazer recair sobre ele a consequência de defeito do serviço judiciário, que lhe escapa ao controle. Só é concebível a existência de ônus em relação ao ato que à própria parte incumba praticar 67!”

Essas criações inusitadas da jurisprudência, por imperícia ou mesmo por dolo, são apontadas pela doutrina frequentemente, mormente porque, se a pro-dução bibliográfi ca sobre o processo civil vem aumentando exponencialmente, sem dúvida o instituto do recurso é o tema que mais merece a atenção dos estu-diosos, sobretudo no aspecto dogmático.

Nossa intenção, portanto, cinge-se a reforçar esse aspecto e também a men-cionar algumas particularidades que não têm chamado tanto a atenção da dou-trina, por exemplo, a limitação da atividade recursal do Ministério Público.

Em decisão monocrática, a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha reconhe-ceu a capacidade postulatória do Ministério Público em ações cíveis, como não poderia deixar de ser, mas decidiu que a Instituição não pode ajuizar ação de in-teresse institucional sem a participação de advogado:

[...] Trata-se de Ação Cautelar, com pedido de medida liminar, ajuizada

neste Supremo Tribunal pelo Ministério Público do Estado de Minas

67 Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos. In: Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 275-278.

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Gerais, em 10 de novembro de 2006, com fundamento nos arts. 21, IV e

V, e 304 do RISTF, ‘com o intuito de obter efeito suspensivo ao Recurso

Extraordinário n. 1.0000.05.422943-0/000 aviado contra o acórdão pro-

ferido pela Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.’

O caso 2. A instituição autora, ‘Ministério Público do Estado de Minas

Gerais’, narra que a Requerida, Associação Brasileira de Criadores de Zebu

de Uberaba, impetrou mandado de segurança contra ato do 5º Promotor

de Justiça da Comarca de Uberaba – MG, para o qual o juiz da 2ª Vara

Cível da Comarca de Uberaba se declarou incompetente, remetendo os

autos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A Terceira Câmara Cível

do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais afi rmou a competência

do juízo de primeira instância, devolvendo os autos para o prosseguimen-

to do feito. Não obstante aquela decisão, o Ministério Público mineiro interpôs recurso extraordinário contra o acórdão prolatado, o qual foi admitido. Devolvido a este Supremo Tribunal em seu efeito legal próprio – o devolutivo – avia a presente Ação o Ministério Público estadual requerendo seja emprestado também efeito suspensivo. [...] Trata-se

da irregularidade da representação processual para a propositura. Tem-se,

na inicial apresentada, assinatura não de advogados constituídos, na

forma constitucional e legalmente determinada para o processamento das

ações, mas dos eminentes Procuradores de Justiça, Dra. Elaine Martins

Parise (Procuradora-Geral Adjunta Jurídica) e Dr. Renato Franco de

Almeida (Promotor de Justiça e Assessor Especial do Ministério Público

Estadual). Nem é matéria sujeita a controvérsia que a representação processual é exclusiva de advogados no Brasil, ressalvadas as hipóteses em que se tenha ação penal ou civil conferida, no sistema jurídico, à legitimidade ativa do Ministério Público (arts. 129, incs. I, III, IV e V

combinado com 133, todos da Constituição da República). De se obser-

var, por igual, a proibição constitucional da advocacia por membro do

Ministério Público (art. 128, § 5º, inc. II, alínea b, da Constituição do

Brasil, além de ser imperativo dar cumprimento à legislação processual

civil (arts. 7º a 13, do Código de Processo Civil). Não é possível admitir-se que os Procuradores de Justiça, membros da nobre carreira do Minis-tério Público, e terminante e taxativamente proibidos de advogar, exerçam, como pretendido no presente caso, desempenhar função que lhes é, expressa, literal e exemplarmente, vedada por norma constitu-cional. Procurador de Justiça ou Promotor Advogado não é, e por isso

mesmo não pode exercer a representação judicial. O que se tem, no caso presente, é uma ação judicial – ação cautelar – na qual se buscam prer-rogativas alegadas ou pretendidas pelo Ministério Público. Não se tem, em qualquer norma jurídica vigente no País, autorização legal para que se afaste da vedação constitucional da advocacia o membro do Minis-tério Público. Não compete a ele distinguir-se de qualquer cidadão ou

entidade de direito público ou particular, que, ao buscar os seus direitos,

tem de se valer de advogado para fazer-se representar perante o Juiz

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competente. É o que se estampa nos arts. 1º e 3º da Lei n. 8.906/93, de-

nominado ‘Estatuto da Advocacia’[...]. E tudo quanto posto na Consti-

tuição da República, ao atribuir a exclusividade da advocacia aos profi s-

sionais específi cos – excluídos os membros do Ministério Público – é para

se poder fazer a exigência a esses profi ssionais da qualifi cação que lhe é

necessária e de que se ressente uma postulação quando apresentada por

quem não tenha a necessária qualifi cação técnica, em que pese possa ser

o não advogado dotado das melhores condições intelectuais jurídicas para

outros desempenhos, como, tem-se por certo, ocorre no caso presente.

Ademais, qualquer problema ou difi culdade que se apresente pelo advo-

gado submete o profi ssional às exigências éticas perante a instituição

específi ca, que é a Ordem dos Advogados do Brasil. Igual não poderia ser

o deslinde se se permitisse o desempenho daquela atividade específi ca e

constitucionalmente afi rmada a outrem que não, exclusivamente, ao

advogado. Inegável, portanto, a irregularidade processual havida na es-

pécie, que estaria a merecer a aplicação do art. 13 do Código de Processo

Civil, se os outros óbices não estivessem a impedir o prosseguimento da

presente ação. Ausência dos requisitos referentes à plausibilidade do di-

reito 8. Não se pode atestar, na espécie, a alegada fumaça do bom direito,

porque carentes os autos dos elementos necessários para a sua compro-

vação, conforme acima exposto [...]68.

Parece-nos que essa decisão não foi adequada, ao menos por dois motivos: 1) se o Ministério Público ajuizou recurso extraordinário no caso, sua capacidade postulatória foi reconhecida exatamente por se tratar de questão institucional – reconhecimento da competência originária para o julgamento de mandado de segurança contra ato de seu membro –, o que faz uma ação conexa necessaria-mente ser admitida (conexão por sucessividade), não sendo razoável reconhecer a capacidade postulatória para a interposição do recurso e negá-la para o ajuiza-mento de ação cautelar que visava a conferir efeito suspensivo a esse mesmo re-curso; 2) tratando-se questão vinculada às suas prerrogativas, possui o Ministério Público interesse institucional que lhe outorga capacidade postulatória, o que será examinado no próximo item.

Deve ser remarcado que o entendimento esposado pela referida Ministra é equivocado e pode signifi car lamentável limitação à atuação do Ministério Públi-co. Se existe capacidade postulatória para a interposição do recurso, forçosamen-te também existirá para quaisquer medidas que lhe sejam conexas.

O reconhecimento da necessidade de intermediação de um advogado nessa situação subverte o raciocínio processual e homenageia uma reserva de mercado

68 AC 1450/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 22.11.2006, p. 00048 – destacamos. A decisão não foi objeto de recurso e transitou em julgado em 11.12.2006.

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incompatível com uma ordem constitucional dedicada ao amplo acesso à justiça, como se vê em trecho doutrinário de autoria da própria Ministra:

Também não se pode descurar sobre a questão relativa ao imperativo da

presença de advogado que o sistema jurídico nacional tem adotado. De

verdade, não é sempre que a presença é imprescindível, sequer necessária.

Em algumas ocasiões somente constitui embaraços, às vezes dispêndios a

mais, ao exercício do direito à jurisdição. Se não se admite – e é certo que

não – que aquele que necessita e deseja um advogado para atuar em sua

defesa deixe de tê-lo e o tenha às expensas do Estado, quando impossibi-

litado se encontra de contratar o de sua preferência e escolha, é exato

ainda que nem sempre se deveria impor a presença do patrono, quando

puder e quiser dispensá-lo o titular do direito discutido. Isto impede, em

uma ou outra ocasião, o exercício direto pelo titular do direito, em casos

em que a presença do representante judicial seria prefeita e tranquilamen-

te dispensável, sem qualquer ônus para o Estado-juiz, para as partes ou

para a sociedade. Esta presença, que muitas vezes – diria mesmo na maio-

ria delas – é um direito inarredável do cidadão, pode constituir, quando

levada a extremos opostos, um óbice para o acesso aos órgãos prestadores

da jurisdição, que é dever do Estado providenciar e prover69.

Outro ponto que merece atenção é a impossibilidade de o Ministério Públi-co Estadual promover sustentação oral perante Tribunais Superiores, quando em julgamento recurso interposto por um de seus membros. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça anulou julgamento em que tal fato aconteceu, enten-dendo, inclusive, que o prejuízo à parte contrária era presumido70, como se vê na ementa seguir transcrita:

69 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Org.). O direito constitucional à jurisdição. As garantias do ci-dadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 37, apud SILVA, Fernando Antonio de Souza e. O direito de litigar sem advogado. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 3, nota 5.

70 O que é ainda mais curioso quando se tem em mente que é pacífi ca a jurisprudência no sentido de que a falta de intervenção do Ministério Público só gera nulidade se for demonstrado o prejuí-zo: “Processual civil. Habilitação de crédito em falência. Órgão do Ministério Público atuando como fi scal da lei, que, apesar de intimado, não apresenta manifestação. Ausência de prejuízo. Nulidade da sentença não verifi cada. 1. A atenção do Ministério Público, no caso dos autos, diri-ge-se de modo direto aos interesses sociais ou individuais indisponíveis (Constituição Federal, art. 127), como um todo, sendo, por isso, considerado fi scal da lei. Dessa forma, instado a se manifestar acerca do caso concreto, não lhe cabe acolher a manifestação de uma delas, sem se-quer verifi car se seus fundamentos são plausíveis ou existentes, limitando-se a aguardar nova vista dos autos. Oportunidade para manifestação desperdiçada. 2. Em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, não se deve declarar a nulidade do ato processual se este não causa prejuízo a alguém, ou seja, pas de nullité sans grief. Nesse contexto, deve o processo ser inter pre-tado como instrumento de realização da justiça, tendente à pacifi cação dos confl itos sociais, ca-bendo, no caso, perquirir acerca do sentido teleológico do que dispõe o art. 82 do CPC, no tocan-te à atuação do Ministério Público enquanto custos legis. Recurso não conhecido” (REsp 165.989/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 25.11.2008, DJe 15.12.2008). “Processual

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Embargos de divergência. Ministério público estadual. Atuação perante

o superior tribunal de justiça. Sustentação oral. Vedação. Nulidade. 1.

Consoante disposto na Lei Complementar 73, de 1993, somente o Minis-

tério Público Federal, por meio dos Subprocuradores-Gerais da Repúbli-

ca, tem legitimidade para atuar nas causas de competência do Superior

Tribunal de Justiça, nesta atuação compreendida, inclusive, a sustentação

oral. 2. Uma vez permitida a participação de membro do Ministério

Público Estadual em julgamento de recurso especial, sustentando oral-

mente, o julgamento deve ser anulado para que outro se faça sem aquela

participação, sendo o prejuízo presumido. 3. Embargos de divergência

conhecidos em parte e, nesta extensão, providos71.

Não se discute que, na condição de custos legis, somente o Ministério Público Federal atua perante aquela Corte, mas no caso em julgamento o Ministério Públi-co Estadual estava na condição de postulante, não havendo razão para se lhe negar capacidade postulatória para o ato e muito menos para se falar em falta de legitimi-dade de quem, afi nal, teve seu recurso admitido e desejava participar efetivamente do contraditório, olvidando-se os Ministros da importante distinção entre postular ao Tribunal e atuar no Tribunal72. Além disso, o princípio da unidade do Ministério

civil. Ação de indenização. Interesse de menor. Intervenção do Ministério Público. Ausência de prejuízo. CPC, arts. 82, I, 84 e 246. 1. Esta Corte já se posicionou na linha da necessidade de demonstração de prejuízo, para que seja acolhida a nulidade por falta de intimação do Ministério Público, em razão da existência de interesse de incapaz 2. Embargos de declaração rejeitados” (EDcl no REsp 449.407/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 28.10.2008, DJe 25.11.2008).

71 EREsp 445.664/AC, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Corte Especial, julgado em 21.05.2008, DJe 30.10.2008. O Supremo Tribunal Federal também não admite a atuação do Ministério Públi-co Estadual naquela Corte: “Reclamação – Alegado desrespeito a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de fi scalização abstrata – Ministério Público do Trabalho – Ilegitimida-de para atuar, em sede processual, perante o Supremo Tribunal Federal – Princípio da unidade institucional do ministério público (CF, art. 127, § 1º) – Recurso não conhecido. – O Ministério Público do Trabalho não dispõe de legitimidade para atuar, em sede processual, perante o Supre-mo Tribunal Federal, eis que a representação institucional do Ministério Público da União, nas causas instauradas na Suprema Corte, inclui-se na esfera de atribuições do Procurador-Geral da República, que é, por defi nição constitucional (CF, art. 128, § 1º), o Chefe do Ministério Público da União, em cujo âmbito se acha estruturado o Ministério Público do Trabalho. Precedentes” (Rcl 4931 AgR, Relator Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 23.09.2009, DJe-200, PUBLIC 23.10.2009).

72 “Recurso ordinário de mandado de segurança. Legitimidade para impetração do mandamus. Promotor de Justiça. Lei n. 8.625/92. O Promotor de Justiça possui legitimidade para impetrar mandado de segurança perante os Tribunais locais. Distinção entre postular ao Tribunal (art. 32, inciso I da LONMP) e postular no Tribunal (art. 31 da LONMP). Precedentes. Recurso ca-bível e provido para apreciação” (RMS 5376/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julga-do em 10.11.1997, DJ 15.12.1997, p. 66460 – destacamos). O problema da sustentação oral tam-bém é encontrado nos Tribunais Estaduais e, para tornar o tema mais complexo, envolve um mesmo Ministério Público, na medida em que os Promotores de Justiça não podem sustentar oralmente perante os Tribunais no julgamento dos recursos por eles interpostos, em razão de o

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Público não pode ser visto de forma absoluta, já que a variedade de atribuições in-fl uencia diretamente na atuação efi caz em determinado recurso. Imagine-se, por exemplo, questões afetas ao direito de família, ou a crianças e adolescentes ou até mesmo questões transindividuais específi cas de determinada localidade, que sequer se aproximam das atividades do Ministério Público Federal. Ora, impedir a atuação do Ministério Público Estadual em situações desse jaez constitui frontal ofensa ao princípio do contraditório como direito à infl uência.

A sustentação oral, a propósito, constitui em importante faceta do contradi-tório por contribuir com a infl uência no resultado do julgamento, merecendo mais atenção da doutrina73 em relação ao seu emprego, já que, como vimos, a oralidade ainda possui forte caráter simbólico.

Procurador de Justiça atuar como presentante da Instituição. A situação aparentemente fi caria bem resolvida por se tratar estritamente da mesma Instituição, mas a independência funcional e a distância entre os Promotores e Procuradores não raro causam sérias divergências e os recursos não recebem um adequado reforço argumentativo. Trata-se de tema que merece de inegável re-levância teórica e prática e que merece mais refl exão.

73 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Sustentação oral. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 28, jul. 2005. “Penal. Processual penal. Recurso especial. Cerceamento de defe-sa. Frustrada sustentação oral. Recurso provido. 1. Consoante entendimento do Superior Tribu-nal de Justiça, “A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido pro-cesso legal, do contraditório e da ampla defesa, posto que esta constitui ato essencial à defesa” (RHC 22.876/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 12.5.2008). 2. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido”. (REsp 503.266/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 29.10.2009, DJe 30.11.2009). “Processo civil – Pretendida sustentação oral em sede de reexame necessário – Dicção do art. 554 do CPC – Possibilidade – Vocábulo “recurso” interpreta-do pelo Superior Tribunal de Justiça em sentido amplo, a abarcar o instituto do reexame necessá-rio – Recurso especial conhecido e provido. – É de se entender que o vocábulo “recurso” previsto no artigo 554 do Estatuto Processual Civil, deve ser interpretado em sentido amplo, a abranger a remessa necessária prevista no artigo 475 e, por consequência, abarcar a possibilidade de susten-tação oral por ocasião do julgamento do reexame necessário. – Não procede, também, eventual entendimento no sentido de que, privado o reexame necessário de razões recursais, por esse mo-tivo haveria óbice para sustentação oral. Para afastar essa interpretação equivocada, é de bom conselho reproduzir o escólio de Sergio Bermudes ao comentar o artigo 554 do Código de Pro-cesso Civil: “Pode sustentar o recorrente, ou o recorrido, que deixou de apresentar as respectivas razões? O artigo determina que a palavra será dada ao recorrente e ao recorrido, a fi m de susten-tarem as razões do recurso. Por isso, uma interpretação demasiadamente apegada à letra da lei obrigaria a uma resposta negativa. Entretanto, sabe-se que, dentre todas as formas de interpreta-ção, outra não há mais perigosa que a literal. Não se casa com o espírito do Código a exegese de que só poderá sustentar o recorrente, ou recorrido, que apresentou razões, quando da interposi-ção do recurso, ou da resposta. Se, nesse momento, recorrente e recorrido se omitiram, deve-se entender que se reportaram à inicial, à contestação, à fundamentação da sentença. Se o recorrido era revel, permanecendo contumaz quanto aos demais atos cuja prática lhe incumbia, nada obsta a que sustente a decisão que lhe foi favorável, pois o revel pode intervir no processo em qualquer fase (art. 322)” (Comentários ao código de processo civil, 2. ed. RT, p. 378/379. v. VII). – Peço vênia à ilustre Ministra Eliana Calmon para conhecer e dar provimento ao recurso da Fazenda Pública de Minas Gerais e anular o acórdão da Corte de origem, a fi m de que seja dada oportunidade para a sustentação oral por ocasião do julgamento do reexame necessário. Em vista desse desfecho, fi ca

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Nesse quadro de requisitos abusivos para se admitirem recursos, temos a fi gura da “jurisprudência defensiva”, que é um artifício utilizado pelos Tribunais Superiores para a criação de requisitos formais que impeçam o conhecimento de recursos. São exemplos: ratifi cação de recurso interposto, ofensa refl exa à Consti-tuição74, legibilidade do protocolo, intempestividade precoce etc.75. O conceito de “jurisprudência defensiva” foi fornecido com rara sinceridade pelo então Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, em seu discurso de posse como presidente da Corte:

Às vésperas de completar vinte anos, o Tribunal, adolescente, enfrenta

crise de identidade. Preso ao infernal dilema, vê-se na iminência de fazer

uma de duas opções: a) consolidar-se como líder e fi ador da segurança

jurídica, ou b) transformar-se em reles terceira instância, com a única

serventia de alongar o curso dos processos e difi cultar ainda mais a pres-

tação jurisdicional. Intoxicado pelos vícios do processualismo e fragiliza-

do pela inefi cácia de suas decisões, o Tribunal mergulha em direção a essa

última hipótese. Para fugir a tão aviltante destino, o STJ adotou a deno-

minada ‘jurisprudência defensiva’ consistente na criação de entraves e

pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhes

são dirigidos76.

prejudicado o exame das demais questões.” (REsp 493.862/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Franciulli Netto, julgado em 05.02.2004, DJ 12.04.2004, p. 192). “‘Habeas cor-pus’” – Defensor Público que foi injustamente impedido de fazer sustentação oral, por ausência de intimação pessoal quanto à data da sessão de julgamento do recurso de apelação interposto pelo ministério público – Confi guração de ofensa à garantia constitucional da ampla defesa – Nulidade do julgamento – Pedido deferido. – A sustentação oral – que traduz prerrogativa jurídica de essen-cial importância – compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julgamento do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, afeta, em sua própria substância, o princípio cons-titucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa – enseja, quando confi gurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF” (HC 97797, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 15.09.2009, DJe-191, PUBLIC 09.10.2009).

74 Cf., HIRSCH, Fábio Periandro de Almeida. Ofensa refl exa à Constituição: críticas e propostas de solução para a jurisprudência autodefensiva do Supremo Tribunal Brasileiro (dissertação de mestrado vinculada ao programa da Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=732>).

75 FARIA, Márcio Carvalho. A jurisprudência defensiva dos tribunais superiores e a ratifi cação neces-sária (?) de alguns recursos excepcionais. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 167, jan. 2009.

76 Disponível em: <bdjur.stj.gov.br>. Essa vertente jurisprudencial pode ser ilustrada com este excer-to de um voto do mesmo Ministro: Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este

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Outro problema relevante se relaciona com o julgamento dos recursos de massa ou de causas repetitivas e serve para demonstrar a inexistência de soluções mágicas para problemas estruturais. Realmente, o que se considera como uma das possíveis alternativas para amenizar a “crise dos recursos” pode consistir em vio-lação de direitos constitucionais. Confi ra-se:

Os mecanismos de pinçamento dos recursos, na busca de uma efi ciência

quantitativa, podem ainda ser utilizados em situações não maturadas su-

fi cientemente podendo gerar alguns paradoxos, como: a) a apreensão do

debate das demandas coletivas por ações individuais, b) nos processos

escolhidos podem ser trazidos pontos complexos ainda não submetidos ao

crivo de debates anteriores pelo próprio Tribunal Superior e c) ausência

de preservação do espaço ‘para exposição ampla, investigação criteriosa e

dissecação minuciosa dos temas ora levantados’ com restrição do contra-

ditório dinâmico. Perceba-se que nos moldes que a repercussão geral foi

implementada, o Supremo Tribunal Federal não julgará mais (todos) os

recursos que lhe forem dirigidos (não julgará mais as causas), mas, sim, o

tema (tese) que estiver sendo abordado. No entanto, o que delimitará o

tema serão os recursos escolhidos (pinçados) pelo Tribunal a quo, o que

conduz à conclusão de que não é o STF que julga completamente o caso,

porque a escolha dos limites do tema é fi xada pelo Tribunal a quo, que

poderá escolher recursos bem estruturados tecnicamente (que abordem

completamente a temática) ou não – não há qualquer garantia de que,

entre os recursos à disposição para ‘escolha’ sejam tomados aqueles que

abarquem a questão de forma mais compreensiva. Aliás, é mesmo de se

questionar, inclusive, por que apenas parte dos argumentos acerca da

questão (que estiver nos recursos escolhidos) deva merecer ser enviada ao

STF: será que isso não viola o devido processo legal? Será que uma ‘pres-

tação jurisdicional’ que se pretenda adequada ao Estado Democrático de

Direito pode prescindir dos argumentos (razões) levantados pelas partes?

Em face da existência de um litisconsórcio por afi nidade entre os recorren-

tes, em casos de recursos com fundamento ‘idêntico’, a solução não pode-

ria ser tal que violasse as garantias do devido processo constitucional. O

Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensa-mento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expres-sarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando vie-mos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja. (AgRg nos EREsp 319.997/SC, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. para Acórdão Ministro Humberto Gomes De Barros, julgado em 14.08.2002, DJ 07.04.2003, p. 216). O Ministro aposentou-se em 22.07.2008.

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mecanismo de pinçamento é uma clara técnica de varejo para solucionar

um problema do atacado, que somente poderia ser abordado adequada-

mente tematizando-se a utilização de procedimentos coletivos representa-

tivos, devidamente compreendidos e estruturados, e mediante técnicas de

processo-modelo, que se afastam do julgamento dos processos-teste. Ade-

mais, as demandas do sistema jurídico devem ser solucionadas de modo

constitucionalmente adequado e não exterminadas como uma chaga77.

Por fi m, cumpre mencionar o problema relacionado com a recorribilidade da omissão em decidir (“não decisão”), isto é, aquela situação em que se protrai o pronunciamento sobre determinada pretensão, sem que haja efetiva manifesta-ção judicial.

Araken de Assis é peremptório ao afi rmar que “as omissões do órgão judiciário, porque nada decidem, não se revelam agraváveis”78. Parece-nos que se trata de uma apreciação simplista da questão, já que o silêncio do juiz pode causar prejuízos mais nefastos do que o expresso indeferimento da pretensão. O interessante é que Araken de Assis invoca a doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier para corroborar seu entendimento79, mas o exame que esta autora faz do tema é muito mais complexo e, se entendemos o que ela escreve, não é compatível com aquele pensamento. Para evitar ruídos interpretativos, trasncrevemos esta passagem:

Já que omissões causam prejuízo, pode-se também pensar em ato omis-sivo recorrível. Parece-nos entretanto que só se pode falar em ato omissivo recorrível quando a omissão do magistrado ocorre num contexto comis-sivivo como, v.g., uma decisão em que o magistrado se manifeste a respei-to de duas das três questões suscitadas pela parte, ou, ainda, quando o juiz deixa de analisar pedido de antecipação de tutela, dispondo que o fará apenas após a apresentação de contestação. [...] De outro lado, não cremos que uma omissão do juiz, isoladamente, possa se considerar recorrível. O art. 198 do CPC prevê uma providência que pode ser tomada, caso o magistrado exceda prazos previstos em lei80.

A negação de jurisdição talvez seja a maior violência que se pode cometer em um processo, já que é um atentado contra sua própria fi nalidade. É inadmissível que a parte permaneça refém do juiz, em um justifi cado estado de indecisão acerca de seu pedido. Ao contrário do que afi rma Araken de Assis, a omissão, exatamente por

77 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. Revista de Processo, n. 177, p. 21-38. Ainda vale conferir o denso estudo de BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Recursos extraordinários no STF e no STJ: confl ito entre interesses público e provado. Curitiba: Juruá, 2009.

78 Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 489.79 Idem, nota de rodapé n. 116.80 Os agravos..., cit., p. 146-147.

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causar prejuízo por nada decidir, deve necessariamente ser recorrível, caso se veri-fi que o prejuízo da parte, como no evidente caso da indefi nição acerca do deferi-mento de uma tutela de urgência81.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instituto do recurso deve ser visto, portanto, como um espaço para a efe-tivação do contraditório e legitimação de um processo realmente democrático. Como bem assinalou Dierle Nunes,

processo democrático não é aquele instrumento formal que aplica o di-

reito com rapidez máxima, mas, sim, aquela estrutura normativa consti-

tucionalizada que é dimensionada por todos os princípios constitucionais

dinâmicos, como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo

constitucional, a celeridade, o direito ao recurso, a fundamentação racio-

nal das decisões, o juízo natural e a inafastabilidade do controle jurisdi-

cional [...] Resgatar a importância do espaço público processual, no qual

todos os interessados possam participar do aprimoramento do sistema

jurídico, pode representar a tentativa de redescoberta da importância

dessa estrutura normativa contra a indiferença e a apatia (coletiva) polí-

tica na qual os cidadãos (clientes não participantes) estão imersos, e que

são geradas pelo argumento dos ‘manipuladores olímpicos do poder’ e

pelos seus discursos tecnológicos de máxima efi cácia prática e diminuta

repercussão social (cidadã)82.

A questão da admissibilidade dos recursos se mostra especialmente dramá-tica, na medida em que os Tribunais, com a fi nalidade de aliviar a sobrecarga de trabalho, vêm criando requisitos artifi ciais que frustram o direito constitucional ao recurso. Como bem notou Leonardo Greco,

81 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Do recurso cabível contra ato judicial que posterga a análise de pedido de antecipação de tutela para momento subsequente ao oferecimento de resposta. In: FA-BRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homena-gem a José Carlos Barbosa Moreira. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não admitiu o recurso de agravo, mas acenou com a possibilidade de “reclamação”, que é um expediente previsto no có-digo de organização judiciária que visa a controlar tumultos procedimentais: “Agravo inominado. Decisão mantida por seus próprios fundamentos. Recurso não conhecido. Ausência de decisão. Diante do pleito do Agravante no sentido de obter o deferimento de tutela antecipada, o magistrado a quo disse o apreciaria após a formação da relação processual. Nenhum conteúdo decisório teve o pronunciamento. Portanto, descabe agravo. O Agravante, se insatisfeito com a posição adotada pelo juiz, deveria valer-se do recurso ‘reclamação’, disposto no art. 210 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. Como se nota, o Agravante não trouxe nenhum fundamento novo que favore-ça a modifi cação da decisão monocrática desta Relatoria. Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator.” Agravo de Instrumento 0023335-34.2009.8.19.0000 (2009.002.20589) – Des. Ricardo Rodrigues Cardozo – Julgamento: 07.07.2009.

82 Processo jurisdicional democrático, p. 250-251.

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se a lei institui um recurso, o acesso a ele se incorpora ao direito à tutela

jurisdicional efetiva, não podendo a sua utilização fi car sujeita a obstáculos

irrazoáveis e formalistas. Nesse aspecto os tribunais brasileiros dão péssimo

exemplo, denegando todos os dias recursos por exigências puramente

formalistas, muitas delas sequer decorrentes de prescrições legais, no intui-

to indisfarçável de esvaziar as prateleiras abarrotadas de processo.83

Essa frustração da admissibilidade de um recurso previsto no ordenamento afeta o núcleo de um processo que deve ser democrático84, na medida em que viola o devido processo legal e o contraditório, impedindo a participação e a in-fl uência das partes, criando uma situação incompatível com a dimensão objetiva dos direitos fundamentais.

Não há dúvidas de que o sistema recursal ainda necessita de constante e profunda reforma, mas a partir de ideias comprometidas com o modelo consti-tucional do processo e com base em dados estatísticos e debates verdadeiramente plurais, que preparem solidamente as medidas legislativas a serem adotadas85. Também aqui a pressa só causará um desserviço ao processo, ainda que sob o pretexto de torná-lo efetivo, palavra tão signifi cativa, mas que vem se desgastando exatamente por não signifi car nada em concreto.

Com essas refl exões, acreditamos que possamos pensar em caminhos para o Direito Processual que amenizem a dureza da sentença de Gustavo Zagreblesky: “a ideia de direito que o atual Estado Constitucional implica não entrou plena-mente no ar que respiram os juristas”86.

83 Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Estudos... cit., p. 272. Na moderna doutrina espanhola encontra-se o entendimento de que se trata de uma questão de política legislativa, não integrando o direito ao recurso a garantia da tutela judicial efetiva. Entretanto, uma vez consagrado o direito ao recurso, os órgãos judiciais não poderão interpretar os requisitos de admissibilidade de maneira que impeçam ou difi cultem sua interposição, sob pena de se violar o direito de acesso à tutela efetiva (Aroca, Colomer, Redondo e Vilar. Derecho Jurisdiccional: proceso civil. 17. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2009, p. 408-409. v II.). Ao proporem as Bases Constitucionais Mínimas do Pro-cesso Civil “Justo” para a América Latina, Augusto Morello e Luigi Comoglio estabeleceram que será “sempre garantido pela lei o duplo grau de jurisdição” (cf. apêndice ao livro de autoria de Luigi Paolo Comoglio Etica e tecnica del “giusto processo”. Torino: G. Giappichelli, 2004).

84 “a frustração sistemática das expectativas democráticas pode levar à desistência da democracia e, com isso, à desistência da crença no papel do direito na construção da democracia” e que “sem direitos de cidadania efectivos a democracia é uma ditadura mal disfarçada” SOUSA SANTOS, Boaventura de. Para uma revolução democrática da justiça, n. 134. p. 10 e 90 (Coleção Questões da nossa época).

85 Para fi carmos em reforma recente, em Portugal houve grande debate que antecedeu a reforma legislativa (Reforma dos recursos em processo civil. Trabalhos preparatórios. Ministério da Justiça. Direcção-Geral da Política de Justiça. Coimbra: Almedina, 2008), lamentando-se, porém a au-sência da discussão interdisciplinar que houve, por exemplo, na Alemanha, como noticiou Bar-bosa Moreira em passagem transcrita em nota anterior.

86 El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Tradução de Marina Gascón. 7. ed. Madrid: Trotta, 2007. p. 10.

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Data de recebimento: 11/09/2009

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