o ouro de mefisto - eric frattini

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    Em uma Europa devastada pela II Guerra Mundial e com o pano defundo da Alemanha nazista, o jovem e ambicioso seminarista AugustLienart e a misteriosa guerrilheira Elisabetta Darazzoestoenvolvidos em uma misso:impedir o futuro surgimento do QuartoReich. Umthrillerhistrico que traz algumas inquietantesincgnitas: que papel desempenhou o Vaticano na fuga doscriminosos de guerra? Hitler e Eva Braum se suicidaram mesmonobunker? Os banqueiros suos realmente guardaram o ouro dosnazistas que estava no Banco do Reich, produto de suas aescriminosas? O que havia nas enigmticas caixas enterradas sob asguas escuras e frias do lago Toplitz? Existiu realmente a temidaOrganizao Odessa e sua determinao em criar o futuro QuartoReich? Quem se escondia por trs do codinome O Escolhido?

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    Epigrafe

    Tudo o que existe merece perecer.

    Mefisto

    (Fausto, Goethe)

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    Saint Paul, Minnesota, 1958

    A neve j havia comeado a invadir a cidade. Todas as ruas estavam

    enfeitadas para a celebrao do Dia de Ao de Graas e para receber a

    cavalgada. Alguns meninos vendiam bilhetes para um sorteio cujo objetivo era

    arrecadar fundos para comprar perus que seriam doados aos orfanatos da cidade.

    Kermit Marzec gostava do estilo de vida americano. Gostava do trabalho, dos

    amigos, da famlia, da vida que levava nos Estados Unidos.

    Fazia pouco menos de uma dcada que emigrara da Europa em runas,

    fugindo de um ps-guerra de fome e misria, sem um centavo nos bolsos. Nos

    Estados Unidos, adquirira slida fama de empresrio tenaz e habilidoso, mas,

    sobretudo, de amigo de seus amigos. Marzec era at membro da honorvel

    Cmara de Comrcio de Saint Paul. Sua empresa de sucata, a Marzecs

    Enterprises Scrap Metal, com sede s margens do Mississpi, havia se tornado udos patrocinadores oficiais da equipe de futebol local. Tudo era perfeito na vida

    de Marzec. Conhecera a esposa, Margaret, logo que ps os ps em solo americano

    e tinha dois filhos: John, de 9 anos, e Michael, de 8.

    Ker, como era conhecido entre os amigos, ia todas as manhs ao Tonys, um

    caf onde costumavam reunir-se os veteranos que haviam combatido nos campos

    de batalha da Europa. Marzec, acompanhado dos filhos, gostava de ouvir

    daqueles homens, alguns deles mutilados, as histrias de como tinham salvado a

    Europa da Alemanha nazista. Inclusive sentia-se orgulhoso de viver no mesmo

    pas em que aqueles homens viviam.

    Ol, Ker! Ol, meninos! saudou o dono do estabelecimento. O que vo

    querer?

    Ovos, feijo, bacon bem passado, torradas de po branco, caf para mim e

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    chocolate para os garotos respondeu Marzec.

    Enquanto comia, Marzec leu o jornal, que informava na primeira pgina sobre

    os graves incidentes ocorridos em Little Rock, Arkansas, entre racistas brancos e

    manifestantes negros que exigiam a aplicao da lei contra a discriminao racialnas escolas. Nas fotos, viam-se os racistas cuspindo nos paraquedistas que o

    presidente Eisenhower enviara para impor o cumprimento da lei.

    No sei aonde vamos chegar neste pas. Cidados americanos cuspindo em

    soldados americanos... suspirou Marzec.

    curioso interveio o garom. Antes, ns os recebamos como heris

    que haviam dado uma surra naquele sanguinrio do Hitler e hoje cuspimos neles,

    no Arkansas.

    Vamos, meninos, hora de ir para a escola interrompeu Marzec, atirando

    sobre a mesa duas notas de 1 dlar.

    Os trs entraram no Ford Fairlane 500 da famlia e percorreram a Grande

    Avenida at a rua St. Albans. Ao chegar porta do colgio, Marzec se abaixou e

    abriu a porta para os garotos descerem. Depois de beijar cada um deles na testa,

    acomodou-se de novo ao volante e voltou pela Grande Avenida a fim de tomar a

    Estadual 35 para leste. No rdio, soava a voz de Bill Haley E Seus Cometas

    interpretando o ltimo sucesso do conjunto, Dont Knock the Rock. Chegando

    rodovia Shepard, virou direita e cruzou a ponte sobre o Mississpi para entrar nazona industrial da cidade. Em seguida, virou de novo direita e subiu pela rua

    Filmore em direo a um grande conjunto de fbricas que se erguiam nu

    descampado. Um enorme letreiro da Marzecs Enterprises Scrap Metal coroava o

    prdio maior.

    Era cedo. Nem Lucy, sua secretria, havia chegado ainda. Kermit Marzecsaltou do carro para abrir a grande porta metlica e entrou com o Ford n

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    estacionamento, onde vrios caminhes haviam deixado uma carga de ferro-

    velho.

    Com a garrafa trmica de caf em uma das mos e um saquinho de biscoito

    preso aos dentes, procurou as chaves da porta principal no bolso do palet. Nessemomento, percebeu que havia uma sombra ao seu lado. O misterioso visitante,

    cujo rosto Marzec no conseguiu ver, num movimento rpido passou um arame

    fino em volta de seu pescoo e estrangulou-o ali mesmo, em questo de

    segundos. O caf quente, caindo sobre o carpete barato, misturou-se urina de

    Marzec, que no conseguira conter a bexiga enquanto lutava desesperadamente

    para levar um pouco de ar aos pulmes.

    O desconhecido, de porte avantajado, levantou o cadver de Marzec como se

    fosse um boneco e colocou-o no porta-malas do Ford. Em seguida, entrou no

    carro e estacionou-o em frente prensa de sucata. No tardou para que o Ford se

    transformasse num cubo metlico informe, de onde escorriam pequenos filetes de

    sangue por um dos lados. Pouco depois, o assassino desapareceu do local to

    rapidamente quanto havia surgido.

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    Finsbury Park, Londres

    O doutor Daniel Bergman representava o perfeito pediatra de bairro. Morava em

    uma casa mida de dois andares da rua Seven, no subrbio londrino de Finsbury

    Park. Instalara-se ali no final da guerra, e a sua clnica peditrica era uma das

    melhores da cidade. Atendia, de preferncia, crianas de famlias pobres. A

    clnica estava sempre aberta aos mais necessitados, e o prprio doutor Bergman

    ia casa de seus pequenos pacientes em situaes de emergncia, no

    importando a hora ou o clima. Mesmo famlias ricas levavam seus filhos clnica,

    para que o bom doutor as atendesse. Bergman era muito hbil em tranquilizar os

    pequenos, quer precisasse engessar um osso quebrado ou curar alguma

    enfermidade como o sarampo ou a escarlatina. As crianas adoravam aquele

    mdico simptico que as acalmava com um doce e uma pergunta: De quem voc

    gosta mais? Do papai ou da mame?.O doutor Bergman cuidava muito da aparncia. Tinha mos finas, dedos

    compridos, e estava sempre com as unhas perfeitamente aparadas. Vestia roupas

    de l tanto no inverno quanto no vero.

    Como sempre fazia todas as manhs, Helen, sua enfermeira, abriu o

    consultrio e ps-se a organizar os pronturios. s cinco da tarde, o doutor

    atendia a seu ltimo paciente.

    Doutor, quer que eu feche a porta por fora? perguntou a enfermeira, antes

    de sair.

    Sim, Helen, obrigado. Vou ficar por aqui mais um pouco. Amanh,

    comearemos bem cedo. J disse senhora Cadweld que eu jantarei enquanto

    estiver arrumando estas fichas.

    Ento, boa noite, doutor.

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    Boa noite, Helen.

    Fazia um ms que a governanta estava trabalhando para o doutor Bergman.

    Dedicada, honesta e disciplinada como uma alem, o mdico a contratara

    justamente por causa de seu carter. Onde quer jantar, doutor Bergman? perguntou a governanta.

    No escritrio l em cima respondeu o mdico.

    Preparei caldo de galinha e refogado de carne. Subirei com a bandeja num

    instante disse a mulher.

    timo. Tambm subirei logo, depois de organizar estas fichas.

    A mulher fechou a porta ao sair, deixando o mdico a ss no consultrio.

    Meia hora depois, algum bateu de leve. Era de novo a senhora Cadweld.

    Deixei a bandeja no escritrio. Se o senhor se atrasar, a comida esfriar.

    Obrigado, senhora Cadweld, mas no fique me mimando como se eu fosse

    uma criana. Daqui a pouco eu subo.

    Bergman se levantou e foi para o andar de cima, onde encontrou a governanta

    com o guardanapo nas mos, pronta para coloc-lo em seu pescoo.

    Bergman aproximou-se do prato, fechou os olhos e inspirou o aroma da carne

    com legumes.

    Que cheiro gostoso... disse, antes de sentar-se.

    Depois de alguns minutos, a senhora Cadweld ouviu um barulho noescritrio. Ao entrar, viu o mdico cado no cho, sufocado pelo prprio vmito e

    tentando desesperadamente respirar. Enquanto a vida escapava de seus pulmes,

    Daniel Bergman viu a senhora Cadweld olhando-o do sof, onde havia se

    acomodado para contemplar tranquilamente a cena. Constatando que o pediatra

    estava morto, a governanta lavou bem os pratos para eliminar quaisquer traos dohexobarbital, colocou um chapeuzinho e uma capa, saiu da clnica e desapareceu

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    na noite.

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    Oulu, Finlndia

    As fortes nevascas haviam deixado toda a regio sem o servio de entrega do

    correio, e Seppo Trni, o carteiro, tinha bastante trabalho a fazer. Apesar da

    inclemncia do tempo, Seppo queria encerrar logo o expediente para se dedicar a

    duas atividades de que gostava muito: a caa e o esqui. Aps chegar Finlndia

    como refugiado, depois da Segunda Guerra Mundial, vivia aos tropeos. Primeiro,

    trabalhara como empacotador em uma fbrica de papel em Tyrnv; em seguida,

    fora soldador num estaleiro de Turku; e, por fim, estabelecera-se na longnqua

    Oulu, onde encontrou uma cabana isolada e um emprego cmodo no servio de

    correios finlands. Ali, ningum fazia perguntas.

    Bom dia, Seppo cumprimentou-o o senhor Haukanen. Faz tempo que

    voc no nos traz a correspondncia.

    Culpa da neve, senhor Haukanen. Mas o servio j foi normalizado e creioque no haver problemas at a prxima nevasca explicou Trni.

    Depois de entregar todas as cartas, j por volta do meio-dia, Seppo Trni

    regressou em sua pequena motocicleta para a cabana, situada num desvio da

    estrada para Muhos. Quando entrou, algo se ergueu inesperadamente diante dele.

    Sem poder reagir, deixou que seu co da raa husky lhe lambesse o rosto e

    saltasse sua volta.

    Deixe-me, Keisari, sossegue ralhou Trni, empurrando o pesado corpo d

    animal. Ainda temos luz para sair e caar um pouco.

    Seppo Trni ps a espingarda no ombro e calou os esquis para entrar no bosque

    que rodeava a cabana, acompanhado de Keisari. De repente, a uns quinhentos

    metros, avistou um animal que parecia uma raposa branca escavando a neve em

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    busca de razes para comer. Sem fazer o menor rudo, ele ergueu a espingarda e

    mirou o corpo do animal. Conteve a respirao enquanto o dedo pressionava

    lentamente o gatilho. Mas, antes que a bala pudesse sair pelo cano, um

    barulhinho seco rompeu o silncio do bosque. Um projtil havia atingido o crniodo carteiro. O corpo de Seppo Trni ficou estirado no cho, com a cabea em

    pedaos, no meio do nada, enquanto o sangue tingia a neve ao redor. A uns

    setecentos metros do cadver, um hbil atirador guardou cuidadosamente sua

    arma na mochila e se perdeu na imensido da paisagem.

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    N

    I

    Estrasburgo, 194

    o dia 10 de agosto, treze homens todos eles banqueiros poderosos,

    magnatas da indstria, oficiais das SS e da Gestapo, membros da

    Chancelaria e do Reichsbank foram obrigados a abandonar seus

    empregos e seus destinos para comparecer a um hotel da cidade ocupada de

    Estrasburgo, na fronteira franco-alem.

    O major das SS Helmut Voss percorria nervoso a sala luxuosa, no meio da

    qual se destacava uma elegante mesa de mogno envernizado. No podia faltar

    nada, tudo tinha de dar certo. Sem pontas soltas. Ao redor da mesa, viam-se

    catorze cadeiras e, diante delas, catorze cadernos em cujas pginas se podia notar

    o desenho de uma guia com as asas abertas, que mantinha entre as garras uma

    coroa de louros que emoldurava uma sustica.Em uma ampla sala contgua, uma mesa comprida ostentava uma baixela de

    prata e taas de cristal da Bomia. Tinham sido trazidos, para o evento que se

    iniciaria dentro de poucas horas, lagostas frescas, caviar do mar Cspio, ostras da

    Normandia,foie gras, champanhe Bollinger, charutos cubanos e os mais

    selecionados e caros vinhos. Nossas instrues so claras. A baixela muito valiosa disse o mordomo a

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    um dos garons liberados por um destacamento da SS especialmente para a

    ocasio. Enquanto isso, uma secretria escrevia mo, em cartes, os nomes dos

    convidados.

    Major? chamou o mordomo. Sim respondeu Voss.

    O taqugrafo chegou.

    Perfeito respondeu ele, e, dirigindo-se ao taqugrafo, acrescentou: Pode

    se acomodar. Darei as instrues mais tarde. Quantos rolos voc trouxe?

    Cinco, senhor.

    muito. Em poucas horas, a reunio estar terminada sentenciou Voss.

    O major Helmut Voss foi para os fundos da sala. Ali, aguardava-o a secretria

    com sua tnica nas mos. Estendeu os braos para trs a fim de facilitar a tarefa

    da mulher. Sentiu-se bem depois de vestir a tnica. Trazia ao pescoo o duplo S

    rnico e, ao peito, toda uma brilhante histria militar: a Cruz de Ferro, que

    ganhara em combate quando servira nas Waffen SS, a Cruz de Danzig de Primeira

    Classe, a Medalha dos Sudetos, a Faixa do partido nazista por seus primeiros dez

    anos de militncia e a Faixa de Servio de Polcia por seus dezoito anos de

    trabalho. Essa ltima lhe fora entregue pelo prprio Fhrer durante uma

    concorrida cerimnia na Chancelaria.

    Sorria. .. pediu Voss nervosa secretria. Hoje um dia glorioso para ofuturo do Reich.

    Os primeiros convidados comearam a chegar.

    E o convidado principal? perguntou um deles a Voss.

    Ainda no chegou. Se quiserem alguma coisa, cavalheiros, no hesitem em

    pedir a um assistente ou a mim prontificou-se o major.

    Para que fomos chamados? Qual o tema da reunio? perguntou um dos

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    convivas a Voss.

    O tema de todas as reunies: poder, consolidao do poder respondeu o

    militar, procurando assim encerrar o assunto.

    A poucos quilmetros dali, um veculo atravessou em grande velocidade a ponte

    do Teatro rumo praa de Broglie. O Mercedes preto no exibia nenhum

    distintivo que identificasse o passageiro. Ningum deveria saber que ele estava

    naquela cidade.

    O carro, dirigido por um funcionrio da Chancelaria, reduziu a velocidade e

    entrou esquerda, pela rua da Haute Monte, e seguiu at a praa central de

    Klber. Seu misterioso passageiro olhou para fora e avistou a torre da catedral de

    pedra rosada do sculo XV, que se confundia com os telhados multicoloridos do

    centro histrico da cidade.

    O visitante voltou sua ateno para os grossos relatrios que conservava

    sobre os joelhos. O primeiro, de carter militar, detalhava o avano dos exrcitos

    aliados que haviam desembarcado nas praias da Normandia havia pouco menos

    de dois meses. O segundo, de carter policial, explicava os acontecimentos do

    ms anterior, mais precisamente de 20 de julho, quando um grupo de oficiais de

    alta patente da Wehrmacht, liderados pelo coronel Claus von Stauffenberg,

    tentara dar cabo da vida do Fhrer em seu quartel-general de Rastenburgo,conhecido como Wolfsschanze ou a Toca do Lobo.

    Malditos traidores ineptos! exclamou o passageiro do Mercedes, atirando

    para um lado o dossi policial. Os informes e as fotografias que ele continh

    ficaram espalhados sobre o assento de couro. Os rostos dos cadveres de Von

    Haeften, Olbricht, Von Quirnheim, Von Witzleben, Hoeppner, Bernardis,

    Klausing, do general Beck e do prprio Von Stauffenberg miravam do nada o

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    passageiro misterioso. Alguns deles pendiam de ganchos de aougueiro numa fria

    sala da priso de Pltzensee.

    O relatrio militar, com a tarja de altamente secreto na primeira pgina,

    pormenorizava os avanos dos exrcitos inimigos a partir das praias normandas.A 88a Diviso norte-americana j passeava por Roma desde 4 de junho.

    Fantoche pomposo e covarde grunhiu o passageiro do Mercedes

    referindo-se ao Duce, enquanto continuava folheando o informe pessimista

    elaborado pelo alto-comando da Wehrmacht.

    Dois milhes de soldados inimigos, em meio milho de veculos e carregando

    3 milhes de toneladas de material de guerra, rumavam sem encontrar resistncia

    para o corao do Reich. Carenton havia cado em 12 de junho; Larteret e

    Portbail, no dia 18; e Roule, quartel-general do exrcito alemo, no dia 25. No

    dia 30 do mesmo ms, 6 mil soldados da Wehrmacht haviam se rendido em Haia.

    Por outro lado, em Caen, as Divises Panzer conseguiram repelir a 7a Diviso de

    Montgomery, mas o passageiro do Mercedes sabia que essa situao no iria durar

    muito. Era uma corrida contra o tempo. Precisava agir rpido, pois a misso que

    o levara ali podia ser considerada vital para a sobrevivncia do Reich.

    O Mercedes freou abruptamente diante da porta do hotel Maison Rouge,

    tambm na praa Klber. O porteiro do estabelecimento saltou os trs degraus d

    entrada e percorreu rapidamente o tapete vermelho que o separava da porta doveculo.

    Nesse momento, um grandalho da Gestapo que ocupava o assento dianteiro

    j se postara ao lado do carro. Deteve com um gesto o funcionrio do hotel e

    abriu a porta. O poderoso passageiro desceu e se dirigiu ao edifcio.

    Bom dia, senhor saudou o gerente quando o recm-chegado se aproximou

    da recepo. Pedirei a um mensageiro que o acompanhe at o salo azul, onde

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    o esperam.

    No se incomode respondeu o homem , sei onde .

    E, escoltado por dois agentes da Gestapo, enveredou pelos longos corredores

    at uma das portas ao fundo. L dentro, podiam-se ouvir as vozes dosconvidados para o encontro secreto que logo comearia.

    Quando entrou no salo, quase todas as pessoas que l estavam deram um passo

    atrs e bateram os calcanhares com fora, em posio de sentido.

    Heil, Hitler! bradaram em unssono, estirando o brao.

    Heil, Heil...E agora fiquem vontade. Esta reunio deve permanecer no

    mais absoluto sigilo e, para isso, suas saudaes no contribuiro em nada.

    Cavalheiros, se continuarmos agindo assim, ns no acabaremos nunca. A

    saudao ao nosso Fhrer ficar suprimida at terminarmos nossos trabalhos aqu

    ordenou.

    O major Voss se adiantou e garantiu ao recm-chegado que todos os

    presentes estavam prontos para comear. Aqueles homens, em sua maior parte

    idosos e com aparncia de banqueiros, envergando elegantes trajes ingleses feitos

    por encomenda, aproximaram-se para estender a mo ao importante personagem.

    S alguns continuaram no fundo do salo. Nem todos simpatizavam com aquele

    tipo baixinho, um pouco gordo, que alguns anos antes havia se convertido nasombra perigosa do Fhrer. Seu nome era Martin Bormann.

    Bormann e suas reunies. Ele gosta de encontros secretos cochichou um

    convidado ao ouvido de outro.

    Na realidade, a ningum interessava desentender-se com uma figura to

    poderosa, e todos ali sabiam disso. Muitos tinham financiado no s as aventuras

    militares de Hitler e o abastecimento da Wehrmacht desde 1939, mas tambm,

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    anos antes, o Partido Nacional-Socialista e a ascenso do prprio ditador ao pice

    do poder. Embora isso pudesse lhes dar certa margem de manobra poltica

    perante o Fhrer, a maior parte sabia que isso no bastava para acabar com a

    influncia daquele campons. Nenhum dos homens elegantes ali reunidos tinha amnima inteno de ir parar no campo de concentrao de Dachau, como havia

    acontecido pouco antes com o poderoso presidente do Reichsbank, Hjalmar

    Schacht. Tampouco os militares presentes ousariam contradizer aquele homem

    rstico da Baixa Saxnia. Se o fizessem, poderiam acabar como simples

    combatentes na frente russa, sob a denominao zum Verheizen, que na gria

    significava incinerao.

    Naquela poca, muitos j tinham ouvido dos lbios do prprio Fhrer a

    sentena: Quem est contra Bormann est contra o Estado. O secretrio do

    chanceler exibia uma profunda cicatriz na fronte. Alegava que a havia adquirido

    numa briga de rua contra os comunistas, em seus primeiros anos de partido, na

    dcada de 1920; mas existia um boato de que aquela cicatriz fora feita por uma

    prostituta, que lhe arranhara o rosto porque ele no quis pagar seus servios. Se

    dvida, a primeira verso era muito mais romntica e ajudava-o a formar uma

    imagem de si mesmo que fugia da realidade.

    Vamos comear, cavalheiros. Por favor, queiram sair da sala todas as

    pessoas que no foram convidadas para este encontro ordenou Bormann,apontando para os funcionrios do hotel que se encontravam no salo.

    Acha que os americanos chegaro Alemanha antes do Natal? perguntou,

    interessado, um dos banqueiros.

    O que ocorreu na Normandia foi uma vergonha. Nosso exrcito deveria te

    previsto o desembarque nas costas da Frana. Em vez disso, os figures estavam

    ocupados conspirando contra nosso Fhrer respondeu o secretrio de Hitler,

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    referindo-se ao marechal Erwin Rommel, que havia cado em desgraa

    recentemente.

    E como est nosso Fhrer, depois do atentado?

    uma covardia da qual a Gestapo conseguiu cortar as razes. Mas agora,querido amigo, sentemo-nos mesa. O futuro do Reich est em nossas mos

    disse Bormann para seu interlocutor em tom misterioso.

    H sobre a mesa cartes com seus nomes. Indicam o lugar que ocuparo

    nela at o fim do encontro explicou Voss.

    Sentem-se, senhores disse Bormann, enquanto cada convidado procurava

    seu nome e ocupava o assento correspondente. Sinto t-los feito esperar um

    pouco, mas creio que tenham experimentado um bom conhaque e um bom

    charuto. Tudo pronto?

    Sim, senhor respondeu o taqugrafo, que havia se sentado no canto mais

    distante da mesa, ao lado do major Voss.

    Bormann retomou a palavra.

    Embora possamos parecer crianas num acampamento, proponho que se

    apresentem seguindo a ordem em que esto sentados. Nem todos aqui se

    conhecem. Eu serei o ltimo.

    Bem, ento acho que sou o primeiro disse o homem direita de Bormann.

    Meu nome Walther Funk, presidente do Reichsbank.Depois, foi a vez do convidado direita de Funk, um tipo alto, de bigode e

    profundos olhos azuis.

    Bom dia, cavalheiros. Chamo-me Emil Puhl, sou economista do partido,

    vice-presidente do Reichsbank e especialista em operaes financeiras de alto

    risco.

    Puhl, que comia e tratava com os grandes banqueiros de Zurique e Berna,

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    sabia tambm negociar habilmente com os traficantes da Bahnhofstrasse e os

    contrabandistas de matrias-primas da Paradeplatz. Bormann precisava daquele

    homem para levar a cabo seu plano.

    Sou o tenente-coronel SS Adolf Eichmann, chefe da seo IVB4,responsvel pela priso e deportao dos judeus em todo o territrio ocupado.

    Sou o capito SS Alois Brunner, assistente do tenente-coronel Eichmann na

    seo IVB4. Desde novembro de 1939, encarrego-me das deportaes dos judeu

    de Viena, da Morvia, da Tessalnica, de Niza e da Eslovquia.

    Bom dia, senhores. Mas, antes, gostaria de saber... comeou o personagem

    que devia apresentar-se em seguida.

    Por favor, teremos muito tempo para perguntas interrompeu Bormann,

    levantando a mo. Agora s peo que os restantes se apresentem.

    Pois no. Sou Friedrich Flick, magnata do carvo e do ao.

    Meu nome Carl Krauch disse o prximo , presidente do Conselho de

    Administrao da IG Farben.

    Bom dia, senhores. O meu nome Georg von Schnitzler, qumico e

    membro do conselho da IG Farben.

    A seguir, foi a vez de um homem de cabelos grisalhos e olhar penetrante, a

    quem Bormann tratava com extrema delicadeza e muito respeito.

    Quase todos vocs j me conhecem. Sou Gustav Krupp von Bohlen undHalbach, presidente do conglomerado Krupp AG.

    E eu sou o filho dele, Alfried Krupp von Bohlen, atual diretor executivo das

    indstrias Krupp AG disse o jovem sentado ao lado do poderoso magnata.

    Meu nome Kurt von Schroeder, banqueiro especialista em operaes

    financeiras internacionais apresentou-se o homem de bigode e culos redondo

    que estivera conversando com Bormann antes do incio da reunio.

  • 7/14/2019 O Ouro de Mefisto - Eric Frattini

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    Tambm sou conhecido pela maior parte dos senhores, mas, como o

    secretrio Bormann quer que nos apresentemos, eu o farei. Sou Albert Vgler,

    industrial, especialista em armamentos e filantropo.

    Bem, sou o ltimo disse um homem que permanecera em silncio ataquele momento e, sem dvida, o nico que no alemo aqui. Espero, porm,

    que isso no lhes cause desconfianas. Meu nome Edmund Lienart, sou

    empresrio, financista e, mais importante para todos os senhores, um amigo

    muito prximo do Fhrer. Por isso eu vim.

    Todos os assistentes olharam com curiosidade para aquele francs de cabelo

    curto e grisalho, bem-vestido e de culos de armao metlica, sentado

    esquerda de Bormann, que se declarava sem rodeios amigo ntimo de Hitler.

    Que papel lhe caberia no grande jogo esboado por Bormann? Era o que todos al

    se perguntavam.

    Agora, minha vez. Queridos amigos, eu sou Martin Bormann, chefe da

    Chancelaria, lder do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemes,

    ministro do Reich e secretrio particular do Fhrer. Como todos j nos

    apresentamos e somos amigos, o major Voss, que to magnificamente organizou

    esta reunio, vai lhes transmitir uma srie de indicaes... digamos... de

    segurana. Adiante, major convidou Bormann.

    Pois no, senhor. Cavalheiros, todos receberam papis que vocs nodevem copiar nem mostrar a ningum, nem mesmo falar a respeito deles, exceto

    com seus superiores, caso os tenham. Todas as comunicaes passaro por mim,

    que serei o nico elo entre os senhores e o ministro Bormann.

    O influente secretrio de Hitler, de 45 anos, tinha memria de elefante econstituio fsica de um touro. Corpulento, de ombros arredondados e

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    vigorosos, pescoo curto e grosso. Tinha o hbito de pender a cabea para a

    frente, inclinando-a um pouco de lado. Krupp, que no tinha muita simpatia por

    aquele lder nazista, costumava compar-lo s lutadoras de Berlim, mulheres

    avantajadas que sempre aguardavam a oportunidade de ludibriar a adversria emseus combates na lama. Mas Bormann, sem dvida, enganava primeira vista. Na

    verdade, era bastante gil para seu porte macio. Tinha dedos gordos, cobertos de

    pelos negros, e nada escapava a seus pequeninos olhos perscrutadores.

    Depois que os treze homens se calaram, Martin Bormann retomou a palavra:

    Os senhores j sabem qual a situao militar em que nos encontramos.

    Falarei sem rodeios. Os exrcitos inimigos avanam velozmente paraa sagrada

    terra da Alemanha e nada os deter. Sem dvida, todos se surpreenderam a

    ouvir isso de meus lbios, que pode at lhes parecer uma traio. Mas o que

    precisamos aceitar desde j que o Reich, nosso glorioso Reich, tem seus meses,

    talvez suas semanas, contados esclareceu Bormann, enquanto um murmrio

    corria entre os assistentes.

    Por favor, por favor, no se alterem pediu o ministro, procurando acalmar

    os nimos enquanto tirava de sua valise de couro uma pasta volumosa contendo

    um informe militar redigido pelo alto-comando da Wehrmacht, que colocou sobre

    a mesa vista de todos. Nossas foras continuam resistindo a oeste, enquanto a

    leste o Fhrer foi avisado de que os exrcitos bolcheviques conseguiram rompernossas linhas em vrios pontos. Como a maioria dos senhores tambm sabe,

    Bruxelas caiu em mos inimigas h apenas sete dias e os aliados j seguem e

    direo a Paris. Talvez a capital francesa seja tomada em breve.

    Nosso Fhrer tem algum plano pronto para deter os americanos?

    perguntou Walther Funk.

    Bormann desprezava aquele alcolatra homossexual, totalmente analfabeto

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    em questes de dinheiro. Suas anlises financeiras eram to imprecisas que, em

    tempo de paz, o melhor seria tir-lo do mapa para ele no arruinar de vez a

    economia do pas.

    Martin Bormann ordenara Gestapo que fizesse uma investigao sobre opresidente do Reichsbank. Gostava de ter informaes sobre qualquer pessoa que

    se aproximasse dele ou pudesse ter acesso ao Fhrer. Ele interessava-se mais

    pelos aspectos psicolgicos do que pelos polticos. A seu ver, o homossexualismo

    e o alcoolismo eram armas mais temveis que a simpatia pelo regime comunista.

    Funk, Walther. Desde 1939 deixou de estar altura de seu cargo de ministro da

    Economia do Reich, j que suas funes passaram a depender do plano quadrienal e

    da Chancelaria do partido. No gosta de viajar e, por isso, ca o tempo todo em

    Berlim trabalhando, quando o excesso de lcool no o impede, num escritrio da

    Unter den Linden. Ao meio-dia, sai e vai a p at a sede do Reichsbank. Quando se

    rene com o Fhrer, jamais pergunta alguma coisa ou expe algum ponto de vista,

    com receio de irritar o chanceler.

    As pessoas mais prximas de Funk so Horst Walter, seu motorista, chefe de

    gabinete e conselheiro ministerial, e seu companheiro, o doutor August Schwedler. O

    ministro nunca aparece em Berna ou Zurique. Talvez porque reconhea sua

    incompetncia e no queira se medir com os banqueiros suos, escreve mo oagente da Gestapo ao p da pgina. Funk no sabe coisa alguma de assuntos

    monetrios, econmicos ou financeiros do Estado.

    Nosso Fhrer teme que o alto-comando no consiga deter o avano inimigo

    para nossas fronteiras e, no momento, no pode revelar mais nada, como os

    senhores decerto compreendero desculpou-se Bormann em resposta

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    pergunta de Funk.

    O senhor poder ento nos dizer por que e para que estamos nesta reunio

    rodeada de tanto sigilo? Tenho muito trabalho a fazer e no hora de deixarmos

    de lado nossas obrigaes protestou Krupp. J vo saber o motivo da reunio garantiu o lder nazista, com certo

    mistrio na voz. A chave de nosso encontro Odessa.

    Odessa? perguntaram ao mesmo tempo vrios assistentes.

    Sim, Odessa, a sigla de Organisation der Ehemaligen SS-Angehrigen

    esclareceu Martin Bormann enquanto examinava a expresso dos doze homens

    sentados mesa.

    Ter de nos explicar o significado dessa Organizao de Antigos Membros

    da SS pediu o tenente-coronel Adolf Eichmann. Por acaso planeja organizar

    uma associao de veteranos da SS?

    Responderei a todos se guardarem silncio e me deixarem continuar... O

    Terceiro Reich poder sucumbir, caso nosso Fhrer no conte com apoio

    suficiente dos militares para atirar ao mar os exrcitos inimigos desembarcados na

    Europa. Devemos nos preparar para isso, de modo que se decidiu...

    Quando diz se decidiu, a quem se refere? interrompeu curioso o

    magnata Friedrich Flick.

    Senhor Flick, quer saber se o Fhrer est a par do plano? Pois devo dizer-lhe que, agora mesmo, ele se encontra em Berchtesgaden dirigindo a

    contraofensiva. Por esse motivo, eu vim em seu lugar.

    Ento est aqui representando o Fhrer em pessoa? indagou o velho

    Krupp.

    Sim. Sempre falo em nome de nosso glorioso Fhrer respondeu Bormann.

    E agora, se me permitirem, vou explicar a razo e a origem da Odessa, assi

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    como o papel que todos os senhores devero desempenhar nela. Somente a raa

    pode florescer na terra, por isso, os alemes de sangue ariano se purificaro e

    fortalecero em contato direto com o solo germnico. Esse o fundamento da

    Deutsche Gemeinschaft, a grande fraternidade alem. Temos de preservar osmelhores para dias melhores, os de sangue mais puro dessa confraria ariana.

    Temos de proteg-los no s para pr a salvo o orgulho germnico, mas tambm

    para aguardar o momento da ressurreio, que trar consigo um glorioso Quart

    Reich. Assim, convm escolher os melhores alemes para quando esse momento

    chegar. Eles devero estar preparados para promover o renascimento de uma

    Alemanha nova e ainda mais poderosa.

    Os presentes sabiam muito bem que nada do que o Fhrer fazia passava

    despercebido a Bormann. Esse campons de nariz chato mantinha entre os dedos

    gordos os cordis que manipulavam Hitler. Controlava todos os seus atos e ouvia

    com a mxima ateno os seus longos monlogos sem sentido. Movia-se pela

    corte do chanceler como uma comadre astuta, quase sem se deixar notar,

    semelhana de um fantasma. Mas via e analisava tudo que se passava sua

    frente, embora fosse desprezado por aqueles militares prussianos orgulhosos de

    sua falsa tradio guerreira, sempre a bater os calcanhares com estardalhao.

    Entre os que o colocaram de lado estavam personagens como Ribbentrop,

    para quem Bormann no passava de um rstico; Speer, o arquiteto de Hitler,que o definia como um aldeo tosco e vulgar; e Rosenberg, o apstolo da

    religio nazista, em cujo entender Bormann era analfabeto. As aes de

    Bormann a partir de 1943 revelavam, pelo menos a Krupp e talvez a Eichmann,

    que o secretrio aguardava a derrota da Alemanha e a queda do Terceiro Reich,

    assim como o momento em que o Fhrer estivesse moribundo, para se impor

    como legtimo herdeiro do movimento.

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    E como pretende fazer isso? perguntou Krauch, presidente da IG Farben.

    J foram tomadas as primeiras providncias respondeu Bormann.

    Estamos criando rotas de evaso para a eventualidade da queda da Alemanha.

    Por enquanto, no podemos revel-las, j que, at serem necessrias, convmmant-las no mais absoluto segredo. S posso dizer que elas vm sendo

    preparadas e protegidas em diferentes pases da Europa.

    Mas imagino que tudo isso ter um altssimo custo econmico ponderou

    Krupp.

    Sem dvida, Herr Krupp. Pense bem: se conseguirmos que nosso

    protegidos escapem de uma Europa ocupada por americanos e britnicos, com

    uma Alemanha destruda e ocupada por comunistas, ser necessrio pagar

    subornos, obter documentos falsos, novas carteiras de identidade, lugares onde

    instal-los at serem novamente chamados para o renascimento do Quarto Reich.

    Para isso a maioria dos senhores est aqui hoje.

    Ou seja, o senhor quer mais dinheiro de ns protestou Alfried, filho de

    Gustav Krupp. Vem nos pressionando h tempos para mantermos a economia a

    todo vapor a fim de continuar financiando uma guerra que, at agora, no nos

    levou a parte alguma. Financiamos o reabastecimento da Wehrmacht e de outras

    unidades militares do Reich. Se no pararem de pressionar nossas indstrias,

    iremos falncia por falta de fundos para financiar nossas prprias operaes.Bormann virou-se com um sorriso glacial para o jovem Krupp e respondeu:

    Querido amigo, tenho profundo respeito por seu pai, mas suas palavras,

    com um pouco menos de cuidado, poderiam cheirar a traio. E ningum ignora

    que isso j colocou muitos do seu crculo como hspedes de honra no campo de

    Dachau. Est me ameaando? bradou Alfried Krupp, levantando-se de um salto e

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    apontando o indicador em riste para Bormann. Mas ento a quem pedir

    dinheiro para seu novo empreendimento, sua nova Odessa? A quem recorrer o

    Fhrer para reequipar seu contra-ataque? De onde vir o capital para a

    Wehrmacht ou a Kriegsmarine comprarem as matrias-primas necessrias a seureabastecimento, construo de novos tanques e submarinos? Devo lembrar-lhe

    que, quando o senhor ainda morava em uma granja de Halberstadt, meu pai j

    possua usinas que construam canhes para defender este pas. Para defender

    nossa sagrada Alemanha.

    Queira desculpar meu filho, ministro Bormann interrompeu Gustav

    Krupp. Sabe como os jovens so impetuosos. Entretanto, caber a eles

    reconstruir nossa grande Alemanha depois desta guerra, quando ningum mai

    quiser saber de velhotes como eu.

    Senhor Krupp, o Fhrer e eu temos enorme respeito pelo que o senho

    representa. Portanto, no levarei adiante esta discusso com seu filho, preferindo

    atribu-la ao mpeto da juventude ao qual se referiu contemporizou Bormann a

    fim de abrandar um pouco o tom que at ali adotara. Proponho uma pausa para

    comermos alguma coisa. Descansemos um pouco, e depois poderemos continuar

    a reunio. Vamos degustar as iguarias que o pessoal do major Voss preparou para

    ns.

    Os treze homens sentados em volta da mesa se levantaram, formandopequenos grupos medida que se aproximavam do salo onde estava montado o

    elegante buf.

    Ostras a esta altura da guerra! incrvel! comentou o especialista em

    armamentos Albert Vgler, enquanto saboreava uma ostra de Concarneau.

    O melhor para os melhores interveio Bormann, que estava ao seu lado.

    A um canto, bem afastados da mesa do buf e de Bormann, Flick e os dois

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    Krupp conversavam. Num segundo grupo, Eichmann e Brunner felicitavam o

    major Voss pela organizao do evento. Puhl e Funk, ainda na sala de reunio,

    diziam alguma coisa em voz baixa a Von Schroeder, o especialista em operaes

    financeiras com a Sua. Deus os cria e eles se juntam observou Bormann ao passar diante do

    grupo formado por Krauch e Von Schnitzler, da IG Farben. Ambos ouviram o

    comentrio, que desenhou em seus lbios sorrisos de cumplicidade.

    No outro extremo da sala, contemplando o panorama da praa Klber,

    achava-se um silencioso Edmund Lienart. Bormann sabia que aquele francs

    misterioso era amigo do Fhrer desde a dcada de 1920 e, portanto, um

    personagem que no se podia ignorar. Lienart era a chave que coordenaria a

    Odessa. Assim o decidira o prprio Hitler.

    Como anda a situao na frente oriental? Sabe algo a respeito? perguntou

    o francs, sem desviar os olhos da janela.

    Os bolcheviques conseguiram romper nossas defesas em Narva e avanam

    velozmente para a Prssia Oriental respondeu Bormann em tom lacnico.

    Acha que o Fhrer tem alguma carta escondida na manga?

    S ele sabe. No momento, esfora-se para deter o avano do inimigo e

    impedi-lo de pr os ps em terra alem. Comenta-se que uma nova arma secreta

    vem sendo desenvolvida e que uma grande ofensiva ser desfechada antes doNatal.

    Martin Bormann achava tedioso ter de dar respostas a perguntas de carter

    militar que em nada o interessavam, nunca o haviam interessado sequer durante

    os anos de glria, no comeo da guerra, quando as foras alems destroavam os

    exrcitos da Frana, Dinamarca, Noruega, Blgica, Holanda, Grcia, Polnia e

    Iugoslvia. Seus interesses se concentravam na poltica e na figura do prprio

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    Fhrer.

    E como vai meu amigo, o Fhrer? perguntou Lienart.

    Oh, muito bem. Continua despachando pessoalmente todos os dias com o

    alto-comando. Temo, porm, que ele no descanse o bastante, e fiz essaobservao ao mdico da Chancelaria. Faz tempo que o senhor no v o Fhrer?

    Sim, bastante tempo. A ltima vez em que nos encontramos foi no Berghof,

    em maio de 1938. Eu estava com minha esposa Magda e meu filho August

    respondeu Lienart. Um grande dia!

    Dias assim voltaro, no duvide. E como tm passado sua encantadora

    esposa e seu filho? perguntou Bormann.

    Bem. Ela continua em nossa casa de famlia em Sabarths e meu filho

    August foi para o seminrio da abadia de Fontfroide. Antes, se preparava para o

    sacerdcio no seminrio de Maria Auxiliadora, em Passau, mas a guerra o obrigo

    a mudar de escola explicou Edmund Lienart.

    Lembro-me perfeitamente de sua bela esposa. alem, no ?

    Sim, de uma famlia ariana...

    Ora, amigo Lienart, no se preocupe com isso. Estou certo de que, se

    houvesse uma nica gota de sangue judeu nas veias de sua esposa, o senhor

    mesmo a teria repudiado tranquilizou-o Bormann, observando atentamente a

    reao do francs. Sim, mas Magda cem por cento ariana. Sua famlia...

    Amigo Lienart, foi apenas uma brincadeira. Sei que um grande amigo d

    nosso Fhrer. Est, portanto, juntamente com os seus familiares, livre de

    qualquer suspeita por parte das SS ou da Gestapo. Responsabilizo-me por isso

    pessoalmente.

    O magnata francs no gostou nada daquela observao e muito menos de

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    pensar que seu destino e o de sua famlia poderiam estar nas mos daquele

    inculto e perigoso campons alemo o qual, de alguma forma, havia conseguido

    se tornar o nmero 2 do partido nazista e o nico com poder suficiente para ver o

    Fhrer a qualquer hora do dia ou da noite. J se foram os bons tempos dos risos e das brincadeiras divagou Lienart,

    para amenizar um pouco a tenso entre ambos.

    Que idade tem o jovem August?

    Acaba de completar 23 respondeu Lienart.

    J esteve no exrcito?

    No. Sente-se mais propenso a servir a Deus do que Frana.

    De novo, foi interrompido por Bormann, que riu com gosto.

    Os bons tempos logo estaro de volta, amigo Lienart, e o resultado de nossa

    reunio contribuir para isso. No duvide, amigo Lienart, no duvide insistiu

    Bormann, pousando seu gordo brao no ombro do francs e caminhando com ele

    at onde estavam os outros convidados. Sugiro retomarmos a conversa no

    ponto em que havamos parado props o secretrio de Hitler.

    Os treze homens voltaram a ocupar seus lugares mesa. O primeiro a tomar a

    palavra foi Gustav Krupp.

    Muito bem, ministro Bormann. Agora eu gostaria de saber algo, como todo

    os demais gostariam, estou certo. Qual ser nosso papel em sua organizaoOdessa?

    Tenho um plano concebido nos mnimos detalhes, uma mquina bem

    lubrificada em que todas as peas se ajustam perfeitamente. Ele deve ser

    executado por inteiro, cada milmetro. Se cada um cumprir sua misso, a Odessa

    ser um sucesso e estaremos preparados para o nascimento de um novo Reich.

    Ento, o que devemos fazer? perguntou Krauch.

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    Por ora, examinem o relatrio financeiro que est dentro da pasta que foi

    entregue a cada um dos senhores pelo major Voss, no incio da reunio pediu

    Bormann.

    Os doze homens abriram as pastas com o selo de altamente secreto eprocuraram, entre os papis, o relatrio mencionado por Bormann.

    Agora que todos tm o relatrio em mos, direi qual ser a misso de cada

    um. O tenente-coronel Eichmann ficar encarregado de redigir a lista Odessa,

    com os nomes dos candidatos pertencentes SS que devem ser salvos por nossa

    organizao aps o fim da guerra...

    A Gestapo ser includa na lista? indagou Brunner.

    Sim, a Gestapo tambm, mas daremos preferncia SS e aos altos membros

    do partido explicou Bormann. Voc, capito Brunner, coordenar a list

    redigida pelo tenente-coronel Eichmann e preparar os documentos falsos que

    nossos camaradas da Irmandade usaro para chegar a seus refgios seguros.

    Depois de sorver um grande gole de gua, Bormann prosseguiu distribuind

    as tarefas na nova organizao que estava criando naquele exato momento.

    Os senhores Flick, Krupp e Vgler fornecero fundos, por intermdio de

    suas agncias subsidirias e das filiais de suas empresas no exterior,

    principalmente na Sua e na Argentina, para financiar os primeiros passos da

    Odessa. Mas isso no bastar, tenho certeza objetou Friedrich Flick.

    No se preocupe, Herr Flick. Temos estudado e planejado, j faz tempo,

    outras formas de financiamento de nossa organizao, como depsitos em ouro,

    em diversos bancos suos, atravs do Reichsbank, ou das joias e do ouro

    tomados dos judeus nos campos de concentrao pelo departamento do tenente-coronel Eichmann. Parte desse ouro e dessas joias dos judeus ajudar os

  • 7/14/2019 O Ouro de Mefisto - Eric Frattini

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    melhores dos nossos a se esconder at que venha o novo Reich confirmou

    Bormann. Continuemos. O presidente e ministro da Economia, Funk, se

    encarregar de dar ares de legalidade s operaes em ouro com a Sua por meio

    de certificados do Reichsbank. Os senhores Puhl e Von Schroeder estabelecerocomunicaes de mo dupla com os gnomos de Berna e Zurique para acelerar as

    operaes de desvio de fundos procedentes do dinheiro e das joias tiradas dos

    judeus nos campos de extermnio. Assim, esses valores parecero dinheiro legal e

    limpo aos olhos de quaisquer autoridades econmicas ou financeiras das

    potncias inimigas que o rastrearem depois da guerra.

    S Funk e Von Schroeder sabiam o que Bormann queria dizer com gnomos.

    Essa expresso era uma forma pejorativa com a qual o prprio Adolf Hitler se

    referia aos banqueiros e membros do governo suo solidrios com a Alemanha

    do Terceiro Reich. O Fhrer os desprezava profundamente, mas precisava deles

    na mesma medida.

    Os senhores, cavalheiros da IG Farben, recorrero aos seus contatos no

    estrangeiro para fundar empresas fantasmas em pases como Espanha, Portugal,

    Argentina, Brasil, Colmbia e outros dessa zona com o fim de criar uma cortina

    de fumaa que possa no futuro dar cobertura legal aos membros da Irmandade,

    frente s autoridades locais. Ao final da guerra, sem dvida nenhuma, os

    americanos e britnicos iro pressionar outros pases a entregar nossoscamaradas, para castig-los pelo que fizeram durante as hostilidades afirmou

    Bormann.

    E qual ser a minha funo? perguntou interessado Edmund Lienart.

    Voc, amigo Lienart, ser o ncleo, o centro de todas as operaes da

    Odessa. As aes executadas pelas outras pessoas aqui presentes se concentraro

    em voc. Ningum, nenhum servio de inteligncia inimigo, duvidar ou

  • 7/14/2019 O Ouro de Mefisto - Eric Frattini

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    suspeitar de um cidado francs, depois de se completar a destruio de nossa

    querida Alemanha. Nenhum russo, ingls ou americano nem mesmo um dos

    franceses desse ttere chamado De Gaulle desconfiar de voc. Quem ir

    imaginar que um cidado francs, sem mcula, poder dirigir e coordenar a maisimportante e sigilosa operao de fuga de toda a histria, uma operao que

    poupar importantes membros da SS e do partido da destruio de nosso pa

    quando o Terceiro Reich chegar ao fim? Esse ser o seu trabalho, amigo Lienart

    concluiu o secretrio do Fhrer.

    Mas essa coordenao de que fala... Quando ser efetivada? inquiriu o

    francs.

    A partir de agora. Deste exato momento. Voc ser uma espcie de ministro

    plenipotencirio das Relaes Exteriores da Odessa. Precisar viajar pela Europa

    em busca de aliados poderosos, com quem seja possvel contarmos depois que os

    inimigos do Reich iniciarem a perseguio aos nossos camaradas. Ter passe livre

    pelas fronteiras de todos os pases controlados pela Wehrmacht, inclusive dos

    territrios ocupados. Sua misso consistir em encontrar e convencer esses

    poderosos futuros aliados a nos dar ajuda desinteressada, ou no to

    desinteressada assim. Vamos lhe entregar um crach amarelo especial para livre

    entrada em qualquer instalao do Reich. Depois de exibi-lo, ningum lhe far

    perguntas. Ento eles sero pagos por ajudar a Odessa? perguntou Lienart.

    Sim, com ouro. Nisso, voc ter o apoio dos camaradas Puhl e Von

    Schroeder, os nicos autorizados a intervir e negociar com os gnomos suos. Os

    nicos enfatizou Bormann, dando uma palmada sobre a mesa. E acrescentou:

    timo. Agora vocs j tm uma ideia geral do plano. Se quiserem fazer alguma

    pergunta, estou sua inteira disposio concluiu o secretrio de Hitler, olhando

  • 7/14/2019 O Ouro de Mefisto - Eric Frattini

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    fixamente seus interlocutores.

    O que aconteceria se algum de ns se recusasse a participar de seu

    magnfico plano Odessa? indagou Vgler.

    Bormann soltou uma forte gargalhada. Meu caro Vgler, por nada no mundo eu gostaria que um agente da SS se

    interessasse por voc. Antes de encerrarmos aqui, pedirei o apoio incondicional

    de todos. Um sim redondo. Unnime. No pretendo dizer ao Fhrer, ainda esta

    noite, que algum dos senhores se recusa a apoiar a futura grande Alemanha. Ou

    voc pretende dizer-lhe isso pessoalmente, Vgler?

    No, por favor... gaguejou Vgler. Nosso Fhrer e voc, na qualidade

    de seu representante, sabem muito bem que podem contar com meu apoio

    incondicional ao projeto Odessa.

    Neste fim de semana, todos j estaro sabendo quais passos precisaro dar.

    Passos eficientes e rpidos. O tempo urge, e no podemos perder um minuto.

    No haver pontas soltas. Agora, quero ouvir seus votos para a operao Odessa

    props Bormann.

    Meu voto sim, em nome do Reichsbank adiantou-se Funk.

    O meu tambm, um sim redondo disse Puhl.

    Um por um, todos pronunciaram o sim favorvel ao projeto de Martin

    Bormann. Lienart, antes de responder, olhou bem para os outros, muitos dosquais haviam dado seu apoio Odessa sem grande entusiasmo, como os Krupp e

    Flick. Mas, no fim das contas, sabiam que de seus bolsos que sairiam os

    maiores financiamentos da operao idealizada por aquele tipo desprezvel.

    Senhor Lienart, qual o seu voto? perguntou Bormann.

    Segundos depois, o magnata francs voltou-se para o poderoso secretrio do

    Fhrer:

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    Meu voto sim, claro. Um sim redondo murmurou, tambm sem grande

    entusiasmo.

    Ento, como tudo j est bem claro, proponho encerrar esta reunio e

    voltar s nossas tarefas. Muitos de vocs tomaram notas. Decorem-nas edestruam-nas. O major Voss preparar uma transcrio sumria para

    apresentarem aos seus superiores, porm ningum mais dever ouvir falar do que

    se passou aqui. Seus comentrios me sero trazidos pelo major Voss. Devemos

    nos sentir satisfeitos, acreditem. Obrigado a todos pela presena. Quem quiser

    poder saborear a boa comida com a qual o major nos presenteou ou ento voltar

    aos seus afazeres. Boa noite despediu-se Bormann.

    Os treze homens apertaram-se as mos e se dirigiram para a sada do hotel

    Maison Rouge. Um membro da SS ia chamando, um por um, os motoristas dos

    magnatas e banqueiros que tinham comparecido reunio. Quando Edmund

    Lienart se preparava para abandonar a sala, Martin Bormann pegou-o pelo bra

    e levou-o a um canto afastado para que ningum os ouvisse.

    Vamos at o terrao props Bormann.

    Ambos acenderam cigarros enquanto observavam as primeiras luzes que se

    acendiam em volta da praa.

    Depois da guerra, eu gostaria muito de vir morar nesta cidade. Talvez

    comprar uma casa nas redondezas... quando j no tiver responsabilidades nopartido desabafou o secretrio, observando a expresso ctica de Lienart. Mas

    vejo que voc, meu caro Lienart, pouco sonhador. A poltica no passa de um

    jogo feio. Sei disso muito bem. Acho que o exrcito, neste caso, a SS, exige muita

    disciplina para fazer, ele mesmo, o impensvel. A poltica requer habilidade para

    que outros faam o impensvel por ns. Neste momento, necessitamos da mesmaquota, tanto na poltica quanto no exrcito.

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    Quanto tempo eu tenho para responder? perguntou Lienart.

    Para responder a que, meu amigo?

    Gostaria que o prprio Fhrer ratificasse aquilo que voc me disse. S

    concordarei em conversar com o Fhrer e s do Fhrer aceitarei esta misso.Nesse momento, Martin Bormann soltou uma sonora gargalhada e deu uma

    palmadinha no ombro do francs.

    Seu amigo, o nosso Fhrer, conhece voc muito bem. Sabia qual seria sua

    reao: pr em dvida minhas instrues. Agora lhe pergunto: se o Fhrer lhe

    desse a ordem pessoalmente, voc a acataria sem discutir?

    Sim, aceitaria a misso de imediato, pelo bem do renascimento do Reich

    garantiu Edmund Lienart.

    De acordo. Amanh cedo, um carro o apanhar em Berlim para lev-lo ao

    aeroporto, de onde um avio o conduzir a Berchtesgaden. Ali ser recebido pelo

    Fhrer, no Berghof. Nosso lder ratificar minhas instrues para seu trabalho na

    Odessa disse Bormann.

    Se for assim, aceitarei sem condies.

    Em que hotel ficar em Berlim?

    No Adlon.

    s sete da manh o carro estar sua espera na porta. Seja pontual, me

    caro Lienart. O Fhrer anda muito ocupado e dispe de pouco tempo at paraamigos ntimos como voc. Agora, se me der licena, preciso apanhar um avio

    em Berlim. Comeou a recolher as pastas com as informaes sobre a Odessa

    que pouco antes os presentes reunio tinham lido. Bormann ento se voltou

    para Lienart e acrescentou: Gostaria de lembrar-lhe, meu caro, que o Fhrer

    determina nossas metas e que nossa obrigao cumprir o que ele ordena. Ocomo e o quando ficam a nosso critrio; mas nunca devemos discutir o

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    qu. No se esquea disso.

    Antes de entrar para o mesmo veculo no qual havia chegado, Bormann

    ordenou ao major Voss que destrusse todas as pistas sobre a reunio que

    acabava de ocorrer. Tudo dever sumir, major Voss. Entendeu?

    Sim, senhor, perfeitamente apressou-se a dizer o oficial da SS.

    Ento, que seja assim... Heil, Hitler! exclamou Bormann antes de

    desaparecer dentro do Mercedes.

    O major da SS Helmut Voss entrou de novo no hotel Maison Rouge e, sem meias

    palavras, pediu ao gerente que lhe entregasse o livro de honra do

    estabelecimento. Gustav Krupp, Walther Funk e alguns outros haviam assinado o

    livro. O oficial folheou-o at encontrar as pginas correspondentes ao dia 10 de

    agosto e arrancou-as. Em seguida, voltou sala, onde o taqugrafo guardava os

    rolos utilizados durante a reunio.

    Passe-me esses rolos ordenou-lhe o oficial. Eu mesmo me encarregarei

    de redigir um sumrio para todos os assistentes.

    Quando ficou sozinho no imenso salo, Voss se aproximou de um gramofone

    instalado a um canto da mesa e colocou-lhe um disco. Ao baixar a agulha sobre o

    sulco, ouviram-se os sons de uma sinfonia de Schubert. Aps ingerir, em um sgole, um copo de conhaque, o major se encostou em uma pequena lareira,

    pensando: No sei como algum pode gostar dessa merda vienense de

    Schubert. Juntou ento os rolos do taqugrafo e as anotaes feitas pelos

    assistentes, acendeu o fogo e atirou nele os papis comprometedores.

    Ps ento o quepe com o emblema da caveira, apagou as luzes e saiu do

    hotel, perdendo-se entre os becos da cidade.

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    Em menos de nove horas, aqueles treze homens criaram uma poderosa

    organizao chamada Odessa, que deveria converter-se no ncleo do

    renascimento de um Quarto Reich, aps o fim do Reich de Mil Anos, jmoribundo. Martin Bormann havia acabado de assentar os alicerces de uma

    organizao nazista de nvel internacional, cujos tentculos se estenderiam do

    corao da Europa ocupada pelos Aliados s remotas selvas da Amrica Latina,

    do centro de uma Alemanha vencida e aniquilada ao Oriente Prximo, explosivo

    e instvel.

  • 7/14/2019 O Ouro de Mefisto - Eric Frattini

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    P

    II

    Berlim

    or trs das elegantes e antigas fachadas em estilo prussiano dos

    palcios que ladeavam a Wilhelmstrasse, descortinava-se agora uma

    paisagem rota e coberta com os escombros dos edifcios atingidos

    pelas bombas aliadas. A zona onde se concentravam os prdios do governo era

    conhecida pelo nome potico de Cidadela. A poucos metros dali, na Pariser Platz,

    erguia-se desde 1907 o exclusivo hotel Adlon.

    O estabelecimento se convertera no centro mundano da capital alem a parti

    dos anos 20, quando Lorenz Adlon, um negociante de vinhos, decidiu abrir o

    hotel. Agora, todo aquele esplendor estava um tanto apagado pelos bombardeios

    constantes a que as foras areas aliadas submetiam a capital do Reich. A msica

    de Boccherini ou de Mozart, em seus elegantes sales e restaurantes, cedera lugarao rudo estridente das sirenes que davam o alarme conforme os ataques areos

    se aproximavam. Personagens como Louise Brooks, Charlie Chaplin, Josephine

    Baker e Marlene Dietrich tinham sido substitudos por refugiados que buscavam

    alguma proteo sob o manto j no to protetor do Terceiro Reich.

    Mesmo assim, o pessoal do hotel, muito profissional, continuava cuidando da

    melhor maneira possvel de seus hspedes, apesar do racionamento e da escassez

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    de produtos. No Adlon, ainda se podia comer po quente com manteiga e

    marmelada inglesa.

    Senhor Edmund Lienart? perguntou o oficial da SS.

    Sim, sou eu. Heil, Hitler! saudou o recm-chegado, erguendo o brao e batendo

    fortemente os calcanhares das botas lustrosas. Sou Rochus Misch, do

    Begleitkommando Adolf Hitler. Tenho ordens de escolt-lo at Berchtesgaden,

    para seu encontro com o Fhrer.

    Muito bem respondeu Lienart. Estou sua disposio.

    Nos ltimos meses, a guerra ia de mal a pior para os alemes. O marechal

    Rommel acabava de se suicidar, aos 43 anos de idade. Bebera veneno numa

    priso da Gestapo, onde tinha sido encarcerado por seu envolvimento no compl

    para assassinar o Fhrer. Aachen fora a primeira grande cidade germnica a cai

    em mos aliadas, e em Belgrado j estavam sendo evacuadas as tropas de

    ocupao. A nica pergunta era: quem chegaria primeiro a Berlim, os soviticos

    ou os americanos?

    Fora do hotel, bem diante do Porto de Brandenburgo, aguardava um

    Mercedes-Benz preto vindo da Chancelaria prxima, j com outros dois membros

    da Leibstandarte SS Adolf Hitler. Em 1933, Hitler havia criado essa guard

    pessoal, um destacamento de elite posto nica e exclusivamente sob seucomando.

    Temos ordens para lev-lo ao aeroporto de Gatow, onde o espera um

    unkers JU 52 explicou Misch.

    O avio no devia decolar de Tempelhof? perguntou Lienart, intrigado.

    No, senhor. Gatow o aeroporto que os membros do governo e do

    partido, e consequentemente tambm o nosso Fhrer, costumam usar. Fica a uns

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    dezesseis quilmetros daqui. O Fhrer no tolera as inconvenincias de um

    aeroporto to grande quanto Tempelhof respondeu o guarda da SS.

    Edmund Lienart se acomodou confortavelmente no assento traseiro, junto

    dos guarda-costas de Hitler. O cortejo, composto do Mercedes e de duasmotocicletas providas de sidecare metralhadoras MG-42 como escolta, arrancou

    em direo ao sudoeste da cidade, atravessando o Tiergarten at a Berliner

    Strasse. No foi detido em nenhum bloqueio policial e ningum reparou nele.

    Minutos mais tarde, a caravana parava na cabea da pista do aerdromo, onde j

    se via um Junkers trimotor, modelo habitual para esse tipo de viagem.

    A durao do voo ser de trs ou quatro horas. Acomode-se, senhor

    recomendou Misch.

    Edmund Lienart ocupou o assento mais amplo e colocou o cinto de

    segurana. S depois se lembrou de que era o lugar onde seu amigo Hitler sempre

    se sentava quando viajava naquele avio.

    Aps uma curta troca de palavras, Lienart soube que o jovem de 27 anos,

    nascido na Alta Silsia, pertencia desde 1940 guarda pessoal do Fhrer.

    Seu nome de origem francesa, no ? perguntou Lienart.

    , sim, senhor.

    Vermelho traduziu Lienart.

    Sim. o que significa. Ou talvez designe o lugar de onde provm, no seiao certo. Mas no pense que minha famlia seja comunista apressou-se a dizer

    Misch, quase como se estivesse se defendendo.

    Lienart deu uma risadinha.

    Oh, amigo, no se preocupe com isso. O ReichsfhrerSS Heinrich Himmler

    no permitiria que um comunista fizesse parte da guarda do Fhrer desde 1940.

    Acalme-se.

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    O rudo dos motores para chegar potncia de decolagem interrompeu a

    conversa entre os dois homens. Lienart deve ter dormido um pouco durante o

    voo. O choque do trem de aterrissagem do Junkers na pista do aeroporto Bad-

    Reichenhall-Berchtesgaden, em Ainring, f-lo despertar bruscamente. Era cercade meio-dia. A fronteira austraca situava-se a poucos metros de distncia, e

    Berchtesgaden, a uns vinte quilmetros.

    Ao p da escada j aguardava um 770K Grosser Mercedes fabricado pela

    firma Daimler-Benz AG, de Stuttgart. O primeiro a descer do avio foi Rochus

    Misch, que saudou de brao erguido a Heinz Linge, um personagem arrogante,

    ambicioso e nada simptico, cujo sonho era ser o chefe do Begleitkommando.

    Linge no se dignou responder saudao de Misch, mas cercou de atenes

    aquele francs de aparncia importante, que conseguira acesso direto ao Fhrer

    num momento to grave da guerra.

    Bom dia, senhor Lienart. Estvamos sua espera cumprimentou Linge

    enquanto o convidava a subir ao carro.

    Durante todo o trajeto, Edmund Lienart no pde deixar de admirar aquelas

    paisagens idlicas formadas por montanhas altas e lagos cristalinos, que ladeavam

    de maneira natural a estrada serpenteante para Berchtesgaden. Ali, era como se o

    tempo e os acontecimentos houvessem parado. Nada parecia real, nem mesmo os

    milhes de mortos pelos quais a guerra j fora responsvel. Aquele era o parasoparticular de Hitler, o local onde ele podia vestir roupas civis ou o tpico traje

    bvaro, onde ele podia acariciar criancinhas e adestrar seus ces, onde ele trocava

    a imagem srdida da indstria de armas ou dos campos de concentrao por uma

    viso maravilhosa e potica. Naquela montanha, a suamontanha, Hitler no era o

    Fhrer, mas apenas um chefe rodeado de uma corte particular que ele tratavacom uma cortesia moda antiga e que alegrava com um senso de humor cruel.

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    Hitler no escolhera ao acaso sua terceira residncia, depois das casas de

    Munique e Berlim. A montanha se erguia no centro de uma densa rede de

    smbolos que ia se convertendo com o passar dos anos em uma espcie de priso

    hbrida do nacional-socialismo. Tudo isso tivera seu papel na escolha doObersaltzberg como lugar de descanso. O municpio, na dcada de 1920,

    abrigava pequenos stios, hospedarias, hotis e sanatrios. Quinze anos depois,

    surgia na paisagem idlica uma grande construo: uma rede tecnolgica que

    comeou a modificar o ambiente, com cada vez mais valas e cercados que

    isolavam o centro do governo. Importantes homens do Reich como Rudolf Hess,

    Hermann Gring, Albert Speer ou Martin Bormann se instalaram nos arredores

    eram os satlites do grande planeta chamado Adolf Hitler. Logo depois vieram o

    quartis da SS.

    O Mercedes parou de repente diante de uma grande guarita da SS, logo depois

    de cruzar o caudaloso rio que rodeava o Obersalzberg como se fosse uma

    proteo natural. Depois de ser liberado, o veculo entrou na Saltzbergstrasse e

    subiu por entre um bosque milenar, que parecia ter sado da lenda dos

    nibelungos, pensou Edmund Lienart. Percorridos alguns quilmetros, o franc

    avistou direita o luxuoso estdio montado por Albert Speer, o arquiteto que

    sonhara com uma Alemanha modelar, mas ficara apenas no sonho.

    Vamos lev-lo at a casa de hspedes, para que possa instalar-se esclareceu Linge. tarde, algum o conduzir ao Berghof, para seu encontro

    com o Fhrer.

    timo murmurou Lienart, sem conseguir desviar os olhos da paisagem.

    Da casa de hspedes, avistava-se o grande pico macio do Untersberg dominandoo vale. Lienart seguiu de perto o membro da SS que se encarregara de sua

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    bagagem.

    Quer que eu lhe mande um mordomo para ajud-lo a desfazer as malas,

    senhor? perguntou o oficial.

    No necessrio, obrigado. Eu trouxe pouca coisa respondeu Lienartantes de fechar a porta.

    Sozinho na casa, e enquanto calculava quais seriam os prximos passos que

    deveria dar para seu encontro com o amigo Fhrer, Edmund Lienart no tirava os

    olhos das montanhas e do Kehlsteinhaus, o Ninho da guia, a pequena fortaleza

    que o partido dera de presente ao Fhrer por ocasio de seus 50 anos. Lienart

    sabia que Hitler odiava aquele lugar. Tinha claustrofobia, mal suportava percorrer

    o longo tnel que terminava num elevador, e tambm no gostava de altura. Ali,

    Lienart se reuniria no dia seguinte com o mesmssimo Bormann. Talvez lhe

    agrade sentir-se o dono da montanha, pensou Lienart sobre o secretrio de

    Hitler.

    Era sabido que o Fhrer preferia o Berghof, seu palcio em plena cordilheira,

    de cujas imensas janelas ele podia apreciar a silhueta imponente do Untersberg.

    O barulho da porta fez Edmund Lienart voltar realidade.

    Senhor Lienart, sou Otto Meier, ajudante do tenente-coronel Linge.

    Ordenaram-me que o conduzisse ao Berghof, presena do Fhrer. Siga-me, por

    favor.Aps sair da casa de hspedes, Edmund Lienart acompanhou Meier por

    vrias trilhas estreitas, algumas quase invadidas pela vegetao.

    Ao fazer uma curva, avistou o chal de Hitler. No se lembrava bem dele,

    pois o visitara havia muitos anos, acompanhado da famlia. Tudo parecia

    tranquilo nos arredores, como se a guerra nunca houvesse chegado quele vale,

    como se ela nunca houvesse existido. Como se houvesse desaparecido por

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    completo de nossas vidas, pensou Lienart. A vista de onde ele estava agora

    era absolutamente grandiosa.

    Ao entrar no Berghof, Meier deixou Edmund Lienart esperando por um instantenum pequeno salo. No corredor, cruzaram com o telefonista permanente d

    casa, um soldado da SS.

    Preciso anunciar sua chegada ao Fhrer esclareceu Meier. Espere aqui.

    O horrio do Fhrer, quando estava no Berghof, era bem conhecido de seus

    ntimos. Hitler, noctmbulo, dava o ar da graa s onze da manh. Comeava o

    dia com uma refeio que costumava se alongar bastante e, em seguida, passava

    para a chamada casa de ch, acompanhado de seus pastores-alemes e de seus

    colaboradores mais prximos, como Albert Speer ou o prprio Bormann. s

    vezes, ia com ele tambm sua companheira, Eva Braun.

    Durante o caf, Hitler se perdia em interminveis monlogos sobre si mesmo,

    mas no raro estava to cansado que caa num sof, tendo os acompanhantes de

    esperar em silncio at o Fhrer abrir os olhos. s cinco ou seis da tarde, o grupo

    regressava ao Berghof. Horas depois, tinha incio a cerimnia da ceia, depois da

    qual os convidados se transferiam para o grande salo onde costumavam assistir a

    filmes muito antigos, idiotas e sem nenhum interesse intelectual, ou ouvir uma

    pera de Wagner. Por fim, Hitler, j tarde da noite, resolvia ir para a cama e sento os convidados, tambm fartos, tinham permisso para recolher-se.

    O senhor pode esperar no grande salo recebeu-o Otto Meier, dando-lhe

    passagem.

    O acesso ao salo era por uma escada de cinco degraus, diante da qual se

    abria uma larga porta encimada por um arco. O piso, de mrmore brilhante,

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    resplandecia sob as luzes de dois grandes lustres que pendiam do teto de madeira

    artesanalmente entalhada. Bem esquerda via-se a enorme lareira, diante de um

    mesa rodeada de sofs confortveis. Uma ampla escada de trs degraus conduzia

    a um segundo patamar do salo. esquerda, um vasto prtico abria para outrosalo menor, mais discreto. Uma pequena estante de livros ao lado de um piano,

    um grande globo terrestre, um relgio de parede coroado pela guia nazista e uma

    mesa redonda de marchetaria rodeada por seis poltronas de diferentes estilos

    emolduravam uma janela enorme, de onde se tinha uma viso extraordinria da

    paisagem e dos picos nevados do Untersberg. A janela raramente ficava fechada,

    mas, em dias de chuva forte, uma grande persiana acionada mecanicamente

    permitia vedar por completo o recinto do mundo exterior. As altas paredes

    estavam decoradas com grandes tapetes flamengos, alm de quadros de artistas

    alemes e austracos dos sculos XVII e XVIII.

    Minutos depois, um murmrio no corredor, cada vez mais prximo, deu a

    entender ao convidado que o Fhrer se aproximava. Vinha acompanhado de seu

    squito particular. Christa Schder, sua secretria; Bernhard Frank, comandante

    da SS em Berchtesgaden; Wilhelm Brckner, ajudante de campo principal;

    Nikolaus von Below, ajudante de campo da Wehrmacht; e Arthur Kannenberg,

    um homem baixo, forte e dotado de extraordinrio senso de humor, a quem todos

    chamavam de Willy. Era o mordomo particular do chanceler. Cada um delesexibia a Gelber Ausweis, a identificao amarela, uma espcie de abre-te, ssamo

    que identificava o portador como membro do squito do Fhrer.

    O visitante notou que o Fhrer, trajando casaco cinza, gravata, cala preta e,

    presa lapela, uma pequena guia de ouro com a sustica entre as garras, se

    aproximava dele a passos lentos e com um sorriso nos lbios, ao reconhecer o

    amigo.

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    Meu bom e fiel amigo Lienart disse Hitler, fazendo-lhe com o bra

    direito erguido a saudao nazista.

    Lienart se empertigou e devolveu a saudao.

    Heil, mein Fhrer. Isso no necessrio, amigo disse Hitler, pegando-o pelo brao e

    apertando-lhe debilmente a mo. Vamos at a janela sugeriu em seguida ao

    convidado.

    Para o francs, seu amigo de muitos anos fora um homem de muitas caras: o

    chefe de Estado na Chancelaria de Berlim; o lder do partido nas impressionantesconcentraes populares em Nuremberg; o estrategista militar na Wolfschanze, a

    Toca do Lobo, na Prssia Oriental; o deus-lder que os fiis desejavam

    reverenciar em sua montanha sagrada; e o chanceler do povo no Berghof do

    Obersalzberg. Mas agora, naquele final de vero de 1944, era um homem de

    olhos vidrados, imersos em olheiras profundas, com o rosto inchado, muito

    plido, de aspecto senil, com ombros encurvados e um dos braos em constante

    tremor, como se sofresse do mal de Parkinson.

    Hitler se virou para seu ajudante pessoal, Otto Gnsche, e ordenou-lhe que

    esvaziasse o salo, deixando-o a ss com o convidado. Todos acataram a ordem,

    exceto dois de seus guarda-costas da SS, que estavam de p, um pouco afastados

    do resto do grupo. Vocs tambm disse Hitler em tom cansado. Quero ficar a ss com o

    meu amigo.

    Ja wohl, mein Fhrer responderam ambos, sem deixar de observar

    atentamente o estrangeiro.

    Quando a porta se fechou atrs deles, Hitler voltou para junto de Lienart, queainda admirava a paisagem pela janela.

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    Conhece a obra de Toni Blum, meu amigo? perguntou o Fhrer.

    No, no conheo, meu Fhrer.

    Em 1912, ele comps uma pera intitulada O Cntico do Untersberg.

    Segundo Blum, certa vez, o imperador Carlos V estava dormindo no Untersbergem meio a um exrcito de espritos. Subitamente, uma revoada de corvos veio

    anunciar-lhe que aqueles espritos ressuscitariam para salvar o povo alemo. O

    povo, reencarnado num pastor, fez a si mesmo este juramento de fidelidade: Ao

    imperador e ao povo germnico, permanecerei sempre leal; a quem blasfemar

    contra ns, esmigalharei o crnio. Carlos V desceu do monte e mandou o arautoanunciar a unificao da Alemanha. O imperador perseguiu a vitria e tudo

    culminou num pas apotetico e grandioso. E Hitler, calando-se, contemplou

    tambm a portentosa cordilheira ao lado de seu amigo Lienart.

    Aos ouvidos do francs, com o Fhrer ali ao seu lado, aquele estranho

    discurso parecia sem sentido. O homem que antes discorria animadamente sobre

    tantos assuntos s falava nos ltimos meses em adestramento de cachorros,

    dietas e lendas antigas, repisando sempre a estupidez e a maldade do mundo. S

    quando recebia uma visita o chanceler abandonava seu estado depressivo e

    recuperava o poder de sugesto, a capacidade de persuaso. No raro, a partir de

    uma lembrana qualquer, comeava a divagar sobre exrcitos cada vez mais

    poderosos que j estavam a caminho, vindos no se sabia de onde, para lanar osAliados ao mar, ou de armas milagrosas que levariam a destruio total s mai

    remotas naes da Terra.

    Todos ns esperamos dias melhores. Um mundo de paz, uma cultura alem

    triunfante. Devemos trabalhar por esse renascimento, do qual voc ser a chave,

    meu amigo. Agradeo suas palavras, meu Fhrer, mas gostaria de saber exatamente qual

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    ser o meu papel disse Lienart.

    Somos soldados cumprindo o seu dever prosseguiu Hitler. Voc, meu

    amigo, um homem rijo, difcil de derrotar. Certa vez, logo que nos conhecemos,

    ouvi de voc estas palavras: Sejamos prticos. Pois chegou a hora de sermosprticos, meu caro, pelo menos enquanto a Alemanha puder seguir sua filosofia.

    Foi o Duce quem me disse aqui mesmo, no Berghof, que a guerra revela o carter

    mais nobre dos homens; ento, talvez seja este o momento certo para eu lhe

    pedir, como amigo, que manifeste esse carter em prol de uma Alemanha nova e

    ainda mais forte.

    E qual o papel prtico que devo desempenhar? insistiu Lienart,

    interessado.

    Sombras envolvem nossa grande Alemanha e o fim de nosso Reich se

    aproxima. Muitos, os americanos, os ingleses, vocs os franceses, elevaram o

    Terceiro Reich categoria de heri solitrio na luta contra os novos cavaleiros do

    Apocalipse: o judasmo, o bolchevismo e a plutocracia. Temos de prosseguir

    nesta luta at o ltimo alento. A vingana ser nossa principal virtude; o dio ao

    inimigo, nosso dever. Transformaremos nossas praas em valas comuns para os

    inimigos do Reich. Bem sei, contemplando esta paisagem, que as horas logo antes

    do amanhecer so as mais escuras. O povo alemo dever refletir sobre tudo isso

    quando, no combate, o sangue espirrar dos olhos dos inimigos e as trevascobrirem seus cadveres delirou Hitler, com indcios claros de esgotamento na

    voz.

    O senhor sabe muito bem, meu Fhrer, que sempre o servi fielmente desde

    nosso primeiro encontro na ustria, ao final dos anos 20.

    Sim, meu amigo, eu me lembro. Voc era um empresrio e soube ver, tanto

    em mim quanto no Partido Nacional-Socialista, algo que outros no viram ou n

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    se atreveram a ver. Sempre lhe serei grato por isso. Quando o fim se aproxima, s

    os mais leais permanecem a postos. Por isso, desejo confiar-lhe uma misso de

    importncia transcendental para o futuro renascimento de uma nova e grande

    Alemanha. Ainda no entendi bem qual ser essa misso, meu Fhrer observou

    Lienart.

    O secretrio Bormann j me informou de suas dvidas quanto ao noss

    projeto. minha inteno e meu desejo que voc empunhe a tocha capaz de

    resgatar o sangue germnico das cinzas. Quando os inimigos da Alemanha

    pisarem o solo sagrado de nosso pas, somente seus melhores filhos sero

    perseguidos pelo trabalho que realizarem. Ningum suspeitar de um homem

    como voc, que sabe se movimentar com desenvoltura pelos caminhos s vezes

    tortuosos da poltica. Preciso que se comprometa comigo, com o Reich e com a

    futura sobrevivncia da Alemanha, aqui e agora.

    Lienart permaneceu por alguns segundos em silncio, olhando bem nos olhos

    aquele homem trmulo que outrora fazia vibrar milhares de pessoas apenas com

    suas palavras, nas concentraes do partido em Nuremberg.

    Conte comigo para essa grande misso que me atribui. No o decepcionarei,

    meu Fhrer respondeu Edmund Lienart.

    Ento est tudo combinado. Dever proteger aquele que foi escolhido paraherdeiro do Quarto Reich, quando ele ressurgir das prprias cinzas, como a fnix.

    A que escolhido se refere, meu Fhrer? Quem essa pessoa? indagou

    Edmund Lienart.

    Por ora, direi apenas, meu caro, que voc est muito prximo do escolhido,

    daquele que abrir caminho para um novo Reich na Europa e liderar a grande

    batalha contra o bolchevismo e o poder financeiro judaico Hitler limitou-se a

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    responder.

    Em seguida, pegou Lienart pelo brao e caminhou com ele at a porta d

    grande salo. Antes de abri-la, virou-se para o convidado e disse:

    Daqui a mil anos, meu amigo, no importa quem esteja no governo, aspessoas se lembraro de que muitos alemes bons acreditaram uma vez na

    possibilidade de continuar a luta para reconstruir o Reich. L estaro nossos

    nomes, o meu, o seu, o de Bormann, para fazer histria. Amanh bem cedo, voc

    se reunir com o secretrio Bormann no Kehlsteinhaus. Ele lhe revelar todos os

    detalhes. Resta-nos pouco tempo e precisamos ser cautelosos. Ningum poder

    saber qual a sua misso. Entendeu?

    Perfeitamente, meu Fhrer respondeu Lienart, enquanto tambm apertava

    a mo trmula e frgil do amigo.

    Quando o visitante, precedido por Otto Gnsche, j atravessava o corredor

    em direo sada do Berghof, pde ouvir nitidamente Hitler se dirigir a ele:

    No se esquea de transmitir minhas cordiais saudaes sua bela esposa

    Magda e ao seu filho.

    Aquelas foram as ltimas palavras que ouviu de seu amigo Adolf Hitler,

    chanceler da Alemanha.

    Atravessaram o amplo terrao onde Hitler e Eva Braun gostavam de brincar comseus cachorros. Gnsche ordenou a Meier que acompanhasse de novo o ilustre

    convidado casa de hspedes.

    Sua ceia ser servida l avisou o ajudante de ordens do Fhrer.

    Pelo que Lienart soube na manh do dia seguinte, Hitler partira naquela

    mesma noite para seu quartel-general de Adlerhorst, em Bad Nauheim, para se

    reunir com o estado-maior da Wehrmacht. O francs no sabia que Hitler

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    planejava uma grande contraofensiva nos bosques das Ardenas para o ms de

    dezembro daquele mesmo ano, depois de repelir um vigoroso ataque aliado

    cidade holandesa de Arnheim. Para Edmund Lienart, tais medidas eram t

    inteis quanto o espernear de um enforcado prestes a sucumbir com a corda nopescoo.

    Depois de uma ceia leve servida por dois camareiros da SS, vestidos de jaqueta

    branca, Lienart ligou para sua esposa na casa da famlia em Sabarths. J fazi

    alguns meses que as tropas alems estavam se retirando daquela rea para ir

    reforar as unidades da Muralha do Atlntico. Depois de longos minutos de

    espera, escutou o toque de chamada do outro lado da linha. Em seguida, a

    governanta atendeu.

    Marguerite, sou eu, seu patro. Quero falar com minha esposa.

    Vou cham-la imediatamente, senhor.

    Lienart ouviu os gritos da governanta chamando sua esposa e, logo depois, a

    voz desta:

    Onde voc est, querido?

    Em Berchtesgaden. Acho que o nico lugar na Alemanha de onde se pode

    ligar para o exterior disse Lienart.

    Conversou com o Fhrer? quis saber Magda. melhor no mencionar esses assuntos ao telefone aconselhou Lienart

    para impedir que a esposa continuasse fazendo perguntas indiscretas. Teve

    notcias de nosso filho?

    Passou aqui uns dias, antes de voltar para a abadia de Fontfroide. Pretende

    ficar recluso l at completar os estudos. Embora se queixe muito da guerra, que

    no lhe permite concentrar-se em suas tarefas, parece muito bem de sade. Mas

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    voc sabe como ... Marguerite o obrigava a comer. Est muito magro...

    Vou tentar ir Frana. Espero poder encontr-lo na abadia.

    Quando volta para casa?

    Dentro de algumas semanas, mas no lhe prometo nada... Eu me sentiria mais tranquila se voc estivesse aqui disse Magda.

    E eu, se voc fosse para a nossa casa em Veneza, onde a situao mais

    calma que em Sabarths e Roma.

    Edmund, eu prefiro ficar em Sabarths e aguardar os acontecimentos. Aqui,

    estou mais perto de August, principalmente se as coisas piorarem na zona da

    abadia. Pedi-lhe que no partisse, mas voc sabe como ele . Igualzinho ao pai.

    Mantenha-me informado de tudo, Magda. No momento, poder encontrar-

    me no Adlon, em Berlim, se que os ingleses j no o bombardearam. Agora,

    preciso desligar. Ah, o Fhrer lhe manda seus cumprimentos.

    Cumprimente-o por mim tambm, querido.

    Lienart esperou um pouco depois dessa conversa formal at se certificar de

    que no havia mais ningum do outro lado da linha. Desligou o aparelho e

    pensou nos anos que vivera com Magda, mantendo uma relao matrimonial fria

    e distante, mas tambm educada e diplomtica.

    Magda Hauss de Lienart era uma mulher de seu tempo. De famlia prussianaabastada da Bavria, fora educada e preparada para casar-se com um empresrio

    prspero ou um alto oficial do exrcito. Falava alemo, francs, ingls e italiano

    perfeitamente. Suas maneiras eram impecveis; sua educao, primorosa. Lienart

    conheceu-a em Paris, em 1914, durante uma visita ao Louvre, poucos meses

    antes do incio da Primeira Guerra Mundial. O conflito os separou: Edmund

    Lienart combateu nas fileiras do exrcito francs, nos campos de Verdun e do

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    Marne, enquanto o pai de Magda, oficial, integrava o alto-comando do kaise

    Guillerme. Em 1919, aps a derrota da Alemanha, viram-se de novo e se casaram

    em poucas semanas, contra a vontade da famlia de Magda. Trs anos mais tarde,

    nascia seu primeiro e nico filho, a que deram o nome de August.Com o passar do tempo e as contnuas viagens de negcios de Edmund, ela se

    acostumou a ficar s e a conduzir com mo de ferro as empresas e propriedades

    da famlia. Acostumou-se tambm s repetidas infidelidades do marido. Afinal,

    ele sempre voltava para seu lado. O filho no via com bons olhos o

    desregramento do pai, porm, muito mais por ser uma traio me, a quem

    adorava, do que pelo fato de ele manter relaes sexuais com outras mulheres

    fora do matrimnio.

    Uma hora antes do amanhecer, o mordomo despertou Edmund Lienart de u

    sono profundo.

    Herr Lienart, eu trouxe seu desjejum avisou.

    Deixe-o sobre a mesa pediu Lienart, enquanto tateava em busca dos

    pequenos culos redondos de metal.

    Dentro de uma hora e meia um carro ir lev-lo a Kehlsteinhaus, onde o

    secretrio Bormann estar sua espera.

    No se preocupe, estarei pronto.Assim como lhe haviam dito, um oficial da SS chamou porta exatamente

    uma hora e meia mais tarde para dizer-lhe que o carro o aguardava. Mentes

    estreitas, pensou Lienart, pondo o relgio.

    Edmund Lienart estava de novo sentado no carro de Hitler, dirigindo-se para o

    ponto central de toda aquela rea: a fortaleza alpina. Esforava-se por avistar, l

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    no alto, o prdio conhecido como Kehlsteinhaus, ou Ninho da guia. A subida

    era sinuosa e cheia de curvas fechadas. A estrada, ngreme e cheia de buracos,

    avanava por entre rochas enormes e terminava num grande espao aberto bem

    ao p da montanha. Um longo tnel perfurava um de seus flancos. Lienartexaminou o teto do tnel, que era coberto por minsculas gotas de gua po

    causa da condensao. Ia dar em uma vasta sala redonda encimada por uma

    cpula, de onde partia um elevador forrado de cobre, que ali esperava o visitante

    para conduzi-lo presena do poderoso secretrio do Fhrer, Martin Bormann.

    nica decorao do elevador era um batmetro, presente da unidade de

    submarinos ao prprio Hitler.

    L em cima, a parte superior da abertura vertical dava para uma grande galeria

    de colunas romanas e um vestbulo circular com janelas ao redor, de onde o

    observador tinha a sensao de flutuar na luz dourada do crepsculo alpino.

    Quando as portas do elevador se abriram, o secretrio estava espera de seu

    convidado. Bormann apertou-lhe a mo como se ele fosse um amigo de infncia.

    A seu lado via-se um homenzinho um tanto espalhafatoso, de tnica cinza e

    calas pretas de montaria; Lienart identificou-o logo como o general de diviso

    Heinrich Muller, chefe da Seo IV do Escritrio Central de Segurana do Reich,

    conhecida tambm como Gestapo. Sua figura se destacava claramente entre as

    demais, talvez pelo respeito que infundia no resto do grupo. Os outros trshomens que acompanhavam Bormann e Muller eram totalmente desconhecidos

    para o recm-chegado.

    Herr Lienart anunciou Bormann com grande solenidade , apresento-lhe

    tenente-general SS Odilo Globocnik, o comissrio Koch e o tenente-general SS

    Oswald Pohl.

    Edmund Lienart apertou as mos dos quatro homens. Pouco depois, soube

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    que Globocnik era um verdadeiro heri dentro da mquina mortfera do Terceiro

    Reich, como principal artfice do extermnio de meio milho de judeus no gueto

    de Varsvia e de 15 mil no gueto de Bialystok, inclusive 1.200 crianas, alm da

    superviso para deportao aos campos da morte de 45 mil judeus de Lublin. Ntotal, Globocnik fora o responsvel direto pelo extermnio de mais de 600 mil

    pessoas. Koch era o feroz comissrio do Reich para a Ucrnia ocupada, enquanto

    Pohl se encarregava da direo-geral de Economia e Administrao das SS sob as

    ordens diretas do ReichsfhrerSS Heinrich Himmler.

    Enquanto percorriam o pequeno edifcio, Lienart concluiu que Bormann, e

    seu trono artificial erguido no alto da montanha por mais de 3.500 trabalhadores,

    era mesmo o tpico nacional-socialista obcecado pela megalomania alem.

    Cuidara d