o paradoxo da modernidade frente à gestão de pessoas

58
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS FGV Management SARA LUSTOSA DA COSTA O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS Brasília – DF 2007

Upload: sara-lustosa-da-costa

Post on 12-Apr-2016

13 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

O presente estudo teve como objetivo repensar a relação entre sofrimento e trabalho e descobrir se é possível a reconstrução de práticas que possibilitem melhores condições de trabalho. Especialistas da área de gestão de pessoas foram entrevistados e propuseram alternativas favoráveis a um cenário organizacional mais humano. Foi possível verificar que a busca pela humanização nos processos de trabalho não é absoluta, nem antagônica ao capitalismo, apenas contestadora das práticas gerenciais e visa propor uma forma menos ameaçadora à saúde do trabalhador sem entrar em conflito com o objetivo da lucratividade. Essa intenção humanizadora se manifesta através da resistência ao domínio de práticas autoritárias impostas pelo capitalismo e à submissão do trabalhador ante os modelos gerenciais.

TRANSCRIPT

Page 1: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

FGV Management

SARA LUSTOSA DA COSTA

O PARADOXO DA MODERNIDADE

FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

Brasília – DF

2007

Page 2: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

SARA LUSTOSA DA COSTA

O PARADOXO DA MODERNIDADE

FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

Monografia apresentada à Fundação Getúlio Vargas – FGV Management, Núcleo de Brasília - DF, como requisito parcial para conclusão do curso MBA em Gestão de Pessoas. Orientadora: Profª. Doutora Maria Eugênia Belczak Costa

Brasília – DF

2007

Page 3: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

3

“Este cunho de surpreendente imprevisibilidade é inerente a todo

início e a toda origem. (...) O novo sempre acontece à revelia da

esmagadora força das leis estatísticas e de sua probabilidade que,

para fins práticos e cotidianos, equivale à certeza; assim, o novo

sempre surge sob o disfarce do milagre. O fato de que o homem é

capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que

ele é capaz de realizar o infinitamente improvável”. (Arendt,

1995:190-191)

Page 4: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

RESUMO

O presente trabalho discutiu as mudanças no mundo do trabalho fundamentadas na

lógica capitalista onde o trabalhador é o maior afetado das conseqüências desse

paradigma. A organização atua como motivadora de sofrimento contribuindo para

seu adoecimento. O presente estudo teve como objetivo repensar a relação entre

sofrimento e trabalho e descobrir se é possível a reconstrução de práticas que

possibilitem melhores condições de trabalho. Especialistas da área de gestão de

pessoas foram entrevistados e propuseram alternativas favoráveis a um cenário

organizacional mais humano. Foi possível verificar que a busca pela humanização

nos processos de trabalho não é absoluta, nem antagônica ao capitalismo, apenas

contestadora das práticas gerenciais e visa propor uma forma menos ameaçadora à

saúde do trabalhador sem entrar em conflito com o objetivo da lucratividade. Essa

intenção humanizadora se manifesta através da resistência ao domínio de práticas

autoritárias impostas pelo capitalismo e à submissão do trabalhador ante os modelos

gerenciais.

Page 5: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

3

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 4

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 7

METODOLOGIA 37

COMENTÁRIOS DOS ESPECIALISTAS 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

Page 6: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

4

APRESENTAÇÃO

As políticas neoliberais, adotadas, tendo como pretexto a globalização,

levaram ao surgimento de novas formas de contratação como o trabalho temporário,

o trabalho em tempo parcial e subcontratações. Esses reflexos da lógica neoliberal

retratam a precarização do emprego e acabam por ampliar o processo de exclusão

do indivíduo do processo produtivo. O trabalho vai se tornando tão rarefeito que,

para sobreviver, as pessoas acabam aceitando qualquer tipo de trabalho, qualquer

tipo de remuneração (FORRESTER, 1997). E segundo Harvey (1993), este grupo

que tem menos segurança no emprego, tende a crescer significativamente.

Como nos demonstram Harvey (1993) e Mota (1998) as relações de trabalho

se modificam em resposta às oscilações de mercado decorrentes do aumento da

competição que diminui a margem de lucros; há a redução da capacidade de

mobilização sindical e o aumento da oferta de mão-de-obra quer oriunda ou não de

inovações tecnológicas.

Qualquer empatia na tentativa de melhorar o bem-estar de seus funcionários

se contrapõe a lucratividade das empresas contemporâneas, uma de suas

premissas verdadeiras e inexoráveis. Tanto o trabalho estruturado em processos

produtivos da administração tradicional quanto a acumulação flexível estão sob o

domínio do capital, visam à produtividade e ao lucro e terminam por contribuir para a

submissão, a exploração e ao controle dos envolvidos nessa relação. Todos se

inserem nessa lógica capitalista que tem como fundamento o lucro e a

competitividade, além, claro da produtividade.

Diversos autores vêm estudando as implicações negativas das modernas

formas de gestão empresarial sobre o modo de ser dos trabalhadores como Dejours

Page 7: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

5

(1993) que analisa a relação psíquica existente entre o trabalhador e a situação de

trabalho. Enriquez (1997) e Pagès et al. (1987) discutem a constituição das

organizações como espaço de dominação de subjetividade. Já Abramides e Cabral

(2003) analisam o impacto do regime de acumulação flexível na saúde do

trabalhador e Hopfer e Faria (2006) descrevem a dominação do capitalismo nas

relações de trabalho.

Analisando os antagonismos e a dialética existentes nas relações de trabalho,

o presente estudo tem o intuito de contestar alguns modelos gerenciais vigentes e

propor uma nova visão das relações de trabalho. A adoção de práticas

organizacionais mais humanas, – fundamentadas na valorização das questões

subjetivas dos envolvidos no cenário organizacional, e a oferta de condições de

crescimento pessoal permitem o resgate da dignidade humana usurpada pela

opressão da modernidade.

As condições atuais do mundo do trabalho, trazidas pela mudança de

paradigma, vêm sofrendo profundas transformações que incidem na relação do

homem com o seu trabalho. O presente estudo tem como objetivo delinear as

relações de trabalho emergentes com a economia global, a forma como as pessoas

estão sendo afetadas e as implicações para a gestão de pessoas, apresentando

propostas e alternativas que levem em consideração os aspectos emocionais do

trabalhador.

A primeira parte do trabalho traz uma breve descrição da evolução do

trabalho; em seguida caracterizar-se-ão as relações de trabalho emergentes na

economia global e suas implicações para o trabalhador. Na terceira parte, um

resumido panorama histórico sobre os modelos gerenciais será abordado. Para

Page 8: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

6

finalizar, será proposto um novo paradigma para as organizações na tentativa de

diminuir a dicotomia entre trabalho e prazer.

Cabe aqui investigar se a implementação de novas práticas gerenciais que

contribuem para a transformação das relações dos trabalhadores, a partir de ações

gerenciais fundamentadas no respeito pelo indivíduo, caberia frente a esse cenário

de domínio da economia.

“O capitalismo é ainda amplamente considerado, ao menos, por alguns intelectuais, imoral: demasiadamente dedicado a uma adoração vulgar do dinheiro, demasiadamente dependente do interesse próprio e da cobiça, demasiadamente baseado no individualismo hostil”. (EMMOTT, 2006, pg. 195)

O tipo de estudo da presente pesquisa é exploratório. Segundo Malhotra

(2001, p. 105), “é usado em casos nos quais é necessário definir o problema com

maior precisão, identificar cursos relevantes de ação ou obter dados adicionais antes

que se possa desenvolver uma abordagem”.

O instrumento de coleta de dados a ser utilizado é um questionário não

estruturado com questões abertas, realizado por meio de entrevistas com

especialistas no assunto e, aplicado individual e pessoalmente. Para a análise dos

resultados obtidos nas entrevistas utilizar-se-á o método qualitativo. A pesquisa terá

três fases. A primeira refere-se a revisão de literatura sobre o tema para

levantamento de subsídios para a elaboração e aplicação da pesquisa qualitativa, a

segunda fase envolve as entrevistas com especialistas da área de gestão de

pessoas e a última consiste na discussão dos resultados.

Será feita uma pesquisa bibliográfica, com o propósito de identificar as

principais contribuições de autores que analisaram as conseqüências das mudanças

no mundo do trabalho para o trabalhador e a necessidade da adoção do novo

paradigma nas organizações modernas.

Page 9: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

7

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA I

EVOLUÇÃO DO TRABALHO

Por milhares de anos, até o advento da indústria, os que ocupavam o alto da

pirâmide social – os aristocratas, os proprietários de terras, e os intelectuais,- não

trabalhavam. “Não era do trabalho que obtinham riqueza e prestígio, mas do nome

da família, da proteção às artes e letras e de rendas” (DE MASI, 2003, pg. 13).

A produtividade e a eficiência entraram em cena a partir de Adam Smith

(1723-1790) com a criação da teoria do valor do trabalho. Para o maior teórico dessa

nova economia, o trabalho é fonte de toda riqueza. “Essa busca por riqueza

começou a ser legitimada pela ciência moderna antes vista pela fé cristã como um

dos principais pecados” (CARBONE et al, 2006, pg. 24). Em seu livro A riqueza das

nações (1776) Smith decretará definitivamente a “superioridade da indústria sobre a

agricultura, do lucro e da mais-valia sobre a renda, da moeda sobre a troca, do

egoísmo sobre a caridade”. (DE MASI, 2003, pg. 121)

A industrialização foi um momento decisivo na História da Humanidade. Em

cerca de 150 anos, transformou sociedades de camponeses e artesãos,

trabalhadores manuais, em sociedades de maquinistas e guarda-livros. (ROBERTS,

2001, pg. 555).

Karl Marx, crítico da obra de Smith, escrevera que “o trabalho industrial

impõe a uma parte dos operários um trabalho cruel e transforma a outra parte em

máquina” (DE MASI, 2003, pg. 50).

Para Marx o trabalho é a expressão máxima do homem. Nestes termos, ao

trabalhar o homem transforma a natureza e a si, isto é, o homem é tal como se

Page 10: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

8

produz (MARX, 1978; Marx e Engels, 1977). Segundo a concepção de HEGEL

(1999) o processo de constituição do sujeito, a transformação que vai da coisa que

nasce ao homem que trabalha é puro sofrimento, expressão de um embate entre

preservação e destruição das consciências.

O trabalho é elemento de subjugação à racionalização econômica e tem como

consequência a alienação do sujeito conforme explica De Masi (2003, pg. 51): “no

seu trabalho ele não se afirma, mas se nega, não se sente satisfeito, mas infeliz, não

desenvolve uma energia livre, física e espiritual, mas definha o seu corpo e destrói o

espírito”. E completa:

“O trabalho na sociedade industrial é uma contorção forçada para que os seres humanos, reduzidos a operários, se submetam a um regime que despersonaliza, reorganiza e usa as suas energias, buscando a renúncia a qualquer autonomia em troca de um salário”. (DE MASI, 2003, pg. 51).

O trabalho apesar de ser fonte de angústia é referência para a auto-estima do

homem moderno. Para muitos sociólogos, apenas quem trabalha consegue

socializar-se, amadurecer, realizar-se. “As pessoas que trabalham, isto é, aquele

bilhão que exerce encargos regularmente remunerados, estão mais garantidas do

que as outras, são mais respeitadas, podem ostentar a profissão no cartão de visita“

(DE MASI, 2003, pg. 13).

Segundo o filósofo alemão Enzensberger (1995) "talvez ainda pior do que

sermos explorados por alguém, é quando não encontramos mais ninguém que

queira nos explorar...". Diante da crueldade do quadro atual que vai da subordinação

do homem ao trabalho à crescente tendência do fim do emprego, o presente estudo

tem como objetivo conciliar o amargo da conjuntura atual com práticas humanizadas

nas relações de trabalho. Segundo a posição do socialismo filantrópico – de Owen a

Fourier e Proudhon – “as condições de trabalho podem ser humanizadas até que ele

se torne uma fonte de alegre socialidade.” (DE MASI, 2003, pg. 130).

Page 11: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

9

II

TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

As grandes transformações ocorridas na segunda metade do século XX

desencadearam uma verdadeira crise de paradigmas. A abertura política e

econômica nos tem levado a um quadro de grandes incertezas, turbulências e a

ausência de garantias.

O século XX, que experimentou o desenvolvimento econômico mais rápido e

difundido da história, também foi um século em que o capitalismo travou uma série

de batalhas consigo mesmo, com suas fraquezas inerentes. Gera riqueza,

produtividade e inovação, mas também insegurança relativa a emprego, moradia,

pensões, previdência, e até à unidade da família. Entre as fraquezas do capitalismo,

a principal é sua inerente instabilidade. O modo como oscila largamente, indo do

crescimento até a depressão e voltando ao crescimento. (EMMOTT, 2006, pg. 28,

29).

Segundo Harvey (1993, p.140) a transformação político-econômica do

capitalismo aponta para a chamada “acumulação flexível”, caracteristicamente

apoiada na “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e

dos padrões de consumo”. De acordo com Kovács (2003, pg.33) “a racionalização

flexível constitui uma estratégia desenvolvida pelas empresas para sobreviver ou

vencer na batalha pela competitividade.” A forte concorrência e a instabilidade do

mercado levam a um modelo mais flexível de organização, resultado da combinação

de diversos regimes de emprego numa mesma organização. A acumulação flexível

Page 12: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

10

traz como conseqüências: níveis altos de desemprego estrutural, rápida destruição e

reconstrução de habilidades.

Processos como terceirizações, desregulamentações, fusões, privatizações,

reengenharias, enxugamento da máquina administrativa vêm sendo utilizados de

maneira crescente, fragilizando as relações de trabalho e conseqüentemente

acarretando implicações para a dimensão psíquica dos envolvidos. Conforme

Berberoglu (2002), no ambiente organizacional, as experiências sociais e políticas

tomam forma sob o aumento do desemprego estrutural, ganhos salariais modestos

em setores específicos, desqualificação do trabalhador e diminuição do poder

sindical.

De acordo com De Masi (2003, pg.17) o trabalho humano é cada vez mais

suplantado pelas novas tecnologias; os progressos organizacionais obtêm um

número crescente de produtos por um número decrescente de horas trabalhadas; a

globalização atinge bens e serviços em países distantes; as doenças diminuem

reduzindo as substituições; ampliam-se as privatizações, que se traduzem

fatalmente em reduções dos quadros funcionais.

As organizações são pressionadas a alcançarem elevados padrões de

competitividade para garantirem sua sobrevivência e acabam pressionando seus

funcionários a obterem maior produtividade. Os indivíduos coagidos dispõem de

apenas um caminho: a submissão às pressões das esferas financeiras. Para Segnini

(2001) e Kovács (2003) o medo do desemprego e da exclusão coloca os

trabalhadores em uma situação de maior vulnerabilidade social. Ainda segundo

Kovács (2003, pg. 39) “a generalização do emprego precário e a falta de

Page 13: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

11

perspectivas para um avanço profissional produzem um ambiente de angústia e

insegurança”.

A população aumenta constantemente assim como o número de pessoas

escolarizadas. O avanço da medicina proporciona o prolongamento da vida e a

diminuição de doenças. Aumentam-se as pretensões de trabalho, mas o número de

postos disponíveis não cresce na mesma proporção. O mercado de trabalho dividido

entre os que procuram emprego e os postos de trabalho reduzidos aflige indivíduos

que são descartados malgrado sua competência profissional. Apesar de confiante,

otimista e liberal, a cultura do século XXI também antecipou uma era mais

pessimista e angustiada. (EMMOTT, 2006, pg. 647).

Page 14: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

12

III

PROGRESSO TECNOLÓGICO

Já no seu tempo Aristóteles deixou-se levar pelo sonho da automação total: “Se cada instrumento pudesse realizar sua função sob comando ou, melhor ainda, sozinho, como sozinhos se movimentam os artifícios de Dédalo e como espontaneamente os triângulos de Efistos punham-se ao seu sagrado serviço; se, por exemplo, as lançadeiras dos tecelões tecessem sozinhas, se o arco tocasse a cítara sozinho, então os empresários poderiam ter menos operários e os senhores menos escravos.” (DE MASI, 2003, pg. 14).

Na busca da produtividade, a tecnologia contribuiu para economizar o

trabalho humano e a indústria pôde fornecer produtos e serviços sem o uso de mão-

de-obra do homem. Acreditava-se que a automação deixaria o homem mais livre,

mas o resultado dessa redução do emprego de mão-de-obra foi uma verdadeira

onda de desempregados.

Giddens (2002) refere-se às relações sociais implicadas no uso generalizado

da força material e o maquinário nos processos de produção como um dos eixos

institucionais da modernidade. O capitalismo é um sistema de produção de

mercadorias, que envolve tanto mercados competitivos de produtos quanto a

mercantilização da força de trabalho. “Grande parte dos objetos que estão à nossa

volta é produzido por máquinas e não por homens”. (DE MASI, 2003, pg. 14).

Segundo Toffler (2000), a sociedade atravessou duas grandes ondas: a era

da agricultura, a era industrial e, atualmente, vivenciamos a terceira onda conhecida

como "a era da sociedade da informação". A sociedade informacional aumenta o

grande abismo entre incluídos e excluídos da era digital, as novas tecnologias

contribuem para a eliminação de milhares de pessoas do mercado de trabalho.

Empregados com maior tempo de experiência são substituídos por jovens com maior

Page 15: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

13

escolaridade, logo, qualificação e capacitação são sinônimos de empregabilidade no

cenário organizacional.

De acordo com França & Rodrigues (1997), a situação do desemprego pode

ser considerada um forte agente estressor, porque, além das dificuldades

financeiras, reflete sobre a identidade social do indivíduo, construída principalmente

com base em sua inserção no mundo do trabalho.

As configurações atuais do mundo do trabalho requerem trabalhadores com

atualização profissional constante para que a falta dela não os elimine do mercado

de trabalho. Conforme explica Castells (2000) as novas tecnologias exigem novas

qualificações e ocupações técnicas a partir das necessidades do processo produtivo.

O modo de produção capitalista implica relações de exclusão, há menos

espaço para força de trabalho.

O controle sobre o processo de trabalho tem aumentado com as inovações

tecnológicas por incrementar o domínio físico e mental sobre o trabalho e o

trabalhador (Dejours, 1999). Não se pode deixar a tecnologia sobressair ante

desejos e aspirações individuais. É preciso modificar o pensamento vigente para

tornar o trabalho mais prazeroso e menos alienador. Hábitos, mentalidades e

normas não acompanham o progresso tecnológico podendo engessar a estrutura

organizacional.

De Masi (2003) vê a possibilidade de nos liberarmos definitivamente do

trabalho desgastante e de somar as vantagens do bem-estar industrial às vantagens

de que gozavam os homens livres da Grécia antiga: tempo disponível, autonomia,

ócio criativo elevado a arte (DE MASI, 2003, pg. 15). Já Marcuse (1968) propõe a

automação total do trabalho como forma de eliminar o trabalho sacrificante e a

opressão sofrida nesse âmbito da vida humana. "Quanto mais completa for a

Page 16: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

14

alienação do trabalho, tanto maior é o potencial de liberdade; a automação total

seria o ponto ótimo". (Marcuse, 1968, p. 144).

Page 17: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

15

IV

LIMITES ENTRE TRABALHO E VIDA PESSOAL

A ditadura do trabalho fundamentada em regras, controle e pressão impõem

ao sujeito um ritmo desgastante levando-o à exaustão. O direito do ser humano é

desconsiderado, desprezado e suprimido pela ordem do capitalismo. Os indivíduos

não vivem para satisfazer suas realizações pessoais e sim às necessidades de

terceiros.

“A maioria dos trabalhadores se encontra em poder de estranhos – distribuidores de trabalho, superiores hierárquicos, sindicalistas – que pouco ou nada têm a ver com seu bem-estar e que preferem fazer regredir os próprios subalternos a um estado infantil, em vez de encorajar-lhes a autonomia e a criatividade”. (DE MASI, 2003, pg 42)

O avanço da tecnologia favorece a invasão da privacidade dos indivíduos. Os

meios de comunicação como computadores, telefones celulares, fax, penetram nas

poucas horas livres dos funcionários que precisam mostrar-se eficientes e dispostos

a qualquer custo. Segundo De Masi (2003, pg.36) “a necessidade profissional de

sacrificar o tempo livre à carreira, negligenciando lazer, amores e família” a longo

prazo essa falta de limites entre trabalho e vida pessoal conduzirá a um vazio

levando até mesmo à doenças psicossomáticas.

O trabalho ocupa a maior parte da vida do indivíduo, o lazer e a família

perderam espaço. Abdicar de sua história pessoal é negar a sua subjetividade. A

desconsideração da organização em relação à individualidade do funcionário

desrespeita o seu direito de ser humano. “No trabalho excessivo não se encontram

identidade e socialização, mas embrutecimento, marginalização, conflito e

isolamento” (DE MASI, 2003, pg. 20).

Page 18: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

16

De acordo com DEJOURS (1992), o sofrimento mental resulta da organização

do trabalho sob o modo de produção capitalista, designado por divisão e conteúdo

da tarefa, relações de poder e responsabilidade. O controle de horários dos

funcionários retrata perfeitamente essa relação de poder explicitada no contrato de

trabalho. Esse caráter manipulador faz-nos contestar as reais necessidades da

empresa. O controle desempenhado pelas organizações tem como objetivo manter a

pessoa apenas pela presença física ou por produtividade?

Conforme De Masi (2003, pg. 36), “quando se chega ao ‘finalmente’, a grande

maioria dos entrevistados acaba reconhecendo que cinco a seis horas por dia

bastariam para desempenhar todas as atividades rotineiras. Todo o resto é teatro.” O

indivíduo submetido às regras empresariais fica sobrecarregado psiquicamente. Já

“o indivíduo responsável tem mais criatividade sem sofrer pressão e administra bem

seu tempo” (KWASNICKA, 2006, pg.76). Sob o regime de horário flexível, o

empregado assume a responsabilidade de completar a tarefa e aumenta o

sentimento pessoal de alto valor. “Esse sistema é condizente com o ponto de vista

de que o indivíduo é pago para produzir, e não para estar em seu posto de trabalho

por um período de tempo” (KWASNICKA, 2006, pg. 76.) Essa maneira manipuladora

e instrumental do ser humano suprime a sua dignidade.

Page 19: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

17

V

IMPLICAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO CAPITALISTA

Segundo Hopfer e Faria (2006) o ambiente globalizado tem exigido das

empresas agilidade e flexibilidade nas ações gerenciais que acabam refletindo no

plano psicológico dos indivíduos. Ainda para Hopfer e Faria (2006), o capitalismo

origina uma ação coativa da gerência sobre o indivíduo, na medida em que este

precisa se adaptar ao tempo de produção, à cadeia de montagem, à fragmentação

das tarefas e à subordinação à hierarquia patronal. O controle atua como base da

produtividade contribuindo para a exploração no ambiente organizacional. Para Faria

(1987), tal ação de controle não é um mecanismo da administração ou da gestão

capitalista, mas um mecanismo de poder.

“As organizações perceberam que precisam aprimorar suas formas de

controle nas relações de trabalho para garantir uma competitividade internacional”

(AMIN, 1994). As empresas contemporâneas para alcançarem níveis elevados de

produtividade e manterem posição sustentável no cenário global atuam de forma

perversa nas relações de trabalho. Aquele que ocupa cargo gerencial, enquanto

recurso, torna-se também parte do capital, ou seja, um bem que uma vez inserido na

engrenagem do sistema, nada o diferencia dos serviços ou artefatos que ali são

produzidos e comercializados (BRANT, 1996). Para Braverman (1980), não apenas

o capital é propriedade do capitalista, mas o próprio trabalho tornou-se parte do

capital.

Para a organização do capitalismo, Braverman (1980) afirma que o controle é

o conceito fundamental de todos os sistemas gerenciais. Nesse sentido, a

organização precisa reinventar periodicamente os seus sistemas de trabalho para

Page 20: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

18

sustentar a dominação nas relações de produção (FARIA, 2002). As relações de

poder nas dimensões humanas e os mecanismos de controle social nos processos do

trabalho se articulam de acordo com o modo capitalista de produção, constituindo uma

experiência subjetiva que implica prejuízos emocionais para as pessoas envolvidas no

processo de trabalho.

“O trabalho que nelas se desenvolve, na verdade, é um paraíso criativo para poucos e um castigo penoso, nocivo, banal, repetitivo e competitivo para muitos. Para outros, ainda – os desempregados, cada vez mais numerosos – é apenas uma aspiração frustrada”. (DE MASI, 2003, pg. 41).

Freire (1998) destaca que, através de todas essas formas de dominação, há a

agressão à saúde biopsíquica do trabalhador, atingindo sua capacidade sócio-

política de enfrentamento às diferentes perdas de suas conquistas sociais e para

Rebouças (1989) mais grave ainda do que estas estratégias de controle externo é a

incorporação dessas regras pelo próprio trabalhador, que passa a reprimir aquelas

manifestações e expressões que o corpo na sua individualidade anseia por

exteriorizar. É o cenário normótico ao qual se refere Crema (1995) composto de

organizações e pessoas que se adaptam a um contexto dominantemente mórbido e

que, com o seu conformismo e inércia, acabam realimentando o sistema enfermo,

mantendo o status quo.

De acordo com De Masi (2003) a situação é fruto inconsciente da ignorância,

da força do hábito, do masoquismo de quem se submete ao poder; é resultado

intencional da mediocridade, da perfídia, da resistência às mudanças e do sadismo

de quem exerce o poder. Assim, o que se vê nas organizações, são verdadeiros

palcos de opressão e da desqualificação da afetividade (ANDRADE e RIELLI, 2006:

p. 4).

Page 21: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

19

As tentativas organizacionais de desenvolver estratégias diferenciadas ficam

presas ao capitalismo que busca exclusivamente o aumento da produtividade a

partir das novas técnicas de racionalização da produção e acabam por dominar o

trabalhador. O ideal fordista-taylorista baseado em relações repressivas ainda

predomina no contexto organizacional excluindo qualquer tentativa mais humanista

nas relações de trabalho.

De Masi (2003, pg.44) conclui “é preciso, portanto, liberar as empresas da

mordida do medo. É preciso fazê-lo o mais cedo possível: pela qualidade de vida

dos trabalhadores, em todos os níveis, e pela qualidade da nossa democracia que

se constrói no dia-a-dia”.

Page 22: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

20

VI

SOFRIMENTO NO TRABALHO

Nenhuma atenção tem sido dada à saúde do trabalhador, os prejuízos

causados pela organização do trabalho são inúmeros e responsáveis pelo

sofrimento psíquico do indivíduo. Os fatores biopsicossociais foram relegados. O

caráter patogênico do local de trabalho traduz-se na expressão do sofrimento

psíquico. É preciso entender o contexto psicológico. Conforme Codo (1997) o

sofrimento psíquico e a doença mental ocorrem quando e apenas quando, afeta

esferas da nossa vida que são significativas, geradoras e transformadoras de

significado.

O trabalho está diretamente ligado ao processo saúde-doença por colocar o

indivíduo em uma posição que o força a ser dependente, subordinado e submisso

tornando o relacionamento homem-trabalho inconsistente com a personalidade de

algumas pessoas. “As pessoas são postas em situações completamente opostas ao

desenvolvimento de sua personalidade” (KWASNICKA, 2006, pg.240).

Para Enriquez (1999), a busca do sucesso implica a existência e aceitação de

um ambiente de competição entre empresas e entre sujeitos envolvidos no processo

organizacional. E para (Morgan, 1996) o clima de competição interna cria processos

conscientes e inconscientes, que mantêm os indivíduos presos à idéia de sucesso,

podendo transformar a organização numa prisão psíquica. Indivíduos que enfrentam

com maiores condições internas as pressões, exigências e indefinições sobrevivem.

Já outros, menos preparados, padecem.

A Revolução Industrial marcada pela especialização priva o indivíduo da

oportunidade de mostrar iniciativa ou originalidade além de trazer muitas

Page 23: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

21

desvantagens: “o tédio e a perda do sentido da importância individual, da realização

e do orgulho pelo trabalho” (KWASNICKA, 2006, pg. 39). A apatia contamina o

espaço organizacional quando o indivíduo não aprende nada de novo, não trata de

outro assunto que não seja de sua competência e não rompe com a rotina diária. A

fadiga não é a única interferência que diminui a produção; a monotonia é igualmente

negativa.

O baixo nível de comprometimento e de motivação encontrado nas empresas

se dá porque as pessoas não vêem significados em seus trabalhos. Isso, em parte,

leva à conclusão de que “o comportamento humano é realmente mais complexo do

que o assumido pelos proponentes da administração científica” (KWASNICKA, 2006,

pg. 40).

Dias (1994), propõe uma visão otimista do sofrimento no trabalho. Apesar de

ser um processo lento, contraditório e desigual constitui uma oportunidade do fazer

histórico dos trabalhadores, que buscam o controle sobre as condições e os

ambientes de trabalho, para torná-los mais “saudáveis”. O sofrimento é um elemento

necessário para a transformação do indivíduo, pois fornece elementos para a

mudança, ao lidar com o sofrimento minimizam-se as conseqüências negativas da

relação homem-trabalho.

Page 24: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

22

VII

BREVE PASSAGEM PELOS MODELOS GERENCIAIS

Frederick Winslow Taylor (1856-1915) contribuiu para a Administração

Científica aumentando a produção industrial a partir da racionalização dos métodos

de organização do trabalho e da eficiência na produção. Para Taylor, a eficiência

aumenta com a especialização, ou seja, cada operário limita-se à execução de uma

única tarefa, de maneira contínua e repetitiva.

“A organização do trabalho, concebida por um serviço especializado da empresa estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida mental e, mais precisamente, com a esfera das aspirações, das motivações e dos desejos” (DEJOURS, 1988, p. 51-52).

Malgrado o crescimento da industrialização, Taylor colaborou para a

despersonalização do processo de trabalho ao tratar homens como apêndices das

máquinas. Apesar da afirmação de Morgan (1996, p.22-23) de que “a mecanização

trouxe ganhos elevados de produtividade e de lucratividade”, esse modelo

desqualifica o indivíduo através da alienação oriunda da drástica separação entre

concepção e execução.

“O trabalho taylorizado engendra definitivamente mais divisões entre os indivíduos do que pontos de união. Mesmo se eles partilham coletivamente da vivência do local de trabalho, do barulho, da cadência e da disciplina, o fato é que, pela própria estrutura desta organização de trabalho, os operários são confrontados um por um, individualmente e na solidão, às violências da produtividade” (DEJOURS, 1988, p. 39).

Henry Ford (1863-1947) utilizou-se dos princípios tayloristas que tinham como

objetivo aumentar a produtividade a partir da intensificação do trabalho extraindo

maior carga possível do trabalhador. Para Abramides e Cabral (2003, p.4) “o

consumo em massa, necessário aos padrões de acumulação fordista ‘subsumiu o

Page 25: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

23

tempo e o lazer’ do trabalhador a certo tipo de controle necessário às expectativas e

à racionalidade da produção”.

“...a noção de linha de montagem fordista poderia ser definida como uma técnica especificamente capitalista de extorsão do sobretrabalho, traduzida em um poderoso instrumento da maior extração possível de mais-valia em um dado momento da relação de forças entre capitalistas e trabalhadores” (CORIAT, citado por BRAGA, 1995, p. 86).

Ford não inventou a linha de montagem, mas deu-lhe uma aplicação mais

ampla do que nunca. Muitas vezes se deplorou o aspecto psicológico no operário,

mas a técnica foi fundamental para ampliar a distribuição de riqueza. (EMMOTT,

2006, pg. 644)

De acordo com Antunes (1997) o fordismo, caracterizado pela produção em

massa, pela linha de montagem e produtos mais homogêneos, vai cedendo lugar ao

“toyotismo”, onde o trabalhador opera com várias máquinas, produzindo somente o

necessário e no melhor tempo. Salerno (1993) considera que o modelo japonês

incorpora, parcialmente ou de forma integrada, as seguintes técnicas ou sistemas:

just-in-time, kanban, manufatura celular, círculos de controle de qualidade (CCQ),

polivalência, controle de qualidade total (TQC).

O toyotismo se estrutura a partir de um número mínimo de trabalhadores e

horas extras, que vai aumentando de acordo com as necessidades, através de

subcontratações ou trabalhadores temporários (Antunes, 1997). Com o quantitativo

de trabalhadores diminuído aumenta-se a intensidade das tarefas exercidas e com a

transformação em trabalhadores multifuncionais aniquila-se seu saber, diminuindo

seu entendimento sobre a produção através de multiplicidade de tarefas. Segundo

Katz (1995, p. 32), "a polivalência é uma modalidade de retaylorismo, porque ao

incrementar o esforço e o cansaço na realização de múltiplas tarefas reduz a

possibilidade de se entender aquilo que está se realizando.” Conforme Abramides e

Page 26: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

24

Cabral (2003, p.4) o toyotismo é uma forma de exploração e de controle sobre a

força de trabalho e relatam as conseqüências advindas desse processo de trabalho:

“As decorrências desse processo favoreceram o processo de flexibilização do trabalho que conduziu à desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas: reduziu o quantitativo do operariado fabril; incrementou a terceirização e a subproletarização; estimulou o trabalho precário e parcial e ampliou o desemprego estrutural, entre outros danos trabalhistas”.

Esses diferentes processos de trabalho na produção: fordismo, taylorismo e

toyotismo, são modos diferenciados de exploração, cujas repercussões profundas

afetam a "objetividade e subjetividade da classe-que-vive-do-trabalho, e, portanto, a

sua forma de ser" (ANTUNES, 1997, p.15). Pode-se afirmar que estes modelos da

era mecanicista ainda predominam na maioria dos ambientes de trabalho do século

XXI independentemente do modelo empregado pela organização, prevalecerá a

submissão à disciplina e ao controle inerentes à exploração capitalista da força de

trabalho.

Elton Mayo (1880/1947) e outros pesquisadores mostraram interesse nas

décadas de 1920-1930 em humanizar a administração. “Devemos reconhecer,

contudo, que nesse período a preocupação era com a solução de problemas do

chão de fábrica e com pouca ênfase nos demais aspectos da empresa”

(KWASNICKA, 2006, pg. 30). Surgiu assim a Teoria das Relações Humanas, um

movimento em oposição à Teoria Clássica da Administração.

Esta Escola foi delineada a partir dos princípios básicos da experiência em

Hawthorne, um projeto de pesquisa da fábrica de Hawthorne da Western Eletric, em

Chicago de 1927 a 1932, tinha como objetivo identificar a relação entre iluminação e

produtividade dos funcionários. Porém o foco foi alterado, pois foi percebido que

fatores psicológicos interferiram no trabalho. As principais conclusões dessa

experiência foram: o nível de produção é determinado pela integração social e não

Page 27: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

25

pela capacidade física dos operários; o comportamento do indivíduo se apóia

totalmente no grupo (a existência de grupos sociais informais dentro da empresa) e

na necessidade de dar maior relevância aos elementos emocionais dos envolvidos

no processo.

Além de Elton Mayo outros autores ganharam destaque na Escola das

Relações Humanas. Mary Parker Follet foi uma das percursoras ao analisar os

padrões de comportamento e a importância das relaçãoes individuais. A “lei da

situação” de Follet tornou-se um conceito revolucionário, que alterou o entendimento

sobre a hierarquia, o controle e a autoridade de comando (GABOR, 2001). Dizia que

o poder - que é uma variável cultural – deveria ser concebido como uma prática a

ser exercida com os outros e não sobre os outros. Mary Parker Follet dizia que todos

os empregados eram importantes e deviam possuir conhecimentos e competências

conforme a situação em que estivessem atuando (URWICK, 1973). Follet propunha

o que ela chamava de “uma autoridade mais horizontal do que vertical”, o que,

segundo ela, “promoveria uma troca mais livre de conhecimento dentro das

organizações” (KWASNICKA, 2006, pg. 31).

Na tentativa de libertar-se dos conceitos rígidos e mecanicistas da Teoria

Clássica, a Escola das Relações Humanas acreditava que, além da necessidade do

trabalhador de conhecer o objetivo da empresa, este deveria ser incluído no

processo decisório. “Mary Parker Follet era contra os princípios da obediência cega

e defendia o conceito de equipe e princípios de responsabilidade compartilhada”

(KWASNICKA, 2006, pg. 31).

Apesar de suas diversas pesquisas empíricas resultarem em um novo ponto

de vista sobre a organização e mudar o foco do trabalhador de homos economicus

para homos social, diversas críticas surgiram entre elas: apresentar uma visão

Page 28: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

26

inadequada dos problemas de relações industriais, ênfase exagerada nos grupos

informais e concepção ingênua e romântica do operário levaram a teoria a um certo

descrédito.

“...uma forma de fazer com que os subordinados acatem decisões previamente tomadas, em função de uma ilusão de participação e de poder, geralmente criada pela delegação de autoridade para decidir em assuntos absolutamente indiferentes para a alta cúpula administrativa” (PRESTES MOTTA, 1981, p.56).

Vários autores destacam que os pressupostos desta escola não alteram o

modo como o trabalho é organizado mantendo o padrão taylorista de organizar os

processos. Conforme Proença (1993) a Escola de Relações Humanas considerava o

indivíduo e o grupo como um elemento de um conjunto, que precisaria ser

conhecido, mas ao qual não era conferido nenhum tipo de decisão.

Apesar de críticos considerarem a escola de relações humanas uma

abordagem simplista, esta contribuiu para um olhar mais atento às dimensões

humanas da organização. Esta abordagem não negligencia os aspectos

econômicos, mas integra as atividades necessárias à manutenção da organização, e

tem como postulado que o alcance dos objetivos sociais permite atingir os objetivos

econômicos e financeiros (QUINN et ROHRBAUGH, 1981).

Page 29: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

27

VIII

NOVO PARADIGMA PARA AS ORGANIZAÇÕES

“O novo desafio que marcará o século XXI é como inventar e difundir uma nova organização, capaz de elevar a qualidade de vida e do trabalho, fazendo alavanca sobre a força silenciosa do desejo de felicidade”. (DE MASI,2003,pg. 330)

Apesar da eficácia alcançada pelos modelos mecanicistas, estes

trouxeram conseqüências perversas para os trabalhadores tratados como um

recurso. Chanlat (1994) aborda o processo de evolução da gestão das pessoas de

forma bastante crítica. Segundo ele, os modelos de gestão focaram apenas o

aumento da produtividade e dessa forma a gestão de pessoas reduziu-se a “simples

técnicas de controle, deixando a vida dos empregados, dos operários e dos

executivos, relegada ao silêncio” (CHANLAT, 1994, p. 8). Com o advento do

capitalismo o mundo enfrenta pela primeira vez a ruptura entre a produção da

existência e a reprodução da vida. O mundo do trabalho e o mundo do afeto passam

a se desenvolver em dois universos distintos, a fábrica e o lar. (CODO et al, 1993,

p.193).

As organizações da pós-modernidade precisam refletir sobre novos

significados para o trabalho. O trabalho não pode mais ser fonte de sofrimento,

alienação e insatisfação. Deve pressupor participação, aprendizagem e troca, deve

ser um veículo de satisfação, realização e crescimento pessoal. Uma visão pluralista

do indivíduo inserido na organização é positiva, portanto faz-se necessário uma

mudança de paradigma neste cenário globalizado da modernidade. Deve-se

considerar o trabalhador em sua complexidade, afinal o alcance dos resultados

Page 30: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

28

organizacionais pode ser conquistado se atrelado à realização individual no contexto

organizacional.

Surge uma nova postura profissional que diminui a dicotomia entre trabalho e

prazer, entre convicções e carreira, e entre éticas pessoais e profissionais

(FERGUSON, 1995). Surge uma organização como lugar de sociabilidade, de

cidadania e de expressão da subjetividade onde funcionários são sujeitos do

trabalho. O indivíduo que participa e que pensa reconstrói possibilidades de atuação

deixa de ser sujeito passivo para ser agente de participação. Na organização que

aprende segundo Senge (1997), as pessoas sentem que estão fazendo algo

importante para ela como pessoa e para o mundo.

“É preciso transformar cada organização em uma organização que saiba

aprender, estruturar a atividade da empresa como um conjunto de projetos levados

adiante por grupos dotados de ampla autonomia” (DE MASI, 2003, pg. 244). A

autonomia do indivíduo é fator relevante para o envolvimento com o trabalho que

realiza. A partir do processo de partilhar poder, o funcionário sente-se capaz de

desempenhar suas funções e sente-se realizado em contribuir para o objetivo final

da organização. Como resultado, as pessoas tomam mais iniciativas e perseveram

para atingir suas metas (BATEMAN e SNELL, 1998). Desenvolve-se, assim, o

sentimento de co-responsabilidade pelos resultados organizacionais, crescendo o

nível de interdependência.

Neste novo paradigma o trabalhador terá espaço para o diálogo. Ao propor

novas idéias, o indivíduo tem sua auto-estima elevada e o trabalho torna-se

altamente motivador. Conforme Arendt (1983, p.59) "nenhuma atividade pode tornar-

se excelente se o mundo não proporciona espaço para seu exercício". Propor

desafios realizáveis evoca sentimentos de competência e estimula o indivíduo a

Page 31: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

29

continuar aprendendo e inovando motivação. O exercício da criatividade no

ambiente de trabalho também é um dos fatores que levam ao crescimento cognitivo

dos indivíduos dentro das organizações. Buscar maneiras simples para que o ser

humano sinta-se sujeito da ação e que ao realizar essas atividades desperte o

sentimento de estar totalmente vivos e realizados.

A valorização do diálogo, a adoção pelos dirigentes de uma postura aberta ao

aprendizado constante e a percepção da existência de determinados padrões de

comportamento foram incorporados pelos estudos organizacionais da chamada

abordagem humanística (FERREIRA et al, 2005, pg. 43).

O líder baseado em princípios humanísticos tem a sensibilidade de perceber

diferenças individuais e alocar tarefas de acordo com o sentido que cada indivíduo

atribui ao seu trabalho. Portanto é preciso “construir um sistema organizacional que

consiga produzir harmonia entre as necessidades do indivíduo e as da organização”

(KWASNICKA, 2006, pg. 77). Para o enfoque humanista conciliar interesses

individuais aos organizacionais é compreender profundamente a dinâmica dos

indivíduos em suas várias dimensões. Campbell (1990) confirma que buscamos

experiências de vida no plano físico que tenham ressonância no interior de nosso ser e

de nossa realidade mais íntima, de forma que realmente sintamos o enlevo de estar

vivos.

O administrador deve entender as reações de seus subordinados em relação

a seus trabalhos e às mudanças que ocorrem, ele precisa entender o que desejam

do trabalho (KWASNICKA, 2006, pg.40). Neste novo paradigma a dimensão da

inclusão contribuirá para a produtividade da organização, o indivíduo incluído no

processo é respeitado por ter sua opinião atendida e o seu reconhecimento como

colaborador da organização é o grande diferencial da organização humanizada.

Page 32: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

30

Para Codo et al (1993, pg.189) qualquer que seja o modo de produção ou a tarefa,

existe sempre uma transferência de subjetividade ao produto: trabalhar é impor à

natureza a nossa face, o mundo fica mais parecido conosco e, portanto, nossa

subjetividade depositada ali, fora de nós, nos representa.

A mudança de paradigma aqui proposta questiona a situação manipuladora e

alienadora que o trabalho atribui ao indivíduo. A presente crítica além de discutir o

processo atual propõe uma nova concepção do ser humano no mundo do trabalho.

Esta mudança não pretende ser apenas mais uma teoria e manter o status quo,

deve contribuir pelo menos para uma reflexão crítica. Chanlat (1994, p. 18) diz,

“humanizar o saber do campo da gestão é possível; o difícil é fazer passar essa

humanização para o nível das práticas”.

“Olhando o futuro de maneira otimista, estamos vendo o homem dentro de um

desenvolvimento contínuo em sua educação, aumentando sua liberdade e,

consequentemente, diminuindo sua dependência a outros e sua liberdade sobre

controles mecânicos e coercitivos” (KWASNICKA, 2006, pg.25).

Page 33: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

31

IX

FUTURO DO TRABALHO

Conforme De Masi (2003) o capitalismo é baseado no egoísmo e na

competitividade, isto é, sobre premissas brutais, não humanas. Para ele o ambiente

organizacional cada vez mais ávido por produtividade e baixo custo torna os

modelos de gestão, artifícios do capitalismo, incompatíveis com a adoção de práticas

mais humanas quando o único foco é a rentabilidade financeira. Portanto é

impossível humanizá-lo.

Com o fim do trabalho formal e a impossibilidade de humanizá-lo autores

como De Masi (2003), Lazzaratto (2001), Negri (2001) e Hardt (2001) propõem

novas alternativas de relações de trabalho.

O avanço da tecnologia, a flexibilização das formas de contratação, o

aumento do desemprego fazem com que o trabalho formal material ceda espaço ao

trabalho imaterial dando-lhe nova forma. Conforme De Masi (2003) a “era da

teleinformação” apoiada no desenvolvimento da tecnologia permite a veiculação de

idéias, tendências e experiências a curtíssimo prazo, impõe um novo ritmo à

comunicação, alterando as suas funções. A reestruturação do capital acontece na

direção de uma maior flexibilidade, uma maior descentralização, devido à

estruturação das empresas em rede e presença massiva das tecnologias de

informação e comunicação (CASTELLS, 2000).

Segundo Lazzaratto e Negri (2001), Hardt e Negri (2001) e Negri (2003) o

trabalho imaterial surge como elemento constitutivo da nova ordem capitalista

mundial. Esse novo modelo de produção descentraliza as tarefas e demanda novas

características como iniciativa, inteligência prática, cooperação, domínio do

Page 34: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

32

processo, tomada de decisão e envolvimento afetivo além de mobilizar aspectos das

relações intelectuais e afetivas dos trabalhadores.

Segundo Grisci e Bessi (2006 pg. 39) a criação de valor, na perspectiva do

trabalho imaterial, se dá pela socialização do trabalho, sendo seu principal

instrumento o cérebro e as capacidades de mobilização subjetiva dos trabalhadores.

Este tipo de trabalho necessita das capacidades de mobilização, de criação e de

inovação favorecendo possibilidades políticas de resistência, de libertação e de

autonomia. Como dizem Lazzarato e Negri (2001) na perspectiva do trabalho

imaterial, é a alma do trabalhador que passa a ser requisitada. O trabalho intelectual

independe do local de trabalho e do horário rigidamente sincronizado, liberta o

indivíduo do confinamento diário diminuindo a alienação proporcionada pelo

trabalho.

De Masi (2003) propõe a desestruturação do tempo e do espaço como reação

ao descontentamento do modo de vida levado atualmente. Com a ajuda das novas

tecnologias é possível uma mudança na noção de tempo e espaço. O teletrabalho

além de produzir mais bens e serviços com menor esforço físico favorece o convívio,

em tempo real, de uma rede de interlocutores, de amigos e de colaboradores. O ócio

criativo é resultante da liberação de tempo permitida pelo trabalho virtual.

“A sincronização do trabalho, a unidade de tempo e de lugar a que são ainda obrigados diariamente milhões de trabalhadores, não corresponde mais nem a uma exigência real da produção nem a uma necessidade efetiva de cada um e de sua família, ao passo que provoca um grave dano às pessoas, à economia e à sociedade. Ainda assim, permanece como grande rito coletivo e apresenta todas as contradições do rito”. (DE MASI, 2003, pg. 260).

O teletrabalho para De Masi (2003, p.34) resulta em uma maior autonomia,

uma menor alienação, uma grande economia de energia e sua recusa por parte das

organizações é um pecado contra a reconciliação do trabalho com a vida, isto é,

Page 35: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

33

contra o cumprimento da mais benéfica das revoluções permitidas pela sociedade

pós-industrial.

Alguns autores afirmam que o futuro do trabalho pode vislumbrar sucessos se

aliados às perspectivas do progresso científico. Marcuse (1968) movimenta-se entre

duas correntes, para ele o trabalho possui caráter dialético e está dividido entre

opressor e libertador da opressão. A primeira acredita na transformação das

relações do trabalho em uma ótica não opressiva, para a segunda o trabalho permite

a verdadeira realização da essência do homem. Sendo assim, o trabalho pode

constituir-se de espaço para a libertação da opressão. Torna-se possível resolver

contradições, como a apontada por Lévy-Leboyer (1990:56-57), do indivíduo que

“não pode viver sem trabalho e, ao mesmo tempo, diz que o trabalho o impede de

viver”. Segundo Codo et al (1993, pg.63) a vida dos homens sem dúvida não se

reduz ao trabalho, mas também não pode ser compreendida na sua ausência. Onde

quer que estejam as causas do sofrimento dos homens, estarão em suas próprias

vidas.

É preciso reconhecer que essa nova forma de trabalho apesar de dar

autonomia ao indivíduo pode constituir-se nova fonte de opressão e exploração.

Conforme Malvezzi (1994,p.26) a mudança de paradigma traz a “substituição dos

controles sobre o processo pelo controle sobre os resultados, a partir de controles

internos dos sujeitos” . Apesar de algumas afirmativas referentes aos mecanismos

de controle no nível simbólico é salutar reconhecer o delineamento de novas

relações homem-trabalho.

Page 36: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

34

X

CULTURA ORGANIZACIONAL

“cada vez mais vai se consolidando o princípio segundo o qual a manutenção da saúde depende de que entre o trabalhador e o trabalho prescrito exista algum espaço de negociação, alguma possibilidade de ajustar o modo operatório ao perfil do executante. Quando a organização do trabalho se estrutura de forma rígida, ignorando a importância dos sistemas sócio-técnicos e atribuindo primazia absoluta ao aspecto econômico, o resultado será um desajuste, uma incompatibilização entre trabalhador e o mundo operatório” (SOUZA, 1992, p.70)

Para Edgard Schein (1998), cultura organizacional é o conjunto de

pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao

aprender como lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna

e que funcionou bem o suficiente para ser considerado válido e ensinado a novos

membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses

problemas.

Toda empresa tem um sistema de comportamento organizacional. Isso inclui

uma filosofia e objetivos explícitos ou implícitos, qualidade de liderança, natureza

das organizações formais ou informais e influências do ambiente social. (DAVIS e

NEWSTROM, 2004, p.38). As organizações diferem uma das outras quanto à

qualidade do comportamento organizacional que desenvolvem. Essas diferenças

são substancialmente causadas pelos diferentes modelos de comportamento

organizacional que dominam o pensamento administrativo em cada organização.

O modelo administrativo da era globalizada como citado previamente traz

conseqüências negativas para o indivíduo. Fazem-se necessárias mudanças nas

relações homem-trabalho. Segundo Argyris (1997, p.7), a incongruência entre o

indivíduo e a organização tenderá a prover as bases para uma continuada mudança

Page 37: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

35

que, como será realizada, tenderá a ajudar o homem a melhorar o seu próprio

crescimento e a desenvolver organizações viáveis e eficientes. Chanlat (1996,

p.125) propõe “não se deixar aprisionar por uma visão tradicional da gestão”.

Para Herzog (citado por Wood, 1992), a mudança no contexto organizacional

engloba alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de

trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações

estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Gerenciar pessoas mantendo o alto nível

de motivação é requisito para um processo de mudança com sucesso. Segundo

Herzog, a mudança tecnológica não é o grande desafio mas sim a mudança das

pessoas e da cultura organizacional com a renovação dos valores para ganhar

vantagem competitiva.

Srour (1998) afirma que o espaço social não é povoado por indivíduos e sim

por relações sociais. As relações sociais são formadas por indivíduos logo a ruptura

de valores referentes a aspectos que se queira mudar deve partir deles. Assim como

os modelos de gestão são construídos socialmente, permeados por relações sociais,

a mudança ocorre apenas quando os indivíduos aceitam.

Deal e Kennedy acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem

perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência (Wood

1992). O conflito de objetivos entre capital e trabalho implica discordâncias e

divergências gerando implicações negativas ao indivíduo inserido no cenário

organizacional. Faz-se necessário construir processos capazes de responder às

novas demandas de descentralização das organizações.

A cultura organizacional é dialética por homogeneizar os modos de pensar e

por ser uma poderosa ferramenta para a mudança organizacional. Como a cultura

organizacional permite modos de comportamento de acordo com as normas

Page 38: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

36

adotadas pela organização é possível ensinar aos indivíduos como agir diante das

demandas do novo paradigma. Para preparar a organização para a mudança é

preciso analisá-la profundamente considerar suas formas de poder e os processos

que justificam seu modo de agir. O poder atua nos “processos de controle, de

articulação, de arbitragem e de deliberação” e está ligado às relações sociais.

(SROUR, 1998, p. 134).

De acordo com Wren (1979) enquanto persistirem os valores dominantes, não

existe uma mudança de paradigma. Cabe aos indivíduos decidirem quais os valores

a serem mudados.

Dar origem a um novo modelo de gerenciamento de pessoas é salutar neste

cenário de competitividade crescente, uma nova consciência que leve em

consideração o indivíduo e suas relações. Em seu discurso Chanlat (1996, p. 125),

sugere o modo de gestão participativo:

“quer se trate de reorganização do trabalho, de democratização do escritório, do reconhecimento real do saber e da experiência adquirida, da criação de espaço, de palavra, de responsabilização, todas as experiências convergem para uma melhora do clima de trabalho e da saúde e segurança no trabalho” (CHANLAT, 1996, p. 125).

Page 39: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

37

METODOLOGIA

O presente estudo é do tipo exploratório. Usado para obter dados adicionais

para que se possa desenvolver uma abordagem ( MALHOTRA, 2001, p. 105).

Foi realizado um levantamento bibliográfico a partir de material publicado e

entrevistas com especialistas que tiveram experiências práticas com o problema

pesquisado: investigar se a implementação de novas práticas gerenciais que

contribuem para a transformação das relações dos trabalhadores, a partir de ações

gerenciais fundamentadas no respeito pelo indivíduo, caberia frente a esse cenário

de domínio da economia.

As entrevistas foram aplicadas pessoalmente e individualmente. Foram

respondidas por três especialistas com formação e atuação na área e com diversos

títulos e livros publicados e foram gravadas. Por serem não-estruturadas tiveram o

roteiro apenas como guia quando foi possível explorar amplamente as questões.

Durante a formulação das perguntas evitou-se induzir respostas politicamente

corretas.

Para a análise dos resultados obtidos nas entrevistas utilizou-se o método

qualitativo. Os dados colhidos foram apresentados sob forma de texto para manter o

enlaçamento de idéias.

Page 40: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

38

COMENTÁRIOS DOS ESPECIALISTAS

N°. 1

PRÁTICAS GERENCIAIS HUMANIZADORAS NA CONTEMPORANEIDADE

Os problemas com que se defronta a gestão de Recursos Humanos no

trabalho são fruto de transformações tecnológicas, econômicas e sociais de

amplitude planetária que custamos a alcançar e compreender na sua totalidade.

Mudanças no padrão tecnológico, velocidade nas comunicações, reestruturação

produtiva, volatilidade de capitais, globalização econômica e cultura pós-moderna

são expressões que tentam dar conta de fenômenos sociais interdependentes que

têm um impacto significativo, diria mesmo crucial, sobre o mundo do trabalho.

Se fosse possível formular uma sentença simples, dir-se-ia que os avanços

tecnológicos alteraram as estruturas produtivas e aceleraram as comunicações de

forma a aumentar a produtividade, integrar (ou desintegrar) mercados, movimentar

capitais e fragilizar os Estados Nacionais, fomentando ao mesmo tempo,

oportunidades e desemprego, prosperidade e exclusão social.

Essa simplificação grosseira permite compreender que a função Recursos

Humanos não é a mesma dos bons tempos dos trintas anos gloriosos que se

seguiram à segunda guerra mundial. Até os anos oitenta, estávamos acostumados a

ver os profissionais de RH como promotores da valorização humana e defensores

do balanço social e da empresa cidadã. De lá para cá, foram convertidos em algozes

de consciência culpada, encarregados de buscar resultados e perfomances e de

Page 41: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

39

promover estratégias de downsizing, programas de demissão voluntária e políticas

de outplacement.

Afinal, quais seriam as práticas gerenciais que permitiriam conciliar a

produtividade e a valorização humana?

Para responder a essa questão, é preciso repensar as organizações e o papel

dos homens que nelas trabalham, rever a articulação entre o econômico e o social,

valorizando a qualificação, a eficiência e a perfomance, mas também a missão social

da empresa, a segurança do trabalhador e os laços de solidariedade. Nesse

contexto, as organizações mais eficazes serão aquelas que saibam articular

solidariamente a mudança tecnológica, o conteúdo do trabalho e as transformações

nas relações internas. Isso significa rever o conceito de produtividade, de sorte a não

tomar o trabalho apenas pelo seu custo, mas também como fator de adição de valor,

de inovação, de competência e de qualidade. A gestão de Recursos Humanos deve,

portanto, integrar o planejamento estratégico, estimular a participação, enriquecer as

tarefas e desenvolver a polivalência. É ela que dá sentido e consistência à idéia de

organizações de aprendizagem.

Para formular estratégias humanizadoras na gestão de RH, devemos procurar

discutir problemas relativos à empregabilidade, à integração ao processo de

integração flexível, ao enriquecimento das tarefas e à valorização dos cargos pela

ampliação da polivalência, ao treinamento em serviço, ao ensino à distancia e a

todas as variedades de autoformação e à conseqüente multiplicação das alternativas

de outplacement e à preparação para a aposentadoria. São questões cruciais para a

integração do homem e da mulher ao mundo do trabalho na sociedade pós-

industrial.

Page 42: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

40

Apresentam-se, assim, enormes desafios.

Creio que não temos nenhuma resposta pronta. Mas temos algumas boas

perguntas. É o que nos permite mais do que remar, navegar. E, como diz o poeta,

navegar é preciso, viver não é preciso...

Frederico Lustosa da Costa

Doutor em Gestão pelo ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da

Empresa, de Lisboa, Diploma em Estudos Aprofundados (DEA) em Comunicação,

Tecnologia e Poder, pela Universidade de Paris I. Mestre em Administração Pública

pela EBAP/FGV. Bacharel em Economia pela UFC. Especialista em Análise

Organizacional pela FGV/EBAP/SUDENE e em Gerência de Projetos pela Fundação

para o Desenvolvimento Internacional da Alemanha, em Berlim e pelo Instituto de

Desenvolvimento Social (INDES) do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID), em Washington.

Page 43: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

41

N°. 2

A sociedade humana vive, atualmente, a “era da Organização”.

Todos os pressupostos da atividade humana estão vinculados à capacidade

do indivíduo e dos grupos de indivíduos viverem numa Organização, pertencerem a

uma Organização, participarem de uma Organização, relacionarem-se com uma

Organização.

Não há como conceber um sistema de poder econômico e / ou político que

não tenha como base a existência de uma estrutura – em seus diferentes níveis de

sofisticação e complexidade – organizacional.

Pode-se dizer que foi essa dominância da Organização que determinou o

atual nível de globalização da sociedade humana, seja ela econômica ou política.

No processo organizacional há diferentes dimensões – todas elas devendo ter

identidade de convergência. O pressuposto é de que não pode haver conflito

incontornável e fora de controle entre os objetivos organizacionais e os objetivos dos

seus membros. Eles têm que ser entre eles identificados. Ou, no mínimo,

compatíveis.

Para que seja obtida tal compatibilização de objetivos é preciso haver da

parte dos membros da Organização a internalização dos valores, crenças e objetivos

organizacionais.

De acordo com o grau de inclusão do individuo na Organização é que se

pode referenciar o nível de satisfação pessoal e a sua contribuição para atender aos

objetivos da própria Organização.

Page 44: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

42

Todo o processo organizacional deve estar precisamente dirigido para tais

fins. Quanto ao atender ou não tais finalidades vai depender precisamente dessa

pré-condição.

Existe a Organização ideal? Teoricamente pode até se dizer que sim. Na

prática não há como eliminar o “conflito” inter e intra-organizacional inerente a toda a

atividade humana – decorrentes das diferenciações seja de personalidade, seja de

interesses e objetivos, seja mesmo de formação e cultura.

Os estudos das diferentes “escolas” de administração buscaram, cada uma

em seu tempo, e em seu estágio de desenvolvimento tecnológico e prioridades

sócio-econômicas, alcançar um “modelo ideal” de Organização.

Mas, desde os primeiros estudos mais sistemáticos é preciso se verificar e

examinar sobre as prioridades escolhidas pela própria administração. Qual a ênfase

dada na estrutura administrativa: nos objetivos ou nas tarefas? O resultado final da

atividade organizacional (a produção, por exemplo) ou a ação-meio para atender a

um só tempo os objetivos organizacionais compatibilizando-os com os objetivos dos

seus membros?

Nessa tentativa de busca de respostas a essas argüições há que se ter uma

primeira consideração. A de que o indivíduo não pertence a uma única Organização.

Tem a família. A Igreja-religião. Os círculos de amizade – do clube ao de lazer, como

o time de futebol pelo qual torce. Tem o emprego. E muitos outros mais.

Ele tem, assim, em relação à Organização para a qual trabalha e a qual,

nessa dimensão pertence, um sistema de “conflitos” quanto à lealdade, à identidade,

ao grau de satisfação que as outras diferentes organizações que ele pertence lhe

oferecem. E é esse “grau de satisfação” que ele obtém é que vai dizer / ditar para

Page 45: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

43

ele o quão “ideal” podendo chegar a ser esse “modelo” adotado pela Organização

produtiva a que ele pertence.

Para obter esse “modelo ideal” ele precisa identificar a cooptação a que pode

chegar seus objetivos com os objetivos organizacionais. E, portanto, o “modelo

ideal” de Organização ideal” dificilmente é o mesmo para os diferentes grupos e

níveis dentro de uma mesma Organização.

No exame da “história” administrativo-organizacional se vai constatar que

cada “modelo” de Organização correspondeu a um ciclo de estágio econômico-

social e tecnológico da sociedade humana, se bem que se deva ressalvar que cada

um desses “modelos” sobrevivem e podem ser ainda hoje encontrados, no todo ou

partes deles, em diferentes “arcaicas” ou “modernas” estruturas organizacionais.

Nos “tempos modernos”, os primeiros estudos sistemáticos estiveram

bifurcados entre o “modelo de Taylor” e o “modelo de Fayol”. Em Taylor, o núcleo de

preocupação em se ter a “Organização ideal” era o sistema produtivo / fabril tão bem

caricaturado no filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin. Em Fayol está mais

acentuado o padrão “burocrático-administrativo”.

Tome-se, para referendar essa “evolução” das teorias administrativas as

“escolas” mais reconhecidas pelos teóricos das Teorias da Administração, e nelas os

indicadores da (A) concepção organizacional; (B) relações empregado /

administração; (C) sistema de incentivos possível / adequado para se obter do

empregado a aceitação da Organização como “ideal; e ( D) o conceito que cada uma

dessas “escolas” tendo da “natureza humana”;

1. Escola de Administração Científica – Organização formal, com identidade

de interesses, incentivos monetários, e o homo economicus.

Page 46: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

44

2. Relações Humanas - Organização formal, identidade de interesses,

incentivos psicológicos, e o homo social.

3. Behaviorismo - sistema cooperativo racional, com conflitos possíveis e

negociáveis, incentivos mistos, e o homem administrativo.

4. Estruturalismo - sistema social deliberadamente construído, conflitos

inevitáveis e muitas vezes desejáveis, incentivos mistos, e o homem organizacional.

5. Teoria Sistêmica - sistema aberto, conflito de papéis, incentivos mistos, e o

homem funcional.

A esse padrão de abordagem quase sempre feito pelos estudiosos das

Teorias da Organização, pode-se-ia acrescentar o que vai aqui ser convencionado

chamar-se de “Modelo de J.K. Galbraith” (no que em sua bibliografia ele enfoca o

individuo como unidade produtiva). Nele, a questão da do modelo “ideal” depende da

posição que cada pessoa ocupa nas diferentes organizações. Verifica-se, para efeito

de sistematizar a exposição, uma inclusão cada vez maior e mais intensa (e de

maior identificação) do indivíduo com a Organização a partir do que se chamaria,

observando-se círculos dentro de círculos) da periferia para o centro desses círculos.

Ter-se-ia, assim,

1. No centro, num círculo menor (em dimensão) estaria o núcleo executivos –

administração – a tecnocracia;

2. Noutro círculo a capatazes, supervisores, pessoal de vendas, funcionários

burocratas, e outros empregados de escritório (eles se fundem com engenheiros,

técnicos, diretores de vendas, cientistas, projetistas, e outras especializações que

formam a tecnocestrutura) – em que a identidade com a organização e a adaptação

Page 47: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

45

de seus objetivos aos objetivos organizacionais se tornam cada vez mais

importantes;

3. Um terceiro círculo, onde localizando-se empregados na produção, e em

que a motivação maior sendo pecuniária, e em que cabe a Organização buscar

incentivar à maior identidade desse círculos com os seus objetivos;

4. Num quarto e bem amplo círculo estariam os acionistas, cuja identidade

com os objetivos organizacionais pode ser sintetizada com base em ganhos

pecuniários.

Esse conglomerado de abordagens leva a que a concepção de “modelo ideal”

de Organização varia dependendo do posicionamento do indivíduo-membro no

organograma Organização.

E assim, se concluir / admitir que teoricamente, tem sim a possibilidade de

existir e de se “construir” numa engenharia econômico-social e tecnológica a

“estrutura / gestão ideal”.

Mas observando-se o universo organizacional atual, na prática, não há

nenhum exemplo de uma “unidade economicamente produtiva” de bens e serviços

que possa ser apontada como com uma estrutura que seja ideal ao mesmo tempo

para a Organização e para os seus membros. Tal afirmativa, contudo, não deve ser

colocado à margem que há – como demonstra a história da evolução das teorias na

Administração - a busca desse “modelo ideal” para ambos – a Organização e os que

a ela pertencem.

O modo de se obter a “unidade produtiva ideal” (se é que se possa

encaminhar à ela) é através de um contínuo processo de seleção dos seus

Page 48: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

46

membros, contínua evolução das tecnologias utilizadas com treinamento dos que

dela fazem uso, com a inclusão de identificação dos indivíduos com os objetivos

organizacionais.

Pode parecer contraditório, e paradoxal. E é. Mas é também constatável na

área Organização-administrativa. Tal processo, se e quando possível, exige toda

uma “cultura organizacional” que, na prática independe, em grande parte do “modelo

ideal” como dessa coesão dos membros quanto à identificação com os seus

objetivos como acontece com a Igreja e as Forças Armadas em que não há

exemplos a serem enunciados nas modalidades de produção de bens e serviços.

Antonio Frota Neto

Graduado em Administração pela Escola de Administração do Ceará; Especialização

em Marketing pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da

Fundação Getulio Vargas - EAESP/FGV; Mestrado pela EAESP/ FGV; Doutorado

pela EAESP/FGV.

Atividades Profissionais na área de Administração: 1. Técnico em Administração

do Departamento de Organização e Treinamento do Governo do Estado do Ceará

(1965). 2. Professor concursado de Comunicação da Escola de Administração do

Ceará (01.08.1969). 3. Professor de Teoria Geral da Administração do Curso de

Graduação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação

Getulio Vargas - EAESP / FGV (1971). 4. Primeiro Superintendente geral da Bolsa

de Valores do Ceará, sob aprovação do Banco Central (01.10.1974). 5. - Diretor

Geral do Departamento de Indústria e Comércio da Secretaria de Indústria e

Comércio do Ceará (1975). 6. Diretor da Divisão de Recursos Humanos da EBTU –

Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (1977) em Brasília.

Page 49: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

47

Livros publicados: Estudo sobre Motivação nas Teorias da Administração

(Universidade Federal do Ceará - 1983); Administração para Iniciantes - Estruturas e

Comunicação (Editora Rigel, Porto Alegre - 1995).

Page 50: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

48

N°. 3

Uma organização ideal seria aquela que fosse capaz de alinhar e

compatibilizar os anseios, necessidades, potenciais, talentos e interesses das

pessoas com as atividades que essas pessoas tivessem que realizar. Isto é, que

tivesse as pessoas certas nos lugares certos. Assim, a empresa teria que ser capaz

de trabalhar muito bem o sentido de “missão dentro da missão” com as pessoas.

A organização ideal teria um cuidado especial na seleção das pessoas,

buscando a adequação à cultura organizacional. Procuraria ambientar

eficientemente os novatos, assim com buscar garantir que as pessoas pudessem se

sentir supridas para exercer suas atividades, com informações e recursos. Teria um

foco permanente no desenvolvimento de competências dos colaboradores, inclusive

vislumbrando as necessidades emergentes. As pessoas seriam vistas em sua

inteireza, portanto as lideranças teriam toda uma preparação para lidar com as

questões humanas.

A organização ideal é viável, considerando as imperfeições inerentes ao ser

humano. Ela precisa ser considerada viável para que possa se tornar, efetivamente,

um objetivo a ser atingindo.

Uma estratégia que poderia apontar seria o fortalecimento da área de gestão

de pessoas, que, evidentemente, deveria traduzir um desejo da organização de

situar seus valores dentro do espírito de utilidade da organização para o ser

humano, que pode ser compatível com a utilidade do ser humano para a

organização – muito mais usual de se pensar, mas muito menos nobre ao se

pensar...

Page 51: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

49

Fabiana Alves de Souza dos Santos

Chefe do Departamento de Capacitação de Pessoal do Tribunal Regional do

Trabalho da 10ª Região.

Atua na área de gestão de pessoas há 11 anos.

Especialista em Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas – DF.

Page 52: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

50

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços da civilização as organizações da atualidade

permanecem no antigo paradigma transformando as relações de trabalho em

sofrimento. A sensação de impotência e mal-estar tem como resposta a baixa

produtividade, a falta de engajamento e a falta de compromisso. Essa degradação

deliberada das condições de trabalho destrói a dignidade do ser humano.

A supremacia da razão sobre a emoção, da acumulação ampliada do capital

sobre as relações humanas transforma o trabalho em mercadoria inserido em um

mecanismo econômico cujas únicas engrenagens “são a avidez do dinheiro e a

guerra entre aqueles afeitos ao dinheiro, isto é, a concorrência” (DE MASI, 2003, pg.

51). Para Arendt, labor representa o sentido natural e animalesco do trabalho,

abrangendo tudo aquilo que o homem faz, tal qual os animais, para suprir suas

necessidades de sobrevivência e reprodução (CARBONE et al, 2006, pg. 26).

Processos de trabalho repetitivos, desqualificados e desprovidos de significado

humano se distanciam cada vez mais das relações de solidariedade no trabalho.

O mercado de trabalho exposto ao poder do capital tem como único objetivo a

lucratividade logo os modelos de gestão não consideram os aspectos humanos das

organizações. Diversos estudos concentram seus interesses apenas em questões

como a obsessão por produtividade, desempenho e pelo lucro desprezando as

dimensões humanas.

O presente estudo colocou em evidência essas dimensões esquecidas e

reafirmou o papel do indivíduo nas organizações. Foi possível, a partir da pesquisa

Page 53: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

51

bibliográfica e das entrevistas, ratificar que apesar dos problemas enfrentados pela

Gestão de Pessoas é possível a articulação de estratégias humanizadoras com as

transformações no cenário organizacional.

O investimento no desenvolvimento de competências e na formação de

líderes capazes em lidar com questões humanas, o cuidado especial na seleção de

pessoas, a inclusão cada vez mais intensa do indivíduo na organização levando

assim a uma maior identificação do indivíduo com a organização delineiam

caminhos rumo à uma gestão de pessoas mais humana.

Cabe aqui um convite a pesquisadores investirem nessa linha de pesquisa e

caminharem rumo à libertação do trabalho dos mecanismos de dominação. Uma

nova demanda se configurará em torno do processo homem-trabalho. Esse

reenquadramento levará em consideração os aspectos subjetivos do indivíduo

esquecidos na era industrial.

O presente estudo é uma análise crítica, humana e contestadora de práticas

de dominação. Ao questionar a sociedade atual o homem caminha rumo à sua

autonomia, dita a si mesmo as próprias regras e planeja um futuro otimista.

A tentativa em compreender as conseqüências da relação homem-trabalho

deve servir de instrumento para a recuperação da dignidade do trabalho e para a

construção de uma nova realidade do mundo do trabalho. O pensamento de Codo et

al (1993, pg.122) sintetiza a essência desse trabalho: “agora o indivíduo, poderá ser

um como dez, como uma centena, mas sempre será tomado em sua individualidade

histórica”.

Page 54: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMIDES, M. B. C.; CABRAL, M. S. R. Regime de acumulação flexível e saúde do trabalhador. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 17, n.1, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392003000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 May 2007. Pré-publicação.

AMIN, A. Post-Fordism: A Reader. Oxford: Blackwell Publishers, 1994.

ANDRADE, C. e RIELLI, M. E. Emoções: Dimensão diferencial para a transformação das organizações. Visitado em http://internativa.com.br/artigo_rh_11_06.html Acesso em 27 de julho de 2007.

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Editora da Unicamp, 1997.

ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983.

_________. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

ARGYRIS, C. Integrating individual and the organization. 4. ed. New Brunswick (USA): Transaction Publishers, 1997.

BATEMAN, T. S., SNELL, S. A. Administração: construindo vantagem competitiva. São Paulo: Atlas, 1998.

BERBEROGLU, B. Labor and Capital in the Age of Globalization. Lanham: Rowman & Littefield Publishers, 2002.

BRANT, L. C. De recurso a sujeito nas organizações. Jornal do Psicólogo. Belo Horizonte, ano 13, n º 53. Maio/junho, 1996 a.

BRAGA, R. Luta de classes, reestruturação produtiva e hegemonia. In: Novas tecnologias: críticas da atual reestruturação produtiva. KATZ et al. São Paulo: Xamã Editora, 1995.

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

CAMPBELL, J. O poder no mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CARBONE P., BRANDÃO H., LEITE J., VILHENA R. Gestão por Competências e Gestão do Conhecimento. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

CASTELLS, M. Sociedade em Rede. 3ª. Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

Page 55: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

53

CHANLAT, J. O significado da pessoa na gestão de recursos humanos: uma perspectiva sócio-antropológica. Bahia: ORGANIZAÇÕES E SOCIEDADE, Revista da Escola de Administração da UFBA 3 dez/1994.

CHANLAT, J. Modos de Gestão, saúde e segurança no trabalho. In:_____. Recursos humanos e subjetividade. Petrópolis : Vozes, 1996.

CREMA, R. Saúde e plenitude: um caminho para o ser. São Paulo: Summus, 1995.

CODO, W., Sampaio, J. J. C., & HITOMI, A.H. Indivíduo, trabalho e sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1993.

CODO, W. Um diagnóstico do trabalho (em busca do prazer). In: TAMAYO,A.A; ANDRADE, J. E. B.; CODO, W. (Org.). Trabalho, organização e cultura. São Paulo: Capital, 1997.

DAVIS, K.; NEWSTROM J. Comportamento humano no trabalho: uma abordagem psicológica. São Paulo: Pioneira Thompson , 2004.

DEJOURS, C. A loucura do trabalho - estudo de psicopatologia do trabalho. 3ª

edição, São Paulo: Cortez / Oboré, 1988.

__________. A loucura no trabalho: estudo de trabalho. 5a edição, São Paulo: Cortez, 1992.

__________. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 2º edição, São Paulo: Atlas, v. 1, 1993.

__________. A banalização da injustiça social. Tradução de Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.

DE MASI, D. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. . 8ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

DIAS, E. A atenção à saúde dos trabalhadores no setor saúde (SUS), no Brasil: realidade, fantasia ou utopia? Campinas, UNICAMP, 1994. Tese de Doutorado.

EMMOTT, B. Visão 20:21. Lições do século XX para o novo milênio. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.

ENRIQUEZ, E. A Organização em Análise. Petrópolis: Vozes, 1997.

_____________. Da horda ao Estado. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

ENZENSBERGER, Hans Magnus. Guerra Civil. S.Paulo: Companhia das Letras, 1995.

FARIA, J. Comissões de fábrica: poder e trabalho nas unidades produtivas. Curitiba: Criar, 1987.

Page 56: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

54

_________. Economia política do poder: uma proposta teórico-metodológica para o estudo e a análise das organizações. In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, 2., 2002, Recife. Anais: Recife, Anpad, 2002.

FERGUSON, M. A conspiração aquariana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.

FERREIRA V., CARDOSO A., CORRÊA C., FRANÇA C. Modelos de Gestão. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

FRANÇA, A.C.L. & RODRIGUES, A.L. Stress e trabalho: guia prático com abordagem psicossomática. São Paulo: Atlas, 1997.

FORRESTER, V. O horror econômico. São Paulo: UNESP, 1997.

FREIRE, L. M. B. Saúde do trabalhador e serviço social - possibilidades pelo avesso do avesso. São Paulo: PUC/Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. vol. II, 1998.

GABOR, A. Os filósofos do capitalismo: A genialidade dos homens que construíram o mundo dos negócios. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

GRISCI C. L., BESSI V. G. Trabalho imaterial e resistência na contemporaneidade. Boletim da Saúde | Porto Alegre | Volume 20 |Número 1 | Jan./Jun.2006.Acessoem18/07/2007http://www.esp.rs.gov.br/img2/v20n1_05TrabalhoImat.pdf

HARDT, M. e NEGRI, A. Império. 2.ed.. Rio de Janeiro: Record, 2001.

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1993.

HEGEL, G. W. F. Estética. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Nova Fronteira, 1999.

HOPFER, Kátia Regina; FARIA, José Henrique de. Results-based control in the workplace: dissonances between prescription and actual. RAE electron. São Paulo, v.5, n.1, 2006. Disponívelem:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-56482006000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 May 2007. Pré-publicação. doi: 10.1590/S1676-56482006000100006

KATZ, C. Evolução e crise do processo de trabalho. In: Novas tecnologias: críticas da atual reestruturação produtiva. KATZ et al. São Paulo: Editora Xamã, 1995.

KOVÁCS, I. Reestruturação empresarial e do emprego. In: PICCININI, V. C. (Eds.). Caderno de debates: transformações do trabalho no contexto da reestruturação econômica. Porto Alegre: Gráfica da UFRGS, 2003.

KWASNICKA. E. L. Introdução à administração. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

Page 57: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

55

LAZZARATO, M. e NEGRI, A. Travail immatériel et subjectivité. Future antérieur, n.6, Été, 1991.

LÉVY-LEBOYER, C. A crise das motivações. São Paulo: Atlas, 1990.

MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing: Uma orientação aplicada. 3ª edição. São Paulo: Bookman, 2001.

MALVEZZI, S. Do taylorismo ao comportamentalismo; 90 anos de desenvolvimento de recursos humanos. In: BOOG, G.G.Manual de Treinamento e Desenvolvimento ABTD. 2ª ed. São Paulo: Mackron Books, 1994.

MARCUSE, H. Eros e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

MARX, K. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

MARX y ENGELS. Textos 1, 3 Vol. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977.

MORGAN, G. Imagens da Organização. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1996.

MOTA, A E. & AMARAL, A S. Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho e serviço social. In: A nova fábrica de consensos. São Paulo: Cortez Editora, 1998.

NEGRI, T. Cinco lições sobre Império. Rio de Janeiro: DPA, 2003.

PAGÈS, M. et al. O poder das organizações: a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. São Paulo: Atlas, 1987.

PRESTE MOTTA, F.C. Teoria Geral da Administração. 9ª edição. São Paulo: Pioneira, 1981.

PROENÇA, R. P. C. Ergonomia e Organização do Trabalho em Projetos Industriais: uma abordagem no setor de alimentação coletiva. Dissertação de Mestrado em Ergonomia, PGEP/UFSC, 1993.

REBOUÇAS, J. A. Insalubridade: morte lenta no trabalho. São Paulo: Oboré Editorial, 1989.

ROBERTS, J. M. O Livro de Ouro da História do Mundo. Rio de Janeiro: Ediouro. 2001.

QUINN, R. E., ROHRBAUGH, J. A competing values approach to organizational effectiveness, Public Productivity Review, 1981.

SEGNINI, L. Relações de gênero e racionalização do trabalho em serviços de atendimento a distância. In: SALERNO, M. S. (org.), Relação de serviço: produção e avaliação. São Paulo, Senac, 2001.

Page 58: O PARADOXO DA MODERNIDADE FRENTE À GESTÃO DE PESSOAS

56

SENGE, P.; ROSS, R.; SMITH, B. et al. A quinta disciplina caderno de campo: estratégias e ferramentas para construir uma organização que aprende. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.

SALERNO, M. Modelo japonês, trabalho brasileiro. In: HIRATA, H. S. (Eds.). Sobre o modelo japonês. São Paulo: Edusp, 1993.

SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. 2º edição. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1998.

SOUZA, A. L. Saúde mental e trabalho: dois enfoques. Revista brasileira de Saúde Ocupacional, v. 20, n. 79, p.02-12, jan./jun. 1992.

SROUR, R. O Lugar das Organizações. In: Poder, Cultura e Ética nas Organizações, Rio de janeiro: Campus, 1998.

TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 26ª edição. São Paulo: Record, 2000.

URWICK, L. Dynamic administration: the collected papers of Mary Parker Follet. New York: Pitman, 1973.

WOOD JR., T. Mudança organizacional: uma abordagem preliminar. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 74, jul./ago. 1992.

WREN, D. A. The evolution of management thought. New York: John Wiley, 1979.