o processo de formaÇÃo de palavras com o sufixo

112
Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO AUMENTATIVO –ÃO: UMA ANÁLISE COGNITIVISTA. Regina Simões Alves Rio de Janeiro Agosto de 2011

Upload: doankhanh

Post on 07-Jan-2017

258 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO AUMENTATIVO –ÃO: UMA ANÁLISE

COGNITIVISTA.

Regina Simões Alves

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

Page 2: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

1

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO AUMENTATIVO –ÃO: UMA ANÁLISE

COGNITIVISTA.

Regina Simões Alves

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves Co-orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

Page 3: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

2

Alves, Regina Simões.

O processo de formação de palavras com o sufixo aumentativo –ão: Uma

análise cognitivista. / Regina Simões Alves. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2011.

XI, f.: 100. il.: 31cm

Orientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves.

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, 2011.

Referências Bibliográficas: f. 95 a 99.

1. Linguística Cognitiva 2. O sufixo aumentativo –ão 3. Polissemia do –ão 4.

Posição no continuum flexão x derivação. I. Gonçalves, Carlos Alexandre

Victorio II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,

Programa de Pós-]graduação de Letras Vernáculas. III. Título.

Page 4: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

3

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO AUMENTATIVO –ÃO: UMA ANÁLISE COGNITIVISTA.

Regina Simões Alves Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por Presidente: Professor doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves – Programa Letras Vernáculas – UFRJ – Orientador. ___________________________________________________________________ Professora Doutora Mônica Toledo Piza C. Machado – UFRRJ Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento - UFRJ

Rio de Janeiro Agosto de 2011

Page 5: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

4

A toda a minha família.

Page 6: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

5

AGRADECIMENTO

A Deus por mais uma vitória.

À minha querida família pelo amor e carinho em todas as horas. Ao meu querido pai, José,

que sempre acreditou em mim, à minha mãe, Wilma, que está aprendendo muito do amor

de Maria Santíssima, aos meus irmãos: Rejane, Eliane, José Roberto, Vânia e Juliene por

serem pessoas maravilhosas e ao meu querido marido, Marcos Vinicius, pelo amor e pela

compreensão de ter que dividir, muitas vezes, meu tempo com a pesquisa. E aos meus

‘adorados’ sobrinhos: Januir, Joice, Júnio, Beatriz, Samuel, Gabriel e Adriano.

A uma pessoa que, mesmo sem saber o quanto, ajudou-me a não desistir: Meu dedicado

orientador Carlos Alexandre Gonçalves. Meu muito obrigada com muito carinho e gratidão.

À minha querida professora da época da graduação e, hoje, co-orientadora, Maria Lúcia

Leitão de Almeida. Obrigada pela amizade e pela prontidão, mesmo em momentos difíceis.

A todos os professores com quem tive o privilégio de trilhar o caminho do conhecimento e

aos colegas com quem tive o prazer de conviver.

A minha querida amiga irmã Darci. Obrigada pelas orações que me fortalecem.

Aos meus amigos, em especial, Adriana e Neide, e a todas as pessoas que, de alguma

forma, participaram desse sonho ou que simplesmente torceram e torcem por mim.

À minha amiga Elizabete Malheiros pelo ‘help’ em inglês. ‘Obrigadão’.

Aos meus colegas de trabalho que torcem por mim e principalmente às minhas diretoras

Vânia Câmara e Silvana Alves que compreenderam que a pesquisa requer tempo e

dedicação. Muito obrigada a vocês por tudo.

Page 7: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

6

Porque aos seus anjos ele mandou que te guardem

em todos os teus caminhos.

Eles te sustentarão em suas mãos,

para que não tropece em alguma pedra.

(Sl 90,11-12)

Page 8: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

7

SINOPSE

Análise, com base em pressupostos da Linguística

Cognitiva, do processo de formação de palavra com

o sufixo aumentativo –ão. Percurso histórico do

formativo para comprovação de sua origem

homonímica. Formação de redes polissêmicas do

afixo. Análise dos critérios com sua inclusão na

morfologia derivacional.

Page 9: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

8

RESUMO

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO AUMENTATIVO –ÃO: UMA ANÁLISE COGNITIVISTA

Regina Simões Alves

Orientador: Professor doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves. Co-orientador: Professora doutora Maria Lucia Leitão de Almeida

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas/ Faculdade de Letras, Universidade do Rio de Janeiro - UFRJ como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Esta Dissertação tem por objetivo, com base nos pressupostos da corrente teórica da

Linguística Cognitiva, uma análise do processo de formação de palavra com o sufixo

aumentativo –ão. Inicialmente, consultamos o tratamento dado a esse formativo nas

Gramáticas Tradicionais e em vários trabalhos de investigação linguística. Em seguida,

pesquisamos sobre sua origem e concluímos, a partir de autores como Väänänen (1967),

Machado (1961) e Pharies (2002), que o mesmo resulta de um processo de homonímia.

Com base em Lakoff & Johnson (1980[2002]) e Ruiz de Mendoza (2000), apresentamos a)

as várias acepções do afixo, b) os MCIs e E.Ms envolvidos na compreensão do seu conceito

e c) duas redes polissêmicas para o formativo. Depois, focalizamos o tratamento dado ao

grau segundo critérios analisados por Gonçalves (2005; 2011) e propomos, por fim, uma

nova posição no continuum proposto por Piza (2001) e Gonçalves (2007) que seguem a

proposta de Bybee sobre a falta de limites precisos entre flexão e derivação, por ela

entendidas como gradientes ou escalares.

PALAVRAS-CHAVE: Linguística Cognitiva, Sufixo aumentativo –ão, Percurso histórico,

Polissemia, Continuum Flexão - Derivação.

Page 10: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

9

ABSTRACT

THE PROCESS OF WORDS FORMATIONS WHIT SUFFIX AUGMENTATIVE –

ÃO: COGNITIVE ANALYZE

Regina Simões Alves Orientador: Professor doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves.

Co-orientadora Maria Lucia Leitão de Almeida

The Abstract of the Master’s Dissertation submitted to the Programa de Pós-

graduação em Letras Vernáculas/ Faculdade de Letras, Universidade do Rio de Janeiro -

UFRJ, as part of the necessary requirements to obtain the Master Title in Portuguese

Language.

This Dissertation purpose, based on theorical framework of Linguistic Cognitive, an

analysis of the process of word formation with augmentative suffix –ão. Initially we check

the treatment of such formative in Traditional Grammars and several research linguistics.

Then, research on its origin and conclude on the basis of such authors as Väänänen (1967),

Machado (1961) and Pharies (2002) that it results from a case of homonymy. According to

Lakoff and Johnson (1980[2002]) and Ruiz de Mendoza (2000) present: a) several

meanings of the affix, b) the Idealized Cognitive Models and Mental Spaces involved in

understanding in the concept and c) to show two polysemic networks for formative. Then

focus on the treatment of degree, according to criteria discussed by (GONÇALVES, 2005;

2011) propose, finally, a new position on the continuum proposed by Piza (2001) and

Gonçalves (2007) that following proposal by Bybee (1985) that reflects on the lack of

precise limits between flexion and derivation, understood by her as gradients.

Keywords: Cognitive Linguistics, Augmentative Suffix –ão, Historical Trajectory,

Polysemy, Flexion and Derivation Continuum

Page 11: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

10

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................12 2. PERSPECTIVA TRADICIONAL E OUTRAS ARBODAGENS.......................14 2.1. O conceito de grau aumentativo nas gramáticas tradicionais........................14 2.2. A visão de outros estudiosos a respeito do grau aumentativo.......................17 2.3. O grau de acordo com a gramática de Mira Mateus......................................23 3. PERCURSO HISTÓRICO-EVOLUTIVO DO SUFIXO –ÃO............................26 3.1. O sufixo –ão do Latim ao Português.............................................................26 3.1.1. O –ão em final de nomes.......................................................................27 3.1.2. O –ão final em adjetivos e gentílico......................................................30 3.1.3. O –ão em verbos....................................................................................30 3.1.4. O –ão final: sufixo aumentativo............................................................32 3.1.5. O –ão em palavras sem alteração semântica?!......................................36 3.1.6. O –ão em palavras de origem estrangeira.............................................37 3.1.7. O –ão relacional ...................................................................................37 3.2. A homonímia do sufixo aumentativo –ão.....................................................37 4. FORMAS X-ÃO: HOMONÍMIA OU POLISSEMIA?.......................................39 4.1. O –ōnis e –one sufixos com étimos diferentes.............................................39 4.2. A homonímia do sufixo na visão de Rio-Torto............................................40 4.3. A polissemia e a polissemia do sufixo –ão...................................................43 4.4. Categorização, protótipo e categorias radiais................................................50

Page 12: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

11

4.4.1 Categorização.........................................................................................50 4.4.2. Espaço Mental e MCI ...........................................................................52 4.5. A rede polissêmica dos deverbais.................................................................62 5. QUESTÃO GRAU: FLEXIONAL OU DERIVACIONAL? Vejamos a questão grau: flexional ou derivacional?................................................67 5.1. A proposta de Bybee.....................................................................................67 5.2. Os critérios segundo Gonçalves e Piza..........................................................69 5.2.1. Relevância sintática...............................................................................69 5.2.2. Meios de Materialização.......................................................................70 5.2.3. Produtividade e Aplicabilidade.............................................................71 5.2.4. Estabilidade semântica..........................................................................77 5.2.5. Efeitos expressivos................................................................................78 5.2.6. Lexicalização.........................................................................................79 5.2.7. Mudança de classe.................................................................................80 5.2.8. Posição de cabeça lexical......................................................................82 5.2.9. Relevância e ordem...............................................................................83 5.2.10. Criação de um novo lexema................................................................84 5.2.11. Excludência e recursividade...............................................................85 5.2.12. Função indexical.................................................................................86 5.3. O sufixo aumentativo –ão no continuum .....................................................87 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................91

Page 13: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

12

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................95 8. ANEXOS A ......................................................................................................100 9. ANEXOS B .......................................................................................................107

Page 14: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

1. INTRODUÇÃO

A motivação para o estudo do sufixo aumentativo no português do Brasil, de forma

especial -ão, surgiu pela constatação de que o que há sobre esse afixo se mostra insuficiente

tanto nas gramáticas tradicionais quanto em trabalhos que refletem investigação linguística

sobre o assunto.

Após apresentar o tratamento dado a esse afixo na literatura morfológica sobre o

português (cap. 2), propomos, no capítulo 3, traçar o percurso histórico do formativo a fim

de confirmar a hipótese de que a morfologia derivacional portuguesa não possui um único

afixo -ão, mas dois sufixos resultantes de um processo de homonímia. Ressaltamos,

contudo, que há mais um sufixo –ão em nossa morfologia: o que figura em palavras como

‘afegão’ e ‘alemão’, por exemplo (gentílico); porém, nosso foco é o aumentativo.

No capítulo 4, com base no arcabouço teórico da Linguística Cognitiva,

apresentamos uma análise das várias acepções do afixo aumentativo, incluindo as

formações deverbais como os “nominas agentis”: ‘babão’, ‘resmungão’ e ‘entrão’; os

“nominas actiones”: ‘empurrão, ‘arranhão’, ‘escorregão’ e os nomes de instrumentos:

pilão, esfregão; o que, no nosso entendimento, trará uma importante contribuição para a

pesquisa sobre gradação, uma vez que esse grupo de palavras foi colocado à margem nos

estudos atuais, que pouco informam sobre o mesmo, apesar de sua grande produtividade ao

longo da história do português. Devido a sua especificidade, faz-se importante investigar,

nesses estudos, informações que contribuam com o avanço da análise e, se possível,

elucidar pontos conflitantes, como, por exemplo, (a) a diferente origem etimológica das

formações deverbais X-ão (‘arranhão’, ‘empurrão’, beberrão’); (b) a possibilidade de

analisá-las numa rede polissêmica própria, separada das demais acepções do sufixo, ao

Page 15: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

13

contrário do que propuseram Gonçalves et alii (2010); e (c) a distinção entre polissemia e

homonímia.

No capítulo 5, propomos, segundo os critérios descritos em Gonçalves (2005; 2007;

2011), um reposicionamento de –ão no continuum flexão-derivação proposto por Piza

(2001) e Gonçalves (2007) que seguem a proposta de Bybee (1985) sobre a falta de limites

precisos entre as operações morfológicas flexão e derivação, entendidas como gradientes ou

escalares. Nossa hipótese é de que haverá uma diferença regular de ponto no continuum

flexão – derivação, caso sejam separados os afixos -ão e -inho. Piza (2001) analisou o grau

englobando aumentativo e diminutivo e eles, de acordo com nossos dados, não se

comportam da mesma maneira em relação aos critérios empíricos estabelecidos em

Gonçalves (2005) e retomados em Gonçalves (2011) para a descrição dos afixos de grau.

Procuramos mostrar, nesta Dissertação, que -ão apresenta mais características

derivacionais que o sufixo -inho, o que evidencia não estarem esses afixos localizados no

mesmo ponto do continuum. Tal diferença poderá ser observada na escala sugerida pela

presente pesquisa.

Trabalhamos com base em dados recolhidos do dicionário Houaiss (2001 [2009])

(cerca de 180 palavras com afixo aumentativo -ão) e por meio de escuta em situações

variadas de comunicação, além da ferramenta de busca eletrônica google.

No último capítulo desta Dissertação, tecemos a conclusão das análises e reflexões

feitas ao longo da pesquisa e esperamos que o estudo possa contribuir com as investigações

linguísticas sobre o assunto, bem como apontar a relevância da pesquisa para a descrição do

português.

Page 16: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

14

2. A PERSPECTIVA TRADICIONAL E OUTRAS ABORDAGENS

Neste capítulo, mostramos como o grau aumentativo é abordado nas gramáticas

tradicionais (seção 2.1) e constatamos que o que há sobre esse assunto na literatura de

orientação prescritiva é insuficiente, comparado com o que se observa a respeito desse

afixo no uso real da língua. Mostramos, ainda, a visão de outros estudiosos da língua (seção

2.2), vendo nessas abordagens um avanço na descrição do afixo. Fechamos o capítulo

(seção 2.3) com um passeio sobre a gramática portuguesa de Mira Mateus, a qual nos leva a

refletir sobre um outro aspecto da questão do grau: o comportamento das formações X-ão

no português de Portugal.

2.1 O conceito de grau aumentativo nas gramáticas tradicionais

Nas Gramáticas Tradicionais (GTs), o tratamento dos afixos de aumentativo se

resume a afirmações esparsas que não levam em consideração sua especificidade semântica

e sua produtividade. Em tais obras, o sufixo aumentativo está relacionado prototipicamente

à significação de tamanho aumentado e autores como Bechara (2002), Lima (2006 [1972]),

Cunha e Cintra (2002 [1985]) limitam-se a mencionar que o mesmo tem valor pejorativo.

Nenhuma obra dessa natureza o relaciona a uma escala de intensidade ou a outra acepção,

fornecendo apenas uma listagem dos sufixos mais comuns, com exemplos apresentados em

bloco e extraídos de obras literárias.

Bechara (2002: 140,141) faz referência ao grau afirmando que “os substantivos

apresentam-se com a sua significação aumentada ou diminuída, auxiliada por sufixos

derivacionais: homem - homenzarrão - homenzinho”. O autor afirma que, pelo fato de a

Page 17: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

15

derivação gradativa se realizar por meio de dois processos, a) sintético (acréscimo de

afixos) e b) analítico (expressão sintática), estamos diante de um processo de derivação (e

não de flexão, como alega a maior parte dos normativistas). Segundo ele, “a flexão se

processa de modo sistemático, coerente e obrigatório em toda uma classe homogênea, fato

que não ocorre na derivação”. É importante ressaltar que, nesse capítulo, o autor apenas se

refere à gradação do substantivo, não fazendo nenhuma referência a qualquer outra

categoria.

Com respeito à outra acepção dos sufixos gradativos, Bechara (op. cit.) afirma que,

fora da ideia de tamanho, “as formas podem traduzir o nosso desprezo, a nossa crítica, o

nosso pouco caso por certos objetos ou pessoas”, ou seja, o autor não faz referência a

nenhuma outra acepção e tampouco ressalta a produtividade do afixo. No capítulo em que

trata dos processos de formação de palavras, indica duas operações mais importantes, a)

composição e b) derivação. Esta última, segundo ele, “consiste em formar palavras de outra

primitiva por meio de afixos”. Interessa-nos observar o que o autor afirma sobre o sufixo

aumentativo: “A noção de aumento corre muitas vezes paralela à de coisa grotesca e se

aplica às ideias pejorativas: poetastro, mulheraça” (pág.357). Sendo assim, podemos

afirmar que o estudo não está atualizado, uma vez que o sufixo –aço, citado por ele em

‘mulheraça’, já não exprime pejoratividade, fato observado por Rosa (1982) em sua

Dissertação de Mestrado. Sobre esse assunto, falaremos mais adiante. Hoje, ao contrário,

‘mulheraça’, segundo o dicionário Houaiss (2009[2001]), é “mulher de formas muito

atraentes, grande mulher, psicologicamente sólida, confiável...” e nada há de pejorativo

nessa acepção.

Rocha Lima (2006[1972]), no capítulo em que trata do grau, apresenta dois tipos de

gradação: a dimensiva, própria dos substantivos (‘narigão’, ‘amigalhão’) e a intensiva,

Page 18: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

16

própria dos adjetivos (‘elegantíssima’, ‘amicíssimo’). No capítulo que trata do grau dos

substantivos, Lima apresenta uma listagem que exemplifica o uso do sufixo aumentativo

adjungido a bases substantivas, porém constam nesta mesma listagem exemplos do afixo

acrescido a bases adjetivas como ‘atrevidão’, ‘espertalhão’, estupidarrão’; o que torna

confusa a abordagem do autor. Embora Lima fale do uso de sufixos gradativos em formas

adjetivas indicando intensidade, no capítulo em que trata do grau dos adjetivos, não

relaciona esse uso ao grau aumentativo, citando somente o superlativo.

É importante observar que Rocha Lima (op. cit.), na parte em que trata da derivação

sufixal (pág. 208), afirma que: “os sufixos vazios de significado têm por finalidade formar

série de palavras da mesma classe gramatical”. De fato, o autor se contradiz, pois, no

capítulo sobre gradação, já comentado nesta seção, menciona dois tipos de significação do

sufixo gradativo (aumentativo e intensivo). Se esses afixos apresentam, pelo menos, dois

tipos de significação, logicamente não são vazios de significado, como afirmou

anteriormente. Curiosamente, Lima faz uma listagem com os principais sufixos da língua

portuguesa e não inclui nessa listagem o sufixo diminutivo -inho, por exemplo. Será que o

autor não o inclui por achar que o mesmo não é vazio de significado? Somente este fugiria

à regra? No que se refere ao grau aumentativo, obviamente não é essa a visão que

encontramos em outras abordagens sobre o tema e nem é essa a ideia defendida na

pesquisa.

Diante do exposto, podemos afirmar que Rocha Lima (op. cit.) não esclarece sua

visão acerca do uso dos sufixos gradativos. Ele, assim como outros autores, afirma que o

sufixo aumentativo indica desprezo “muitas vezes” (p. 86) e tem conotação pejorativa.

Page 19: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

17

2.2 A visão de outros estudiosos a respeito do grau aumentativo

Rosa (1982), em sua Dissertação de Mestrado sobre o grau aumentativo, tem como

foco o tratamento dado ao grau nas gramáticas tradicionais, também incluindo em seus

estudos a visão de Mattoso Camara Jr. Ela concebe o grau como:

Uma categoria que expressa relação existente entre um significado considerado normal e outro(s) considerado(s) acima, abaixo, ou no mesmo nível numa escala de intensidade (muito...pouco) ou de dimensão (pequeno...grande), incluindo os valores pejorativos e afetivos. (p.14)

Rosa (op. cit.) aborda a questão do grau sintético ou analítico (‘livrão’, ‘livro

grande’), considerados, segundo ela, sinônimos. Na opinião da autora (1982:19), “o grau

manifesto por meio de um processo morfológico revela necessariamente emotividade,

enquanto a expressão analítica é, por natureza, neutra”. Também trabalha com o binômio

subjetivo - objetivo. Para ela, a forma analítica seria objetiva, ao passo que a forma sintética

seria subjetiva. Rosa faz essa distinção, afirmando que na forma analítica não há dois

valores comparados. Dessa forma, podemos questionar se o uso de ‘grande’ ou ‘pequeno’,

adjetivando o substantivo, não demonstraria dois valores comparados. Ao dizermos

‘grande’, será que não temos em mente algo que não é de grandes proporções, como

'livrinho', ou sua forma num tamanho considerado dentro dos padrões de normalidade?

Para Rosa (1982), assim como para os gramáticos até então citados, o sufixo

aumentativo está fortemente ligado à ideia de pejoratividade. Nas palavras da autora (p.18):

A afetividade do aumentativo é tida como indicadora, em geral, de desprezo e é referida como valor depreciativo ou pejorativo, que pode acompanhar a formação aumentativa devido às relações que se estabelecem entre um item, tomado como expressão de normalidade, e outro(s), considerado(s) além dessa média.

Page 20: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

18

Devemos ressaltar que essa visão não encontra respaldo, pelo menos não hoje, pois,

quando dizemos ‘Ela tem um cabelão!’ ou ‘Ela tem um bundão!’, os itens tomados além

da média de normalidade nos exemplos acima, em nossa cultura, são tomados como

positivos. Vale dizer que é o uso que indica se uma forma é avaliada positiva ou

negativamente. Em linhas gerais, no entanto, formas aumentativas têm forte conotação

positiva – pelo menos foi isso que nossos dados revelaram, como comentaremos mais

adiante, no capítulo 4.

Rosa (1982) também apresenta o problema da derivação versus flexão no processo

de formação de palavras ora analisado, considerando-o, como muitos gramáticos, como um

processo derivacional, já que “seu uso depende da vontade do falante que pode empregá-lo

ou não” (p.15-16), bem como a possibilidade de representá-lo com duas formas (analítica e

sintética – ‘carro grande’ e ‘carrão’, nesta ordem) e por apresentarem formas especializadas

(‘esfregão’, ‘trambolhão’, ‘apalpão’) e evolução semântica (‘cartaz’), aspectos não

encontradas no processo flexional, segundo a autora.

Interessa-nos comentar os chamados “agentivos aumentativos” no trabalho da

autora, pois, para ela, não se trata de um caso de aumentativo:

Os derivados de verbo por meio do sufixo –ão não nos parecem, em vista de seu comportamento, um caso de aumentativo. Constituem num tipo de formação que se restringe a indicar o agente habitual da atividade indicada pelo radical verbal e que é usado coloquialmente com valor pejorativo (p.26).

Rosa (op. cit.) cita autores (M. Said Ali,1971; Mattoso Camara Jr., 1970 e Celso

Cunha, 1985) que classificam esse formativo como um caso de aumentativo, porém não

compartilha dessa opinião. Defende a ideia de que, em formações como ‘babão’,

Page 21: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

19

‘resmungão’ e ‘brigão’, entre outras, não existem diminutivos correspondentes, como em

‘carrão’ – ‘carrinho’. De fato, não há correspondente diminutivo para, por exemplo, babão

– *babinho. A autora ressalta, ainda, que, por incompatibilidade semântica, a junção de

sufixo aumentativo a uma base impede a utilização de um sufixo diminutivo como em

*calorãozinho. Acreditamos que se o primeiro sufixo tem valor expressivo de intensidade e

-z(inho) valor afetivo, essa formação é totalmente possível, como em ‘babãozinho’.

Gonçalves (2011: 63) apresenta uma relação considerável de palavras em que o sufixo -

(z)inho se anexa a bases aumentativas, incluindo as não-lexicalizadas: ‘amigonazinha’,

‘retratãozinho’, ‘caixinhona’, ‘gatinhozão’.

Rosa (1982) admite ‘babãozinho’, mas não ‘calorãozinho’. A primeira vista, os

valores expressivos são parecidos em ambos os casos. Obviamente, em ‘babão’, temos um

caso de agentividade intensiva (iterativa), e em ‘calorãozinho’, apenas o valor expressivo

de intensidade no sufixo -ão. Porém, nos dois casos, os sufixos -ão e -inho não exprimem

os mesmos valores não sendo, portanto, excludentes.

Rosa (op.cit.) acredita que o uso de sufixos gradativos não tem como resultado um

produto de uma classe diferente da palavra-base. Nesse caso, não aceita os agentivos como

exemplos de formações com esse sufixo. Observamos que somente o diminutivo não

mudaria a classe de uma palavra, ao passo que o aumentativo, nessa acepção, sempre forma

nomes a partir de verbos e, por isso mesmo, sugerimos que tais sufixos não devam figurar

no mesmo ponto da escala no continuum que vamos propor mais à frente, no capítulo 5.

Rosa fixa a acepção prototípica de tal afixo como dimensional e, embora inclua o

conceito de intensidade, não se atém a ele. Para a autora, -ão está fortemente ligado à ideia

de pejoratividade, demonstrando, assim, um forte rechaço ao seu uso.

Page 22: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

20

O trabalho de Rosa (op.cit.) contribui com o estudo do sufixo aumentativo proposto

aqui, pois servirá de base para as investigações sobre o mesmo em relação ao uso e à

produtividade. Ressaltamos, no entanto, que a presente pesquisa não abarca outros tipos de

sufixos aumentativos (-azil e -aço, por exemplo), apenas -ão, o qual foi descrito no trabalho

da autora como o mais usual, o que se comprova atualmente, e por ser o formativo utilizado

em formas lexicalizadas, como ‘calção’, ‘sapatão’, ‘cartão’ e ‘portão’, entre tantas outras.

Em sua dissertação intitulada “A expressão do pejorativo em construções

morfológicas”, Frota (1985:13) afirma que afixos aumentativos ou diminutivos “apenas

acentuam ou minimizam a carga semântica da base, tenha ela valor pejorativo ou não”.

Partindo de sua afirmação, podemos inferir que existe uma escala de valores em que

situamos as palavras com o objetivo de que a mesma traduza o que queremos comunicar.

Posicionamos essas palavras de acordo com o maior ou menor grau de intensidade ou

dimensionamento positivo ou negativo da base. Nesse caso, a pejoratividade não estaria no

sufixo, como afirmam os autores citados. Nesta pesquisa, questionamos se há realmente

pejoratividade no sufixo ou se a mesma já se encontra na base.

Em Basílio (2006), encontramos um avanço na descrição do aumentativo, pois a

autora ressalta os aspectos semânticos, quer do afixo, quer da base. Porém, não

encontramos em seu trabalho referências ao uso variado de -ão. A ênfase recai sobre o uso

prototípico, relacionado à ideia de tamanho, embora a autora o coloque numa escala de

intensidade e excelência. Segundo ela, o aumentativo tem função expressiva (dimensão,

excelência ou intensidade) e denotativa (designa um novo objeto, distinto do que é

denotado na base e caracterizado como de grande dimensão1, a exemplo de ‘calçadão’ e

1 Nem sempre as formações vão denotar algo de grande dimensão, como, por exemplo, ‘portão’ e ‘garrafão’.

Page 23: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

21

‘empadão’). Estes últimos os gramáticos denominam aumentativo com formas

especializadas ou com mudança semântica, ou ainda, formas lexicalizadas.

Basílio (2006) e Rosa (1982) compartilham da mesma ideia quando incluem o sufixo

aumentativo no processo de derivação sem mudança de classe, excluindo da categoria

aumentativo as formações deverbais.

Mattoso Camara Jr. (1970) é categórico em sua afirmação de que o grau (diminutivo,

aumentativo e superlativo) não constitui processo de flexão na língua portuguesa. Nas

palavras do autor (p.83), “A expressão de grau não é flexional em português, porque não é

um mecanismo obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos

exclusivos entre si”. Segundo o autor, essa confusão decorreu de uma transposição de um

aspecto da gramática latina para a nossa gramática:

Em latim, o morfema gramatical issimus pertencia a um complexo flexional ao lado de –ior, próprios dos adjetivos num tipo de frase em que se estabelece a comparação entre dois termos, para se afirmar que aquele referente ao adjetivo marcado por tal sufixo é superior ao outro.(...) Em português a situação é outra. Para um adjetivo latino felix / fe’liks / “feliz”, havia obrigatória e coerentemente as formas felicier e felicissimus, que se empregavam em condições bem determinadas, e sistematicamente com exclusividade, em lugar de felix: homo felix “homem feliz”; homo felicier

lupo “o homem é mais feliz do que o lobo” ; homo felicissimus animalium

“o homem é o mais feliz dos animais”. Ora, em português, só temos feliz. Modifica-o em cada caso um mecanismo sintático, fora da morfologia vocabular: ...mais...do que...; ... o mais... dos...

Pela comparação com a gramática latina, Otoniel Motta, ao incluir o grau

superlativo no processo flexional em português (erroneamente), terminou por incluir

também o aumentativo e o diminutivo (cf. Mattoso Camara, 1970). Nas palavras de

Mattoso Camara Jr (op.cit.: 83): “O gramático Varrão (116aC __ 26aC) distinguia entre o

processo de derivatio voluntaria (derivação), que cria novas palavras, e a derivatio

naturalis (flexão), para indicar modalidades específicas de uma dada palavra”.

Page 24: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

22

Sandmann (1988) afirma que muitas palavras no aumentativo estão relacionadas à

atitude emocional do emissor. Aumentativos como ‘bolsão’ e ‘calçadão’ são

exemplificados como “aumentativos idiomatizados” ou lexicalizados. O autor discute o

assunto mais detalhadamente em seu livro Morfologia geral (1997 [1989]). Para ele, o

sufixo de grau se presta, especialmente, ao desempenho das funções expressiva e apelativa,

centradas no emissor e no receptor, e bem menos na função referencial, centrada no objeto

ou referente.

Importante se faz observar que Sandmann (op.cit.) admite que o morfema de grau é

“raio ou adjunto”, característica que compartilha com a flexão. Nessa mesma linha,

Gonçalves (2005) observa que, em português, os sufixos de grau são os únicos que deixam

de se comportar como cabeças de construções morfológicas, o que os aproxima das flexões.

Dessa maneira, o sufixo de grau é determinante da palavra complexa e não determinado,

característica pertinente aos sufixos flexionais, porém sua presença ou ausência não está

condicionada por fatores sintáticos. Desse modo, o sufixo de grau é incluído no processo

derivacional.

De modo geral, os autores incluem o grau no processo derivacional pelo mesmo

motivo: a não obrigatoriedade de uso, e esse nos parece o fator principal para a afirmação

sobre o teor derivacional de afixos como -inho e -ão. Em outras palavras, o sufixo, para ser

flexional, deve ser exigido pela sintaxe. No capítulo 5 deste trabalho, abordaremos os

fatores que incluem ou excluem o grau do processo flexional. Discutiremos as

características do grau aumentativo, preferencialmente.

Page 25: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

23

2.3. O grau aumentativo na gramática de Mira Mateus

No capítulo em que aborda os processos de formação de palavras, a gramática

portuguesa organizada por Mira Mateus (2003) trata os sufixos de grau de uma forma

diferente das até então apresentadas. Nas palavras da Villalva (2003:958), que assina o

capítulo,

Tendo em conta que a descrição da interpretação da semântica das palavras que esses sufixos integram é complexa, não se esgotando na expressão de dimensão (...) e admitindo que, qualquer que seja o efeito da adjunção de um destes afixos, todos eles exprimem um juízo de valor do locutor relativamente ao conteúdo semântico da forma de base, adopta-se, para os identificar, a designação de avaliativos.

Villalva (op.cit.) inclui, no rol dos sufixos modificadores, os avaliativos – que é o

caso de aumentativos, diminutivos e superlativos. Porém, exclui desse grupo os exemplos

de aumentativos que outros autores chamam de lexicalizados, idiomatizados ou com

significação especializada: ‘caixão’, ‘portão’, ‘garrafão’. Para ela, essas formações

apresentam o sufixo -ão derivacional.

Desse modo, temos como resultado três estatutos diferentes para a sufixação em

português: flexional, derivacional e avaliativa. O sufixo -ão pertence aos dois últimos, a

depender do resultado do produto. Vale ressaltar que o ‘z’, analisado por muitos autores

como um exemplo de consoante de ligação, para ela é um sufixo, também avaliativo. Em

‘pezão’, temos a palavra ‘pé’ e a ela são adicionados o sufixo avaliativo concorrente ‘z’ e

depois o sufixo avaliativo -ão. A autora (op.cit.) observa que o sufixo avaliativo se associa

a radicais (‘timinho’, ‘franguinho’), ao passo que o sufixo -z avaliativo se associa a

palavras (‘jovenzinho’, solzinho’). Isso porque a forma de base a que se associam exibe

diferentes propriedades. Afirma a autora que somente o sufixo avaliativo pode dispor de

Page 26: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

24

sufixo concorrente -z avaliativo: ‘mulherona’ – ‘mulherzona’. Para a autora, o grau não é

nem flexional nem derivacional; tem uma classificação à parte.

Analisemos exemplos como ‘caixa’ – ‘caixona’, em que -ona é sufixo avaliativo, e

‘caixa’ – ‘caixão’, em que -ão é sufixo derivacional. Essa mesma relação aparece em outros

exemplos, como em ‘porta’ – ‘portona’ – ‘portão’, ‘garrafa’ – ‘garrafona’ – ‘garrafão’. Para

ela, as formas *caixãozão, * portãozão não são possíveis, porém não é o que encontramos

em uso no português do Brasil. Ao contrário, por termos um produto que não possui

necessariamente uma semântica de aumento, essa associação é totalmente previsível e

possível, como se vê nos dados a seguir, extraídos de Gonçalves (2005):

(01) caminhãozão cartãozão salsichãozão portãozão macacãozão balãozão roupãozão espigãozão sacolãozão

Segundo Villalva (op. cit.), sufixos que definem o valor do gênero (base feminina +

sufixo -ão = produto masculino), como em ‘perna’ > ‘pernão’, são sufixos derivacionais

responsáveis pela relação de hiperonímia-hiponímia.

Para ela, os sufixos modificadores (avaliativos) não são responsáveis por mudança

de classe, ou seja, base e produto devem pertencer à mesma categoria lexical, não

admitindo sequer a mudança de gênero; caso isso ocorra, estaremos diante de um sufixo

derivacional.

Observando as afirmações da autora, chegamos à conclusão de que, para ela, o

sufixo aumentativo -ão, quando avaliativo, exprime apenas dimensão. Quando se trata de

valoração e lexicalização, a autora inclui o afixo na classe dos derivacionais. Em outras

palavras, a autora afirma que estamos diante de dois sufixos diferentes, certamente

Page 27: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

25

homônimos (embora ela não chegue a afirmar isso categoricamente), excluindo a

possibilidade de tais formações exibirem o mesmo elemento morfológico, com diferentes

acepções, sendo, por isso mesmo, polissêmico por natureza.

Esse passeio sobre descrições a respeito do afixo aumentativo nos mostra o quanto é

importante um estudo minucioso e atualizado sobre esse formativo e é o que propomos

fazer neste trabalho. Antes, porém, vejamos o percurso histórico das formas X-ão.

Page 28: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

26

3. PERCURSO HISTÓRICO-EVOLUTIVO DO SUFIXO -ÃO

Neste capítulo, faremos uma reflexão sobre o percurso histórico do sufixo

aumentativo -ão até os dias atuais. Para isso, recorremos aos estudos feitos por estudiosos

das línguas neolatinas (VÄÄNÄNEN, 1967; COUTINHO, 1971; WILLIAMS, 1961;

MACHADO, 1941; TEYSSIER, 1997[2007]...) que apontam a origem do afixo.

Discutimos, ainda neste capítulo, se o sufixo, com o formato que tem hoje, é resultado de

um processo de homonímia ou de polissemia (ou dos dois processos). Também abordamos

a questão das transformações sofridas pelo afixo em sua passagem do latim ao português.

3.1. O sufixo -ão do latim ao português

O sufixo aumentativo -ão do português moderno teve sua origem no latim, porém

não se apresentava nesta língua com a mesma forma que se apresenta naquela. O sufixo

passou por várias transformações morfofonêmicas que, como descrevemos a seguir,

justificam a sua forma atual. É relevante explicitar que a forma idêntica de a) desinência de

terceira pessoa do plural do futuro do presente (‘serão’, ‘cantarão’), b) constituinte

fonológico de muitos vocábulos (‘pão’, ‘mão’) e c) sufixo gentílico (‘afegão’) é resultado

de um processo de homonímia, decorrente de transformações sofridas pela língua ao longo

dos séculos. Primeiramente, vejamos as transformações que resultaram no ditongo -ão.

Williams (1961) propõe as seguintes correspondências na formação do ditongo “-ão

final” (p.180).

Page 29: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

27

(01)

Latim clássico Português arcaico

-ant (3ª pl.)

-ānem (acus. Sing.) -am

-ŭnt (3ª pl.)

-ōnem (acus. Sing.) -om

*ŭdǐnem (acus. Sing.)

-ānum (acus. Sing.)

-adŭnt (em uadunt) -ão

Coutinho (1971:110) destaca que o ditongo -ão modernamente representa formas do

português arcaico em -am, -om e -ão. Acrescenta, ainda, os sufixos -on e –um, de non e

intum, hoje ‘não’ e ‘então’, nessa ordem. O sufixo -ine, de multitudine, certitudine, formas

que resultaram, respectivamente, em ‘multidão’ e ‘certidão’, é encontrado na lista de

Williams (1961) na forma *udinem, que resultou em -om.

3.1.1 O -ão final em nomes

As terminações listadas em (01), segundo Coutinho (op. cit.), já na segunda metade

do século XV, haviam se tornado idênticas, conforme se observa no Cancioneiro Geral

(Lições, 142). Porém, não se consegue determinar quando exatamente essa fusão se

completou, mas há evidências de que principiou no século XIII (mesmo século em que se

deu o abandono do -n em favor do -m). Transformações como a queda do -n- intervocálico

ocorreram no século X. Entretanto, antes dessa queda, o -n nasalizou a vogal antecedente.

Page 30: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

28

A nasalização permaneceu em algumas vogais (rana > rãa > rã; bono > bõo > bom) e em

outras a mesma se perdeu (corona > corõa > coroa; cena > cẽa > ceia)1.

No que diz respeito ao -e final de cane e leone, Tessyer (2007 [1997]) afirma que

esse segmento se perdeu muito antes da queda do -n- intervocálico, de forma que essas

palavras já se pronunciavam, há muito tempo, can e leon e essa é a razão para o segmento -

n final não ter caído. Sua queda se deu mais tarde, depois de ter nasalizado a vogal

precedente, como ressaltamos anteriormente.

Na escrita, essa nasalização foi marcada por um til (~) quando se consolidou a

queda do -n. De acordo com Mattoso Camara Jr (1970), o til era uma abreviação desse

fonema nasal /n/ final colocado na vogal anterior, prática dos copistas medievais2. Dessa

forma, temos -anu > -ãu > -ão, como em manu > mãu > mão.

Vejamos alguns exemplos de vogais nasalizadas com a queda sistemática da nasal

intervocálica. Segundo Williams (1961), se a 1ª vogal era tônica nas parelhas a-o, o-e, a-e, a

ressonância nasal continua e tais combinações se tornam um ditongo nasal, como se vê na

representação em (02), a seguir:

1 Em linhas gerais, a nasalidade é desfeita quando as vogais adjacentes não podem formar ditongos, como é o caso das formas com –a na segunda posição, a exemplo de ‘corõa’. 2 Essas copistas também usavam esse diacrítico (til) para abreviar ‘r’ e ‘q’.

Page 31: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

29

(02)

Canes > cães -ane

Panes > pães

Lectiones > lições

Ratione > razom > razão3 -one

Leonem > leom > leão

Manum > maum > mão4

Germanum5 > ermanum > ermaum > irmão -anu

granum > grão

Esse mesmo ditongo se originou também da parelha a-o, com as duas vogais vindo

depois da sílaba tônica, a exemplo dos dados em (03) a seguir:

(03)

Organum > órgão

Orphanum > órfão -anu

Stephanum6 > Estevão

3 O –t + palatal ‘i’ precedido de vogal passou a ‘z’ em português (Williams,1961:90). 4 Chegou a aparecer mahão antes do desenvolvimento do ditongo. (Williams,,1961:35) 5 A queda do ‘g’ em latim é considerado um fenômeno da ‘Fonética Sintática’, pois a ocorrência desta queda se deu na frase. Dentro do contexto ‘ meu germanum’.(Coutinho, 130) 6 O ‘e’ protético foi anteposto no latim vulgar aos grupos consonantais consistentes de ‘s’ mais uma ou duas consoantes (Williams, 1961,76).

Page 32: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

30

3.1.2 O -ão final de adjetivos e gentílicos

No que se refere ao -ão final em adjetivos, Williams (1961) salienta que as

terminações em hiato com um -ã precedente se tornaram -ão, -ãos, -ã e ãs, como se observa

nos exemplos em (04):

(04)

Sanum > sanu > sano > são; sanõs > são

Sanctum > santo > são -anu

Alemannum > alemanum (arcaico) alemão (moderno)

O sufixo -ano, do latim culto -anus, -a, -um, tem o sentido de origem, pertença.

Ocorre em adjetivos como ‘romano’, ‘carmoniano’‘ parnasiano’. É o étimo das terminações

sufixais -ão e -ã do latim vulgar: ‘-anu’ (forma no masculino, ‘irmano’) e ‘-ana’ (forma

feminina, ‘irmana’).

3.1.3 O -ão em verbos

Segundo Williams (op. cit.:182):

O uso constante da grafia vaão nos documentos medievais contrastando com o uso constante de grafias como dam, estam, ham, vaam (subjuntivo) e som é conclusiva evidência de que –ão proveio de uadunt, forma excepcional já que a terminação -unt no presente do indicativo desapareceu regularmente na Península Ibérica. A grafia vaão é usada até mesmo em documentos em que dam e estam são por vezes grafados dom e estom (Carter, 27). É muito provável que tenha sido por analogia de vaão que -ão se tenha tornado a terminação de terceira pessoa do plural que originalmente terminava em –am e –om.

Page 33: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

31

Consoante o autor (op. cit.), diversas tentativas têm sido feitas para explicar a

modificação de -am e de -om para -ão com bases fonológicas. Autores como Leite de

Vasconcelos (Lições, 141-145), por exemplo, defendem a ideia de um processo de

dissimilação: a afixação de um [u] aos finais -ã e -õ resultou em -ão e -õo e, mais tarde, -õo

se tornou -ão por um processo de dissimilação. Nunes (1956) concorda com Leite de

Vasconcelos, mas admite que talvez a passagem de -ã para -ão seja resultado de analogia7

do -ão original. Exemplo de evolução do ditongo –ão em formas verbais aparece em (05), a

seguir:

(05) uadunt > vadunt > vaunt > vaun > vaão > vão

Coutinho (1971:157-158) afirma que -anu, -ane, -one originaram, no português

arcaico, respectivamente, as formas -ão, -am e -om. Por ser a maioria em -ão, os outros

finais desaparecem, dando lugar ao -ão por um processo de analogia, o qual se dá,

sobretudo, por generalização.

No que tange, ainda, às transformações do -ão, Leite de Vasconcellos (1959) afirma

que os nomes da terceira declinação latina acabados em -onem resultaram, no português

antigo, em nomes acabados em -om, terminação que se manteve até o século XV. Porém,

“antes de -om, deve ter havido -õe em tempos pré-históricos. Andando o tempo, a

terminação -om tornou-se -ão, outrora também, ortografada -am” (p 132). O autor contradiz

Teyssier no que diz respeito a “deve ter havido –õe” pois para este, a queda do -e final foi

anterior a queda do -n em palavras como ‘leone’e ‘pane’ que foram grafadas por algum

7 Analogia é o princípio pelo qual a linguagem tende a uniformizar-se, reduzindo as formas irregulares e menos frequentes a outras regulares e frequentes. (COUTINHO,1971:150)

Page 34: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

32

tempo como ‘leon’ e ‘pan’. Essa descrição de Leite de Vasconcellos se identifica com a

descrita feita por Williams para a terminação –ŭdǐnem.

Leite de Vasconcellos: 135) sugere um quadro com as transformações fonéticas

sofridas por -ão ao longo dos séculos. Vejamos esse quadro:

(06)

Época latim vulgar -one -udine -anu -ane -onu -ana

Pré ou proto-hist. *-õe -õe -ão * -ane -õe -ãa

Até o séc XIV -õ -õe, -õ -ão -ã -õo -ãa

Século XIV - XV -õ,

*-õo

-õe,-õ,

*-õo

-ão -ão -õo, -õ -ãa

Séc. XV e XVI em

diante

-ão -ão -ão -ão -õ -ã

Diante do exposto, concordamos com Teyssier (1997: 56):

Não há consenso entre os historiadores da língua sobre as causas dessa mutação. Para uns trata-se de uma evolução puramente fonética e, para outros, do resultado de ações analógicas complexas. Inclinamo-nos a pensar que as duas explicações são igualmente verdadeiras, e que se completam...

3.1.4 O –ão final: sufixo aumentativo

Vejamos um fato que influenciou na formação dita “encorpada” (Machado, 1941)

da terminação (-onis) que mais tarde resultou no sufixo estudado nesta pesquisa. O desgaste

Page 35: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

33

fonológico sofrido pelos vocábulos, devido ao acento de intensidade do latim, reduziu, por

vezes, esses nomes a uma única sílaba. Os monossílabos resultantes foram reforçados com

o uso de sufixo e prefixo de várias espécies, assim surgindo, por exemplo, o aumentativo,

usado de acordo com esse autor, tão somente para dar corpo ao vocábulo original.

Afirma Machado (1941:352,353) que os sufixos primitivos -n- ĕn, -ŏn,-ōn entram na

estrutura de palavras antigas para ampliá-las: sangu-is, sangu-in-is, car-o car-n-is, ingu-en-

is> inguinis. São, para ele, sufixos latinos que não possuem significado próprio.

Segundo o autor (op.cit.), o sufixo ō (vogal média posterior longa) influiu, mais do

que qualquer outro, na formação de substantivos de qualidade, que originaram, depois,

sobrenomes e apodos que designam a qualidade individualizada: Cícero Ciceronis, de

cicer. Ciceronis significa “o mais brilhante orador de Roma” ou “oradores comparáveis a

Cicero” ou, ainda, “eloquentes como Cícero”. Machado destaca ainda que, com formação

idêntica, o sufixo -ōn- forma substantivos que indicam uma espécie de aumentativo: edo >

ed-on-is > edonis: “comilão”, lanio > lani-on-is > lanionis: “trinchador”(lanius:

1.Carniceiro, açougueiro 2. Sacrificador – sentido figurado 3: Carrasco), praedo >

praedonis: 1. “ladrão, salteador” – 2. sentido figurado: Usurpador .

Väänänen (1967) postula que os sufixos -o, -onis originalmente serviam para formar

nomes que faziam pares com adjetivo -us, -a, -um: manducus > manduco (“tragador”) ou

“comilão” (cf Faria, 1994: 329). Esse sufixo, segundo ele expressivo, designa

primeiramente, nos sobrenomes derivados de nomes de objetos, a qualidade

individualizada: “frons - fronto : o que tem a frente grande; nasus - nāsō (Naso)” , em que

Nasão é um sobrenome romano.

Väänänen (op.cit) salienta que o mesmo ocorreu com verbos: “bibere > bibo:

beberrão; gluttire > glutto: glutão”. O autor postula que o afixo (-onis) figura em palavras

Page 36: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

34

como ‘lanionis’ (açougueiro, trinchador), ‘caupo’ > cauponis’ (taberneiro), ‘fullo’ >

‘’fullonis’ (pisoeiro: aquele que prepara os panos depois de tecidos), em segundo lugar,

para indicar, nesse caso, uma atividade. E, assim como outros autores já citados, Väänänen

fala do valor pejorativo nessas formas.

É importante ressaltar que a tradução de ‘lanionis’ e ‘cauponis’, citados nos

exemplos acima, não tem como resultado palavras com o sufixo -ão, o que nos levar a

refletir sobre os sufixos concorrentes –dor e -eiro que figuram no português moderno como

agentivos (‘operador’, ‘carregador’, açougueiro, verdureiro), mas não com o sentido de

ação intensiva ou iterativa, como ocorre com ‘babão’, ‘resmungão’ e ‘chorão’, entre tantos

outros.

Devido ao exposto, é lícito dizer que a desinência –onis não se constituía, no latim

clássico, em sufixo puro, mas uma simples terminação do genitivo singular da terceira

declinação para nomes terminados em –o, como, por exemplo, Cícero – Ciceronis, Otto –

Ottonis, Bruno – Brunonis.

No latim medieval, essa terminação continua a ser usada com a mesma função, mas

assume o estatuto de sufixo com característica de aumentativo, transmitindo a ideia de

afeto, simpatia e benquerença, quando aplicado a nomes próprios, como destacado acima.

O latim vulgar conservou e ampliou as aplicações primitivas do sufixo “-o” com a

terminação “-one”, desenvolvendo uma aplicação aumentativa, como atestam as línguas

românicas: Italiano: boccone, espanhol: bocón, português: bocão, bocona, segundo a norma

gramatical: bocarra. Portanto, as terminações -one, -on e -ão são, respectivamente, os

principais sufixos aumentativos dessas línguas.

Coutinho (1971:240) afirma que sufixo aumentativo era raro no latim e que os

escritores romanos tinham preferência pelo processo analítico: “dorsum immane, altum

Page 37: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

35

dolorem”. Destaca, ainda, que alguns sufixos aumentativos usados no português “não

passam de terminações latinas que significavam coisas ou objetos grandes” (p.240).

Ressalta que “à significação de grandeza se juntou a de deformidade, justificando assim o

sentido depreciativo ou pejorativo que alguns possuem” (p.240). Aponta tal pejoratividade

nos sufixos -aço e -az (do latim aceu: ‘barcaça’, ‘mestraço’, ‘linguaraz’), -alha (do latim -

alio: ‘canalha’, ‘gentalha’), -arro, -orro (de origem ibérica: ‘bocarra’, ‘cabeçorra’). Quanto

ao -ão, do latim -one, afirma que o mesmo se junta a temas verbais (designando agente,

como em ‘brigão’, ‘chorão’) e nominais (designando tanto aumento de proporções como

intensidade, a exemplo de ‘casarão’, ‘sabichão’, ‘pobretão’). Destaca, por fim, que entre o

tema e o sufixo pode vir uma consoante de ligação (-r-, -ch-, -t-), como vemos nos

exemplos acima.

Há controvérsias em relação à produtividade do sufixo -ão aumentativo entre os

autores citados. Alguns o analisam como produtivo, mas Mattoso Câmara (1970:226) o

analisa como pouco produtivo, bem como Coutinho (op.cit.). Na verdade, a presente

pesquisa consegue defini-lo como muito produtivo, pois nossos dados apontam para essa

definição. Esse afixo tem, hoje, juntamente com o diminutivo, uso extremamente

enriquecedor nos campos lexical e semântico e possui uma capacidade linguística de

enorme expressividade.

A língua portuguesa utiliza, generosamente, os sufixos diminutivos e aumentativos,

com este último se pospondo a bases substantivas (‘nariz’ > ‘narigão’, ‘peixe’ > ‘peixão’,

‘cabeça’ > ‘cabeção’...), adjetivas (‘educado’ > ‘educadão’, ‘alto’ > ‘altão’, ‘gostoso’ >

‘gostosão’...), verbais (‘brigar’ > ‘brigão’, ‘babar’ > ‘babão’, ‘beber’ > ‘beberrão’...),

participiais (‘tapado’ > ‘tapadão’, ‘sabido’ > ‘sabidão’...), adverbiais (‘cedo’ > ‘cedão’,

‘rápido’ > ‘rapidão’...). O processo foi utilizado produtivamente no latim e o é em

Page 38: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

36

português atualmente. Essa produtividade é tão grande que o sufixo ganhou novos sentidos,

o que tem levado à criação de novas palavras, as quais ganham emprego generalizado e se

incorporam ao léxico da língua. Muitas formas, originalmente aumentativas, com o tempo

ganharam significados especiais que se distanciaram do sentido primeiro. Essas palavras se

apresentam, hoje, com uma acepção considerada de grau dito “normal”, como ‘cartão’,

‘portão’ e ‘calção’, entre tantas outras.

3.1.5 Palavras sem alteração semântica?!

Há palavras consideradas “sem alteração semântica”, como exemplifica Santos

(2009): ‘fuscão’e ‘peladão’. Essas formações são relevantes para a pesquisa, pois as

analisamos sob um ponto de vista diferente, pois ao nosso ver, essas palavras possuem

alteração semântica. Vejamos, por exemplo, a palavra ‘fuscão’, que, a nosso ver, não faz

referência ao mesmo significado da palavra base. Observemos que ‘fusca’, segundo o

dicionário Houaiss (2009[2001]), é “um antigo carro da Volkswagen de 1200 ou 1300

cilindradas...”, mas ‘fuscão’ “é um carro antigo da Volkswagen de motor de 1500 ou 1600

cilindradas”, ou seja, o carro é diferente em virtude de ter um motor de potência maior, o

que justifica a forma aumentativa. O mesmo acorre com ‘peladão’, pois ‘pelado, segundo o

dicionário (op.cit.), é “...sem roupa, desnudo” e ‘peladão’ é “totalmente despido, pelado”.

Ou seja, o afixo veicula alteração semântica, uma vez que base e produto não possuem os

mesmos significados.

Page 39: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

37

3.1.6 Palavras de origem estrangeira

Há palavras terminadas em -ão que vêm de empréstimos como ‘fanfarrón’ (de étimo

espanhol) cuja forma em português é ‘fanfarrão’, ‘algodão’, de origem árabe (al-qutun),

com sufixo -un. Essas formações não serão analisadas porque fugiria do objetivo da

pesquisa, pois teríamos que explicar a origem do sufixo em outra língua.

3.1.7. O –ão relacional.

Encontramos também o afixo adjungido a bases numerais indicando relação (Rio-

Torto, 1998) como em ‘quarentão’ que significa “aquele que tem quarenta anos ou está na

casa dos quarenta anos; quadragenário” (cf. Houaiss, 2009[2001]). A esse significado

podem ser somados outros de valor melhorativo ou não. ‘Quarentão’ faz referência,

primeiramente, a uma pessoa que tem quarenta anos ou está na casa dos quarenta, porém

pode também, a depender da cultura, fazer menção à experiência ou maturidade que essa

pessoa pode ou deve ter. Vejamos o exemplo:

“Ele é um sessentão8 requisitado no mercado de trabalho”

3.2 A homonímia do sufixo aumentativo -ão

No que se refere aos fenômenos homonímia e polissemia, podemos afirmar que a

forma do afixo é resultado de um processo de homonímia em relação à semelhança que

possui com o -ão desinência de futuro, gentílico e constituinte fonológico de palavras como

‘mão’, ‘coração’ e ‘leão’; porém, no que diz respeito ao sufixo aumentativo, com base no

conceito utilizado aqui nesta pesquisa (Rosa, 1986:14) e com o embasamento teórico da

8 Palavra usada por um jornalista da Globo numa matéria que trata da falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho da Construção civil exibido em 06/08/11

Page 40: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

38

Linguística Cognitiva, admitimos que não são casos de homonímia, mas de polissemia, as

várias acepções que tal afixo encerra. Contudo, fazemos ressalva no que se refere à

formação deverbal.

Vários autores, como Mattoso Camara Jr., Said Ali, Coutinho, incluem a formação

agentiva (‘babão’, ‘comilão’) como exemplos de aumentativo e ligam essas formações ao

sufixo latino –one, com exceção de Said Ali que liga a –onis (1971:56). Porém, no que diz

respeito a essas formações, podemos, sim, admitir um caso de homonímia se concordarmos

com Pharies (2002). O autor postula que quando se trata de dimensão e intensidade, o

sufixo -ão tem origem no sufixo latino -one(m); entretanto, quando se trata de agentivos e

ação, o sufixo -ão provém dos sufixos -io e -onis.

No próximo capítulo, analisamos com mais vagar a questão da

homonímia/polissemia do afixo –ão, retomando algumas propostas históricas de tratamento

para o afixo.

Page 41: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

39

4. FORMAS X-ÃO: HOMONÍMIA OU POLISSEMIA?

No presente capítulo apresentamos uma análise dos dados com o sufixo aumentativo

-ão para ratificar o que afirmamos no final do capítulo 3: há, na verdade, dois sufixos -ão,

homônimos, e várias acepções polissêmicas em cada um deles. Na seção 4.3, mostramos os

grupos de acepção do afixo com a datação fornecida pelo dicionário Houaiss. É interessante

observar que o uso das formas agentivas tem datação tão antiga quanto o uso das

dimensivas, sendo, em alguns casos, até mesmo anterior. Na seção 4.5, propomos que as

construções deverbais formem uma rede própria de acepções de -ão. Por isso mesmo,

julgamos interessante reformular a rede polissêmica proposta por Gonçalves et alii (2010),

uma vez que os deverbais estariam, de acordo com esta pesquisa, formando uma rede à

parte.

4.1 -onis e -one: sufixos latinos com étimos diferentes

Em consonância com Machado (1941) e Väänänen (1967), que exemplificam

formações como edo, ed-on-is (aquele que come muito ou aquele que é dado a essa ação,

‘comilão’) e glutto –onis (aquele que é dado a essa ação, ‘comilão’) como provindas dos

sufixos -o, -onis, a presente pesquisa defende (a) que várias formações agentivas com

nuances aumentativas provenientes de -onis são anteriores às muitas formações

aumentativas com -one e (b) que os sufixos não são os mesmos: -onis pertence ao genitivo

latino clássico e -one(m), ao acusativo latino vulgar. Este, com base em afirmações

anteriores, ampliou as aplicações primitivas do sufixo “-o” com a terminação “-one”,

desenvolvendo uma acepção aumentativa, como atestam as línguas românicas (espanhol,

Page 42: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

40

italiano, português), em dados como os analisados no capítulo precedente – ‘boccone’

(italiano), ‘bocón’ (espanhol), ‘bocão’ (português). Nesse caso, estamos diante de uma

situação de homonímia. Acreditamos que as demais acepções aumentativas são casos de

polissemia, conforme já foi afirmado.

Encontramos, também, exemplos como frons, fronto (“o que tem a frente grande”),

derivados de nomes de objetos designando a qualidade característica; porém, sustentamos a

ideia de que o sufixo aumentativo -ão do português não tem como característica fazer

referência a uma parte do corpo, de tamanho grande, indicando posse. O sufixo usado com

esse valor é -udo. Em outras palavras, a tradução para o português dos substantivos a que se

adjunge esse afixo no latim é, por exemplo, ‘testudo’ para “aquele que tem a frente grande”

e ‘narigudo’ para “aquele que possui nariz grande”. Atualmente, por extensão metafórica

ou metonímica, encontramos esse matiz de posse no afixo –ão. É interessante observar que

as palavras com o sufixo -udo têm datação mais antiga do que as palavras com o sufixo -ão

em português. A palavra ‘dentudo’, por exemplo, é do século XV (1441) e ‘dentão’ é do

século XVIII (1713), assim como, ‘pernudo’ é de 1862 e ‘pernão’ é de 1881; ‘orelhudo é do

século XV e ‘orelhão’ sequer possui datação.

4.2 A homonímia do sufixo na visão de Rio -Torto

Rio-Torto (1998) defende a homonímia presente no sufixo -ão. Segundo ela, esse

formativo é analisado, no português contemporâneo, como quantificador aumentativo,

sendo suscetível de se agregar a bases substantivas, adjetivas e verbais. Sublinha,

categoricamente, que não se trata de apenas um sufixo e sim “de tantos outros homónimos

quantas as diferentes relações categoriais e/ou semânticas envolvidas na sufixação de -

Page 43: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

41

ão”.(p. 150). A autora separa os produtos de acordo com a categoria a que pertencem com

relação às bases (e não de acordo com as acepções que o afixo adquire, como faremos mais

adiante). Nesse sentido, Rio-Torto (1998) divide as formas derivadas X-ão em dois grandes

grupos:

1) isocategoriais __sem mudança de classe, que dividimos em três subgrupos, a fim de

melhor esclarecer as ideias da autora: a) denominais, que podem ser parafraseados como X

grande, X intenso ou X de grandes dimensões, (‘calorão’, ‘portão’, ‘dinheirão’); b)

deadjetivais, parafraseados como X intenso/muito/bastante (‘atrasadão’, ‘atrevidão’,

‘bonzão’) e c) os poucos nomes derivados com -ão de significação diminutiva,

parafraseados como X pequeno ou de pequenas dimensões (‘cordão’, ‘cobrão’,

‘caravelão’), a maioria dos quais não mais usados e os remanescentes sem preservação da

acepção diminutiva; e

2) heterocategoriais __com mudança de classe, que podem ser divididos em três subgrupos:

a) adjetivos denominais (‘aldeão’, ‘cinquentão’), com origem em -anu e considerados

homônimos dos que aparecem no grupo anterior; b) nomina actionis__ nomes deverbais, os

quais indicam “ação/ processo e/ou resultado de ação/ do processo” (‘empurrão’,

‘encontrão’, ‘rasgão’); b’) “ação y de V, resultado da ação y de V, em que y representa uma

variável que designa intensidade (grande, violenta, forte)”. Como exemplo, a autora cita

‘arranhão’ (“arranhadura grande”) e ‘esticão’ (“grande puxão para esticar”).

A autora (op. cit.) discute se há ou não homonímia entre os subgrupos b e b’, pois

não reconhece em ‘empurrão’, por exemplo, um quantificador intensivo, como em

‘arranhão’. Acreditamos que, ao menos no português do Brasil, esse quantificador intensivo

é facilmente reconhecível nos dois subgrupos, que poderiam ser, nesse caso, unidos.

Page 44: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

42

Um outro grupo, incluído por Rio-Torto (op. cit.) entre os heterocategoriais, é o c),

denominado “nomina agentis” deverbais, cuja paráfrase é “aquele que” (‘resmungão’,

‘intrujão’) ou c’ “aquele que V em grau y” (‘beberrão’, ‘chorão’, ‘comilão’, ‘fujão’,

‘mijão’, ‘respondão’).

Temos um posicionamento diferente no que se refere ao que se observa no

português do Brasil. No nosso entendimento, ‘resmungão’ pode ter como paráfrase “aquele

que resmunga muito ou vive resmungando” e, nesse caso, não pertenceria ao grupo (c),

“aquele que”, grupo que a autora afirma não haver intensidade. O mesmo acontece com

“queimão”, outro exemplo incluído por ela no grupo c, mas que o dicionário Houaiss traz

com o seguinte significado: “que queima, que arde muito”. Ou seja, também os grupos c e

c’ poderiam formar um único grupo.

Observamos que, em palavras como ‘chorão’, ‘comilão’, ‘fujão’, casos por ela

chamados de incômodos e “derradeiros”, o sufixo acumula a função de agente com a de

intensidade, o que para Rio-Torto (op. cit.: 171) é impossível:

De resto, uma solução deste tipo colide com o recorte semântico das operações derivacionais actuantes na língua portuguesa, porquanto nesta não há lugar para uma operação afixal que contemple simultaneamente uma relação heterocategorial e uma relação, também sistêmica, mas isocategorial, ainda que de intensificação.

A solução encontrada pela autora é a de defender que há um afixo -ão formador de

adjetivos deverbais (“que V”), os quais, uma vez nominalizados, podem designar “aquele

que V”.

No caso dos deverbais, ainda há os nomes instrumentais como ‘esfregão’, ‘pilão’,

‘podão’, cuja paráfrase é “instrumento com o qual um agente humano executa a ação

denotada pelo verbo” ou “aquilo (com) que (se) V”. Segundo Rio-Torto (op.cit.) há

Page 45: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

43

argumentos contra e a favor da inclusão desse grupo no grupo dos “nomina agentis”, esse

grupo, segundo a autora, é marcado pelo traço [+-humano]. Em todos os exemplos, citados

acima, temos uma ação que exige força humana para sua execução.

Rio-Torto (1998) defende que “o sistema derivacional do português contemporâneo

não possui um só afixo -ão, mas vários sufixos homónimos com a mesma estrutura formal”

(p.172-173). Temos homônimos no grupo dos isocategoriais: os que têm valores

aumentivo-intensivo e diminutivo, com origem em –one. No grupo dos heterocategoriais,

estão o sufixo -ão com valor relacional cuja origem está em -anu e o sufixo ão deverbal que

engloba os nomes de ação e os agentivos, todos com origem em -one.

Se tomarmos apenas o sufixo -ão aumentativo, segundo autora, teríamos apenas os

denominais cuja operação semântica é de dimensão ou intensidade, já que para ela os

deverbais formariam um grupo distinto. Em nossa pesquisa, no entanto, defendemos dois

diferentes sufixos -ão: o aumentativo com valor dimensivo e intensivo (com origem em -

one(m)) e o aumentativo deverbal com valor agentivo ou como resultado de ação, evento

ou processo (com origem em -onis).

4.3 A polissemia e a polissemia do sufixo aumentativo -ão

O francês Michel Bréal criou, em 1897, o termo ‘polissemia’, mas o conceito

remonta à antiguidade grega. Essa noção surge no contexto de debates do ‘Crátilo’ de

Platão, mas é em Aristóteles que se encontra uma profunda reflexão sobre o assunto. Até a

criação do termo por Bréal, a polissemia era chamada de homonímia e Aristóteles

distinguiu a homonímia “casual” da homonímia “intencional” ou “racional”, hoje,

homonímia e polissemia, respectivamente.

Page 46: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

44

Com o marco da Linguística Cognitiva, a polissemia teve uma nova descrição;

passou a ter um vínculo-chave entre as experiências de categorização. As palavras

polissêmicas são, em essência, categorias complexas, no entendimento de autores como

Lakoff (1987) e Langacker (1988). Dito de outra maneira, utilizando as palavras de Cuenca

& Hilferty (2002: 127), “os vocábulos polissêmicos são nomes de categoria com uma

estrutura interna que inclui constelação de sentidos com diferentes graus de

representatividade”. De modo geral, a polissemia é um efeito cognitivo real, uma

consequência lógica de nosso modo de categorizar.

A polissemia passou a ser vista como um fenômeno natural e inerente à língua e

trouxe a possibilidade de mostrar muito sobre o significado, a linguagem e a cognição,

como afirma Silva (2006). E é na relação com a cognição e com a cultura que deve ser

estudada.

É a flexibilidade inerente do significado que explica a instabilidade característica da

polissemia. Um item lexical pode dar origem a uma série de associações e ser entrada para

a ativação de um amplo domínio cognitivo. Com base nessa reflexão é que apontamos a

característica polissêmica do sufixo aumentativo -ão. Comecemos definindo os diferentes

usos do sufixo aumentativo -ão com origem em -one(m), dispostos em grupos de afinidade

com alguns exemplos (os exemplos estão com datação para que possamos comparar,

principalmente no que se refere aos deverbais, o tempo de uso). Dentro dos parênteses,

colocamos a paráfrase correspondente a cada grupo:

(a) Grupo que transmite a ideia de tamanho superior ao normal, com base na perspectiva do

falante. Essa é considerada a formação prototípica (X-ão: X grande ou de grande

Page 47: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

45

dimensão). Nesse grupo, o afixo é adjungido a uma base substantiva (concreta) e o produto

é um substantivo também concreto, como se vê nos dados em (01), a seguir:

(01) cachorrão (1922) dentão (1713) mocetão (1659)

narigão (1716) patão (1919) peixão (1899)

rapagão (c1543) salão (1672-1693) sapatão (1858)

telhão (1789)

Também pode se agregar a substantivos abstratos como observamos em (2):

(02) amorzão calorão (s/ data) trabalhão (1881)

Há, nesse grupo, um conjunto de formas X-ão em que o produto é um locativo de

grande dimensão:

(03) caixão (sXVI) feirão (1913) lixão (1980)

Observe-se que alguns aumentativos não têm datação, mesmo sendo muito

utilizados, como, entre outros, ‘bração’, ‘orelhão’, ‘dedão’. E outros nem mesmo são

dicionarizados: ‘barrigão’, ‘olhão’, ‘pezão’.

Quase todas as bases acima referidas podem ser acrescidas do sufixo -udo. Vejamos a

datação: ‘barrigudo’ (1548), ‘olhudo’ (1720), ‘pescoçudo’ (1616), ‘pezudo’ (s/ data). Pode

ser que o fato de haver bases combinadas com o sufixo –udo tenha inibido o uso com o

sufixo -ão pela ação do bloqueio9, nos termos de Aronoff (1976). Há também outros

9 O conceito de bloqueio, segundo o autor é o seguinte: uma palavra nova pode não ser formada pelo simples fato de já haver outra no léxico com igual significado ou função.

Page 48: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

46

sufixos concorrentes que exprimem aumento, porém o sufixo -ão é o mais utilizado.

Atualmente existem substantivos como ‘cabeça’, ‘prato’, ‘cão’, ‘mão’, cujas formas

aumentativas são, pela tradição gramatical, ‘cabeçorra’, ‘pratarrão’, canzarrão’, ‘manzorra’,

respectivamente, porém as formas ‘cabeção’, ‘pratão’, ‘cãozão’, ‘mãozão’, ‘mãozona’ são

bastante utilizadas e certamente suplantam o emprego das rivais apontadas como padrão.

(b) Grupo em que temos a ideia de intensificação apreciativa (X-ão: X muito bom ou muito

bonito). Em alguns exemplos, podemos ter X grande e bonito, ao mesmo tempo:

(04) achadão (s/data) bundão (1913) carrão (1595)

casarão, (s/data) festão (s/ data) pernão ( 1899)

(c) Conjunto de formas em que X-ão atualiza a ideia de muito X, X intenso, a exemplo das

formas em (04). Nesse caso, o sufixo vem a se conectar a uma base adjetiva ou adverbial e

o produto pertence à mesma classe da base. Utilizamos um asterisco para indicar que as

formas não aparecem nos dicionários tomados por base: Aurélio e Houaiss.

(05) altão bobalhão (1899) cedão

doção espertalhão (s/data) felizão ( 1899)

gostosão (s/data) lentão pobretão ( 1819)

rapidão valentão (1707) vermelhão (1642)

(d) Grupo em que o aumentativo manifesta o significado X em grande quantidade ou

grande quantidade de X:

(06) copão dinheirão(s/data) pozão

Page 49: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

47

(e) O sufixo aumentativo também pode exprimir afeto, apreço, simpatia, força, grandeza:

(07) filhão irmãzona mãezona paizão

Também encontramos esse tipo em ‘Maurício’ – ‘Maurição’, ‘Marcos’ – ‘Marcão’,

‘Alexandre’ – ‘Xandão’, ‘José’ – ‘Zezão’. Nos dois últimos exemplos, percebemos que a

conexão com o sufixo é feita depois de um processo de hipocorização. Também se incluem

nesse grupo nomes de time de futebol em que o produto é o aumentativo de uma parte do

nome ou do próprio nome do clube, indicando carinho, apreço ou mesmo admiração:

‘Botafogo’ – ‘Fogo’ – ‘Fogão’, ‘Fluminense’ – ‘Flu’ – ‘Flusão’, ‘Flamengo’ – ‘Mengo’ –

‘Mengão’, ‘Vasco’ – ‘Vascão’. O mesmo raciocínio é válido para o nome da cor

predominante do uniforme do time e o resultado da construção X-ão é um nome

exprimindo afeto: ‘Azulão’ (São Caetano), ‘Verdão’ (Palmeiras).

(f) Em algumas formas, X-ão reforça a grandeza que já se encontra no referente do produto.

As bases são nomes próprios ou sobrenomes. Nesse caso, temos como produto nomes de

estádio de futebol, estabelecimentos que têm como característica, mesmo antes da adjunção

do sufixo aumentativo, o tamanho avantajado:

(08) Arruda – Arrudão (Estádio do time Santa Cruz do Recife); Castelo – Castelão (Estádio

do Ceará); Machado – Machadão (Estádio do América de Natal); Ipatinga – Ipatingão

(Estádio de um município de Minas Gerais); Engenho (de Dentro) – Engenhão (Estádio

com o nome de um bairro da cidade do Rio de Janeiro); Brizola - Brizolão (nome de

Page 50: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

48

estabelecimento escolar de grande dimensão); Carvalho - Carvalhão (nome de

estabelecimento comercial)

Nesse grupo, podemos alocar nomes como ‘Burguesão’ e ‘Mercadão’. Vale

observar que enquanto foi permitido, era comum ver nomes de estádio de futebol derivando

de sobrenome de pessoas influentes. Depois, foi aprovada uma lei proibindo essa prática.

(g) Por fim, há um grupo numeroso de construções X-ão que têm como produto o resultado

de um processo de lexicalização. Há usos de formas lexicalizadas que ainda guardam a

noção de aumento em relação à palavra de base, vejamos os exemplos em (9):

(09) almofadão (s/data) caixão (s XVI) empadão (1890)

facão (1813) salsichão (1881) varandão (s/ data)

Outras, porém, não possuem uma relação de aumento com o referente,

(10) balão ( 1802) espigão (sXV) cartão (1595)

Obviamente, todas essas acepções do afixo não são casos de homonímia, mas de

polissemia. Em todos os grupos, podemos observar um matiz de aumento de tamanho,

intensidade, quantidade, valoração, apreciação.

Agora vejamos os grupos deverbais provindos de -onis:

(h) As formas X-ão podem remeter a um agentivo – aquele que pratica a ação que a base

exprime de forma iterativa. A base é verbal e o produto pode ser um substantivo ou um

adjetivo:

(11) babão (1712) beberrão (séc. XV) brincalhão (1871)

Page 51: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

49

brigão (séc. XVI) cagão (1836) chorão ( 1562)

comilão (1603) fujão (1562) glutão ( séc. XIV)

mandão (1836) respondão (1720) vendilhão (1803)

(i) Em algumas formas X-ão deverbais, o produto exprime resultado de ação, ação forte ou

violenta:

(12) arranhão (1881) empurrão (séc.XVI) encontrão (1679)

puxão (1844) rasgão (1917-1819) safanão ( 1874)

(j) X-ão pode remeter a um produto que nomeia um objeto ou recipiente. Também nesse

caso, a base é um verbo e o produto é um substantivo:

(13) esfregão (1562) pilão ( 1553) podão ( 1720)

Podemos afirmar, observando os dados, que a datação nos fornece duas importantes

indicações acerca das formas deverbais: (1) boa parte tem entrada anterior à das formas

nominais e (2) a formação mais antiga com adjunção do afixo aumentativo é deverbal

(‘glutão’).

É relevante observar que o real significado de -ão somente pode ser determinado

sociointeracionalmente e que seu uso pode ser fundamentado com o instrumental analítico

fornecido pela Linguística Cognitiva. Devido a esses fatos, necessário se faz observar

alguns pontos importantes dessa corrente teórica que embasa a presente pesquisa e cujos

pressupostos serão, a seguir, aplicados ao nosso objeto de investigação.

Page 52: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

50

Tal corrente possui como foco de interesse a função, o significado e o uso,

defendendo uma linguística não-objetivista, já que as experiências de cada um podem

interferir na construção do significado, sensível culturalmente e dependente das

experiências perceptuais e motoras de nossa espécie. Os aspectos socioculturais são

prioritariamente considerados, uma vez que elementos morfológicos têm atualização

condicionada por fatores sociais e culturais.

A apresentação de uma diferente rede polissêmica para -ão obriga-nos a observar

alguns pontos dessa corrente teórica, já que as noções de radialidade e de extensão são

essenciais para a definição do MCI de tamanho, no que diz respeito ao aumentativo. Na

próxima seção, discutimos esses conceitos para, logo após, apresentar a proposta de rede de

Gonçalves et alii (2010) e nosso modo de interpretar os significados das formas

aumentativas.

4.4 Categorização, protótipo e categorias radiais

Apresentamos, de modo resumido, as principais questões teóricas da Linguística

Cognitiva relevantes para o entendimento da proposta de Gonçalves et alii (2010) e,

consequentemente, para a reanálise da rede polissêmica que defendemos no presente

trabalho.

4.4.1 Categorização

A visão de “mente social”, defendida por Langacker (1997: 233), inverte a

orientação do problema relativo à construção categorial, tal como historicamente

desenvolvido, desde Platão e Aristóteles, porque as categorias eram tratadas como

Page 53: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

51

representação do mundo. A proposta é, segundo Marcuschi (2005), pensar o problema das

categorias e das proposições com elas produzidas, desviando-se do assunto ‘representação’.

O autor (op. cit.) defende a ideia de ver a língua como uma forma de ação interativa, social,

cognitiva e situada.

Categorizar é um processo complexo que precisa ser analisado na atividade sócio-

interativa. Com base nos estudos da Linguística Cognitiva, doravante, L. C., podemos

afirmar que a categorização é uma consequência da razão corporificada; é o produto da

interação dos seres com o meio, com base em corpos e mentes. A categorização é uma

atividade sócio-cognitiva situada em contextos culturais específicos, na tentativa de

construir o conhecimento. Nesses termos, deve ser analisada na atividade sócio-interativa,

como defende Marcuschi (2005).

Ainda segundo Marcuschi (op. cit.), a maneira como dizemos as coisas aos outros é

decorrência de nossa interação intersubjetiva sobre o mundo e da inserção sócio-cognitiva

no mundo em que vivemos. O olhar deve estar voltado para a atividade e para o processo.

A categorização, segundo a L. C., é baseada em protótipos, ou seja, as categorias são

pensadas de acordo com o grau de representatividade entre os membros. Há membros mais

centrais (ou prototípicos) e outros menos centrais (ou periféricos). Os membros de uma

categoria não possuem as mesmas propriedades comuns, devido ao grau de saliência

existente entre os exemplares. Para Lakoff (1986), a categorização reflete a cognição

humana.

No que diz respeito ao afixo aumentativo -ão, o valor dimensivo é considerado o

prototípico por ser o mais representativo da categoria, pois partimos do pressuposto de que

os significados mais básicos são os mais concretos; depois temos os menos centrais, como

o intensivo e o quantitativo. Encontram-se, mais afastados do centro, as lexicalizações e os

Page 54: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

52

significados pragmáticos, que podem ser considerados extensões que o afixo adquire

através dos efeitos metonímicos e metafóricos.

4.4.2 Espaço mental e MCI

Para entender o conceito de MCI (modelo cognitivo idealizado), é necessário

compreender o conceito de domínio que, segundo a L. C., é um conjunto de conhecimentos

estruturados que podem ser estáveis ou locais. Segundo Fauconnier (1997), os espaços

mentais (Ems) são domínios (locais) ligados a outros por conectores e, enquanto o falante

pensa e fala, vai utilizando essas informações ou esses conhecimentos estruturados por

frame e MCI. Sua estrutura se dá sob a pressão da gramática, do contexto e da cultura.

Esses espaços são responsáveis pela inter-relação entre linguagem e cognição. O MCI, de

acordo com Lakoff (1987), é um dos domínios estáveis e é entendido como o conhecimento

que adquirimos ao longo das experiências sociais disponíveis culturalmente. Eles

influenciam na organização do pensamento e nas expectativas de uma pessoa. Cada MCI é

uma estrutura complexa, uma gestalt, cuja interpretação se dá de forma integral de acordo

com outros conhecimentos relacionados.

Ainda segundo Lakoff (op.cit.), um modelo pode se estender, mediante a aplicação

de princípios estruturadores, de outro modelo. Por exemplo, a palavra ‘cabeção’ pode fazer

referência a uma parte do corpo com tamanho avantajado, primeiramente, porém, mediante

uma extensão metonímica, pode se referir a uma pessoa destituída de inteligência como

também, atualmente, faz referência a uma pessoa que possui um grande domínio sobre

determinado assunto ou é inteligente.

Page 55: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

53

Ruiz de Mendoza (2000), ao propor o MCI de tamanho em espanhol, afirma que é

importante o estudo da integração conceptual em diversos âmbitos da semântica, como

ocorre com a metáfora e a metonímia. O autor enfatiza que o MCI de tamanho explica uma

infinitude de fenômenos semânticos, sugerindo a existência de dois desses modelos: o de

controle e o de custo-benefício.

Segundo Ruiz de Mendoza (1998: 357):

O MCI de controle é crucial para o estudo de construção semântica de algumas expressões como a que Lakoff (1996) denominou de a “METÁFORA DA PESSOA DIVIDIDA”. Na descrição desta metáfora, uma pessoa consta de um sujeito (o consciência experimentadora) e de um eu (que representa os aspectos corporais e funcionais da pessoa) cuja relação é de inclusão espacial.

O autor cita algumas metáforas do sistema e afirma que as metáforas que ajudam na

compreensão do MCI de controle são a “metáfora do eu perdido: Me deixei levar...”, a

“metáfora do eu dividido: Está lutando consigo mesmo” e a “metáfora do eu ausente: Está

fora de si...”. Essas metáforas são chamadas de orientacionais, pois, ao contrário das

estruturais, não estruturam um conceito em termos de outro, mas organizam todo um

sistema de conceitos em termos de outro. Por esse motivo, Ruiz de Mendoza usou o termo

sistema para fazer referências a elas.

Em Metáforas da vida cotidiana, Lakoff & Johnson (1980: p.61-62) descrevem a

metáfora do controle da seguinte forma: “TER CONTROLE ou FORÇA É PARA CIMA;

ESTAR SUJEITO A CONTROLE ou FORÇA É PARA BAIXO” e dão exemplos como

“Tenho controle sobre ela”, “Seu poder aumentou” e “Ele está no alto escalão”. A base

física dessa metáfora é definida pelos autores da seguinte maneira: “Tamanho está ligado

normalmente à força física e o vencedor numa luta está normalmente por cima” (p.62).

Page 56: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

54

Dessa metáfora, podemos inferir outras, como ‘maior é melhor’, maior é mais importante’

etc.

Outra metáfora importante para o MCI de tamanho (aumentativo) é “MAIS É

PARA CIMA; MENOS É PARA BAIXO”, cuja base física, ainda de acordo com Lakoff

& Johnson (1980: 62), é explicada da seguinte maneira: “Se acrescentarmos uma

quantidade de uma substância ou de objetos físicos em um recipiente ou pilha, o nível

sobe”: “Sua renda caiu no ano passado”, “O número de livro publicado a cada ano continua

subindo”.

Os autores (op.cit.) postulam que as metáforas de espacialização estão enraizadas na

experiência física e cultural; elas não são construídas ao acaso e, desse modo, uma metáfora

pode servir como veículo para a compreensão de um conceito apenas em função de sua

base experiencial. É importante destacar a afirmação dos autores (op. cit.) a respeito da

escolha da metáfora e de sua importância: podem variar de cultura para cultura. Alguns

valores de nossa cultura são coerentes com as metáforas de espacialização PARA CIMA –

PARA BAIXO. “Maior é melhor” (op.cit: 71) é coerente com MAIS É PARA CIMA e

BOM É PARA CIMA, por exemplo.

Falemos, agora, das metáforas ontológicas, que nos ajudarão a entender os conceitos

organizados por Ruiz de Mendoza na postulação do MCI de tamanho. Segundo Lakoff

(2002:76):

Da mesma forma que as experiências básicas das orientações espaciais humanas dão origem a metáforas orientacionais, as nossas experiências com objetos físicos (especialmente em nossos corpos) fornecem a base para uma variedade extremamente ampla de metáforas ontológicas, isto é, formas de se conceber eventos, atividades, emoções, ideias etc. como entidade e substâncias.

Page 57: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

55

Vejamos, a seguir, a descrição do MCI de controle em Ruiz de Mendoza (2000:

p.358), refletindo, no entanto, somente sobre os aspectos diretamente relevantes para a

análise do formativo -ão:

� O controle que uma pessoa tem sobre uma entidade ou um conjunto de

entidades aumenta ou diminui de acordo com a presença ou ausência,

respectivamente, de barreiras físicas entre a pessoa e essa entidade ou

conjunto de entidades. Nesse sentido, a distância pode ser entendida como

um impedimento ou barreira física.

� O controle máximo de uma entidade ou conjunto de entidades ou coisas é

normalmente desejável / o controle mínimo não é normalmente desejável.

Façamos uma reflexão sobre o segundo modelo sugerido por Ruiz de Mendoza

(2000): o MCI de custo-benefício:

a) O estado de coisas resultante de uma atividade pode ser (considerado como) benéfico,

prejudicial, ou neutro, para outras entidades.

b) Um estado de coisas benéfico para uma entidade querida é desejável.

c) Um estado de coisas não benéfico para uma entidade querida não é desejável.

d) Um estado de coisas prejudicial a uma entidade querida não é desejável.

e) Um estado de coisas não prejudicial para uma entidade querida é desejável.

Normas culturais relacionadas ao princípio de cortesia, cuja formulação foi

influenciada pela escala pragmática, baseiam-se em desenvolvimentos de diferentes

aspectos do modelo. Dessa maneira, ainda segundo Ruiz de Mendoza (2000), um estado de

Page 58: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

56

coisas negativo para uma pessoa querida deve ser corrigido como indicativo de que essa

pessoa é querida. Pode-se considerar que apreciações como essas são extensões do modelo

básico, determinadas por convenções culturais.

Analisemos o MCI de tamanho:

a) Os objetos variam de tamanho e essa mudança varia desde dimensões muito pequenas a

muito grandes.

b) Um objeto pequeno costuma ser mais controlável que um grande.

c) Um objeto de tamanho pequeno costumar ser menos prejudicial que um grande.

Como extensões do modelo, podemos ter, de forma resumida:

d) Objetos pequenos são controlados e por isso podem ser percebidos como agradáveis.

e) Objetos pequenos são pouco importantes e depreciáveis e por esse motivo podem ser

percebidos como desagradáveis.

f) Objetos grandes são pouco controláveis e podem causar sensação de desproporção e

serem, por isso, percebidos como não agradáveis.

g) Os objetos grandes são importantes, majestosos e podem ser percebidos como

agradáveis.

Os MCIs estão em constante interação e cognitivistas como Tanner e Fauconnier

dedicaram vários trabalhos sobre essa interação. Dentre os vários constructos teóricos,

refletimos sobre os espaços mentais, já conceituados nesta seção. Essas reflexões nos

fazem entender que o aumentativo é uma categoria morfológica polissêmica e seus diversos

Page 59: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

57

significados estão ligados metonimicamente, na maioria das vezes, e também

metaforicamente ao sentido central de grandeza física ou tamanho grande.

Observando os dados, concluímos que o aumentativo tem vários sentidos, como o

de tamanho (‘narigão’), que é o central, e outros menos centrais, como quantidade (‘potão’)

e intensidade (‘cedão’). Temos, ainda, mais afastados desse centro prototípico, os sentidos

de valoração (positiva ou negativa), a exemplo de ‘mengão’ e ‘pobretão’, nessa ordem, as

projeções metonímicas e as lexicalizações (‘orelhão’, ‘cartão’).

Ruiz de Mendoza (op. cit.), ao analisar o MCI de tamanho, dá ênfase ao diminutivo e

nossa descrição não incluirá esse grau. Nossa análise não se identifica totalmente com a

desse autor, uma vez que ele se utiliza de outros afixos aumentativos, além de –ão, e porque

sua abordagem, além de muito resumida, trabalha com dados de uma língua diferente – o

espanhol. O autor considera como centrais os valores afetivos e pejorativos ligados à ideia

de tamanho e nossa pesquisa se serve de uma gama maior de valores. Tomemos os

seguintes exemplos para análise:

(14) Você viu o sofazão que ela comprou? Que Lindo! Isso porque ela tem uma salona

maravilhosa!

(15) Ela tem um pernão! Se bem que não é só a perna, ela é bonitona!

(16) Seu namorado é altão, fortão, é todo ão!

(17) Ela gastou um dinheirão com seu casamento. Mas foi realmente um casamentão!

(18) Ele chegou cedão e acabou por me esperar um tempão!

(19) Ela come muito... Você viu o pratão que ela traçou? Ainda tomou um copão de refri!

Page 60: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

58

Observando os exemplos, constatamos que o afixo aumentativo -ão serve a vários

propósitos e os diferentes usos refletem os diferentes fins pretendidos pelo falante. No

primeiro exemplo, em (14), podemos observar que o sufixo está ligado a uma base nominal

concreta e abre espaço mental que se identifica com a base empírica MAIOR TAMANHO,

MAIOR VALOR, relacionando-se com a descrição g) do MCI de tamanho, aludido mais

acima: “os objetos grandes são importantes, majestosos e podem ser percebidos como

agradáveis”. Nesse enunciado, um objeto grande foi percebido de forma positiva,

despertando, dessa forma, sentimento de admiração. Essa descrição encontra respaldo

também na metáfora de espacialização ‘maior é melhor’.

No exemplo em (15), o sufixo -ão aparece ligado a uma base nominal e a uma base

adjetival. No primeiro caso, temos ‘pernão’ abrindo espaço mental de apreciação da

qualidade do referente, pois ‘pernão’ faz referência a uma perna bem torneada, assim como

‘bonitona’ intensifica a qualidade de ser ‘bonita’. Nos dois casos, o uso do afixo potencia

os efeitos subjetivos que uma propriedade produz no falante. Como é difícil de

conceptualizar identidades por meio de intensidade, a metáfora ontológica TAMANHO É

UMA ENTIDADE ajudaria, pois, desse modo, podemos quantificar ou intensificar o

tamanho. Assim, é possível fazer a interação conceptual do modelo descrito em b) do MCI

de custo-benefício (“um estado de coisas benéfico para uma entidade querida é desejável”)

e o descrito em g) do MCI de tamanho (a beleza da perna e a boniteza da pessoa são

percebidos como grandes e esse fato é visto como agradável pelo falante), pois ‘maior é

melhor’ é coerente com ‘mais é para cima’ (Lakoff & Johnson, 1980: 71).

Em (16), que inclui as realizações ‘fortão’ e ‘altão’, o afixo está intensificando a

propriedade do referente. O tamanho da força é grande e é visto como algo agradável pelo

Page 61: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

59

falante, de acordo com a metáfora de controle e força descrita por Lakoff & Johnson

(1980).

No exemplo (17), o uso do afixo adjungido à palavra ‘dinheiro’ nos remete à

segunda expressão do MCI de controle (“O controle máximo de uma entidade ou conjunto

de entidades ou coisas é normalmente desejável / o controle mínimo não é normalmente

desejável”), a c) do MCI de custo benefício (“Um estado de coisas não benéfico para uma

entidade querida não é desejável”) e a f) do MCI de tamanho (“Objetos grandes são pouco

controláveis e podem causar sensação de desproporção e serem, por isso, percebidos como

não agradáveis”). Nesse caso, o ‘dinheirão’ gasto pode ser visto como algo grande, de

proporção não controlável e que foi custoso para pessoa. A análise seria outra se o

enunciado fosse: ‘Ganhei um dinheirão’. O afixo é o mesmo, porém, em outro contexto.

Nesse caso, o espaço mental aberto seria outro, que ativaria outras expressões do modelo.

No exemplo (18), ‘cedão’ e ‘tempão’ poderiam nos apontar uma arbitrariedade no

que diz respeito à metáfora MAIS É PRA CIMA, que nos leva a inferir que MAIS É

MELHOR, porém não há arbitrariedade se observarmos a interação dos MCIs. O controle

máximo do tempo é algo desejado. No entanto, o tempo maior utilizado foi custoso para a

pessoa, como se pode comprovar com o restante da frase (teve de esperar um longo tempo,

apesar de ter chegado bastante cedo). Portanto, o falante exprime um sentimento de algo

não desejável, pois houve um excesso do tempo perdido.

Por fim, o exemplo (19) abre espaço mental combinado. Temos, nesse caso, um

exemplo de metonímia que ocorre quando há um tipo de referência indireta. Lakoff &

Johnson (1980, 2002) afirmam que a metonímia tem principalmente função referencial, isto

é, permite-nos usar uma entidade para representar outra. Segundo Fauconnier (1997), a

função da metonímia é pragmática. Esse tipo de projeção tem papel fundamental na

Page 62: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

60

estruturação do conhecimento e permite meios de identificar um domínio através de sua

contraparte por meio do Princípio de Identificação (I) ou Princípio de Acesso. Esse

princípio permite a descrição da entidade (gatilho) em termos de sua contraparte (alvo) ou

zona ativa e ponto de referência (cf. Cuenca & Hilferty, 2002; Langacker, 1984, 1987).

Nesse caso, somente haverá acessibilidade de um domínio à sua contraparte se existir

conexão pragmática entre gatilho e alvo.

O exemplo (18), “Ela come muito... você viu o pratão que ela traçou”, faz referência

à metonímia ‘continente pelo conteúdo’; na verdade, o prato é o continente e a comida, o

conteúdo. A conexão se faz porque o prato é, de modo geral, o lugar onde se coloca a

comida quando se vai comer. Em ‘pratão’, o afixo, por meio da metonímia, faz referência à

quantidade de comida que está no prato. O prato não precisa ser, necessariamente, grande,

porém a comida precisa estar numa quantidade elevada, o que nos leva a refletir sobre a

metáfora MAIS É PRA CIMA, MENOS É PRA BAIXO, cuja base física já foi descrita

nesta seção. Podemos acessar as expressões b) ou c) do MCI de custo benefício e, apesar de

b) ser o contrário de c), não há arbitrariedade na análise, pois ela dependerá do ponto de

vista do falante – se ele acha prejudicial ou não o ato de comer muito. Porém se refletirmos

a respeito do MCI de controle: “O controle máximo de uma entidade ou conjunto de

entidades ou coisas é normalmente desejável / o controle mínimo não é normalmente

desejável”, chegaremos à conclusão de que o controle da quantidade que se come está

ligado à saúde e concluiremos que esse controle é necessário.

Vale ressaltar que a gradação acumula valores pragmáticos, como afeto (recurso

utilizado para expressar emoção), julgamento (recurso utilizado para julgar o caráter) e

apreciação (recurso utilizado para atribuir valor às coisas), todos relacionados à função

atitudinal dos elementos morfológicos (GONÇALVES, 2005). Através desses recursos, o

Page 63: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

61

emissor exprime sua impressão (negativa ou positiva) a respeito de algo ou alguém. Se ele

acha que comer muito é algo positivo, será ativado o espaço mental de b), “Um estado de

coisas benéfico para uma entidade querida é desejável.”; caso contrário, será aberto o

espaço mental de acordo com o que está descrito em c), “Um estado de coisas não benéfico

para uma entidade querida não é desejável”. A avaliação não está baseada somente na

palavra ‘pratão’, mas em toda a sentença.

Após a análise dos exemplos, torna-se oportuno comparar as redes polissêmicas do

afixo -ão. A seguir, é formalizada a rede tal como concebida por Gonçalves et alli (2010).

Nossa proposta de rede em primeiro lugar descarta as formações de base verbal,

aqui consideradas um caso de homonímia, pelas razões discutidas ao longo do capítulo 3 e

no início deste capítulo. A rede de significados de –ão defendida na presente investigação é

a seguinte:

Tamanho Quantidade Intensidade

Avaliação Positiva

Contiguidade/imitação

Semelhança/tipo grande X

Agente frequentativo

Contiguidade/Imitação

Page 64: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

62

A nosso ver, intensidade não vem de quantidade, pois, ao tomarmos tamanho como

entidade, ele pode ser quantificado e intensificado, como já mostramos anteriormente. Esse

fato e a separação dos deverbais justificam a reestruturação da rede. A seguir, abordamos as

formas X-ão em que X é categorizado como verbo.

4.5 A rede polissêmica dos deverbais

Como defendemos a homonímia no sufixo aumentativo -ão, a proposta é que

façamos, separadamente, a rede polissêmica do afixo -ão deverbal. Ruiz de Mendoza

(2000) analisa também as formações deverbais de acordo com os MCIs de tamanho, custo

benefício e controle, porém essas formações não são exploradas.

Recorremos a Fillmore (1977a), que apresenta uma análise parecida com a dos

nomes para os verbos. Segundo o autor, verbos também envolvem conhecimento de mundo

e de cultura. Para o autor (op.cit.), assim como os nomes, os verbos também remetem a

cenas e exemplifica sua assertiva com o verbo ‘to marry’, “casar”, que nos remete à cena de

Dimensivo (Tamanho) Quantidade Intensidade

Avaliação

Projeção metonímica Lexicalização

Projeção metáforica

Page 65: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

63

uma cerimônia ritualizada na qual um casal, devido a uma escolha de status legal, assume a

intenção de se relacionar conjugalmente “até que a morte os separe”.

O verbo faz referência a uma estrutura conceptual decorrente de um frame, conjunto

de procedimentos estabelecidos por uma cultura, caracterizado por vários acontecimentos

integrados; a semântica envolvida pode, desse modo, ser representada como uma categoria

de relação de significados. Para entender a estrutura semântica de um verbo, é preciso

compreender as propriedades de cada cena esquematizada. Cada cena é entendida a partir

das experiências e instituições humanas de modo que, para uma pessoa entender o conceito

de ‘casar’, é necessário que ela tenha experienciado cada passo que compõe a cena.

As formas estudadas correspondem à nominalização de um conceito verbal que tem

como característica comprimir o conteúdo conceptual, de modo que todo o ocorrido seja

reduzido a uma só imagem. Esse entendimento é importante para falarmos dos deverbais.

Analisemos alguns exemplos que servirão para a compreensão da rede polissêmica:

(20) Rogerinho é muito brigão! Faz questão de tudo!

(21) Pedro deu um maior empurrão no Renato que quase caiu!

(22) Pegue o esfregão e limpe tudo pra mim.

Em (20), ‘brigão’ provém do verbo ‘brigar’, que ativa uma cena em que duas pessoas

se agridem, geralmente, fisicamente. A nominalização nos remete a uma pessoa que gosta

de brigar ou que é dada a essa ação que o verbo exprime, porém com certa frequência. Por

esse motivo, ‘brigão’ é considerado um agentivo pertencente à classe dos ‘frequentativos’

(ROSA, 1982). A intensidade é atualizada pelo aspecto iterativo que o afixo imprime no

verbo e essa iteratividade corresponde à pluralidade das situações eventivas. O frame que o

Page 66: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

64

verbo ‘brigar’ ativa é composto de agente e do resultado da ação, a briga. Portanto ‘brigão’

foi criado metonimicamente a partir do mesmo frame que o verbo.

Resta-nos explicar a intensidade ou iteratividade presente no afixo que amalgama

essas duas funções, agentividade e intensidade, já que o frame ativado pelo verbo sem o

afixo não prevê essa frequência. É a repetição da imagem que denota a frequência da ação.

Dessa forma, o agentivo ‘brigão’ ativa o mesmo frame com repetidas imagens. Analisemos

o MCI de controle descrito na sentença “O controle máximo de uma entidade ou conjunto

de entidades ou coisas é normalmente desejável / o controle mínimo não é normalmente

desejável”. Esse MCI abre o espaço mental para que entendamos que a cena evocada pela

palavra é vista como não desejável. Também o modelo d) do MCI de custo-benefício ajuda

explicar a formação, pois “Um estado de coisas prejudicial a uma entidade querida não é

desejável”. Esses fatos justificam a pejoratividade existente no produto, além do fato de que

o ato de brigar não é bem visto em nossa cultura.

No exemplo (21), a palavra ‘empurrão’ corresponde ao resultado do processo verbal

e ativa o MCI de custo-benefício relacionado à expressão d), “Um estado de coisas

prejudicial a uma entidade querida não é desejável”, uma vez que consideramos a violência

do ato. O frame ativado é a cena que o evento verbal ativa. Dessa vez, o agente não é o foco

da cena. Segundo Cuenca & Hilferty (1999: 194) “A perspectiva da atenção10 estabelece

que o que expressamos reflete as partes do evento que atraem nossa atenção” e a

“perspectiva de preeminência da conta de que todos os elementos associados tenham um

valor igual e que essa diferença de valor pode se traduzir em diferenças formais e

10 Um dos três princípios sintetizados por Ungerer e Schmid a respeito da ação do emissor em relação às mensagens que emite. Minha tradução para “La perspectiva de atención establece que lo que expresamos refleja las partes del evento que atraen nuestra atención”.

Page 67: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

65

sintáticas”. Nesse caso, o que figura como foco, ou seja, o que tem preeminência é o

resultado do processo verbal ‘empurrão’.

O exemplo (22) faz referência a uma entidade instrumental de ação que ativa um

frame em que encontramos um agente desenvolvendo uma ação correspondente ao verbo

‘esfregar’. Essa ação é feita com o auxílio de um instrumento que é um objeto, o

‘esfregão’.No que diz respeito à relação figura-fundo, o que tem preeminência, nesse

contexto, é o utensílio com o qual se realiza a ação de esfregar. Os frames justificam todas

essas formações, que não têm nada de arbitrárias; ao contrário, são justificadas por

princípios bem fundamentados pela semântica cognitiva.

As formações lexicalizadas, como ‘mijãozinho’ e ‘cagão’ são justificadas pela

interação de conceitos que correspondem ao processo metonímico. ‘Mijãozinho’ é uma

roupa usada por recém-nascidos que, por sua própria natureza, urinam muito. O sufixo

diminutivo exprime afeto, pois tal ação frequente é considerada normal quando se trata de

bebês e por se tratar de um ser bem pequenino.

Já a forma ‘cagão’ vem do verbo ‘cagar’ cuja origem latina é cacare (refere-se ao

ato de defecar); logo, ‘cagão’ nomeia quem caga muito, frequentemente. A palavra sofreu

lexicalização e também faz referência a uma pessoa medrosa. Essa referência se justifica

pelo fato de que o medo desencadeia abalo no sistema nervoso, o que pode provocar

sintomas como dor de barriga. Existem expressões como “Estou cagando de medo” e “Ele

se borra todo”, que justificam o uso. A esse uso soma-se outro: ‘cagão’ pode ser a pessoa

que não tem capacidade para realizar bem uma determinada ação. Num domínio fonte, há

uma pessoa que não administra bem a ação de ‘cagar’ e por isso se borra toda, provocando

um efeito desastroso. No domínio alvo, aparece uma pessoa que não realiza bem uma ação,

não tem capacidade para exercê-la, provocando, assim, um afeito desastroso. Por meio de

Page 68: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

66

projeção metafórica, levamos esses conhecimentos do domínio fonte a outros modos de

agir. Há expressões que explicam esse uso, como, por exemplo: “Ah, ele é um pedreiro

cagão, não faz nada certo”, “Você não pintou a parede, você cagou a parede!”.

Temos ainda ‘cagão’ fazendo referência a uma pessoa que realiza uma ação e, por

mero acaso, por sorte ou ‘cagada’, num termo mais vulgar, tudo termina bem. A explicação

para este último uso perpassa pelas razões do penúltimo. Uma pessoa não administra bem a

ação, porém, por mero acaso, tudo se sai bem. Justificam o uso expressões do tipo “Você

cagou na sorte, jogou a carta errada e acabou ganhando o jogo”, “Rogério é muito cagão,

casou-se com uma mulher pobre que, de repente, ficou rica!”.

Diante do exposto, justifica-se a seguinte rede de acepções para o afixo –ão

deverbal:

É necessário explicitar que há uma restrição de aplicabilidade do afixo a

determinadas bases verbais, como veremos no próximo capítulo, no qual abordamos os

critérios que aproximam o aumentativo –ão do polo que caracteriza a morfologia

derivacional no continuum proposto por Bybee (1985).

Agentividade (Iterativa) (Intensiva)

Instrumento de ação

Resultado de ação

Lexicalização

Page 69: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

67

5. A QUESTÃO GRAU: FLEXIONAL OU DERIVACIONAL?

No presente capítulo, discutimos a fronteira entre as operações morfológicas flexão

e derivação nos termos de Bybee (1985) e propomos, segundo os critérios descritos em

Gonçalves (2005; 2007; 2011), um reposicionamento de -ão no continuum flexão-derivação

proposto por Piza (2001) e Gonçalves (2007). Refletimos também sobre a falta de limites

precisos entre essas operações morfológicas, aqui entendidas como gradientes ou escalares.

De acordo com Gonçalves (2005; 2007; 2011), há critérios que colocariam o grau ora

no processo flexional, ora no processo derivacional. Na verdade, o grau ocupa posição

intermediária no continuum, pois possui características derivacionais e flexionais;

entretanto, ao analisarmos o diminutivo e o aumentativo separadamente, concluímos que o

aumentativo é mais derivacional que o diminutivo. Antes, porém, convém descrever, ainda

que brevemente, a proposta de Bybee (1985) e os critérios usados para distinguir a flexão

da derivação.

5.1 A proposta de Bybee

A proposta de Bybee (1985) contradiz a ideia tradicional de que as morfologias

flexional e derivacional são excludentes entre si. Ao contrário, segundo a autora (op.cit.), a

diferença entre essas morfologias é de gradiência, apenas. Os elementos de uma categoria

podem fazer parte dessa categoria de forma gradual, a depender se é representante

prototípico ou periférico. Quando periférico, o elemento pode ter características de outra

categoria e, por esse motivo, as duas “morfologias” não formariam conjuntos discretos.

Page 70: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

68

Bybee (1985) parte desse princípio para propor a formulação de uma escala

hipotética de prototipicidade, um continuum, cuja principal meta é a identificação dos

exemplares mais centrais e menos centrais desses dois tipos de operação morfológica, o que

demarcaria seu ponto num possível continuum.

A autora parte de dois princípios, “relevância” e “generalidade”, amplamente

explicados no capítulo 2 de seu livro e relacionados a vários critérios no capítulo 4, em que

trata das diferenças entre flexão e derivação. O primeiro princípio, relevância, preconiza

que o significado de um elemento é relevante para o outro se o conteúdo de um afeta ou

modifica diretamente o conteúdo do outro. O resultado dessa combinação terá relevância se

nomear algo que tenha saliência cultural e cognitiva. O segundo princípio, generalidade,

preconiza que uma categoria flexional deve se aplicar a todas as bases com determinadas

especificidades sintático-semânticas e necessita ocorrer obrigatoriamente num contexto

sintático próprio (p.17).

A proposta do continuum é muito interessante, porém, como observou Gonçalves

(2005:163), “fica difícil apenas com a relevância e a generalidade decidir se o -a de

feminino é menos derivacional que os afixos de grau”. Pelo que significam os sufixos

prototípicos de grau, segundo o autor, eles “são mais relevantes para o conteúdo dos nomes

do que a marca de feminino”. A dúvida é: Como posicionar, por exemplo, esses afixos ao

longo do continuum idealizado por Bybee (op. cit.)? Como medir a aproximação ou o

afastamento dos extremos prototípicos? Piza (2001) mostra, muito apropriadamente, numa

escala, como se estabelece esse continuum em português no que se refere às marcas de

gênero, número e grau.

Page 71: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

69

5.2 Os critérios segundo Gonçalves e Piza

Nesta seção, serão apresentados, resumidamente, os critérios citados por Gonçalves,

(2005, 2007, 2011). Após cada um, analisamos o afixo aumentativo -ão, observando como

se comporta em relação a cada um desses critérios. Ressaltamos o fato de que não

levaremos em conta o grau diminutivo na descrição dos critérios; portanto, teremos

conclusões diferentes daquelas encontradas pelo autor e por Piza (2001).

5.2.1 “Relevância sintática”

A utilização do grau é facultativa, não havendo obrigatoriedade no seu emprego,

como também não há concordância no âmbito do sintagma nominal. Nesse caso, o grau é

derivacional, uma vez que “nenhum contexto sintático leva ao acréscimo desse afixo”, ao

passo que a flexão é requerida pela sintaxe. Portanto, o grau aumentativo é derivacional em

relação a esse critério. Observemos os exemplos abaixo, nos quais não há concordância de

aumentativos entre os termos do sintagma:

(01) carro bonitão - carrão bonito

perna bonitona - pernão bonito

pidão enjoado

arranhão profundo

Vejamos, agora, o caso do –s de plural, que pertence à morfologia de cunho

flexional, por apresentar relevância sintática. Como afirma Gonçalves (2011: 13), “o núcleo

Page 72: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

70

do sintagma nominal (o controlador da concordância) espraia a informação de plural aos

elementos a ele associados (os alvos) levando-os a receber a marca da desinência de

plural”. Observemos o exemplo em (02), a seguir:

(02) ‘Os meninos rebeldes saíram de casa sem a autorização de seus pais’.

Nesse caso, o controlador é ‘meninos’ e os alvos, ‘os’ e ‘rebeldes’. Também

encontramos esse raciocínio na marcação de número e pessoa do verbo, que é considerada

flexional por ser manipulada pela sintaxe. No caso do exemplo usado acima, a terminação

do verbo é imposta pela concordância com o sujeito ‘os meninos’. No caso do

aumentativo, não observamos essa obrigatoriedade.

5.2.2 Meios de materialização

De acordo com esse critério, “Um afixo é flexional se o significado que veicula

manifesta-se apenas morfologicamente. Quando há concorrência de estratégias para

exteriorizar determinado conteúdo, o afixo deve ser analisado como derivacional”

(GONÇALVES, 2011:20). Nesse caso, o grau é derivacional, pois pode se materializar de

forma sintética, com afixos, ou de forma analítica, com o uso de adjetivos, ou ainda através

de outro sufixo (concorrente), sem levar em consideração a questão da formalidade. Vemos

nos exemplos a seguir o que o critério prevê.

(03) carrão (forma sintética)

grande festa (forma analítica com adjetivo)

Page 73: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

71

super bonito (forma analítica com prefixo)

curtíssimo (forma sintética com sufixo concorrente)

5.2.3 Produtividade ou aplicabilidade

De acordo com Gonçalves (2005: 31), “a flexão é mais produtiva do que a derivação,

no sentido de que estrutura paradigmas mais regulares e sistemáticos”. A derivação

apresenta restrições de aplicabilidade e, por isso, apresenta “células vazias”, ao passo que a

flexão possui alto grau de aplicabilidade com raras exceções. Gonçalves (op. cit:35) mostra

como esse critério funciona na prática; desse modo, vamos nos reportar a um exemplo dado

pelo autor para aclarar o critério em questão:

O prefixo des- pode ser anexado a bases verbais expressando a ideia de “reversibilidade”, como acontece em ‘desfazer’, ‘descasar’ e ‘desmontar’ entre outros. O conteúdo do prefixo o impede de adquirir status flexional, dada a impossibilidade de aplicação a qualquer base verbal...Bases que expressam ações/estados irreversíveis não podem ser prefixadas por des-, pois há incompatibilidade semântica entre os elementos a combinar.(...)

No que se refere a este critério, Piza (2001), em sua Dissertação de Mestrado

intitulada “Gênero, número e grau no continuum Flexão/Derivação em português”, afirma:

os afixos de grau podem ser acrescentados a praticamente todos os nomes da língua: são tão produtivos em português que além de estruturarem paradigmas sem células vazias, extrapolam os limites categoriais da base, anexando-se a diversas classes... (p. 67).

Após essa assertiva, encontramos exemplos no diminutivo; porém, no que diz

respeito ao grau aumentativo, o mesmo não acontece. No entanto, o grau foi considerado

por ela e por Gonçalves (2005) como flexional no que diz respeito a esse critério. No nosso

Page 74: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

72

entendimento, o grau aumentativo não pode ser comparado ao diminutivo no que se refere

ao alto grau de aplicabilidade, mesmo que seja considerado produtivo. Nomes não

contáveis, designativos de matéria, por exemplo, não apresentam compatibilidade com

sufixos aumentativos. Vejamos os exemplos abaixo.

(04) água / aguinha / *aguão11

sangue / sanguinho / *sanguão / *sangão

vinho / vinhozinho / *vinhão12

Alguns coletivos e nomes abstratos também apresentam essa incompatibilidade,

como cidadão/ *cidadãozão, *cidadãzona, *varão,*constelaçãozona... No que diz respeito

aos deverbais, encontramos muitas bases que restringem a adjunção do afixo, como

podemos observar em verbos pontuais cuja ação é instantânea, a exemplo de ‘desmaiar’,

‘cair’, ‘explodir’ etc; o mesmo acontece com verbos de estado, ‘ser’, ‘estar’, ou com verbos

durativos, como ‘dormir’, ‘nadar’, ‘ler’, ‘correr’, ‘pintar’, ‘tocar’. Estes selecionam outro

tipo de sufixo, como se vê nos exemplos a seguir.

(05) dormir - dorminhoco correr - corredor nadar - nadador

ler - leitor pintar - pintor tocar - tocador

11 Houve a ocorrência de 3 realizações de ‘águão’, como aumentativo de água. As demais faziam referência a nomes próprios, como um distrito de Mato Grosso do sul e um personagem de história infantil. 12 ‘Vinhão’ foi encontrado em apenas uma realização com o sentido avaliativo de ‘vinho de qualidade’.

Page 75: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

73

O afixo é usado com verbos (a) que indicam ação não instantânea (indicam um fazer

do sujeito), como ‘brigar’, ‘comer’; (b) de processo e ação-processo (ou seja, aqueles que

expressam um evento ou sucessão de eventos que afetam o sujeito paciente,

experimentador ou beneficiário), a exemplo de ‘arranhar’, ‘empurrar’; e (c) volitivos (os

que expressam vontade do sujeito), como ‘mandar’, ‘pedir’.

Piza (op.cit.) afirma, ainda, que a manifestação de grau, em português, acontece com

toda e qualquer palavra, independente de sua categoria sintática. No que tange ao grau

aumentativo, isso não procede, pois não encontramos formações do tipo: ele – *elão ou

*elezão, mas podemos ver ‘elezinho’. Também não temos aquele –* aquelão ou

*aquelezão, mas ‘aquelezinho’ (‘aquelazinha’).

A produtividade do grau aumentativo vem crescendo na língua oral do português

brasileiro em contexto em que figurava o grau superlativo (considerado mais formal).

Como não substitui totalmente a forma existente, a consequência é a interação e a

coexistência desses formativos, cujos significados são aproximados. As duas formas se

ligam a uma base adjetiva e geram produtos da mesma categoria lexical. Podemos afirmar

tal fato com base na pesquisa feita com duas turmas de segundo ano do ensino médio do

curso de formação geral (alunos de faixa etária variando entre 15 e 19 anos) e também

através da observação feita no uso diário desse afixo em falas espontâneas e em diversas

situações de uso. Esse fato é importante e especialmente relevante a fim de exemplificar o

critério ora em discussão. Observemos os dados com as seguintes realizações extraídas de

dois questionários de atitude que constam do anexo deste trabalho:

(06) .a - Ela apareceu com um short muito curto. (forma analítica)

b - Ela apareceu com um short curtíssimo. (forma sintética)

Page 76: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

74

c - Ela apareceu com um short curtão. (forma aumentativa)

As formas: “curtíssimo” e “curtão” coexistem na língua falada, mas, como

comprovou o resultado desta pesquisa, a sentença (6c) foi a mais cotada pelos alunos como

a que mais utilizariam para exprimir o tamanho do short.

Outros tipos de exercícios foram elaborados e, de acordo com os resultados, alguns

gráficos foram feitos a fim de melhor representar o uso dos afixos aumentativos e

superlativos. Sete homens e sete mulheres responderam a questões que contemplaram

situações que englobam respostas com aumentativo, superlativos sintético e superlativo

analítico. No questionário um (ver anexo B), temos em torno de trinta e duas opções entre

superlativo e aumentativo.

Gráfico do questionário 1

0

10

20

30

40

50

60

AUMENTATIVO (-ÃO) SUPERLATIVOANALÍTICO

SUPERLATIVOSINTÉTICO

HOMENS

Page 77: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

75

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

AUMENTATIVO (-ÃO) SUPERLATIVOANALÍTICO

SUPERLATIVOSINTÉTICO

MULHERES

Gráfico 2 - Questionário 1.

No questionário dois, o número de homens é inferior ao de mulheres: são sete

mulheres e quatro homens. Porém, o importante para exemplificar o critério não é o sexo e

sim o uso do superlativo (analítico ou sintético) em relação ao uso da forma sintética com -

ão. Temos em torno de dezesseis opções (palavras com o superlativo analítico e sintético e

aumentativo) na seção um, mas as palavras aparecem de forma descontextualizada, pois o

objetivo é saber se elas fazem parte do vocabulário desses alunos, como se pode observar

no anexo C, para onde remetemos o leitor.

Page 78: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

76

0

5

10

15

20

25

30

Mulhers Homens

Aumentativo -ão

Superlativo sintético

Gráfico 3 - Questionário 2

O gráfico dois é o que representa uma situação mais contextualizada (seção 4 do

questionário, ver anexo C). Essa seção consta de 10 frases que envolvem o uso do adjetivo

utilizado de forma a intensificar a qualidade do referente. O informante tinha a opção de

usar as formas de acordo com o modelo feito para ajudá-lo a entender o que era pedido no

enunciado. Observemos o modelo.

“Ele contou um fato ___________________________ .”(engraçado)

A) ( ) engraçadão B) ( ) engraçadíssimo C) ( ) muito engraçado.

Page 79: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

77

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Aumentativo -ão Superlativo analítico Superlativo sintético

Homens

Mulheres

Gráfico 4 – Questionário 2 – 4ª seção

Também notamos o aumento da produtividade de -ão no que diz respeito ao uso na

modalidade escrita informal, mas, ainda assim, o sufixo encontra restrições à sua adjunção.

De acordo com o que foi exposto, não estaríamos tão seguros na caracterização do

grau aumentativo como processo flexional segundo o critério aplicabilidade, como fizeram

Gonçalves (2005, 2007) e Piza (2001). Os autores assim o fizeram, porque consideraram o

grau como um todo (diminutivo e aumentativo). Com base nas evidências apresentadas,

preferimos incluí-lo, considerando o presente critério, no âmbito do processo derivacional.

5.2.4 Estabilidade semântica

Segundo Gonçalves (2005, 2007), “a flexão é semanticamente mais regular que a

derivação”. Os afixos flexionais não admitem variabilidade semântica, levando sempre ao

mesmo significado; dessa forma, há mais transparência semântica na flexão. Já na

derivação, o significado da construção morfológica pode variar de uma palavra para outra.

Page 80: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

78

Analisemos como esse critério se aplica ao sufixo -ão. Vimos, no capítulo 4, que o

sufixo -ão nominal transmite a ideia de tamanho superior ao considerado normal (X

grande), intensidade (muito X), quantidade (muito X ou grande quantidade de X), apreço,

simpatia (carga emocional variada), entre outros. Nesse caso, portanto, o aumentativo se

inclui no processo derivacional, haja vista sua grande quantidade informacional.

5.2.5 Efeitos expressivos

Por este critério, “a derivação pode servir como veículo para o falante exteriorizar

sua impressão a respeito de algo ou de alguém. A flexão, ao contrário, não se presta a esse

serviço” (Gonçalves, 2011:33). Entendemos, com base nesse critério, que o afixo pode se

alterar pragmaticamente veiculando um valor atitudinal (afeto, julgamento e apreciação),

como acontece com o -ão, que, por esse motivo, é considerado derivacional, pois não só

adquire valor pragmático como pode aumentar o grau de nossa avaliação. Por esse meio, o

locutor se inscreve “implícita ou explicitamente na mensagem” (Gonçalves, 2011: 34). Já a

flexão, segundo o autor (op.cit.), “por operar com significados gramaticais, nunca revela o

impacto pragmático do falante em relação ao enunciado, ao referente ou ao interlocutor”.

Nos exemplos a seguir, podemos confirmar a inclusão do aumentativo -ão no rol dos

elementos derivacionais do português mediante o critério efeitos expressivos:

(07) Você viu o casarão que ela tem?!

‘Casarão’, nesse contexto, não faz referência somente ao tamanho da casa. O sufixo

atualiza também a ideia de conforto, beleza, atribuída ao referente por meio de impressões

subjetivas do falante.

Page 81: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

79

(08) Você chora à toa! Deixa de ser chorão!

‘Chorão’ atualiza não só o agente frequentativo, mas também externa uma

impressão negativa do falante acerca de alguém. Passemos, a seguir, à análise de mais um

critério utilizado para distinguir a flexão da derivação: a possibilidade de lexicalização.

5.2.6 Lexicalização

Em Gonçalves (2005, 2007, 2011), o critério lexicalização se relaciona com a

seguinte máxima: “Arbitrariedades formais e semânticas são constantes nos afixos

derivacionais e pouco prováveis nos flexionais” (p.37).

Abordamos, nesta subseção, somente um tipo de lexicalização, o semântico, assim

conceituado por Gonçalves (2011): “produtos de uma operação morfológica” (...) “nem

sempre são interpretados pela soma dos significados de suas partes, uma vez que o

acréscimo de um afixo pode levar a opacificações de sentido, em proveito da rotulação”.

Essa rotulação pode ocorrer por via metafórica ou metonímica. O sufixo –ão é o único da

categoria aumentativo utilizado com esse fim, como comprovam os exemplos a seguir.

(08) abelhão (óculos) amarelão (doença) corujão (filme / voo noturnos)

frescão (ônibus) macacão (roupa) paredão (situação difícil)

sapatão (lésbica) verdão (time do Palmeiras) tijolão (celular)...

cagão (sortudo)

Page 82: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

80

Novamente, o sufixo –ão exibe um comportamento que se espera dos afixos

derivacionais: pode opacificar estruturas em proveito da rotulação. Vejamos, a seguir, o

parâmetro mudança de classe.

5.2.7 Mudança de classe

O critério mudança de classe é explicado pela seguinte máxima: “Processos

flexionais não são responsáveis por mudanças na categorização da base em relação ao

produto. Os derivacionais, ao contrário, podem promover alterações dessa natureza”.

(GONÇALVES, 2011, p.44).

Perante esse critério, Piza considerou que os afixos de grau são de natureza flexional,

uma vez que não promovem mudança de classe. Porém, as formações deverbais com -ão

comprovam o contrário. Há um slogan frequentemente citado nas descrições morfológicas

– “morfemas derivacionais podem mudar a categoria sintática da palavra derivada,

enquanto os morfemas flexionais nunca mudam13” (BYBEE, 1985:82).

Basílio (2006:28) afirma que “A mudança de classe se efetua fundamentalmente

através de processos morfológicos da derivação” e sublinha que alguns autores consideram

a mudança de classe um dos critérios que diferenciam a derivação, em oposição à flexão.

Assim, as formações agentivas com o sufixo aumentativo -ão, por sua natureza

heterocategorial, seriam analisáveis como derivacionais por esse critério, do mesmo modo

que os nomes de instrumentos de ação, como ‘esfregão’, e os “nomina actiones” –

“nominalizações do evento, da ação, do processo, do estado designado pelo verbo de base”

(Rio-Torto, 1998:166), como ‘empurrão’, ‘puxão’ e ‘arranhão’, entre outros.

13 Tradução para: “derivational morphemes may change the syntactic category of the resulting word, while inflectional morphemes never do.” (BYBEE,1985:82)

Page 83: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

81

Segundo Basílio (2006), um dos motivos para a mudança de classe é “aproveitar os

conceitos ocorrentes em palavras de uma classe em outra classe”. E essa motivação é

semântica, assim como a formação de ‘nomes de agentes’ deverbais. O verbo ‘pedir’, por

exemplo, não é considerado iterativo, entretanto ‘pidão’ atualiza essa iteratividade, o que

comprova que o sufixo acumula a função semântica de agentividade com a de iteratividade.

Ainda há, segundo Basílio, uma motivação expressiva, uma vez que há, nesse produto, uma

noção pejorativa. No entanto Basílio (2006) inclui o grau aumentativo no capítulo em que

trata dos sufixos que não mudam classe. Dessa forma, concluímos que, para ela, o sufixo -

ão adjungido a verbos para formação de palavras, como as citadas acima, não pertence à

categoria aumentativo.

Existe a formação de base adjetiva ‘alegre’ que, depois da adjunção, terá um produto

pertencente a uma classe diferente, pois ‘alegrão’, segundo os dicionários Aurélio e

Houaiss, é um substantivo que significa “uma alegria intensa, profunda”. Esse é o único

caso de base adjetiva cujo produto é substantivo e há uma explicação na origem da palavra

para tal fato, pois ‘alegria é uma palavra derivada de ‘alegre’+ -ia. O sufixo foi acrescido à

palavra primitiva, o que é, segundo os dados, uma exceção.

A grande maioria dos denominais não são responsáveis por mudança de classe,

porém no que se refere aos deverbais, todos são responsáveis por esse tipo de mudança.

Devido ao que foi exposto, sustentamos a ideia de que o afixo -ão, se tomamos a categoria

aumentativo como um todo, é derivacional segundo o critério discutido nesta subseção.

Page 84: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

82

5.2.8 Posição da cabeça lexical

Vejamos a máxima que descreve tal critério: “Sufixos derivacionais constituem o

núcleo (a cabeça) de uma palavra morfologicamente complexa, enquanto os flexionais

sempre se comportam como modificadores”. (GONÇALVES, 2011, p.49).

O critério em exame faz referência ao elemento mais importante de uma construção

morfologicamente complexa (que apresenta mais de um morfema). Nas construções

derivadas, a interpretação parte do sufixo para a base e, por isso, o sufixo constitui o

elemento nuclear da palavra. Na flexão, ocorre exatamente o contrário: a base figura como

o constituinte mais importante e a interpretação parte da base para os elementos flexionais.

Os afixos de grau se assemelham às flexões, nesse aspecto, porém o sufixo

aumentativo -ão tem exemplos que se assemelham à flexão e exemplos que se assemelham

à derivação. Em ‘carrão’, por exemplo, o elemento mais importante é a base, partindo dela

a interpretação semântica da palavra: “carro X”, em que X pode expressar tamanho ou

carga emocional variada. No caso, valoração. Já em ‘pidão’ o elemento mais importante é o

sufixo e é dele que parte a leitura: “que ou aquele que pede muito”. ‘Esfregão’ também

evidencia o caráter derivacional do afixo, que é núcleo da palavra, e a leitura poderia ser

feita da seguinte forma: “utensílio utilizado para esfregar”. Em relação a esse critério, há

uma grande diferença entre as formações denominais e as formações deverbais, o que, no

nosso entendimento, constitui mais uma evidência em favor da homonímia. Desse modo, o

-ão denominal se comporta como as flexões do português, enquanto o -ão deverbal está

mais próximo da derivação prototípica.

Page 85: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

83

5.2.9 Relevância e ordem

A máxima que sustenta os dois critérios em exame é a seguinte: “Afixos

derivacionais se localizam mais próximos da base e sempre precedem os flexionais, quando

juntos na mesma palavra”. (GONÇALVES, 2011, p.54).

Segundo Bybee (1985), “a ordem é um critério relevante para a derivação”, pois quanto

mais próximo da base o afixo se posicionar, mais relevância terá e, consequentemente,

maior será sua contribuição semântica.

Em relação a esse critério, o sufixo aumentativo pode ser considerado, se

comparado aos demais sufixos do português, o mais externo. Isso porque vem sempre

depois de qualquer outro sufixo, precedendo, apenas, as marcas de gênero e de número,

como se vê nos exemplos a seguir:

(09) corredorzão cinzeirão apartamentão riachão

Porém a utilização de vários afixos é fator de restrição de aplicabilidade do afixo

aumentativo, como vemos nos exemplos a seguir:

(10) * envolvimentão * inconstitucionalzão * identificaçãozona

Há, ainda, casos em que o aumentativo ao mesmo tempo sucede e precede as

marcas de gênero e número, a exemplo dos dados em (11):

(11) boazona anõezões aneizões

Page 86: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

84

No nosso entendimento, a ordem evidencia o comportamento difuso da principal

marca morfológica de aumentativo, que possui certa semelhança com o -inho de diminutivo

que é o sufixo mais externo da língua.

Os deverbais figuram bem próximos à base, como podemos ver em (12), mesmo na

forma plural, evidenciando seu caráter derivacional. Esse critério mostra diferença de

comportamento entre os dois sufixos –ão, o que novamente justifica a relação de

homonímia.

(12) ‘pidão’ ‘fujão’ ‘respondão’ ‘arranhão’

‘pidões’ ‘fujões’ ‘respondões’ ‘arranhões’

5.2.10 Criação de um novo lexema

De acordo como Gonçalves (2011: 54), “A derivação cria vocábulo novo, isto é,

está a serviço da formação de uma palavra nova. A flexão ao contrário, representa as

diferentes formas de uma palavra, não criando por isso vocábulo novo”.

A flexão não cria palavras novas. Basílio (2006:15) postula que “o verbo pegar”

corresponde à palavra como unidade lexical; já as diferentes formas flexionadas seriam

variações de forma da mesma palavra.

Com a derivação não acontece o mesmo. ‘Babar’ – ‘babão’ – ‘baba’ não

correspondem a formas diferentes da mesma palavra. São, de acordo com Basílio, unidades

lexicais diferentes. Mas encontramos palavras com o sufixo aumentativo –ão, como

‘cansadão’, ‘cedão’, ‘sofazão’, que não constam no dicionário Houaiss, por exemplo. Nesse

caso, essas ocorrências seriam consideradas variações de um mesmo lexema. No entanto,

Page 87: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

85

encontramos palavras como ‘pernão’, ‘dinheirão’, ‘calorão’, ‘cabrestão’, ‘gostosão’,

‘espertalhão’, ‘anelão’, ‘casarão’, entre tantas outras, com entrada no dicionário e são

consideradas pelo lexicógrafo como um novo item, ou seja, uma nova palavra. Retomando

o vocábulo ‘gostosão’, que não significa, pelo dicionário, ‘muito gostoso’, mas “que ou

aquele que é bonito, atraente...”; assim como ‘pernão’ e ‘anelão’ não significam apenas

“perna e anel grandes”; são caracterizados também pela espessura: “perna grossa”, “anel

grosso”. Esse fato nos mostra que, quando o referente possui características que o

descrevem além da ideia de grandeza ou intensidade, torna-se um candidato a um novo

lexema. De fato, concordamos com Gonçalves (2011) quando afirma que o critério pode ser

questionado, pois, no que diz respeito ao aumentativo, encontramos palavras com o sufixo -

ão que nos parecem, à primeira vista, uma variação formal de um lexema (‘cedão’,

‘sofazão’), porém há exemplos que nos parecem um novo lexema, como ‘dinheirão’, que

porta, além da ideia de grandeza física, a ideia de “alta quantia, valor excessivo, fortuna”...

E ‘calorão’? Segundo o dicionário é “calor intenso, forte”. A palavra calor já faz referência

a uma “temperatura alta” e o sufixo intensifica o que denota a base, mas a forma figura no

dicionário como um novo lexema.

5.2.11 Excludência e recursividade

Para Gonçalves (2011: 58), “Somente os elementos da flexão são mútua e

logicamente excludentes. O acréscimo de uma forma impede a adjunção de outra de mesmo

valor”.

Segundo Gonçalves (op.cit.), um verbo, por exemplo, só pode receber uma

informação de tempo, modo e aspecto porque seu molde estrutural não admite mais de um

Page 88: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

86

elemento inserido numa mesma posição. ‘Cantaremos’ tem ‘re’ como marca de tempo

futuro (do presente - modo indicativo) e não aceitaria ‘ria’ marca de futuro do pretérito *

cantareríamos, pois a posição do elemento de tempo, modo e aspecto já está preenchida.

Esse fato não acontece com o sufixo de grau; logo, podemos encontrar palavras com dois

elementos da categoria aumentativo, como em “beijãozão”, forma encontrada em um

poema de Drummond e atualmente muito utilizada informalmente. Na verdade, como

mostrado tanto em Piza (2001) quanto em Gonçalves (2007), os afixos de grau não são nem

excludentes (‘caminhãozinho’, ‘camisinhão’) nem não-recursivos (‘vidinhazinha’,

‘cedãozão’, arranhãozão), o que nos leva a interpretá-los como derivacionais por esse

critério.

5.2.12 Função Indexical

A máxima que sustenta esse critério é a seguinte: “Apenas afixo derivacionais

podem servir como meio de sinalização do falante do ponto de vista social, geográfico e

etário”. (p.64).

Gonçalves (2003) conceitua função indexical como a capacidade de um formativo

veicular informações relevantes acerca de estilos vocais específicos. Afirma ainda que

“determinadas estratégias podem funcionar como uma espécie de “sistema de sinalização”,

revelando o perfil sociolinguístico do usuário” (p.64). Segundo o autor, homens tendem a

optar por estratégias sintáticas de intensificação (‘muito forte’, ‘forte pacas’, ‘super forte’),

evitando assim o uso de –íssimo, -ésimo e –érrimo, por acharem que esses últimos sejam

próprios da fala feminina e do falar gay. Esse rechaço ao uso evitaria o comprometimento

dos homens com os universos feminino e gay. Formas reduzidas, como ‘sapa’ (sapatão) e

Page 89: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

87

‘cerva’ (cerveja), parecem estar vinculadas às faixas etárias mais jovens (Gonçalves, 2011;

Alves, 2002). Porém, a função indexical, segundo o autor, apresenta problemas porque

existem muitos afixos derivacionais que não se enquadram nessa função. Talvez seja esse

o caso do -ão deverbal, aparentemente sem qualquer indiciação com um grupo específico

de falantes. Em relação ao –ão denominal, não estamos certos se seriam mais típicos da fala

masculina, como salientam autores como Santero (2011). Valeria, nesse caso, um estudo

sociolinguístico sobre as formações para verificar as tendências de uso em relação ao

gênero. O que se observa no uso diário é que o sufixo aumentativo é tão utilizado por

homens quanto por mulheres.

Terminamos esta subseção com as palavras de Bybee (1985:82): “Nenhum dos

critérios, exceto talvez o da ‘obrigatoriedade’, efetivamente comprova uma discreta divisão

entre os processos derivacional e flexional”.

5.3 O sufixo aumentativo -ão no continuum

Vejamos a aplicação da proposta de Bybee (1985) para o português no trabalho de

Piza (2001); colocaremos em evidência o grau e, principalmente, o aumentativo. No final

de seu trabalho, Piza propõe a seguinte escala para os formativos -s (plural), -a (feminino) e

–inho/-ão (grau):

Flexão...................................................................................................Derivação

I---I-----------------------I------------------------------I -------------------------I

Número Gênero Grau

Page 90: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

88

Observemos os critérios analisados por ela para que o grau ocupasse esse ponto na

escala. Vale lembrar que a análise de Piza (op. cit.) engloba o diminutivo.

Critérios/ Grau Flexão Derivação

Obrigatoriedade _ +

Meios de materialização _ +

Produtividade + _

Lexicalização _ +

Mudança de classe + _

Estabilidade semântica _ +

Função indexical _ +

Excludência _ +

Cabeça lexical + _

Agora, vejamos a análise feita ao longo deste capítulo, utilizando somente o

aumentativo:

Page 91: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

89

Critérios/ Grau aumentativo Flexão Derivação

Obrigatoriedade _ +

Meios de materialização _ +

Produtividade _ +

Lexicalização _ +

Mudança de classe _ +

Estabilidade semântica _ +

Função indexical _ +

Excludência _ +

Cabeça lexical _ +

Vale ressaltar que a tabela acima engloba o afixo deverbal. Se analisarmos o -ão

denominal separadamente, encontraremos diferença no que diz respeito aos critérios

“cabeça lexical” e “mudança de classe”, pois a grande maioria dos dados com -ão

denominal, em relação a esses dois critérios, comprova sua semelhança com o processo

flexional.

Comparemos também a escala separando grau aumentativo. A seguir, mostramos a

escala onde estão discriminados os pontos referentes ao -ão denominal e ao -ão deverbal.

Page 92: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

90

Flexão................................................................................................Derivação

I---I--------------I-------------------------------------I ----------------I------------I

Número Gênero Grau Dim. Aum(n). Aum(v)

A escala confirma a hipótese de que haveria mudança de ponto no continuum, se

analisados separadamente o aumentativo e o diminutivo. No que diz respeito aos sufixos

homônimos aqui analisados também há diferença de ponto no continuum, uma vez que o

deverbal comporta-se praticamente como um protótipo da derivação, sendo analisado como

representante dessa operação morfológica em todos os critérios empíricos analisados ao

longo deste capítulo.

Page 93: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

91

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se propôs apresentar, entre outras coisas, o tratamento dado ao grau

nas Gramáticas Tradicionais (GT) e na literatura de cunho morfológico. Observamos que as

GTs deixam muito a desejar no que se refere ao tratamento dado ao grau. Não chegam,

sequer, a citar suas diferentes acepções. Outros estudos incluem em suas descrições sobre o

grau algumas de suas acepções, porém, autores consagrados como Basílio, Said Ali e outros

nada informam a respeito de sua natureza homonímica e polissêmica. Principalmente no

que se refere ao aumentativo com o sufixo –ão, comprovamos que há muita controvérsia a

respeito desse afixo. Villalva (2003) chega a considerá-lo derivacional e avaliativo a

depender da base a qual se agrega. A maioria dos autores estudados o inclui no processo

derivacional (Mattoso Camara Jr, 1970; Basílio, 1986-2006; Rosa, 1982; Bechara, 2002).

Há autores que o consideram derivacional, mas admitem que possui característica flexional,

como Gonçalves (2005; 2007; 2011), Piza (2001) e Sandmann (1997).

A pesquisa chegou à conclusão de que o grau aumentativo é derivacional,

principalmente no que se refere ao -ão deverbal (‘babão’, ‘esfregão’, ‘arranhão’). O -ão

denominal, apesar de apresentar, em sua grande maioria, características derivacionais,

possui também características flexionais: comporta-se como afixo da flexão em pelo menos

dois dos doze critérios analisados – “mudança de classe” e “posição da cabeça lexical”.

Esse fato confirma a hipótese inicial de que se o afixo de grau aumentativo fosse analisado

separadamente do de grau diminutivo haveria mudança de ponto na escala do continuum

proposto por Piza (2001) e Gonçalves (2007).

No capítulo 3, através do percurso histórico, pudemos observar, com o auxílio da

datação apontada no dicionário eletrônico Houaiss, que as formações agentivas são bem

Page 94: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

92

antigas, algumas possuem registro anterior às formações nominais. Essa parte da pesquisa

exigiu muita atenção, já que o dicionário que inclui a datação no verbete não discrimina a

data de outras acepções surgidas posteriormente, o que pode provocar uma errada

compreensão de alguns dados. A palavra ‘cabeção’, por exemplo, tem como época de

aparecimento na língua o século XIII. Porém o significado ‘cabeça grande’ não está se

referindo à cabeça como parte do corpo, mas à parte de uma vestimenta. Essa questão se

torna clara, pois sabemos que o aumentativo de ‘cabeça’, parte do corpo, é ‘cabeçorra’. Há,

muitas vezes a necessidade de se fazer cruzamento dos dados para não chegarmos a uma

análise equivocada. Inclusive há dados, em Santos (2009), como ‘bretão’, indicando

pertença, considerado por ela como originado de –onem. O dicionário latino, no entanto,

traz ‘Britanni, -orum’, “britanos”, “os habitantes da Britânia ou Grã-Bretanha” ou, ainda,

‘britannus’, -a –um, como “britano”, “da Bretanha”. Ou seja, hoje, podemos ter ‘bretão’,

significando pertença, porém, como estamos falando de origem, não podemos afirmar que o

mesmo tem origem em –onem.

Muito pertinente também foi observar a controvérsia que há a respeito da natureza

homonímica e polissêmica do formativo. De acordo com a nossa pesquisa, o afixo deverbal

apresenta um caráter homonímico em relação ao afixo aumentativo dimensivo e intensivo,

ao contrário do que propõem Gonçalves et alli (2010) e parecido, em parte, com o que

propõe Rio-Torto (1998). Essa posição assumida pela pesquisa direcionou o estudo das

acepções dos afixos no capítulo 4. Vale a pena sublinhar que Rio-Torto torna sua descrição

sobre o sufixo confusa, uma vez que admite que o afixo –ão aumentativo atualiza uma

operação semântica de intensificação ou de aumento de alguma coisa ou de propriedades

designadas pela base, mas a intensidade que o afixo veicula nas formações deverbais não

contribui para que a autora o inclua no grupo dos sufixos aumentativos.

Page 95: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

93

No capítulo 4, focamos numa das principais propostas da pesquisa: fazer uma análise

do afixo embasada no arcabouço teórico da Linguística Cognitiva, de acordo com autores

como Lakoff (1997), Fauconnier (1994, 1998), Fillmore (1982[1977a]), Cuenca & Hilferty

(1999) e outros. Nessa parte do trabalho, fizemos um estudo de sua natureza polissêmica,

comprovada através de dados, mostrando todas as suas diferentes acepções. Com base em

Ruiz de Mendoza (1998, 2000) e Lakoff (1995[1980]), analisamos o MCI de tamanho,

adaptando-o ao grau aumentativo na Língua Portuguesa. A partir dessa análise, sugerimos

duas redes polissêmicas para o afixo, contrastando-as com a rede proposta por Gonçalves et

alli (2010).

No capítulo 5, o sufixo foi analisado com base nos critérios descritos em Gonçalves

(2005; 2011) e com base na proposta de Bybee (1985) a respeito das diferenças entre as

duas operações morfológicas: derivação e flexão. Após a análise, e com base na escala feita

por Piza (2001) para os afixos de gênero, número e grau em português, pudemos comprovar

que, se analisado separadamente, o grau aumentativo tem um comportamento diferente do

grau diminutivo e, portanto, posiciona-se em diferente ponto no continuum.

Também foi observada, nessa escala, a diferença de ponto no continuum do afixo

aumentativo deverbal em relação ao denominal, o que comprova que aquele, de acordo com

os critérios, insere-se na morfologia derivacional e seu ponto na escala fica totalmente à

direita do polo prototípico.

Em nossa pesquisa, comprovamos a assertiva de Sweetser & Fauconnier (1996: 1),

de “que os dados linguísticos quando adequadamente compreendidos podem servir para

revelar aspectos da representação mental em seu nível mais alto”.

Diante do exposto, esperamos que a pesquisa contribua com os estudos da

Linguística Cognitiva em relação à Língua Portuguesa e, principalmente, com o avanço dos

Page 96: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

94

estudos morfológicos nessa perspectiva teórica. Há, na verdade, mais a pesquisar a respeito

do grau aumentativo, inclusive sobre o afixo -ão, que embora seja o mais representativo em

termos de prototipicidade, não é o único da categoria. Existem outros sufixos, não tão

produtivos, mas que mereceriam uma análise aprofundada e comparativa com o afixo

estudado.

Page 97: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

95

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASÍLIO, M. (1980). Estruturas Lexicais do português. Petrópolis: Vozes. _____. (1987). Teoria Lexical. São Paulo: Ática. _____. (2006). Formação e classe de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto. _____.(2007). O papel da metonímia em processos de formação de palavra: Um estudo dos

verbos denominais em português. In Revista da ABRALIN, V. 6, n. 2, p.9-21. Jul/dez. BECHARA, Evanildo. (2001) Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna. BORBA, F. et alli. (1991). Dicionário gramatical do verbo. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista. BYBEE, Joan (1985). Morphology. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company. COUTINHO, I. L. (1970). Pontos de gramática histórica. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica. CUENCA, M. & HILFERTY, J. (1999) Introducción a la lingüística cognitiva. Barcelona: Ariel. CUNHA, Celso & LINDLEY, Cintra. (1985) Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. FARIA, Ernesto (1964[1994]). Dicionário escolar latino português. 6.ed. Rio de Janeiro: FAE. FAUCONIER, G. (1994). Mental Spaces: aspects of meaning construction in natural

language. Cambridge: Cambridge University Press. _____. (1997). Mappings in thought and language. Cambridge: Cambridge University Press. FAUCONNIER, G. & TUNER, M. (1998). Conceptual Integration Networks. Cognitive Science, 22.2, 133-187. FERRARI, Lilian V. A linguística cognitiva e o realismo corporificado: Implicações

filosófica e epistemológica. In Veredas, revista de estudos lingüísticos. Juiz de Fora, v 5. n 2. p 23-29.

Page 98: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

96

FILLMORE, C. J. (1982). Frame semantics. In Linguistcs in the morning Calm, ed. by the Linguistc Society of Korea Social: Hanshin 111-137.

FROTA, Ana Paula. (1985). A expressão do pejorativo em construções morfológicas. Dissertação de Mestrado, PUC Rio de Janeiro.

GONÇALVES, C. A. V. (2005). Flexão e derivação em português. 1.ed. Rio de Janeiro: Setor de Publicações da Faculdade de Letras da UFRJ.

_____. (2007). Flexão e derivação: o grau. In: VIEIRA, S. R. & BRANDÃO, S. F. (orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, p. 145-180. _____ & et alli (2010): Para uma estrutura radial das construções X-ão do português do Brasil. In Linguística cognitiva em foco: morfologia e semântica do português. Rio de Janeiro: Publit, p. 141- 156. _____. (2011). Iniciação aos estudos morfológicos: Flexão e derivação. São Paulo: Contexto. HOUAISS, A. (2001). Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Objetiva. LAKOFF, G. (1987). Women, Fire and Dangerous Things: What Categories Reveal about

Mind. Chicago: University of Chicago Press.

_____. & JOHNSON, M. (1995). Metáfora de la vida cotidiana. Madrid: Cátedra.

_____. (1996). “Sorry Im’not myself today: the metaphor system for conceptualizing the self”. Spaces, worlds and grammar. Eds. G. Fauconnier y E. Sweetser. Chicago University of Chicago Press 91-123.

_____. (1980). Metaphors we live by. Chicago: Chicago University. Press.

LANGACKER, R. W. “active zones”, Berkeley Linguistc Society 10, 171-188. In CUENCA, M. & HILFERTY, J. (1999) Introducción a la lingüística cognitiva. Barcelona: Ariel.

_____. (1997). The contextual basic of congnitive semantics. In CUENCA, M. & HILFERTY, J. (1999) Introducción a la lingüística cognitiva. Barcelona: Ariel. _____. (1998a). “A view of linguistic semantics”. In B. Rudzca-Ostyn (ed.), 49-90.

Page 99: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

97

_____. Foundations of cognitive grammmar. In CUENCA, M. & HILFERTY, J. (1999) Introducción a la lingüística cognitiva. Barcelona: Ariel.

LEITÃO de ALMEIDA (1999). Processo de mesclagem em anguladores no português do

Brasil. In Revis Veredas. V. 3. n. 1. p. 129-142.

LIMA, G.A.B. (2007). Categorização como um processo cognitivo. In Ciência & Cognição. Ano 04, v. 11, 156-167.

MACHADO, José (1972). Dicionário etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Confluência.

MACHADO, Raúl. (1941). Questões de gramática latina: Morfologia geral e elementos de

Morfologia histórica. Lisboa: Livraria Clássica A. M. Teixeira & C.ª (Filhos).

MARCUSCHI, Luis Antônio. (2005). A construção do mobiliário do mundo e da mente:

linguagem, cultura e cognição. Juiz de Fora: UFJF.

_____. Do código para a cognição: O processo referencial como atividade criativa. In Veredas, revista de estudos lingüísticos. Juiz de Fora, v 6. n 1 43-62. MATTOSO CAMARA Jr, Joaquim. (1970) Estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: vozes. _____. (1974). Princípios de linguística geral. Rio de Janeiro: Vozes. _____. (1979). História e estrutura da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Padrão. MATEUS, M. H. M. et al. (2003). Gramática da língua portuguesa. 5.ed. ver. aum. Coimbra: Almedina. MIRANDA, Neusa S. (1999). Domínios conceptuais e projeções entre domínios: Uma

introdução ao Modelo dos Espaços Mentais. In Veredas, v 3, n 1 – Jan/Jun p.81-95. NETO, Serafim da Silva. (1970). História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de Portugal.

NUNES, J. J. (1956). Compêndio de gramática histórica portuguesa. Lisboa: Livraria Clássica A. M. Teixeira & Cª (Filhos).

PHARIES, David. (2002). Diccionario etimológico de los sufijos españoles. Madrid: Gredos.

Page 100: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

98

PIZA, M. T. (2001). Gênero, número e grau no continuum Flexão/Derivação em

português. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro.

RIO-TORTO, Graça M. de O. e S. (1993). Formação de palavras em português: aspectos

da construção de avaliativos. Dissertação de doutoramento. Coimbra: Universidade de Coimbra.

_____. (1998). Morfologia derivacional: Teoria e aplicação ao português. Porto: Porto editora.

ROCHA LIMA, Luiz (1975). Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio.

ROSA. Maria Carlota Amaral Paixão. Formação de nomes aumentativos: um estudo da

produtividade de alguns sufixos portugueses. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982.

RUIZ DE MENDOZA IBÁÑES, F. J. (2000). El modelo cognitivo idealizado de tamaño y

la formación de aumentativo y diminutivo em español. Universidade de La Rioja. Volumen monográfico. P.355-373.

_____. (2001). Linguística Cognitiva: Semântica, pragmática y construcciones. Universidade de La Rioja. Clac 8.

ROCHA, Ruth & PIRES, H. da S. (2005). Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Scipione. SANDMANN, Antônio José (1991). Morfologia Geral. São Paulo: Contexto.

SAID ALI, Manoel de (1971). Gramática histórica da Língua Portuguesa. São Paulo: Edições Melhoramentos.

SALA, Marius. (2002). Del latin al rumeno. Paris: Univers enciclopedic Bucarest.

SANTEIRO. Camilla Guimarães. O uso do diminutivo em uma interação face a face:

análise comparativa em corpora orais das variantes madrilena e carioca. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011

SANTOS, A. P. (2009). Para além do significado de aumentativo do sufixo aumentativo. IN Anais do XIII CNLF, Rio de Janeiro: CiFEFiL, p.2494-2510.

Page 101: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

99

SILVA, Augusto. O mundo dos sentidos em português: Polissemia, Semântica e Cognição. Coimbra: Almedina, 2006.

TEYSSIER, Paul. (2007). História da Língua portuguesa. 3ed. São Paulo: Martins Fontes.

VÄÄNÄNEN, Veiko. (1968). Introducción al latin vulgar. Madrid: Gredos. Biblioteca Universitária.

VASCONCELOS, J. L. de (1959). Lições de filologia portuguesa. 3ed. Rio de Janeiro: Livros de Portugal.

VILLALVA, Alina. (2000). Estruturas morfológicas: unidades e hierarquias nas palavras do português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

WILLIAMS, E. B. (1973). Do latim ao Português: Fonologia e morfologia históricas da

língua portuguesa. 2ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

Page 102: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

100

ANEXO A - DADOS PARA ANÁLISE

Distribuições dos dados pela natureza da base.

Sem mudança de classe.

Base

substantiva

Produto substantivo Datação Significado(s) Aum. (Houaiss)

anel anelão - 1. Anel grande, 2. anel grosso...

barraca(s.f.) barracão (s.m.) - 1871 1. barraca de grandes dimensões

batom batonzão - -

blusa (s.f.) blusão (s.m.) séc. XX 1.camisa grande...

bola Bola, bolona - 1. bola grande...

boca

Boqueirão/bocarra /

*bocão

1508/1776

-

1. boca muito grande ou muito

aberta.

braço bração - -

cabeça cabeção s. XIII 1. cabeça grande..., espécie de gola

de vestimenta...

caixa caixão / caixona - séc. XVI 1. caixa grande...

caju cajuzão - -

caldeira caldeirão 1364 1. caldeira grande...

cara carão 1569 1. casa grande, 2. cara feia

casaco casacão - 1. casaco grande

casa casarão - casa grande...casa rica...

caveira *caveirão - -

cebola cebolão 1258 1. cebolão, 2. antigo relógiode

algibeira grande e redondo

dinheiro dinheirão - moeda de tamanho grande, alta

quantidade, 3.valor excessivo

mundo mundão - mundo grande...

drama dramalhão 1880 1. Drama que se alonga as custas

de um excesso de lances trágicos...

Page 103: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

101

festa festão - 1. grande festa, festança...

filho filhão - -

filme filmão - -

janela (s.f.) Janelão (s.m.) - -

lixo lixão 1980 1. sítio onde o lixo de uma

cidade...é depositado

mãe mãezona - -

monte

montão XVI 1. Grande monte, 2. grande

quantidade de coisas ou pessoas

nariz narigão 1716 1. que tem nariz grande..., 2. nariz

grande

ônibus (bus) busão - -

pai paizão - -

parede paredão 1660 Parede grande, muro muito

elevado

peixe peixão 1899 1. peixe grande, 2. mulher bonita

porta portão 1783 1. porta grande...3 entrada de

estádios

sopa(s.f.) sopão (s.m.)

trabalho trabalhão 1881 1. grande trabalho ou grande

fadiga

trapo trapalhão 1721 1. trapo grande, 2. roupa muito

gasta...

voz (s.f.) vozeirão (s.m.) 1821-

1875

1. voz muito grave e forte

Base adjetiva Produto adjetivo Datação significado

Alto altão - -

Azul azulão - 1. tom forte de azul...

Page 104: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

102

Bom (bon-) Bonachão * bonzão 1712

esperto Espertalhão/

*espertão

- 1....que ou quem trai a

confiança de outrem...

feliz felizão 1899 Que ou quem é muito feliz

fraco Fracalhão/ *fracão 1646 1. que ou aquele que é muito

fraco

fresco frescão - 1. que ou que é muito fresco, 2.

ônibus luxuoso dotado de ar

condicionado

gostoso gostosão - 1. que ou aquele que é bonito,

atraente...

inteligente inteligentão - -

lento lentão - -

pobre pobretão 1817-

1819

1. indivíduo muito pobre...

porco Porcalhão/ *porcão 1881 1. que ou o que é muito sujo...

ruim * ruinzão - -

sábio sabichão 1589 1. que ou aquele que é muito

sábio ou julga saber muito...

valente valentão 1707 1. que ou quem é muito

valente, corajoso...

Base participial

(adjetivo)

Produto adjetivo Datação Significado

folgado * folgadão - -

sabido sabidão - -

tapado tapadão - -

Page 105: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

103

Base advérbio Produto advérbio Datação Significado

cedo cedão - -

mal malzão - -

rápido rapidão - -

tarde tardão - -

Base (subst. prop.) Produto (subst. próprio) Datação significado

Alexandre *Xandão - -

Carlos Carlão - -

José Zezão - -

Marcos Marcão - -

Maurício Maurição - -

Milton Miltão - -

Pedro Pedrão - -

Sandro Sandrão - -

Valter Valtão - -

• Obs. Alguns substantivos terminam com arquifonema e perdem-no quando se

acrescenta o afixo aumentativo –ão. O produto fica sem a consoante de coda.

Base (subst. Próprio)- sobrenome Produto (subst. Locativo Dat. Signif.

Arruda Arrudão - -

Castelo Castelão - -

Engenho de Dentro Engenhão - -

Ipatinga Ipatingão - -

Base (subst. próp. ) Time de futebol Produto (subst. Prop.) Dat. Sig.

Botafogo Fogão

Flamengo Mengão

Fluminense Flusão

Page 106: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

104

Palmeiras Verdão

São Caetano Azulão

Alguns foram criados por um processo metonímico: Verde é a cor predominante do

time do Palmeiras, por isso, Verdão. Forma carinhosa ou afetuosa de se referir ao time.

Formação com mudança de classe.

Base Adjetiva Produto substantivo Datação Sig.

alegre alegrão - Alegria intensa, profunda.

Base (adj. pátrio) Produto subst. Próprio Datação Sig.

mineiro Mineirão - -

carioca Cariocão - -

Base Verbal Produto (adj s. m.) Datação Significado

babar babão 1720 Que ou aquele que faz tolices...2. que

ou aquele que baba muito...

beber beberrão XV Que ou aquele que bebe muito...

brigar brigão XVI Que ou aquele que tende a se

envolver em brigas...

brincar brincalhão 1871 Que ou aquele que gosta de brincar...

2. que é dado a brincar...

cagar chorão a1836 Que ou que defeca muito...

chorar chorão 1562 Que ou aquele que chora muito...

comer comilão 1603 Que o que come muito, gluão...

filar filão *1860 3. fig. fonte generosa...

fugir fujão 1562 Que ou que está constantemente

fugindo

Page 107: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

105

Glutto -onis glutão XIV Que ou aquele que come em

excesso...

gritar Gritalhão - *gritão - Que ou que grita em excesso...

mandar mandão 1836 Que ou aquele dado a mandar...

Papar papão 1789 3. mesmo que comilão...

Reclamar reclamão -

Resmungar resmungão 1881 Que ou aquele vive resmungando...

Responder respondão 1720 Que ou aquele que tem o hábito de

responder a tudo...

Turrar turrão 1789 Que ou quem é teimoso...

Base verbal Produto substantivo Datação Sig.

arranhar arranhão 1881 Pequena escoriação ou ferimento...

encontrar encontrão 1679 Choque entre pessoas ou animais que

se encontram...

esfregar esfregão 1562 Objeto usado para esfregar...

escorregar escorregão s/ data Mesmo que escorregadela...: ato de

escorregar.

estirar estirão 1562 Ato de estirar puxando... 2. caminhada

extensa...

puxar puxão 1844 Ato ou efeito de puxar com força e/ou

bruscamente

Raspar raspão 1881 Ferimento superficial...2. ato de dar

uma pancada em alguém de lado

safar safanão 1874 Puxão com que se safa ou se arranca

alguma coisa

Page 108: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

106

Lexicalização

Base subst. Produto subst. datação Metáfora Metonímia

Barraco barracão X

Calçada calçadão X

caixa caixão X

carta cartão X

Empada empadão X

faca facão X

Porta portão X

sala salão X

Cebola cebolão X

orelha orelhão X

sapato sapatão X

tijolo tijolão X

Base (adj.) Produto subst. Datação Metáfora Metonímia

fresco frescão - X

quente quentão Séc. XX X

Page 109: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

107

ANEXO B - (QUESTIONÁRIO 1)

Nome: ___________________________________ Turma ______ Ensino médio:

Idade: ___________

1- Que palavra você costumar usar para exprimir muito cansaço?

A) Estou

( ) muito cansado B( ) cansadão c) ( ) outros _____________________

2- Para dizer que algo foi extremamente difícil, uma prova, por exemplo.

A) A prova estava _______________________

( ) muito difícil b ( ) difiçona ( ) outros _____________________

3 Para dizer que a pessoa que você paquera é realmente bonita

Este garoto / garota é

A( ) bonitão/bonitona b ( ) bonitíssimo/bonitíssima c) ( ) _________

4) Para dizer que um baile é bom

A( ) irado b ( ) show c) mega baile d) ( ) outros _______

5) Para se referir a uma pessoa que custa a entender algo que para você é claro:

Você chama a pessoa de :

a) ( ) cabeçuda b) ( ) cabeçona c) ( ) cabeção d) ( ) outros ______

6) Para se referir a um acontecimento extremamente “chato”

O que aconteceu foi ...

a) ( ) chatão b) ( ) chatíssimo c) chatérrimo D) outros ____

7) Quando chama alguém de cabeção é por que a pessoa...

a) ( ) custa a entender algo b) ( ) tem de fato a cabeça maior do que o normal.

C ( ) é inteligente.

Page 110: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

108

8) Um trabalho difícil é um trabalho:

a) ( ) difição b) ( ) dificílimo c) superdifícil d) ( ) outros___

9) Para se referir à mão muito grande:

a) ( ) mãozorra b) mãozão c) ( ) mãozona d) ( ) outros ____

2- Coloque (1) para palavra que você usa com menos freqüência, (2) com freqüência

regular e (3) para a que você usa mais, com uma freqüência maior.

A) Quando você está muito cansado:

( ) cansadíssimo(a) ( ) cansadão/cansadona ( ) cansadérrimo(a)

b) O filme foi legal

( ) lagalíssimo ( ) legalzão ( ) legalzérrimo

c) Quando um colega tem mania de pedir muito

( ) pidão ( ) pedinte ( ) outro ___________________

d) Se um colega chega extremamente atrasado à aula, ele está

( ) muito atrasado ( ) atrasadíssimo ( ) atrasadão

Page 111: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

109

ANEXO C- (QUESTIONÁRIO 2)

Aluno(a)_________________ idade -________________ turma ______________

Marque as palavras que fazem parte de seu vocabulário com freqüência:

Seção I

( ) charmosíssimo ( ) charmosérrimo ( ) charmosão ( ) supercharmoso

( ) grandíssimo ( )grandão ( )grandinho ( )pidão

( )babão ( )cansadão ( ) rapidão ( ) difição

( ) dificílimo ( ) dificérrimo ( ) sabidíssimo ( )sabidão

Seção 2

( )homenzarrão ( ) homão ( )showzão ( )showzaço

( ) showzinho ( )bocarra ( ) bocão ( )bocudo

( )banhão ( )banhinho ( )banhaço ( )golzinho

( ) golzão ( )golão ( )golaço

Seção 3

2 Marque um X nas palavras* que você mais usa.

( ) muito chique ( ) chiquérrimo ( ) chicão

( ) muito sabido ( ) sabidíssimo ( ) sabidão

( ) muito inteligente ( ) inteligentíssimo ( ) inteligentão

( ) muito bonito ( ) bonitíssimo ( )bonitão

( ) muito gostoso ( ) gostosíssimo ( ) gostosão

( ) muito difícil ( ) dificílimo ( ) difição

( ) muito legal ( ) legalzíssimo ( ) legalzão

( ) muito bom ( ) boníssimo ( ) bonzão

( ) muito rápido ( ) rapidíssimo ( ) rapidão

3_ Complete a frase marcando um X na opção que corresponda a que você usa.

A) Comprei uma caneta... (muito cara) ( bem cara) (carona) (caríssima)

Page 112: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM O SUFIXO

110

b) A minha roupa é ...( muito linda) (lindíssima ) ( lindona )

c) Tomei um (grande banho) ... ( um banhaço) ( um banhão)

d) Aquele goleiro agarra muito bem. Ele é um ... ( goleirão) ( goleiraço)

e) Obina fez um gol estupendo. Ele fez um... ( golão ) (golaço) ( golzão)

Seção 4

4-Marque as palavras que você costuma fazer uso para indicar um grau maior que o normal

ou para intensificar. Pode marcar mais de uma se quiser.

Ex. Ele contou um fato (engraçadão / muito engraçado. / engraçadíssimo)

a) Aninha teve um filho, ele é um garotão (muito bonito / bonitão / bonitíssimo)

b) Esse cara é (maluquíssimo / muito maluco / malucão)

c) Você é (saradão / saradíssimo / muito sarado)

d) A professora passou um trabalho (muito difícil / dificílimo / difição)

e) Espere vou tomar um banho (rapidão / rapidíssimo / muito rápido)

f) Esse computador é (muito lento / lentíssimo / lentão)

g) O cinema que eu fui estava (muito cheio / cheíssimo / cheião)