o relógio da avó-geraldine...

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o tempo apertou a fivela. Para medir os séculos, pois bem, temos os eclipses da lua, do sol e a corrida dos cometas. No universo, tudo gira como os ponteiros de um relógio. E, depois, temos as estrelas… Quando pronunciou estas palavras, a Avó fechou os olhos por um largo momento. Não era um simples fechar de olhos. — O que as estrelas dizem é que o Tempo é tão vasto, que nenhum relógio pode contê-lo, nem mesmo o relógio grande da entrada… — No entanto precisas dele, do relógio grande – disse eu à Avó. A Avó deu um grande suspiro. — Porque dizes isso? – perguntou ela. — Claro… se não o tivesses, onde é que guardavas o guarda-chuva? E a bengala do Avô? E o retrato do rei com o monóculo? Geraldine McCaughrean; Stephen Lambert L’horloge de Grand-mère Namur, Mijade, 2003 O relógio da avó Em casa da minha avó, à entrada, há um grande relógio mas não trabalha. Os ponteiros nunca se mexem. Uma vez, abri a porta do relógio para ver o que estava mal, mas não havia nada lá dentro, só um guarda- -chuva, uma bengala e o retrato de um rei com um monóculo. — É preciso compor o relógio – disse eu. — Porquê? – perguntou o Avô. — Dá horas certas duas vezes por dia. — Porquê? – perguntou a Avó. — Já tenho tantos relógios para darem horas. Só há um relógio na casa da Avó, isso sabia eu bem. — Onde é que eles estão? – perguntei eu.

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Eu s

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noss

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ntam

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min

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ia p

refe

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Num

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gão.

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nto

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