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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE LETRAS RAIMUNDO FRANCISCO GOMES O SE INDETERMINADOR DO SUJEITO, APASSIVADOR E REFLEXIVO: UMA LEITURA MORFOSSINTÁTICO-SEMÂNTICA Porto Alegre 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE LETRAS

RAIMUNDO FRANCISCO GOMES

O SE INDETERMINADOR DO SUJEITO, APASSIVADOR E REFLEXIVO: UMA LEITURA

MORFOSSINTÁTICO-SEMÂNTICA

Porto Alegre

2007

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RAIMUNDO FRANCISCO GOMES

O SE INDETERMINADOR DO SUJEITO, APASSIVADOR E REFLEXIVO: UMA LEITURA

MORFOSSINTÁTICO-SEMÂNTICA

Tese para Qualificação, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras

Orientadora: Profª Drª Ana Maria Tramunt Ibaños

Porto Alegre

2007

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RAIMUNDO FRANCISCO GOMES

O SE INDETERMINADOR DO SUJEITO, APASSIVADOR E REFLEXIVO: UMA LEITURA

MORFOSSINTÁTICO-SEMÂNTICA

Tese de Doutorado em Letras Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Área de concentração: Lingüística Aplicada

Data da aprovação: 05/12/2007

Banca Examinadora

____________________________________________ Profª Drª Ana Maria Tramunt Ibaños (PUCRS)

Orientadora

____________________________________________ Prof. Dr. Carlos Mioto (UFSC)

____________________________________________ Prof. Dr. Sérgio de Moura Menuzzi (UFRGS)

____________________________________________ Profª Drª Jane Rita Caetano da Silveira (PUCRS)

____________________________________________ Prof. Dr. Jorge Campos da Costa (PUCRS)

Porto Alegre

2007

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DEDICO ...

Aos meus pais Francisco (in memoriam) e Leonarda (in memoriam) – com profunda saudade, pela eterna ausência – que ficariam muito orgulhosos do filho;

À minha esposa muito amada, Socorro, por ter compreendido os meus projetos e, sozinha, conduzido os nossos filhos;

Aos meus queridos filhos, Marília Leonarda e Simão Pedro, razão de minha constante luta;

À minha queridíssima neta, Maria Eduarda, por trazer de volta a nossa família as brincadeiras de criança;

Ao meu genro, Francisco José, por amar e cuidar de minha filha e de minha neta;

Aos meus irmãos, pela gostosa convivência;

A todos aqueles que, de uma forma ou de outra, me ajudaram a mais esta conquista.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES/UESPI, que, por meio do Convênio PQI, tornaram possível o

meu doutoramento;

À PUCRS, pela qualidade do Programa de Pós-Graduação em Letras;

À Profª Drª Ana Maria Tramunt Ibaños, pela sábia orientação deste

trabalho;

Aos meus professores do Doutorado, Dr. Sérgio de Moura Menuzzi, Drª

Leci Borges Barbisan e Dr. Jorge Campos da Costa, pelas proveitosas discussões

durante as aulas;

À Banca Examinadora: Prof. Dr. Carlos Mioto, Prof. Dr. Mathias Schaff

Filho, Profª Drª Jane Rita Caetano da Silveira e Prof. Dr. Jorge Campos da Costa,

pela leitura e avaliação do meu trabalho.

Aos amigos Diógenes, Algemira e Ailma, pela amizade e apoio;

À D. Alzira, por ter “cuidado” de mim aqui em Porto Alegre;

À Maria Helena, pelo trabalho primoroso de digitação de minha tese.

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[...] que os que governam ilhas, pelo menos têm de saber gramática.

– Lá com o “gramar” entendia-me eu –, com “ticas” é que não, porque não as entendo (CERVANTES, 2003, p. 365)

Uma genuína teoria da linguagem humana tem de satisfazer duas condições: “adequação descritiva” e “adequação explicativa”. A condição de adequação descritiva vigora para a gramática de uma língua particular. A gramática satisfaz essa condição na medida em que dá uma explicação completa e exata das propriedades da língua, daquilo que o falante da língua sabe. A condição de adequação explicativa vigora para a teoria geral da linguagem, a gramática universal (CHOMSKY, 1998, p. 24).

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RESUMO

O presente trabalho é uma leitura morfossintático-semântica do SE como índice de indeterminação do sujeito, partícula apassivadora e pronome reflexivo, dentro do panorama de duas tendências gramaticais: a Gramática Tradicional (GT) e a Teoria Gerativa. Desta última, recortamos a Teoria da Regência e Ligação (TRL) que abarca as questões relativas ao Léxico, à Teoria Temática e à Teoria do Caso, que usamos para explicar as funções acima selecionadas.

Palavras-chave: indeterminação do sujeito – apassivação – reflexividade – Léxico – papel temático – Caso

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ABSTRACT

The present work is a morfo syntactic-semantics review of the Brazilian Portuguese word SE as an index of the indetermination of the subject; passive particle as well as a reflexive pronoun within two different points of view: Traditional Grammar and Generative Grammar. Within the Generative Grammar Theory, we work with the Government and Binding Theory, more specifically with the aspects concerning Lexicon, Theta Theory and Case Theory which serve as the basis for explaining SE in its different functions.

Keywords: indetermination of the subject – passive voice pronoun – reflexive pronoun – Lexicon – Thematic role and Case

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11 1 DESCRIÇÃO DO SE COMO REFLEXIVO, APASSIVADOR E

INDETERMINADOR DO SUJEITO NA GRAMÁTICA TRADICIONAL (GT) ............................................................................................................

13 1.1 VERBOS .................................................................................................. 14 1.2 VOZES VERBAIS .................................................................................... 17 1.3 DESCRIÇÃO DOS USOS DO PRONOME SE, DE ACORDO COM A

GT ............................................................................................................

23 1.3.1 Aspectos históricos da evolução do pronome SE ........................... 23 1.3.2 O SE índice de indeterminação do sujeito ........................................ 27 1.3.3 O SE como partícula apassivadora ................................................... 30 1.3.4 O SE como pronome reflexivo ........................................................... 34 1.3.5 Considerações finais sobre o uso do pronome SE na GT .............. 39

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA ABORDAGEM LINGÜÍSTICA DO SE .......................................................................................................

44

2.1 FUNDAMENTOS DOS PRINCÍPIOS E PARÂMETROS ......................... 45 2.2 LÉXICO E SUBCATEGORIZAÇÃO ......................................................... 51 2.3 TEORIA TEMÁTICA (TEORIA-θ) ............................................................ 59 2.4 MOVIMENTOS DE CONSTITUINTES (MOVER-α) ................................ 75 2.5 TEORIA DO CASO .................................................................................. 100 3 A CONSTRUÇÃO VERBO+SE (V+SE) À LUZ DA TEORIA DA

REGÊNCIA E LIGAÇÃO (TRL) .................................................................

115 3.1 DOIS OLHARES SOBRE O SUJEITO .................................................... 115 3.2 O SE COMO ÍNDICE DE INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO ................. 121 3.3 O SE COMO PARTÍCULA (PRONOME!) APASSIVADORA ................... 136 3.4 O SE COMO PRONOME REFLEXIVO ................................................... 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 174

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 178 CURRICULUM VITAE ..................................................................................... 182

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INTRODUÇÃO

A Gramática Tradicional (GT), com suas bases na tradição greco-latina,

ainda hoje, prima por encarar o ensino da língua como sendo um conjunto de

regras que vão determinar o que é “certo” ou o que é “errado” para os falantes

dessa língua quando a utilizam em situações de fala ou de escrita. Por essa

razão, muitas vezes, professores e alunos, no ambiente escolar, vêem-se em

situações embaraçosas, os primeiros, por não apresentarem de modo satisfatório

aquilo que pretendem ensinar; os últimos, por não entenderem por que os fatos

apresentados fogem a uma “lógica” que todos os falantes têm da língua que

falam. Assim sendo, o ensino de português se torna um jogo em que professores

e alunos estão em lados opostos. Aqueles, repassando as “verdades” que a

gramática escolar prega, sem nenhum aprofundamento crítico, e estes fazendo

um esforço desnecessário para entender por que essas verdades são como são.

Partindo dessa realidade, neste trabalho, procuramos fazer uma análise

sintático-semântica do SE indeterminador do sujeito, apassivador e reflexivo, à luz

da Teoria da Regência e Ligação (TRL).

O primeiro capítulo de nosso trabalho é uma revisão dessas funções do

SE de acordo com a GT. Por ‘revisão’, devemos entender um apanhado do que

as gramáticas escolares, por um período de quase 90 anos, afirmaram sobre o

SE indeterminador do sujeito, apassivador e reflexivo. Para descrevermos essas

funções que estão diretamente ligadas às vozes verbais, iremos, primeiramente,

buscar o que a GT define como verbo (o primeiro tópico deste capítulo), para, em

seguida, falarmos sobre vozes verbais (o segundo tópico), pois é neste ambiente

que se inserem as funções do SE que iremos discutir. Discutidas a definição de

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verbo e de vozes verbais, passaremos a uma descrição do SE indeterminador do

sujeito, apassivador e reflexivo (o terceiro tópico), mas, antes dessa descrição,

apresentaremos os aspectos históricos da passagem do pronome SE, do latim,

para o português. Para finalizar este primeiro capítulo, teceremos algumas

considerações que estão implícitas nas afirmações que a GT faz sobre o uso do

SE.

O segundo capítulo, que intitulamos de “Fundamentos teóricos para uma

abordagem lingüística do SE”, começa discutindo a aquisição da linguagem, por

ser o momento em que se estabelecem os princípios e os parâmetros da

linguagem humana, bem como a constituição de um léxico com a sua

subcategorização (o segundo tópico). Partindo do conhecimento do léxico e da

subcategorização lexical, apresentaremos a Teoria Temática, onde iremos discutir

a estrutura argumental do nome, do adjetivo, das preposições e do verbo (o

terceiro tópico). Dessa discussão, sentimos a necessidade de falarmos sobre os

movimentos de constituintes (o quarto tópico) porque estes movimentos mudam a

posição do constituinte oracional, resultando em uma mudança da função do

constituinte movido. Encerrando este segundo capítulo, apresentamos a Teoria do

Caso (quinto tópico) que nos dará maior evidência das funções sintáticas dos

constituintes oracionais.

O terceiro e último capítulo de nosso trabalho é uma discussão da

construção verbo + SE à luz da Teoria da Regência e Ligação (TRL), onde

comparamos o que foi dito no primeiro capítulo com os fundamentos lingüísticos

apresentados no segundo.

Esperamos, assim, contribuir para uma classificação do SE

indeterminador do sujeito, apassivador e reflexivo mais coerente e mais

significativa para professores e estudantes de português, pois as questões

sintáticas não são apenas de ordem morfológica, mas, também, semântica.

Sentenças bem-formadas são sentenças com significado.

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1 DESCRIÇÃO DO SE COMO REFLEXIVO, APASSIVADOR E INDETERMINADOR DO SUJEITO NA GRAMÁTICA TRADICIONAL (GT)

Este primeiro capítulo, aqui com algumas poucas alterações, é, também,

o primeiro de minha dissertação de mestrado1.

Com a mudança de foco dos estudos das línguas – de uma visão

puramente prescritiva para uma visão descritiva e explanatória – impõe-se a

necessidade de revisão dos conceitos que a Gramática Tradicional (GT), de

caráter puramente prescritivista, por anos, tem assumido como verdadeiros. Em

decorrência disso, neste primeiro capítulo, propomo-nos a fazer um apanhado do

que os nossos gramáticos – na perspectiva da GT – têm publicado, em um

período que cobre quase todo o século XX, sobre o SE reflexivo, apassivador e

indeterminador do sujeito.

Para falarmos do SE como reflexivo, apassivador e indeterminador do

sujeito, é interessante retomarmos uma discussão sobre verbos, em um plano

mais geral, e sobre vozes verbais. Claro, que seria estranho discutirmos vozes

verbais sem antes termos situado esta questão dentro do seu contexto maior: o

verbo, pois a diátese, de acordo com Macambira, “são as formas que o verbo

assume para indicar a sua relação com o sujeito, encarado como agente, paciente

ou apenas envolvido no processo”2.

1 GOMES, Raimundo F. Uma leitura do pronome reflexivo SE. Porto Alegre: PUCRS, 2001. Dissertação (Mestrado em Letras), Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2001. 2 MACAMBIRA, José Rebouças. Estrutura do vernáculo. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1986. p.119.

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1.1 VERBOS

Para conceituarmos verbo, em um primeiro momento, apresentamos a

visão de autores para os quais a flexão de voz está ausente, ou seja, eles não

vêem a voz verbal como um elemento da flexão morfológica do verbo. A seguir,

citamos autores que, de uma forma direta ou indireta, colocam a flexão de voz

como uma das flexões do verbo.

Ao fazermos um levantamento sobre a definição de verbos na

gramática tradicional, constatamos que há maneiras muito próprias, entre os

gramáticos, de se construir tal definição. No Novo Manual de Língua

Portugueza, uma publicação de 1916, os vários autores anônimos que a

escreveram dizem:

Verbo é uma palavra que significa ser, estar ou fazer alguma cousa: sou soldado; escreves; os pássaros cantam. Uma palavra é verbo quando se lhe pode antepôr um dos pronomes: eu, tu, elle, nós, vós, elles3.

Partindo desta definição, podemos afirmar que o texto só se refere de

modo implícito aos verbos que indicam fenômeno meteorológico. Quando definem

verbo como sendo “uma palavra que significa ser, estar ou fazer alguma cousa”,

podemos, sem dúvida alguma, dizer ‘Está frio’ ou ‘É primavera’ como exemplos

de fenômenos meteorológicos. Também ficam excluídos desta definição os

verbos impessoais por não admitirem a anteposição dos pronomes pessoais do

caso reto.

Pereira já define verbo como sendo “a palavra que exprime a acção

attribuida ao sujeito sob as relações de tempo, modo, numero e pessoa”4.

Comparando esta definição com a anterior, constatamos que os verbos que

indicam os fenômenos da natureza e os verbos impessoais não são

contemplados na definição do autor.

3 VÁRIOS AUTORES. Novo manual da língua portugueza. São Paulo: Francisco Alves, 1916. p.81. 4 PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática histórica. São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1916. p.465.

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Carreiro, ao definir verbo, diz que:

Verbo é a palavra que exprime facto, estado ou acção no passado, no presente ou no futuro.

O phenomeno que o verbo exprime póde ser um facto, como em: Cesar chegou; os astros são redondos; – ou um estado, como em: o rei dorme; ou estive doente; – ou um acto, como em: Pedro escreve a lição; os peixes nadam5.

Como podemos observar pelos exemplos apresentados, para Carreiro,

facto (os astros são redondos) e estado (o rei dorme) não são a mesma coisa que

para os gramáticos de hoje, como discutiremos em um outro momento.

Para Ribeiro, verbo “é a palavra pela qual póde uma ação, estado ou

qualidade ser attribuida a um ser”6. Novamente nos deparamos com uma

definição de verbo que exclui, como nos gramáticos já citados, os que indicam

fenômeno da natureza e os impessoais.

Cardoso, em uma obra escrita em 1875 e publicada somente em 1944,

diz que “verbo é uma fórma grammatical que expressa uma idéia debaixo da

modificação variável do tempo”7. Ele ainda nos apresenta, de acordo com a sua

concepção, o que é essencial e o que não é essencial ao verbo:

Seu caracter distinctivo e essencial há de ser uma propriedade convinhável a todos os verbos, e só a elles.

Este caracter constitutivo e distinctivo é a expressão de ser, ou de um modo de ser, debaixo da modificação variável do tempo.

A essencia do verbo não consiste em significar acção ou movimento, porque esta propriedade não convém aos verbos, como dorme, jaz, existe, e sim também aos substantivos leitura, razoamento, etc.8.

Para Cardoso, verbo é apenas uma palavra que sofre flexão de tempo, o

que com certeza empobrece significativamente as variações verbais (onde estão

as flexões de modo, aspecto, número, pessoa e voz?).

5 CARREIRO, Carlos Porto. Gramática da língua nacional – Methodo pratico. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1918. p.156. 6 RIBEIRO, João. Gramática portuguesa. 21.ed. São Paulo: Francisco Alves, 1930. p.93. 7 CARDOSO, Brício. Tratado da língua vernácula. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1944. p.137. 8 Ibid., p.138.

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Cardoso, talvez, devesse ter sido citado em primeiro lugar, mas como

preferimos seguir a data de publicação das obras, com ele encerramos um modo

próprio a vários gramáticos de definir verbo e, com Tôrres, abrimos uma nova

seqüência de teóricos que pensa de um modo mais aproximado dos gramáticos

modernos.

De acordo com Tôrres, verbo “é a palavra que exprime ação, estado, fato

ou fenômeno, flexionando-se em tempo, modo, voz, número e pessoa”9. Na linha

desse autor pensa também Kury:

Certos aspectos da natureza – os fenômenos, as ações, os estados e sua mutação, os acidentes, etc. – quando, ao contrário dos nomes, são concebidos dinamicamente, isto é, indicando o que se processa nos sêres ou por seu intermédio, designam-se por palavras a que chamamos VERBOS, caracterizados por trazerem em si uma noção temporal, seja da duração do processo ou do resultado dêle (aspecto), seja do momento da sua ocorrência (tempo)10.

Said Ali concorda com Kury quanto ao verbo indicar ação/estado e se

flexionar em modo, tempo, número e pessoa:

Verbo é a palavra que denota ação ou estado e possui terminações variáveis com que se distingue a pessoa do discurso e o respectivo número (singular ou plural), o tempo (atual, vindouro, ou passado) e o modo da ação ou estado (real, possível, etc.)11.

Seguindo os outros autores que não colocam a ‘voz’ no conceito de

‘verbo’, encontramos Minchillo e Cabral. Para eles, ‘verbo’ é a “palavra que

exprime ação, fenômeno natural, estado ou mudança de estado, situando tais

fatos no tempo”12.

Perini, mesmo sendo um autor contemporâneo, ao falar de verbo diz:

“verbo é a palavra que pertence a um lexema cujos membros se opõem quanto a

9 TÔRRES, Artur de Almeida. Moderna gramática expositiva da língua portuguesa. 18.ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1963. p.88. 10 KURY, Adriano da Gama. Pequena gramática para a explicação da nova nomenclatura gramatical. 9.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1964. p.66-67. 11 SAID ALI, M. Gramática secundária da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1969. p.68. 12 MINCHILLO, Carlos Alberto Cortez; CABRAL, Isabel Cristina Martelli. O verbo. 10. ed. São Paulo: Atual, 1988. p. 3.

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número, pessoa e tempo”13. Estranhamente, ele não coloca a voz como uma das

“oposições” da flexão verbal.

No conceito de Bechara, encontramos os elementos: ação ou processo,

voz, pessoa, número, tempo e modo, como podemos constatar na citação:

Cantaremos é uma forma verbal, porque exprime uma ação ou processo (a de cantar), exercida (referência à voz) pela 1ª pessoa (referência à pessoa) do plural (referência ao número), do presente (referência ao tempo) do indicativo (referência ao modo)14.

Neves, ao falar de predicado, diz claramente que “voz” é um dos

elementos definidores do verbo: “Só não constituem predicados os verbos que

modalizam [...], os que indicam aspecto e os que auxiliam a indicação de tempo e

de voz”15. É evidente que, com esta passagem de Neves, queremos destacar não

a predicação do verbo mas os aspectos de flexão morfológica que ela nos coloca.

Encerrando este tópico sobre o conceito de ‘verbo’, podemos deduzir que

quando a GT conceitua ‘verbo’ como sendo uma palavra que indica uma ação ou

estado e que se flexiona quanto ao tempo, modo, número e pessoa, parece-nos

que ela coloca neste conceito duas coisas: o tipo semântico dos verbos (‘ação’,

‘estado’) e a estrutura flexional dos verbos (a flexão modo-tempo e

número-pessoa). Já a ‘voz’, como veremos na seção seguinte, é discutida numa

relação entre o sujeito e a ação expressa pelo verbo, portanto, numa perspectiva

sintática. Assim, Bechara, ao conceituar verbo, lança mão dos elementos

semânticos, morfológicos e sintáticos.

1.2 VOZES VERBAIS

Para os nossos propósitos – uma descrição do SE reflexivo, apassivador

e indeterminador do sujeito – uma discussão mais aprofundada sobre vozes

13 PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 3.ed. São Paulo: Ática, 1998. p.320. 14 BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. p.221. 15 NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000. p. 25.

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verbais é imprescindível, pois é dentro desta flexão que se colocam a

reflexividade, a passividade e a atividade. Para realizar tal discussão,

procederemos, como no tópico anterior, obedecendo a um critério cronológico de

publicações, partindo das mais antigas para as mais recentes.

De acordo com Pereira:

A acção expressa pelo verbo é normalmente attribuída na phrase a um sujeito, que póde, em relação a ella, assumir trez attitudes: a de agente, a de paciente (recipiente) e a de agente e paciente ao mesmo tempo. Esta tríplice relação do sujeito para com o predicado dá origem ao que se chama em grammatica vozes do verbo, que são fundamentalmente trez:

1. voz activa: quando o sujeito é agente da ação verbal;

2. voz passiva: quando o sujeito é paciente ou recipiente da ação verbal;

3. voz reflexiva, média ou medio-passiva: quando o sujeito é agente e simultaneamente paciente da acção verbal16.

Podemos observar que, da apresentação de Pereira às dos gramáticos da

atualidade, no tocante a vozes verbais, não constatamos nenhuma diferença de

ordem conceitual. Embora ele fale de ‘voz média ou medio-passiva’ que termina

sendo, apenas, uma nomenclatura, porque do ponto de vista conceitual, como já

dissemos, não há nenhuma diferença entre ‘voz reflexiva’ e as que ele classifica

de ‘média ou medio-passiva’.

Carreiro, ao abordar esta questão, diverge um pouco de Pereira,

pois, no tópico em que fala de vozes verbais, enumera apenas a voz ativa e a

passiva:

Voz activa é a forma verbal em que o agente é o mesmo sujeito [...]. Voz passiva é a forma verbal em que o sujeito é expresso por um termo e o agente é expresso por outro

17.

Mesmo, neste ponto, não falando de voz reflexiva – o que fará em outro

momento – ele não altera o conceito que temos destas duas vozes (activa e

passiva). O autor não fala de reflexividade como uma terceira voz, porque a voz

reflexiva, para ele, é apenas uma variação da voz passiva:

16 PEREIRA, Eduardo Carlos. Op. cit., p.473-474. 17 CARREIRO, Carlos Porto. Op. cit., p.238.

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A função passivadora é exercida mais frequentemente pelo pronome se [...]. Isto se dá quando o sujeito da oração representa um ente inanimado (Vendeu-se o navio), e em geral quando a vontade do sujeito não concorre para a acção, pois que há voz passiva quando o sujeito não é o mesmo agente. Ex.: Sacrificou-se o touro (= O touro foi sacrificado). Se porém o sujeito é o agente (capaz de vontade e acção) a voz é média ou reflexa: Ex.: Napoleão I coroou-se (N. coroou a si mesmo)18.

Cardoso classifica as vozes verbais em ativa, passiva e média:

Diz-se que o verbo fala na voz activa, quando pede um complemento objectivo.

Diz-se que o verbo fala na voz passiva quando o agente se declara por um complemento indirecto e o complemento objectivo figura de sujeito.

Diz-se que o verbo fala na voz média, quando esse complemento objectivo é o indefinido, ou o reciproco se, ou qualquer variação dos pronomes pessoaes primitivos19.

De uma leitura mais aprofundada do texto de Cardoso, depreendemos

que o verbo na voz ativa pede um complemento (direto?) destinatário da ação

verbal; já, na voz passiva, o agente é um complemento indireto (regido por

preposição) e o sujeito é um complemento objetivo (destinatário da ação); e, na

voz média o sujeito sofre a ação por força do SE, quer, segundo o autor,

indefinido (“o se, indefinido, é o sui, sibi, se dos latinos”20), quer recíproco21.

Kury destaca a transitividade do verbo como um dos elementos a ser

levado em consideração nesta discussão: “Voz verbal é a forma ou flexão em que

se apresenta o verbo transitivo direto [...] para indicar a relação que há entre êle e

seu sujeito”22.

Said Ali também classifica as vozes verbais em ativa, passiva e média ou

medial (reflexiva)23. Portanto, como Pereira, ele não distingue entre voz média e

voz reflexiva. Ele também chama a atenção, como Kury, para a regência do

verbo. Só que, para Said Ali, alguns verbos intransitivos admitem a voz passiva:

18 Ibid., p.319. 19 CARDOSO, Brício. Op. cit., p.141. 20 Ibid., p.130. 21 O se é indefinido porque pode referir-se, independentemente, de gênero e número a qualquer sujeito de 3ª pessoa (Cf. Ibid., p.124-125). 22 KURY, Adriano da Gama. Op. cit., p.74. 23 SAID ALI, M. Op. cit., p.95-96.

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Alguns verbos intransitivos que têm por complemento um nome regido da preposição a podem tomar a forma passiva fazendo o dito nome às vezes de sujeito:

Os meninos obedecem ao mestre – O mestre é obedecido24.

Vale salientar que o que Said Ali classifica como “verbo intransitivo” neste

trecho é, atualmente, classificado como “verbo transitivo indireto”.

Almeida, além das vozes ativa, passiva e reflexiva, fala de uma quarta voz

– a neutra:

Em último lugar, há casos em que o sujeito não pratica nem recebe a ação expressa pelo verbo, por não indicar este ação alguma. Assim, quando dizemos: “O cozinheiro é bom” – o sujeito cozinheiro não pratica nem recebe nenhuma ação25.

A voz neutra, para Almeida, é aquela em que o verbo não expressa uma

ação. Todos os verbos de ligação têm esta marca: o sujeito de orações com

predicado nominal não pratica nem recebe a ação praticada. É de se notar que,

se limitarmos as categorias de voz aos verbos transitivos, como sugerido por Kury

e Said Ali, o problema classificatório imaginado por Almeida não se coloca.

Kury, como citamos acima, destaca a transitividade verbal direta como

condição para a flexão de voz dos verbos. Said Ali, citado há pouco, diz que

alguns verbos transitivos indiretos admitem a voz passiva. Silva e Koch

concordam com Said Ali, mas discordam de Kury:

[...] de acordo com nossas gramáticas, só admitem a forma passiva orações que contenham verbos transitivos diretos. O critério, porém, não é totalmente satisfatório: existem, em nossa língua, verbos transitivos diretos que não aceitam passiva (Ex.: (49) e (50)) e alguns verbos transitivos indiretos com os quais o uso da passiva se encontra generalizado (Ex.: (5l) e (52)).

49 (i) Maria tem cinco filhos. (ii) * Cinco filhos são tidos por Maria.

50 (i) Deus pode tudo. (ii) * Tudo é podido por Deus.

24 Ibid., p.95. A posição de Said Ali, no tocante à voz passiva de alguns verbos intransitivos, é tendência de alguns gramáticos contemporâneos (cf. SILVA, Maria Cecília P. de S.; KOCH, Ingedore G. V. Lingüística aplicada ao português: Sintaxe. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1993. p.62-63). 25 ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p.212.

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51 (i) Todos devem obedecer às leis do país. (ii) As leis do país devem ser obedecidas por todos.

52 (i) Milhares de pessoas já assistiram a este filme. (ii) Este filme já foi assistido por milhares de pessoas26.

Bechara, por sua vez, estabelece uma diferença entre voz passiva e

passividade:

Voz é a forma especial em que se apresenta o verbo para indicar que a pessoa recebe a ação:

Ele foi visitado pelos amigos.

Alugam-se bicicletas.

Passividade é o fato de a pessoa receber ação verbal. A passividade pode traduzir-se, além da voz passiva, pela ativa, se o verbo tiver sentido passivo:

Os criminosos recebem o castigo.

Portanto, nem sempre a passividade corresponde à voz passiva27.

Em suma, pelo que vimos, encontramos na discussão tradicional pelo

menos dois critérios na identificação das vozes do verbo, o morfológico e o

semântico. Pelo critério morfológico, a passiva pronominal e as vozes média e

reflexiva constituem, estruturalmente, uma só voz – todas caracterizadas pela

construção verbo + SE. Por exemplo:

(1) a – Não se viu o animal abatido.

b – O animal abatido não foi visto.

Nos exemplos “a” e “b” de (1), a GT diz que o verbo está na voz passiva,

simplesmente, devido a uma estrutura morfológica. O mesmo se dando com o

exemplo (2),

(2) João estava doente, por isso ele se operou,

onde a sentença “ele se operou”, obedecendo ao critério morfológico, deve ser

classificada como voz reflexiva (Eu me..., tu te..., ele se..., etc.).

26 SILVA, Maria Cecília P. de S.; KOCH, Ingedore G. V. Op. cit., p.62-63. 27 BECHARA, Evanildo. Op. cit., p.222.

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Pelo critério semântico, é necessária uma distinção entre as vozes média

e reflexiva: os agente e paciente não se distinguem claramente (1º caso), ou são

idênticos, isto é, a mesma pessoa (2º caso). Vejamos os exemplos:

(3) João zangou-se com a namorada (voz média)

é voz média porque “João” entra como agente, mas não a ponto de “zangar-se a

si mesmo”, pois “a namorada” tem a sua cota de participação na relação

verbo-sujeito. Poderíamos contra-argumentar dizendo que se trata de voz

“recíproca” (uma variação de voz reflexiva), mas tal contra-argumento não se

sustentaria porque “João zangou-se com a namorada” não significa que ela

também esteja zangada com ele (condição para a reciprocidade). Portanto, na

voz média o agente e o paciente, no que diz respeito ao processo verbal, não

estão bem distintos. Até que ponto, o fato de “João zangar-se” é uma ação

desencadeada e sofrida somente por “João”? Já, no exemplo,

(4) “João se matou” (voz reflexiva),

não há problema para se identificar o agente e o paciente da ação verbal, eles

são o mesmo ser no mundo. Ainda pelo critério semântico, a voz passiva é aquela

em que o paciente se torna sujeito gramatical da sentença, mas não o agente da

ação verbal. Como no exemplo,

(5) O animal foi abatido pelo caçador,

onde “o animal” é o sujeito gramatical, mas não o agente verbal, no caso, “o

caçador”.

É importante apontar para esta discussão porque ela mostra que nem

sempre é claro o que a GT entende por vozes verbais, ora lançando mão do

critério morfológico, ora do critério semântico. E, como logo veremos, o que ela

(GT) chama de passividade na realidade não o é. Da mesma forma, o que ela

chama de reflexividade, também não o é.

Feita essa discussão sobre vozes verbais, na seção seguinte

discutiremos, com mais profundidade, os usos do pronome SE na GT.

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1.3 DESCRIÇÃO DOS USOS DO PRONOME SE, DE ACORDO COM A GT

Após termos apresentado diacronicamente o conceito de verbo e de

vozes verbais, trataremos agora do pronome SE como índice de indeterminação

do sujeito, como partícula apassivadora e como partícula reflexiva. Antes,

apresentaremos de forma sucinta a principal mudança na evolução histórica

desse pronome, do latim às línguas românicas modernas – em especial, o

português. E finalizaremos esta seção com algumas considerações sobre o uso

do SE na GT.

1.3.1 Aspectos históricos da evolução do pronome SE

Um breve levantamento histórico sobre o pronome reflexivo SE – sobretudo

na 3ª pessoa, porque, nas demais, temos outros morfemas para efetuar a

reflexividade – nos coloca diante de uma constatação interessante: o SE como

partícula utilizada para outros fins que não a expressão de reflexividade é uma

construção tardia das línguas românicas. Sobre esta questão, Maurer Jr. afirma:

O português, como, em geral, as demais línguas românicas, apresenta diversas aplicações notáveis do pronome reflexivo, sobretudo na forma se da 3ª pessoa, em contraste interessante com o uso limitado que esse pronome admitia em latim28.

Ainda sobre este mesmo ponto, Napoli diz:

O uso do morfema pessoal reflexivo de terceira pessoa em construções não envolvendo um significado reflexivo pode ser reconstituído, na história da lingüística românica, no mínimo até o latim29,30.

28 MAURER JR., Theodoro Henrique. Dois problemas da língua portuguesa: o infinitivo pessoal e o pronome se. São Paulo: José Magalhães, 1951. p.79. 29 As traduções são de inteira responsabilidade do autor desta tese. 30 NAPOLI, Donna Jo. The two si’s of italian – An analysis of reflexive, inchoative and indefinitive subject sentences in modern standard italian. Indiana, USA: Linguistics Club, 1976. p.2. “The use of the third person reflexive morpheme for constructions not involving a reflexive meaning goes back in Romance linguistic history at least as far as Latin”.

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Said Ali, também, a respeito desta evolução, é categórico: “Relembremos

aqui que a princípio a forma reflexiva (ou média) coexistiu com a ativa, enquanto a

passiva não se conhecia ainda”31.

Portanto, o que é novo na evolução do latim para as línguas românicas

modernas é o uso do SE para formar a passiva pronominal; este uso não existia

em latim, em que as formas correspondentes a SE eram usadas apenas para

expressar reflexividade e “voz média” (por exemplo, “João sentou-se”).

Assim, a partir das colocações de Maurer Jr., Napoli e Said Ali, parece

que podemos deduzir que a evolução histórica do pronome SE tem sido objeto de

interesse intenso. Mas caracterizar esta evolução histórica não é a razão de ser

de nossa pesquisa. O fato que realmente nos interessa são as funções deste

pronome. Maurer Jr. nos diz:

Dessas aplicações novas do pronome reflexivo três, sobretudo, merecem ser notadas: 1) O uso do pronome reflexivo em qualquer pessoa junto de verbos intransitivos, servindo para realizar a espontaneidade ou energia do estado ou ação expressa pelo verbo. Assim: [...] ir-se, sair-se, vir-se, rir-se, morrer-se [...]. 2) O emprego do pronome reflexivo, geralmente só na 3ª pessoa, para expressão de voz passiva [...]: vendeu-se a casa, abriu-se uma loja [...]. 3) O emprego do mesmo pronome com verbos intransitivos, para formar expressões impessoais que servem para enunciar um agente pessoal indefinido [...]: aqui não se come mal, fala-se agora em novas eleições, vive-se tranqüilamente nesta aldeia32.

O processo evolutivo do pronome SE, de reflexivo a passivo e de passivo

a indeterminador do sujeito33, na visão de Monteiro, é resultado de uma reanálise

deste pronome:

O se indeterminador, sendo o último estágio evolutivo, foi diretamente derivado do se apassivador, em decorrência de um processo de reanálise sintática: o sujeito paciente vindo normalmente após o verbo transitivo, passou a ser interpretado como objeto direto e,

31 SAID ALI, M. Dificuldades da língua portuguesa. 5.ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1957. p.95. Macambira, como Said Ali, acha que o último estágio do se foi o apassivador. (MACAMBIRA, José Rebouças. A questão do SE. Revista da Academia Cearense da Língua Portuguesa, Fortaleza, v.6, n.6, p.93-97, 1985). 32 MAURER JR., Theodoro Henrique. Op. cit., p.49-50. 33 A partícula de realce, por não ter função sintática, não é analisada nem citada por Monteiro (Op. cit.).

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em virtude da lacuna deixada na função de sujeito, conferiu-se ao se um valor genérico de indeterminação34.

Sobre este mesmo ponto, Said Ali afirma:

Ações praticadas por sêres humanos não podiam ser enunciadas pela linguagem sem a indicação do agente. Quando, porém, o agente humano era desconhecido ou não convinha mencioná-lo, a linguagem servia-se dêste expediente: personalizava o objeto se era ente inanimado e fingia-o praticar a ação sôbre si mesmo35.

Após apresentar um quadro resumido desta evolução do SE nos seus

aspectos sintáticos, Monteiro reafirma a sua convicção de que o SE

indeterminador do sujeito é o uso mais coerente deste pronome com verbos

transitivos diretos, ao contrário da análise sustentada pela maioria dos gramáticos

tradicionais:

Para não deixarmos dúvidas quanto à nossa posição, aceitamos que as estruturas nas quais o se ocorre junto a verbos transitivos diretos em geral não exprimem passividade e se nivelam às que apresentam verbos intransitivos36.

Monteiro ilustra esta afirmação com os seguintes exemplos: “Não sei

outros nomes que ∅ dão para a tripulação”; “Aquela fruta-de-conde, que aqui no

Rio é caríssima, lá ∅ vende assim por um preço baratíssimo”; “o que ∅ usa

normalmente aqui no interior é o freio”37.

Então, em sua visão, verbo transitivo direto + SE (VTD+SE) nem sempre

expressa passividade, como afirma a gramática tradicional, até porque nos

exemplos dados pelo autor, o pronome SE pôde ser apagado sem comprometer o

sentido dos enunciados. Logo, VTD+SE se aproxima de verbo intransitivo + SE (V

Int+SE), onde o se é indeterminador do sujeito.

Maurer Jr., discutindo esta evolução do pronome SE – o indeterminador

precede o apassivador ou vice-versa? – afirma que “a expressão de um agente

indeterminador resulta de uma evolução semântica posterior”38, na qual o SE não

34 MONTEIRO, José Lemos. Op. cit., p.103. 35 SAID ALI, M. Op. cit., 1957, p.95-96. 36 MONTEIRO, José Lemos. Op. cit., p.109. 37 Id. Ibid. 38 MAURER JR., Theodoro Henrique. Op. cit., p.51.

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pode ser considerado o sujeito do enunciado39, e apresenta os seguintes

argumentos:

a) na frase “Come-se bem neste restaurante”, o SE “é um simples

morfema que unido ao verbo dá-lhe um sentido impessoal, com

referência a um agente indeterminado”40;

b) deve-se evitar a confusão entre forma passiva e sentido passivo. Por

exemplo, na frase “Vendem-se flores”, “a forma é passiva, ou melhor,

reflexão passiva, apesar de haver muito pouco ou nada da significação

passiva antiga”41;

c) também, deve-se não confundir a questão sintático-semântica com a

morfológica: “Feita esta distinção, percebemos que não é preciso falar

em se sujeito nestas construções impessoais, em circunstância

nenhuma”42.

Podemos depreender, a partir dos teóricos citados, que o SE, enquanto

partícula de indeterminação do sujeito, para usar a terminologia da Gramática

Tradicional, é um fato histórico posterior à passividade. Acrescenta Cardoso que,

independentemente da função do se em português, ele se originou do sui, sibi, se

dos latinos43. Portanto, embora em latim as formas equivalentes ao SE fossem

usadas apenas para expressar “reflexividade”, houve uma evolução posterior em que

esta forma passou a expressar, primeiro, uma frase passiva e, desta, houve a

evolução para a construção em que SE passou a expressar a indeterminação do

sujeito. Assim, parece evidenciar a razão da confusão associada à conceituação de

“voz reflexiva”: ao associar este termo à construção em que o SE não expressa mais

“reflexividade”, os gramáticos tradicionais apenas obscurecem a descrição destas

diferentes construções. 39 Maurer Jr. (Op. cit., p.51) não concorda com os que querem classificar o se, em português, como pronome indefinido, correspondendo ao on (do francês), ao one (do inglês) ou ao man (do alemão). Cardoso (Op. cit., p.126) é da mesma opinião de Maurer Jr. 40 MAURER JR., Theodoro Henrique. Op. cit., p.52. 41 Ibid., p.53. 42 Ibid., p.54. 43 ”O pronome se nunca é sujeito em portuguez, porque não é nem o on dos francezes, nem o one dos inglezes, e sim o sui, sibi, se dos latinos, quer seja reflexivo, quer indefinido...” (CARDOSO, Brício. Op. cit., p.129). Conferir, também: CARNEIRO, Naomi. Lições de português. Rio de Janeiro: São José, 1957. p.192.

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Após essa breve discussão sobre a evolução do pronome SE (de reflexivo a

passivo e de passivo a indeterminador do sujeito), a seguir apresentaremos, com

mais detalhes, cada uma destas funções.

Abriremos a seção seguinte pelo uso mais recente do pronome SE (o

indeterminador do sujeito), em seguida discutiremos o SE apassivador e, por último,

a forma historicamente mais antiga, o SE reflexivo.

1.3.2 O SE índice de indeterminação do sujeito

Cardoso chama o índice de indeterminação do sujeito de indefinido, que

tem por finalidade fazer referência a um sujeito que existe na mente de quem fala

ou escreve:

Logo, se, indefinido, é complemento objectivo só apparente, é em rigor termo de relação, ou indício desse termo, porque o verbo a que elle se junta torna-se desde logo relativo, pela referência que tem este pronome à pessôa ou pessôas unicamente concebidas na mente de quem fala ou escreve44.

Desta afirmação de Cardoso – “... pessôa ou pessôas unicamente

concebidas na mente de quem fala ou escreve” – podemos deduzir que o sujeito

da sentença, mesmo existindo na mente do falante/ouvinte, não se realiza na

sentença por meio de um termo expresso. Mas, contraditoriamente, ele afirma:

“Quando se se junta a verbo intransitivo, não é sujeito, mas complemento directo.

Ex.: Vive-se”45. Ora, como veremos adiante, frases desta natureza serão

consideradas como tendo sujeito indeterminado, porque, como o próprio Cardoso

afirmou, o sujeito existe apenas na mente do falante/ouvinte. Todavia, todos os

usuários da língua portuguesa sabem que existe alguém que vive. Mais, se o

verbo é intransitivo, como o SE vai ser complemento direto? Cardoso vai dizer,

ainda, patenteando de modo mais evidente sua contradição, o seguinte:

44 CARDOSO, Brício. Op. cit., p.130. Por verbo relativo, devemos entender aquele verbo que estabelece uma “relação” sujeito-predicado. 45 Ibid., p.131.

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Em rigor, só há um caso de sujeito vago e indeterminado, que é quando na terceira pessôa do plural não se exprime o sujeito. Ex.: Deram-me um retrato. – Contaram-me uma história46.

Sousa, por sua vez, em um exemplo extraído do Padre Vieira – “Na côrte,

se morre” – de estrutura sintática igual à de Cardoso (verbo intransitivo + SE),

classifica tal construção como sendo sem sujeito: Cláusulas sem sujeito – “em

quaisquer cláusulas onde se considere a acção em si, prescindindo-se de todo e

qualquer sujeito”47. Como podemos observar, não há consenso entre a

classificação do pronome feita por Cardoso e por Sousa.

Carneiro afirma que o SE nunca poderá ser classificado como sujeito,

uma vez que se originou de um pronome que, em latim, não pode ser usado no

caso nominativo:

Se, em português, nunca pode ser sujeito, porque provém de pronome latino que não tem forma nominativa.

Nas expressões: Pode-se cair dêste muro – Ama-se a Deus – Não se pense que se é sujeito. Indica que o sujeito é indeterminado.

Exemplos: Vindo-se a esta Escola, sente-se uma serenidade agradabilíssima – morre-se de mêdo48.

Podemos deduzir que a autora concorda com Cardoso quando este

afirma que o SE é impessoal (o sujeito não está presente na frase, mas, apenas,

na mente do falante/ouvinte): há alguém que vem à escola, há alguém que sente

tal serenidade, há alguém que morre de medo. Entretanto, ela não concorda com

Sousa, que, analisando a sentença de Vieira com o mesmo verbo morrer + se,

classificou-a como sendo sem sujeito.

Tôrres, como Carneiro, afirma que temos índice de indeterminação do

sujeito quando o pronome se impessoaliza o verbo49:

46 Id. Ibid. 47 SOUSA, Eurípedes Olímpio de Oliveira. Noções de gramática e de língua portuguesa. Curitiba: Paranaense, 1953. p.371-372. 48 CARNEIRO, Naomi. Op. cit., p.194. 49 Por “impessoalizar o verbo” se quer dizer que o SE, quando índice de indeterminação do sujeito, só permite que o verbo se flexione na 3ª pessoa do singular, como os verbos impessoais. Talvez por “impessoalizar” fosse melhor dizer “unipessoalizar” o verbo.

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Quando, em certas frases, o pronome se vem junto a verbos empregados impessoalmente: Ama-se a Bernardes. Admira-se a Vieira. Brinca-se alegremente. Corre-se muito bem50.

Azevedo Filho não só chama a atenção para o se impessoalizador do

verbo como, ainda, dá a regência dos verbos onde o SE ocorre como índice de

indeterminação do sujeito. Para ele, temos sujeito indeterminado na seguinte

situação:

Com o verbo intransitivo ou transitivo indireto na terceira pessoa do singular, seguido do pronome se, na função de índice de indeterminação do sujeito. Ex.: Vive-se bem aqui. Aqui se trabalha muito. Trata-se de livros novos51.

Kury, tratando desta mesma questão – o pronome se como

indeterminador do sujeito –, como Azevedo Filho, também chama a atenção para

a regência dos verbos. Acrescenta à lista os verbos de ligação e nomeia os

transitivos diretos como não sendo possíveis, nesta situação (terceira pessoa do

singular + se), de ter sujeito indeterminado52.

Os verbos transitivos indiretos, intransitivos e de ligação também se usam, em nossa língua, combinados com o pronome se. Mas, ao contrário do que sucede com os verbos transitivos diretos, as orações com eles construídas não possuem sujeito determinado53.

Cunha e Cintra descrevem o sujeito indeterminado por SE, sem levar em

consideração a regência do verbo:

Algumas vezes o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu conhecimento54.

Bechara, ao tratar do pronome SE como índice de indeterminação do

sujeito, alarga esta classificação. Para ele, o SE, mesmo combinando com verbos

transitivos diretos, pode ser classificado como índice de indeterminação do

sujeito, atendendo ao processo evolutivo da língua:

50 TÔRRES, Artur de Almeida. Op.cit., p.204. 51 AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Gramática básica da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1969. p.172. 52 Trataremos desta situação em um outro ponto de nossa pesquisa: o se como apassivador. 53 KURY, Adriano da Gama. Gramática fundamental da língua portuguesa do Brasil. São Paulo: Lisa, 1973. p.45. 54 CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Felipe L. Nova gramática do português contemporâneo. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.125.

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[...] o se como índice de indeterminação de sujeito – primitivamente exclusivo em combinação com verbos não acompanhados de objeto direto –, estendeu seu papel aos transitivos diretos (onde a interpretação passiva passa a ter uma interpretação impessoal: Vendem-se casas = “Alguém tem casas para vender”) e de ligação (É-se feliz). A passagem deste emprego da passiva à indeterminação levou o falante a não mais fazer concordância, pois o que era sujeito passou a ser entendido como objeto direto, função que não leva a exigir o acordo do verbo55.

Como vimos, na visão de Kury56, os verbos de ligação, quando

combinados com o pronome SE, já eram classificados como verbos que tinham

sujeito indeterminado.

Particularidades à parte, podemos afirmar que o pronome SE, quando

impessoaliza (não no sentido de tornar sem pessoa) o sujeito de um determinado

verbo – intransitivo, transitivo indireto ou de ligação e, na visão de Bechara57,

transitivo direto – pode ser classificado como índice de indeterminação do sujeito.

1.3.3 O SE como partícula apassivadora

Como pronome apassivador, o SE, segundo Ribeiro, é, hipoteticamente,

uma herança do latim: Amor (voz passiva em latim) = Amo-se (em português). Ele

diz:

A língua portugueza possui uma VOZ MÉDIA passiva com o pronome se:

Fizeram-se casas. Preparou-se a terra. Escreviam-se cartas.

Este systema representa uma voz passiva de terceira pessoa, que seguiu a tradição do processo latino: Amor = Amo-se (o que aliás não está averiguado e é mera hypothese)58.

Ribeiro usa a terminologia “voz média passiva” para referir-se ao que a

gramática tradicional chama hoje de “voz passiva”. E coloca como mera hipótese

55 BECHARA, Evanildo. Op. cit., p.178. 56 KURY, Adriano da Gama. Op. cit., 1973. 57 BECHARA, Evanildo. Op. cit. 58 RIBEIRO, João. Grammatica portugueza. 19.ed. São Paulo: Francisco Alves, 1920. p.219.

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o fato de a voz passiva em português, com o pronome SE, ter tomado o lugar da

voz passiva em latim com o morfema {-r}.

No tocante à concordância verbal em frases passivas com o pronome SE,

esse autor chama a atenção para a diferença deste tipo de construção, em

português, com a construção em francês com o pronome on. Nesta língua, de

fato, on é pronome e, portanto, sujeito do verbo. Mas, em nossa língua, o

pronome SE apassivador não pode ser confundido com o sujeito da frase.

Cardoso, após discutir exaustivamente sobre a não-possibilidade do SE

aparecer como sujeito da oração, faz algumas observações sobre este pronome,

nesta função (de sujeito), em português:

A forma portugueza de apassivar o verbo transitivo pela adjuncção do pronome se à terceira pessôa do singular é mais rica do que a latina; pois nós o podemos apassivar em todos os tempos do presente, pretérito e futuro, e as latinas só o podem fazer no presente, imperfeito e futuro59.

Sousa, falando das várias formas de construção da voz passiva, diz que a

construída com o pronome SE se faz “pela partícula se e uma forma activa”60, e

exemplifica: “Aqui só se vive”. Pelo que já discutimos, quando falamos sobre a

indeterminação do sujeito, parece que esta sentença se classifica melhor como

tendo sujeito indeterminado do que como sujeito passivo. Além do mais, o autor

contraria a todos os outros que negam ser a partícula se sujeito61. Ele afirma: “A

partícula apassivante é um como afixo que faz parte do verbo, excepto no caso de

ela ser sujeito”62.

Said Ali reafirma a posição de Ribeiro, ao reportar a voz passiva em

português para o latim:

Sabe-se que a forma verbal latina em -r quadra [sic] a denominação da voz mediopassiva [...] por ser o -r comum a verbos depoentes e aos de sentido passivo. Pois bem, esta dupla função desdobrou-se nas línguas românicas: de um lado, pelo uso do verbo

59 CARDOSO, Brício. Op. cit., p.132. 60 SOUSA, Eurípedes Olímpio de Oliveira. Op. cit., p.263. 61 Conferir: RIBEIRO, João (Op. cit., p.220), CARDOSO, Brício (Op. cit., p.126-131) e CARNEIRO, Naomi (Op. cit., p.192), que discordam da posição de Sousa quanto ao uso do se como sujeito. 62 Ibid., p.264.

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seguido do pronome reflexivo; do outro, pelo verbo ser mais o particípio do pretérito63.

Segundo Said Ali, a estrutura ser + particípio representa os verbos

depoentes (Ex.: “Este homem é viajado“ significa “Este homem viajou muito”),

enquanto o verbo + se expressa a voz passiva.

Como vimos no item 1.2 (Vozes verbais), a voz passiva é aquela em que

o sujeito sofre a ação do verbo. Ora, para que o sujeito sofra a ação do verbo, é

necessário haver um agente que pratique esta ação sobre o sujeito. Daí, Said Ali

afirmar que: “Admitir um sentido passivo é admitir a possibilidade de um agente

ou ‘complemento de causa eficiente’ tanto oculto como expresso”64, que possa

executar a ação.

Carneiro afirma que o pronome (apassivador) SE e o verbo ser +

particípio são os meios que dispomos para construir a passividade com verbos

transitivos diretos.

Se – é partícula apassivadora quando a forma verbal em que aparece pode ser substituída pelo verbo ser seguido de particípio passado do verbo que exprime a ação. Pode ser expresso o sujeito por palavra substantiva ou por um pronome. O verbo deve ser transitivo65.

Fica claro que o agente só pode ser expresso se a voz passiva for

participial. Por exemplo:

(6) Casas foram vendidas pela agência.

(7) Vendem-se casas (* pela agência).

Carneiro chama, ainda, a atenção para a natureza do sujeito. Se este for

animado, o pronome SE deixa de ser apassivador e se torna objeto direto66. Por

exemplo:

(8) Compram-se espingardas = espingardas são compradas (se =

apassivador).

63 SAID ALI, M. Op. cit., 1957, p.90. 64 Ibid., p.101. 65 CARNEIRO, Naomi. Op. cit., p.193. 66 Id. Ibid.

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(9) Alugam-se homens para ganharem a vida (se = objeto direto e

homens = sujeito)67.

Sobre o SE apassivador, Tôrres nos chama a atenção para o fato de o

sujeito receber a ação praticada pelo verbo e acrescenta, mais, que o apassivador

SE e o verbo ser, quase sempre, são equivalentes: ”Quando o sujeito recebe a

ação expressa pelo verbo [...]. A passiva com o pronome se geralmente

corresponde à passiva com o verbo ser e o particípio do verbo empregado”68.

Tôrres, ainda, destaca o fato de haver ambigüidade entre a passiva pronominal e

a voz reflexiva. Para evitar a anfibologia, ele aconselha o uso de mutuamente ou

reciprocamente, para diferenciar a reflexiva da passiva69.

Azevedo Filho também descreve os dois tipos de voz passiva, a com os

verbos ser ou estar e a com o pronome SE70. Para este segundo tipo, ele diz:

Recorre-se ao pronome apassivador se, o que se verifica apenas na terceira pessoa gramatical. No português contemporâneo, não se usa o agente da passiva na chamada voz passiva pronominal71.

Ele distingue, ainda, voz passiva de passividade, colocando esta última

como decorrente, muitas vezes, da própria significação do verbo, podendo,

inclusive, aparecer em construções sintaticamente ativas. Por exemplo: “O

cachorro recebeu uma paulada”72.

Falando sobre o SE apassivador, Kury diz:

Se o paciente de uma ação na voz ativa (objeto direto) representa um ser inanimado (incapaz, portanto, de praticar a ação expressa pelo verbo), e o agente é, [...], indeterminado, nossa língua possui, além da voz passiva com auxiliar, outra construção passiva mais sintética, em que à forma do verbo na voz ativa se acrescenta, para indicar passividade, o pronome se

73.

67 A autora não nos oferece maiores esclarecimentos sobre este ponto. 68 TÔRRES, Artur de Almeida. Op. cit., p.205-206. 69 Ibid., cf. nota de pé de página n.33, à p.204. 70 Hoje a gramática, mesmo tradicional, não apresenta como voz passiva analítica a construção participial com o auxiliar estar. 71 AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Op. cit., p.108. 72 Id. Ibid. 73 KURY, Adriano da Gama. Op. cit., 1973, p.44-45.

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Kury, também, chama a atenção para o caráter transitivo direto do verbo,

para que possamos efetuar a passividade. Cunha e Cintra, sobre a passiva

pronominal, dizem apenas que se faz a passiva pronominal: “com o pronome

apassivador se e na terceira pessoa verbal, singular ou plural, em concordância

com o sujeito”74.

Para a questão da voz passiva com o pronome SE, Bechara dá a

seguinte sentença: “O banco só se abre às dez horas” – e faz os seguintes

comentários:

No presente exemplo, banco é um sujeito constituído por substantivo que, por inanimado, não pode ser o agente da ação verbal; e, por isso, a construção é interpretada como “passiva”: é o que a gramática chama voz “média” ou “passiva com se”75.

Ele ainda observa que a passividade, além de ser um fato sintático, é,

também, um fato semântico, que depende do significado lexical do verbo da

oração76.

Como dissemos antes, toda esta discussão sobre o SE como índice de

indeterminação do sujeito e como partícula apassivadora tem por finalidade

estabelecer a diferença entre estes usos e o uso reflexivo deste pronome.

Enquanto, no primeiro caso, o SE torna “o sujeito presente apenas na mente dos

usuários da língua” e, no segundo, torna o sujeito recipiente da ação praticada, o

uso reflexivo faz com que o sujeito seja simultaneamente “o agente e o receptor”

da ação. Vejamos agora como esta diferença é apresentada pelos gramáticos.

1.3.4 O SE como pronome reflexivo

Falando sobre os pronomes pessoais de 3ª pessoa, Ribeiro apresenta o

uso do pronome SE como reflexivo e nos diz:

[...] a fórma da terceira pessoa pronominal denomina-se pessoa reflexiva, que é a que ocorre no discurso indicando relação de

74 CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Felipe L. Op. cit., p.373. 75 BECHARA, Evanildo. Op. cit., p.177. 76 Id. Ibid.

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identidade com o sujeito. Esta pessoa é determinada pelos accusativos das duas primeiras, me, te e por uma fórma se

77 (grifos nossos).

Da colocação deste autor, podemos inferir que a reflexividade é a

identificação da pessoa do sujeito com o complemento verbal (“sujeito” e

“accusativo”). Tal identificação se constrói pelo uso dos pronomes me, te, se e

nos.

Cardoso diz que o SE reflexivo é complemento “direto” ou “terminativo”:

Ora, se o se, indefinido, é o sui, sibi, se dos latinos, isto é, se não tem caso recto, se não pode ser nominativo, tollitur questio; porque se reflexivo, concordem os adversários, é complemento directo ou terminativo78.

Da afirmação de Cardoso, parece que podemos deduzir que a

reflexividade não é privativa, apenas, dos verbos transitivos diretos, mas também

dos transitivos indiretos, pois ele entende por “terminativo” o objeto indireto

(destinatário da ação).

Do mesmo modo, Sousa também afirma que os pronomes reflexivos

habitualmente são objeto direto, entretanto podem funcionar como objeto

indireto79.

Para análise da reflexividade, Said Ali nos dá o seguinte corpus: “Pedro

matou-se” (sentido reflexivo); “Afligir-se, aborrecer-se, excitar-se”; “êle arroga-se o

direito de punir”; “êle riu-se”80. Dos exemplos dados, o autor tece os seguintes

comentários:

a) Distingue o gramático em geral o primeiro dêstes sentidos sòmente por ver o pronome reflexo junto a um verbo transitivo sem lhe alterar a significação. Êle adquire a noção de reflexividade indiretamente, comparando, isto é, lembrando-se que tanto poderia ser objeto o pronome se, como um pronome pessoal, o, a, os, as, etc.

77 RIBEIRO, João. Op. cit., 1920, p.27. 78 CARDOSO, Brício. Op. cit., p.130. 79 SOUSA, Eurípedes Olímpio de Oliveira. Op. cit., p.426. Sobre o SE na função de objeto indireto, conferir: ROCHA LIMA, Carlos H. Gramática normativa da língua portuguesa. 31.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. p.317; MACEDO, Walmírio. Gramática da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presença, 1991. p.383-384. 80 Conferir SAID ALI, M. Op. cit., 1957, p.90-91.

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b) Para afligir-se, aborrecer-se, excitar-se e tantos outros, nós concebemos a pessoa como agindo ou praticando tal ou tal ato sôbre si.

c) Não raro o reflexivo tem de ser considerado como objeto indireto (dativo de interêsse).

d) Em certos verbos, principalmente alguns intransitivos, o pronome reflexo não faz outra cousa senão mostrar que o sujeito participa intensamente da ação81.

Do exposto por Said Ali, podemos inferir que a reflexividade se faz a partir

dos pronomes ditos reflexivos; a noção de que há reflexividade quando o sujeito

pratica a ação sobre si mesmo é relativa82, porque na situação apresentada no

item “b” (afligir-se...) isto não ocorre; ele concorda com Cardoso, quando admite a

possibilidade de o reflexivo ser objeto indireto do verbo (o que Cardoso chama de

“terminativo”); além disso, o pronome reflexivo, em algumas situações, tem um

caráter puramente enfático, estilístico, podendo ser retirado do enunciado sem lhe

alterar, substancialmente, o sentido.

De nossa perspectiva, cabe notar que, nos vários casos enunciados por

Said Ali, vemos algo em comum: embora nem sempre seja claro que o sujeito

“pratica a ação sobre si mesmo”, o que é claro é que, em nenhum dos casos,

temos um SE impessoalizador do sujeito ou passivizador. Em “Ele aflige-se” ou

“Ele viu-se”, não se pode dizer que o sujeito é impessoal ou é o paciente da ação

praticada por outrem (“Ele aflige-se” não significa “Alguma pessoa indeterminada

aflige-o”).

Carneiro diz que o pronome SE será reflexivo quando puder ser

substituído por a si próprio, a si mesmo:

Se é pronome reflexivo quando puder ser substituído por – a si próprio, a si mesmo. Como pronome reflexivo, naturalmente refere-se sempre ao sujeito de seu verbo83.

Note-se que, por este critério, frases com verbos inerentemente reflexivos

não seriam reflexivas: não se pode substituir SE por a si mesmo em “João

81 Ibid., p.91. 82 Talvez o que ele queira dizer é que o uso gramatical/sintático de se reflexivo nem sempre equivale à reflexividade semântica. Do mesmo modo, mesmo quando há “reflexividade semântica”, nem sempre ela significa que agente e paciente sejam a mesma pessoa; pode ser que agente e beneficiário o sejam. Por exemplo: “João aborreceu-se com a notícia”. 83 CARNEIRO, Naomi. Op. cit., p.193.

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comportou-se muito bem na pista”. Parece-nos mais eficaz, portanto, o critério

negativo que inferimos a partir da enumeração de casos de Said Ali: “reflexiva” é

toda frase em que o sujeito e o objeto são “idênticos”: no caso do pronome SE,

isso acontece quando SE não é nem índice de indeterminação, nem elemento

apassivador.

Tôrres, na exposição desta questão, é bastante sucinto e diz, apenas, que

o SE será objeto direto: “Com verbos transitivos diretos quando exprime

reflexibilidade”84 e objeto indireto: “Quando existe objeto direto expresso, e o se é

reflexivo”85.

Para discutir a reflexividade, Kury nos dá os seguintes exemplos:

“Valdemar levantou-se”, e diz: “O pronome se é objeto direto reflexivo; o objeto

poderia referir-se a outra pessoa que não o sujeito, por exemplo: ‘Valdemar

levantou-o’”86. Isto quer dizer que para haver reflexividade, o pronome

complemento deve ser da mesma pessoa do sujeito. Sobre o SE reflexivo objeto

indireto, no exemplo: “O chefe reservou-se um objetivo ambicioso”, Kury afirma

que com “verbos bi-transitivos”, quando o objeto direto é um termo diferente do

sujeito, o se será objeto indireto87. Finalmente, a respeito da reciprocidade, ele

nos oferece o exemplo: “Os dois nunca mais se viram”, e diz:

Outras vezes a voz reflexiva demonstra reciprocidade, e o objeto se diz RECÍPROCO, pelo fato de a ação do verbo se referir ao mesmo tempo aos vários seres que o sujeito, composto ou do plural, representa88.

Para Kury, a reciprocidade pode ser reconhecida pelo acréscimo à oração

de “um ao outro”89.

Cunha e Cintra tratam os pronomes reflexivos e recíprocos da seguinte

maneira:

84 TÔRRES, Artur de Almeida. Op. cit., p.203. 85 Ibid., p.204. 86 KURY, Adriano da Gama. Op. cit., 1973, p.46. Por outro lado, “Paulo levantou a si próprio” é estranho. 87 Ibid., p.47. 88 Id. Ibid. 89 Id. Ibid.

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As formas do REFLEXIVO nas pessoas do plural (nos, vos e se) empregam-se também para exprimir a reciprocidade da ação, isto é, para indicar que a ação é mútua entre dois ou mais indivíduos. Neste caso, diz-se que o pronome é RECÍPROCO90.

Para dirimir as ambigüidades entre forma reflexiva e forma recíproca,

devemos empregar, de acordo com Cunha e Cintra, ao lado das últimas,

“expressões reforçativas especiais”, como: a mim mesmo, a ti mesmo, a si

mesmo, etc.; um ao outro, uns aos outros, entre si; ou os advérbios

reciprocamente, mutuamente; ou, ainda, o prefixo verbal entre-91.

Bechara, como os outros autores analisados até agora, afirma que:

A reflexividade consiste, na essência, na “inversão (ou negação) da transitividade da ação verbal”. Em outras palavras, significa que a ação denotada pelo verbo não passa a outra pessoa, mas reverte-se à pessoa do próprio sujeito (ele é, ao mesmo tempo, agente e paciente)92.

Sobre a reflexiva recíproca, ele nos diz que não é um valor próprio da

língua, mas depende de interpretações contextuais. E exemplifica: ”João e Maria se

miram” e “João e Maria se miram no espelho”. Qualquer falante da língua

reconhecerá, na primeira sentença, uma reciprocidade de ação: já na segunda,

não há esta reciprocidade, mas reflexividade: João mira a si mesmo e Maria, a si

mesma. No entanto, a língua não dispõe, neste caso particular, de uma

construção lingüística diferente. Para os dois casos, temos: sujeito + pronome

reflexivo + verbo93.

Para nós, portanto, cabe apontar para o fato de que a noção de

“reflexividade” deve, de algum modo, ser ampliada para que inclua a interpretação

recíproca dos reflexivos: esta é “reflexiva” não porque a ação do sujeito reverte

sobre si mesmo (em “João e Maria se beijaram”, João não beijou a si mesmo),

mas porque há “identidade” entre sujeito e objeto (em “João e Maria se beijaram”,

João e Maria são ambos, simultaneamente, agentes e pacientes da ação de

beijar). 90 CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Felipe L. Op. cit., p.273. 91 Id. Ibid. 92 BECHARA, Evanildo. Op. cit., p.176. Conferir, também, a p.220, onde o autor trata da voz reflexiva dos verbos. 93 No exemplo “João e Maria miram um ao outro”, sem dúvida alguma, temos reciprocidade, mas construída com a expressão “um ao outro”.

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Finalizando este tópico, podemos afirmar que os autores pesquisados

tratam a reflexividade como um processo em que o sujeito e o pronome pessoal,

na função de complemento verbal, direto ou indireto, são de mesma pessoa. Para

eliminarmos as ambigüidades entre reflexividade e reciprocidade, uma vez que as

duas construções se efetuam pelo mesmo processo, devemos lançar mão de

estruturas reforçativas, alguns advérbios ou afixos verbais, que caracterizem a

reciprocidade da ação. Ou, ainda, lançar mão do contexto oracional para fazer a

interpretação da reflexividade ou reciprocidade.

Nesta seção, apresentamos um resumo, seguindo a historicidade, dos

usos do pronome SE (do uso mais recente ao mais antigo). Quanto ao SE como

índice de indeterminação do sujeito, é um uso que, para muitos gramáticos

tradicionais, só ocorre com verbos intransitivos, transitivos indiretos e de ligação,

embora hoje já se diga que com verbos transitivos diretos também é possível

ocorrer a indeterminação do sujeito. Como partícula apassivadora, o SE faz com

que a ação verbal recaia sobre o sujeito da oração e o verbo precisa ser de

regência direta. Já como partícula reflexiva, é necessário que o emprego do

pronome faça com que a ação não transite para um ser diferente daquele que a

pratica, reunindo agente e paciente em uma só pessoa.

O que depreendemos dessa discussão é que, mesmo na GT, que possui

uma visão puramente prescritiva da língua, não há concordância plena entre os

autores e nem argumentos consistentes o bastante para a manutenção das

explicações dadas. Daí propormos uma releitura da questão, o propósito de nosso

trabalho.

1.3.5 Considerações finais sobre o uso do pronome SE na GT

Encerrada essa revisão sobre o pronome SE indeterminador do sujeito,

apassivador e reflexivo, queremos tecer algumas considerações que achamos

importantes:

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a) O uso do pronome SE como indeterminador do sujeito, em nossa

concepção, não é tão problemático, uma vez que o SE substituirá,

indeterminando, o sujeito da oração. Por exemplo:

(10) i) O mercado precisa de pessoas especializadas.

ii) Precisa-se de pessoas especializadas.

(11) i) João vive bem.

ii) Vive-se bem.

(12) i) Aqui Maria é feliz.

ii) Aqui se é feliz.

Nos 3 grupos de exemplos, parece-nos que o que ocorreu foi o

apagamento dos NPs94 “o mercado“, “João” e “Maria”, em 10i, 11i e 12i e a

substituição – com a finalidade de se indeterminar o sujeito – desses itens lexicais

pelo pronome SE em 10ii, 11ii e 12ii.

De acordo com a GT, para que o pronome SE indetermine o sujeito, o

verbo da oração precisa ser transitivo indireto, como em (10); ou intransitivo,

como em (11); ou, então, de ligação. Com outros tipos de verbos, teremos outras

funções para o SE.

b) O pronome SE como apassivador, segundo nosso julgamento, levanta

algumas questões. Em primeiro lugar, é uma incoerência classificar como

pronome o SE da voz passiva sintética (ou pronominal), uma vez que a própria

GT diz que pronome: “É a palavra que representa o ser ou ao ser se refere,

indicando-o como pessoa do discurso”95.

Deve ser assim entendido (o pronome):

1) Como substantivo [...], denotando “o ente”, não dá a sua significação intrínseca, decorrente de certas propriedades, como

94 Neste trabalho, sempre que nos referirmos ao sintagma nominal (SN), usaremos NP (Noun Phrase) que é a forma utilizada em Inglês. 95 ANDRÉ, Hildebrando A. de. Gramática ilustrada. 3.ed. São Paulo: Moderna, 1982. p.102.

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acontece com o nome substantivo, mas o indica extrinsecamente pela sua situação no espaço [...] ou por anáfora [...] no contexto96.

É a palavra que substitui ou acompanha o substantivo, indicando sua posição em relação às pessoas do discurso ou mesmo situando-o no espaço ou no tempo97.

É a palavra que substitui ou acompanha um substantivo (nome), em relação às pessoas do discurso98.

A partir da pequena amostragem dos autores acima, a

característica principal do pronome é poder substituir o nome, quer por meio da

anáfora ou da dêixis. Na voz passiva pronominal, parece-nos que o SE não tem

referente, e, assim, não substitui nome algum. Por que, então, classificá-lo como

pronome?

Alguém poderia argumentar dizendo que o SE da voz passiva pronominal

é um pronome expletivo. A isso responderemos, ainda, baseados na própria GT.

André, definindo partícula de realce, diz:

O pronome “se” pode ser empregado junto a verbos intransitivos ou transitivos indiretos sem qualquer função sintática, podendo se retirado da oração sem prejuízo gramatical desta

99.

Câmara Jr., sobre essa questão, diz que realce é:

Qualquer processo lingüístico para pôr em relevo um ou mais termos da enunciação. Pode ser um realce fonético resultante do acento [...], ou sintático, dependendo – a) da colocação [...], b) do pleonasmo [...], c) de partículas de realce [...], que não concorrem para a compreensão, mas para a expressividade100.

Nicola e Infante, a respeito do pronome expletivo ou de realce, afirmam:

O se é considerado pronome expletivo ou de realce quando ocorre, principalmente, ao lado de verbos de movimento ou que exprimem atitude da pessoa em relação ao próprio corpo [...], em construções em que não apresenta nenhuma função essencial para a construção da mensagem101.

96 CÂMARA JR., J. Mattoso. Dicionário de lingüística e gramática. 13.ed. Petrópolis: Vozes, 1986. p.2001. 97 NICOLA, José de; INFANTE, Ulisses. Gramática contemporânea da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 1989. p.201. 98 SACCONI, Luiz Antonio. Nova gramática. 25.ed. São Paulo: Atual, 1999. p.195. 99 ANDRÉ, Hildebrando A. de. Op. cit., p.326. 100 CÂMARA JR., J. Mattoso. Op. cit., p.206. 101 NICOLA, José de; INFANTE, Ulisses. Op. cit., p.401.

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Como ficou dito, quando discutimos a voz passiva, para que ocorra esta

voz, o verbo precisa ser transitivo direto. Segundo André, não há pronome de

realce junto a verbos transitivos diretos mas, apenas, com os intransitivos ou

transitivos indiretos. Portanto, fica descartada a possibilidade de se falar em

pronome de realce, devido à própria natureza do verbo ou voz passiva.

Da lição de Câmara Jr., podemos deduzir que em exemplos como

(13) Vendem-se casas.

(14) Assou-se a carne.

(15) Destruiu-se o meio ambiente.

(16) Poluíram-se os mares e rios.

se retirarmos o SE de (13), (14), (15) e (16), teremos:

(17) Vendem casas.

(18) * Assou a carne.

(19) * Destruiu o meio ambiente.

(20) Poluíram os mares e rios.

que, sem dúvida alguma, são enunciados diferentes de (13), (14), (15) e (16). Em

(17) e (20), temos orações com sujeito indeterminado. E em (18) e (19), de acordo

com Perini, as orações são agramaticais porque não obedecem ao filtro da 3ª

pessoa que diz: “É mal formada a oração que tiver o verbo na terceira pessoa do

singular e não tiver sujeito”102. É por causa deste filtro que o mesmo vai, ainda,

dizer: “Com efeito, o português não admite, em geral, a omissão do sujeito

quando se trata de verbo na terceira pessoa do singular (não-anafórico)”103.

Então, o uso do SE nos exemplos (13), (14), (15) e (16) não tem apenas um valor

expressivo, mas são importantes para a construção do sentido dos enunciados.

102 PERINI, Mário A. Sintaxe portuguesa: Metodologia e funções. 2.ed. São Paulo: Ática, 1994. p.82. 103 Ibid., p.83.

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Os verbos de movimento ou que exprimem atitude da pessoa em relação

ao próprio corpo não são verbos transitivos diretos mas intransitivos ou transitivos

indiretos, como: ir-se, sentar-se, sorrir-se, partir-se ... Assim sendo, os verbos

transitivos diretos estão fora dessa listagem; logo, o SE não pode ser partícula de

realce.

Portanto, o SE da voz passiva pronominal encerra uma situação bastante

problemática que precisa ser explicada à luz de uma teoria lingüística.

c) Quanto ao uso do SE reflexivo, parece-nos que falta à GT um critério

claro para decidir a questão, uma vez que se define reflexividade a partir da

estrutura da sentença, ou seja, é voz reflexiva uma oração que possui sujeito e

complemento verbal correferentes (esta é a definição mais geral). Mas, como

vimos acima, essa estrutura morfossintática dá-nos várias leituras semânticas –

desde a reciprocidade até orações do tipo:

(21) João operou-se neste hospital.

onde os NPs “João” e “se” são de mesma pessoa e correferenciais, mas, no

entanto, para Hauy104, temos voz passiva (João foi operado). Então, a voz

reflexiva não pode ser definida, apenas, a partir da estrutura morfossintática da

sentença mas, também, no nível semântico. Aliás, talvez o nível semântico seja

mais importante para a reflexividade do que a morfossintaxe.

No próximo capítulo, apresentaremos os fundamentos teóricos – Teoria

temática ou Teoria dos papéis temáticos e a Teoria do Caso – que nos

possibilitarão fazer uma nova leitura desta questão: o SE indeterminador do

sujeito, apassivador e reflexivo.

104 HAUY, Amini Boainain. Vozes verbais: Sistematização e exemplário. São Paulo: Ática, 1992. p.29.

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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA ABORDAGEM LINGÜÍSTICA DO SE

No capítulo anterior, discutimos os usos do SE como indeterminador do

sujeito (1.3.2), como partícula apassivadora (1.3.3) e como pronome reflexivo

(1.3.4), na perspectiva da GT. Neste capítulo, trataremos dos eixos teóricos,

dentro do panorama da Gramática Gerativa (Princípios e Parâmetros) – Teoria

Temática ou Teoria-θ e Teoria do Caso – que, a nosso olhar, dão uma

sustentação teórica mais consistente para o entendimento das vozes verbais e,

nesse contexto, para os usos do SE nas funções citadas anteriormente. Antes de

adentrarmos na discussão das duas teorias aludidas, teceremos alguns

comentários sobre aquisição da linguagem, por ser, nesse momento, que se dá o

estabelecimento de um parâmetro lingüístico. Precedendo a Teoria temática,

achamos conveniente falar sobre léxico e subcategorização, porque é nele que o

falante irá encontrar todas as informações sobre as palavras de sua língua. E,

antecedendo a Teoria do Caso, apresentamos alguns pontos sobre movimento de

constituintes, pois tal movimento muda-lhes, algumas vezes, o Caso.

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2.1 FUNDAMENTOS DOS PRINCÍPIOS E PARÂMETROS

Como o homem adquire a linguagem não é uma preocupação recente.

Para Platão, ela vinha das memórias de uma existência anterior105. É evidente

que tal solução não satisfaz à ciência de hoje.

As especulações da Gramática de Port-Royal, de alguma forma, apontam

para uma explicação mais racional da linguagem:

Esse espírito filosófico, aplicado ao estudo da linguagem, contrasta com a situação deles no século XVII, quando predominava a preocupação com o bon usage, o “bom uso”, de caráter mais estilístico, sem maior interesse em conhecer as causas, os fundamentos e a estrutura da linguagem106.

Essa preocupação com “as causas, os fundamentos e a estrutura da

linguagem”, sem dúvida, inscreveu os pensadores de Port-Royal em uma

discussão filosófica sobre a linguagem. É claro que a ciência da época não tinha

meios para um aprofundamento mais rigoroso da questão, mas vale o interesse

sobre as causas da linguagem.

O programa gerativista, sobre a aquisição da linguagem, lança algumas

perguntas:

(i) O que faz o falante saber e falar uma língua?

(ii) Que tipo de conhecimento é necessário para que o falante adquira

uma língua?

(iii) Como se dão a competência e a performance lingüísticas?

(iv) Que relação se pode estabelecer entre o cérebro e a linguagem?107

105 Cf. COOK, Vivian James. Chomsky’s universal grammar: an introduction. 5.ed. Oxford: Blackwell, 1993. p.55. Sobre esta questão, ver também: CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente: pensamentos atuais sobre antigos problemas. Trad. de Lúcia Lobato. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1998. 106 ARNAULD, Antoine; LANCELOT, Claude. Gramática de Port-Royal. Trad. de Bruno Fregni Barreto e Henrique Graciano Murachco. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.XXVI. 107 Cf. RAPOSO, Eduardo P. Teoria da gramática. A faculdade da linguagem. Lisboa: Caminho, 1992. p.27.

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Respondendo à primeira pergunta, antes de tudo, precisamos dizer que

todos “os seres humanos com faculdades mentais normais são capazes de

aprender alguma língua humana”108.

Raposo diz que para o falante saber e falar uma língua é necessário que

ele (falante) tenha uma gramática interiorizada de alguma língua:

A gramática interiorizada consiste por um lado num “dicionário mental” das formas da língua e por outro num sistema de princípios e regras actuando de forma computacional sobre essas formas, isto é, construindo representações mentais constituídas por combinações integradas das formas lingüísticas109.

Esse conjunto de “princípios” e “regras” é a Gramática Universal (UG) que

Haegeman assim conceitua: “Informalmente, UG é um sistema de todos os

princípios e regras que são comuns a todas as línguas humanas, este refere-se a

línguas tão diferentes como inglês e francês ou japonês”110. Ela também, assim

como Raposo, destaca a necessidade da aquisição do vocabulário da língua à

qual a criança está exposta. “A exposição também capacitará a criança a

aprender o vocabulário da língua”111.

Para finalizar esta primeira questão, mais uma vez queremos citar

Haegeman:

Seres humanos nascem equipados com algum conhecimento interno não-consciente de gramática: UG. A UG é um conjunto de princípios universais, alguns dos quais são parametrizados. Pelo “input” da experiência de uma língua particular este conhecimento pode ser implementado112.

108 “Human beings with normal mental faculties are able to learn any human language” (HAEGEMAN, Liliane. Introduction to government and binding theory. 2.ed. Oxford: Blackwell, 1992. p.11). 109 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.28-29. 110 “Informally, UG is a system of all those principles and rules that are common to all human languages, this means languages as different as English and French or Japanese” (HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.12).. 111 Ibid., p.15. “Exposure will also enable the child to learn the vocabulary of the language”. 112 Ibid., p.15. “”Human beings are born equipped with some internal unconscious knowledge of grammar: UG. UG is a set universal principles of language, some of which parametrized. Via the input of experience of one particular language this knowledge can be implemented”.

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Como podemos perceber, os princípios (“leis gerais válidas para todas as

línguas naturais”113) e os parâmetros (“propriedades que uma língua pode ou não

exibir e que são responsáveis pela diferença entre as línguas”114) são

estabelecidos durante o processo de aquisição de alguma língua particular e

fazem parte do conhecimento lingüístico de todo e qualquer falante.

A respeito da segunda pergunta – Que tipo de conhecimento é necessário

para que o falante adquira uma língua? –, é necessário colocarmos a questão

dentro de uma concepção teórica mentalista, segundo Raposo:

Como Chomsky o assinala várias vezes, o pensamento científico e humanista ocidental tem uma extrema dificuldade em assumir que os produtos do pensamento (entre os quais a linguagem) possam radicar na natureza biológica dos seres humanos tal como as estruturas anatômicas115.

Com isso, fica evidente que, embora a língua tenha uma dimensão social

– e Saussure enfatiza bem este lado da língua quando diz que “ela é a parte

social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por sua vez, não pode nem criá-la,

nem modificá-la [...], o indivíduo tem necessidade de uma aprendizagem para

conhecer-lhe o funcionamento”116 –, a posição de Chomsky é contrária à de

Saussure. A linguagem tem, sim, uma base biológica. Por base biológica,

devemos entender que a linguagem é inata.

Uma hipótese adotada pelos gerativistas de tradição chomskiana é precisamente que a gramática universal é inata à espécie humana. A UG é uma dotação genética: nós nascemos equipados com um conjunto de princípios lingüísticos universais117.

Porque a linguagem tem uma base biológica, a lingüística chomskiana

fala de aquisição e não de aprendizagem, como pensava Saussure. Por

aquisição, nessa perspectiva, devemos entender a maturação do cérebro de um

estado inicial (S0) a um estado final (Ss), no dizer de Cook:

113 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Manual de sintaxe. 2.ed. Florianópolis: Insular, 2000. p.26. 114 Ibid. 115 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.26. 116 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 2000. p.22. 117 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.12. “A hypothesis adopted by generativists of the Chomskian tradition is precisely that universal grammar is innate to the human species. UG is a genetic endowment: we are born equipped with a set of universal linguistic principles”.

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Aquisição da linguagem é conceituada por Chomsky em termos de “estados” inicial e final da mente. Em um extremo está o recém-nascido que não sabe a língua, denominado de estado inicial zero, ou S0. Em outro extremo está o conhecimento lingüístico do adulto, que é, para todos os efeitos, estático; [...]. O conhecimento de um falante nativo adulto é chamado de estado estável, ou Ss

118.

Parece-nos claro que o tipo de conhecimento que os falantes precisam

para adquirir uma língua é de natureza biológica, pois, como vimos, a aquisição

da linguagem tem a ver com o processo de maturação do cérebro humano.

O fato de a linguagem ter uma base inata, biológica, não significa que o

ambiente lingüístico em que uma criança está inserida não exerça nenhuma

influência sobre ela. É o ambiente lingüístico que diz qual língua a criança irá

adquirir.

Crianças têm que adquirir a gramática da evidência que elas encontram. Sem alguma evidência elas nada adquirirão; com evidência elas aprenderão Chinês ou Árabe ou qualquer língua humana que elas encontrarem119.

Segundo Cook120, Chomsky reconhece três tipos de evidências para

aquisição da linguagem:

(i) Evidência positiva: diz respeito à “ordem SVO, fixando como

parâmetro do núcleo da gramática; verbos irregulares, adicionando

uma periferia marcada”121.

(ii) Evidência negativa direta: quando os pais corrigem a fala das

crianças quando aquela não está conforme a da comunidade.

118 COOK, Vivian James. Op. cit., p.53. “Language acquisition is conceptualized by Chomsky in terms of initial and final ‘states’ of the mind. At one extreme is newborn baby who knows no language termed the initial zero state, or S0. At the other extreme is the language knowledge of the adult, which is, to all intents and purposes, static; [...]. The adult native speaker’s knowledge is termed the steady state, or Ss”. 119 Ibid., p.59. “Childrens have to acquire the grammar from the evidence they encounter. Without any evidence they will acquire nothing; with evidence they will learn Chinese or Arabic or any human language they encounter”. 120 Ibid., p.60. 121 Ibid., p.60. “SVO order, fixing a parameter of core grammar; irregular verbs, adding a marked periphery”.

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(iii) Evidência negativa indireta: ocorre quando a criança fixa um

parâmetro que não é permitido pela sua língua. A transgressão ao

parâmetro origina-se das sentenças que a criança ouve. De acordo

com Cook: “O fato que certas formas não ocorrem nas sentenças

que as crianças ouvem podem bastar para estabelecer um

parâmetro”122.

Essas evidências, sem dúvida alguma, reportam-nos para a terceira

questão: Como se dão a competência e a performance lingüísticas? Mas, antes

de entrarmos propriamente nessa questão, é interessante vermos o que Cook fala

sobre linguagem externalizada (língua-E) e linguagem internalizada (língua-I). A

primeira preocupa-se em descrever as regularidades encontradas em um

conjunto de sentenças de uma dada língua: “A tarefa dos lingüistas é ordenar o

conjunto de fatos externos que compõem a língua”123. Como podemos observar, a

língua-E tem a ver apenas com o que é exterior à mente e a gramática termina

sendo uma descrição de estruturas ou padrões124. Já a língua-I é tratada como

uma propriedade do cérebro e diz respeito ao conhecimento internalizado que o

falante tem de sua língua. De acordo com Cook:

A lingüística da língua-I, contudo, diz respeito ao que um falante sabe sobre a língua e onde este conhecimento se origina. Ela trata a língua como uma propriedade da mente humana ao invés de alguma coisa externa. A gramática consiste de princípios e parâmetros125.

Como podemos observar, o conceito de gramática é radicalmente

diferente nas duas visões. Para a língua-E, a gramática é apenas uma descrição

de estruturas e padrões, enquanto que para a língua-I, a gramática são os

princípios e parâmetros que o falante fixa.

122 Ibid., p.60. “The fact that certain forms do not occur in the sentences the children hear may suffice to set a parameter”. 123 Ibid., p.13. “The linguistic’s task is to bring order to the set of external facts that make up the language”. 124 Ibid., p.13. “The resulting grammar is described in terms of properties of such data through ‘structures’ or ‘patterns’. 125 Ibid., p.13. “I-language linguistics however is concerned with what a speaker knows about language and where this knowledge comes from; its treats language as an internal property of the human mind rather than something external. The grammar consists of principles and parameters”.

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Para Raposo, a competência “é o conhecimento mental ‘puro’ de uma

língua particular por parte do sujeito falante, isto é, a sua gramática

interiorizada”126. Como a competência diz respeito ao conhecimento lingüístico do

falante, ela se inscreve dentro da língua-I, independe de fatores de ordem social.

Já a performance, ainda de acordo com Raposo, citando Chomsky, “designa o

uso concreto da linguagem em situações de fala concretas”127. Portanto,

inscreve-se dentro da língua-E, sujeita às convenções sociais estabelecidas entre

o falante e o ouvinte.

Então, podemos dizer que a competência e a performance lingüísticas do

falante relacionam-se com as evidências e com as noções de língua-E e língua-I.

A última questão diz respeito à relação que se pode estabelecer entre o

cérebro e a linguagem. Como vimos acima, a linguagem tem uma base biológica

que reside no cérebro, que, por sua vez, é compartimentado em módulos. Cook,

falando da teoria gerativa, diz:

Então a teoria divide a mente em compartimentos separados, módulos separados, cada um responsável por algum aspecto da vida mental; UG é uma teoria só do módulo da linguagem, que tem seu próprio conjunto de princípios distintos de outros módulos e não se inter-relaciona com eles128.

Pelo visto, o cérebro humano está dividido em módulos e um destes

módulos é responsável pela linguagem, pois nele está inscrita a UG.

Uma prova de que a faculdade da linguagem reside em um módulo do

cérebro é que: “uma lesão no cérebro pode impedir a pessoa de falar, ou um

estado psicológico pode causar à pessoa a perda de algum aspecto do

conhecimento lingüístico”129.

126 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.31. 127 Ibid. 128 COOK, Vivian James. Op. cit., p.21. “Thus the theory divides the mind into separate compartments, separate modules, each responsible for some aspect of mental life; UG is a theory only of the language module, which has its own set of principles distinct from other modules and does not inter-relate with them”. 129 Ibid., p.22. “a brain injury may prevent someone from speaking, or a psychological condition may cause someone to lose some aspect of language knowledge”.

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Assim, não há como negar que o conhecimento lingüístico é um

conhecimento de natureza biológica, que se encontra no cérebro humano.

Para finalizar este tópico sobre aquisição da linguagem, assumimos dois

pontos que consideramos importantes: (i) a linguagem é um conhecimento inato,

quer dizer, todos os seres humanos normais nascem com disposição para

adquirirem uma língua, pois em algum módulo do seu cérebro está inscrita a UG,

que contém os princípios de todas as línguas naturais; (ii) estes princípios,

quando ativados por meio da exposição a alguma língua natural, vão parametrizar

essa língua, ou seja, os parâmetros é que farão com que as línguas particulares

sejam diferentes umas das outras. Assim sendo, princípios e parâmetros são de

suma importância para o estudo dos sistemas lingüísticos.

2.2 LÉXICO E SUBCATEGORIZAÇÃO

Na seção anterior, em nossa discussão sobre a aquisição da linguagem,

ficou dito que todos os seres humanos, com desenvolvimento mental normal, são

capazes de aprender alguma língua. Dissemos, também, que a UG (Gramática

Universal) é um conjunto de princípios e regras comuns a todas as línguas. Então,

saber uma língua é dominar este conjunto de princípios e regras. Sabemos,

ainda, que os falantes de uma língua qualquer possuem um léxico internalizado

que contém todas as informações sobre as palavras de sua língua130. Para

Raposo:

O léxico é a componente do modelo gramatical onde se encontram as informações de natureza fonológica, sintáctica e semântica sobre os itens lexicais individuais. Podemos dizer que o léxico é o dicionário da gramática: as regras desta manipulam os itens lexicais, fazendo um uso crucial da informação aí contida131.

Do pensamento de Haegeman e Raposo, podemos deduzir que a

gramaticalidade das sentenças provém desse conhecimento do falante. Então, é

o conhecimento lexical que diz ao falante que a sentença

130 Ver HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.29. 131 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.89.

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(22) João comprou um carro

é gramatical, mas

(23) * João comprou de carro,

não.

Na realidade, o falante não precisa ter um conhecimento sistemático

sobre sintaxe para perceber que (23) é uma sentença agramatical. O que a torna

assim é um fenômeno gramatical conhecido por subcategorização verbal, que diz:

Cada verbo particular é sensível à composição categorial do VP em que ocorre. Visto de outro modo, cada verbo “escolhe” a categoria gramatical dos constituintes com os quais pode, não pode, ou deve ocorrer no interior do VP132.

Então, podemos dizer que o verbo comprar subcategoriza um NP (objeto

direto), ao invés de um PP (objeto indireto)133. Por esta razão, todas as vezes que

o verbo comprar subcategorizar o PP, como em (23), a sentença será

agramatical.

Os verbos podem, também, subcategorizar um PP, uma sentença (S’)134

ou ter subcategorização nula. Em

(24) João precisa de emprego,

(25) * João precisa emprego,

a primeira é uma sentença bem formada porque atendeu à subcategorização do

verbo precisar, que inscreve um PP introduzido pela preposição “de”, enquanto

que a segunda (25), por transgredir esse princípio, não o é.

132 Ibid., p.91. 133 Para a subcategorização, será transitivo o verbo que subcategorizar um NP (objeto direto) e o que não o subcategorizar será intransitivo, tratando de modo diferente da GT a transitividade verbal (transitividade direta e indireta) (cf. RAPOSO, Eduardo P. Ibid., p.93). 134 Embora Raposo, ao tratar de categorias lexicais e categorias gramaticais (Ibid., p.67-68), fale de Grupo Adverbial (AdvP), preferimos a classificação de Silva e Koch (op. cit., p.18-20) que colocam o AdvP (Constituinte Adverbial) como um PP (Prepositional Phrase).

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Vejamos os exemplos:

(26) João perguntou se o Manuel trabalhava na fábrica.

(27) * João perguntou que o Manuel trabalhava na fábrica.

(28) João pensa que a Maria gosta dele.

(29) * João pensa se a Maria gosta dele.

(30) João percebe que a Maria gosta dele.

(31) João perceberá se a Maria o enganar?

Neste grupo de exemplos, as orações em itálico são orações

subordinadas de categoria S’135. “Os verbos que subcategorizam orações

subordinadas de categoria S’ determinam igualmente se esta é declarativa ou

interrogativa (ou seja, [±WH])”136 137. Daí podermos dizer que (26) é uma sentença

gramatical porque é interrogativa (+WH). O verbo perguntar subcategoriza

orações interrogativas. Já (27) é agramatical porque a sentença subcategorizada

pelo verbo é declarativa (-WH), diferente do tipo de sentença que o verbo

subcategoriza. Em (28) e (29), o verbo pensar subcategoriza sentenças (-WH), ou

seja, sentenças declarativas; por essa razão, (28) é gramatical porque está de

acordo com o tipo de sentença que o verbo subcategoriza e (29) é agramatical

por não atender a este quesito. Já no grupo (30) e (31), com o verbo perceber,

ambas as orações são gramaticais porque este verbo subcategoriza os dois tipos

de S’, isto é, [+WH] e [-WH], onde (30) é uma sentença declarativa e (31),

interrogativa.

A respeito de subcategorização nula, Raposo diz: “Um verbo pode ter um

quadro de subcategorização nulo, isto é, não subcategorizar nenhum tipo de

complemento”138. Por exemplo, o verbo viver em

135 Para Raposo, as orações S’ são assim reescritas: S’ → Comp S (onde “Comp” é complementizador e “S” é sentença). “Estruturalmente, a categoria Comp é introduzida como irmã da categoria S, sendo ambas dominadas por um constituinte de tipo frásico, ao qual se dá o nome de S-barra, e se simboliza S’” (RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.86). 136 RAPOSO, Eduardo P. Ibid., p.94. 137 Mais adiante, sobre mover α, discutiremos com mais profundidade sobre [WH]. 138 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.93.

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(32) João vive.139

Feita essa discussão, podemos, agora, apresentar o princípio da

subcategorização:

Princípio da subcategorização

Um constituinte é subcategorizado por um verbo sse é imediatamente dominado pelo VP que domina imediatamente esse verbo (isto é, sse é irmão do verbo)140.

Uma conseqüência do princípio da subcategorização diz respeito

diretamente ao NP como sujeito da sentença. Segundo Raposo:

Os elementos subcategorizados pelo verbo ocorrem dentro do VP e são imediatamente dominados por ele, mantendo portanto a relação de irmão com o verbo que os subcategoriza. O NP sujeito, pelo contrário, não é subcategorizado pelo verbo, e ocorre fora do VP141.

Para melhor entendermos isso, vejamos o seguinte esquema arbóreo

(simplificado) da sentença (22), aqui colocada como

(33) IP NP1 I’ VP N’ I V’ NP2 N + tense N’ + AGR V det N João comprou um carro

No esquema acima, fica claro que o NP1 “João” é dominado pelo IP,

enquanto o NP2 “um carro” é dominado pelo VP que, também, domina o V

139 Mesmo o verbo viver sendo de subcategorização nula, podemos encontrá-lo subcategorizando um NP cognato do mesmo, como “João viveu uma vida miserável”. 140 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.95. 141 Ibid., p.94.

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“comprar”. Assim sendo, o V e o NP2 são irmãos. Por ser dominado pelo IP, o NP1

fica fora do VP, portanto não é dominado pelo VP e nem irmão de V.

Até aqui, discutimos a subcategorização feita pelo verbo, mas outras

categorias lexicais (preposições, adjetivos e nomes (deverbais)) também

subcategorizam complementos.

A preposição para, por exemplo, em (34), subcategoriza um NP e, em

(35), uma sentença do tipo S’, como complemento.

(34) IP I’ NP VP V’ V’ PP N’ I V P’ NP P NP + tense N + AGR N’ N’ det N det N João comprou uma bicicleta para a filha

Nesta sentença, fica claro que o NP3 “a filha” complementa o PP “para a

filha”. Se retirássemos o NP3, a sentença ficaria agramatical: * “João comprou

uma bicicleta para”.

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(35) IP1 I’

NP VP I V’ PP N’ V’ P’ IP2 + tense NP + AGR NP I’ N V N’ N’ I VP det N P det N V’ - tense - AGR V João comprou uma bicicleta para a filha passear

Já, em (35), a preposição “para” subcategoriza IP2 como seu

complemento. Se apagássemos a sentença IP2, como em (34), o NP3, seria

igualmente agramatical.

Os adjetivos e nomes, derivados de verbos, também subcategorizam

complementos, quer um PP ou uma sentença S’. Para ilustrar, vejamos os

exemplos:

(36) João está contente [PP com o novo emprego].

(37) João contenta-se [PP com pouco].

O adjetivo contente e o verbo contentar-se são cognatos. Em (36) e (37),

tanto o adjetivo como o verbo subcategorizam um PP introduzido pela preposição

“com”.

Os nomes deverbais como “atribuição” (atribuir), “premiação” (premiar),

“devolução” (devolver) e outros pedem complemento. Da mesma forma, “nomes

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relacionais como autor, história, fotografia, subcategorizam complementos”142.

Como exemplos,

(38) João devolveu [NP os produtos defeituosos].

(39) A devolução [PP dos produtos defeituosos] já foi feita.

(40) O autor [PP desta obra] é um renascentista.

Em (38) o verbo “devolver” subcategoriza um NP como complemento; já o

substantivo deverbal “devolução”, em (39), subcategoriza um PP introduzido pela

preposição “de”. No exemplo (40), o nome relacional “autor” subcategoriza um PP

como seu complemento.

Temos ainda a situação em que o complemento selecionado é uma

sentença de categoria S’:

(41) João está desejoso [S’ (de) que a Maria chegue logo].

Onde o adjetivo “desejoso” subcategoriza uma sentença S’ como complemento.

Feita essa discussão sobre subcategorização, para encerrarmos esse

tópico, falaremos sobre entradas lexicais. Para Raposo:

No que respeita à sintaxe, as entradas lexicais contêm minimamente uma informação de natureza categorial (isto é, a categoria sintáctica a que um dado item pertence) e uma informação relativa ao quadro de subcategorização do item143.

A partir da citação de Raposo, as entradas lexicais, do ponto de vista

sintático, informam ao falante a natureza categorial a que o item pertence (se

verbo (V), nome (N), adjetivo (A) ou preposição (P)) e o quadro de

subcategorização do item (se o item subcategoriza um NP, um PP ou uma

sentença S’). A seguir, apresentamos as entradas lexicais, a título de ilustração,

dos verbos comprar, precisar, perguntar, perceber e viver, da preposição para,

dos adjetivos contente e desejoso e dos nomes devolução e autor.

142 Ibid., p.96. 143 Ibid., p.96.

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i) Comprar: V, NP

ii) Precisar: V, [PP de NP]

iii) Perguntar: V, ([PP a NP]) [PP por NP]

[S’ +WH]

iv) Perceber: V, (NP) [S’ +WH]

[S’ -WH]

v) Viver: V,

vi) Para: P, NP

[S’ -WH]

vii) Contente: A, (PP com NP)

viii) Desejoso: A, (S’ -WH)

ix) Devolução: N, [PP de NP]

x) Autor: N, [PP de NP]

As informações das entradas lexicais de (i) a (x) devem ser assim

entendidas:

(i) a vírgula separa a informação categorial (V (verbo), P (preposição), A

(adjetivo), N (nome)) da subcategorial (NP (Noun Phrase), PP

(Prepositional Phrase), S’ (Sentence));

(ii) o travessão () indica a posição do item lexical (V, P, A, N) em

relação aos seus complementos;

(iii) no caso de PP, é dita a preposição que deve anteceder o NP;

(iv) os parênteses curvos indicam que o elemento entre eles é optativo;

(v) os parênteses quadrados encerram os PPs com a devida preposição

que antecede o NP;

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(vi) as chavetas indicam que os elementos que estão dentro dela são

disjuntivos; se ocorrer um, não ocorrerá o outro;

(vii) apenas um travessão após a informação categorial indica que o item

subcategorizado é nulo, ou seja, o item categorial não pede

complemento, como em (V), como o verbo viver.

2.3 TEORIA TEMÁTICA (TEORIA-θ)

Quando falamos sobre léxico e subcategorização, no tópico anterior, ficou

dito que o falante possui um léxico internalizado de sua língua que o informa

sobre as palavras que ele usa para formar os constituintes oracionais, as

sentenças, os parágrafos. Dissemos, também, que a UG (Gramática Universal) é

um conjunto de princípios e regras comuns a todas as línguas. Então, saber uma

língua é dominar este conjunto de princípios e regras. Mas não podemos

esquecer que as línguas são diferentes entre si, ou seja, há parâmetros diferentes

para cada língua, o que faz uma língua ser diferente da outra. Daí podermos dizer

que adquirir uma determinada língua consiste na fixação de um determinado

parâmetro particular. A aquisição é do parâmetro porque os princípios da UG,

como vistos anteriormente, são inatos. De acordo com Mioto, Silva e Lopes:

Gramática é um sistema internalizado de Princípios e Parâmetros (estes últimos fixados no decorrer da aquisição da linguagem pela criança) que determina as possibilidades de formação de sentenças em uma língua144.

Talvez, porque seja a sentença o que mais se destaca na língua,

tradicionalmente, o estudo da sintaxe se faz da sentença para o léxico, mas um

caminho inverso pode ser feito, ou seja, do léxico para a sentença. Por que essa

inversão? Ora, segundo Haegeman:

[...] falantes de uma língua estão equipados com um “dicionário” interno, que nós referiremos como o léxico mental, ou léxico,

144 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op.cit., p.83.

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que contém todas as informações que eles têm internalizadas no que diz respeito às palavras de sua língua145.

Então, o conhecimento do léxico é garantia de que o falante será capaz

de identificar os núcleos lexicais, bem como o seu funcionamento. Os núcleos

lexicais, como está inscrito no próprio nome, de acordo com Mioto, Silva e Lopes:

[...] se identificam com as categorias lexicais que são definidas pela combinação de apenas dois traços distintivos fundamentais: nominal [N] e verbal [V]. A esses traços são associados dois valores + ou -146.

Como decorrência da citação acima, chegamos ao seguinte quadro para

os núcleos lexicais147:

Quadro 1: Núcleos lexicais

[+N] [-N] [-V] Nome Preposição [+V] Adjetivo Verbo

Fazendo uma análise do quadro acima, observamos que podemos

separar os núcleos lexicais em dois grupos: o primeiro é o das palavras que

possuem pelo menos um traço positivo, tanto para [N] como para [V], que são: o

nome [+N], o verbo [+V] e o adjetivo [+N] e [+V]. O segundo grupo é o da

preposição que só possui valores negativos [-N] e [-V]148.

Essas informações lexicais levam-nos às informações categoriais, que

são os constituintes frasais, ou seja, os constituintes em que uma sentença pode

ser dividida. Para Cook: “A afirmação preliminar é que sentenças podem ser

divididas em constituintes frasais, agrupamentos estruturais de palavras”149. Para

a teoria-θ, as informações lexicais são os núcleos lexicais e as categorias, os

núcleos categoriais. 145 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.29. “... speakers of a language are equipped with an internal ‘dictionary’, which we shall refer to as the mental lexicon, or lexicon, which contains all the information they have internalized concerning the words of their language”. 146 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p.56. 147 Sobre categorias lexicais, ver, também, ROSA, Maria Carlota Introdução à morfologia. 3.ed. São Paulo: Contexto, 2003. p.107. 148 Voltaremos a essa discussão em outro momento. 149 COOK, Vivian James. Op. cit., p.7. “The preliminary assumption is that sentences may be broken up into constituent phrases, structural groupings of words”.

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Desse modo, as informações lexicais e as categoriais garantem que o

falante produza sentenças bem-formadas em sua língua, porque ele se torna

capaz de identificar tanto os núcleos lexicais, como os categoriais, ou seja, o

conhecimento lexical do falante termina por envolver o conhecimento dos núcleos

lexicais e dos núcleos categoriais.

Esse conhecimento de como funcionam os núcleos lexicais de uma

determinada língua é que possibilita o falante a produzir sentenças. Então,

segundo Mioto, Silva e Lopes:

Chamamos a esses núcleos lexicais predicado e aos itens selecionados argumentos, para utilizar o vocabulário que a Lógica clássica já cunhou. Dessa forma, podemos dizer que os predicados têm estrutura argumental, isto é, os predicados possuem lacunas a serem preenchidas pelos argumentos150.

Dizer que um predicado tem argumentos, significa que os núcleos lexicais

N (nome), V (verbo), A (adjetivo) e P (preposição) precisam (ou não) de outras

palavras que lhe completarão o sentido151.

Antes de entrarmos em uma discussão mais aprofundada sobre

predicado e argumentos, e como foi dito que os termos vêm da Lógica, então

achamos necessário algum esclarecimento sobre isso. Vejamos o exemplo:

(42a) João ama Maria.

(42b) A (j, m),

onde A = ‘ama’; j = ‘João’ e m = ‘Maria’.

Em (42a), temos as expressões referenciais ‘João’ e ‘Maria’ que são os

seres dos quais falamos e temos, também, um predicado ‘ama’, que é a relação

existente entre ‘João’ e ‘Maria’. Já em (42b), a representação lógica de (42a),

temos, apenas, a informação que o predicado ‘A’ precisa de dois argumentos ‘j’ e

‘m’, que vêm entre parênteses. Então, para a Lógica, todo predicado do tipo de ‘A’

150 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p.84-85. Conferir: RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.275; HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.34-35. 151 Os núcleos lexicais determinam a categoria dos constituintes oracionais: NP (Noum Phrase), VP (Verb Phrase), AP (Adjective Phrase) e PP (Prepositional Phrase) (Cf. COOK, Vivian James. Op. cit., p.94-95).

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precisará, sempre, de dois argumentos para que a proposição seja aceita como

correta. Por isso é que:

(43) * João ama.

(44) * Ama Maria.

não são aceitas como bem formadas porque lhes faltam um dos argumentos que

o predicado exige.

Tomadas essas noções de predicado e argumento da Lógica e indo agora

para a linguagem natural, podemos dizer que os predicados possuem uma

estrutura argumental. Haegeman diz:

Usando a idéia básica da lógica formal [...], podemos dizer que todo predicado tem sua estrutura de argumento, isto é, especifica o número de argumentos que requer. Os argumentos são os participantes minimamente envolvidos na atividade ou declaração expressa pelo predicado152.

Os predicados, além de especificar o número de argumentos, também

realizam uma seleção da categoria (c-seleção) e uma seleção semântica

(s-seleção) de seus argumentos. Por c-seleção, devemos entender que o núcleo

de um predicado, segundo Mioto, Silva e Lopes, “ao selecionar o complemento

tem em vista apenas a categoria (c – abrevia categoria) à qual ele deve

pertencer”153. Já por s-seleção, para Raposo, é “a propriedade que os

predicadores têm de selecionar um determinado número de argumentos com uma

dada função temática”154. Por exemplo, em (42a), aqui tomada como

(45) João ama Maria.

152 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.36. “Using the basic idea of formal logic [...], we can say that every predicate has its argument structure, i.e., it is specfied for the number of arguments it requires. The arguments are the participants minimally involved in the activity or state expressed by the predicate”. 153 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p.59. 154 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.277. “Predicador” é o termo que Raposo usa para “predicado”. Ver nota 1, à página 275. Funções temáticas são os papéis temáticos de agente, paciente, experienciador ... de que trataremos mais adiante.

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‘ama’ c-seleciona os NPs ‘João’ e ‘Maria’, o que torna a sentença gramatical, pela

natureza da categoria (NP) dos complementos155. Se (45) fosse

(46) * João ama de paixão.

mesmo encontrando, entre os falantes mais jovens, a expressão “amo de paixão”,

do ponto de vista do parâmetro do Português, (46) é agramatical porque o

predicado ‘ama’ não c-seleciona como complemento um NP encabeçado pela

preposição ‘de’. Quanto à s-seleção, (45) é gramatical porque o NP ‘João’ é capaz

de ser o agente do predicado ‘ama’ e o NP ‘Maria‘ é o tema do amor de ‘João’.

Portanto, os argumentos do predicado foram selecionados semanticamente do

modo correto. Já em

(47) * A cadeira ama João.

a agramaticalidade decorre do fato de o NP ‘a cadeira’, semanticamente, não

poder ser agente do predicado porque, como sabemos, ‘cadeira’ é um ser

não-animado e, por isso, incapaz de amar. Logo, houve erro na s-seleção do

argumento.

Vimos que um predicado tem argumentos e relacionamos à noção de

predicado os núcleos lexicais N, V, A e P. Para a teoria-θ, esses são os quatro

predicados capazes de atribuir papel temático. Vejamos como isso se dá:

(i) Estrutura argumental do nome:

Retomemos o exemplo (42a), aqui como

(48) João ama Maria.

Se reconstruirmos (48) como

(49) O amor de João por Maria.

vemos que o nome ‘amor’, assim como o verbo ‘amar’ possuem a mesma

estrutura argumental. Nos dois exemplos, ‘João’ é o agente e ‘Maria’ é o tema.

155 Para a teoria temática, o sujeito também é complemento.

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Então, podemos dizer que o nome deverbal ‘amor’ e o verbo ‘amar’ exigem os

mesmos argumentos.

Parece que isso vale para ‘destruir’ / ‘destruição’, ‘conquistar’ / ‘conquista’,

‘analisar’ / ’análise’ ... Vejamos:

(50) Os invasores destruíram a cidade.

onde os ‘invasores’ é o agente e a ‘cidade’ é o paciente. Em

(51) A destruição da cidade pelos invasores.

‘invasores’ continua sendo o agente e ‘cidade’, o paciente, agora, argumentos do

predicado ‘destruição’. Em (52) e (53),

(52) O homem conquista o espaço.

(53) A conquista do espaço pelo homem.

os predicados, o verbo ‘conquistar’ e o nome ‘conquista’ têm dois argumentos: o

‘homem’ agente e ‘o espaço’ (em de + o espaço = do espaço), tema. Para (54) e

(55),

(54) João analisou os dados.

(55) A análise dos dados por João.

em que ‘João’ é o agente dos predicados ‘analisar’ e ‘análise’, e ‘os dados’, o

paciente dos predicados ‘analisar’ e ‘análise’, também nos dois exemplos citados.

Então, da pequena amostragem, podemos deduzir que nomes deverbais

semântica e morfologicamente ligados a verbos possuem a mesma estrutura

argumental desses verbos156. Entretanto, ao lado dos exemplos (50), (51), (52),

(53), (54) e (55), podemos ter:

(56) A destruição foi total.

(57) A conquista foi um sucesso.

(58) A análise foi bem feita.

156 Cf. HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.40.

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onde os argumentos dos predicados ‘destruição’, ‘conquista’ e ‘análise’ foram

apagados. Ainda de acordo com Haegeman, “é uma propriedade típica de nomes

que os seus argumentos podem estar não realizados”157.

(ii) Estrutura argumental do adjetivo:

Para tratarmos da estrutura argumental do adjetivo, vejamos os seguintes

exemplos:

(59) João está preocupado.

(60) O futuro preocupa João.

(61) João é invejoso.

(62) João inveja Pedro.

Nos exemplos (59) e (60), temos os predicados ‘preocupado’ e

‘preocupa’. O primeiro, (59), exige explicitamente um argumento (‘João’); já o

segundo (60), dois argumentos (‘o futuro’ e ‘João’). Em (61) e (62), a estrutura

argumental se repete: o predicado ‘invejoso’ requer o argumento ‘João’, e o

predicado, formado pelo VP ‘inveja’, pede dois argumentos, ‘João’ e ‘Pedro’. Por

que isso acontece? De acordo com Haegeman, verbos e adjetivos deverbais

possuem a mesma estrutura argumental, com uma diferença: quando o predicado

é o verbo, os dois argumentos realizam-se de forma clara, o que não acontece

quando o predicado é o adjetivo; o segundo argumento fica subentendido, ‘João

está preocupado com algo ou alguém’ e ‘João é invejoso de algo ou alguém’158.

(iii) Estrutura argumental das preposições:

As preposições, podemos dizer, também possuem estrutura argumental.

Por exemplo:

(63) João está em casa.

(64) João viajou para o Sul.

(65) Santa Catarina está entre o Paraná e o Rio Grande do Sul.

157 Ibid., p.40. “It is a typical property of nouns that both their arguments may be unrealized”. 158 Ibid., p.38-39.

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O indício da estrutura argumental das preposições está na

agramaticalidade das sentenças em que elas aparecem sem o seu argumento. Se

reescrevêssemos (63), (64) e (65) como (66), (67) e (68), as sentenças seriam

agramaticais.

(66) * João está em.

(67) * João viajou para.

(68) * Santa Catarina está entre.

A agramaticalidade decorre, exatamente, da falta dos argumentos ‘casa’,

em (66), ‘o Sul’, em (67) e ‘o Paraná e o Rio Grande do Sul’, em (68)159.

(iv) Estrutura argumental do verbo:

Deixamos para tratar da estrutura argumental do verbo por último, por ser

o verbo o predicado mais importante. Para Raposo, “no nível da oração, o

predicador mais importante é o verbo”160. E, de fato, o que vai nos interessar.

Quando olhamos para o verbo de uma sentença, aí podemos ver duas

coisas: a primeira são as funções gramaticais dependentes do verbo (se o verbo

tem sujeito, objeto direto, objeto indireto ...) e a segunda são os relacionamentos

estabelecidos a partir do verbo. Para Cook: “É tradicional em gramática olhar a

sentença como contendo relacionamentos tais como quem está fazendo a ação e

quem ou o que está sendo afetado pela ação”161.

É, exatamente, esse segundo olhar que interessa à teoria-θ: “A teoria-θ

(teoria theta) [...] trata de tais relacionamentos”162. Segundo Haegeman: “Se um

verbo é transitivo ou não não é questão de mero acaso; segue do tipo de ação ou

declaração expressada pelo verbo, de seu significado”163. Por exemplo:

159 Ibid., p.40. 160 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.275. 161 COOK, Vivian James. Op. cit., p.110. “It is traditional in grammar to see the sentence as containing relationships such as who is doing the action and who or what is being affected by the action”. 162 Ibid., p.119. “θ-theory (theta theory) [...] handles such relationships”. 163 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.35. “Whether a verb is transitive or not is not a matter of mere chance; it fallows from the type of action or state expressed by the verb, from its meaning”.

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(69) João morreu.

(70) João beijou Maria.

(71) João deu um presente à Maria.

Em (69), o verbo ‘morrer’ requer apenas um argumento, ‘João’ (tema). Em

(70), ‘beijar’ tem dois argumentos, ‘João’ (agente) e ‘Maria’ (paciente). Já em (71),

o verbo ‘dar’ exige três argumentos, ‘João’ (agente), ‘um presente’ (tema) e ‘à

Maria’ (benefactivo). Esses argumentos decorrem do significado do verbo, ou

seja, do tipo de ação expressa pelo verbo: ‘morrer’ é uma declaração que envolve

apenas a pessoa que ‘morre’, no caso, o tema da declaração. ‘Beijar’, por sua

vez, mesmo havendo reciprocidade de ação, mas ‘João’ é o agente dela,

enquanto ‘Maria’ é o ser que a recebe. No ato de ‘dar’ estão realizados pelo

menos três argumentos: aquele que dá algo (‘João’), o algo que é dado (‘o

presente’) e a pessoa que se beneficia da ação verbal (‘à Maria’).

Como o predicado determina os seus argumentos, essa determinação

tem a ver com a função semântica desses argumentos, que são as funções-θ.

Portanto, funções-θ são papéis semânticos desempenhados pelos argumentos

dos predicados. Mesmo não havendo concordância entre os teóricos sobre o

número e o tipo dessas funções-θ, a partir de Raposo e Haegeman,

enumeraremos algumas:

(i) Para Raposo, as principais funções-θ são164:

a) Tema: de acordo com a tipologia do verbo, o tema pode ser:

– O NP que sofre o movimento (para verbos de movimento ou troca). Por

exemplo:

(72) João veio de São Paulo. (‘João’ = tema)

– O NP do qual damos a localização (para verbos de localização). Por

exemplo:

(73) O livro está sobre a mesa. (‘O livro’ = tema)

164 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.276-283.

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– O NP que exprime idéia abstrata ou psicológica de movimento ou posse

(para verbos que exprimam esses conceitos). Por exemplo:

(74) O aluno tem a resposta. (‘a resposta’ = tema)

(75) Os alunos temem o professor. (‘o professor’ = tema)

– O NP que sofre mudanças (com verbos incoativos (= mudança de

estado) e causativos (= mudança de estado por força exterior)). Por exemplo:

(76) O bolo já assou. (‘O bolo’ = tema)

(77) As enchentes destruíram as plantações. (‘As enchentes’ = tema)

b) Agente: O NP que intencionalmente pratica a ação verbal. Por

exemplo:

(78) João construiu a ponte. (‘João’ = agente)

c) Locativo: O NP que dá a localização de um ser no espaço. Por

exemplo:

(79) João pôs o livro na estante. (‘na estante’ = locativo)

d) Fonte: O NP (encabeçado, ou não, por preposição) que é a origem,

com verbos de movimento. Por exemplo:

(80) O carteiro entregou a correspondência no escritório. (‘O carteiro’ =

fonte)

(81) Os tropeiros partiram do Rio Grande do Sul para São Paulo. (‘do Rio

Grande do Sul’ = fonte)

e) Alvo: O NP (ou PP) que é o ponto de chegada do movimento. Por

exemplo:

Em (81) ‘para São Paulo’ (= alvo).

(82) Maria era a destinatária da carta. (‘Maria’ = alvo)

f) Paciente: O NP que sofre a ação do verbo. Por exemplo:

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(83) Os empregados foram demitidos pelo gerente. (‘Os empregados’ =

paciente)

g) Experienciador psicológico: O NP que vive uma experiência

psicológica. Por exemplo:

(84) A população teme a violência urbana. (‘A população’ =

experienciador psicológico)

h) Instrumento: O PP que auxilia à prática de uma ação. Por exemplo:

(85) João cortou o bolo com a faca. (‘com a faca’ = instrumento)

(ii) Haegeman especifica as seguintes funções-θ165:

a) Agente/ator: aquele que intencionalmente inicia a ação contida no

predicado.

b) Paciente: a pessoa que sofre a ação desencadeada.

c) Tema: a pessoa ou coisa atingida pela ação verbal.

d) Experienciador: o ser que sofre algum estado psicológico contido no

predicado.

e) Benefactivo/Beneficiário: a pessoa que se beneficia da ação.

f) Objetivo: a quem a ação verbal é direcionada.

g) Fonte: a entidade de onde algo é movido como resultado da ação

verbal.

h) Locativo: o local onde a ação ou declaração expressa pelo verbo está

situada.

Como podemos observar, a diferença entre funções-θ apresentadas por

Raposo e Haegeman é mínima, mas isso não significa que não há problemas com

165 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.41-42.

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relação à especificação dos papéis temáticos ou funções-θ. Para Haegeman:

“Embora muitos lingüistas concordem sobre a importância da estrutura temática

para certos processos sintáticos, a teoria de papéis temáticos é ainda muito

imperfeita”166.

Até aqui vimos apenas NPs funcionando como argumentos de

predicados, mas, segundo Cook “proposições também podem ser argumentos”167.

Por exemplo:

(86) Eu creio que ele virá.

Onde o NP ‘Eu’ é o experienciador psicológico e a sentença ‘que ele virá’ é o

tema do predicado ‘creio’.

Após apresentarmos esse quadro geral das funções-θ, veremos agora o

número de argumentos que um predicado exige para que as sentenças sejam

bem-formadas, que é, de fato, do que trata a teoria-θ. Segundo Mioto, Silva e

Lopes: “O primitivo para a teoria é o número de argumentos de um determinado

predicado e, portanto, o número de papéis que esse predicado terá que atribuir,

vale dizer, a sua grade temática”168. E, não podemos esquecer, que a boa

formação das sentenças depende do critério-θ que diz:

(i) Cada argumento tem que receber um e um só papel temático;

(ii) Cada papel temático tem que ser atribuído a um e um só argumento169.

Por exemplo:

(87) * Quem a Maria encontrou João?

(88) * Maria encontrou.

166 Ibid., p.41. “Although many linguistics agree on the importance of thematic structure for certain syntactic processes, the theory of thematic roles is still very sketchy”. 167 COOK, Vivian James. Op. cit., p.112. “Propositions can also be arguments”. Cf., também, HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.47-51. 168 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p.89. 169 Ibid., p.96. Cf., também, RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.309; HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.46; COOK, Vivian James. Op. cit., p.116.

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Em (87), o predicado ‘encontrou’ possui três argumentos: ‘quem’, ‘a Maria’

e ‘João’, mas o predicado exige apenas dois, no caso ‘quem’ e ‘a Maria’, ‘João é

um argumento que sobra porque não há papel temático para ele; transgredindo o

princípio (i) do critério-θ. Já (88) transgride o princípio (ii) do mesmo critério,

porque o predicado ‘encontrou’ pede dois argumentos e aí temos apenas um,

‘Maria’.

Os argumentos de um verbo podem ser externos ou internos. O

argumento externo é o que “se realiza fora da projecção máxima VP do verbo, na

posição de sujeito da oração (à função-θ particular que este argumento suporta,

chama função-θ externa)170”. Portanto, é um argumento dominado pelo S

(sentença). Já os argumentos internos “são realizados dentro da projecção VP do

verbo”171 (funções-θ internas); sendo assim, um argumento na função de

complemento.

É interessante salientarmos, também, que a atribuição do papel-θ pode se

dar por marcação direta ou indireta. Temos marcação direta quando o papel

temático é atribuído por um núcleo X e o argumento que recebe esse papel é

interno. Enquanto que a marcação indireta se dá quando o papel temático é

atribuído pela composição do núcleo com seu complemento172. Por exemplo:

(89) Pedro quebrou o braço.

(90) Pedro quebrou a vidraça.

Em (89), ‘Pedro’ é o tema da ação verbal, e esse papel temático é

atribuído somente pelo núcleo do predicado ‘quebrou’. ‘Pedro’ jamais poderia ser

o agente da ação verbal. Em (90), por outro lado, o papel temático de ‘Pedro’

(agente) é atribuído pelo núcleo do predicado ‘quebrou’ mais o seu argumento

interno ‘a vidraça’. Nas duas sentenças, a semântica do verbo é a mesma mas a

atribuição do papel temático do argumento externo se dá de modo direto em (89)

e de modo indireto em (90).

170 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.284. 171 Ibid., p.285. 172 Cf. MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p.89; HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.61.

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Feita essa discussão sobre a estrutura argumental do verbo e as

principais funções-θ, vejamos agora em que consiste a grade temática ou

grade-θ. Para Haegeman:

A informação quanto ao relacionamento semântico entre o predicado e seus argumentos é fonte do conhecimento lexical do falante nativo e, por isso, também deve estar gravado no léxico. Ao invés de mera especificação do número de argumentos de um predicado, pode-se encarar uma representação que especifica o tipo de papéis semânticos desses argumentos. [...] isto é representado por meio de uma grade temática, ou grade-theta, que é fonte da entrada lexical do predicado173.

Como podemos ver, na citação acima, os falantes nativos de uma língua

têm gravado, no léxico, um conhecimento sobre verbos que lhes diz o número de

argumentos e os papéis temáticos desses argumentos para cada evento verbal. A

ativação desse conhecimento é que permite ao falante reconhecer como

mal-formadas as sentenças (87) e (88), aqui retomadas como:

(91) *Quem a Maria encontrou o João?

(92) * Maria encontrou.

Então, a representação da grade temática do predicado ‘encontrar’ é:

encontrar: verbo [___NP] < agente, tema>

às informações entre colchetes quadrados e parênteses angulares chamamos de

estrutura argumental. Onde a informação entre colchetes quadrados é a

c-seleção, isso quer dizer que o predicado ‘encontrar’ subcategoriza (não olha

para a semântica mas somente para a categoria do elemento selecionado174)

como complemento um NP. É interessante observarmos que o predicado

subcategoriza apenas os argumentos internos porque, pelo Princípio de Projeção

Estendido (EPP), todas as sentenças têm sujeito175 e este é sempre externo ao

VP. Já as informações entre parênteses angulares são a s-seleção, ou seja, as

173 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.43. “The information as to the semantic relationship between the predicate and its arguments is part of the lexical knowledge of the native speaker and should hence also be recorded in the lexicon. Rather than merely specifying the number of arguments of a predicate, one may envisage a representation which specifies the type of semantic roles of there arguments. [...] this is represented by means of a thematic grid, or theta grid, which is part of the lexical entry of the predicate”. 174 Cf. MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p.66. 175 Ibid., p.100; HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.59; COOK, Vivian James. Op. cit. p.115.

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informações dos papéis temáticos: o predicado ‘encontrar’ tem um argumento

‘agente’ e outro argumento ‘tema’. Nos colchetes quadrados, o esquema de

subcategorização, não aparece o NP que é externo ao VP, ou seja, o sujeito,

porque, como vimos, todas as orações têm sujeito176. De posse dessas

informações sobre estrutura argumental, ilustraremos como, de fato, isso

funciona:

(i) morrer: verbo [ ] <tema>

(ii) construir: verbo [ ___NP] <agente, paciente>

(iii) entregar: verbo [ ___NP, PP] <agente, tema, alvo>

(iv) assar: verbo [ ] < tema>

[ ___NP] <agente, paciente>177

Até aqui tratamos de estrutura argumental de verbos que possuem

argumentos internos e externos. No entanto, há verbos que não selecionam

argumento externo e outros que não selecionam argumento algum. Vejamos:

(93) Parece-(me) que João viajou.

(94) O tempo parece voar.

(95) Chove.

Em (93) para a Gramática Tradicional, ‘que João viajou’ é uma oração

com a função de sujeito. Mas, para a teoria temática, o “verbo parecer seleciona

um argumento interno de natureza proposicional e, opcionalmente, um argumento

interno Experienciador (correspondente ao objecto indirecto)”178. Já em (94), o NP

que aparece na posição de sujeito é tematicamente dependente do verbo da

oração subordinada infinitiva ‘voar’, portanto não foi selecionado por ‘parece’. (95)

é um exemplo de um verbo que não seleciona nem argumento externo, nem

interno. Assim, a estrutura argumental desses verbos é:

176 Cf. HAEGEMAN, Liliane. Op.cit., p.37. 177 O verbo ‘assar’ possui duas estruturas argumentais: a primeira é a de um verbo intransitivo que possui apenas o sujeito; a segunda, de um verbo transitivo direto, com sujeito e objeto direto. 178 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.297.

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(v) parecer: verbo [___(PP)179, S] <(experienciador), tema>

(vi) voar: verbo [ ] <agente>

(vii) chover: verbo [ ] < >

No entanto, para Raposo, assim como para o Inglês e o Francês, que

exigem, sempre, um item lexical preenchendo a posição do sujeito, o Português,

nessa posição, “contém um pronome nulo (que simbolizamos como pro), de

natureza expletiva, semelhante aos pronomes il e it, mas sem matriz

fonológica”180.

Essa explicação de Raposo garante a manutenção do Princípio de

Projeção Estendido (EPP), mesmo quando o verbo não seleciona um argumento

externo:

A ocorrência de um pronome expletivo (fonético ou nulo, consoante o valor do parâmetro do sujeito nulo) nessa posição de sujeito não selecionada tematicamente mostra pois que esta posição é obrigatória, quer o verbo seleccione um argumento externo quer não seleccione181.

Sujeito expletivo, para o Inglês, são “alguns NPs na posição de sujeito da

sentença que não recebem um papel temático, por isso não são argumentos”182.

Exemplos de sujeitos expletivos são o “it” e o “there”, como em:

(96) “It surprised Jeeves that the pig had been stolen”.

(97) “There are three pigs escaping”.183

Em (96), ‘it’ não refere para nenhum ser no mundo, não pode ser

associado a qualquer elemento envolvido no evento. O mesmo se dá com (97),

em que ‘there’ é empregado para sentenças existenciais e não como advérbio de

lugar184.

179 Os parênteses indicam que o argumento é opcional. 180 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.300. 181 Ibid. 182 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.51. “Some NPs in the subject position of the sentence are not assigned a thematic role, hence are not arguments”. 183 Os exemplos foram retirados de HAEGEMAN, Liliane. Ibid., p.52, 54. 184 Cf. HAEGEMAN, Liliane. Ibid., p.51-56.

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Para finalizar esta seção, falaremos um pouco sobre os verbos principais

e os verbos auxiliares185. Vejamos os exemplos abaixo:

(98) João vendeu os seus bens.

(99) João tinha vendido os seus bens.

(100) João havia vendido os seus bens.

As três sentenças contêm, mais ou menos, o mesmo conteúdo

proposicional. Em (98), o predicado ‘vendeu’ seleciona os argumentos ‘João’ e ‘os

seus bens’. Em (99) e (100), mesmo ‘João’ concordando em número e pessoa

com ‘tinha’ e ‘havia’ (que também se flexionaram em modo, tempo e aspecto),

não são esses verbos que atribuem o papel temático a ‘João’, mas o verbo

‘vendido’, que é o verbo principal nas duas sentenças. Daí, deduzimos que os

verbos auxiliares, mesmo concordando morfologicamente com o argumento

externo, não atribuem papel temático a ele, quem o faz é o verbo principal, nos

exemplos acima, ‘vendido’, no particípio. O mesmo se pode dizer para o verbo

ser, na função de cópula, em que o papel temático do sujeito é atribuído pelo

adjetivo. Segundo Haegeman: “As diferenças formais entre os verbos principais

por um lado e auxiliares e a cópula ser por outro são equiparadas por uma

propriedade semântica: nem auxiliares nem a cópula ser determinam papéis

temáticos”186.

2.4 MOVIMENTOS DE CONSTITUINTES (MOVER-α)

Para falarmos sobre movimentos de constituintes, precisamos, antes, ter

clareza sobre o que seja um constituinte. Haegeman diz: “As palavras de uma

sentença estão organizadas hierarquicamente dentro de unidades maiores

chamadas constituintes”187. Então, um constituinte não é, simplesmente, um

conjunto qualquer de palavras, mas é necessário que elas estejam organizadas 185 Ibid., p.56-58. 186 Ibid., p.58. “The formal differences between main verbs on the one hand and auxiliaries and the copula be on the other are matched by a semantic property: neither auxiliaries nor the copula be assign thematic roles”. 187 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p.26. “The words of the sentence are organized hierarchically into bigger units called phrases”.

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de acordo com determinadas regras de língua. Para Napoli, um constituinte é “um

nó e nunca um conjunto que não forma um nó (isto é, um conjunto

não-constituinte)”188.

Raposo, falando sobre constituintes, diz:

A organização de uma frase em grupos hierárquicos complexos constituídos por uma inclusão sucessiva de elementos de nível inferior em grupos maiores, começando pelos itens lexicais, chama-se estrutura de constituintes189.

Como podemos ver, os constituintes de uma sentença são as palavras

hierarquicamente organizadas para formar unidades significativas.

Línguas como o português e o inglês permitem uma certa liberdade de

movimentação de constituintes dando-nos sentenças como:

(101) João comprou um carro.

(102) O carro foi comprado por João.

(103) Que carro João comprou?

(102) e (103), aparentemente, ferem o princípio de subcategorização, que

“exige uma relação estritamente local entre a categoria lexical e os seus

complementos subcategorizados”190. Em (102), o NP “o carro” está na posição de

sujeito e, em (103) em uma posição mais periférica que a de sujeito. No entanto,

ambas são sentenças gramaticais do português.

Para resolver essa situação, a gramática transformacional trabalha com

os conceitos de estrutura-D e estrutura-S. Estas duas estruturas, segundo

Raposo, “correspondem aproximadamente aos termos ‘estrutura profunda’ e

‘estrutura de superfície’ dos modelos generativos anteriores”191. Sendo assim, a

estrutura-D é “uma representação abstracta, ‘transparente’, das relações locais de

subcategorização e das funções lógico-gramaticais dos constituintes da frase”192 e

a estrutura-S é “uma representação concreta da estrutura hierárquica e da 188 NAPOLI, Donna Jo. Sintaxe: Theory and problems. New York: Oxford University, 1993. p.281. “a node and never a string that does not form a node (that is, a non constituent string)”. 189 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.66-67. 190 Ibid., p.106. 191 Ibid., p.109. 192 Ibid.

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ordenação linear efectivamente existente entre os constituintes da frase”193. Para

ilustrar isso, vejamos os esquemas arbóreos das sentenças (101), (102) e

(103)194.

(101a) IP

I’ NP VP I V’ N’ NP

+ tense +AGR

N’ N V

det N João comprou um carro

O esquema (101a), que é de uma sentença onde o NP subcategorizado

pelo verbo aparece em sua posição canônica, não apresenta nenhum tipo de

movimento de constituinte da estrutura-D para a estrutura-S.

Já a sentença (102) apresenta as seguintes estruturas:

193 Ibid. 194 Os esquemas arbóreos estão simplificados porque queremos mostrar apenas o que é pertinente à subcategorização do verbo e ao movimento de constituintes na sentença.

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(102a) Estrutura-D:

IP I’ VP

Spec V’ PP V’ I P’ NP NP P N’ N’ det N per V det N o Foi comprado o carro pelo João

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(102b) Estrutura intermediária:

IP I’ VP NP V’ PP V’ N’ I P’ NP

det N V NP P N’ N per det o O carro foi comprado pelo João �

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(102c) Estrutura-S:

IP I’ NP1 VP V’ N’ I PP V’ P’ det N NP1 NP V P N’ per det N o O carro(i) foi comprado t pelo João

Na estrutura (102a), a estrutura-D, o NP imediatamente dominado por IP

está vazio e o NP “O carro” é subcategorizado pelo VP “comprar” (“comprado”),

na posição de complemento deste verbo. Já, na estrutura (102b), uma estrutura

intermediária, o NP “O carro” movimentou-se da posição de NP subcategorizado

pelo VP e localizou-se na posição do NP imediatamente dominado por IP, que é a

posição própria do sujeito. Esse movimento vai nos dar a estrutura (102c), a

estrutura-S, onde o NP1195 “O carro”, agora ocupando a posição de sujeito da

sentença, deixou um traço (“t” de “trace”, em inglês), ou um vestígio196, na posição

que ocupava anteriormente, atendendo, assim, ao princípio de subcategorização

do verbo “comprar”, melhor dizendo, o NP “O carro” passou a ocupar a posição de

195 O algarismo aposto no NP indica a correferencialidade entre eles. 196 Adiante discutiremos sobre vestígios.

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sujeito, deixando na posição de NP subcategorizado pelo VP, apenas, um traço

(“t”) de sua presença.

A sentença (103) nos dá as seguintes estruturas, apresentadas por

árvores:

(103a) Estrutura-D:

CP C’

Comp [+WH]

C IP I’ VP NP V’ I NP N’ V +tense N’ + AGR det N det N O João comprou que carro

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(103b) Estrutura intermediária:

CP Comp [+WH] C’ IP C NP I’ NP VP N’ N’ I

V’

det N det N + tense NP + AGR V Que carro o João comprou �

(103c) Estrutura-S:

CP Comp [+WH] C’ IP NP1 C I’ NP VP N’ N’ I

V’ N det det N + tense NP1

+ AGR V

Que carro o João comprou t

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Na estrutura-D, temos um CP, próprio de sentenças interrogativas,

dominando um Comp que está vazio, que é para onde o NP “que carro” irá se

mover. Já na estrutura intermediária, temos um IP, que é o nó básico que vai

dominar o NP sujeito “João” e o VP. É nessa estrutura intermediária que se dá o

movimento do NP “Que carro”, da posição de complemento para a posição do NP

imediatamente dominado pelo CP de sentença interrogativa. Na estrutura-S,

vamos encontrar o NP1 “Que carro” em uma posição mais periférica que a do NP

“João”, que é o sujeito da sentença. No lugar do NP1 imediatamente dominado

pelo VP “comprar”, encontraremos um traço, deixado pelo NP. Assim, fica

garantida a gramaticalidade da sentença, que exige um NP dominado pelo verbo,

neste caso particular, “um carro”.

Como vimos, um constituinte para mover-se é necessário haver uma

posição vazia que o mesmo passa a ocupar e deixará um traço na posição que

ocupava antes. Para Raposo:

O movimento de um constituinte de uma posição A para uma posição B deixa na posição originária A uma cópia categorial sem conteúdo fonético (dizemos vazia) do constituinte movido. A esta cópia categorial chamamos o vestígio do constituinte movido; o constituinte movido, por sua vez, é o antecedente do seu vestígio197.

A utilização dos vestígios garante tanto na estrutura-D, quanto na

estrutura-S, que a subcategorização de um verbo seja satisfeita.

Atendendo aos objetivos de nosso trabalho, discutiremos apenas dois

tipos de movimento: Mover NP e Mover wh198.

O movimento de NP dentro da sentença resulta nas transformações de

ativa para passiva, de elevação de sujeito e na transformação de passiva com

elevação do sujeito. Vejamos o exemplo (102) aqui tomado como (104), (105) e

(106).

(104) O carro foi comprado por João.

(105) João parece ter comprado o carro.

(106) O carro parece ter sido comprado por João.

197 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.112. 198 COOK, Vivian James. Op. cit., p.129-132, discute o movimento do verbo.

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O exemplo (104), que é a passiva de (101) “João comprou um carro”, já

foi discutido nas estruturas (102a), (102b) e (102c). Aqui queremos, apenas,

chamar a atenção para os seguintes aspectos da passiva:

(i) movimento do NP da posição de complemento para a de sujeito;

(ii) extraposição do NP sujeito para depois do verbo, precedido por

preposição (“por”);

(iii) presença do verbo “ser” (que vai receber as flexões modo, aspecto,

tempo e pessoa) mais o verbo da oração anterior no particípio199.

Essas são as características presentes na voz passiva.

No exemplo (105), temos um caso em que o movimento do NP gera a

elevação do sujeito. Isso se dá pela presença de um verbo inacusativo (“parecer”)

na oração principal. De acordo com Raposo:

Lexicalmente, os verbos inacusativos selecionam um argumento interno directo (isto é, correspondente ao objecto directo no quadro de subcategorização, mas não seleccionam um argumento externo, propriedade que partilham com o verbo parecer e com os verbos impessoais em geral)200.

Dada essa particularidade do verbo “parecer”, em (105), o NP “João”, que

figura na posição de sujeito do VP “parece”, na estrutura-D não pode ocupar essa

posição, como veremos nas estruturas abaixo.

199 Cf. SILVA, Maria Cecília P. de S.; KOCH, Ingedore G. V. Op. cit., p.66; RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.311. 200 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.314.

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(105a) Estrutura-D:

IP I’

Spec VP V’ I IP I’ NP VP + tense V N’ V’ + AGR I NP V N N’ det N Parece João ter comprado o carro

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(105b) Estrutura-S:

IP I’

NP1 VP V’ I IP N’ I’ NP1 VP + tense V V’ + AGR I NP V N N’ det N João parece t ter comprado o carro �

Como podemos observar, na estrutura-D, o Spec, imediatamente

dominado pelo primeiro IP, está vazio, e o NP “João” é imediatamente dominado

pelo segundo IP, portanto, é o sujeito de “ter comprado”. Então, para formar a

estrutura-S, o NP1 se move da posição de sujeito da oração subordinada,

deixando um traço (t) em seu lugar, e passa a ocupar a posição de sujeito da

sentença; a esse movimento é dado o nome de elevação do sujeito porque o

sujeito é elevado de sujeito da oração subordinada para a posição de sujeito da

sentença.

O movimento do NP gera, ainda, a apassivação da sentença combinada

com a elevação do sujeito, como no exemplo (106).

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(106a) Estrutura-D:

IP I’

Spec VP V’ IP Spec I’ VP V V’ V’ PP I NP I V P’ N’ NP P

+ tense det N N’ + AGR

N

Parece ter sido comprado o carro por João

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(106b) Estrutura intermediária:

IP I’

Spec VP V’ IP V NP1 I’ I VP N’ I V’

+ tense det N PP + AGR V’ NP1 P’ V NP P N’ N

Parece o carro ter sido comprado t por João �

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(106c) Estrutura-S: IP I’

NP1 VP I N’ V’ IP det N + tense I’ + AGR NP1 VP I V’ PP V’ NP1 P’ V NP P V N’ N

O carro parece t ter sido comprado t por João � �

As estruturas apresentadas (106a), (106b) e (106c) são um caso de

apassivação com elevação do sujeito. Em (106a), o NP “O carro” é

subcategorizado pelo verbo, na posição de complemento. Na estrutura

intermediária (106b), esse NP (“O carro”) movimenta-se para a posição de sujeito,

que é um dos critérios de apassivação. E na estrutura-S (106c), esse mesmo NP

(“O carro”) é elevado à posição de sujeito da sentença. Em todos os movimentos,

o NP deixou um traço nas posições que ocupava anteriormente.

Visto o movimento de NP, vejamos agora em que consiste o Mover wh.

Segundo Raposo: “Mover wh é a regra que move constituintes interrogativos ou

pronomes relativos para uma posição periférica da frase nas orações

interrogativas parciais e nas orações relativas, respectivamente”201.

201 Ibid., p.122.

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Esses constituintes são assim chamados porque, à exceção de onde e

como, todos os outros consistem em item iniciado pela letra q- (que, quem,

quando ...), em inglês wh202.

O Mover wh, como vimos na citação acima, gerará orações interrogativas

(diretas ou indiretas) e orações relativas. Vejamos os exemplos (107) e (108):

(107) Que presente João ofereceu à Maria?

(108) Eu vi o rapaz com quem Maria saiu.

O exemplo (107) nos dá as seguintes estruturas:

(107a) Estrutura-D:

CP

Comp C’ [+ WH] C IP I’ NP I VP + tense V’ + AGR PP V’ N’ NP P’ V NP N’ P N’ det N a N det N a João ofereceu que presente à Maria

202 Ibid., p.122.

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(107b) Estrutura-S:

CP C’

Comp [+WH] C IP I’ NP1 NP1 VP N’ N’ I V’ + tense PP det N + AGR V’ P’ NP NP1 P N’ a det N N V a Que presente João ofereceu t à Maria �

Na estrutura-D (107a), a posição do complementador se encontra vazia

(apenas está indicado que esta posição deve ser preenchida por item

interrogativo direto, por meio do sinal +). O NP “Que presente” está

subcategorizado pelo verbo “oferecer”. Já na estrutura (107b), a estrutura-S, o NP

“que presente” desloca-se para uma posição mais periférica que a de sujeito,

deixando em seu lugar de origem o traço “t”. Esse movimento torna a sentença

interrogativa direta.

No exemplo (108), de uma oração relativa, o movimento WH pode ser

visto nas estruturas a seguir.

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(108a) Estrutura-D:

IP I’ I VP

NP V’ + tense + AGR NP CP N’ Comp N’ [-WH] V C’

C IP N det N NP I’ I N’ VP + tense N + AGR V’ PP V P’ NP P N’ det N Eu vi o rapaz Maria saiu com o rapaz

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(108b) Estrutura intermediária:

IP I’ I VP

NP V’ + tense + AGR NP CP N’ Comp N’ [-WH] V C’

C IP N det N NP I’ I N’ VP + tense N + AGR V’ PP V P’ NP P N’ N Eu vi o rapaz Maria saiu com quem

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(108c) Estrutura-S:

IP I’ I VP

NP V’ + tense + AGR NP CP [-WH] C’ N’ PP1 C IP V P’ N’ NP NP I’ N P det N N’ N’ I VP +tense N N + AGR V’ PP1 V P’ P Eu vi o rapaz com quem Maria saiu t �

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Na estrutura-D (108a), o lugar do complementizador se encontra vazio e

está indicado (pelo -) que não se trata de uma partícula interrogativa. O NP

imediatamente dominado pelo PP não está apagado (”Eu vi o rapaz, Maria saiu

com o rapaz”). Na estrutura intermediária, pelo fato de o NP “o rapaz” dominado

pelo PP corresponder ao mesmo NP (“o rapaz”) imediatamente dominado pelo VP

de IP, ele (o NP dominado pelo PP) é apagado e, em seu lugar, colocamos o

pronome relativo “quem”, que é correferencial de “o rapaz”. E, para formar a

estrutura-S, o PP, dominado por VP, move-se para a posição de Comp, dominado

pelo primeiro VP, que se encontra vazia, deixando um traço em seu lugar de

origem.

Como podemos observar nos dois exemplos, tanto a partícula

interrogativa como o pronome relativo ocuparam a categoria Comp203.

Também podemos inferir que mover NP e mover WH consiste em um

movimento de constituintes para uma posição vazia na estrutura-D204. A esse tipo

de movimento chamamos de movimento por substituição porque, na realidade,

dá-se a substituição de uma posição vazia por uma não-vazia que deixou um

traço atrás de si.

Um outro tipo de movimento é por adjunção. No dizer de Raposo: “uma

categoria A é adjunta a uma categoria B, criando-se uma configuração, chamada

adjunção, [...], consoante a adjunção é à esquerda ou à direita da categoria que é

alvo da adjunção”205.

Para melhor entendermos o movimento por adjunção, vejamos os

exemplos (109a,b) e (110):

(109)a. Os alunos vieram à escola.

b. Vieram à escola os alunos.

(110) Este carro, João comprou.

203 Ibid., p.123; COOK, Vivian James. Op. cit., p.126. 204 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p.126. 205 Ibid., p.127.

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(109a) nos dá a seguinte estrutura-S:

IP I’

NP I VP + tense N’ + AGR V’ PP det N P’ NP V P N’ a det N a Os alunos vieram à escola

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Já a estrutura-S de (109b) é:

IP IP I’ NP1 I VP NP1 + tense PP + AGR N’ V’ N’ P’ V NP det N P

N N’ a det N a e vieram à escola os alunos �

O primeiro fato que nos chama a atenção é que em ambas as estruturas o

NP “os alunos” é imediatamente dominado pelo IP; portanto, na função de sujeito,

não importa se o NP está à direita ou à esquerda do VP. Na estrutura (109b), o

NP1 imediatamente dominado pelo segundo IP ficou vazio (e do inglês empty =

vazio). Também observamos que não houve o preenchimento de uma categoria,

antes vazia, mas apenas o movimento de um constituinte da esquerda para a

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direita. A este movimento chamamos de inversão livre, que é o movimento de um

NP sujeito para o final da frase206.

Vejamos, agora, um caso de topicalização, que desloca um NP da direita

para a esquerda. Como as estruturas a seguir:

(110a) Estrutura-D:

IP I’

NP I VP + tense + AGR N’ V’ NP V N N’ det N João comprou este carro

206 Ibid., p.128.

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(110b) Estrutura-S:

IP

NP2 IP I’ N’ NP1 I VP N’ + tense det N + AGR V’ N NP2 V Este carro João comprou t �

Na estrutura-D, (110a), o NP “Este carro” ocupa uma posição

subcategorizada pelo VP “comprou”, que é a posição canônica de complemento.

Já na estrutura-S, (110b), o NP “Este carro”, como tópico, ocupa uma posição

mais periférica que a de sujeito, deixando um traço em sua posição de origem.

Aqui temos um caso de deslocamento à esquerda de um constituinte que se

encontrava à direita. Não podemos esquecer que a posição à esquerda não se

encontrava vazia; por essa razão, é um outro caso de adjunção.

As sentenças possuem duas classes de posição: as posições

argumentais (posições A) e as posições não-argumentais (posições A’, que são

chamadas posições A-barra ou posições não-argumentais). Segundo Raposo:

As posições argumentais (A) são aquelas ocupadas canonicamente em estrutura-D pelos argumentos de uma frase, isto é, pelo NP sujeito e pelos complementos subcategorizados (incluindo a

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posição vazia de sujeito que é alvo de mover NP nas construções passivas e de elevação)207.

Já, as posições não-argumentais, ainda de acordo com Raposo,

“compreendem a posição Comp e a posição do elemento adjunto numa

configuração de adjunção”208.

Essa diferenciação entre as posições argumentais e as não-argumentais

implica nos tipos de movimento. Mover NP se dá sempre de posição argumental

para posição argumental, por isso ele é chamado de movimento A. Já Mover wh e

o movimento por adjunção é um movimento não-A. Mas essa distinção é apenas

parcial, uma vez que Mover wh, que é um movimento não-A, realiza o movimento

por substituição, uma vez que pode mover NPs.

Feita essa discussão sobre movimento de constituintes, iremos agora

formalizar o conceito de Mover-α:

Mover α significa exactamente: mover qualquer constituinte pertencente a qualquer categoria gramatical, de qualquer posição sintáctica para qualquer outra posição sintáctica, opcionalmente e sem restrições específicas variáveis de língua para língua ou de construção na formulação da regra209.

Como podemos ver, o movimento de constituintes na sentença, de

alguma forma, contribui para o estabelecimento de parâmetros que distinguem

uma língua da outra.

2.5 TEORIA DO CASO

A palavra caso em lingüística é carregada de uma certa riqueza

conceitual. Ela pode ser tomada nas seguintes acepções: caso morfossintático,

caso semântico e Caso abstrato210.

207 Ibid., p.131. 208 Ibid. 209 Ibid., p.133. 210 Todas as vezes que nos referirmos a Caso abstrato, a palavra “Caso” será escrita com inicial maiúscula.

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O caso morfossintático é aquele em que a um radical é acrescido um

morfema com marcas morfológicas (de gênero e número) e sintáticas (sujeito,

objeto direto, objeto indireto ...). Como exemplo de uma língua de casos, citamos

o latim. Segundo Fontana:

Em Latim, os substantivos, adjetivos, numerais e pronomes, de acordo com a função que assumem na oração (sujeito, objeto direto, etc.), recebem uma desinência especial que indica a função sintática por eles desempenhada. Essa função com sua desinência especial chama-se CASO e o conjunto das desinências do singular e do plural chama-se DECLINAÇÃO211.

Stock, ao falar sucintamente do nome, diz: “a forma dos nomes latinos é

determinada pelo caso, pelo número e pelo gênero”212.

Para melhor entendermos o que é dito, vejamos os exemplos:

(111) Pirata rosam reginae dedit.

(O pirata deu uma rosa à rainha.)

(112) Luna et stellae tenebras nautis illustrant.

(A lua e as estrelas iluminam as trevas para os marinheiros.)

Na oração (111), a palavra “pirata” (termina pelo morfema {-a}, que é

próprio do nominativo singular de 1ª declinação) é o sujeito da oração. Em

“rosam”, o morfema {-am} (próprio do acusativo singular de 1ª declinação) faz com

que essa palavra seja objeto direto. Já em “reginae”, o morfema {-ae} (dativo

singular de 1ª declinação) torna essa palavra objeto indireto. No exemplo (112),

“luna” e ‘stellae” estão no caso nominativo, na função de sujeito da oração, só

que, em “luna”, o morfema {-a} é de nominativo singular e, em “stellae”, o

morfema {-ae} é de nominativo plural. “Tenebras”, objeto direto, tem o morfema {-

as}, de acusativo plural de 1ª declinação. “Nautis”, objeto indireto, termina pelo

morfema {-is}, que coloca a palavra no dativo plural de 1ª declinação.

211 FONTANA, Dino F. Curso de Latim.6.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 2-3. 212 STOCK, Leon. Gramática de Latim. Trad. de António Moniz e Maria Celeste Moniz. Lisboa: Presença, 2000. p. 13.

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102

Então, em latim, a função sintática das palavras é dada por um conjunto

de morfemas que têm uma marca morfológica e outra, sintática. Daí falarmos em

caso morfossintático.

Caso semântico, de acordo com Mioto, Silva e Lopes:

É uma noção semântica que corresponde ao papel que o argumento desempenha na relação estabelecida pelo núcleo do sintagma: agente, tema, instrumento, locativo e alguns outros213.

Como podemos perceber, da citação acima, há uma relação estreita entre

caso semântico e papéis temáticos dos argumentos. Talvez possamos dizer que

caso semântico relaciona-se com os eventos, que são lingüisticamente traduzidos

em sentenças. Sobre isso, Cançado diz:

Um importante ponto concernente aos estudos dos papéis temáticos é a relação do evento com a estrutural conceitual mental, e da estrutura conceitual mental com a sintaxe214.

Portanto, caso semântico é aquele que nos eventos dá os papéis

temáticos aos argumentos, como no exemplo:

(113) João cortou a árvore com o machado.

onde “João” é o agente, “a árvore”, paciente, e “o machado”, instrumento.

Feita essa breve discussão sobre caso morfossintático e caso semântico,

vejamos agora o Caso abstrato.

Embora em língua portuguesa (e outras línguas modernas, como o inglês)

não tenhamos um sistema morfossintático para marcar os Casos (como em latim),

isso não significa que não existem Casos em nossa língua. Um bom exemplo, que

temos, é a classificação dos pronomes pessoais. Quando a GT fala “pronomes do

caso reto” e “pronomes do caso oblíquo” não está dizendo outra coisa, senão

“pronomes na função de sujeito” (caso reto ou nominativo) e “pronomes na função

de complemento” (caso oblíquo ou acusativo). Assim como os pronomes, os

nomes também ocupam funções sintáticas (sujeito, objeto direto, objeto indireto...) 213 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p. 112.

214 CANÇADO, Márcia. Manual de Semântica: Noções Básicas e Exercícios. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. p. 111.

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103

mas, com eles, não temos um recurso para marcar o Caso. Então, a atribuição do

Caso vai depender da ordem em que os constituintes aparecem na sentença.

Segundo Raposo:

Nas línguas que não possuem Casos morfológicos, como o Português, a recuperação das funções gramaticais dos argumentos tem de recorrer, pelo menos parcialmente, à ordem das palavras, que se torna então relativamente rígida215.

Desse modo, Caso abstrato é uma realidade presente em todas as

línguas, independentemente de ele manifestar-se, ou não, por meio de morfemas.

Ainda, de acordo com Raposo:

A diferença entre línguas como o Latim e línguas como o Português é assim uma função, não da existência vs. não-existência de Casos, mas sim da realização morfológica vs. não-realização morfológica do Caso atribuído aos DPs (em ambas as línguas) na componente sintáctica da gramática216.

Então, a idéia de Caso abstrato relaciona-se com constituintes oracionais

e com a função que estes constituintes ocupam na sentença. Desse modo, uma

Teoria do Caso se ocupa em estabelecer a relação entre constituintes oracionais

e funções sintáticas. Para Cook:

Teoria do Caso está relacionada com a idéia de caso na sintaxe tradicional, que olhava o relacionamento entre os elementos em uma sentença como sendo mostrado por sua morfologia bem como pela ordem do termo217.

Para que determinado constituinte possa receber um Caso determinado,

a teoria trabalha com a idéia de Filtro do Caso, que diz: “todo NP realizado deve

ser assinalado com um Caso abstrato”218.

215 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p. 349, nota 3. 216 Ibid., p.250. O que Raposo chama de DP (Determiner Phrase – Grupo de Determinantes), por uniformidade da nomenclatura, continuaremos a chamar NP (Noun Phrase). Ver, também: MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p. 64. 217 COOK, Vivian James. Op. cit., p. 136. “Case Theory is related to the traditional syntactic idea of case, which saw the relationship between elements in a sentence as being shown by their morphology as well as by word order”. 218 HAEGEMAN, Liliane. Op. cit., p. 156. “Every overt NP must be assigned abstract care”. Ver, também: RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p. 351; COOK, Vivian James. Op. cit., p. 139; MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p. 116.

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104

Por “realizado”, devemos entender realização fonológica, ou seja, todo

constituinte que está fonologicamente presente na sentença tem que receber um

Caso, para que a mesma seja gramaticalmente aceita.

Agora, uma pergunta que não quer calar: Quantos e quais são os Casos

abstratos e quem os atribui?

Para respondermos a pergunta acima, primeiramente precisamos

entender com clareza o que é regência, pois os Casos são atribuídos por ela. Mas

o conceito de regência também envolve o de m-comando. Segundo Mioto, Silva e

Lopes:

Regência

α rege β se e somente se:

(i) α = Xº (ou seja, α é um núcleo lexical N, A, V, P ou α é o núcleo funcional I);

(ii) α m-comanda β e β não está protegido de α por uma barreira (= projeção máxima).

M-Comando

α m-comanda β se e somente se α não domina β e cada projeção máxima Y que domina α também domina β219.

Para melhor entendermos a citação acima, vejamos o esquema:

IP NP1 I’ I VP V NP2 PP P NP3

O I c-comanda o VP e todas as categorias dominadas por ele (VP), no

esquema acima, V, NP2, PP e NP3, mas o I não c-comanda o NP1 (sujeito) pois

este nó é dominado por IP e não por I’.

219 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Ibid., p. 139-140. Ver, também: RAPOSO, Eduardo P. Ibid., p. 354-355.

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Por outro lado, podemos dizer que o I m-comanda o VP – e todas as

categorias nele incluídas (V, NP2, Pp e NP3) – e o NP1, visto que este NP1 é

dominado pela primeira projeção máxima que domina I, que é o IP. Então, por

que NP1 é dominado pela primeira projeção máxima que domina I, este I vai

m-comandar o NP1.

A importância desses dois conceitos, como veremos, determina a

atribuição de Caso porque dizem respeito à questão da proximidade, isto é, o NP

recebe o Caso do regente que lhe é mais próximo e não há nenhuma barreira

impedindo o m-comando entre o NP e o termo regente. Daí a importância dos

conceitos de regência e m-comando.

Os Casos abstratos são três: nominativo, acusativo e oblíquo. E são

atribuídos, o Caso nominativo, pela flexão de concordância do verbo; o Caso

acusativo, pela regência do verbo; e, o Caso oblíquo, pela preposição. Como isso

se dá, veremos a seguir.

O Caso nominativo, que tem a função sintática de sujeito da sentença, é

determinado pelo núcleo funcional I finito, ou seja, pela flexão de concordância do

infinitivo pessoal, e aparecerá (Caso nominativo), em sua posição canônica, à

esquerda do verbo, ocupando o lugar do Spec. Segundo Mioto, Silva e Lopes:

IP Nom I’ I VP 220

A partir do que falamos sobre regência e m-comando, o núcleo funcional I

recebe o Caso nominativo, porque o I é o α e o nominativo é o β. E α m-comanda

β porque não há nenhuma projeção máxima entre os dois, ou seja, tanto o

220 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Ibid., p. 119.

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nominativo como o I estão contidos na mesma projeção máxima, IP221. Para

melhor entendermos, vejamos o exemplo:

(114) João comprou um carro.

que nos dará a seguinte árvore222:

S VP NP NP N V det N João comprou um carro

Como podemos observar, o VP (“comprou”) contém um núcleo lexical

(“compr-“) mais o núcleo flexional (-ou), que estão amalgamados, o que faz dele

(verbo) um termo regente de Caso nominativo. E o NP (“João”) é m-comandado

pelo VP (“comprou”) porque estão ambos dentro da mesma projeção máxima, S,

e o VP não domina o NP. Além do mais, se fôssemos substituir a expressão

referencial “João” por um pronome pessoal, teríamos a seguinte sentença:

(115) Ele comprou um carro.

que, dentro do nosso quadro de pronomes pessoais, “Ele” é um pronome do Caso

reto (portanto, sujeito).

Vimos, também, que nas línguas onde falta um sistema morfológico para

marcar os Casos, a posição dos sintagmas dentro da sentença é um indicativo de

Caso. Nas sentenças (114) e (115), tanto “João” como “Ele” estão à esquerda do

verbo.

221 Ver RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p. 356. 222 As árvores serão sempre representadas em S-estrutura, a não ser que a D-estrutura seja necessária.

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O Caso acusativo, que tem a função de complemento verbal, é atribuído

pela regência de um verbo transitivo e aparecerá à sua direita. Mioto, Silva e

Lopes assim o representam:

VP Spec V’ (Nom) V ACC 223

Novamente, trabalhando com os conceitos de regência e m-comando,

podemos dizer que o verbo rege o seu complemento porque é um núcleo lexical

(V), atendendo à alínea (i) da regência. E o V m-comanda ACC (Caso acusativo)

porque este não está protegido por uma barreira máxima, atendendo à alínea (ii),

ou seja, o V m-comanda ACC porque estão ambos dentro da mesma projeção

máxima, VP. Retomemos o exemplo (114), aqui colocado como

(116) João comprou um carro.

Como podemos ver, a partir da árvore desta sentença, à página 97, o

verbo “comprou”, que é o núcleo lexical, rege e m-comanda o NP “um carro”,

pelas razões explicadas acima. Se fôssemos substituir a expressão referencial

“um carro” por um pronome pessoal, teríamos a sentença seguinte:

(117) João comprou-o.

onde o pronome “o” é do caso oblíquo (segundo a GT); logo, funcionando como

complemento do verbo.

O Caso oblíquo é atribuído por preposição. No esquema de Mioto, Silva e

Lopes:

223 Cf. MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p. 118; e RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p. 350-351.

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PP P’ P OBL 224

Ainda, lidando com os conceitos de regência e m-comando, podemos

dizer que a preposição rege e m-comanda o Caso oblíquo porque ele é o núcleo

lexical e estão, tanto a preposição como o oblíquo, sob a mesma projeção

máxima, sem haver uma barreira protegendo-o. No exemplo (8), isso ficará

evidenciado:

(118) João olhou para Maria.

Elaborando o esquema arbóreo desta sentença, temos:

S VP NP PP N V NP P N João olhou para Maria

Como podemos observar, a preposição “para”, por ser um núcleo lexical,

rege o NP “Maria”, ao mesmo tempo que o m-comanda, pois ambos estão sob a

mesma projeção máxima e o NP não está protegido por nenhuma barreira. Além

do mais, se substituíssemos a expressão referencial “Maria” por um pronome

pessoal de primeira pessoa do singular, teríamos a sentença:

(119) João olhou para mim.

224 Cf. MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Ibid., p. 117; e RAPOSO, Eduardo P. Ibid., p. 351.

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que, como sabemos, o pronome “mim” é do caso oblíquo, portanto, complemento

da preposição.

As situações de marcação de Caso que vimos acima são as chamadas

marcação canônica porque cada núcleo (verbo, preposição e inflexão) marca o

seu próprio caso: o verbo, o acusativo; a preposição, o oblíquo; e a inflexão, o

nominativo. No entanto, há uma outra forma de marcação de Caso que é a

marcação excepcional de Caso (ECM, do inglês Excepcional Case Marking).

Segundo Mioto, Silva e Lopes: “A ECM se distingue da marcação canônica por

envolver um núcleo lexical e argumentos de outro núcleo”225. Isso diz respeito,

também, às noções de regência e proximidade, vistas há pouco. Para melhor

entendermos essa questão, ECM, discutiremos duas situações: orações com

verbo no infinitivo pessoal para contrapor a orações com verbo no infinitivo

impessoal, juntamente com a preposição “para”, a primeira situação, e as

estruturas quasi-sentenciais, a segunda.

Analisemos, agora, um grupo de sentenças com verbos no infinitivo

pessoal e no infinitivo impessoal para discutirmos a primeira situação de

marcação excepcional de Caso:

(120) João escutou [IP os amigos conversarem.]

(121) João fez silêncio [para [IP os amigos conversarem.]]

(122) João sentiu [CP que [IP os amigos mentiam.]]

(123) João fez silêncio [para [CP que [IP amigos conversassem.]]]

(124) João escutou [CP ∅ [IP os amigos mentirem.]]

(125) João fez silêncio [para [CP ∅ [IP os amigos conversarem.]]]

(126) João fez silêncio [para [IP eu falar.]]

(127) João fez silêncio [para [IP mim falar.]]

(128) João mandou [IP eu entrar.]

(129) João mandou[IP-me entrar.]

Nas sentenças (120) e (121), como podemos afirmar que o NP “os

amigos” recebe Caso não do verbo “escutar” mas do verbo “conversarem”, em

225 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Ibid., p. 123.

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110

(120); e não da preposição “para”, em (121)? Isso fica evidenciado nas sentenças

(122) e (123), quando introduzimos o complementizador “que”, que ao

desenvolver as sentenças encaixadas, [que os amigos mentiam] e [para que os

amigos conversassem], vai mostrar, pela concordância do NP “amigos” com o

verbo, que este NP recebe Caso não do verbo da sentença principal, em (120), e

nem da preposição, em (121). Além do mais, [os amigos conversarem] é o

complemento de “escutou”, em (120), e de “para”, em (121). Em (124) e (125),

mostramos que, no nosso parâmetro lingüístico, porque temos um infinitivo

pessoal, que se flexiona em pessoa, é possível apagarmos o complementizador

e, mesmo assim, ainda é possível dizer qual o atribuidor de Caso do NP “amigos”.

Até aqui não há problemas no que diz respeito à marcação de Caso com

sentenças cujo verbo está no infinitivo pessoal: as sentenças (120), (121), (124) e

(125), pois se trata de marcação canônica do Caso.

Vejamos as sentenças (126), (127), (128) e (129). Em (126), o NP “eu”

recebe Caso do núcleo I do infinitivo pessoal, o pronome claramente diz que ele é

nominativo. Trata-se, portanto, de marcação canônica de Caso. Já (127) traz

algum “problema“, inclusive gramáticos tradicionais rejeitam essa construção. Em

(126) e (127) “eu” e “mim” são argumentos externos do verbo “falar”. Só que em

(126), como dissemos, “eu” recebe Caso da inflexão verbal; já em (127), “mim”,

argumento externo de “falar”, recebe Caso da preposição “para”, que tem como

complemento não o “mim” mas [mim falar]. E, como sabemos, sentenças

infinitivas, necessariamente, não necessitam de marcação casual226. Assim

sendo, a sentença (127) é tão bem formada gramaticalmente como sentença

(126), com uma única diferença: em (126) o NP sujeito “eu” está no Caso

nominativo, atribuído pela inflexão do verbo “falar” e em (127) o NP sujeito “mim”

recebe Caso oblíquo da preposição “para”, por essa razão dizermos tratar-se de

marcação excepcional de Caso.

Para mostrar a incoerência da GT em relação à sentença (127), vejamos

os exemplos (128) e (129). Em (128), o NP “eu” recebe Caso nominativo do verbo

“entrar”, situação canônica de marcação de Caso, mas, em uma escala valorativa,

a GT, que rejeita (127), prefere a construção (129), onde o pronome “-me” é

226 Ibid., p. 125.

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111

argumento externo de “entrar”, portanto, o sujeito (Caso nominativo). O próprio

pronome denuncia que ele não é do caso reto, mas um oblíquo. Aqui também

temos uma marcação excepcional de Caso: de acordo com a própria definição de

marcação excepcional de Caso, o pronome “-me” recebe o Caso do núcleo lexical

“mandou”, mas é argumento de “entrar”, assim como “mim” recebe Caso da

preposição “para” em (127) mas é argumento externo de “falar”. Para Mioto, Silva

e Lopes:

Para que se verifique ECM é necessário pressupor que não haja nem mesmo um CP vazio interferindo entre o atribuidor e o DP que recebe o Caso: a presença de um CP impediria a regência e a atribuição de Caso. Como nunca se verifica ECM com infinitivo pessoal, supomos que este é o contexto em que ocorre o CP nulo. Por outro lado, ECM pressupõe infinitivo impessoal. Isto nos leva a supor que nestes contextos não existe CP227.

Baseados nessa citação de Mioto, Silva e Lopes, é que podemos dizer

que as sentenças de (120) a (125) são situações canônicas de marcação de

Caso.

Uma outra situação onde há marcação excepcional de Caso é com as

estruturas conhecidas como quasi-sentenciais ou small clauses (SC), que,

segundo Mioto, Silva e Lopes, “se caracterizam por conter uma predicação (uma

relação sujeito-predicado) sem englobar um verbo”228. Vejamos as sentenças:

(130) João acha os políticos incompetentes.

(131) João acha que os políticos são incompetentes.

(132) João sentiu suas mãos frias.

(133) João sentiu que suas mãos estavam frias.

Nas sentenças (130) e (132), uma primeira questão que é colocada é

sabermos se [os políticos incompetentes] e [suas mãos frias] são NPs ou small

clauses. Pela reescrita de (130) que dá (131) e de (132) que dá (133), não

podemos achar que [os políticos incompetentes] é um NP, mas uma small clauses

[SC [os políticos] [incompetentes]], onde [NP os políticos] é o sujeito e [AP

227 Ibid., p.129. 228 Id. Ibid.

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incompetentes] é o predicado. A mesma análise se aplica a (132): [NP suas mãos]

é o sujeito e [AP frias] é o predicado.

Por que podemos dizer que em (130) e (132) há marcação excepcional de

Caso? Em (131) e (133) o complementizador “que” é uma barreira que impede os

verbos “achar” e “sentir” de atribuir Caso acusativo aos NPs [os políticos] e [suas

mãos]. Nestas duas sentenças, estes dois NPs recebem Caso nominativo da

inflexão dos verbos “ser” e “estar”. Já, em (130) e (132), os NPs [os políticos] e

[suas mãos], mesmo sendo o sujeito de small clauses, recebem Caso acusativo

dos verbos “achar” e “sentir”; daí a marcação excepcional de Caso, porque o

predicado de small clauses, nos exemplos [incompetentes] e [frias], não pode

atribuir Caso nominativo ao sujeito. Nessa situação temos argumentos externos

sendo marcados como se fossem argumentos internos, ou seja, recebendo Caso

acusativo.

Uma outra situação interessante são as construções inacusativas, onde

aparecem ou um verbo inacusativo ou verbos no particípio. Vejamos como isso se

processa:

(134) João parece voar.

(135) João parece inteligente.

(136) As crianças foram levadas para a escola.

Analisemos primeiramente os exemplos (134) e (135), com verbos

inacusativos que, como sabemos, são verbos que selecionam apenas argumento

interno mas não podem atribuir Caso acusativo a este argumento229. Essas duas

sentenças possuem as seguintes estruturas:

(134a) Joãoi parece [IP ti voar.]

(135a) Joãoi parece [SC ti inteligente.]

O verbo parecer, como verbo inacusativo, em (134), seleciona IP como

complemento e em (135), uma small clauses. Mas, como já vimos ao longo dessa

discussão, um verbo no infinitivo impessoal, como voar em (134), não pode

229 Ibid., p. 136.

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atribuir Caso ao argumento externo porque ele (verbo) não tem [+Agr], portanto

não pode marcar Caso nominativo para o vestígio (ti) deixado pelo NP “João”. Em

(135), o vestígio (ti) deixado pelo NP “João”, na SC (small clauses), também não

pode receber Caso nominativo do AP (inteligente). Por outro lado, o verbo

“parecer”, por ser inacusativo, não pode atribuir Caso acusativo aos vestígios (ti)

deixados pelo NP “João”. Então, o que acontece para se garantir que os NPs

tenham Caso e as sentenças sejam gramaticais? Nas duas situações, o NP

“João” se move para a posição de Spec (de sujeito) do verbo “parecer” e, nesta

posição, recebe Caso nominativo deste verbo, embora o papel temático do NP

seja atribuído por “voar”, em (134), e por “inteligente”, em (135).

O exemplo (136), “as crianças foram levadas para a escola”, sendo

reescrito como (136a), temos:

(136a) As criançasi foram levadas ti para a escola.

Antes de analisarmos este exemplo, de acordo com Raposo, as duas

propriedades fundamentais da construção passiva com particípio são (i) não

atribuir função-θ externa e (ii) nem atribuir Caso acusativo230. Por essas duas

razões é que o NP “as crianças” deixou um vestígio após o verbo “levadas” e se

deslocou para a posição se sujeito do verbo “ser”, onde recebe Caso nominativo,

pois em sua posição original, após o particípio, não poderia receber Caso

acusativo.

Nesses três últimos exemplos, (134), (135) e (136), temos argumentos

internos de construções inacusativas recebendo Caso nominativo, ou seja,

argumentos que deveriam estar no Caso acusativo, mas, pela regra Mover-α,

passaram a ocupar a posição de Spec, recebendo, assim, Caso nominativo.

Finalizando este segundo capítulo, queremos enfatizar que ele possui

dois eixos básicos, a Teoria Temática ou Teoria dos Papéis Temáticos e a Teoria

do Caso. Mas, para falarmos de Teoria Temática, achamos interessante uma

discussão prévia sobre Subcategorização, assim como a Teoria do Caso precisa

ser antecedida por um olhar mais detalhado sobre Mover-α. E tudo isso, em um

230 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p. 366.

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contexto de aquisição da linguagem, porque é neste momento que o falante

adquire os Princípios e Parâmetros que farão dele utente de uma determinada

língua.

No capítulo seguinte, discutiremos a construção Verbo+SE (V+SE) à luz

da Teoria da Regência e Ligação (TRL), mas achamos por bem iniciar essa

discussão com um breve “olhar” sobre o sujeito, pois entendemos que o SE

apassivador, indeterminador do sujeito e reflexivo deve ser pensado nesta relação

sujeito-predicado.

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3 A CONSTRUÇÃO VERBO+SE (V+SE) À LUZ DA TEORIA DA REGÊNCIA E LIGAÇÃO (TRL)

No capítulo anterior, estabelecemos os dois eixos teóricos que nortearão

a nossa análise da construção V+SE, a saber: a Teoria dos papéis temáticos e a

Teoria do Caso.

Neste terceiro capítulo, como já diz o próprio título, discutiremos a

construção V+SE enquanto indeterminação, apassivação e reflexividade.

Antes dessa discussão, achamos pertinente dar uma rápida olhada sobre

os múltiplos conceitos que o sujeito pode assumir. Daí, a razão do tópico

seguinte.

3.1 DOIS OLHARES SOBRE O SUJEITO

Todas as vezes que vamos falar sobre sintaxe, praticamente, partimos do

seguinte ponto: a sentença é constituída por dois membros, o sujeito e o

predicado. Isso independe da teoria que estejamos assumindo.

Antes de começarmos qualquer reflexão sobre o sujeito da oração, é

interessante atentarmos para o que se diz sobre predicado, porque ele, sujeito,

não existe independente dos predicados. Neves diz que:

Os verbos, em geral, constituem os predicados das orações. Os predicados designam as propriedades ou relações que estão na base das predicações que se formam quando eles se constroem com os seus

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argumentos (os participantes da relação predicativa) e com os demais elementos do enunciado231.

Do pensamento de Neves, queremos destacar, apenas, o que está na

base de qualquer construção lingüística sobre este tema. Do que a autora acima

afirmou, depreendemos que o predicado é o ponto de partida para a construção

dos outros constituintes oracionais.

Azeredo, também, afirma que a “oração é a unidade gramatical cujo eixo

é o verbo”232. Para ele, assim como para Neves, o verbo é o constituinte oracional

que vai determinar os outros.

Toda oração contém um predicado, constituído de um verbo predicador ou de um verbo transpositor. Se o verbo é pessoal, a oração contém também um sujeito, e se é transitivo, o predicado contém também um objeto233.

Como podemos depreender, é o predicado o elemento central da oração.

Para Perini, o verbo é o elemento que ocupa a função de núcleo do

predicado (NdP): “Admitiremos, pois, que o verbo desempenha uma função sui

generis na oração, a de NdP: só um verbo pode ser NdP, e todo NdP é um

verbo”234. Ora, se um verbo é núcleo do predicado, conseqüentemente os outros

constituintes oracionais, de alguma forma, estão ligados a ele.

Busse e Vilela afirmam que:

O verbo é a categoria sintáctica mais indicada para desempenhar a função predicativa na frase. É o verbo como predicado que concerne a função central da frase e determina a estrutura frásica de base, quer do ponto de vista sintáctico, quer semântico235.

Da citação acima, podemos dizer que não contém um elemento

diferenciador do que já foi dito antes.

231 NEVES, Maria Helena de Moura. Op. cit., p. 23. 232 AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. 6.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 45. 233 Id. Ibid. 234 PERINI, Mário A. Sintaxe portuguesa: Metodologia e funções. Op. cit., p. 72. 235 BUSSE, W.; VILELA, Mário. Gramática de valências. Coimbra: Almedina, 1986. p. 17.

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117

Mesmo sem utilizar a palavra “verbo”, como sendo o núcleo do predicado,

Borba deixa isto bastante claro, quando afirma que: “O predicado é a própria

reação lingüística a um estímulo, sendo, portanto, o núcleo da comunicação e o

objetivo central do falante”236. Mais adiante, ele nos diz ainda: “Ora, se a atividade

verbal pressupõe objetivos centrados num núcleo comunicativo (predicado), então

falar é predicar”237. Donde podemos inferir que, também, para Borba, o predicado

é o núcleo da oração.

Fillmore afirma que “em uma estrutura profunda, o núcleo proposicional

de sentenças em todas as línguas consiste em um V e em um ou mais SNs”238.

Como podemos depreender, o predicado (verbo + sintagma(s) nominal(is)) é o

núcleo dos enunciados.

Mioto, Silva e Lopes239, ao falarem desta questão, dizem: “Para montar

sentenças devemos ainda saber que os núcleos lexicais selecionam outros itens

para comporem uma sentença. Chamamos a esses núcleos predicado e aos itens

selecionados, argumentos”. Para estes autores é, também, o predicado, um

núcleo.

Feitas estas reflexões sobre o predicado, em que fica patente que ele é o

núcleo das orações, passemos agora à discussão sobre o sujeito da oração.

Vamos tratar do sujeito em sua perspectiva morfossintática – um primeiro

olhar –, porque o critério usado para sua classificação é desta natureza, ou seja,

ou depende da morfologia e/ou da sintaxe (enquanto relação de palavras) da

língua.

Para Azeredo:

O sujeito é função adquirida por um SN – simples ou resultante de transposição – graças à relação que se dá entre esse SN e a oração, relação esta que, nas variedades formais da língua, o torna substituível

236 BORBA, Francisco S. Uma gramática de valências para o português. São Paulo: Ática, 1996. p. 13. 237 Id. Ibid. 238 FILLMORE, Charles J. Em favor do Caso. In: LOBATO, Lúcia M. P. (Org.). A semântica na lingüística moderna: O léxico. Rio de Janeiro: Rodrigues Alves, 1977. p.326-327. 239 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit.

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por ele/ela/eles/elas, ou representável por eu/tu/nós/vós, em contraste com o/a/os/as e me/te/nos/vos, próprios da função objetiva240.

Do pensamento citado acima, podemos deduzir que o sintagma nominal

(SN) sujeito se relaciona com o predicado (dito “oração”); portanto, oração é um

composto bimembre formado por sujeito e predicado (“... sujeito e predicado

relativamente ao todo de que fazem parte: a oração”241). Outro ponto que merece

atenção é o fato de o sujeito só poder ser substituído por pronomes ditos do caso

reto. Os pronomes oblíquos só exercem função objetiva. Por “simples ou

resultante de transposição”, devemos entender que, na relação sujeito-predicado,

o primeiro será sempre de natureza nominal, mesmo que para isto seja

necessária uma “transposição”, por exemplo, de uma oração para uma oração de

natureza substantiva.

Perini, ao definir o sujeito oracional, destaca a questão da concordância

verbal:

O fenômeno da concordância verbal define um vínculo entre o verbo e um dos constituintes, que já por isso se distingue claramente dos demais constituintes. Dizemos, então, que a relação entre o verbo e esse constituinte é uma relação “sujeito/núcleo do predicado”242.

Embora o autor acima reconheça outros processos gramaticais que

envolvem o sujeito – anteposição, relações anafóricas243 –, ele dá um destaque

maior ao fato de haver uma concordância de número e pessoa entre o sujeito e o

predicado.

Givón, mesmo sendo um lingüista funcionalista, ao falar do sujeito

gramatical, assim se expressa:

O sujeito gramatical em orações simples em inglês precede o verbo, é morfologicamente não marcado (i.e, aparece sem uma preposição), e requer concordância gramatical com o verbo244.

240 AZEREDO, José Carlos de. Op. cit., p. 53. 241 Ibid., p. 52. 242 PERINI, Mário A. Sintaxe portuguesa: Metodologia e funções. Op. cit., p. 71. 243 Id. Ibid. 244 GIVÓN, Talmy. English grammar – A funcional-based introduction. Amsterdam: John Benjamins, 1994. v. I. p. 94. “The grammatical subject in English simple clauses preceds the verb, is morphologically unmarked (i.e. appears without a preposition), and requires grammatical agreement with the verb”.

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119

Além da concordância com o verbo, para Givón, o sujeito gramatical

precede o verbo e é um termo não preposicionado. O autor não chama a atenção

para as relações anafóricas entre o sujeito e os pronomes de caso reto.

Resumindo o que foi dito, do ponto de vista morfossintático, podemos

dizer que o sujeito é um termo que precede o verbo, concorda com ele em

número e pessoa, não é regido por preposição e pode ser retomado

anaforicamente, apenas, por pronomes de caso reto.

Para a teoria gerativa – nosso segundo olhar –, de acordo com Raposo:

As funções gramaticais são definidas a partir das posições estruturais que as categorias gramaticais [...] ocupam na frase (especificamente em termos de categoria que as domina imediatamente)245.

Para esta teoria, as funções gramaticais se constroem a partir da posição

das categorias gramaticais na estrutura da sentença. E esta posição depende das

relações de dominância dentro da sentença. Então, ainda de acordo com Raposo,

dominância pode ser assim descrita:

x domina y sse (se e só se) existir uma seqüência conexa de um ou mais ramos entre x e y e o percurso de x até y através desses ramos for unicamente descendente246.

Então, de posse destes conceitos, podemos, agora, dizer o que é o

sujeito: “O NP imediatamente dominado por S”247. Desta definição de sujeito, fica

dito que ele é um sintagma externo ao verbo, não dominado por ele. Por exemplo,

no esquema

S VP NP1 V NP2 det N det N O menino ama a menina

245 RAPOSO, Eduardo P. Op. cit., p. 80. 246 Ibid., p. 73. 247 Ibid., p. 80.

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o NP O menino está dominado pela sentença (S), por isto é o sujeito oracional;

enquanto o NP a menina, apesar de ser da mesma categoria gramatical que o

menino, por estar dominado pelo VP (sintagma verbal), tem uma outra função

porque ocupa uma posição estrutural diferente da do NP1.

Mioto, Silva e Lopes, ao tratarem esta questão, chamam a atenção para a

estrutura argumental dos verbos e tomam como exemplo o verbo amar,

mostrando um argumento externo (sujeito) e outro interno (complemento)248.

Assim, o argumento externo, no caso de um verbo, não é dominado por ele

(verbo); só o argumento interno o é.

Dias, ao falar do sujeito na visão gerativa, diz:

Numa visão bastante geral do modelo gerativo, diríamos que o lugar correspondente ao que a análise sintática tradicional chama “sujeito” é ocupado por um SN – argumento que se localiza na posição externa ao SV249.

Dias não difere de Mioto, Silva e Lopes em sua definição de sujeito. Para

ambos, o sujeito é um argumento externo ao verbo, donde depreendemos que

não é dominado por ele (verbo) mas pelo nó que lhe é superior, a sentença.

Para finalizar nossa pequena reflexão sobre o sujeito, queremos chamar a

atenção para dois pontos, que consideramos importantes. O primeiro decorre da

própria natureza do sujeito. Se há várias maneiras de falarmos sobre ele, é

porque há, também, várias maneiras de abordá-lo. Como vimos, do ponto de vista

morfossintático, o sujeito é um termo que antecede o verbo, não é preposicionado

e concorda em número e pessoa com ele (o verbo). Já da perspectiva gerativa, é

um SN (ou NP) imediatamente dominado por S (sentença). O segundo ponto que

queremos destacar é que, talvez, podemos aproximar o sujeito da abordagem

morfossintática com o da gerativa, uma vez que ambos são apresentados nos

seus aspectos descritivos.

248 MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth Elizabeth V. Op. cit., p. 51-52. 249 DIAS, Luis D. Fundamentos do sujeito gramatical: Uma perspectiva da enunciação. In: ZANDWAIS, Ana (Org.). Relações entre pragmática e enunciação. Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 2002. p. 48.

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3.2 O SE COMO ÍNDICE DE INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO

Na secção 1.3.2 (p. 27-30) deste trabalho, fizemos uma revisão, à luz da

GT, do SE como indeterminador do sujeito. Retomaremos, aqui, apenas para

relembrar, algumas questões que estão colocadas lá:

i. “Cardoso chama o índice de indeterminação do sujeito de indefinido,

que tem por finalidade fazer referência a um sujeito que existe na

mente de quem fala ou escreve” (p. 27).

ii. “Carneiro afirma que o SE nunca poderá ser classificado como sujeito,

uma vez que se originou de um pronome que, em latim, não pode ser

usado no caso nominativo [...]. Nas expressões: Pode-se cair dêste

muro – Ama-se a Deus – Não se pense que o SE é sujeito. Indica que

o sujeito é indeterminado” (p. 28).

iii. Em uma citação de Azevedo Filho (p. 29), encontramos: “Com verbo

intransitivo ou transitivo indireto na terceira pessoa do singular,

seguido do pronome SE, na função de índice de indeterminação do

sujeito”.

iv. “Kury [...], como Azevedo Filho, também chama a atenção para a

regência dos verbos. Acrescenta à lista os verbos de ligação [...]” (p.

29).

v. “Cunha e Cintra descrevem o sujeito indeterminado por SE, sem levar

em consideração a regência do verbo” (p. 29).

vi. “Bechara, ao tratar do pronome SE como índice de indeterminação do

sujeito, alarga esta classificação. Para ele, o SE, mesmo combinando

com verbos transitivos diretos, pode ser classificado como índice de

indeterminação do sujeito” (p. 29).

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Como podemos observar, mesmo na visão da GT, essa função do SE se

baseia nos aspectos morfossintáticos (quando aponta para uma categorização

verbal: verbos intransitivo, transitivo indireto, de ligação e transitivo direto) e

semânticos (quando faz alusão a um sujeito que existe na mente de quem

fala/escreve) da língua. Talvez, por essa razão, a indeterminação do sujeito

resiste bem a uma análise lingüística mais consistente.

No segundo momento deste trabalho, quando apresentamos os

fundamentos teóricos para uma abordagem lingüística do SE (P. 44-114),

apresentamos alguns pontos que retomamos aqui:

i. “Todos os seres humanos normais nascem com disposição para

adquirirem uma língua, pois em algum módulo do seu cérebro está

inscrita a UG, que contém os princípios de todas as línguas naturais”

(p. 51).

ii. “Estes princípios, quando ativados por meio da exposição a alguma

língua natural, vão parametrizar essa língua, ou seja, os parâmetros é

que farão com que as línguas particulares sejam diferentes umas das

outras” (p. 51).

iii. “Os falantes de uma língua qualquer possuem um léxico internalizado

que contém todas as informações sobre as palavras de sua língua” (p.

51).

iv. Em uma citação de Raposo ficou dito que “o léxico é a componente do

modelo gramatical onde se encontram as informações de natureza

fonológica, sintáctica e semântica sobre os itens lexicais individuais”

(p. 51).

v. “As entradas lexicais, do ponto de vista sintático, informam ao falante

a natureza categorial a que o item pertence [...] e o quadro de

subcategorização do item” (p. 57).

vi. “Os predicados têm estrutura argumental” (p. 61).

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vii. “Os predicados, além de especificar o número de argumentos,

também realizam uma seleção da categoria (c-seleção) e uma seleção

semântica (s-seleção) de seus argumentos” (p. 62).

viii. “Quando olhamos para o verbo de uma sentença, aí podemos ver

duas coisas: a primeira são as funções gramaticais dependentes do

verbo (se o verbo tem sujeito, objeto direto, objeto indireto ...) e a

segunda são os relacionamentos estabelecidos a partir do verbo” (p.

66).

ix. “Caso semântico é aquele que nos eventos dá os papéis temáticos

aos argumentos” (p. 102).

x. “A idéia de Caso abstrato relaciona-se com constituintes oracionais e

com a função que estes constituintes ocupam na sentença” (p. 103).

xi. “Os Casos abstratos são três: nominativo, acusativo e oblíquo. E são

atribuídos, o Caso nominativo, pela flexão de concordância do verbo;

o Caso acusativo, pela regência do verbo; e, o Caso oblíquo, pela

preposição” (p. 105).

Tomadas essas partes do presente trabalho, passemos, agora, à

aplicação desses princípios à análise de algumas sentenças:

(138) Nessa padaria se come uns docinhos ótimos!

(139) Nesta granja, abatem-se mil galinhas diariamente.

(140) Nesta escola ensinam-se as línguas mais faladas do mundo.

(141) Pedem-se mais verbas para a educação.

(142) Chora-se, grita-se, esperneia-se, mas não se resolve nada.

(143) No Brasil, trabalha-se muito e ganha-se pouco.

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(144) Vive-se feliz quando se ama.250

(145) i) Joga-se búzios.

ii) Jogam-se búzios.

(146) i) Doa-se filhotes.

ii) Doam-se filhotes.

(147) i) Cobre-se botões.

ii) Cobrem-se botões.251

Nos exemplos (138) a (141), Bagno afirma que o SE exerce a função de

sujeito porque

ele corresponde a outros sujeitos “neutros” ou “indeterminados” que existem em tantas outras línguas: on (francês), one (inglês), uno (espanhol), man (alemão), e é por isso que os tradutores, ao encontrarem uma destas palavrinhas num texto estrangeiro, tratam logo de traduzi-las pelo nome se252.

Sobre esse ponto, a “intuição” lingüística de Cardoso, professor de

português que viveu na Bahia, no século XIX, diz: “O pronome se nunca é sujeito

em portuguez, porque não é nem o on dos francezes, nem o one dos ingleses, e

sim o sui, sibi, se dos latinos, quer seja reflexivo, quer indefinito”253.

Para rejeitar explicações como a de Cardoso, Bagno afirma: “Infelizmente

[...], ainda há muita gente que insiste em vestir a nossa linda língua portuguesa do

Brasil com aquelas vestes puídas, verdadeiras ataduras de múmias [...] que

envolvem o latim”254.

250 Os exemplos (138) a (141) são retirados de: BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 134-136. E os (142) a (144) são também do mesmo autor (Ibid., p. 141). 251 Os exemplos (145) a (147) são retirados de: SCHERRE, Maria Marta Pereira. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola, 2005. p. 80. 252 BAGNO, Marcos. Op. cit., p. 135. 253 CARDOSO, Brício. Op. cit., p.129. 254 BAGNO, Marcos. Op. cit., p. 141.

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Em um outro momento, para defender sua posição do SE como sujeito e

negar a dos que afirmam a impossibilidade do SE nessa função, por conta da

origem românica do português, Bagno diz:

[...] Porque, dizem eles, o português procede do latim e em latim se não podia ser sujeito, mas somente objeto [...]. A língua portuguesa é falada há mais de mil anos, já deixou de ser latim há séculos, mas eles insistem em querer vestir os fenômenos lingüísticos do português com as mesmas roupas mofadas e puídas usadas pelo latim255.

Nessa discussão sobre o SE ser sujeito ou não da oração, é necessário

fazer uma discussão mais consistente do que simplesmente tentar contestar a

historicidade da língua, denominando de ‘vestes puídas’, ‘ataduras de múmias’,

‘roupas mofadas’ a nossa herança lingüística do latim. Além do mais, a língua

portuguesa nunca foi latim.

Em primeiro lugar, quando a GT classifica o SE como pronome do Caso

oblíquo, ela o faz apenas para o SE reflexivo e para o apassivador, que têm um

referente, pois é da natureza do pronome representar ou se referir ao ser, pelo

menos de acordo com André256.

Um outro ponto, que nos chama a atenção, diz respeito ao Caso

semântico e, conseqüentemente, a papéis temáticos dos argumentos. Qual é o

papel temático exercido pelo SE (que para nós não é um pronome porque não

tem referente) nos exemplos em questão? Tema? Agente? Paciente?

Experienciador psicológico? Parece-nos que o SE não se enquadra em nenhum

desses papéis.

255 Ibid., p.135. 256 ANDRÉ, Hildebrando A. de. Op. cit., p. 102.

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126

Quando olhamos para a grade temática dos verbos257 ‘comer’ (138),

‘abater’ (139), ‘ensinar’ (140) e ‘pedir’ (141), encontramos:

i. comer: verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

ii. abater: verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

iii. ensinar: verbo [ ___ NP (PP) ] <agente, tema, beneficiário>

iv. pedir: verbo [ ___NP, PP (PP) ] <agente, tema, fonte, beneficiário>

O que podemos inferir da grade acima? Os quatro verbos são verbos de

ação, em que há alguém que come uns docinhos ótimos, que abate mil galinhas

diariamente, que ensina as línguas mais faladas do mundo e que pede mais

verbas para a educação. Daí, dizer que esse alguém é o SE não nos parece uma

explicação clara e convincente.

257 A grade temática dos verbos está relacionada com o papel temático dos argumentos. Para Busse e Vilela (1986, p. 101-105), os tipos semânticos de verbos são: “a que corresponde a fazer é a classe das actividades; a que corresponde a acontecer e a passar-se é a classe dos estados de coisas que designamos por processos; e a que não corresponde nem a acontecer e passar-se, nem a fazer, é a classe dos estados de coisas que designamos por estados” (p. 102). Borba (1996, p. 57-63) faz a seguinte classificação sintático-semântica dos verbos: (i) verbos de ação: “expressam uma atividade realizada por um sujeito agente. Indicam, portanto, um fazer por parte do sujeito” (p. 58); (ii) verbos de processo: “expressam um evento ou sucessão de eventos que afetam um sujeito paciente ou experimentador. Por isso traduzem sempre um acontecer ou um experimentar, isto é, algo que se passa com o sujeito ou que ele experimenta” (p. 58); (iii) verbos de ação-processo: “expressam uma ação realizada por um sujeito Ag ou uma causação levada a efeito por um sujeito Ca, que afetam o complemento. A ação-processo sempre atinge um complemento que expressa uma mudança de estado, de condição ou de posição, ou, então, algo que passa a existir” (p. 59) (Ag = agente e Ca = causativo); (iv) verbos de estado: “expressam uma propriedade (estado, condição, situação) localizada no sujeito que é, pois, mero suporte dessa propriedade ou, então, seu experimentador ou beneficiário. Os verbos de estado têm obrigatoriamente um argumento que é um inativo, na medida em que não é agentivo, nem causativo, nem paciente” (p. 60). Campos (cf. CAMPOS, June. Aquisição do pretérito perfeito e imperfeito do indicativo em português como L2. Porto Alegre: PUCRS, 2000. Tese (Doutorado em Letras), Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2000. p. 22-27), ao apresentar as categorias de Vendler, dá-nos a seguinte classificação dos verbos: (i) “States”: “têm duração por um período de tempo, envolvem tempo em um sentido indefinido e não específico” (p. 22). E dá-nos como exemplos: ter, possuir, desejar, gostar e querer; (ii) “Activities”: ”podem estender-se por algum tempo, mas não levam um tempo definido ou específico [...] não têm um ponto final definido” (p. 22). Exemplos: correr, caminhar, mudar, empurrar (algo) e puxar (algo); (iii) “Accomplishments”: “levam tempo definido e específico, têm um clímax” (p. 22). Exemplos: correr uma milha, pintar um quadro, fazer uma cadeira, dar uma aula e escrever um romance; (iv) “Achievements”: “Ocorrem em um momento definido, único e específico” (p. 22). Exemplos: vencer a corrida, chegar no topo do morro, reconhecer (algo), encontrar um objeto, nascer. (Não podemos esquecer que a abordagem de Campos é em uma perspectiva de tempo-aspecto do verbo).

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127

Olhando, agora, para o Caso abstrato (que diz respeito a constituintes

oracionais e com a função que estes constituintes ocupam na sentença), é difícil

dizer que o SE está no Caso nominativo, uma vez que este Caso é determinado

pela concordância verbal. Nos próprios exemplos de Bagno – (138), encontramos

‘... se come uns docinhos ...’ e (139), ‘... abatem-se mil galinhas...’ – não há

concordância entre o verbo e o SE. Portanto, fica difícil sustentar o SE no papel

de sujeito.

Quanto à ordem canônica da sintaxe portuguesa, SVO (sujeito – verbo –

objeto)258, isto não tem ligação com a colocação do SE na sentença. A própria GT

estabelece regras para a sua colocação na frase. Logo, o SE colocado à

esquerda do VP não é o suficiente para fazer dele sujeito.

Se o SE não é sujeito da oração (se não está no Caso nominativo), então

qual é o Caso em que ele vai estar? Uma vez que os constituintes oracionais

precisam ter um Caso para que a sentença seja bem-formada? Em nossa opinião,

o SE não pode ser sujeito porque, como dissemos há pouco, não está no Caso

nominativo e nem possui um papel temático como todo e qualquer constituinte

oracional. De acordo com a análise de Silva e Koch, ele nem constituinte

oracional é, porque é parte integrante do verbo259.

Qual é, então, a função sintática dos NPs ‘uns docinhos ótimos’, em

(138), ‘mil galinhas’, em (139), ‘as línguas mais faladas do mundo’, em (140, e

‘mais verbas para a educação’ (em 141)? Sem dúvida alguma, podemos dizer que

esses NPs estão completando um verbo transitivo260. Para a teoria do Caso, o

acusativo “tem a função de complemento verbal, é atribuído pela regência do

verbo e aparecerá à sua direita”261. Portanto, eles (NPs) são objeto direto e não o

sujeito, como quer a GT.

Os exemplos (142) a (144) como devem ser entendidos à luz da teoria

temática e da teoria do Caso?

258 BAGNO, Marcos. Op. cit., p. 133. 259 Cf. SILVA, Maria Cecília P. de S.; KOCH, Ingedore G. V. Op. cit., p. 68-69. 260 Cf. a nota 133, que trata da transitividade verbal, de acordo com Raposo (1992). 261 Cf. p. 107, deste trabalho.

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128

Em primeiro lugar, vejamos a grade temática dos verbos: ‘chorar’, ‘gritar’,

‘espernear’ e ‘resolver’, em (142); ‘trabalhar’ e ‘ganhar’, em (143); e ‘viver’ e

‘amar’, em (144):

i. chorar: verbo [ ] <agente>

ii. gritar: verbo [ ] <agente>

iii. espernear: verbo [ ] <agente>

iv. resolver: verbo [ ___ NP ] <agente, tema>

v. trabalhar: verbo [ ] <agente>

vi. ganhar: verbo [ ___ NP ] <beneficiário, tema>

vii. viver: verbo [ ___ (NP) ] <agente, (tema)>262

viii. amar: verbo [ ___ (NP) ] <agente, (beneficiário)>263

Na grade temática acima, apresentamos verbos intransitivos e verbos

transitivos seguidos de SE, mas, em seus contextos frasais, seguramente

podemos dizer que os verbos dos exemplos (142) a (144), todos eles, têm sujeito

indeterminado. Os verbos intransitivos seguidos de SE já são verbos com sujeito

indeterminado na própria GT. E os transitivos direto, consideramos assim, com

sujeito indeterminado, a partir da argumentação feita.

Os exemplos (145) a (147), cuja estrutura é classificada como passiva

sintética, na GT, segundo Scherre,

não é passiva sintética; é, sim, predominantemente, uma estrutura ativa de sujeito indeterminado, semelhante a outras estruturas irmãs do tipo: No Brasil, precisa-se urgentemente de reforma agrária e vive-se bem nesta terra

264.

Para confirmar se os referidos exemplos – (145) a (147) – são estruturas

ativas, basta olharmos para a grade temática dos verbos (i) jogar, (ii) doar e (iii)

cobrir, que encontramos:

262 O verbo “viver” pode ser transitivo, em construções como: “João viveu uma vida aventureira”. 263 O verbo “amar”, que originalmente é um verbo transitivo, em (144) é intransitivo. 264 SCHERRE, Maria Marta Pereira. Op. cit., p. 80.

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129

i. jogar: verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

ii. doar: verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

iii. cobrir: verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

Ora, se na grade temática do verbo figuram um agente e um paciente e, a

partir do nosso parâmetro lingüístico, de falantes nativos, sabemos que os NPs

‘búzios’, ‘filhotes’ e ‘botões’ não podem ser o agente da ação verbal porque é

neles que esta ação vai se realizar, ou seja, a ação de ‘jogar’, de ‘doar’ e de

‘cobrir’. Quanto à concordância dos verbos com esses NPs em (145)ii, (146)ii e

(147)ii, ainda de acordo com Scherre:

A forma verbal plural nas estruturas denominadas passivas sintéticas é variável e ocorre, segundo a tradição, por “atração ou falsa concordância com o objeto direto”, em função do conhecimento da norma-padrão, a norma codificada, ou seja, em função do conhecimento da gramática normativa da língua portuguesa265.

Como podemos observar, a partir da análise de Scherre, não há razão

para afirmarmos que o SE é o sujeito da oração. No que diz respeito à

concordância do verbo com o objeto, talvez se deva ao fato de em orações

apassivadas com o verbo SER, o NP, que estava em uma posição à direita do

VP, passe para a sua esquerda, como podemos observar nos exemplos (148) e

(149).

265 Ibid., p. 80.

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130

(148) Os açougueiros abatem os frangos

IP I’

NP I VP + tense N’ + AGR V’ NP det N N’ V det N

Os açougueiros abatem os frangos

Na paráfrase de (148), temos:

(149) Os frangos são abatidos pelos açougueiros.

que nos dá as seguintes árvores:

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131

Uma estrutura intermediária:

IP I’

NP VP N’ V’ I PP V’ det N NP P’ V NP

+ tense + AGR P N’

N det Per os Os frangos são abatidos pelos açougueiros �

Onde podemos observar o movimento do NP ‘Os frangos’ para a

esquerda do VP. Esta estrutura intermediária nos dará uma estrutura-S (ou

estrutura de superfície):

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132

Estrutura-S:

IP I’

NP1 VP N’ V’ I PP V’ det N NP1 P’ V NP

+ tense + AGR P N’

N det Per os Os frangos (i) são abatidos t (i) pelos açougueiros

O que podemos observar na estrutura intermediária e na estrutura de

superfície, é que, o movimento de constituintes na oração pode mudar-lhe a

função sintática. Nos exemplos (148) e (149), o NP ‘Os frangos’ deixou de ser

complemento do verbo (um NP imediatamente dominado pelo VP) e passou a ser

sujeito (um NP imediatamente dominado pelo IP, portanto, irmão do VP). No

entanto, o constituinte que muda de lugar deixa sempre um traço (t) no seu lugar

de origem. Por esse motivo, na estrutura-S, onde o NP ‘Os frangos’ é o sujeito,

não é, apesar de o verbo ser de ação, o agente, mas o tema. E a ação verbal é

exercida pelo NP agente ‘os açougueiros’ (em ‘pelos açougueiros’).

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133

Partindo da argumentação feita até aqui, nas estruturas ativas com o SE,

ele é, sim, o indeterminador do sujeito e não o próprio sujeito e nem partícula de

apassivação (nossa próxima discussão).

Como o SE não é o sujeito da oração, como representar em árvores,

sentenças quando o sujeito vem indeterminado pelo SE? Como nos exemplos:

(150) Abatem-se frangos.

(145) i) Joga-se búzios.

Antes de construirmos as árvores para as sentenças acima, relembremos

o Princípio da Projeção Estendido (EPP), que diz que toda sentença tem

obrigatoriamente sujeito. Também foi dito que em línguas de sujeito nulo, como o

português, este sujeito será representado pelo pro, sem matriz fonológica. Então,

partindo desses lembretes, vejamos como as duas sentenças são representadas

em árvores.

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Estrutura-S:

IP I’

NP VP N’ I NP V’ N N’

+ tense + AGR

V N pro Abatem-se frangos

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Estrutura-S:

IP I’

NP VP N’ I NP V’ N N’

+ tense + AGR

V N pro Joga-se búzios

Como podemos observar, o NP, imediatamente dominado pelo IP, foi

preenchido pelo pro, que não tem realização fonológica, porque o argumento que

ele representa não está realizado fonologicamente, mas isso não significa sua

inexistência argumental. Há, sim, ‘alguém’ que ‘abate os frangos’, assim como, há

‘alguém’ que ‘joga búzios’. Também fica evidente o lugar do SE: parte integrante

do verbo.

Encerrada esta seção sobre o SE como índice de indeterminação do

sujeito, a seguir discutiremos o SE como partícula apassivadora.

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136

3.3 O SE COMO PARTÍCULA (PRONOME!) APASSIVADORA

Como fizemos na secção anterior, aqui, também, gostaríamos de retomar

algumas idéias que estão colocadas no item 1.3.3 (p. 30 a 34) deste trabalho:

i. Sousa, falando das várias formas de construção da voz passiva, diz

que a construída com o pronome SE se faz “pela partícula se e uma

forma activa” (p. 31).

ii. “Como vimos no item 1.2 (vozes verbais), a voz passiva é aquela em

que o sujeito sofre a ação do verbo. Ora, para que o sujeito sofra a

ação do verbo, é necessário haver um agente que pratique esta ação

sobre o sujeito” (p. 32).

iii. “Tôrres, ainda, destaca o fato de haver ambigüidade entre a passiva

pronominal e a voz reflexiva” (p. 33).

iv. Retomando uma citação de Bechara, dissemos: “Ele ainda observa

que a passividade, além de ser um fato sintático, é, também, um fato

semântico, que depende do significado lexical do verbo da oração” (p.

34).

Nesse ponto, temos que concordar, sim, com Bechara, de que a

passividade verbal não pode ser compreendida fora da semântica do verbo266.

Como a própria GT afirma, podemos falar de uma voz passiva participial

(passiva analítica) e de uma passiva pronominal (passiva sintética). Aqui

discutiremos somente esta última, pois a primeira não é objeto de nossa

pesquisa.

Sobre a passiva pronominal, Bagno afirma:

No português brasileiro, portanto, simplesmente não existem ‘passivas sintéticas’: existem, sim, orações ativas, com verbos transitivos diretos, nas quais o pronome SE desempenha a função de sujeito

266 Ver nota 257, onde apresentamos uma classificação sintático-semântica dos verbos.

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137

(indeterminado), exatamente como a gramática normativa explica o uso do SE com verbos não-transitivos (“Aqui se vive feliz”)267.

Por outro lado, Hauy, ao tratar de casos particulares de passiva sintética,

dá-nos o seguinte exemplo:

(151) “Operou-se nesse hospital (= foi operado)”268.

Para melhor analisar o exemplo (151), iremos parafraseá-lo em:

(152) João se operou nesse hospital.

A grade temática do verbo ‘operar(-se)’ é descrita assim: operar(-se):

verbo [___NP] <tema, paciente>269. O nosso conhecimento de mundo nos diz que

se ‘João’ é o paciente (no sentido médico do termo), ele não poderá ser o

cirurgião. Portanto, o agente (o cirurgião) é um ser, no mundo, diferente do

paciente. Mas, o NP ‘João’ foi quem sofreu a intervenção cirúrgica realizada por

um agente. Daí, seguramente, podemos dizer que com verbos de processo onde

o NP sujeito é paciente (o ser que sofre o processo desencadeado pelo verbo),

temos, sim, uma passiva pronominal e esta passividade é realizada por meio do

pronome SE, que reporta para o NP ‘João’. Então, ‘João’ e ‘se’ são correferentes,

mas não temos reflexividade porque o NP sujeito não é agente de ação verbal.

Logo, a passividade da sentença vai além da equivalência: ‘operar-se’ = ‘foi

operado’. O apagamento do NP agente é próprio das estruturas sintéticas. Em

português, seria estranha a sentença:

(153) (?) João operou-se nesse hospital pelo Dr. Pedro.

mas, nas construções analíticas o agente pode ou não se realizar. Como em:

(154) João foi operado nesse hospital pelo Dr. Pedro.

(155) João foi operado nesse hospital.

267 BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gilles; STUBBS, Michael. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002. p. 37. 268 HAUY, Amini Boainain. Op. cit., p. 29. 269 O verbo “operar(-se)” é diferente de “operar”.

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Apesar do exemplo (152) ter uma estrutura morfossintática de

reflexividade, não podemos dizer que temos um pronome reflexivo, mas

apassivador. A reflexividade é apenas aparente, o que fica claro quando

discutimos a questão à luz dos papéis temáticos dos argumentos do verbo.

Vejamos a árvore de (152), aqui (152a):

(152a) Estrutura-S:

IP

NP I’ VP N’ I V’ N PP

+ tense + AGR

V’ P’ NP V NP N’ P N’ N N det em esse

João (i) se (i) operou nesse hospital

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139

Da árvore acima, evidenciamos melhor a correferencialidade entre o NP

‘João’ e o NP ‘se’, sendo que o primeiro é dominado pelo IP, portanto, sujeito, e o

segundo ocorre dentro do VP, portanto, complemento (como está dito na grade

temática do verbo ‘operar(-se)’); então, uma vez que ‘João’ e ‘se’ são

correferenciais, o papel temático de ‘João’ respinga no pronome ‘se’. Em

construções ativas, como em

(156) O Dr. Pedro operou João nesse hospital.

em que a grade temática do verbo é: operar: verbo [___ NP (PP)] <agente,

paciente, (locativo)>, onde ‘João’ exerce o papel temático de paciente e

sintaticamente é o complemento do verbo ‘operar’. Então, não podemos estranhar

que o pronome ‘se’, do exemplo (152), seja, igualmente, o complemento do verbo

‘operar(-se)’. Desse modo, no exemplo (152), temos um ‘se’ pronome e

correferencial do sujeito (paciente) ‘João’; a estrutura, aparentemente, é reflexiva,

mas o verbo está na voz passiva. Portanto, ao contrário do que afirmou Bagno,

em português brasileiro há, sim, passivas sintéticas.

Para melhor aprofundar essa discussão, vejamos os exemplos:

(157) A porta abriu-se.

(158) Maria sente-se infeliz

(159) O teatro situa-se nesta rua.

(160) João se arrependeu.

(161) Maria veste-se bem.

(162) João trajava-se com elegância.

Antes de qualquer análise, vejamos a grade temática dos verbos das

sentenças acima:

i. abrir(-se): verbo [___] <tema>

ii. sentir(-se): verbo [___ AP] <experienciador>

iii. situar(-se): verbo [___ PP] <tema, locativo>

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140

iv. arrepender(-se): verbo [___] <experienciador>

v. vestir(-se): verbo [___ PP] <tema>

vi. trajar(-se): verbo [___ PP] <tema>

Olhando para a classificação semântica dos verbos dos exemplos acima,

podemos dizer que em (157) e (160) temos verbos que indicam processo e, em

(158), (159), (161) e (162), verbos que indicam estado. Quanto à classificação dos

argumentos na posição de sujeito, em (157), ‘a porta’ é tema; em (158), “Maria” é

experienciador; em (159), ‘O teatro’ é tema; em (160), ‘João’ é experienciador; em

(161), ‘Maria’ é tema; e, em (162), ‘João’ é tema. Podemos dizer, também, que o

SE é correferencial dos NP’s na função de sujeito. Então, nesses exemplos, qual

vai ser a função do SE? Convém observar que, em nossa pequena amostragem,

não temos verbos de ação, nem sujeito agente. Daí, nessa condição – sem verbo

de ação, sem sujeito agente e com SE correferencial ao sujeito – temos

sentenças passivas com um pronome, SE, apassivador.

Para melhor entendermos essa questão, vejamos os seguintes exemplos:

(163) João abriu a porta.

(164) Maria sente fome.

(165) João se ajoelhou.

Como vimos, nos exemplos (152), com o verbo ‘operar(-se)’, e em (156),

com o verbo ‘operar’, que a pronominalização do verbo muda-lhe a estrutura

argumental, portanto, a grade temática e os papéis temáticos dos argumentos.

Então, apenas para reforçar essa idéia, tomemos os exemplos (163), (164) e

(165), para compará-los com os (157), (158) e (160). Primeiramente, vejamos a

grade temática dos verbos:

i. abrir: verbo [___ NP] <agente, tema>

ii. sentir: verbo [___ NP] <experienciador, tema>

iii. ajoelhar(-se): verbo [___ NP] <agente, tema>

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141

Assim sendo, no verbo ‘abrir’ temos um agente que desencadeia o

processo e um tema que sofre este processo; no exemplo (163), ‘João’ é o agente

e ‘a porta’ é o tema. Comparando (163) com (157), ‘abrir(-se)’, percebemos que,

com a pronominalização do verbo, deu-se o apagamento do sujeito de (163),

‘João’, e o tema, ‘a porta’, ocupa essa posição, em (157), como vimos na seção

sobre movimento de constituintes (2.4).

Com o verbo ‘sentir’, temos um experienciador, que sente a fome, ‘Maria’;

e um tema, a fome, em (164). Com a pronominalização de ‘sentir’, deu-se o

apagamento do tema, em (158). Já com o verbo ‘ajoelhar(-se)’, em (165), temos

um agente que pratica a ação-processo, ‘João’, e um tema que sofre esta

ação-processo, o NP ‘se’, que é correferente de ‘João’. O verbo ‘ajoelhar-se’,

como vimos, é um verbo de ação-processo.

Ilustremos, agora, os exemplos (157), (158), (160), (163), (164) e (165),

em árvores, para podermos fazer algumas inferências:

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(157a) Estrutura-S:

IP NP I’ VP I N’ + tense + AGR V’ NP det N V N’ N A porta(i) abriu(-) (-)se (i)

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143

(158a) Estrutura-S:

IP NP I’ VP N’ I V’

+ tense + AGR

N AP V’ NP A’ V N’ A N Maria (i) sente(-) (-)se (i) infeliz

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(160a) Estrutura intermediária:

IP NP I’ VP N’ I V’ NP N

+ tense + AGR V

N’ N João (i) João (i) arrependeu

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(160b) Estrutura-S:

IP NP I’ VP N’ I V’ NP N

+ tense + AGR V

N’ N João (i) se (i) arrependeu

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(163a) Estrutura-S:

IP NP I’ VP N’ I V’ NP N’

+ tense + AGR

N’ V det N João abriu a porta

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(164a) Estrutura-S:

IP NP I’ VP N’ I V’ NP N

+ tense + AGR

V N’ N Maria sente fome

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(165a) Estrutura intermediária:

IP NP I’ VP N’ I V’ N NP

+ tense + AGR

N’ V N João (i) ajoelhou João (i)

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(165b) Estrutura-S:

IP NP I’ VP N’ I V’ NP N

+ tense + AGR V

N’ N João (i) se (i) ajoelhou

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O que podemos inferir, partindo das árvores (157a) a (165b)?

Comparando as estruturas arbóreas de (157a) e (163a), fica evidenciado

o que afirmamos acima: ‘a porta’, que é o NP imediatamente dominado pelo VP,

em (163a), ocupa, em (157a), o lugar do NP imediatamente dominado pelo IP,

portanto, na função de sujeito, sem deixar de ser o tema do verbo, e o NP ‘João’,

que em (163a) ocupava a posição de sujeito é apagado. O pronome ‘se’, em

(157a), ocupa a posição do NP ‘a porta’, em (163a), portanto, a posição

imediatamente dominada pelo VP. Daí, podemos afirmar que o verbo ‘abrir-se’

tem dois argumentos? Achamos que não. Porque a correferencialidade do NP ‘a

porta’ e do pronome ‘se’, em (157a), tem por finalidade atender à

subcategorização do verbo ‘abrir’ (que exige dois argumentos) do qual, podemos

dizer, deriva-se o verbo pronominalizado ‘abrir-se’, e esta pronominalização tem

por finalidade realizar a apassivação. E isso não transgride nenhum dos princípios

do critério-θ, os dois princípios estão aqui atendidos, cada argumento recebe

apenas um papel temático. O critério-θ não diz que os argumentos não podem ser

correferentes.

Comparando, agora, as estruturas (158a) e (164a), podemos dizer que,

nas duas sentenças, tanto o verbo ‘sentir-se’ quanto o verbo ‘sentir’ são verbos de

estado. Só que, em (164a), o verbo pede um complemento imediatamente

dominado pelo verbo para que a sentença esteja sintática e semanticamente

bem-formada. Já, em (158a), o NP imediatamente dominado pelo VP é

preenchido com o pronome ‘se’, correferencial do sujeito ‘Maria’ que, nas duas

sentenças, é o experienciador, em (158a) da ‘infelicidade’ (um AP), e em (164a),

da ‘fome’. Portanto, a presença do ‘se’, em (158a), tem a finalidade de atender a

subcategorização do verbo ‘sentir’ (que pede um NP imediatamente dominado

pelo VP) – do qual se deriva o verbo ‘sentir-se’, em (164a) – para apassivá-lo.

Fazendo a comparação entre as estruturas (160b) e (165b), como já

dissemos, em (160b) temos um verbo que indica processo e o NP, ‘João’,

imediatamente dominado pelo IP, é o experienciador do processo desencadeado

pelo verbo. Já em (165b), temos um verbo de ação-processo e o NP, ‘João’,

imediatamente dominado pelo IP, é um agente que pratica uma ação que resulta

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151

em uma mudança de posição do tema, o próprio ‘João’, representado pelo NP ‘se’

(que ocupou a posição de ‘João’, na estrutura intermediária), imediatamente

dominado pelo VP. Então, para diferenciarmos bem as duas sentenças, podemos

dizer que em ‘João se arrependeu’, ‘João’ apenas experimenta um processo de

arrependimento que se passa com ele próprio; daí a necessidade do pronome

‘se’, para apassivá-lo. Em ‘João se ajoelhou’, temos um verbo de ação-processo,

em que ‘João’ é um sujeito agente que leva a efeito uma ação-processo que afeta

a ele próprio, que também é o tema. Assim sendo, em (165), ‘João’ é agente e,

também, tema na mesma sentença, daí a presença do pronome ‘se’. Mas será

que podemos dizer que, apesar das estruturas morfossintáticas serem idênticas, o

pronome ‘se’ exerce a mesma função nas duas sentenças? Parece-nos que não.

Em (160b), temos uma estrutura passiva e em (165a), uma estrutura reflexiva

(que discutiremos na próxima seção).

Finalizando nossa discussão, talvez possamos estabelecer alguns

princípios que, de fato, são necessários para que haja apassivação:

i. O verbo da voz passiva pronominal não pode ser verbo de ação, mas

de processo, ação-processo e estado.

ii. Nosso segundo princípio decorre do primeiro. Se o verbo não pode

ser de ação, claro que o sujeito não pode ser agente.

iii. Na passiva sintética, o pronome ‘se’ é sempre correferencial do NP

sujeito da sentença.

A seguir, trataremos da terceira e última função do SE, objeto de nossa

pesquisa, o SE como pronome reflexivo.

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152

3.4 O SE COMO PRONOME REFLEXIVO

Como fizemos nas duas últimas secções, aqui, também, retomaremos

algumas afirmações feitas anteriormente, neste trabalho:

i. “O processo evolutivo do pronome SE, de reflexivo a passivo e de

passivo a indeterminador do sujeito, na visão de Monteiro, é resultado

de uma reanálise deste pronome” (p. 24).

ii. Ribeiro, falando sobre o SE reflexivo, diz: “[...] a fórma da terceira

pessoa pronominal denomina-se pessoa reflexiva, que é a que ocorre

no discurso indicando relação de identidade com o sujeito. Esta

pessoa é determinada pelos acusativos das duas primeiras pessoas,

me, te e por uma fórma se” (p. 34-35).

iii. “Cardoso diz que o SE reflexivo é complemento ‘direto’ ou

‘terminativo’: “Ora, se o se, indefinido, é o sui, sibi, se dos latinos, isto

é, se não tem caso recto, se não pode ser nominativo, tollitur questio,

porque se reflexivo, concordam os adversários, é complemento directo

ou terminativo” (p. 35).

iv. “Do exposto por Said Ali, podemos inferir que a reflexividade se faz a

partir dos pronomes ditos reflexivos; a noção de que há reflexividade

quando o sujeito pratica a ação sobre si mesmo é relativa” (p. 36).

v. “... ‘reflexiva’ é toda frase em que o sujeito e o objeto são ‘idênticos’”

(p. 37).

vi. Em uma citação de Bechara, ele afirma: “A reflexividade consiste, na

essência, na “inversão (ou negação) da transitividade da ação verbal”.

Em outras palavras, significa que a ação denotada pelo verbo não

passa a outra pessoa, mas reverte-se à pessoa do próprio sujeito (ele

é, ao mesmo tempo, agente e paciente)” (p. 38).

Talvez por ser a função mais genuína do SE, pois, historicamente, ele é

reflexivo, encontramos na GT um ponto comum entre os gramáticos: é reflexiva a

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153

voz, que, partindo de um sujeito agente, retorna a ele próprio, sem transitar para

um complemento diferente do próprio sujeito. No entanto, isso não significa a

inexistência de problemas que, para nós, ficam melhor resolvidos à luz dos papéis

temáticos e da semântica do verbo, apesar da definição contrária de Macambira,

que diz: “O aspecto semântico, presente na definição de voz, é secundário,

puramente nomenclatório”270.

Para melhor refletirmos sobre o pronome SE reflexivo, tomemos os

exemplos abaixo:

(166) João se ajoelhou.

(167) Maria se matou.

(168) Pedro se olha no espelho.

(169) Os trabalhadores manifestaram-se contra o projeto.

(170) Romeu e Julieta se suicidaram.

(171) João e Maria se beijaram.

(172) Meu amigo zangou-se com o vizinho.

Aqui, retomamos o exemplo (165), como (166), e dissemos que o verbo

‘ajoelhar-se’ é um verbo de ação-processo, mas esta ação-processo não transita

para um outro ser. ‘João’ é o agente e o tema (porque é o ser que segue o

movimento) da ação-processo contida no verbo. Além do mais, ‘João’ é o agente

da ação-processo. Daí, o pronome SE ser reflexivo.

Para discutirmos os exemplos (167)-(172), vejamos a grade temática dos

verbos contidos nesses exemplos:

i. matar(-se): verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

ii. olhar(-se): verbo [ ___ NP, PP ] <agente, paciente, locativo>

iii. manifestar(-se): verbo [ ___ NP, PP ] <agente, paciente, objetivo>

iv. suicidar-se: verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

270 MACAMBIRA, José R. Estrutura do vernáculo. Op. cit., p. 127.

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154

v. beijar(-se): verbo [ ___ NP ] <agente, paciente>

vi. zangar(-se): verbo [ ___ NP(PP) ] <experienciador, tema, objetivo>

Dada a grade temática dos verbos, para comentar cada um dos

exemplos, partiremos do esquema arbóreo das sentenças.

(167a) Estrutura intermediária:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Maria (i) matou Maria (i)

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(167b) Estrutura-S:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Maria (i) matou(-) (-)se (i)

Como podemos observar, partindo da grade temática do verbo

‘matar(-se)’, que exige um NP como complemento, e os papéis temáticos de

‘agente’ e ‘paciente’, o NP, ‘Maria’, imediatamente dominado pelo VP, na função

de complemento, na estrutura intermediária, e o NP, ‘Maria’, imediatamente

dominado pelo IP, são o mesmo ser no mundo. Então, na passagem para a

estrutura-S, o NP, na função de complemento, é apagado e substituído pelo

pronome SE, correferente do sujeito agente ‘Maria’. Sem dúvida alguma, nessa

situação, há reflexividade, pois a ação-processo desencadeada pelo sujeito afetou

um complemento que é o próprio sujeito, isto é, seu correferente.

Tomemos, agora, o exemplo (168).

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156

(168a) Estrutura intermediária:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

PP V’ NP P’ V NP N’ N’ P det N N em o Pedro (i) olha Pedro (i) no espelho

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(168b) Estrutura-S:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

PP V’ NP P’ V NP N’ N’ P det N N em o

Pedro (i) se (i) olha no espelho

A grade temática do verbo ‘olhar(-se)’ indica que há um argumento

agente, outro paciente e um locativo. Comparando as estruturas intermediária e

‘S’, fica claro que ‘Pedro’ é o agente e o paciente da ação verbal. É ele que é

‘olhado’ (ou ‘visto’). Assim sendo, podemos afirmar, sem problema algum, que o

pronome SE é reflexivo.

Analisemos, então, partindo do esquema arbóreo, o exemplo (169).

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(169a) Estrutura intermediária:

IP I’ VP I NP V’ N’

+ tense + AGR

PP V’

det N NP P’ V NP N’ P N’ det N det N Os trabalhadores (i) manifestaram os traba-

lhado-res (i)

contra o projeto

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(169b) Estrutura-S:

IP I’ VP I NP V’ N’

+ tense + AGR

PP V’

det N NP P’ V NP N’ P N’ N det N Os trabalhadores (i) manifestaram(-) (-se) (i) contra o projeto

Olhando a grade temática do verbo ‘manifestar(-se)’, encontramos três

argumentos: agente, paciente e objetivo. Podemos, então, dizer que a relação

entre o agente e o paciente, que são correferentes, é de reflexividade, pois os

‘trabalhadores’ são, ao mesmo tempo, ‘sujeito’ e ‘complemento’ do verbo.

Portanto, não há dificuldade em se afirmar que o SE é um pronome reflexivo.

Os exemplos vistos, até aqui, não colocam grandes problemas para a sua

análise. A reflexividade está patente e é aceita, sem maiores questionamentos,

tanto pela GT, como por uma análise lingüística mais consistente.

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160

Vejamos, agora, alguns exemplos que, em nosso modo de ver, exigem

uma melhor explicação. No exemplo (170), temos o verbo ‘suicidar-se’; quanto a

sua reflexividade, não há o que questionarmos, inclusive, talvez, possamos dizer

que na própria etimologia da palavra essa idéia já esteja contida. Nada nos

impede de dizer que, nesse verbo (suicidar-se), o ‘sui’ seja o pronome latino

reflexivo sui, sibi, se e [‘-cida’], o radical latino que significa ‘que mata’. Logo,

‘suicidar-se’ é ‘o que mata a si próprio’. Então, partindo disto, o exemplo

(170) Romeu e Julieta se suicidaram.

requer uma maior reflexão. Quando dizemos ‘Romeu e Julieta se suicidaram’,

dizemos que ‘Romeu suicidou-se’ e que ‘Julieta suicidou-se’, também. Mas cada

um praticando a ação verbal sobre si mesmo. Assim, o exemplo (170) parece ser

a somatória das orações (170a) e (170b).

(170a) Estrutura intermediária:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Romeu (i) suicidou Romeu (i)

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que vai nos dar:

(170a) Estrutura-S:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Romeu suicidou(-) (-)se

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(170b) Estrutura intermediária:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Julieta suicidou Julieta

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163

que vai nos dar:

(170b) Estrutura-S:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Julieta suicidou(-) (-)se

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164

Desse modo, o exemplo (170) será assim representado:

(170) Estrutura-S:

IP NP I’ N’ I VP

N ... e ... N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Romeu (i) Julieta (j) suicidaram(-) (-se) (i, j)

Assim, fica evidente a somatória das sentenças (170a) e (170b) pelo

apagamento de um dos constituintes idênticos (‘suicidou-se’) e a acomodação de

concordância (+ AGR). Logo, o pronome SE é reflexivo porque cada um dos

agentes que praticou a ação, também a recebeu.

Vendo, agora, o exemplo

(171) João e Maria se beijaram.

o nosso conhecimento de mundo nos diz que quando falamos ‘alguém (i) beijou

alguém (j)’, estamos dizendo ‘alguém praticou o ato de beijar outra pessoa e que,

por sua vez, esta pessoa também beijou a outra’, ou seja, ‘alguém’ é agente do

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165

ato de beijar e é, também, paciente deste ato. Só que há um detalhe: ninguém

‘beija’ a si mesmo. O ato de ‘beijar’ envolve sempre dois agentes e dois pacientes,

cada um, a seu tempo, praticando (dando) e recebendo ‘beijos’. Uma outra coisa,

quando dizemos ‘João e Maria se beijaram’, entendemos que foi um beijo na

boca. Então, como devemos entender a reflexividade do pronome ‘se’, nesse

exemplo? A GT vai falar de ‘voz reflexiva recíproca’. Podemos aceitar, sem

maiores questionamentos esta explicação? Para melhor nos situarmos, vejamos

os esquemas arbóreos do exemplo em discussão. Será que podemos dizer que

(171) é a somatória de (171a) e (171b)?

(171a) Estrutura-S:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N João beijou Maria

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(171b) Estrutura-S:

IP

NP I’ N’ I VP N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N Maria beijou João

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167

Para que as estruturas (171a) e (171b) dêem (171),

(171) Estrutura-S:

IP NP I’ N’ I VP

N ... e ... N V’

+ tense + AGR

NP V N’ N João (i) Maria (j) se (i, j) beijaram

precisamos fazer algumas considerações:

i. Embora a grade temática de ‘beijar-(se)’ seja igual a de ‘matar(-se)’ e

de ‘suicidar-se’, há uma diferença no tipo de ação dos dois últimos

verbos que difere do primeiro, ou seja, ‘alguém pode matar-se a si

mesmo’ e ‘alguém sempre suicida a si mesmo’, mas ‘ninguém beija a

si mesmo’. Tanto é assim que, nas pessoas do singular, sem

problema algum, dizemos ‘eu me mato’, ‘tu te matas’ e ‘ele se mata’;

‘eu me suicido’, ‘tu te suicidas’ e ‘ele se suicida’, mas é, pelo menos,

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168

estranho, dizer ‘eu me beijo’, ‘tu te beijas’ e ‘ele se beija’, a não ser

que digamos ‘eu me beijo com ...’, ‘tu te beijas com ...’ e ‘ele se beija

com...’, que nada mais é do que a inserção do paciente na ação de

‘beijar’.

ii. O próprio conceito de reflexividade diz que a ação não transita do

sujeito para um complemento diferente do próprio sujeito. Daí,

entendermos que o agente e o paciente sejam a mesma pessoa (a

que pratica e a que recebe a ação praticada). E parece que não

acontece isso com o verbo ‘beijar’, porque a ação praticada pelo

agente é recebida pelo paciente, que, por sua vez, se torna agente

para o paciente que era agente. Assim sendo, temos, sim, duas

orações ativas, (171a) e (171b), que se coordenam para formar (171).

Então, em (171), temos uma sentença na voz reflexiva? Apesar das

considerações, parece que sim.

Na sentença (171a), ‘João’ é agente e ‘Maria’ é paciente. Em (171b),

‘Maria’ é agente e ‘João’ paciente. Então, temos duas sentenças na voz ativa. E

quando coordenamos as duas, tanto ‘João’, como ‘Maria’ continuam com os seus

papéis temáticos de agente e paciente, simultaneamente.

Partindo disso, então, qual seria a função do pronome SE? Para

respondermos a essa questão, será que poderíamos parafrasear (171) em ‘João

foi beijado por Maria’ e ‘Maria foi beijada por João’? Com toda certeza. Na

paráfrase, temos um caso de apassivação, uma vez que o verbo ‘beijar’ exige

dois argumentos: um agente e outro paciente, condição para que se realize a

apassivação. Por outro lado, não podemos esquecer que o exemplo (170) não

pode ser parafraseado em ‘Romeu e Julieta foram suicidados por Romeu e

Julieta’. Nem o exemplo (167), também: seria, no mínimo, estranho, dizer ‘Maria

foi morta por Maria’. Por que isso acontece? Como vimos há pouco, os verbos

que permitem ação recíproca exigem a inserção de um paciente diferente do

agente, mas que praticam um sobre o outro a mesma ação. Enquanto que nos

verbos que não são assim (recíprocos), o paciente e o agente são o mesmo ser

no mundo.

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169

Feitas essas observações, retomemos nossa questão inicial: qual seria a

função do SE em ‘João e Maria se beijaram’? Partindo da estrutura-S de (171),

fica claro que o SE é correferente dos sujeitos e tem a função de fazer a ação

recair sobre os sujeitos que a praticaram. Daí, ser um caso de reflexividade, só

que recíproca.

Antes de analisarmos o exemplo (172), que Macambira considera como

voz média271, daremos uma rápida palavra sobre essa questão272.

O termo ‘voz média’ tem tido um largo alcance de aplicações na literatura lingüística deste século. Algumas vezes ela denota uma categoria formal [...], mantendo seu uso original em referência a uma categoria flexional do verbo no grego clássico. Em outros casos ela é puramente semântica [...] indicando que ‘a ação’ ou ‘estado’ afeta o sujeito do verbo ou seus participantes273.

Sobre essa mesma questão, Macambira diz:

[...] o sujeito não é propriamente o agente do processo, mas atua como tal de certa maneira; não é propriamente o paciente, mas sofre de certa maneira o efeito do processo verbal. A denominação média é muito significativa: não é ativa nem passiva; está no meio, situada entre as duas274.

Partindo da citação de Macambira, onde ele diz que ‘o sujeito não é

propriamente o agente do processo [...] nem é propriamente o paciente’,

queremos contrapor um exemplo apresentado por Kemmer para questionar a voz

média:

(173) Eu lavo minhas mãos275.

271 Ibid., p. 135-137. 272 Não discutimos a ‘voz média’ porque ela não chega a ser um caso de reflexividade, nem de passividade, mas de ‘vozes verbais’, que não é objeto de nossa pesquisa. Além do mais, ela pode ser construída sem o SE. 273 “The term ‘middle voice’ has had a wide range of applications in the linguistic literature of this century. Sometimes it denotes a formal category [...], in keeping with its original use in referring to an inflectional category of the Classical Greek verb. In other cases it is purely semantic [...] indicating that ‘the action’ or ‘state’ affects the subject of the verb or his interests’ (KEMMER, Suzanne. The middle voice. Philadelphia: John Benjamins, 1993. p. 1). 274 MACAMBIRA, José R. Estrutura do vernáculo. Op. cit., p. 135. 275 “I wash my hands” (Cf. KEMMER, Suzanne. Op. cit., p. 1).

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170

Sem dúvida alguma, nesta oração, o sujeito é, sim, o agente e o paciente

da ação verbal, porque ele (sujeito) lavou ‘suas próprias mãos’. Então, podemos

dizer que, em (173), temos um caso de reflexividade? Parece que não. Uma vez

que em português essa voz se constrói com o pronome se (ou ‘a si próprio’). Além

do mais, é mal-formada a paráfrase ‘* Eu lavo a mim mesmo minhas mãos’ (ou

pelo menos redundante).

Feitas essas breves observações, tomemos o exemplo

(172) Meu amigo zangou-se com o vizinho276.

Da grade temática do verbo ‘zangar(-se)’, fica claro que não há agente

nem paciente, mas um experienciador (‘meu amigo’), um tema (‘meu amigo’ = se)

e objetivo (o vizinho). Esses são os argumentos do verbo ‘zangar-(se)’.

Para confirmarmos estas relações temáticas, sobretudo as estabelecidas

entre o experienciador e o tema, vejamos os esquemas arbóreos de (172).

276 Este exemplo é retirado de: MACAMBIRA, José R. Estrutura do vernáculo. Op. cit., p. 135.

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(172a) Estrutura intermediária:

IP I’ I NP V’ N’

+ tense + AGR

PP V’

det N NP P’ V NP N’ P N’ det N det N Meu amigo zangou meu amigo com o vizinho

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(172b) Estrutura-S:

IP I’ I NP V’ N’

+ tense + AGR

PP V’

det N NP P’ V NP N’ P N’ N det N Meu amigo (i) zangou(-) (-se) (i) com o vizinho

Embora Macambira não aceite essa estrutura, não vemos outra maneira

de explicar a correferencialidade entre o NP (‘meu amigo’) e o pronome SE.

Agora, como o NP imediatamente dominado pelo IP não é agente, mas

experienciador, não podemos falar de voz reflexiva (nem de voz média), sem

dúvida alguma, estamos diante de um caso de voz passiva, com um verbo que

indica processo, que dispensa sujeito agente (mas paciente ou experienciador).

Macambira equivoca-se ao dizer que em ‘meu amigo zangou-se com o vizinho’,

temos um caso de voz média. Como podemos observar, trata-se de uma voz

passiva do tipo ‘Maria sente-se infeliz’, no exemplo (158).

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Finalizando esta secção, podemos dizer que o SE reflexivo só acontecerá

com verbos de ação, com sujeito agente e correferencial de um pronome da

mesma pessoa do sujeito.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todas as leituras feitas ao longo de nossa pesquisa, queremos chamar

a atenção para alguns pontos que consideramos importantes, sobretudo no que

diz respeito à posição da GT sobre os mesmos. Uma primeira questão, já

bastante conhecida, diz respeito à falta de critérios usados para definir/classificar

os fatos da língua, ou melhor dizendo, a GT, ao tratar desses fatos, usa uma

multiplicidade de critérios, sem claramente dizer o que é da morfologia, da sintaxe

ou da semântica, devido ao seu caráter heteromórfico. O outro, também do

conhecimento geral, é a não-coerência entre o que a GT afirma como ‘verdade’ e

a linguagem dos usuários.

Sobre o ‘verbo’, quando a GT busca uma conceituação, ela mistura

critérios morfológicos (como a flexão de modo, tempo, número e pessoa) que, em

nosso modo de ver, diferem do critério sintático (a mudança de voz), que, por sua

vez, também difere do critério semântico (indicação de estado, qualidade, ação ou

processo). Com isso queremos dizer que um olhar sobre a morfologia, a sintaxe e

a semântica do verbo são olhares diferentes.

Entre os gramáticos tradicionais que nós pesquisamos, sobre ‘voz verbal’,

há diferenças na forma de encarar o assunto. Essas diferenças vão desde a

classificação da tipologia (apenas voz ativa e voz passiva; ou, voz ativa, passiva,

reflexiva e neutra) até uma não-diferenciação entre voz reflexiva e voz média, que

alguns fazem.

A GT, ao tratar do SE como índice de indeterminação do sujeito, vê as

seguintes situações: (i) sentença em que o sujeito existe apenas na mente do

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falante (sem estar lexicalmente realizado); (ii) partindo da regência do verbo

(verbos intransitivo, transitivo indireto, de ligação e transitivo direto + SE); e,

ainda, em uma clara discordância do que foi dito, encontramos (iii) partindo da

regência verbal (verbo intransitivo + SE), como oração sem sujeito (o que, na

visão da própria GT, deveria ser sujeito indeterminado) porque a ação mesma

expressa pelo verbo prescinde de qualquer sujeito. Como podemos ver, nesse

ponto, também há uma confusão entre os critérios sintáticos (regência verbal) e

semânticos (referência a um sujeito que existe na mente do falante/ouvinte,

tipologia semântica dos verbos: de ação, de processo ...) para a classificação do

SE, ora usando um; ora, o outro.

A GT, ao tratar o SE como partícula apassivadora, podemos dizer que um

ponto comum, entre os gramáticos, é a transitividade verbal: verbo transitivo

direto + SE, o SE funciona como apassivador. Alguns chamam a atenção para a

necessidade de ser o sujeito da oração um ser inanimado. Outros, ainda,

destacam a semântica do verbo, para estabelecer a diferença entre voz passiva e

passividade. Portanto, podemos concluir que, nesse ponto, há também uma

confusão entre os critérios sintáticos e semânticos.

Já falando do SE como pronome reflexivo, encontramos a afirmação de

que reflexividade é a identidade entre o sujeito e um pronome acusativo, mas a

idéia que está na base do conceito de reflexividade é que a ação praticada pelo

sujeito retorna a ele mesmo, sem importar se o verbo é transitivo direto ou

indireto. A reflexiva recíproca é uma questão de semântica, porque depende do

contexto do enunciado.

Do exposto, podemos concluir que a GT não responde de modo

satisfatório à classificação do SE como índice de indeterminação do sujeito,

partícula apassivadora e pronome reflexivo. Daí, a necessidade de uma análise

mais consistente destas funções.

Após constatarmos que a GT não dá conta satisfatoriamente das funções

do SE que escolhemos para analisar, passaremos agora a olhá-las dentro do

panorama da sintaxe gerativa, aplicando os princípios teóricos apresentados no

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capítulo “Fundamentos teóricos para uma abordagem lingüística do SE”, às

sentenças do capítulo 3, chegando às conclusões que se seguem.

Classificar o SE como índice de indeterminação do sujeito, requer um

olhar sobre a grade temática do verbo e sobre o papel temático de seus

argumentos; somente com este olhar, somos capazes de dizer se algum papel

temático está (ou não) realizado fonologicamente, como vimos nas discussões

dos exemplos (138) a (147). Partindo disso, concluímos que o que a GT classifica

como pronome apassivador, e Bagno, como sujeito, na realidade, temos um

índice de indeterminação do sujeito, pois o NP presente nas sentenças – com

verbo transitivo direto, de ação – é o tema (e complemento verbal). O agente da

ação (e sujeito oracional), por sua vez, foi indeterminado pelo SE.

Sobre o SE como pronome apassivador, concluímos que não é

necessário apenas que o verbo seja transitivo direto, como quer a GT, mas é

indispensável um olhar sobre a grade temática e a semântica dos verbos.

Somente partindo destes dois critérios, podemos explicar exemplos como (152) e

(157) a (162), que aparentemente estão na voz reflexiva (NP sujeito e

correferente de um NP complemento), mas que, de fato, estão na voz passiva

pronominal. Por isso, podemos dizer que o verbo da voz passiva pronominal não

pode ser de ação (mas de processo, ação-processo e estado), nem o sujeito

oracional, agente. Além do mais, para que ocorra a pronominalização que vai

resultar na passiva sintética, há todo um processo de apagamento e movimento

de constituintes, como vimos nos exemplos (157) e (163). Convém, também,

lembrarmos que a construção da passiva analítica envolve apagamentos e

movimentos de constituintes, como aparece nos exemplos (148) e (149).

A respeito do SE como pronome reflexivo, consideramos que só podemos

falar de reflexividade se levarmos em consideração – como nas funções

anteriores – a grade temática e a semântica dos verbos. Para que haja

reflexividade, é necessário termos verbo de ação e de ação-processo e um sujeito

agente correferente de um pronome complemento verbal. Já a reflexiva-recíproca,

que consideramos como um tipo de reflexividade, exige a mesma grade temática

e a mesma semântica dos verbos de voz reflexiva, apenas com uma diferença, a

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inserção de um paciente diferente do agente que pratica e recebe a mesma ação

praticada.

Concluída a nossa análise sobre o SE indeterminador do sujeito,

apassivador e reflexivo, temos a convicção de que o critério semântico, não só o

morfossintático, é indispensável para uma classificação lingüística mais

consistente do SE. Por que não recorrer, também, à Pragmática? Talvez, as

interfaces sintaxe-semântica-pragmática dêem conta dessa análise com mais

propriedade.

Sabemos que a lingüística não tem compromissos com a pedagogia ou

práticas de ensino de línguas maternas, mas, por outro lado, nada a impede de

oferecer subsídios a professores que queiram tornar seu fazer pedagógico mais

racional e, por isso, mais eficiente.

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CURRICULUM VITAE Outubro, 2007

1 DADOS PESSOAIS

Nome RAIMUNDO FRANCISCO GOMES

Filiação Francisco de Sousa Gomes e Leonarda Barbosa Gomes

Nascimento 15/12/1954, Campo Maior, PI – Brasil

Endereço

profissional

Universidade Estadual do Piauí – UESPI

Rua João Cabral, s/nº – Pirajá

64000-150 Teresina – PI – Brasil

Telefone: (086) 3213-5195

Endereço

residencial

Av. Geraldo Rangel, 885 – Casa 142 – Derby Club

62041-480 Sobral – CE – Brasil

Telefones: (88)3611-4606 – (88)9962-5423

E-mail: [email protected]

2 FORMAÇÃO ACADÊMICA / TITULAÇÃO

1998-2001 Mestrado em Lingüística Aplicada

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –

PUCRS

Porto Alegre – RS – Brasil

Título: Uma Leitura do Pronome Reflexivo SE

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Ano de obtenção: 2001

Orientador: Dr. Sérgio de Moura Menuzzi

Bolsista da CAPES

1992 Especialização em Ciências da Educação

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA

Sobral – CE – Brasil

1989-1991 Especialização em Metodologia do Ensino Superior

Universidade Federal do Ceará – UFC

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA

Sobral – CE – Brasil

1978-1994 Graduação em Licenciatura Plena em Filosofia

Universidade Estadual do Ceará – UECE

Fortaleza – CE – Brasil

1987–1992 Graduação em Licenciatura Plena em Letras

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA

Sobral – CE – Brasil

1985-1988 Graduação em Licenciatura Plena em Estudos Sociais

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA

Sobral – CE – Brasil

3 ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Universidade Estadual do Piauí – UESPI

Vínculo institucional

1994 – Atual Servidor Público – Enquadramento funcional: Professor

Assistente

Carga horária: 40h

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Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA

Vínculo institucional

1994 – Atual Servidor Público – Enquadramento funcional: Professor

Assistente

Carga horária: 40h

Atividades

03/1994 – Atual Ensino de Graduação

Disciplinas ministradas:

1. Língua Latina I

2. Língua Latina II

3. Português III – Morfologia

4. Português IV – Sintaxe

5. Português VI – Fonologia do Português

6. Lingüística: Morfologia

7. Lingüística: Sintaxe

4 ÁREAS DE ATUAÇÃO Língua Latina, Língua Portuguesa e Lingüística

5 IDIOMAS Compreende Espanhol (bem)

Fala Espanhol (pouco)

Lê Espanhol (bem)

Inglês (bem)

Escreve Espanhol (razoavelmente)

Inglês (razoavelmente)

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6 PRODUÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E ARTÍSTICA/CULTURAL 6.1 PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA 6.1.1 Trabalhos resumidos em eventos

6.1.1.1 GOMES, Raimundo F. A Construção da Coerência Textual no Livro do

Gênesis. In: VIII SEMANA DE LETRAS DA UNIVERSIDADE

ESTADUAL DO PIAUÍ, 1999, Teresina – PI, 1999.

6.1.1.2 GOMES, Raimundo F. Os Dêiticos e a Construção do Sentido do

Texto. In: IV SEMANA DE LETRAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL

VALE DO ACARAÚ, 2001, Sobral – CE, 2001.

6.1.1.3 GOMES, Raimundo F. A Reflexividade Questionada à Luz do

Estruturalismo e do Gerativismo. In: SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO

CIENTÍFICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ, 2002, Teresina

– PI, 2002.

6.1.1.4 GOMES, Raimundo F. Uma Leitura do Pronome Reflexivo SE. In: III

SIMPÓSIO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA UNIVERSIDADE

ESTADUAL DO PIAUÍ E I SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ, 2002, Teresina – PI, 2002.

6.1.1.5 GOMES, Raimundo F. Fala x Escrita: Aspectos Formais e Funcionais.

In: V ENCONTRO CEARENSE DE ESTUDANTES DE LETRAS, 2003,

Sobral – CE, 2003.

7 INDICADORES DE PRODUÇÃO Produção bibliográfica .................................................................................... 5

Trabalhos em eventos .................................................................................... 5

Resumos ......................................................................................................... 5

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RAIMUNDO FRANCISCO GOMES

O SE INDETERMINADOR DO SUJEITO, APASSIVADOR E REFLEXIVO:

UMA LEITURA MORFOSSINTÁTICO-SEMÂNTICA