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A pesquisa desencadeou um processo de diálogo social entre as empresas e os sindicatos de trabalhadores. Essa nova dinâmica está ajudando a promover novos entendimentos entre capital e trabalho de forma nunca vista até então naquela região do país. Uma nova agenda de negociação está sendo constituída com ganhos para todos. Além disso, o IOS avança em um tema sobre o qual o movimento sindical sempre foi muito carente: o comportamento das empresas quando se organizam em cadeia produtiva.

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6ALUMÍNIOEstudo avalia a cadeia produtiva de cincomultinacionais na Amazônia.

11TRABALHO ESCRAVOPesquisa em 56 organizações de 13 estados verifica osesforços para a erradicação.

13TRABALHO DECENTEIOS testa indicador para monitorar a qualidade e ascondições de trabalho nas empresas.

18TRABALHO DECENTE - HISTÓRIAA idéia do trabalho digno no Brasil na época daabolição da escravidão.

247a PESQUISA E AÇÃO SINDICALPerspectivas do mundo do trabalho e os 10 anos doIOS.

31ENTREVISTA:JOÃO FELÍCIOSecretário de Relações Internacionais da CUT fala dasconquistas de 2007.

36PROJETO AMAConcluído o estudo sobre políticas ambientais de quatrocorporações na América Latina.

42ISO 26000A definição da norma da Responsabilidade SocialEmpresarial entra em fase decisiva.

44UNILEVEREstudo da RedLat mostra as diferenças entre o discursoe a prática da empresa.

46CARREFOURCGT francesa protesta contra repressão policial aostrabalhadores.

50CONEXÃO SINDICALTecnologia da Informação a serviço do movimentosindical.

54UNIVERSIDADE GLOBAL DO TRABALHOPesquisadores do IOS contam suas experiências naAlemanha e na África do Sul.

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EM REVISTA2007, um ano de inovação e conquistas

Nunca o IOS havia realizado tantas pesquisasao mesmo tempo como em 2007, ano em quecompletou dez anos de história. E o mais im-portante: todas elas trouxeram algo inovadorpara a trajetória da instituição. Selamos uma

parceria com a OIT (Organização Internacional do Trabalho)no Brasil para desenvolver uma metodologia de monitora-mento do trabalho escravo no país. Criamos um questioná-rio aplicado a quase 60 empresas signatárias do Pacto deErradicação do Trabalho Escravo, firmado em 2005. Tam-bém constituímos um sistema de monitoramento das açõesdessas empresas que funciona de forma permanente. Tudoisso foi realizado de forma quadripartite – a gestão do proje-to exigiu um esforço de articulação entre o Instituto Ethos, oRepórter Brasil, o escritório da OIT em Brasília e a equipe doIOS em São Paulo.

O IOS também finalizou em 2007 outra pesquisa im-portante. Ela trata do comportamento ambiental das empre-sas multinacionais de alimentos em cinco países da Améri-ca Latina. Aqui o desafio foi duplo. Além de trazer o tema doMeio Ambiente para dentro da agenda sindical e sensibili-zar os trabalhadores e sindicatos para a questão ambiental,a pesquisa demandou grande capacidade de coordenaçãocom outros institutos latino-americanos. Foram discutidosconjuntamente os instrumentos de pesquisa. Sua aplicaçãoficou sob a responsabilidade do CFES/Lasos da Argentina,ligado à CTA (Confederação dos Trabalhadores da Argenti-na), do Plades (Programa Laboral de Desarollo) no Peru, daENS (Escola Nacional Sindical) de Medellín na Colômbia, edo consultor Victor Lopez no Equador.

O IOS promoveu a primeira pesquisa através de amos-tragem em uma empresa sem atividade industrial. Trata-seda pesquisa Petros, que avaliou a empresa administradorado fundo de pensão dos empregados da Petrobras. Pelo fatode existirem apenas trabalhadores administrativos, sem vín-

culo com a manufatura, o IOS sofisticou os seus instrumen-tos e ferramentas de pesquisa para apurar o comportamentode uma empresa de um ramo pouco conhecido e estudado.As surpresas foram muitas. Os temas tradicionais de investi-gação como Liberdade Sindical e Negociação Coletiva fica-ram em segundo plano. Emergiram com força questões liga-das à discriminação de gênero e raça no local de trabalho.Os resultados sinalizam que o movimento sindical deve darcada vez mais espaço para a discussão da discriminação nolocal de trabalho e usar esse tema para mobilizar os traba-lhadores, de forma a cobrar das empresas políticas claras etransparentes de promoção profissional.

Talvez o maior desafio tenha sido a pesquisa da Ca-deia do Alumínio no Pará e Maranhão. Desde o final de 2006o IOS realiza uma pesquisa em empresas produtoras debauxita e alumina nos dois estados da região Norte do Bra-sil. Foram aplicados centenas de questionários junto aos tra-balhadores dessas empresas ao longo de 2007. Praticamentetoda a equipe técnica no Rio de Janeiro e em São Paulo, e aárea institucional do IOS, foram mobilizadas para executaresse trabalho. Os resultados estão aparecendo de forma muitopositiva. A pesquisa desencadeou um processo de diálogosocial entre as empresas e os sindicatos de trabalhadores.Essa nova dinâmica está ajudando a promover novos enten-dimentos entre capital e trabalho de forma nunca vista atéentão naquela região do país. Uma nova agenda de negoci-ação está sendo constituída com ganhos para todos. Alémdisso, o IOS avança em um tema sobre o qual o movimentosindical sempre foi muito carente: o comportamento das em-presas quando se organizam em cadeia produtiva. Até ondevão as suas responsabilidades? Qual o impacto para os tra-balhadores? A pesquisa do IOS traz um bom aporte de co-nhecimento sobre essa questão. Indica que o tema da ca-deia produtiva pode ajudar o movimento sindical a buscarnovos parceiros e fortalecer sua capacidade de negociaçãojunto às empresas.

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CADEIA PRODUTIVA DO ALUMÍNIO

Pesquisa favoreceEstudo do IOS

em cincomultinacionais

na Amazôniaidentifica os

principaisproblemas sócio-

ambientais daatividade e

favorece a buscade soluções

negociadas entreempresas e

trabalhadores.

stá em fase de conclusãouma ampla pesquisa sobrecadeia produtiva do alumí-nio na Amazônia, a maiorjá realizada pelo Instituto

Observatório Social. Ela abrange cin-co empresas e cinco sindicatos de tra-balhadores – são mais de sete mil con-tratados e milhares de terceirizados.Um dos resultados obtidos foi o avan-ço no diálogo social. Outro avançoinédito foi possibilitar a articulação deramos distintos de atividade – minei-ros, químicos, metalúrgicos, eletrici-tários (urbanitários) – no debate dostemas de interesse comum.

O processo que deu origem àpesquisa começou em 2005 com aviagem de intercâmbio de alguns tra-balhadores brasileiros do setor paraa Alemanha. Em seguida, no mês desetembro do mesmo ano, na cidadede Santarém, no Pará, um semináriopromovido pelos sindicatos e confe-derações da cadeia, formalizaram a

realização da pesquisa. . Em novem-bro de 2006 realizou-se em Belém umseminário internacional promovidopelo IOS e pela central sindical ale-mã DGB, com apoio das centrais sin-dicais FNV (Holanda) e LO (Norue-ga), com a participação da Confede-ração Nacional dos Metalúrgicos(CMN/CUT), dos Mineiros(CNTSM), dos Químicos (CNQ), daCUT Pará e de metalúrgicos alemães.

Decidiu-se iniciar o estudo naregião Norte, onde há grande con-centração de multinacionais do se-tor no Pará e no Maranhão. Essasempresas produzem bauxita, alumi-na e alumínio primário, em grandeparte para exportação. Numa pri-meira etapa, foram feitas visitas àsempresas da região e realizadas al-gumas oficinas com sindicatos dosmetalúrgicos, químicos e de minei-ros, para identificar os principaisproblemas trabalhistas e ambientaismencionados pelos trabalhadores. A

negociação com as empresas e apesquisa de campo foram iniciadasem 2006 na MRN, Albras, Alunortee na Alumar. Também foram levan-tadas informações sobre o projetode construção, pela Alcoa, de umamina de bauxita em Juruti (PA).

As principais multinacionaisenvolvidas são Alcoa, Alcan, BHPBilliton, Vale do Rio Doce e NAAC,um consórcio de empresas japone-sas. Nas empresas foram realiza-das entrevistas com diretores, ge-rentes e chefias. A opinião dos tra-balhadores foi obtida por meio daaplicação de questionários contem-plando os temas tratados pelo IOS:os direitos fundamentais do traba-lho, da OIT (Organização Interna-cional do Trabalho), saúde e segu-rança, meio ambiente e responsabi-lidade social empresarial. O produ-to da pesquisa é um panorama so-bre o setor, somado aos relatóriossobre cada empresa.

ESeminário Cadeia Produtiva do Alumínio no Brasil. Mesa 7, Saúde e Segurança do Trabalhador.

Foto: Cornelia Girndt

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diálogo social

Alguns resultadosComo resultado geral verificou-

se que, ao contrário da tão propaladaverticalização da produção, há umatendência do setor à concentração daprodução em produtos com menorvalor agregado: bauxita e alumina. Afalta de energia foi identificada comoum dos obstáculos para a produçãode alumínio primário, etapa altamen-te consumidora de energia. De todosos setores industriais, o do alumínio éo que consome mais energia.

Durante a 7ª. Conferência In-ternacional Pesquisa e Ação Sindical,realizada em novembro de 2007 peloIOS, a pesquisa na cadeia produtivado alumínio foi tema de um dos pai-néis. Participaram três representan-tes de empresas (MRN, Alumar eAlcoa) e três dirigentes sindicais. Al-guns compromissos entre empresase sindicatos foram assumidos nesseseminário.

“Podemos relatar uma conquis-

ta em construção na Alumar”, contao supervisor institucional do Obser-vatório Social, Amarildo Dudu Boli-to. “A partir da mediação do IOS, apedido das partes, o sindicato dos me-talúrgicos do Maranhão e a Alumar(Alcoa) estão construindo uma novarelação”. Dudu lembra que a relaçãoda empresa com o sindicato era mui-to ruim, principalmente depois queesta alterou o turno dos trabalhado-res sem consultar os representantesdos trabalhadores.

“Eles estão criando novos pro-cedimentos de relacionamento, atra-vés de reuniões regulares e pautasconcretas de interesses comuns. In-clusive faz parte da pauta o polêmicodebate sobre o turno. Estão buscan-do alternativas para solucionar o piorproblema na empresa, que antes eraum assunto proibido”, assinala. A ava-liação da empresa e do sindicato é deque o IOS, por meio da pesquisa edas freqüentes reuniões conjuntas,

facilitou essa nova relação. “É umprocesso ainda não concretizado, masé um bom começo”, diz.

Outro fator importante nestaconstrução do Diálogo foi a partici-pação do IOS na reunião de líderesda empresa de toda a América Lati-na. O Observatório foi convidadopara falar sobre os principais proble-mas detectados na pesquisa na Alu-mar e também no Projeto Juruti.

Conforme termo de compromis-so firmado com os participantes, oconteúdo do estudo somente poderáser divulgado a partir da consolida-ção da versão final. Já foram conclu-ídos e enviados às empresas e sindi-catos os relatórios preliminares daAlumar, Projeto Juruti, MRN, Albráse Alunorte. A partir das sugestões ecríticas das partes interessadas seráredigido o texto definitivo. O IOS irádiscutir com os sindicatos e empre-sas a possibilidade de publicar o es-tudo em livro ainda este ano.

Seminário de Saúde e Segurança doTrabalho no Estado do Pará

Oficina No Sindicato dos Mineiros dePorto Trombetas-Oriximiná/PA

“A partir da mediaçãodo IOS, a pedido daspartes, o sindicato dos

metalúrgicos doMaranhão e a Alumar

(Alcoa) estãoconstruindo uma nova

relação”.

Foto: Dudu Bolito/IOS Foto: Dudu Bolito/IOS

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Cadeia produtiva do alumínio éa seqüência de operações necessá-rias para fabricar os produtos aca-bados feitos do metal, começandopelas matérias-primas. Os váriosprocessos são independentes e rea-lizados em diferentes plantas indus-triais. A produção do alumínio pri-mário envolve a extração da bauxita(mineração), a transformação dabauxita em alumina (refino) e a fun-dição da alumina em alumínio primá-rio (redução). Apenas estes três elosda cadeia produtiva são abrangidospelo estudo do Observatório Soci-al. Os outros três são produtos semi-acabados, produtos acabados e re-ciclagem.

A bauxita é uma espécie de ar-gila vermelha que contém entre 45%a 60% de alumina (óxido de alumí-nio). É encontrada principalmente nasáreas tropicais e subtropicais. Qua-tro a cinco toneladas de bauxita pro-duzem duas toneladas de alumina.Esta, ao ser reduzida, produz umatonelada de alumínio primário. O pro-cesso de mineração é altamente me-canizado. Envolve operações dedesmatamento, decapeamento (reti-radas de camadas superficiais dosolo), extração e transporte da bau-

Entenda acadeia doalumínio

Vista parcialdo porto eruas dacidade deJuruti, PA

Cidade deOriximiná,PA

Foto

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Bolit

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A pesquisa enfoca os trêsprimeiros elos: mineração,

refino e redução.

xita até a estação de britagem, redu-ção de tamanho e beneficiamento (la-vagem e secagem).

A segunda etapa da cadeia pro-dutiva é a transformação da bauxitaem alumina a partir de cinco estági-os principais: moagem, digestão, fil-tração/evaporação, precipitação ecalcinação. Nessa fase os insumos ne-cessários são bauxita, cal, soda cáus-tica, vapor, óleo combustível para cal-cinação, floculante sintético, energiaelétrica, produtividade e água.

O custo daenergia elétrica

A terceira etapa é a redução. Emcubas eletrolíticas com temperaturas dequase mil graus centígrados, a aluminaé banhada em criolita fundida e trans-formada em alumínio metálico. Este seapresenta sob a forma de lingotes, pla-cas ou tarugos, formas que facilitam otransporte. A energia elétrica é respon-sável por mais de 40% do custo daredução. Por isso as refinarias se lo-calizam nas áreas em que este insumoé abundante.

No restante da cadeia produti-va, as indústrias metalúrgicas fabri-cam os produtos semi-acabadoscomo chapas, bobinas, fios e cabos.E depois os produtos acabados, ge-ralmente vinculados aos setores demáquinas e equipamentos, bebidas,farmacêutico e indústria química, au-tomotivo, construção civil e transmis-são de distribuição de energia elétri-ca. A última etapa da cadeia é a re-ciclagem.

O alumínio é um metal resisten-te, anti-corrosivo, muito leve e ma-leável, excelente condutor de calore de eletricidade. De todos os pro-cessos industriais, a conversão dabauxita em alumínio primário é o quemais consome energia. Estudo doBNDES em 2002 apontou que o alu-mínio, dentre os segmentos eletro-intensivos da indústria, respondia por¼ do consumo de energia no Brasil,à frente de siderurgia, papel e celu-lose, cimento e petroquímica. Vári-as empresas do setor estão investin-do na geração de energia própria.

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CONTEXTOHISTÓRICO

As perspectivas deexpansão do mercado edos preços mundiais dealumina e alumínio têm

levado ao lançamento denovos projetos de

extração de bauxita e degeração de energia

elétrica, como Juruti eParagominas.

A

Terminal de carregamento de bauxita da Mineração Rio do Norte (MRN)

Foto: Dudu Bolito/IOS

Pesquisadora Mércia Consolação, do IOS, em viagem ao Pará.

Foto: Dudu Bolito/IOS

história do alumínio no Brasil começa na década de 50 comas pesquisas de bauxita na Amazônia oriental. A empresa

norte-americana Kaiser Aluminium and Chemical Corporation,uma das grandes produtoras mundiais, realizou estudos semmuito sucesso. Nos anos sessenta, a Aluminium Limited ofCanada (Alcan) confirmou a existência de reservas de elevadopotencial comercial no município de Oriximiná (PA), segundo ospesquisadores Maria Célia Nunes Coelho e Maurílio de AbreuMonteiro.

Em 1967 a Alcan iniciou o projeto da empresa MRN(Mineração do Rio do Norte), interrompendo-o em 1972, sobalegação de condições desfavoráveis do mercado internacional.A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi então escalada pelogoverno para cuidar da reativação do projeto. A MRN surgiria

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Navio Transportando Bauxita da Mineração Rio do Norte (MRN)

Foto: Dudu Bolito

como uma joint-venture, na qual a CVRD teria 49% docapital e a Alcan, 19%. Participavam também doprojeto a Companhia Brasileira do Alumínio (CBA, doGrupo Votorantim), a Mineração do Rio Xingu, decapital holandês, a Reynolds norte-americana, aNorsk Hydro norueguesa e a Alumina Espanhola.

Com a explosão da crise do petróleo, encarecendoos custos de energia, o Japão passou a estimular atransferência de suas empresas de alumínio para oexterior. Procurou assim ter acesso a bauxita maisbarata, furando o bloqueio do oligopólio das seisgrandes do setor. Foi nesse contexto que o Estado, logoapós a criação da Eletronorte, assumiu a construção daUsina Hidrelétrica de Tucuruí e iniciou parceria comempresas japonesas para montar a Albrás (AlumínioBrasileiro S.A.) e a Alunorte (Alumina do Norte do BrasilS.A.), ambas na cidade de Barcarena (PA).

ConsórcioA partir de 1981, na cidade de são Luís,

estruturou-se o Consórcio do Alumínio do Maranhão(Alumar), sob a coordenação da Alcoa norte-americana, encarregado tanto do refino da aluminacomo da fabricação de alumínio. Desde o início aAlcoa contou com a participação da Billiton MetaisS.A., do Grupo BHP Billiton. Nos anos noventa,outras empresas seriam agregadas na atividade refino

de alumínio, como a Alcan canadense. Por outro lado,a Alcoa, desde 1992, passou a ter participaçãoacionária na MRN.

Observa-se que as principais empresasmultinacionais atuam nas atividades do início dacadeia, possuindo frações do capital da MRN. ACVRD controla um elo da cadeia, a partir das plantasda Alunorte e da Albrás, e a Alcoa, junto com outrasmultinacionais, comanda o outro elo da cadeia,conformado pela Alumar.

Estas cadeias atuam sobre um espaço produtivoregional que depende de um conjunto de obras deinfra-estrutura, envolvendo atividades de transportes egeração de energia elétrica. O escoamento da bauxitaextraída na MRN – terceira maior mina de bauxita domundo – é realizado por uma ferrovia de 30quilômetros e por meio de navios graneleiros que adistribuem para o exterior ou para os complexosprodutivos em Barcarena e São Luís. O transportepara os mercados externos é realizado pelos portosdessas duas cidades.

As perspectivas de expansão do mercado e dospreços mundiais de alumina e alumínio têm levado aolançamento de novos projetos de extração de bauxitae de geração de energia elétrica. É o caso da mina deJuruti, a ser operada pela Alcoa, e a de Paragominas,sob controle da CVRD.

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oEntre junho e dezembro de 2007,o Instituto Observatório Social (IOS)desenvolveu o “Programa de Ação parao Monitoramento das Empresas Signa-tárias do Pacto Nacional pela Erradica-ção do Trabalho Escravo”, a pedido daOrganização Internacional do Trabalho(OIT), no âmbito do Projeto de Comba-te ao Tráfico de Pessoas - Trabalho Es-cravo.

Com o apoio das instituições par-ceiras – Instituto Ethos de Empresas eResponsabilidade Social, ONG Repór-ter Brasil – Organização de Comunica-ção e Projetos Sociais e OIT, o IOS en-trevistou 56 entidades (42 empresas,oito entidades representativas e seis or-ganizações da sociedade civil), dentreas 59 selecionadas pela OIT, de dezsetores de atividade em 13 estados.Para as entrevistas foi construído um ro-teiro padrão, adaptado a cada entrevista,com particularidades de cada instituiçãoem foco, cadeia produtiva a que pertencee principais regiões de atuação.

O principal objetivo do estudo foiefetivamente sensibilizar os signatá-rios e registrar os esforços desenvolvi-dos na luta contra a existência de for-mas análogas a Trabalho Forçado ouTrabalho Escravo, além de dar a basepara que o monitoramento seja contí-nuo. Em novembro de 2007, em SãoPaulo, os resultados preliminares dapesquisa foram divulgados em semi-nário com os signatários entrevistados.Em fevereiro de 2008, o relatório final foiapresentado pelo IOS à OIT e em breveestará disponível para consulta pública.

O PactoLançado em 19 de maio de 2005,

o Pacto Nacional pela Erradicação doTrabalho Escravo é um acordo em queempresas, entidades representativas e

TRABALHO ESCRAVO

Monitoramento de empresasAna Yara Paulino *

*Socióloga, pesquisadora do Instituto Observatório Social e do Dieese, coordenadora pelo IOS do Programa de Ação para oMonitoramento das Empresas Signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no marco do Programa deEnfrentamento ao Tráfico de Pessoas - Trabalho Escravo, OIT.

Colaborou Paola Bello.

O Pacto Nacional pela Erradica-ção do Trabalho Escravo é uma iniciati-va da Organização Internacional do Tra-balho (OIT), do Instituto Ethos de Em-presas e Responsabilidade Social e daAgência Repórter Brasil. Em 2007, oInstituto Observatório Social realizou omonitoramento de aproximadamente50% das empresas signatárias. Pormeio de uma equipe pluridisciplinar depesquisadores, o IOS propõe-se a mo-nitorar e gerar relatórios sobre as açõesempresariais voltadas para a erradica-ção do trabalho escravo no Brasil e pro-vocar intercâmbio dessas informaçõescom as empresas e os sindicatos en-volvidos.

Mais de 130 entidades, em suamaioria empresas e associações em-presariais, são signatárias do Pacto, eassumem publicamente a responsabi-lidade de não admitir formas de traba-lho análogas à escravidão na empresaou em sua cadeia produtiva, não com-prar ou vender produtos de/para forne-cedores/clientes cujos nomes constamna “lista suja”, além de desenvolverações de reintegração social e produti-va dos trabalhadores libertos pelosGrupos Móveis de Fiscalização do Mi-nistério de Trabalho e Emprego (MTE).

Atualmente, o Comitê de Coorde-nação e Monitoramento do Pacto pelaErradicação do Trabalho Escravo écomposto pela OIT, Ethos, Repórter Bra-sil e IOS.

O Pacto é um compromissode empresas e organizações

sociais para eliminar o trabalhoescravo nas suas cadeias

produtivas e auxiliar na inclusãodas pessoas resgatadas.

A luta contra o trabalho escravo,isto é, para garantir um dos

direitos fundamentais dotrabalho, está diretamente

vinculada à campanhainternacional pelo trabalho

decente.

Com apoio daOIT, do InstitutoEthos e da ONGRepórter Brasil,

o IOS realizoupesquisa com 56organizações em13 estados para

avaliar osesforços na

erradicação dotrabalho escravo.

organizações da sociedade civil com-prometem-se a defender os direitoshumanos, eliminar o trabalho escravonas cadeias produtivas e auxiliar pes-soas resgatadas de condições degra-dantes na inclusão no mercado de tra-balho. As adesões são voluntárias, re-alizadas publicamente e pressupõemações integradas entre diversos atoressociais e o poder público.

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No website do Observatório Social(www.os.org.br) estão disponíveis notí-cias atualizadas sobre o tema e diversosdocumentos de referência:

o texto do Pacto; o Plano Nacional deErradicação do Trabalho Escravo; a listadas empresas signatárias; a “lista suja”de empresas vinculadas a trabalho escra-vo – mantida e atualizada pelo Ministériodo Trabalho e Emprego; textos e relatóriosda OIT, incluindo o relatório global sobretrabalho forçado; a agenda do TrabalhoDecente na Bahia; o decreto que cria a Co-natrae – Comissão Nacional de Erradica-ção do Trabalho Escravo; o roteiro padrãode entrevistas do IOS com as empresasmonitoradas; o relatório do seminário rea-lizado em novembro de 2007 com os sig-natários entrevistados; o artigo de pesqui-sadores do IOS que propõe a metodologiapara criação de um Índice de Trabalho De-cente nas Empresas; a íntegra da edição6 de Observatório Social em Revista, es-pecial sobre trabalho escravo na cadeiaprodutiva da siderurgia, entre outros.

Informaçõesna internet

Monitorar de forma contínua os signatários do PactoNacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Registrar ações desenvolvidas pelos signatários paracombater e prevenir situações análogas a TrabalhoForçado ou Trabalho Escravo.

Avaliar as ações das empresas signatárias, porempresários, sindicatos e órgãos públicos envolvidosno processo de erradicação do trabalho escravocontemporâneo.

Difundir amplamente as “boas práticas” dossignatários para possibilitar multiplicação de ações.

Objetivos do programa

Criar uma rede de vigilância de diferentes atoressociais para acompanhar e monitorar o Pacto deforma institucionalizada e permanente.

Apoiar propositivamente a Agenda Nacional doTrabalho Decente, e outras agendas estaduais elocais, no sentido de combater os déficits deTrabalho Decente, onde trabalho degradante,trabalho escravo e trabalho infantil constituem suaspiores formas.

Construir um modelo de monitoramento que poderáser reproduzido para outras iniciativas de violaçõesaos direitos fundamentais do trabalho (que inclui nãotrabalho escravo).

As Convenções 29 e 105 daOIT consideram trabalho forçado“todo trabalho ou serviço exigidode um indivíduo sob ameaça dealguma punição e para o qual odito indivíduo não se apresentouvoluntariamente” e determinamsua abolição pelos países signa-tários. O Código Penal Brasileiro,em seu artigo 149, estabelecepena de dois a oito anos de reclu-são e multa para quem reduzir al-guém à “condição análoga à deescravo, quer submetendo-o a tra-balhos forçados ou jornada exaus-tiva, quer sujeitando-o a condiçõesdegradantes de trabalho, quer res-tringindo, por qualquer meio, sualocomoção em razão de dívidacontraída com o empregador oupreposto”. Ou seja, no Brasil, tra-balho escravo é crime.

O termo “trabalho escravo”,ou “trabalho forçado”, é definidocomo toda a condição de traba-lho, mesmo provisória, com essasduas características: recurso àcoação (física ou moral); e priva-ção da liberdade de ir e vir do indi-víduo. É preciso ter em conta quetrabalho escravo, ou forçado, é di-ferente de trabalho degradante. Asuperexploração do trabalho e o

Definiçõesdescumprimento da legislação tra-balhista não constituem trabalhoforçado desde que o trabalhadorpossa abandonar o emprego (pe-dir demissão). O trabalho forçado ésempre acompanhado de condi-ções degradantes de trabalho, maso inverso nem sempre ocorre.

A luta contemporânea contrao trabalho escravo, isto é, paragarantir um dos direitos fundamen-tais do trabalho, vincula-se direta-mente à campanha internacionalpelo trabalho decente. Segundo aOIT, Trabalho Decente é aqueleexercido de forma digna, sem dis-criminação de qualquer espécie,em condições de segurança, re-munerado de forma adequada, emambiente seguro, com liberdade,resguardando os laços de socia-bilidade e diálogo social, fomen-tando a eqüidade e valorizando osdireitos fundamentais do trabalho.Esta definição foi estabelecida naAgenda Hemisférica de TrabalhoDecente, apresentada na XVI Reu-nião Regional Americana da enti-dade, em Brasília, em maio de2006 e reiterada na 95ª Conferên-cia Internacional do Trabalho, nasede da OIT, em Genebra, de 31de maio a 16 de junho de 2006.

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Desde 2006 o ObservatórioSocial vem acompanhando, pro-movendo e participando de umasérie de atividades em torno daAgenda Nacional do Trabalho De-cente. Em abril de 2007, o IOSapresentou o artigo Índice de Tra-balho Decente nas Empresas: pro-posições para uma metodologia, deautoria dos pesquisadores AnaYara Paulino, Maria Lúcia Vilmare Ronaldo Baltar, na África do Sul,em seminário da GLU (Global La-bour University, Universidade Glo-bal do Trabalho).

Em junho e setembro, o IOS

Índice de Trabalho Decente O InstitutoObservatório Social

está testando aadoção de umindicador para

monitorar aqualidade e as

condições de trabalhonas empresas.

Ana Yara Paulino*

esteve presente em eventos pro-movidos pela OIT-ACTRAV (Or-ganização Internacional do Traba-lho – Escritório de Atividades paraos Trabalhadores): A Agenda Na-cional Sindical do Trabalho De-cente e as Ações das Centrais Sin-dicais, em São Paulo, e a AgendaEstadual do Trabalho Decente daBahia e os Trabalhadores, em Sal-vador. E no final de novembro,organizou a mesa Trabalho Decen-te em Tempos de Globalização:antigas questões, novas respostas,durante a 7ª Conferência Interna-cional Pesquisa & Ação Sindical,

realizada em São Paulo.Alguns projetos em desenvol-

vimento no IOS começam a testara possibilidade de implementaçãode um Índice de Trabalho Decentenas Empresas (ITDE), capaz deverificar e monitorar a qualidade eas condições de trabalho nas em-presas brasileiras. Conheça maissobre a proposta neste texto emforma de perguntas e respostas.

De que trata o artigo?O artigo1 apresenta uma pro-

posta de metodologia para mediro Trabalho Decente. Trata-se do

* Socióloga, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)no Instituto Observatório Social (IOS).

1 Disponível em http://www.os.org.br/portal/images/stories/documentos/ios-glu-port042007.pdf

Carregadores de café

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IOS

Page 14: Observatório Social Em Revista 13

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Índice de Trabalho Decente nasEmpresas (ITDE), um índice sín-tese, composto por vários indica-dores. Essa proposta vem sendoamadurecida pela equipe de pes-quisadores do IOS desde 2004,quando começou o trabalho de sis-tematização de textos da OIT vi-sando a construção de indicado-res, primeiro voltados para os Di-reitos Fundamentais do Trabalho(DFT). A partir de 2006, passa-ram a enfocar também o TD, queengloba os DFT e os ultrapassa,incluindo, por exemplo, o DiálogoSocial.

O conceito de Trabalho De-cente (TD) foi proposto pela OITem 1998 e, finalmente, em 2006, apartir das conferências promovidaspor aquela entidade, resultou naelaboração de agendas regionaishemisféricas e nacionais para pro-mover o TD no mundo até 2015.No Brasil, essa agenda é de res-ponsabilidade do Ministério doTrabalho e Emprego (MTE). Omovimento sindical, através desuas centrais, está cada vez maisinteressado em participar ativamen-te desse processo.

Vale sempre lembrar que a

OIT é tripartite – na verdade é oúnico organismo tripartite daONU. Ou seja, nela têm assentogovernos, empresários e trabalha-dores. Está em curso uma discus-são para acabar com esse tripar-tismo, mas, por enquanto, ele con-tinua vigorando.

No Brasil, além da agenda na-cional, a Bahia estabeleceu nos pri-meiros meses da nova gestão, inici-ada em 2007, a prioridade de pro-mover o TD naquele estado. Paraisso realizou uma grande conferên-cia em abril do ano passado, para olançamento dessa política pública eestabelecer apoios e parcerias comos vários setores da sociedade. Aconstrução dessa agenda regional éinédita no mundo e deve ser acom-panhada como uma experiência pi-loto do que poderá ser replicado,respeitadas as especificidades cultu-rais locais, em outras regiões domundo. A conferência estadual defi-niu sete eixos temáticos (trabalhoescravo, trabalho infantil, saúde dotrabalhador, juventude, serviço pú-blico, promoção de igualdade, tra-balhador doméstico) e um eixo se-torial: bioenergia.

Outra experiência regional a ser

estudada é a Promoção Intermuni-cipal do Trabalho Decente. Ela é pre-vista pelo Projeto Novos Consórci-os Públicos para Governança Me-tropolitana, envolvendo os municípi-os de Santo André, Diadema e Osas-co. Essa proposta inclui a elabora-ção de indicadores de Trabalho De-cente e para acompanhamento doSistema Público de Emprego, pro-jeto piloto de promoção do TD paratrabalhadores autônomos da Cons-trução Civil – em bairro selecionadode Santo André – e a formulação nor-mativa sobre TD para subsidiar oseditais públicos.O ITDE vem sendo discutido poralguns especialistas há mais de umadécada. Entre eles, Guy Standing,que esteve ligado à OIT e à RedeEuropéia de Renda Mínima, desen-volveu um vasto estudo comparati-vo internacional sobre padrões deTD em empresas, o Decent WorkEnterprise Index (DWEI). O ITDEdo IOS inspirou-se principalmentenos trabalhos desse autor, somadosà experiência acumulada da pesqui-sa em empresas multinacionais dopróprio IOS.

Onde foi apresentado o artigo?O que é a GLU?

A primeira vez que o artigo veioa público foi na Global Labour Uni-versity (GLU) Conference, realiza-da em abril de 2007, na Universida-de de Witwatersrand, em Johannes-burg, África do Sul. A reunião foipromovida pela OIT, pelas universi-dades citadas e pelo COSATU(Congress of South African TradeUnions, Congresso dos SindicatosSul-Africanos). Nela estavam pre-sentes representantes da academia edo movimento sindical internacional,vinculados às mais importantes e atu-

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antes entidades que estudam o mun-do do trabalho. O artigo permaneceacessível pela Internet, nos sites doIOS e da GLU, e muitos interessa-dos têm mantido contato com os pes-quisadores.

A África do Sul é a maior po-tência emergente da região da Áfri-ca subsaariana. Foi muito significati-va a apresentação desse trabalho so-bre TD justamente nesse país recém-democratizado, que vem percorren-do um longo percurso de luta peladignidade dos trabalhadores, aindacom cicatrizes profundas do regimedo apartheid. A distribuição da rique-za, o emprego, o acesso ao espaçopúblico e ao livre transitar são aindamotivos de conquista pela popula-ção local, pois o transporte público,quando existe, é insuficiente e há fal-ta de segurança, dependendo da re-gião e do horário. Mas uma das mar-cas da sociedade sul-africana é en-frentar os desafios com coragem egrande determinação.

A GLU compreende um poolde universidades de vários países,aglutinadas em torno da proposta desuscitar debates e iniciativas de açãocoletiva, promover intercâmbio depesquisadores (alunos e professores)e empreender estudo crítico de qua-lidade sobre o mundo do trabalho naera da globalização do capitalismo.Financiado pela OIT e parceiros lo-cais e regionais, o projeto conta como apoio orgânico e interesse do mo-vimento sindical internacional. O IOSé uma das entidades participantes daGLU. Isso porque um dos objetivosda universidade é criar conhecimen-to com/para os trabalhadores e sub-sidiar a sua luta, que é local e global.

Em 2004, existia somente umauniversidade agregada à GLU: a deKassel, na Alemanha. A partir de

2007, o projeto estendeu-se à Uni-versidade de Witwatersrand, naÁfrica do Sul. Em 2008, agregam-se a Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp) – que já era par-ceira da proposta desde 2003 – e oTata Institute of Social Studies, deMumbai, Índia.

Por que é importante a criaçãode uma metodologia para me-dir o trabalho decente nas em-presas?

Porque à medida que a meto-dologia e o próprio índice passarema ser apropriados pela classe traba-lhadora, eles poderão se tornar maisum instrumento na sua luta por me-lhoria de condições de vida e traba-lho.

Por exemplo: o Índice de Cus-to de Vida (ICV), especialmente odo Dieese. Na medida em que o mo-vimento sindical brasileiro percebeuque seus salários poderiam ser ne-gociados a partir de argumentos ci-entíficos, comprováveis e irrefutáveis,a primeira demanda para o Dieesefoi a construção do ICV, e isso em1955! Sua legitimidade foi conquis-tada passo a passo, até que hoje, o

ICV-DIEESE é um dos índices sem-pre presentes e citados em mesas denegociação para salário, piso das ca-tegorias, cálculo de perdas etc.

O mesmo poderá acontecerem futuro próximo com o ITDE: sejatomando-o como parâmetro para asmetas da Agenda Nacional do TD,seja para negociações que envolvamdiferentes unidades de uma mesmaempresa em um país, região ou atémesmo em comitês sindicais interna-cionais; seja para diferentes empre-sas em uma mesma região (níveismunicipal, estadual, e assim por di-ante).

Que indicadores seriam avali-ados segundo esta propostametodológica?

O conceito de TD para a OITé “aquele exercido de forma digna,sem discriminação de qualquer es-pécie, em condições de segurança,remunerado de forma adequada, emambiente seguro, com liberdade, res-guardando laços de sociabilidade ediálogo social, fomentando a eqüi-dade e valorizando os direitos fun-damentais do trabalho”.

Se desdobrarmos os subtemas

Agricultor nacolheita de

cana-de-açúcar

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contidos nessa definição geral, temos10 grupos de grandes variáveis:

- oportunidades deemprego;- trabalho inaceitável;- salários adequados etrabalho produtivo;- jornada decente;- estabilidade e garantiano trabalho;- equilíbrio entre trabalhoe vida familiar;- tratamento digno noemprego;- trabalho seguro;- proteção social;- diálogo social e relaçõesno ambiente de trabalho.

Como pode ser apreendido aose observar atentamente cada grupodessas variáveis, todas são transver-sais, ou seja, demandam diálogo so-cial e exigem ações por parte dos trêsprincipais atores sociais do mundodo trabalho – trabalhadores, empre-sários e governos. Elas implicam anecessidade de diagnóstico da reali-dade; o que se quer atingir ou, emoutras palavras, o que é desejado;que políticas públicas existem oudevem ser executadas; que ações asempresas desenvolvem ou o que édiscurso e não prática; quais são asreivindicações dos trabalhadorespara a implementação ou alargamen-to de direitos.

Seria possível avaliar o traba-lho decente mesmo se a em-presa não concordar em cola-borar com a pesquisa?

Essa questão é fundamentalrumo ao Diálogo Social que a OITquer promover e para a democrati-

zação das informações corporativas.Por isso, na proposta do IOS, umdos subindicadores de maior pesosozinho – 10% do total – é contabi-lizado pela “Transparência e melho-ria da gestão do trabalho”.

Sem dúvida há restrições de suaaplicabilidade se a empresa não con-corda com a pesquisa. Mas, além deela perder pontos por isso, a per-cepção dos trabalhadores pode jul-gá-la mais severamente, o que tam-bém pode levar à perda de pontosem outros subindicadores.

Qual tem sido a receptividadea esta proposta?

A proposta do ITDE do IOStem sido muito bem recebida, es-pecialmente pelos técnicos da OIT– da sede em Genebra, Suíça, edos escritórios na América Latinae Brasil. Eles perceberam rapida-mente o potencial dessa contribui-ção para estudos comparativos in-ternacionais, dada a simplicidade desua concepção, possibilidade detradução a realidades diversas eapropriação pelos diferentes ato-res sociais, em especial os traba-lhadores. Embora a tarefa de cons-trução de qualquer índice seja ex-tremamente complexa e sofistica-da, dependendo de acompanha-mento constante e da avaliação deespecialistas, o ITDE do IOS pre-tende ser um instrumento de fácilacesso para a percepção das con-dições de trabalho em pequenos ougrandes estabelecimentos.

Até meados de 2007, da par-

te do movimento sindical, a recep-tividade vinha sendo um pouco tí-mida, porque a Agenda do TD oumesmo o conceito de TD da OITainda está sendo entendido, divul-gado.

Na verdade, TD não se en-contra pautado pelo movimentosindical brasileiro. É um caminhoque está em andamento, pelo Fó-rum das Centrais Sindicais para aAgenda Nacional do Trabalho De-cente, coordenado pelo Dieese, eque vem sendo abordado no âm-bito da Jornada pelo Desenvolvi-mento, da qual participam as setemaiores centrais sindicais brasilei-ras2. Isso está comprovado no do-cumento final do encontro nacio-nal Agenda sindical unitária para apromoção do trabalho decente, re-alizado em junho de 2007 em SãoPaulo, numa promoção OIT/AC-TRAV (Escritório de Atividadespara o Fortalecimento das Orga-nizações dos Trabalhadores), como apoio do Governo da Espanha eda ORIT (Organização RegionalInteramericana de Trabalhadores).O documento final aponta váriasações sindicais conjuntas e priori-dades, entre as quais podemos ci-tar os setores de Construção Civil,Sucro-alcooleiro, Servidores Públi-cos Municipais e Comerciários.

Sobre esse último evento,uma pergunta sempre surge: enten-di certo? Por que o apoio do go-verno da Espanha? Exatamenteporque o movimento sindical espa-nhol entende o TD como uma de

2 Centrais sindicais que participam do Fórum: CAT (Central Autônoma dosTrabalhadores), CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), CGTB (Central Geraldos Trabalhadores do Brasil), CUT (Central Única dos Trabalhadores), ForçaSindical, NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores) e SDS (Social DemocraciaSindical).

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suas prioridades e pressiona o go-verno espanhol para apoiar ativi-dades sobre o tema em outras par-tes do mundo.

Outro exemplo do interessedespertado pelo TD no movimentosindical aconteceu durante a pesquisaque o IOS realizou no 9º. CON-CUT, em junho de 2006 (leia re-portagem na edição 12 de Obser-vatório Social Em Revista, dispo-nível em www.os.org.br). A maio-ria dos delegados declarou que nãoconhecia o conceito de TD da OIT.No entanto, quando perguntadossobre cláusulas negociadas em con-venções e acordos, sobre como elesmesmo definem TD ou quem seria omaior beneficiário da agenda do TD,responderam de forma pertinenteaos trabalhadores e ao entendimen-to dos indicadores que compõem oTD da OIT. E declararam também,por unanimidade, que tinham muitointeresse em conhecer a concepçãopropagada pela OIT.

Como a metodologia do ITDEdo IOS poderia ser utilizada naação sindical, na definição depolíticas públicas e no plane-jamento das empresas?

A Agenda do Trabalho Decen-te – municipal, regional, setorial, na-cional, internacional... – propostapela OIT é tripartite. Cada um dosatores sociais (governos, emprega-dores, trabalhadores) poderá acom-panhar periodicamente o ITDE e pla-nejar suas ações – se possível, con-juntas –, lutas, denúncias, negocia-

ções, aspectos a serem monitoradoscom prioridade.

Importante: a proposta do IOSsobre o ITDE está em construção!Isso significa que está aberta a dis-cussão, contribuições, testes e apri-moramento. Fundamental para o de-senvolvimento da proposta será odebate com interlocutores que cami-

Trabalhadoraem feira livre

nham nessa mesma direção; a cons-trução paralela e conectada de umabase de dados macro sobre a ativi-dade econômica (total e por setor),para ser tomada como referência dosdados obtidos no ITDE. O Dieese,por exemplo, já foi procurado paraisso e poderá vir a ser um grandeparceiro nessa empreitada.

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A idéia de trabalho dignoA idéia de trabalho dignoA idéia de trabalho dignoA idéia de trabalho dignoA idéia de trabalho dignono Brasil no momento dano Brasil no momento dano Brasil no momento dano Brasil no momento dano Brasil no momento daabolição da escravidãoabolição da escravidãoabolição da escravidãoabolição da escravidãoabolição da escravidão

Ana Iervolino eRafael da Cunha Scheffer *

* Ana Iervolino, historiadora, pesquisadora do Observatório SocialRafael da Cunha Scheffer, historiador, bolsista da FAPESP, doutorando em História Social da Cultura pela Unicamp.

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Há pouco mais de um século, uma das visões sobretrabalho que circulavam no Brasil era relacionada às fun-ções desempenhadas por escravos, indignas de pessoasque pertenciam às classes sociais consideradas respeitá-veis. Atividades ligadas ao trabalho são encaradas de for-mas diversas pelas diferentes sociedades nos períodosda história. O entendimento deste conceito – trabalho –em determinado contexto é essencial para a compreen-são da organização social de um povo, já que influencia alógica das relações (e é influenciado por ela).

Atualmente, são freqüentes as discussões a respei-to de conceitos como o de “Trabalho Decente”, propostopela Organização Internacional do Trabalho (OIT) – ou“Trabalho Digno”, como foi denominado em Portugal.Inclui preocupações em pauta neste momento de econo-mia globalizada, como saúde e segurança, negociaçãocoletiva, salário justo, diálogo social, jornada de trabalho,legislação trabalhista, responsabilidade social empresari-al, dentre outras tantas.

No contexto do fim do trabalho escravo e da expan-são do trabalho assalariado no Brasil, os debates sobretrabalho digno se travavam com base em outros parâme-tros, como não poderia deixar de ser, de acordo com con-ceitos e experiências da época. As próximas linhas pro-curam tratar do tema nesse período, que vai desde o finaldo século XIX até as primeiras décadas do século XX.

Imprensa e elites

Se durante séculos os trabalhos manuais no Brasilforam vistos como depreciativos, função de pessoas dasclasses mais baixas da sociedade e indigno de homens emulheres livres, essa carga pejorativa dada ao trabalhona sociedade escravista brasileira deve ser relativizada.Era parte de um discurso usado por uma camada de pro-prietários de cativos para afirmar sua superioridade so-bre as parcelas da população que dependiam do trabalhopara prover suas famílias.

O uso de trabalho escravo era uma das bases daeconomia e da organização da sociedade. Mesmo apósos acordos comerciais com a Inglaterra nas primeirasdécadas do século XIX que impunham restrições nestesentido, o tráfico de escravos continuou trazendo africa-nos ao Brasil. Escravidão e liberalismo, dois princípiosaparentemente contrários, existiram assim simultaneamen-te no país durante algum tempo, como é explicado pelosestudos do pesquisador Alfredo Bosi.

Nas décadas finais da escravidão, com a crise des-ta instituição refletida na quebra da disciplina de trabalho

e na ameaça de um levante escravo que terminasse porimpor a abolição, a idéia já antiga de trazer imigrantespara ocupar os postos de trabalhos começou a tornar-serealidade. Atendia à necessidade brasileira por mão-de-obra e, ao mesmo tempo, oferecia possibilidade de traba-lho aos camponeses europeus, em um contexto em quemuitas famílias na Europa ficavam sem opções com areorientação do uso das terras para a produção conformeo mercado.

Ao longo da década de 1880, quando começam es-ses grandes movimentos de imigrantes ao Brasil, houveuma mudança no discurso das elites brasileiras. O novodiscurso passou a valorizar o trabalho, não mais indigno,e ao mesmo tempo passou a atribuir aos brasileiros umaidéia de rejeição a qualquer atividade neste sentido. As-sim, frente aos europeus recém-chegados, vistos comocivilizadores e detentores de uma lógica racional do tra-balho, os nacionais passaram a ter fama de preguiçosos,indolentes e vadios, que evitavam este esforço sempreque isso lhes era possível. Diversas discussões entre par-lamentares e na imprensa foram realizadas partindo des-sa ótica, que via a introdução de imigrantes como únicaforma de sustentar a organização do trabalho no Brasildepois que a escravidão fosse abolida.

Há neste ponto uma divergência profunda, que deveser explorada, entre os conceitos de trabalho e as rela-ções que estavam postas: de qual trabalho estavam fa-lando os parlamentares e as vozes na imprensa brasilei-ra? Estes discursos pareciam valorizar a idéia de traba-lho livre representado no trabalho assalariado, portantoenvolvendo relações diferentes das vividas na experiên-cia escravista. Refletiam idéias liberais segundo as quaiso esforço individual é uma forma digna de progredir navida, obter “sucesso” e possibilidade de ascensão social.

A percepção dos trabalhadores

A Lei Áurea, que formalizou a abolição da escrava-tura no Brasil, foi assinada em maio de 1888. Diversasfontes e pesquisas sobre o período em questão apontamque, ao contrário do modelo presente nos discursos daimprensa e das elites sobre o trabalho, foi freqüente nopaís a manutenção de formas de mando e de relaciona-mento do sistema escravista, que continuavam a ser im-postas aos trabalhadores, mesmo sendo eles funcioná-rios. Isto pode ser observado em contratos de trabalho daépoca entre libertandos e patrões, em que eram estabele-cidas condições muito semelhantes ou mesmo descritascomo idênticas às da escravidão. Alguns desses docu-

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mentos chegavam a anunciar textualmente a pre-servação: “como se meu escravo fosse” é um exem-plo de trecho que oficializava a forma como de-terminado trabalhador possuía o dever de servir atal patrão durante o tempo estabelecido no con-trato.

Com isto, surge outra questão, que procuraentender como as semelhanças com os temposde escravidão eram percebidas pelos trabalhado-res. Evidências indicam que muitas vezes as for-mas do trabalho e sua organização lembravam aeles experiências do regime escravista, vividas pormuitos daqueles homens e mulheres. Não era àtoa, assim, que as lutas trabalhistas que ocorriamno Brasil, no início do século XX, mantinham ain-da forte uma memória do trabalho compulsório.Essa memória era acionada geralmente para fa-zer paralelos entre as situações do passado e asdaquele momento, consideradas similarmente de-gradantes pelos operários e trabalhadores em ge-ral.

Muitas dessas questões podem ser observa-das na pesquisa de Walter Fraga sobre o Recôn-cavo baiano. Segundo o pesquisador, em diversosengenhos daquela região, a libertação dos cativosfoi seguida da desorganização da produção. Par-te dos libertos preferiu a possibilidade de traba-lhar em terras e roças para seu próprio sustento epara o comércio de excedentes nas vilas próxi-mas, o que lhes proporcionava alguns ganhos, aoinvés de continuar a trabalhar para seus antigospatrões – mesmo que estas terras fossem de propriedadedos engenhos em que trabalharam.

De forma semelhante, muitos preferiam atividadesremuneradas por dia, jornada ou semana, o que os deixa-va livres para procurar melhores oportunidades, para con-centrar seus esforços em produções próprias e mesmopara procurar esses empregos somente quando necessi-tassem de dinheiro. Pode-se notar com isto que a autono-mia, nesse contexto específico em que contrastava tãovivamente com o passado escravo, era vista pelos traba-lhadores como uma conquista diretamente ligada à idéiade liberdade e de um trabalho digno.

É certo que há muito essas pessoas viam o trabalhocomo um modo de levar suas vidas autonomamente esustentar suas famílias, já que muitos escravos no Brasilconseguiram mesmo comprar sua liberdade através des-se trabalho. Observa-se também em conflitos na justiça eem depoimentos à polícia que os trabalhadores das déca-das finais do século XIX não deixaram de perceber amudança nos discursos que circulavam quanto à valori-

zação de uma ocupação regular: em diversos desses de-poimentos, vemos as testemunhas se colocarem como“bons trabalhadores”, “ordeiros” e “morigerados”, en-quanto eles próprios tentam descrever a parte contráriacomo “vadia”, ou “desordeira”. Contudo, o uso dessasexpressões não indica necessariamente sua interioriza-ção, e veremos como as idéias sobre um trabalho dignoou aceitável eram bastante diversas nesses anos.

Trabalho e liberdade

A valorização do trabalho assalariado que ia sendodefendida de forma aberta na imprensa e sociedade bra-sileira, assim como a dignificação do trabalhador, não eraminerentes ao discurso defendido pela maioria dos traba-lhadores brasileiros na mesma época. Em suma, para aimprensa em geral, trabalho digno era o assalariado, quepossibilitava o sucesso individual. Para boa parte dos tra-balhadores, sobretudo para ex-escravos, era a possibili-

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Referências:BOSI, Alfredo. A escravidão entre dois liberalismos. In

Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia dasLetras, 1996.

CHALHOUB,Sidney. Trabalho, lar e botequim: ocotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belleepoque. São Paulo: Brasiliense, 1986.

___. Visões da liberdade: uma história das últimasdécadas da escravidão na corte. São Paulo:Companhia das Letras, 1990.

FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade:histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910).Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

dade de liberdade, que contrastava o mais possível comas relações anteriormente vividas durante a escravidão.

Precarização ou liberdade, assim, são alguns dostermos desse debate. Enquanto os patrões buscavam ga-rantir o cumprimento dos contratos e a disciplina na pro-dução, muitos dos trabalhadores naquele mesmo momen-to buscavam ampliar ao máximo seus espaços de autono-mia.

No campo, esta situação girava em torno de ques-tões como a possibilidade de acesso a terras e roças e ocontrole do tempo que os trabalhadores deveriam dedicara suas atividades. Assim, formas de pagamento por tare-fa que existiam mesmo durante a escravidão continua-ram a ser utilizadas. Para evitar o êxodo de trabalhado-res, muitos dos antigos senhores tiveram de permitir queeles explorassem por sua própria conta lotes de terra esua produção.

Nas cidades, em alguns momentos, vemos pessoaspreferindo ao trabalho assalariado arranjos que seriamhoje vistos como precários, mas que na época permitiamque os próprios trabalhadores controlassem seu tempo detrabalho. Atividades na estiva ou no comércio urbano, porexemplo, ou a execução de uma série de serviços, quepassavam por ramos tão distintos quanto os afazeres do-mésticos, a construção civil e diversos ramos do artesa-nato, apareciam assim como uma oportunidade para queestes homens e mulheres mantivessem certa autonomia,escolhendo seus patrões e arranjos de trabalho quandopossível.

Contudo, a chegada de milhares de imigrantes nasdécadas finais do século XIX e início do XX tendeu atornar mais concorrida a luta por empregos nas cidades.Este aumento da concorrência permitia a expansão daexploração dos trabalhadores urbanos, à medida que asboas oportunidades de emprego, ou de qualquer empre-go, eram perseguidas por um número cada vez maior detrabalhadores.

Trabalho e o papel do Estado

Para o Estado e grande parte da sociedade daquelaépoca, as questões da ordem do mundo do trabalho deve-riam ser definidas privadamente, entre patrões e empre-gados. Cabia a esses últimos cumprirem ordeiramente suasfunções, sem faltas e reclamações, pois esta seria a for-ma de cumprir seu papel na sociedade e para o desenvol-vimento do país. Sob esta lógica, aos trabalhadores “insa-tisfeitos” com as relações impostas pelos patrões restavaapenas a possibilidade de pedir demissão e buscar outroemprego, oportunidade que, como vimos, era cada vez

mais rara em diversas regiões.Sem qualquer legislação que protegesse os empre-

gados ou outra política do Estado para proteção social outrabalhista, os trabalhadores passaram a se utilizar demeios de associação para buscar alguma forma de segu-rança e melhoria de condições. As organizações de tra-balhadores, de ajuda mútua, festivas e nacionais flores-ceram a partir da década final do século XIX, apesar daforte repressão policial. Através delas, foi possível a tro-ca de informações, assim como a organização de lutasque passaram a reivindicar uma série de direitos. Dentreas primeiras conquistas das lutas que foram articuladasestão a maior proteção a mulheres e “menores” nos lo-cais de trabalho com jornadas diferenciadas. A limitaçãoda jornada de trabalho em geral aparece como um focoimportante, além, claro, das questões salariais.

As discussões e mobilizações visando à melhoria dascondições de trabalho, que no Brasil estavam apenas co-meçando, vinham se desencadeando havia algumas dé-cadas em outras partes do mundo. Os acontecimentosem países da Europa, como as greves, tinham reflexosdiretos no país, que recebia idéias e informações trazidaspelos imigrantes e pelos meios de comunicação. Os de-bates iniciaram o século XX com vigor em todo mundo,ao mesmo tempo em que o capitalismo ganhava forças.O problema deixava de ser de interesse somente dos pa-trões e empregados, passando a ser também tratado comatenção pelos Estados nacionais, que pouco a pouco tra-tavam de criar formas de normatização das relações detrabalho. Essas preocupações são demonstradas tambémpela própria criação da OIT (Organização Internacionaldo Trabalho), logo após a Primeira Guerra Mundial, orga-nização tripartite que a partir de então se tornaria refe-rência para as recomendações internacionais sobre o temado trabalho.

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s dez anos do Instituto Observa-tório Social foram comemoradosde 27 a 29 de novembro de 2007,em São Paulo, durante a 7ª Con-ferência Internacional Pesquisa eAção Sindical. O evento marca-do por seminários e debates so-bre a situação atual e as perspec-tivas do mundo do trabalho. Par-ticiparam pesquisadores, dirigen-tes sindicais do Brasil e de outrospaíses, representantes de em-presas, do governo e de institui-ções internacionais.

Responsabilidade social em-presarial, trabalho escravo, traba-lho decente e direitos fundamen-tais do trabalho foram os princi-pais temas de debate. Com parti-cipação ativa dos quatro sóciosdo IOS – CUT (Central Única dosTrabalhadores), Dieese (Departa-mento Intersindical de Estatísticae Estudos Socioeconômicos),Unitrabalho ((Rede Inter-Universi-tária de Estudos e Pesquisas so-bre o Trabalho) e Cedec (Centrode Estudos de Cultura Contempo-rânea) –, o evento foi apoiado pe-las organizações AFL-CIO, FNV,DGB e Friedrich Ebert Stiftung.RESULTADO

A Conferência também ser-

Conferência do décimoaniversário do IOS colocou emdebate Responsabilidade Social

de Empresas, TrabalhoDecente, Trabalho Escravo e

comércio com a China.

Adriana Franco e Dauro Veras

7a PESQUISA

E AÇÃOSINDICAL

Perspectivasdo mundo

do trabalho

viu para divulgar resultados práti-cos de pesquisas desenvolvidaspelo IOS e para ressaltar a impor-tância da junção entre pesquisa eação sindical. “O ObservatórioSocial não é apenas um instru-mento de pesquisa, ele tem ser-vido, principalmente, para um re-sultado concreto de ação sindi-cal”, assinalou o presidente daCUT Nacional e do ObservatórioSocial, Artur Henrique da SilvaSantos. “A partir das pesquisasfeitas pelo Observatório, a açãosindical pode ser muito melhor tra-balhada, com mais competênciae com mais condições.”

Valeir Ertle, diretor adminis-trativo financeiro do Observatório,disse que os dez anos da organi-zação representam um marcopara o movimento sindical brasi-leiro. “As pesquisas contribuempara qualificar ainda mais as lu-tas do movimento sindical”, afir-mou. “Os trabalhadores podem,através do resultado das pesqui-sas, conhecer detalhes sobre asempresas que muitas vezes sãodesconhecidos da sociedade edos próprios trabalhadores,como, por exemplo, os estudos decadeias produtivas”.

Durante três dias, dirigentes sindicais, trabalhadores,

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Amarildo Dudu Bolito, super-visor institucional do IOS, avaliaque o evento conseguiu divulgartemas abordados pelo movimen-to sindical e que ainda são poucoconhecidos, como Responsabili-dade Social e as questões traba-lhistas na China: “Foi bastante in-teressante avaliar e mostrar a nos-sa trajetória para as pessoas queestavam presentes e ainda nãoconheciam o Observatório, poisassim elas puderam entender anossa atuação.”

Para Jana Silverman, repre-sentante da Escola Nacional Sin-dical, da Colômbia, a atualidadedos temas e a qualidade dos pa-lestrantes foram pontos fortes doevento. “Aprendi muito sobre ques-tões que ainda não estão na agen-da sindical, como a questão daChina e a cadeia do alumínio”, re-latou (sobre a pesquisa do alumí-nio, veja reportagem nesta edi-ção). Outros 15 participantes dedez países diferentes participaramda Conferência. Cerca de cempessoas participaram do evento,entre dirigentes sindicais, trabalha-dores, representantes empresari-ais, pesquisadores, estudantes edemais interessados.

“Muitos ramos da CUT têm tido a possibilidade de se utilizar dosinstrumentos e dos resultados das pesquisas do Observatório Social paramelhorar a nossa ação sindical e ter uma ação sindical mais articulada, compressão sobre as empresas para que elas cumpram os direitos dostrabalhadores. ... Um elemento fundamental que precisamos aprofundar é o[projeto] Conexão Sindical. Temos que fazer com que ele se transforme emuma ferramenta de nossos sindicatos e de troca de experiência”.

Artur Henrique da Silva Santos,presidente da CUT e do IOS.

“O Cedec fez questão de estar presente [nesta celebração] como parceirode primeira hora. ... Saudamos o Observatório por esse passado tão importante,

por tudo que conseguiu até o momento com projetos de conteúdo social tãoexpressivo”.

Maria Inês Barreto, Cedec.

“...quantas vezes estivemos juntos em momentos extremamenteimportantes: da difusão, da crítica, da reflexão, dos dilemas enfrentadospelas empresas na perspectiva da implementação de uma gestão socialmenteresponsável.”

Caio Magri, Instituto Ethos.

AVALIAÇÕES

empresários e pesquisadores debateram na 7aConferência Pesquisa e Ação Sindical em São Paulo

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Os debates sobre a promoção do trabalho decentee o enfrentamento ao trabalho escravo também foram mo-mentos de destaque na Conferência Pesquisa e Ação Sin-dical. Sérgio Paixão, coordenador da Agenda do Traba-lho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego, expli-cou o conceito – que pode ser resumido nessas palavras:trabalho produtivo adequadamente remunerado, exerci-do em condições de liberdade, igualdade, segurança ecapaz de garantir uma vida digna.

“A agenda nacional de trabalho decente é um com-promisso do governo que pode ser consultado por em-pregadores, trabalhadores e pela sociedade civil”, disse.Ele explicou que entre as prioridades da agenda nacional,estão: gerar mais e melhores empregos com igualdade deoportunidade; erradicar o trabalho escravo e eliminar o

“Ao longo do tempo, parcerias concretas foram possíveis.... Mais recentemente estamos trabalhando nomonitoramento dos dois anos do pacto contra aerradicação do trabalho escravo. ... Esperamos podertrabalhar muito mais tempo ainda com o IOS.”

Andréa Bolzon, OIT.

“As ações desenvolvidas pelo Observatório Social têm sidode suma importância para o ramo químico, fortalecendo a

ação sindical e potencializando a intervenção sindicalorganizada nos locais de trabalho. O IOS também tem

importante papel na luta contra o trabalho infantil, contra adesigualdade de gênero, pela inclusão de pessoas com

deficiências no mercado de trabalho, pela implementação determos de referência em defesa dos direitos fundamentais do

trabalho.”

Aparecido Donizete da Silva,Confederação Nacional dos Químicos.

“Conseguimos obter mais experiência. ... Os sindicalistasmudaram alguns conceitos de como agir com as empresas.

O IOS contribuiu na quebra de alguns paradigmas. Aspesquisas servem como um ponto de referência e como uma

alternativa para mudar”.Elisandro Marques, Comitê ThyssenKrupp.

“O Observatório já contribuiu para o setor com pesquisa emdois bancos: ABN e Santander. O resultado final – um dos

pontos mais gritantes – era a pequena participação dapopulação negra. A pesquisa resultou numa das principais

campanhas do sindicato com a campanha da igualdade deoportunidade”.

Deise Recoaro, Confederação Nacional dos Trabalhadoresno Ramo Financeiro (Contraf).

“Em 2001, quando o IOS estava se solidificandometodologicamente, percebemos que faltava o uso efetivodas pesquisas. ... Começamos a avaliar a necessidade deorganizar os sindicatos para utilizá-las melhor, para queelas não se transformassem simplesmente em documentosguardados na gaveta.... Hoje, há 23 redes [detrabalhadores em multinacionais] com a participação denove federações e confederações”.

José Drummond, Projeto CUT Multi.

“Nossa presença aqui representa a quebra de um paradigma... É a primeira vez que participamos de um processo depesquisa que vem do movimento sindical. ... Há alguns

meses fizemos uma reunião e foi a primeira vez em 20 anosque a empresa chamou o sindicato para conversar sobre

assuntos que não sejam de uma pauta de reivindicações.”

Luis Bulgart, gerente de RH da Alumar.

AVALIAÇÕES Trabalho

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decente e escravo

trabalho infantil em suas piores formas; e fortalecer os ato-res tripartites e o diálogo social como um instrumento degovernabilidade democrática.

A segunda debatedora no painel foi a coordenadorada agenda do Trabalho Decente do Governo da Bahia,Tatiana Dias Silva. O governo do seu estado foi pioneiroem definir políticas públicas específicas sobre o tema ecolocá-las como prioridade da administração. Ela expli-cou que a base de conhecimento será feita através de es-tudos e publicações com o monitoramento e avaliação dosprogramas. Também será realizado um amplo trabalho desensibilização e comunicação, com premiações, seminá-rios, cursos de capacitação de gestores e técnicos e arti-culação de políticas setoriais.

Sérgio Mendonça, representante do Dieese, disse

que sua organização de pesquisa, junto com as centraissindicais, tem participado da construção de um diálogosocial através da agenda governamental: “As centrais sin-dicais estão fazendo uma proposição de negociar com ogoverno uma agenda a partir da nossa realidade, sem dei-xar de discutir em todos os fóruns internacionais, sobretu-do na OIT, buscando influenciar essa agenda mundial”.

Para ele, a primeira coisa para gerar mais e melhoresempregos é ter uma agenda de desenvolvimento que subs-titua o período de 15 a 20 anos em que a predominânciafoi o encilhamento financeiro e o pagamento da dívida.Para isso, defende, é importante ter um Estado líquidopara viabilizar a solvência da dívida pública e uma políticaprodutiva, de geração de empregos, que beneficie o in-vestimento público e privado. “De certa forma é vem acon-tecendo mais recentemente”.

Ronaldo Baltar, pesquisador do IOS, apresentou asprincipais conclusões pesquisa realizada em 2006 duran-te o Congresso da CUT para mostrar o que os trabalha-dores pensam sobre trabalho decente (mais detalhes naedição 12 de Observatório Social Em Revista, dispo-nível em www.os.org.br). “Há dois anos nós começa-mos um trabalho interno de discussão sobre como apro-ximar os estudos que temos desenvolvido em relação aotrabalho decente, de forma a poder instrumentalizar a açãosindical nesse debate e entrar nessa discussão do diálogosocial com informações já sistematizadas sobre o tema”,disse.

Trabalho escravoO painel seguinte contou com a presença do coor-

denador do Grupo Especial Móvel de Fiscalização deTrabalho Escravo do Ministério do Trabalho, MarceloCampos. Ele apresentou o contexto do problema em suaforma contemporânea e mostrou a conexão com nossaherança escravocrata: “Durante mais de 300 anos o Bra-

EM DEBATE

Trabalhador em carvoaria no Pará

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sil se sustentou no trabalho escravo clássico, legal, noqual o escravo era um objeto que podia ser compradoe transacionado no mercado mais próximo. O país temum histórico tão forte de trabalho escravo sustentandoa produção de sua riqueza e de sua economia, que issomarca indelevelmente sua história e o comportamentocontemporâneo que marcará o futuro”.

Campos lembrou que comportamentos culturaisnão mudam da noite pro dia e que isso se manteve re-produzido principalmente no meio rural, com formas

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autoritárias de relacionamento entre patrões e aquelesque vendem o seu trabalho. “Um exemplo clássico dis-so é que, quando Getulio Vargas, com todo aquele con-texto histórico, editou a Consolidação das Leis do Tra-balho, lá tinha um artigo muito especial, excluindo ostrabalhadores rurais. O que significa isso? Que eles eramconsiderados como de terceira categoria junto, é claro,com as domésticas”. Ele assinalou o marco ocorridoem 1995, quando, pela pressão dos sindicatos e orga-nizações civis de ação sociais, o então presidente Fer-nando Henrique Cardoso criou o Grupo Móvel de

Fiscalização.O painel também contou com a presença do presi-

dente da Feraesp (Federação dos Empregados RuraisAssalariados no Estado de São Paulo), Élio Neves; Pa-trícia Audi, que durante cinco anos esteve à frente doprograma de combate ao trabalho escravo da OIT Bra-sil; Rodolfo Tavares, representante da ConfederaçãoNacional da Agricultura e Pecuária; e Ana Yara Paulino,pesquisadora do Observatório Social/Dieese, que me-diou o debate.

O último dia da Conferência foi dedicado ao de-bate sobre o projeto de Monitoramento do Pacto pelaerradicação do Trabalho Escravo (leia mais em textonesta edição). Participaram pesquisadores do Obser-vatório Social; Andréa Bolzoni e Thais Faria, da OIT;Leonardo Sakamoto, da ong e agência de notícias Re-pórter Brasil; João Felício, da CUT e do Conselho Di-retor do IOS; Instituto Carvão Cidadão; representan-tes da Petrobras, Shell, Wal-Mart, Pão de Açúcar, Ar-cellormittal Florestas, Bertim, Viena, Grupo Maeda, IBP,Sadia e outras empresas e entidades.

Trabalhadora em ambiente insalubre costura calçado.

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oMeio ambiente e

comérciointernacional

Uma questão-chave abordada pelo professor foi ada responsabilidade das empresas, especialmente asde grande porte: “Hoje temos alguns detratores dasquestões da responsabilidade social, da sustentabili-dade, que falam: ‘Por que a empresa tem que se envol-ver nisso? Afinal das contas a empresa gera empregos,paga seus impostos, já está dando a sua contribuiçãosocial. A empresa não tem nada a ver, é o governo quetem que resolver os problemas sociais, trabalhistas eambientais’. Nossa visão é diferente; a gente toma umsusto quando analisa o faturamento de grandes empre-sas multinacionais e compara com o PIB de países”.

Ele citou a General Motors, que tem faturamentosuperior ao PIB da Dinamarca. Referiu-se também àWal-Mart, à Ford e outras empresas, cujas receitas devendas de produtos durante um ano são superiores,por exemplo, ao PIB de Portugal. Uma decisão de umaempresa como a General Motors, que está presenteem cerca de países, atinge transversalmente toas aspopulações desses países, todas as cadeias de forne-cedores, todos os trabalhadores que estão lá envolvi-dos com a empresa.

“Do ponto de vista ambiental, uma empresa comoo Wal-Mart, que agora decidiu criar uma forte política

O painel Multinacionais eMeio Ambiente teve

palestra do professordoutor Giovanni Barontini,do Núcleo de Estudos do

Futuro da PontifíciaUniversidade Católica de

São Paulo. Ele abordou asquestões relacionadas às

políticas ambientais dasustentabilidade e apontou

alguns dilemasimportantes para as

empresas: é possívelcrescer indefinidamente

dentro de uma perspectivade sustentabilidade? O

que é produzido érealmente necessário

para a sociedade? Dá paraser socialmente

responsável sem ter umaatitude correta quanto à

atividade fim?

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ambiental, vai criar um impacto mons-truoso no planeta porque obviamentetodas as suas unidades nos paísesonde ela atua vão seguir essa políti-ca e podem contribuir para construirum mundo melhor, com mais susten-tabilidade. Nós não temos dúvidasque as grandes empresas podem edevem se envolver.” Barontini chamoua atenção para a dimensão individualda sustentabilidade. Para ele, em lon-go prazo, se as pessoas não muda-rem, as empresas não o farão.

Projeto AMADurante a Conferência, os pes-

quisadores Silvia Barrientes, doCFES/Lasos (Argentina), LimbergChero, do Programa Laboral Plades(Peru), Jana Silverman, da Escola Na-cional Sindical (Colômbia) e LilianArruda, do Instituto Observatório So-cial (Brasil) apresentaram conclusõessobre o Projeto AMA – Multinacionaise Meio Ambiente. Realizado em 2007,o estudo acompanhou o comporta-mento sócio-ambiental de quatro mul-tinacionais do setor de alimentos ebebidas na América Latina: as euro-péias Unilever e Nestlé, a brasileiraAmbev e a norte-americana Coca-Cola. A sigla AMA se refere aos Acor-dos Multilaterais Ambientais. O es-tudo teve como área de abrangênciaArgentina, Brasil, Colômbia, Equadore Peru. (veja texto na página 36).

Uma das principais conclusõesé que o tema ambiental é quase des-conhecido no mundo sindical. Boaparte dos trabalhadores entrevistadosafirmou que não há cláusulas ambi-entais nos acordos e convenções co-letivos. A maioria diz saber que aempresa tem política ambiental, masnão conhece o conteúdo dessa polí-tica e nem se envolve com essas prá-ticas. Poucos trabalhadores ou diri-gentes conhecem os protocolos econvenções ambientais. A maiorianão soube informar se a empresa jácausou algum dano ambiental.

Entre os países pesquisados, aColômbia é onde foram identificadasas mais graves violações de direitos.A pesquisadora Jana Silverman rela-tou que os trabalhadores sofrem vio-

nitoramento das condições de traba-lho das empresas chinesas na Amé-rica Latina, pelo risco da importaçãode padrões trabalhistas precários.

Patricio Sambonino, consultorda central sindical holandesa FNV,apresentou um panorama da situaçãodos trabalhadores chineses. Cerca de250 milhões – 16,6% da população –vivem com menos de um dólar por dia.Quase 700 milhões – 47% – vivemcom menos de dois dólares por dia.Estãpo ausentes direitos básicoscomo acesso a uma adequada segu-ridade social. Segundo um informerecente, mais de 200 milhões dos 758milhões de empregados que há naChina adoecem de algum tipo de en-fermidade profissional. O governo nãoratificou nenhum dos convênios fun-damentais da OIT sobre liberdade sin-dical, direitos sindicais e de negocia-ção coletiva.

Hilda Sanchez, da Orit (Organi-zação Regional Interamericana de Tra-balhadores), falou sobre acordos delivre comércio e investimentos estran-geiros nos países da região da Ásia-Pacífico. Martin Pascual, do institutode pesquisa Cendas (Chile), disse quea Ásia é o principal mercado consu-midor das exportações chilenas, e queentre 80% e 90% das exportações doseu país devem ser prejudicados como aumento das exportações chinesas.Osvaldo Battistini, do Lasos/Cefs (Ar-gentina), afirmou que recentementeos governos do seu país e da Chinamanifestaram o interesse em ampliarcontato e negócios.

Paul Castellanos, do Plades(Peru), apresentou a síntese de umapesquisa em uma empresa chinesainstalada em seu país desde 1992,a estatal Shougang Hierro Peru. Aempresa explora uma mina de ferrono litoral e em 2006 tinha 445 em-pregados. A empresa tem hostilida-de quanto à filiação sindical, nega anegociação coletiva e aceita apenasa questão do aumento salarial, ig-norando os outros pontos apresen-tados pelos sindicatos. Há gravesproblemas de saúde e segurançapela falta do uso de equipamentosde proteção individual.

lação do direito a vida, liberdade e in-tegridade física. Nos últimos anos têmsido freqüentes os casos de assassi-natos de dirigentes sindicais. Há pro-blemas de saúde e segurança, comopouca iluminação nas fábricas, muitobarulho, falta manutenção das máqui-nas e doenças ocupacionais. Muitostrabalhadores não registram suas do-enças porque temem ser demitidos.

China e América LatinaA ascensão da China e os im-

pactos sobre a América Latina sob aperspectiva dos movimentos sociaisfoi outro tema debatido na Conferên-cia. Na avaliação do economista Ale-xandre de Freitas Barbosa, pesquisa-dor do IOS, os riscos de deslocamen-to da produção interna do Brasil pe-las importações chinesas são eleva-dos. O maior risco não está na con-corrência dos produtos de baixo valoragregado, e sim o de empobrecimen-to da estrutura da produção nacional,disse.

Alexandre Barbosa explicou quenão é a mão-de-obra barata que iráinserir a China no mundo, e sim umacombinação de fatores que envolvemo importante papel regulador do Esta-do; grande quantidade de produção;forte investimento em educação, ci-ência e tecnologia; manifestações so-ciais reprimidas; elevação da produti-vidade agrícola; atração de multina-cionais sob o modelo de joint-ventu-res; estímulo às exportações comcâmbio administrado e incentivos fis-cais; empresas mistas: oligopolistasno mercado nacional e competitivasno mercado internacional; forte pre-sença dos empréstimos e investimen-tos do Estado, e aumento vertiginosodo consumo interno, entre outros.

Para o pesquisador, os impac-tos em termos de pressão competiti-va se fazem sentir diretamente sobreo emprego e as condições de traba-lho. Como formas de enfrentar o fenô-meno chinês, ele defende a aplicaçãocoordenada de políticas de defesa co-mercial, inovação tecnológica, indus-triais e de financiamento de longo pra-zo que fortaleçam a integração regio-nal. Também vê a necessidade de mo-

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ENTREVISTA

“O mercado não éum deus ao qual

devemos nos curvar”

João Antônio Felício,secretário de Relações

Internacionais da CUT

Nesta entrevista ao Observatório Social, JoãoAntônio Felício, secretário de relações internacio-nais da CUT Nacional, coloca a luta contra a Emen-da 3 como uma das principais ações realizadas pelaCentral em 2007. Ressalta que a 4ª Marcha daClasse Trabalhadora, que reuniu 40 mil pessoasem Brasília, coroou um amplo processo de mobili-zação realizado pela militância cutista em 2007: “Foium ano intenso, de muitaS mobilizações unitáriasda CUT com as demais centrais. Sem esta unida-de, dificilmente teríamos conseguido vencer as in-vestidas do grande capital e de sua mídia”.

Felício fala do trabalho realizado pela Secre-taria de Relações Internacionais e da importânciado Observatório Social, ao municiar o movimentosindical com dados técnicos e análises. Faz tam-bém uma análise do mandato do presidente Lula.

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Qual é a sua avaliação do trabalhodesenvolvido pelo ObservatórioSocial e qual a importância daorganização para o movimentosindical?

O Observatório Social é um orga-nismo que tem por função pesquisar omundo do trabalho, subsidiando a CUTe as entidades parceiras com informa-ções que potencializem as ações. OObservatório vem ampliando o seu pa-pel, tornando-se uma referência nacio-nal e internacional ao municiar o movi-mento sindical com dados técnicos eanálises de profunda qualidade, comoo estudo contra o trabalho escravo, feitoem parceria com a OIT; sobre a res-ponsabilidade social e empresarial,com a DGB/FNV e, mais recentemen-te, sobre os impactos das importaçõeschinesas na economia brasileira, tam-bém com a DGB. A seriedade e o pro-fissionalismo têm sido as marcas doIOS.

Qual é o papel da Secretaria deRelações Internacionais da CUT?

O objetivo da SRI é promover odebate nas diferentes instâncias daCUT sobre a ação internacional daCentral, que se guia pela defesa daauto-determinação dos povos e pelasolidariedade antiimperialista. Nestemomento estamos empenhados naconsolidação da Confederação Sindi-cal Internacional (CSI) e na construçãoda Central Sindical das Américas(CSA), estabelecendo e promovendoações e parcerias com o foco na me-lhoria das condições de vida e traba-lho. Buscamos estimular os dirigentessindicais cutistas, seja na executivanacional ou nos Ramos, para que se

integrem nas ações de abrangência in-ternacional, trocando experiências comorganizações amigas, conhecendo asnormas da Organização Internacionaldo Trabalho (OIT)... Faz parte do nos-so projeto um curso de formação dedirigentes que aprimore conhecimen-tos na área, particularmente sobre osorganismos internacionais. Participa-mos do Conselho da OIT, da Coorde-nadora das Centrais Sindicais do ConeSul e de dezenas de entidades inter-nacionais por meio das confederaçõescutistas. Nossa central, desde a suafundação, tem uma participação ativae marcante na vida sindical do plane-ta, suas opiniões são profundamenterespeitadas.

Qual sua avaliação sobre a 4ªMarcha da Classe Trabalhadora?

A 4ª Marcha coroou um amploprocesso de mobilização realizado pelamilitância cutista em 2007. Com 40 milmanifestantes, a nossa maior Marcha,realizada no dia 5 de dezembro, tam-bém demonstrou o amadurecimento domovimento sindical brasileiro, represen-tado pelas suas centrais sindicais, quecolocaram a identidade de classe emprimeiro lugar, secundarizando diver-gências pontuais e priorizando o que éessencial. A construção de uma pautaunitária em defesa da redução da jor-nada de trabalho, de mais e melhoresempregos e do fortalecimento da Se-guridade Social e das políticas públi-cas contribuiu para fortalecer a pres-são desde a base e ampliar o diálogocom a sociedade. Com maior represen-tatividade, temos nosso poder de fogopotencializado na hora da negociaçãocom os empresários, parlamentares egovernos. É muito importante também

resgatar o estímulo dado pelas trêsprimeiras Marchas que, ao garantiruma política de valorização do saláriomínimo, possibilitou o maior índice dereajuste dos últimos 20 anos. Estaexperiência, além de impactar positi-vamente no poder de compra, incidetambém sobre o inconsciente coletivo,fomentando novas ações em defesa damelhoria das condições de vida e tra-balho.

E o resultado...

Bom, no anoitecer do dia 5 já ob-tivemos os primeiros resultados daMarcha: o anúncio feito pelo presiden-te Lula do envio ao Congresso Nacio-nal do pedido de ratificação e regula-mentação das Convenções 151 da Or-ganização Internacional do Trabalho(OIT), que estabelece o direito à nego-ciação coletiva no serviço público, e158, que coíbe a demissão imotivada,pondo um freio à alta rotatividade. Alémdisso, o presidente se comprometeu aenraizar a democracia no local de tra-balho com a eleição de representan-tes dos trabalhadores para os conse-lhos de administração de todas asempresas estatais federais. Há um en-tendimento de que a redução da jorna-da de trabalho sem redução de saláriodeve ser fruto de um projeto de iniciati-va popular, pelo qual vamos colher mi-lhões de assinaturas. Presente naMarcha, o presidente da Câmara, Ar-lindo Chinaglia, colocou a TV da casaà disposição para divulgar a importân-cia da medida que, conforme estudosdo Dieese, pode abrir mais de 2 mi-lhões e 250 mil novas vagas. São inici-ativas que se somam e dão a medidado resultado.

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Qual é sua avaliação sobre otrabalho atualmente desenvolvidopela CUT?

Foi um ano intenso, de muitasmobilizações unitárias da CUT com asdemais centrais. Sem esta unidade,dificilmente teríamos conseguido ven-cer as investidas do grande capital ede sua mídia, como na batalha daEmenda 3, que queria assaltar conquis-tas históricas da classe trabalhadoracomo o direito às férias, descanso se-manal remunerado, 13º, licenças ma-ternidade e paternidade. Foi com para-lisações e mobilizações nas ruas queconseguimos manter o veto presiden-cial contra a retirada de direitos. Acre-dito que desenvolvemos uma série deiniciativas que põem em relevo umaprática sindical ousada, coerente comos princípios da liberdade e da autono-mia de patrões e governos, o que nosdá autoridade e nos fortalece em quali-dade e quantidade. A CUT é a maiorcentral sindical do Brasil, a quinta domundo e continua crescendo, sem sedescuidar da formação de seus dirigen-tes e militantes, democratizando cadavez mais o trabalho de gestão, seja nasCUTs estaduais ou nos Ramos.

Faça um apanhado das principaisações da Central ao longo do ano.

Inicio lembrando uma vez mais daluta contra a Emenda 3, pois é carre-gada de simbolismo, já que destituía otrabalhador de sua própria essência aotransformá-lo em “pessoa jurídica”, oschamados “PJs”, sem carteira e semdireito, numa relação promíscua bemao gosto dos neoliberais, que vêem omercado como um Deus todo podero-so ao qual deveríamos nos curvar.

Demonstramos o absurdo do PLP01, que representaria um tiro no pé doPrograma de Aceleração do Cresci-mento, uma camisa-de-força para osserviços públicos e para o próprio de-senvolvimento nacional, ao impor limi-tes ao investimento com pessoal. Eleinviabilizaria a realização de concursose, conseqüentemente, de novas con-tratações, sabidamente necessáriaspara dotar o Estado de condições, va-lorizando os serviços e os servidores.

Em defesa da Seguridade, repu-diamos de forma veemente, no FórumNacional da Previdência, nas ruas e emtodas as instâncias, a perversidade dofator previdenciário, mecanismo de ar-rocho imposto pelo tucanato privatistapara assaltar as aposentadorias. Inves-timos na realização das Jornadas deDesenvolvimento, também ao lado doDieese e das centrais, envolvendo oconjunto das regiões na formulação deum projeto para o Brasil, convictos deque é preciso estimular a capacidadecrítica e criativa da classe trabalhado-ra, com vistas a garantir o seu prota-gonismo.

Integrantes da Coordenação dosMovimentos Sociais (CMS), nos soma-mos à Campanha “Concessões deRádio e TV, Quem Manda é Você”,defendendo critérios que possibilitemum controle social das concessõespúblicas. Nos posicionamentos tam-bém em favor de uma Conferência Na-cional de Comunicação, para alastrare enraizar o debater sobre a democra-tização dos meios, cada vez mais con-centrados nas mãos de poucas famí-lias. Lideramos inúmeras mobilizaçõese paralisações no serviço público, exi-gindo recursos e respeito, elementoschaves para um atendimento de quali-dade à população, principalmente amais carente e mais necessitada.

Realizamos a Caravana da Cida-dania no Ramo da Construção, lutan-do por contrapartidas sociais no Pro-grama de Aceleração do Crescimento(PAC), com metas de emprego e qua-lificação para a liberação dos investi-mentos públicos para um setor recor-dista em informalidade e em acidentesfatais. A Marcha das Margaridas, orga-nizada pelas companheiras rurais,

A CUT é a maior centralsindical do Brasil, aquinta do mundo e

continua crescendo, semse descuidar da formação

de seus dirigentes emilitantes,

democratizandocada vez mais

o trabalho de gestão,seja nas CUTs estaduais

ou nos Ramos.

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cobriu novamente a Esplanada dos Mi-nistérios, destacando o papel da mu-lher trabalhadora na luta pela reformaagrária, em defesa da agricultura fami-liar e de políticas públicas que fortale-çam o setor.

E no plano internacional?

No plano internacional, tivemosparticipação ativa em ações do movi-mento sindical em toda a América La-tina, com presença na OIT em Gene-bra, na Coordenadora, empenhados nafundação e construção da CSI, na lutapor trabalho decente. Estivemos emHavana somando com a Central de Tra-balhadores de Cuba (CTC) na linha defrente contra os Tratados de Livre Co-mércio (TLCs). Na luta pela integraçãolatino-americana, nos posicionamos deforma enfática em defesa da soberaniado povo venezuelano e boliviano contraos golpistas patrocinados pelo gover-no norte-americano. É um momentorico da história da América Latina,onde, em que pesem as divergências,há vários governos do campo democrá-tico-popular, como o de Lula, Evo Mo-rales, Hugo Chávez, Rafael Correa, Te-reza Kirchner e Michele Bachelet, quedescortinam novos horizontes. Possodizer que 2007 nos estimula a encararos desafios de 2008. Começamos aretomar parcerias com o movimentosindical africano, particularmente coma central da África do Sul, a Kosatu, etambém com os países de língua por-tuguesa. Conversamos com a CGTP ea UGT de Portugal sobre a necessida-de de uma maior aproximação, de umestreitamento para pagar esta dívidasocial que temos com os povos africa-nos.

Qual é a sua avaliação sobre omandato do presidente Lula?

O presidente Lula foi eleito e ree-leito com amplo apoio popular, princi-palmente dos mais pobres, do movi-mento sindical e social, o que criouenorme expectativa. É natural que,numa sociedade de classes, todos ossegmentos pressionem para que suasdemandas sejam atendidas. Um gover-no de composição é sempre permeá-vel a influências, o que amplia nossaresponsabilidade, principalmente quan-do em nosso país há uma imprensaconservadora que se posiciona comopartido político, disputando permanen-temente para que seja aplicada a agen-da neoliberal, derrotada nas eleições.

Volta e meia pressionam por re-trocessos, querendo fazer a roda dahistória girar para trás, com privatiza-ções e perda de direitos. Neste qua-dro, de intensa disputa, o movimentosindical e social tem obtido inúmerasconquistas, com o maior reajuste sa-larial dos últimos 20 anos, a aberturade milhões de novas vagas no mercadode trabalho, melhor distribuição de ren-da, ampliação do Bolsa Família, reco-nhecimento das centrais sindicais...

Um balanço positivo...

Diria que o mandato é positivo,principalmente se compararmos como desastre do governo tucano, mas hánaturalmente uma disputa permanentepara definir quais os rumos e a profundi-dade das transformações em curso.

É o caso do Programa de Acele-ração do Crescimento, que coloca oEstado como indutor do desenvolvimen-to e começa a injetar bilhões na eco-

nomia. Nós, da CUT, defendemos con-trapartidas sociais no PAC, a fim deque tenhamos metas de emprego equalificação para esses trabalhadores,fazendo com que o crescimento eco-nômico se traduza também em melho-rias efetivas no plano social.

Neste sentido, inclusive, conquis-tamos a formação de um Grupo de Tra-balho ministerial, com a participação dascentrais sindicais, que terá prazo de 60dias para apresentar suas conclusões.Não há comparação nenhuma com ogoverno do PSDB, que criminalizava,perseguia lideranças, demitia, como con-tinua fazendo no Estado de São Paulo.

As limitações do governo federalestão no conservadorismo da políticaeconômica, na manutenção dos jurosaltos e do elevado superávit primário,que representam uma camisa-de-forçapara a produção nacional e o cresci-mento sustentável. Falta um enfrenta-mento ideológico mais ousado contraa propaganda da direita, que tem inú-meros instrumentos à sua disposiçãopara pressionar por suas bandeiras,como foi no caso da CPMF.

As iniciativas de democratizaçãoda mídia ainda são extremamente tí-midas diante de meios que desinfor-mam, manipulam e não dão vez nemvoz ao contraditório. Lutamos por umareforma tributária que taxe as grandesfortunas; uma reforma agrária que en-frente o latifúndio improdutivo e tragajustiça social ao campo; recursos paraa educação que preparem a juventudee o país para as transformações nocampo da ciência e da tecnologia. Te-mos consciência de que é a nossa luta,a ação articulada do movimento sindi-cal e social, que será a parteira dessenovo tempo que começamos a construir.

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o início de 2006 o Instituto Observatório Soci-al reuniu os institutos CFES/Lasos da Argen-

tina, ligado à CNA (Confederação dos Trabalhadores daArgentina), o Programa Laboral de Desarollo (Plades), doPeru, a ENS (Escola Nacional Sindical) de Medellín, Co-lômbia, e o consultor Victor Lopez, do Equador para de-senvolver a primeira pesquisa conjunta com esses paí-ses. Denominada AMA – Multinacionais e Meio Ambien-te (a sigla AMA se refere aos Acordos Multilaterais Ambi-entais que embasam o projeto), teve como objetivo co-nhecer o comportamento ambiental e sócio-trabalhista dequatro empresas do ramo de alimentos e bebidas: Am-bev, Coca-Cola, Nestlé e Unilever.

A realização dessa pesquisa envolveu uma série dedesafios para o IOS: trabalhar com um novo tema, meioambiente, ainda pouco explorado pelo movimento sindi-cal e pelo próprio IOS; trabalhar com institutos de outrospaíses, superando barreiras lingüísticas e culturais; de-

PROJETO AMA - MULTINACIONAIS E MEIO AMBIENTE

O comportamentode quatro empresasna América Latina

Pesquisa conclui que as políticas ambien-tais de Ambev, Coca-Cola, Nestlé e Unile-ver são diferenciadas nos cinco paísesabrangidos pela pesquisa – Argentina,Brasil, Colômbia, Equador e Peru. Essasdiferenças se devem a aspectos culturais,legislação nacional, pressões externas epresença das empresas no mercado na-cional. As respostas sindicais também va-riam. Um traço comum pode ser encontra-do em todos os países: trabalhadores edirigentes sindicais conhecem pouco daspolíticas e ações das companhias. Ques-tões ambientais passam largo da agendados acordos coletivos.

Lilian Arruda *

* Socióloga, pesquisadora do Instituto Observatório Social.

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senvolver uma metodologia que contemplasse o tema ea participação de outros países na aplicação da pesqui-sa. Para iniciar os estudos era necessário fazer uma re-flexão a priori, partindo de algumas questões:

1. Como as empresas escolhidas apresentampublicamente suas políticas ambientais nosdiferentes países?2. Até que ponto as empresas utilizam os padrõesdos acordos multilaterais ambientais paraelaborar suas políticas de meio ambiente?3. Qual é o nível de conhecimento dostrabalhadores a respeito dessas políticasambientais?

Para responder as duas primeiras questões foi ela-borada uma reflexão teórica e foram examinadas as polí-ticas ambientais e trabalhistas das empresas estuda-das. Para responder a terceira questão foram realizadasentrevistas com trabalhadores e dirigentes sindicais dasempresas. Essas etapas foram realizadas por todos ospaíses envolvidos.

Políticas e ações diferenciadasA crescente influência das empresas multinacionais

na elaboração de políticas estatais e multilaterais, bemcomo a intervenção sócio-ambiental dessas empresasem âmbito nacional, têm levantado uma série de questi-onamentos por parte setores da sociedade civil, ongs,movimentos sociais – em especial o sindical – e repre-sentantes do mundo acadêmico. Este movimento ques-tiona se o papel das empresas é apenas gerar lucros ouse, além disso, é possível desenvolver políticas, progra-mas e ações de Responsabilidade Social e Ambiental.

As grandes corporações têm influência na elabora-ção de regimes internacionais – tratados ou acordos mul-tilaterais ambientais na forma de Convenções e os Pro-tocolos (Quioto, Montreal, Cartagena, por exemplo). Porsua vez, as empresas são influenciadas pelos tratadosinternacionais para elaborar suas políticas ambientais.Para perceber a influência dos tratados ambientais naspolíticas das empresas foram escolhidos alguns acor-dos multilaterais, por serem considerados os mais im-portantes no âmbito da OMC:

· Protocolo de Montreal sobre as substânciasque destroem a Camada de Ozônio (1987)· Convenção da Basiléia sobre Controle dosMovimentos Transfronteiriços de ResíduosPerigosos e o seu Depósito (1989)· Convenção de Roterdã sobre Procedimentopara o Consentimento Prévio para o ComércioInternacional de Certos Químicos e PesticidasPerigosos (1998)· Convenção de Estocolmo sobre PoluentesOrgânicos Persistentes (1990)

· Convenção de Mudança do Clima (1994) – Oobjetivo é estabilizar as concentrações de gasesde efeito estufa na atmosfera. O Protocolo deQuioto (1997), assinado em 1997, faz parte daConvenção Quadro de Mudança de Clima ediferentemente da Convenção, o Protocoloestabelece metas e prazos.· Convenção de Biodiversidade ECO 92 - O objetivo daConvenção é conservar a diversidade biológica atravésda utilização sustentável de seus componentes e arepartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados dautilização dos recursos genéticos.

As grandes corporações participam indiretamentenos resultados e na eficácia desses tratados internacio-nais, pois dispõem de recursos e tecnologia para transfor-mar esses tratados em ações concretas nas suas políti-cas. Por exemplo, essas empresas têm tecnologia paradiminuir as emissões de gases que causam o efeito estu-fa ou que destroem a camada de ozônio. As empresas,contudo, incorporam essas convenções e protocolos deforma diferente entre elas, e também desenvolvem suaspolíticas de maneira diferenciada em cada país.

Se, por um lado, uma múlti tem a autoridade privadade elaborar e implementar normas ambientais (ISO 14000,por exemplo), por outra lado, as empresas recebem pres-sões sociais de organizações da sociedade civil, de movi-mento sociais, do movimento sindical e operário, ongs,atores sociais que também têm atuação globalizada e con-tra-hegemônica. As formas como as empresas vão exer-cer o seu poder e qual ambiente essas empresas vão en-contrar nas sociedades nacionais são muito diferentes.

Os resultados da pesquisaA avaliação das políticas ambientais das empresas

mostrou que elas são divulgadas de maneira diferenciadanos países estudados. A referência aos tratados ambien-tais na elaboração dessas políticas por parte das empre-sas é, também, diferenciada. Nas políticas ambientais dasempresas de bebidas e alimentação os tratados selecio-nados são pouco citados. No processo produtivo das em-presas de alimentação e bebida, a água é a matéria-primamais utilizada e, portanto, suas políticas ambientais es-tão voltadas para o tratamento de efluentes. Entre os tra-tados ambientais escolhidos, nenhum contempla padrõesinternacionais sobre o uso da água.

As citações de tratados são feitas de formas diferen-ciadas nos países estudados, mesmo porque o compor-tamento dessas empresas também é diferenciado nestespaíses considerando-se: aspectos culturais, legislação na-cional, pressões externas das partes interessadas, pre-sença da empresa no mercado nacional. Assim como ocomportamento das empresas, as respostas sindicais sãodiferenciadas.

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AmbevÉ interessante ressaltar que as

políticas ambientais da matriz brasi-leira valem para toda a América Lati-na e a gerência de ResponsabilidadeAmbiental para a América Latina lo-caliza-se no Brasil, o maior mercadoda região.

Na Argentina há pouca divulga-ção das políticas ambientais da em-presa para as partes interessadas.Além disso, houve também dificulda-de de se conseguir informações dossindicatos. Como a Ambev, com a mar-ca Quilmes, domina o mercado de cer-vejas naquele país, pode-se concluirque a falta de alternativas torna aempresa muito forte e o país maisvulnerável, mais dependente de suasações. Da mesma forma, a baixa mo-bilização social no contexto argenti-no permite à empresa não adotar po-líticas ambientais específicas paraeste país, apenas aquelas delineadaspela matriz brasileira. Mesmo assim,sabe-se que na Argentina a empresaadota algumas ações: tratamento deefluentes da unidade de produção daQuilmes e outras unidades, que po-dem se estender às engarrafadoras daPepsi. A empresa conta com um gru-po de gestão ambiental que se encar-rega da certificação ISO 14000. Asplantas certificadas são: Zarate, Men-doza, Corrientes e Tucumán.

No Brasil as políticas da empre-sa são focadas em resultados, e agrande capacidade de mobilizaçãodas partes interessadas para esseobjetivo é a marca registrada da Am-bev. Essa dinâmica torna a área am-biental da empresa uma das mais ati-vas para o cumprimento de metas eprogramas de produção. As políticasambientais são um diferencial impor-tante, seja na cristalização desses va-lores e identidades para a cultura cor-porativa da empresa, seja na capaci-dade de influência direta sobre o con-sumidor. Nesse sentido, os dirigentessindicais consideram que a empresadá importância às suas políticas am-bientais. A Ambev não tem o ISO14001 porque tem um sistema de ges-tão próprio e, segundo os trabalhado-

res entrevistados, é mais sofisticadoque o sistema ISO.

No Equador, mesmo sabendo-sedos impactos ambientais ocasionadospela produção de cerveja como asemissões de gases e contaminaçãoda água, a Ambev não informa se fazalgum controle de suas emissões ouse há um sistema de tratamento deefluentes, nem tampouco se os res-tos de fermentação, levedura e grãossecos são recuperados para produçãode alimentação animal. A única políti-ca ambiental que a Ambev informa noEquador refere-se à reciclagem deresíduos sólidos. A ausência de ummovimento sindical organizado naque-le país deixa a empresa livre para agir:não há sindicatos que representem osseus trabalhadores nem tampoucomovimentos sociais que questionemas políticas corporativas da empresa.O grau de vulnerabilidade do Equadornão é maior pelo fato de a empresanão ser a líder do mercado.

No Peru, o Sindicato Único deTrabajadores de la CIA. CerveceraAmBev Perú S.A.C. representa ape-nas os trabalhadores diretos da em-presa. De maneira geral, as políticasambientais da empresa referem-se aoreaproveitamento da água, ao contro-le de emissões de gás carbônico e àreciclagem de resíduos sólidos. Cha-ma a atenção o desconhecimento dostrabalhadores em relação aos trata-dos ambientais que dão suporte aoestudo: 71,4% afirmaram desconhe-cer os tratados internacionais e se aempresa desenvolve práticas inspira-das por esses tratados. As políticasespecíficas para o Peru não estão di-fundidas por todo o território nacionale, em sua maioria, se resumem a pro-gramas internos e obras de projeçãosocial. Portanto, seguindo sua políti-ca para a América do Sul, a Ambevdivulga suas políticas ambientais noPeru. Pelo fato de a empresa possuiruma parte interessada importante –o movimento sindical, de não deteruma posição dominante no mercadoe contar com um desempenho favorá-vel da economia, esses fatores tornamo Peru um país menos vulnerável àação da empresa.

Coca-ColaA pesquisa do Observatório So-

cial constatou que, entre os paísespesquisados, a Coca-Cola fez uma di-vulgação consolidada de suas políti-cas ambientais apenas no Brasil.

Para os trabalhadores da Coca-Cola na Argentina, a empresa tem al-gum compromisso com o meio ambi-ente ao divulgar suas políticas e pro-jetos referentes ao tema. Os trabalha-dores, contudo, demonstraram poucoconhecimento acerca das políticasambientais da empresa. A maioria nãosoube responder se a empresa temISO 14.000, mesmo porque na Argen-tina a companhia não informa, em seusítio da internet, se possui a certifica-ção. A atuação da empresa nessepaís através de cinco grandes engar-rafadoras não tira a capacidade de aCoca-Cola exercer grande influênciaatravés de sua marca. Porém, apesarde ter essa capacidade, pode-se pre-sumir que a política da empresa emtoda a América do Sul é focada nonegócio e pouco permeável à influên-cia das partes interessadas, em es-pecial dos trabalhadores.

No Brasil, o modelo de negócioé semelhante ao da Argentina: a em-presa atua através de engarrafadoras.Trata-se de um negócio baseado naconcessão de uma licença para pro-duzir. Para compensar a fragilidadedesse modelo, a Coca-Cola é a em-presa que desenvolveu campanhasmais agressivas e que dispõe de pro-jetos mais inovadores para o tema dasustentabilidade. Como o modelo denegócio está baseado na “terceiriza-ção” ostensiva e como a empresa lidacom bens de consumo, necessitamaximizar sua influência por meio depolíticas ambientais em escala global.

Em 1997 a Coca-Cola criou umsistema de Gestão Ambiental válidopara os negócios no mundo, chama-do de eKOsystem. Este sistema écomposto de diversas práticas antesconsolidadas pela empresa que tra-tam do gerenciamento de resíduossólidos, tratamento de efluentes in-dustriais, controle de gases, uso da

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água, além de outras medidas de pre-venção. Em 1995, a Coca-Cola foi pi-oneira ao adotar medidas efetivas depreservação da camada de ozônio,antes mesmo da assinatura do Pro-tocolo de Montreal (1997).

Na Colômbia, como no Brasil ena Argentina, a Coca-Cola produz edistribui a bebida através de um sis-tema de engarrafadoras. A pesquisana Colômbia aponta que há sérias vi-olações sindicais por parte da Coca-Cola e suas engarrafadoras, não sóem relação à liberdade sindical comotambém no que diz respeito à vida,liberdade, e integridade física dos tra-balhadores sindicalizados, e, sobre-tudo, os trabalhadores afiliados aoSinaltrainal (Sindicato Nacional deTrabajadores de la Industria de Alimen-tos). O contexto de violência políticacolombiano explica, em parte, o com-portamento da Coca-Cola. A empresatambém desenvolveu um comporta-mento agressivo e intimidatório em re-lação às partes interessadas. Comoo seu comportamento traz um riscode reputação que atinge diretamentesuas marcas junto ao consumidor, aCoca-Cola desenvolve políticas ambi-entais extremamente agressivas e ino-vadoras. Entretanto, as partes interes-sadas, sobretudo os sindicatos, nãotêm participação alguma.

Os principais impactos ambien-tais causados pela produção de Coca-cola são relacionados ao uso da água,energia e materiais não-biodegradá-veis para produzir de vasilhames. Nopaís nenhuma máquina de refrigera-ção contém CFC, gás que diminui dacamada de ozônio. Houve uma tenta-tiva, por parte dos sindicatos e parti-cularmente do Sinaltrainal, incluir clá-usulas nas convenções coletivas com-prometendo a empresa a melhorar aqualidade do ar e do meio ambiente.Porém, os negociadores para Coca-Cola Femsa nunca aceitaram suaspropostas, com o argumento de queeste tema está fora do âmbito traba-lhista na mesa de negociação.

No Equador não existe organi-zação sindical na EBC (Ecuador Bot-tling Company), engarrafadora exclu-siva da Coca-Cola, pois esta foi de-

sarticulada no fim dos anos 1990quando houve a fusão das engarrafa-doras nacionais. Há uma associaçãode empregados, ainda que não sejaconhecida sua agenda trabalhista fren-te à EBC. Nesse sentido, o negócioda Coca-Cola no Equador é poucovoltado para as partes interessadas.De novo, a debilidade do movimentosocial equatoriano aumenta o poderde influência da empresa no país. Emrelação às políticas de meio ambien-te, a Coca-Cola Company enumeroutrês desafios principais: água, emba-lagem, proteção ao clima e energia.As plantas engarrafadoras da EBC deQuito e Guayaquil conseguiram o re-conhecimento dos auditores represen-tantes da Coca-Cola Company para oSistema de Gestão Ambiental. Não épossível identificar, contudo, como oSGI incorpora as três variáveis ambi-entais sensíveis referidas no Relató-rio Ambiental de Coca-Cola. Os tra-balhadores entrevistados não detalha-ram os tipos de impactos ambientaisgerados pela empresa.

No Peru, verifica-se que umagrande engarrafadora nacional (J.R.Lindley) monopoliza as atividades deenvase. A Lindley tem suas própriaspolíticas ambientais, embora a Coca-Cola defina as diretrizes. O conheci-mento de trabalhadores e dirigentesda Lindley em relação ao meio ambi-ente, se comparado com situaçõesdos outros países pesquisados, émaior.

Entre os entrevistados, 87,5%têm alto conhecimento das práticasambientais da empresa; todos os tra-balhadores conhecem a existência dacertificação ISO 14000 e a maioriaconhece onde é feita a captação deágua. No Peru, a Coca-Cola divulgamuito pouco suas políticas, assimcomo nos outros países da Américado Sul, exceto o Brasil. Mas o com-portamento da Lindley, especificamen-te, é mais voltado às partes interes-sadas e a pressão do movimento sin-dical é mais efetiva. Mesmo assim,mais de 50% dos entrevistados res-ponderam que os temas ambientaisnão fazem parte da negociação cole-tiva.

NestléNa Argentina a pesquisa foi feita

com os trabalhadores do Sindicato Ar-gentino de la Industria de la Alimenta-ción da unidade produtiva Magdalena,em que 90% do trabalhadores são sin-dicalizados. As poucas informaçõesdivulgadas pela empresa dizem res-peito à compatibilidade de suas polí-ticas ambientais com as normas in-ternacionais voluntárias comoISO14001 e o plano de Gestão Eco-lógico e Auditoria da União Européia.O alto grau de sindicalização entre ostrabalhadores da Nestlé pode signifi-car a presença de uma parte interes-sada forte e atuante. Contudo, se ocomportamento da empresa em rela-ção à liberdade sindical é positivo, per-cebe-se que não há relevância quan-to ao tema ambiental: as políticasambientais são pouco divulgadas; naopinião dos trabalhadores há poucocomprometimento da empresa com omeio ambiente e os temas ambien-tais não são tratados nos processosde negociação. Detentora de umamarca forte, a empresa tem a possi-bilidade de exercer a sua influência ecom isso direcionar o seu poder denegociação para determinados temasem que a questão ambiental não estáincluída.

No Brasil, ao contrário do queocorre na Coca-Cola e da Ambev, aárea ambiental da Nestlé não tem omesmo destaque. Suas ações e pro-gramas estão articulados à cadeia devalor que organiza a produção dos in-sumos (leite, cacau e água) e as mar-cas. O fato de dispor de marcas e pro-dutos muito próximos do consumidorleva à parcimônia em suas ações, pro-gramas e políticas sociais e ambien-tais. Adota comportamento cautelosojunto à representação de emprega-dos, sempre aberta ao diálogo e à ne-gociação. É uma empresa que dificil-mente fecha fábricas e demite empre-gados de forma massiva no Brasil.Com a possibilidade de exercer serpoder brando, os trabalhadores liga-dos ao Sindicato dos Trabalhadoresda Empresa Chocolates Garoto – Nes-

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tlé de Vila Velha, na cidade de Vitória(ES), declararam, em sua maioria, quea empresa tem “muito” compromissocom o meio ambiente, embora decla-rem também que não há cláusulasambientais nas convenções coletivas.A maioria dos entrevistados conhecea origem da captação da água que aempresa realiza para seu abasteci-mento industrial. A Nestlé tem desde1963 uma Unidade de Tratamento deEfluentes (ETE), na fábrica Araçatu-ba (SP). Em 2004, a Nestlé registrouredução de 14,6% na emissão deCO2, 7,5% na emissão de CFC-11,14,5% na de SOx e 9,3% na de NOx.

A Nestlé Colômbia tem 1,4 miltrabalhadores diretos, dos quais 60%(840 trabalhadores) são membros doSinaltrainal. Semelhante à situaçãoem que vivem seus companheiros daCoca-Cola, os dirigentes do Sinaltrai-nal com vínculos trabalhistas na Nes-tlé padecem de violações do direitode liberdade sindical, como tambémdireitos fundamentais à vida e à inte-gridade física. Há evidências de que aempresa, por ação ou omissão, temsido cúmplice em algumas de tais vi-olações.

Os principais impactos ambien-tais causados pela produção da Nes-tlé estão relacionados com o uso deenergia e água, emissão de gases eo manejo de resíduos sólidos e líqui-dos. O uso de recursos hídricos nosprocessos produtivos da empresa naregião Andina diminuiu 37% entre2001 e 2004. Na Colômbia, existemplantas de tratamento de águas resi-duais industriais nas fábricas de Bu-galagrande, Dosquebradas, Florenciae Mosquera. A Nestlé reduziu suasemissões de gases de efeito estufa(especificamente, CO2) em 35% naregião andina no período 2001-2004 edeixou de usar refrigeradores que afe-tam a camada de ozônio, de acordocom o Protocolo de Montreal. O Si-naltrainal tentou incluir temas ambi-entais nas convenções, como a res-tauração das bacias hidrográficas,mas a Nestlé nunca as aceitou.

No Equador, as políticas ambi-entais da Nestlé têm colocado emprática medidas que tentam evitar acontaminação da água, ar e solo.

Como poucas no Equador, a empre-sa tem uma planta de tratamento deáguas residuais nas unidades Guaya-quil e Ecuajugos. Também desenvol-ve ações para depurar os gases dacombustão de caldeiras bem como ouso do amoníaco para refrigeração,gás que não afeta a camada de ozô-nio. Os trabalhadores consultados nãoconhecem com precisão as políticase ações ambientais da Nestlé, masidentificam que atividades da empre-sa, como a coleta de leite e emissõesde caminhões de distribuição, cau-sam impactos ambientais. A produ-ção, que demanda muita energia tér-mica e água e gera grande quantida-de de águas residuais com alto mate-rial orgânico, apresenta elevada con-centração de produtos químicos emvirtude do uso de detergentes. A gran-de dificuldade de execução do estu-do da Nestlé Ecuador se deveu à au-sência do movimento sindical. A fragi-lidade dos sindicatos foi aprofundadacom a abertura comercial e a flexibili-zação dos direitos trabalhistas reali-zadas na década de 1990. Com isso,a Nestlé adota uma posição herméti-ca frente aos problemas trabalhistase ambientais. Apesar de as filiais se-guirem as diretrizes ambientais damatriz, as partes interessadas têmpouco acesso ao conteúdo dessasdiretrizes.

A presença da Nestlé no Peruse consolidou através da compra dofabricante nacional líder de sorvetes edoces D’Onofrio em 1997; a nova em-presa passou a chamar-se inicialmen-te Nestlé D’Onofrio del Perú S.A. Ocomportamento da Nestlé Peru nãodestoa de sua atuação em outros pa-íses: as políticas ambientais são de-lineadas pela matriz e, aparentemen-te, não têm papel de destaque quan-do se consideram as especificidadesambientais dos países. A empresatem uma posição líder no mercadoperuano: é detentora de marca forte,o que resulta em grande capacidadede influência. O tema ambiental, con-tudo, está fora da agenda controladapela empresa. Pode-se dizer que ograu de conhecimento das políticasda empresa por parte de trabalhado-res e dirigentes é pequeno. Portanto,

o NEMS (Nestlé Environmental Ma-nagement System, Sistema de Ge-renciamento Ambiental da Nestlé) épouco divulgado (quase 80% dos en-trevistados não conhecem ou conhe-cem pouco as políticas da empresa).Também há demonstração de desin-teresse por parte dos dirigentes emincluir temas ambientais nas negoci-ações. A grande maioria dos trabalha-dores e todos os dirigentes respon-deram que os temas ambientais nãofazem parte da negociação coletiva, ape-sar de os trabalhadores assinalarem pro-blemas de contaminação, denúncias edanos ambientais.

UnileverUm traço comum do comporta-

mento da Unilever nos países estuda-dos é o processo de reestruturaçãopermanente que essa empresa desen-volve globalmente.

Na Argentina os trabalhadoresda Unilever são representados princi-palmente por Sindicato de Trabajado-res de Industrias de la Alimentación;Sindicato de Trabajadores Perfumis-tas y Sindicato de Trabajadores deRefinerías de Maíz. Este último, cir-cunscrito à planta de Florida e per-tencente ao único sindicato ligado àCTA (Central de Trabajadores Argenti-nos). Os outros pertencem à CGT(Confederación General del Trabajo).A maioria dos entrevistados declarouque a companhia é negligente quantoao meio ambiente. Os trabalhadoressindicalizados desconhecem o temae estavam totalmente alheios às ativi-dades desenvolvidas pela companhia.A política global de reestruturação daUnilever permite considerar que, tam-bém na Argentina, seu comportamen-to está mais focado no retorno do ne-gócio que no diálogo com as partesinteressadas. Voltada para dentro, aUnilever tem políticas de RecursosHumanos bem estruturadas que ten-tam dar aos trabalhadores sentimen-to de pertencimento à empresa; per-cebe-se, contudo, que o diálogo comos trabalhadores e movimento sindi-cal é difícil.

No Brasil, devido à reestrutura-ção constante e à heterogeneidade de

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sua base sindical, composta majori-tariamente por sindicatos ligados àForça Sindical e “independentes”, ocomportamento da empresa é o dereconhecer essa dispersão e nadafazer para superá-la. A empresa criou,apenas no Brasil, uma diretoria de as-suntos sócio-ambientais para, entreoutras atribuições, estabelecer rela-ções com as partes interessadas.Essa estrutura apresenta as boas prá-ticas para o mundo externo, ou seja,do Brasil para o mundo, e, interna-mente, para fóruns como órgãos pú-blicos e ongs. A atuação da empresaem relação ao meio ambiente acon-tece em três frentes: consumo deágua; reaproveitamento de resíduossólidos através da racionalização deembalagens, e mudança de fonte deenergia em sete das 12 unidades atra-vés de um procedimento de substitui-ção de óleo combustível por gás na-tural e, com isso, redução das emis-sões de SOx e CO2.

A Unilever Andina na Colômbiavem aplicando também políticas de re-estruturação neste país, por meio da

mudança da maior parte de sua pro-dução para fábricas no Valle del Cau-ca. Lá a mão-de-obra é contratadaatravés de cooperativas de trabalhoassociado em que os trabalhadoresrecebem salários menores e não po-dem exercer seu direito de associa-ção sindical e negociação coletiva. Noplano de reestruturação na Colômbia,foram fechadas e transferidas unida-des e demitidos trabalhadores.

A atuação da empresa na áreaambiental tem sido implementar no-vas tecnologias que diminuam os im-pactos ambientais – tratar e recupe-rar água utilizada nos processos deprodução em suas fábricas em Bogo-tá e Valle del Cauca e atuar em con-formidade com a legislação colombi-ana. A Unilever não adota na Colôm-bia, portanto, o mesmo comportamen-to anti-sindical da Coca-Cola e daNestlé, mas opera no mesmo contex-to político adverso. Adiciona-se aquicom um complicador: a estratégia glo-bal de reestruturação constante. Comisso, as pressões sociais são dificul-tadas, o papel das partes interessa-

das acaba sendo fragilizado e o diálo-go social nunca é estabelecido embases permanentes.

No Equador, atualmente a Uni-lever emprega trabalhadores por inter-mediação e terceirização. Não há or-ganizações sindicais para interferir ouquestionar este tipo de contratação.Não é possível afirmar se existem or-ganizações do tipo “comitês de em-presa” ou associações de emprega-dos. No caso da Unilever, podemosconsiderar que o comportamento des-sa empresa no Equador é pouco vol-tado para as partes interessadas. Afragilidade do movimento sindical e dasações do Estado fazem o ambienteequatoriano pouco resistente às polí-ticas agressivas de reestruturação ede implementação de ações ambien-tais de parte da empresa. Não há mui-ta informação a respeito das políticasde meio ambiente da Unilever Equa-dor. Sabe-se que é uma das grandesconsumidoras de energia elétrica nopaís, inclusive com fontes de energiapoluidoras (diesel, bunker, etc) de ge-radores elétricos.

Fachada da Unilever em Vinhedo, São Paulo

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ISO 26000

Norma deResponsabilidade

Social entra emnovo estágio

Regina Queiroz *

Os meses que antecedem setembrode 2008 serão decisivos para que os

diversos segmentos interessadosproponham mudanças significativas

no texto da norma.

Representantes brasileirosO IDTF – grupo para consolidação do texto da norma é composto

por 22 membros ativos, mantendo equilíbrio entre países emdesenvolvimento e os desenvolvidos. Os brasileiros que fazem partedo grupo são: Clóvis Scherer, do Dieese (Departamento Intersindicalde Estatística e Estudos Socioeconômicos), como representante dostrabalhadores; Aron Belinky, secretário-executivo do GAO, comorepresentante das ongs, e Gustavo Ferroni, do Instituto Ethos, suplentede Aron Belinky.

A 5ª Conferência Internacional do Grupo deTrabalho da ISO 26000 de ResponsabilidadeSocial, realizada em Viena, Áustria, no iníciode novembro de 2007, estabeleceu mudançasno processo de elaboração da norma. Apósmais de 7.200 comentários sobre o terceiroesboço (working draft – WD3), foi criada umaforça tarefa (Integrate Draft Task Force – IDTF)para organizar um texto consistente em quesejam solucionadas as superposições, oequilíbrio e consolidação dos capítulos.

A criação desse grupo foi precedida porum forte debate na plenária sobre a seqüênciado processo: ou se realizava mais um estágiode comentários e consultas abertas (WD4) ou

se seguia ao patamar seguinte (Commitee Draft– CD), no qual as elaborações são feitassomente por país, não mais com todos osespecialistas, e devem ser apresentadas porconsenso/país. Esta fórmula é prejudicial parapaíses onde os comitês espelhos são frágeis emsua composição e, no caso da participação dostakeholders trabalhadores, mais ainda porqueem muitos casos essa representação não estáparticipando.

Com a decisão de realizar o WD4 –portanto, mais uma rodada de comentários –, afinalização do processo está prevista para 2010.Mas há a possibilidade de que esse prazo sejaabreviado na próxima conferência, que será

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Atuação dostrabalhadores

A 5ª ConferênciaInternacional do Grupo deTrabalho da ISO 26000,realizada no início denovembro de 2007 emViena, teve um númerorecorde de representantesna história da ISO.Compareceramaproximadamente 390especialistas, vindos 78países e de 38 organizaçõesinternacionais. O segmentodos trabalhadores é o menorrepresentado em númerosabsolutos (apenas 13especialistas e trêsobservadores), mas, mesmoassim, teve uma atuaçãodecisiva no processo, comum posicionamento quecontribuiu para as principaisdecisões tomadas pelaPlenária.

* Coordenadora de Responsabilidade Social Empresarial do IOS.

realizada em Santiago em setembro de 2008. Operíodo até lá será bastante importante e exigiráparticipação ativa de todas as partesinteressadas. É praticamente o último momentoa possibilitar, de forma individual, mudanças maissignificativas no texto.

Comitê EspelhoEntretanto, verdadeiramente importante é

a ampliação e a consolidação do comitê espelhonacional. O comitê espelho é a composição deum grupo com representação dos seisstakeholders – trabalhadores, governo, indústria,ongs, consumidores e outros (academia,consultores) – que segue o modelo internacionaldo Grupo de Trabalho da ISO 26000. Todas aspartes interessadas podem e devem convidar omaior número de participantes de sua área deatuação para os debates e as definições a seremapresentadas.

Um desafio posto para o comitê espelho éo exercício da busca pelo consenso. Uma vez queo próximo estágio do processo é a apresentaçãopara o nível internacional das propostas porconsenso-país, e não mais por especialistas dosstakeholders, os debates em torno de algunstemas e/ou procedimentos deverá exigir muitaparticipação, empenho e negociação no sentidode buscar garantir os interesses dos váriossegmentos ajustados sob o guarda-chuva daResponsabilidade Social.

A importância deste comitê transcende aelaboração da norma em seu estágio atual. Umcomitê espelho completo e ativo terá tambémcomo foco a discussão e o acompanhamento daimplantação da norma. E é nesse momento, aimplantação, que reside o potencial de êxito eexpectativa do esforço empreendido até omomento por tantos países e tantos segmentosda sociedade.

A ABNT (Associação Brasileira de NormasTécnicas) é representante oficial do Brasil na ISO.Para a ampliação e consolidação do ComitêEspelho Brasileiro da ISO 26000, a entidade, pormeio da Comissão de Estudo Especial deResponsabilidade Social (ABNT/CEE/RS), está

ampliando o grupo de trabalho da ISO 26000,do qual participarão os atuais membros dadelegação brasileira e também vários outrosrepresentantes dos grupos de stakeholders aserem escolhidos em um processo aberto etransparente. Mais informações [email protected] ou [email protected] entrar em contato com a ABNT/CEE/RS:[email protected].

Todos os documentos sobre a ISO 26000,o texto do esboço do trabalho (conteúdos ecapítulos da norma) e os resultados da primeirareunião do IDTF, ocorrida em janeiro, estãodisponíveis em www.iso.org/wgsr

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Discursoavançado,

práticaatrasada

Estudo da RedLat apontadiscrepância entre as declaraçõesoficiais da empresa sobre respeito

aos direitos do trabalho e a realidadenas suas fábricas em vários países.

UNILEVER NA AMÉRICA LATINA

Fábrica da Unilever na Holanda.

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sem justa causa para reduzir seu efetivo.No Brasil, em 2005 a Unilever anunciou o fechamento

da fábrica de sorvetes Kibon, localizada na cidade de SãoPaulo, e a transferência de parte da produção para a unida-de de Jaboatão (PE). Não houve diálogo prévio com o sindi-cato. A empresa entende que essa é uma decisão corpora-tiva ligada ao negócio, e que não deve ser partilhada comsindicatos ou qualquer outro stakeholder. Nas diretrizes daOCDE, na parte relativa às relações de trabalho, recomen-da-se à empresa negociar com os trabalhadores toda equalquer mudança que afeta suas vidas, como o fechamen-to de fábricas e o deslocamento de linhas de produção.

É verdade que a política da empresa é a de buscarrealocar os empregados em outras unidades, mas a opçãoé avaliada pelo sindicato como complexa, dada a distânciaentre São Paulo e Jaboatão (cerca de 2.600 quilômetros).Além disso, a recolocação só se dará a partir do que sechama “job posting”: o trabalhador deve prestar um concur-so interno para avaliação de seus conhecimentos na fun-ção solicitada em outra unidade, ainda que seja a mesmafunção exercida atualmente.

Esse procedimento foi o mesmo adotado quando dofechamento da unidade de Vespasiano (MG), de produtosde limpeza, ocorrida em 2003. Naquela ocasião houve dis-pensa de 300 trabalhadores e poucos foram reaproveita-dos. Também em Vinhedo (SP), a linha de creme dental foitransferida para a unidade de Pernambuco com a dispensade aproximadamente 150 empregados.

A reestruturação afetou negativamente os trabalhado-res da Unilever no Chile. Nos últimos oito anos a empresafechou fábricas e demitiu aproximadamente 2 mil emprega-dos. Em dezembro de 2004, anunciou o fechamento de três

Em diversos documentos corporativos, a Unilever ma-nifesta respeito aos direitos do trabalho. Entretanto, a práti-ca é bem distinta. Sua estratégia de negócios não permiteconsolidar relações de trabalho sólidas nem reconhecer ostrabalhadores e suas instâncias de representação como in-terlocutores fundamentais e permanentes. A conclusão éde um estudo inédito realizado pela RedLat – Rede Latino-Americana de Pesquisa em Empresas Multinacionais. Ofechamento de fábricas da empresa no Chile, na Colômbiae no Brasil confirma essa avaliação.

Realizado em 2007 pelos centros de pesquisa partici-pantes da RedLat – da qual faz parte o Instituto Observató-rio Social –, o estudo teve apoio da central sindical holan-desa FNV. Seu objetivo era analisar o comportamento soci-al e trabalhista da corporação anglo-holandesa em váriospaíses latino-americanos, no contexto de uma reestrutura-ção produtiva sem precedentes entre as grandes multinaci-onais do setor de alimentos e higiene e beleza. Foram ob-servados os impactos dessas mudanças nas condições detrabalho dos empregados e dos vinculados à cadeia de pro-dução.

A Unilever se aproveita de situações de maior debili-dade político-institucional, como os casos de países comoColômbia e Peru, para promover a subcontratação e a ter-ceirização da produção e da mão-de-obra. Dessa forma,cria situações gritantes de desigualdade quanto a direitos econdições de trabalho. Há os trabalhadores diretamente con-tratados, com padrões laborais mais elevados, e aquelescontratados pelas empresas terceirizadas e/ou através decooperativas de trabalho, com benefícios e direitos rebaixa-dos.

Em países como o Chile e o Brasil, o problema estána diferença de salários e benefícios entre as fábricas dasdiferentes divisões e unidades de negócios localizadas emdiferentes regiões. Também há vários problemas relativos àliberdade sindical e à negociação coletiva. A empresa nãopermite a livre organização dos trabalhadores no local detrabalho e dificulta ao máximo o acesso dos dirigentes sin-dicais. No caso da negociação coletiva, destaca-se a difi-culdade dos sindicatos em ter acesso às informações míni-mas.

Reestruturação produtivaA reestruturação produtiva na Unilever é um processo

permanente de redução de custos e ganhos de eficiência,com a diminuição do efetivo e o fechamento (ou desloca-mento) de linhas de produção e fábricas. Na Colômbia, em2000, a empresa fechou a fábrica de sabonetes em Bogotáe transferiu a produção para a fábrica Varela, onde os traba-lhadores são terceirizados e ganham 50% menos que ossindicalizados. Em 2002, repetiu a tática e mudou a fábricade margarina de Bogotá ao Vale de Cauca, provocando aperda de 150 empregos. A compra da fábrica Disa em Calitambém levou a prejuízos aos trabalhadores. Muitos renun-ciaram a seus empregos em troca de incentivos econômi-cos. Isso evitou que a empresa recorresse a demissões Fábrica da Alicorp (Unilever) no Peru.

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fábricas, com a conseqüente demissão de 250 trabalha-dores, dos quais 180 são representados pelo SindicatoNº 1 Unilever Chile. A produção de cremes dentais (Pep-sodent, Signal, Mentadent C e Close Up) deve ser trans-ferida pra as fábricas da empresa no Brasil; a de sabone-tes e desodorantes (Rexona, Dove e Axe), para o México;a linha de detergentes líquidos (Quix, Vim, Soft, Cif, Dri-ve) poderá ser terceirizada no Chile, se aprovada por estu-dos de viabilidade, ou então para a Argentina.

Na Argentina, o fechamento da empresa Cica, loca-lizada na província de Mendoza, para transferência de suasoperações ao Brasil e ao Chile, deixou 110 empregadosfixos e 160 trabalhadores temporários sem trabalho. Amudança implicou uma perda anual de 4 milhões de dóla-res para os produtores da região, equivalente a 15% daprodução local de tomates. Em 2003 a divisão de alimen-tos da Unilever Bestfoods fechou a fábrica de La Cocha,na província de Tucumán, onde eram produzidos sucosde soja e molhos de tomate. A produção foi transferidapara a fábrica de Pilar, em Buenos Aires. Segundo fontesda empresa, essa medida foi uma resposta à redução deconsumo no Noroeste argentino e deixou mais de 50 tra-balhadores desempregados.

Liberdade sindical e negociação coletivaAs características comuns ao comportamento da Uni-

lever em todos os países considerados, com exceção doMéxico, são a dificuldade de os dirigentes acessarem ostrabalhadores nas fábricas e a debilidade dos sindicatos

na negociação coletiva. Um dos aspectos destacados é afalta de acesso à informação como mecanismo de empode-ramento da empresa e de enfraquecimento dos sindicatos.

Na Colômbia, os dirigentes do SintraUnilever Andinae Sintraimagra assinalam que existe uma cultura anti-sin-dical dentro da empresa, apesar das declarações da altagerência da Unilever proclamando seu respeito à liberda-de sindical. Nos últimos cinco anos a empresa tem blo-queado o acesso à fábrica a vários dirigentes sindicais.No Chile, na Frigosam, os trabalhadores dizem que aUnilever tem práticas anti-sindicais, como ameaça dedemissão e demissões sem justificativa. A empresa fazvaler somente os direitos adquiridos e as vitórias própriasde cada organização sindical.

No Brasil, como a negociação coletiva é local e/ouatravés do sindicato patronal com a federação estadual,as empresas como a Unilever se valem dos dados agre-gados para obter vantagens na negociação coletiva. Ossindicatos, quando muito, conseguem informações ape-nas sobre as suas próprias unidades, o que fortalece aposição da empresa.

No México, os delegados sindicais e as comissõestêm licenças específicas para cumprir com suas funções;o secretário geral tem tempo integral para desempenharsuas atividades dentro da empresa. Não têm ocorrido ca-sos de discriminação contra os trabalhadores por motivossindicais. Também não se verificaram greves nem confli-tos de destaque com a empresa nos últimos cinco anos.

Em breve a íntegra do estudo estará disponível noswebsites da RedLat e do Observatório Social.

Colheita do tomate para a Unilever em Goiás

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CARREFOUR

CGT francesaapóia luta detrabalhadoresbrasileiros doCarrefour

A CGT, maior central sindicalda França, considerou umescândalo inaceitável a açãodo Carrefour e da políciacontra trabalhadores edirigentes sindicaisbrasileiros.

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Dirigentes da CGT da França, em visita à CUT noinício de dezembro de 2007, manifestaram apoio e solida-riedade aos dirigentes sindicais da Contracs/CUT (Confe-deração Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Ser-viços) e do Comitê Sindical Nacional de Trabalhadores noGrupo Carrefour, que sofreram repressão policial com vio-lência durante manifestação pacífica em frente à multina-cional francesa Carrefour.

Bernard Thibault, Phillippe Texier e Hélène Bouneaud,da CGT, se dispuseram a atuar em conjunto com a Con-tracs/CUT e o Comitê para estabelecer um novo canal dediálogo com o Carrefour. Antes da estada de seus dirigen-tes no Brasil, a CGT já havia enviado carta ao diretor geralde Recursos Humanos do Carrefour na França, em queconsiderou um escândalo a atuação violenta e anti-sindi-cal da empresa no Brasil.

Em 30 de agosto de 2007, Contracs e Comitê Sindi-cal Nacional dos Trabalhadores no Grupo Carrefour reali-zaram uma manifestação pacífica em frente ao Centro deDistribuição e loja da empresa na cidade de Osasco (SP).Cerca de setenta pessoas participaram da manifestação,reivindicando a negociação de uma PLR (participação noslucros e resultados) justa e igualitária para os trabalhado-res.

ViolênciaDirigentes da CUT e parlamentares – um deputado

estadual e um vereador de Osasco – participaram e de-ram apoio à manifestação. A mesma transcorria pacífica,

mas foi tratada com truculência e inabilidade pela empre-sa, que chamou a Polícia Militar. Esta foi ao local e con-versou tranqüilamente com os dirigentes da Contracs/CUT.Mais tarde a polícia retornou com muitos carros e motos,agindo com truculência. Mulheres foram agredidas e vári-as pessoas foram ameaçadas por policiais, que jogaramspray de pimenta nos olhos de dois dirigentes do Sindica-to dos Comerciários de Osasco.

Apesar de a presidente da Contracs/CUT avisar aomicrofone “Nós vamos pacificamente recolher nosso mo-vimento”, a polícia continuou sua atuação violenta. Trêspoliciais atacaram inesperadamente, pelas costas, o se-cretário de Relações Internacionais da Contracs e diretordo Sindicomerciários do Espírito Santo, Alci Matos, quefoi agredido publicamente e preso. O secretário de Comu-nicação da Contracs e diretor do Sindicato dos Comerci-ários de Osasco, Luciano Pereira Leite, também foi pre-so.

A violência gratuita contra trabalhadores chocou quemestava presente e repercutiu por meio de entidades sindi-cais internacionais em vários países e veículos de comu-nicação. “O Carrefour não quis dialogar com os trabalha-dores, numa atitude anti-sindical e ainda acionou a polí-cia”, relata Josinete Mara Fonseca, coordenadora do Co-mitê. A comitiva da CGT francesa fez questão de conhe-cer uma filial do Carrefour no Brasil. Representantes doCarrefour estiveram reunidos com os dirigentes franceses,da Contracs e da CUT e aceitaram voltar a dialogar com ocomitê de trabalhadores e a Contracs.

União e diálogo. Foi com esse objetivo que aContracs/CUT criou o Comitê Sindical Nacionaldos Trabalhadores no Grupo Carrefour. Através doComitê, trabalhadores de todo o país manifestamsuas opiniões, fazem denúncias, conhecem as di-ficuldades de trabalhadores da mesma multinaci-onal em outras cidades e buscam estratégias paramelhorar as condições de trabalho no Carrefour.

“O Comitê, composto por sindicatos da Con-tracs de todo o Brasil, que têm na base trabalha-dores/as do Carrefour, procurou a multinacionalpara negociar melhores condições de trabalho ehá um ano vinha dialogando sobre PLR (Participa-ção nos Lucros e Resultados)”, relata Alci Matos,Secretário de Relações Internacionais da Con-tracs/CUT.

As negociações seguiram até que a falta dedetalhamento das metas de PLR e a impossibili-dade de verificar se elas seriam possíveis de cum-prir ou não levaram a um impasse nas negocia-ções e à manifestação de 30 de outubro, em fren-te ao Carrefour em Osasco.

Trabalhadores em rede

Representantes da CGT França, junto com dirigentes daContracs/CUT, do SindProdem e do Sindicato dosComerciários de Osasco, visitam loja do Carrefour.

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Dirigentes sindicais questionam preparo dapolícia e exigem respeito aos movimentos sociais.

A ação ou reação da polícia aos movimentospopulares, sociais e sindicais tem deixadoseqüelas, especialmente nas vítimas dasagressões policiais. E não é só. “A sociedade sepergunta: a polícia não deveria proteger oscidadãos? Porque usar o contingente policial,pessoas e armamentos, contra os trabalhadores?”,questiona Lucilene Binsfeld, presidente daContracs/CUT.

Uma pesquisa rápida na internet revela queesse tipo de ocorrência visita constantemente aspáginas dos jornais, especialmente as dosmovimentos sindical e social. Só em 2007 foramdezenas os casos – conhecidos, sem contar osque não chegam à imprensa – de repressão policialaos movimentos populares. “Há um nítidodespreparo da Polícia Militar para lidar com osmovimentos sociais, populares e de trabalhadores”,avalia José Vanilson Cordeiro, secretário deOrganização da Contracs/CUT.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO“Numa democracia todos têm liberdade de

manifestação. Ir às ruas, reivindicar melhorescondições de vida, empunhar bandeiras, vestircamisetas de luta é direito de todo o povobrasileiro” diz Valeir Ertle, diretor da Contracs e doObservatório Social. Afinal, quem não lembra daimportância das manifestações do movimento“Diretas Já”? Respeito às liberdades individuais e àliberdade de expressão não é o único nó dessahistória. Exercitar o diálogo social é essencial,gritam os fatos.

João Felício, secretário de RelaçõesInternacionais da CUT cita que, para a OIT(Organização Internacional do Trabalho) “o diálogosocial é um meio para alcançar o trabalho decentee produtivo”.

“Estabelecer um diálogo verdadeiro entreempresa e trabalhadores, entre empresa esociedade é crucial para evitarmos essas repetidasações de truculência”, enfatiza Quintino Severo,secretário Geral da CUT, que também participou damanifestação pacífica no Carrefour de Osasco.“Não podemos esquecer que os policiais tambémsão trabalhadores e é inadmissível que trabalhadorvenha a ferir trabalhador. É hora de as forçaspoliciais compreenderem e respeitarem osmovimentos sociais, populares e sindicais”.

Ação lamentável

O Secretário de RelaçõesInternacionais da Contracs/CUT -Alci Matos Araujo - é jogado aochão e preso, após ter sofridoinúmeras agressões.

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Desde que o pesquisador norte-americano Nor-bert Wiener começou seus estudos sobre cibernética nosfinal dos anos 40, cada vez mais organizações empresa-riais e instituições governamentais tem buscado adaptara tecnologia da informação para aumentar a produtivi-dade do trabalho, controlar os lucros e agilizar o pro-cesso de tomada de decisões. A cibernética é uma pala-vra grega, utilizada pelo filósofo Platão, que significa“condutor”, piloto ou governo: isto é, aquilo que dá adireção.

Um mecanismo cibernético é qualquer mecanismo“autogovernado”, não necessariamente um computador.Um termostato, por exemplo, é um mecanismo ciberné-tico que controla uma caldeira. Mas com a invenção doscomputadores nas décadas seguintes e, sobretudo, como microcomputador pessoal da década de 80, o PC dehoje, os mecanismos digitais passaram a ser os gover-nadores de quase todos os mecanismos.

Com o passar dos anos, a palavra cibernética foisendo substituída por computação, depois informática e

CONEXÃO SINDICAL:tecnologia da informação para

o movimento sindical

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Ronaldo BaltarAna Iervolino

atualmente “tecnologia da informação”. Esta mudançano termo ressalta que o que dá direção às ações de má-quinas e pessoas não é apenas um mecanismo físico,mas sim a informação. Governar um processo, isto é,dar a direção a um processo, significa ser capaz de de-ter e dispor das informações necessárias à conduçãodas ações que se quer realizar.

O computador é um aparelho, mas o que é impor-tante mesmo é a informação processada por este apa-relho. Saber utilizar um computador é o caminho para

gerenciar a informação, para governar as decisões. Nomundo de hoje, disputar a governabilidade das decisõessignifica saber apropriar-se da tecnologia da informação.

Empresas adiantadasMuitos sindicatos sabem da importância dos com-

putadores e têm investido na capacitação de dirigentese de trabalhadores, bem como na instalação de equipa-mentos. Mas muitos ainda não perceberam a importân-cia da tecnologia da informação para a ação sindical.Em uma pesquisa realizada pelo Observatório Social noúltimo CONCUT, 57% dos dirigentes sindicais não sa-biam o e-mail do sindicato ao qual pertenciam e 70%não souberam dizer se o seu sindicato tinha ou não pági-na na internet.

Mesmo entre aqueles que sabem da importânciada informática, é comum pensar no computador comoum substituto de equipamentos de escritório: um mistode máquina de escrever com calculadora e fax. A inter-net é usada pela maioria para troca de mensagens, leitu-ra de jornais, consulta de informações, realização deserviços bancários e compras de modo geral. Parecebastante novidade, mas será que as empresas investiri-am milhões anualmente na informatização de suas uni-dades para modernizar dois ou três equipamentos deescritório, agilizar compras, facilitar a leitura de jornais eo envio de cartas?

Certamente a tecnologia da informação tem um po-tencial muito maior. Trata-se da gestão do conhecimen-to, da condução dos processos de decisão e do quedelas decorre. Para o movimento sindical, apropriar-seda tecnologia da informação significa entrar na disputapela democratização na sociedade no século XXI.

Atualmente, quase todos os processos gerenciaisem uma empresa são informatizados, quer dizer, sãoarmazenados, sistematizados e disseminados por pro-

NOS ÚLTIMOS QUINZE ANOS, AINFORMÁTICA TEMTRANSFORMADO EMPRESAS EGOVERNOS NO BRASIL E NOMUNDO. E OS SINDICATOS, ESTÃOACOMPANHANDO ESTA MUDANÇA?

Sindicalistas aprendem a usar o ambiente virtual

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gramas de computadores (software).Estes programas auxiliam a tomadade decisão, corrigem falhas, facilitama colaboração e permitem a recupe-ração rápida de conhecimento acu-mulado. Se as empresas utilizam com-putadores em sua plena potencialida-de e sindicatos se limitam a utilizar osmesmos computadores como máqui-nas de escrever e caixas postais paratroca de e-mail, então essa disputa setornará cada vez menos favorável aostrabalhadores.

Diversas entidades já estão re-cuperando o terreno perdido e seapropriando da tecnologia da infor-mação como instrumento para a açãosindical. E o investimento necessáriopara isso? Exatamente contra a concen-tração econômica em torno da propri-edade dos programas de computador,que afinal são feitos pelo acúmulo deconhecimento de várias pessoas, existeum movimento de software livre.

Dentro destes princípios, desde2003 o Observatório Social desen-volve o projeto Conexão Sindical,uma plataforma para colocar a tec-nologia da informação a serviço dostrabalhadores.

Conexão Sindical:uma solução concreta

O projeto Conexão Sindicalatua por meio de um ambiente virtu-al em que os usuários registrados têma possibilidade de fornecer informa-ções, e não apenas ter acesso aomaterial publicado, como ocorre nossites de organizações sindicais, deagências de notícias, dentre outros.A plataforma permite ainda a forma-ção de redes, incentivando a articu-lação entre pessoas – sejam dirigen-tes, trabalhadores ou pesquisadores– para a ação sindical.

Com base na experiência da uti-lização do sistema, no ano de 2007foi criado um novo ambiente virtual,mais intuitivo e atrativo. Cada usuá-rio, a partir do momento em que seregistra, possui um blog dentro dosite do Conexão Sindical, de formaque todos os textos que publica apa-recem nesta página. Esses textos pu-blicados podem ser em forma de ar-tigos, dúvidas, informes ou qualqueroutra através da qual os usuários pre-firam trocar informações pertinentesao meio sindical.

Um novo texto publicado no

blog de um usuário assume posiçãode destaque na capa do site Cone-xão Sindical, e pode ser comentadopelos visitantes, gerando possibilida-des de discussão de um tema. Osdebates podem ser mais explicita-mente propostos por meio da cria-ção de grupos de discussão públi-cos ou privados, de acordo com aescolha do seu propositor. Atualmen-te há grupos com temas de alta rele-vância, demonstrados nos títulos, porexemplo:

· A importância dainformática na açãosindical· A mídia faz a cabeça dotrabalhador?· Danos morais nasrelações de trabalho· Jornada de trabalho enegociação coletiva· Mulheres sindicalistas· A importância dajuventude no movimentosindical

O novo site, no ar desde se-tembro, vem ampliando o número deacessos a cada semana – atualmen-

O ambientevirtual foireformuladopara se tornarmais intuitivo eatrativo

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te são 800 visitas por dia. Desde sua criação o site játeve mais de 43 mil visitas, a maioria, por usuários dediferentes partes do Brasil, mas há também acessos deoutros 71 países, distribuídos pelos cinco continentes.

Além dos recursos já expostos, novas ferramentasserão disponibilizadas. Um exemplo é um banco de ví-deos, em que alguns temas serão rapidamente apresen-tados para promover discussões e apresentar um poucodas pesquisas desenvolvidas pelo Observatório Social.Em breve, o sistema contará também com uma bibliote-ca virtual, onde poderão ser encontrados os estudos,artigos e reportagens produzidos. Futuramente os usuá-rios poderão também promover reuniões virtuais ou par-ticipar das que forem propostas pelo Observatório So-cial, através de uma ferramenta de interação simultânea.A busca de informações poderá ser feita ainda em umbanco de notícias, organizado desde 2002.

OficinasFundamental para o desenvolvimento do projeto é

a realização de oficinas com trabalhadores e dirigentes.Nelas são apresentadas as ferramentas do site e as pos-sibilidades do uso da tecnologia da informação para aação sindical. A experiência muitas vezes detecta possi-bilidades de melhorias que podem ser demandadas parao alcance dos objetivos propostos. Essa atividade podeser planejada para diversos tipos de público – desde

participantes que já são usuários da internet àqueles semfamiliaridade com ferramentas de tecnologia da infor-mação.

Desde a implantação da nova plataforma, foramrealizadas três oficinas em parceria com a Secretaria deFormação da CUT São Paulo e com a Escola São Pau-lo, totalizando 40 participantes. As duas primeiras fo-ram em setembro: uma na capital paulista e a outra, emSanto André. A terceira foi em Guarulhos, em outubro.Houve ainda a demonstração das ferramentas do proje-to durante a 7ª Conferencia Pesquisa & Ação Sindical,promovida pelo Observatório Social em dezembro desteano, em São Paulo.

Conexão Sindical e CUTPara o presidente da CUT e do IOS, Artur Henri-

que da Silva Santos, nestes dez anos de existência doObservatório Social, uma das contribuições principaispara a organização sindical dos trabalhadores foi na ques-tão da comunicação. Ele frisa a importância da troca deexperiências e informações entre os dirigentes sindicais:“Nesse sentido o projeto Conexão Sindical é um instru-mento extremamente eficaz, que deve ser usado comouma arma para a ação sindical”. Em breve, um vídeocom a íntegra deste depoimento e outros vídeos estarãodisponíveis para serem vistos e comentados no site doConexão Sindical. Participe!

Participantes de oficina do projeto Conexão Sindical

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A Universidade Global do Trabalho (GLU eminglês) é uma rede de instituições de ensino que ofereceum programa inovador voltado para o estudo crítico sobreo mundo do trabalho. Financiada pela OIT com parceiroslocais e regionais, oferece cursos de mestrado em trêspaíses: Alemanha (Políticas Trabalhistas e Globalização),África do Sul (Trabalho e Desenvolvimento, PolíticaEconômica, Globalização e Trabalho) e Brasil (EconomiaSocial e Trabalho, na Unicamp). Em 2008 está previstoo início de um novo curso na Índia.

O Instituto Observatório Social é uma das entidadesparticipantes da GLU, projeto apoiado pelo movimentosindical internacional. Três pesquisadores do IOS contamcomo foi ou está sendo a experiência acadêmica e avivência multicultural. Felipe Saboya fez parte da terceiraturma, que em 2006 e 2007 estudou na Universidade deKassel e na Escola de Ciências Econômicas de Berlim.Daniela Sampaio freqüentou a Universidade deWitwatersrand, em Johannesburg. E Luciana Hachmannestá no início do curso na Alemanha.

UNIVERSIDADE GLOBAL DO TRABALHO

Três visões sobreum projeto inovador

Pesquisadores do IOS contamsobre sua participação em

cursos de mestrado naAlemanha e na África do Sul.

Mais informações:http://www.global-labour-university.org/

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Felipe Saboya

No início de setembro de 2006, 21 pessoas dos qua-tro cantos do mundo se reuniram na Alemanha com umobjetivo em mente, entre outros: conhecer mais sobre omundo do trabalho e levar essa nova bagagem de volta paraa luta diária em seus países. Eu era uma delas. Possoresumir os 13 meses de passagem pelo curso em três pon-tos principais: o aprendizado acadêmico do curso em si, aincrível troca de experiências entre os participantes e a vi-vência em um país com uma cultura bem diferente.

O aspecto mais interessante do curso é a sua multi-disciplinaridade. Por ser focado no mundo do trabalho, lidacom assuntos ligados a diferentes áreas, como ciência po-lítica, economia e sociologia. Não importa a formação, to-dos tiveram acesso a pelo menos algum campo novo. Comoengenheiro de produção, o curso me possibilitou conhecernovos horizontes, diferentes perspectivas dentro da temáti-ca, o que acredito ter sido muito importante para a minhaatuação profissional. Mais ainda, pude aprender sobre to-dos esses temas através do ponto de vista europeu – tantoem relação aos acadêmicos quanto à bibliografia. Isso mepossibilitou ter um olhar a mais frente a temas globais co-nhecidos, ampliando o prisma de sua interpretação.

O nosso grupo era variado em muitos aspectos, comoidade, formação, área de atuação, ideologia, o que fez sermais rica ainda a troca de experiências. Aprendi, por exem-plo, desde a estrutura sindical de países africanos, pas-sando pela situação econômica e social dos ex-países so-viéticos atualmente até a longínqua culinária coreana. Hoje,quando leio alguma notícia sobre os países de origem demeus colegas, tenho a clara sensação de proximidade, por

Novos horizontessaber exatamente quais são seus problemas – e que mui-tos deles são comuns a nós brasileiros. Problemas locais,mas de motivações globais. Além disso, fazia constante-mente o papel de um embaixador brasileiro, na medida emque dava informações detalhadas sobre o nosso país, ta-manha era a curiosidade do grupo. Nessa empreitada, al-guns passaram a conhecer o Instituto Observatório Sociale outros – principalmente da Europa – já eram familiares ereconheciam o nosso trabalho, o que foi muito gratificante.

Por último, fui positivamente surpreendido pela Ale-manha, principalmente pelo povo alemão. A idéia de um povofrio e distante caiu por terra logo nos primeiros dias. Osalemães que conheci foram bastante receptivos e interes-sados em outras culturas. Pude perceber isso com maisintensidade em Berlim, cidade bastante peculiar, fusão dedois mundos antes completamente distintos.

Após a queda do muro, a cara da população mudou.Muitos alemães desempregados saíram e muitos estran-geiros curiosos chegaram, tornando a cidade bastante mui-to cosmopolita. O que não quer dizer que a meticulosa or-ganização alemã tenha sido abandonada. Em todo lugar,as regras são criadas para os cidadãos e acima de tudorespeitadas pelos próprios. Isso se refletia também para ostrabalhadores. Por isso, no dia a dia eu percebia e me con-vencia de que, apesar de também ter seus problemas, éuma sociedade que funciona. Refletia sobre isso diariamen-te, tentando olhar nossa sociedade de fora. Na volta ao meupaís, sinto agora que isso me ajuda a entender melhor nos-sas mazelas e me dá mais subsídios como um cidadãopara combatê-las.

Felipe Saboya (decamisa azul),pesquisador do IOS,com colegas demestrado da África,Ásia e Leste Europeu

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Os choques culturais, o contato com diferentes lín-guas, costumes, rotinas, culinárias estão definitivamentedentro do pacote de uma experiência internacional. Pou-cos são os exemplos que me recordo serem tão ricos eminformação e aprendizado como morar, estudar e debaterrelevantes temas políticos, econômicos e sociais com 19estudantes de diversos cantos do mundo. Trata-se do mes-trado sobre as Políticas de Trabalho e Globalização, queestou cursando desde setembro de 2007 na Alemanha.

Organizado pela Universidade Global do Trabalho, esteprograma tem o objetivo de promover a qualificação de líde-res sindicais e/ou pessoas envolvidas com temas traba-lhistas. Os principais temas estudados referem-se a ques-tões de política social e econômica, tais como emprego,proteção social e implementação de padrões internacio-nais de trabalho. A proposta do curso é que estes estudan-tes retornem a seus países e apliquem os novos coneitose práticas aos quais foram expostos. É um período de ca-pacitação, aprendizado e troca de experiências com pes-soas outros países.

Estou morando atualmente em Kassel, onde os pri-meiros seis meses do curso são ministrados. Está locali-zada perto de Frankfurt e sua população é de 192 mil pes-soas, das quais 17 mil estudantes. A partir de abril de 2008,todos os estudantes deste mestrado se mudam para Ber-lin para completar os seis meses restantes do curso. Kas-sel é pequena, bem estruturada e oferece ótimas condi-ções de vida aos universitários. Não é uma cidade muitocara em relação a outras na Europa e está localizada num

Aprendizado multiculturalLuciana Hachmann

ponto estratégico do mapa Alemão – caso a intenção sejadesbravar o país utilizando o impecável sistema de trans-porte regional.

A cultura alemã é bem diferente da brasileira e tenhocerteza disso a cada dia que passa. É impressionante comoficamos mais patriotas quando estamos fora do nosso país.É claro que morar num país desenvolvido tem seus incontá-veis méritos como segurança, infra-estrutura, melhores ins-tituições de ensino e por aí adiante. Apesar de a culturaalemã ter seus pontos fortes e também aqueles questioná-veis, a parte mais interessante de fazer este curso eu en-contro dentro da sala de aula e em casa. Me refiro ao con-vívio diário com meus colegas de tantos países diferentes.Cada um tem uma perspectiva diferente sobre a vida, cos-tumes e maneiras de se expressar. A língua central é oinglês e felizmente, a fluência do idioma garante a boa co-munição entre as pessoas.

Todos os estudantes moram no mesmo prédio. O con-vívio com os estudantes da Malásia, Palestina, Rússia eaqueles que pertenciam à antiga União Soviética, comoUcrânia e Quirguistão, tem sido a experiência mais ricapara mim. O aprendizado vai desde a maneira diferente deas pessoas se expressarem até a história e os desafioseconômicos, políticos e sociais destes países.

Em relação ao aprendizado sobre questões trabalhis-tas e ao conteúdo do curso, não tenho dúvidas que os paí-ses em desenvolvimento como Brasil e África do Sul têmmuito a acrescentar e apimentar as discussões em sala deaula e seminários afora. Existe sempre o conflito ideológico

entre aqueles que nos analisam de longe, comolhar de colonizador, e nós, que lutamos por umlugar ao sol. Devido à formação acadêmica eprofissional dos alunos deste curso, o posicio-namento ideológico esquerdista é predominan-te. De qualquer forma, os conflitos ideológicossão recorrentes porque viemos de ambientesculturais diferentes.

Em resumo, estes três meses que passa-ram foram definitavemente um mar de aprendi-zado e a estrutura do programa nos possibilitaobter uma abordagem acadêmica sobre os de-safios atuais dos atores sociais. Entendo queeste é um dos grandes desafios deste progra-ma: promover uma abordagem e análise acadê-mica acerca de problemas atuais dos nossospaíses, principalmente no que se se refere aquestões sociais e trabalhistas, para este grupode estudantes que não tem necessariamente umperfil acadêmico, mas sim militante. Este é odesafio que irei acompanhar. De qualquer forma,ainda tenho muito a desvendar.

Luciana Hachmann espera ônibus paraa Universidade de Kassel, Alemanha

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Minha avó me perguntou: “Onde você vai, minha fi-lha? Pra África do Sul!! Onde fica isso?... Por que num vaipara a Europa?Dizem que lá é tão bonito!!!! A África não éum lugar perigoso?” Bom, com certeza esse último comen-tário da minha avó estava associado com os estereótipos,os nossos preconceitos e tudo mais que a mente do serhumano consegue criar sem refletir sobre.

Para mim, no período que antecedeu a viagem, a no-ção de que a África do Sul era um lugar inseguro estavaconectada com a história do Apartheid1, mas principalmen-te com as notícias dos jornais, nada animadoras. Além dis-so, em todas as conversas com colegas que haviam visita-do o país o tema violência sempre aparecia. Mesmo assimembarquei. Claro! Carregando todos os amuletos da sortepossíveis e uma boa dose de coragem.

Faz um ano que pisei pela primeira vez na África doSul, mais precisamente em Johannesburg (Johannes paraos mais íntimos). Confesso que o destino me reservou areceptividade do povo africano e a violência passou longeda paulistana que infelizmente já está acostumada a convi-ver com a insegurança diária.

Quando me perguntam qual foi o legado de minha es-tada, digo rapidamente que no decorrer dos quase 11 me-ses tive a oportunidade de apreender muitas coisas na salade aula. Como o inglês, que era péssimo e ficou um poucomelhor; o mestrado, que me aprofundou no tema de desen-volvimento, relações trabalhistas e investimento estrangei-ro, área na qual desejo continuar.

Todavia, sem dúvida, o que trouxe de mais valioso nãoaprendi nos livros, mas no contato diário com o povo sul-africano. Sua história é regada com muito sofrimento, devi-do às segregações associadas a inúmeras questões comoa cor da pele, a língua, a religião, etc. Esse contato foiampliado quando conheci pessoas de todo o continente:Nigéria, Eritréia, Congo, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Bot-suana, Zâmbia, Zimbábue, Gana, Costa do Marfim, Ango-la, Moçambique, Uganda, Togo etc. Isso foi possível por-que tive a oportunidade de residir na moradia estudantil,

1 O Apartheid foi uma política de segregação racial na África do Sul que teve início ainda no século XVII,momento os colonizadores chegados da Holanda colocaram em prática a separação entre brancos enegros. Essa política se tornou oficial em 1948, quando se instituiu uma lei deixando explícitas as res-trições aos negros. O Apartheid terminou em 1994.

2 O ‘Black Economic Empowerment’ (BEE) é um programa econômico cujo objetivo é fazer desapareceros desequilíbrios entre brancos, negros, indianos e mestiços (colours) – e dessa forma repartir o po-der econômico e financeiro com a maior fatia dos cidadãos do país, a população negra.

África do Sul?!Que país é este?

Daniela Sampaio

onde se localizavam os estudantes vindos de outras regi-ões da África. Dessa forma, além de me aprofundar nostemas de relações trabalhistas, impactos da globalizaçãoe desenvolvimento humano, também compreendi um poucomais sobre as questões políticas, sociais e culturais detodo o continente.

Também foi de extremo valor viver em uma sociedadena qual o dia a dia é dominado pelos conflitos sociais, es-sencialmente raciais. Isso me permitiu perceber como é arotina dos cidadãos de um país que procura, através depolíticas de ação afirmativa2 ou pela implantação da consti-tuição mais democrática do mundo, superar os duros anosde segregação racial. Além disso, também presenciei aimensa imigração de pessoas advindas de países em guer-ra ou extremamente pobres do resto do continente para aÁfrica do Sul. Sem falar dos problemas relacionados comos índices alarmantes de HIV que assombram a vida dopovo africano, tornando-se atualmente um dos desafios cen-trais para as políticas governamentais que visam o desen-volvimento da região.

Por fim, considero que a Global Labour University éum programa inovador e sensacional, por permitir essa tro-ca de experiência internacional entre pessoas que traba-lham com questões trabalhistas, o que amplia os horizon-tes e o entendimento do mundo no qual se vive.

Contudo, é importante reconhecer a existência de fa-lhas que devem ser sanadas ao longo do tempo. O proble-ma principal, a meu ver, é como fazer com que as experiên-cias desses estudantes sejam utilizadas nacionalmente einternacionalmente em prol de um novo sindicalismo. E queassim elas sejam verdadeiros instrumentos de suporte paraa reformulação dos sindicatos burocráticos e de auxílio paratransformar a OIT em uma instituição na qual os trabalha-dores tanto do Norte quanto do Sul tenham mais espaço derepresentatividade.

P.S.: Quem quiser saber um pouco mais da minhaestada na África do Sul pode entrar emhttp://www.daniafricadosul.blogspot.com/

Daniela Sampaio no Museu do Apartheid

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