organização dos poderes
TRANSCRIPT
I - DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES
1. As funções do Estado
Desde a antigüidade, com Aristóteles, já se havia identificado
três atividades exercidas pelo Estado como meio para se alcançar a felicidade humana.
Eram elas a: função administrativa, legislativa e judicial.
2. A Separação dos poderes
Em tempos mais recentes, deve-se a John Locke a teoria
original da separação dos Poderes do Estado, quando aquele filósofo inglês, na célebre
obra Two treatises of government, surgida em 1690, sustentou os princípios de liberdade
política da gloriosa revolução inglesa de 1688 e impugnou o absolutismo real.
Inspirado em Locke, Montesquieu defendeu a idéia de poder
limitado, Em sua também célebre obra De I'esprit des lois, o escritor francês admitiu que
o homem investido no poder tende naturalmente a dele abusar até que encontre limites.
E afirmou que o poder só pode ser limitado pelo próprio poder (te pouvoir arrête le
pouvoir). Assim, sustentou a necessidade de um outro poder capaz de limitar o próprio
poder. Disse que no Estado existem três poderes, a saber, o poder legislativo, o poder
executivo e o poder judicial, incumbidos do desempenho de funções distintas:
respectivamente, a função de legislar, a função de administrar e a função de julgar. E
atentou para o fato de que, num Estado, para que exista liberdade política, é imperioso
que estes três poderes não estejam reunidos na mão de um único órgão. É necessário,
pois, que eles se repartam por entre órgãos distintos, de sorte que possa cada um deles,
sem usurpar as funções do outro, impedir que os demais abusem de suas funções.
Montesquieu, portanto, preconizou fundamentalmente, para além de uma divisão de
funções, a idéia de uma recíproca limitação dos poderes, e isso só era possível num
ambiente em que os poderes distintos fossem exercidos por órgãos também distintos.
Seu pensamento muito influenciou na elaboração da Constituição norteamericana de 17
de setembro de 1787.
Foi, contudo, na Revolução francesa que a doutrina da
separação tornou-se, definitivamente, dogma universal. Com efeito, no art. 16 da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se afirmou que
"Toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada
a separação dos poderes, não tem constituição".
A Constituição Federal de 1988, seguindo a diretriz política das
Constituições que lhe precederam, consagrou o principio da separação dos Poderes (art.
2º) como um aspecto fundamental e estruturante do Estado brasileiro, a ponte de torná-
lo imutável em face da competência constitucional reformadora (CF, art. 60, § 4º, inciso
III).
3. Teoria dos Freios e Contrapresos
A idéia fundamental da doutrina da separação dos poderes é a
contenção do poder. Daí, fácil perceber-se que o princípio da separação dos poderes é,
senão de todas, uma das principais garantias das liberdades públicas. Sem a contenção
do poder, o exercício ilimitado do poder desborda para práticas iníquas e arbitrárias,
pondo em risco as liberdades. Ao revés, poder limitado é liberdade garantida.
Atualmente, entre nós, a separação dos poderes se assenta na
independência e na harmonia entre os órgãos do Poder político. Isso significa que, não
obstante a independência orgânica, no sentido de não haver entre eles qualquer
subordinação ou dependência no que tange ao exercício de suas funções, a Constituição
Federal instituiu um mecanismo de controle mútuo, onde há "interferências, que visam
ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio
necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o
desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados".
Esse sistema de interferências recíprocas, encerrado na
conhecida fórmula checks and balances, já havia sido apontado por Montesquieu, como
acima mencionado, como uma providência necessária para que um poder pudesse
limitar outro poder.
No Brasil, esse sistema de controle mútuo é revelado,
exemplificativamente, pelo poder que têm os órgãos do Judiciário de declarar a
inconstitucionalidade das leis e atos normativos do poder público, quando estes e
aquelas ofenderem o texto magno; o poder que têm as chefias do Executivo de vetar
projetos de leis aprovados pelo Legislativo, quando estes forem inconstitucionais ou
contrários ao interesse público e, de um modo geral, de participarem do processo
legislativo, seja pela iniciativa legislativa que têm, seja pela prerrogativa de solicitar
urgência na tramitação de projetos de leis de suas iniciativas.
4.Funções dos Poderes
4.1. Poder legislativo
a) típica: legislar. Cabe constitucionalmente ao poder legislativo
criar, discutir e aprovar leis (art. 59 da CF/88).
b) atípica: administrar e julgar. O legislativo excepcionalmente
administra, quando, por exemplo, nomeia e exonera servidores de seu quadro
administrativo. Ainda, desempenha o papel de julgar o Presidente da República nos
crimes de responsabilidade (art. 52, II, da CF/88).
4.2. Poder Executivo
a) típica: administrar. É função primordial do poder executivo
administrar o patrimônio público, ao cumprir os ditames da lei.
b) atípica: legislar e julgar. O chefe do poder executivo atua
excepcionalmente como legislador, quando exerce sua competência legislativa ou
quando pratica o veto ou sanção do projeto de lei. Também, julga nos casos em que se
tem, por exemplo, o trâmite de processo administrativo (disciplinar) para averiguar
infração de servidor público. Note-se que nesse caso o julgamento não faz coisa julgada,
como ocorre nas decisões do poder judiciário.
4.3. Poder Judiciário
a) típica: julgar (exercício da jurisdição). A CF/88 deu atuação
una ao poder judiciário, apesar de estruturá-lo em vários órgãos (art. 92 da CF/88).
b) atípica: administrar e legislar. Semelhantemente, como ocorre com o legislativo, o
judiciário, excepcionalmente administra, quando, por exemplo, nomeia e exonera
servidores de seu quadro administrativo. Desenvolve atividade legislativa, quando edita
seu regimento interno ou quando apresenta projeto de lei de sua competência.
II – PODER LEGISLATIVO
1. Órgãos do Poder Legislativo
O Poder legislativo no Brasil é exercido por órgãos próprios e
autônomos, sem que haja hierarquia entre eles. Em razão da forma federal de Estado e
de sua estrutura tríplice, a Constituição brasileira proveu a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios de competência legislativa que a exercem por meio de seus
órgãos legislativos próprios. Por isso, há entre nós órgãos legislativos da União
(Congresso Nacional), dos Estados (Assembléia Legislativa), do Distrito Federal
(Câmara Legislativa) e dos Municípios (Câmara de Vereadores).
1.1. O Congresso Nacional
O órgão do Poder legislativo da União é o Congresso Nacional,
que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. É característica das
federações o sistema bicameral, ou de duas casas, diante da necessidade de uma delas
representar a vontade dos Estados federados na formação da vontade nacional. E ao
Senado foi atribuída a missão de representar a vontade dos Estados federados, razão por
que a distribuição de Senadores por Estados é absolutamente a mesma.
1.2. O Bicameralismo
O sistema bicameral, que se adota apenas no âmbito do órgão
legislador da União, é decorrência, portanto, da forma federativa de Estado.
Mas é importante frisar que o Congresso Nacional tem
existência própria, distinta das casas que o compõem. Isso porque a Constituição a ele
atribuiu importantes competências políticas, que se encontram concentradas no art. 49
do texto fundamental. Não obstante, é forçoso reconhecer que a atividade legislativa da
União é esmagadoramente exercida pelas casas que integram o Congresso Nacional e
não por ele propriamente, tendo em vista o modelo de processo legislativo que a
Constituição adotou, que envolve, basicamente a atuação separada, porém conciliada, da
Câmara e do Senado, só intervindo o Congresso (com a reunião dos componentes da
Câmara e do Senado) na eventual hipótese de veto presidencial, a fim de sobre ele
deliberar.
1.3. Composição das casas do Congresso Nacional
De acordo com a Constituição, a Câmara dos Deputados
compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada
Estado, em cada Território e no Distrito Federal. O número total de Deputados, bem
como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei
complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários,
no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha
menos de oito ou mais de setenta Deputados.
A lei complementar n° 78/93, que disciplina a fixação do
número de deputados, estabeleceu que o número de deputados federais não ultrapassará
513 representantes. Esse número deve ser distribuído por Estado e pelo Distrito Federal,
proporcional à sua população, cujos dados devem ser fornecidos pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, para a atualização
estatística demográfica das unidades da Federação. Feitos os cálculos da representação
dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais
Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas.
Segundo a Constituição, cada Território Federal, na hipótese de
vir a ser criado, elegerá quatro Deputados.
O Senado Federal é a casa legislativa representativa dos
Estados e do Distrito Federal, composto de Senadores eleitos segundo o princípio
majoritário. Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de
oito anos. Porém, a representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de
quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços. Cada Senador será eleito
com dois suplentes.
1.4. Funcionamento
A sessão legislativa no Congresso Nacional, segundo o artigo
57 da CF/88, inicia-se no dia 02 de fevereiro até 17 de julho e reinicia-se no dia 01 de
agosto até 22 de dezembro.
Cada legislatura será de quatro anos (§ único, art. 44).
1.5. Organização interna do Poder Legislativo
A organização interna de cada casa legislativa compreende a
estruturação de órgãos indispensáveis à condução de seus trabalhos e ao desempenho de
suas atividades.
Entre os seus órgãos internos fundamentais, há a mesa diretora,
as comissões parlamentares e os órgãos administrativos, entre outros.
1.5.1 A mesa diretora
Todo órgão legislativo tem uma Mesa, que é o órgão de direção
da casa legislativa e responsável pela condução dos trabalhos legislativos e
administrativos. No Poder legislativo da União, existe uma Mesa diretora da Câmara
dos Deputados, uma Mesa diretora do Senado e uma Mesa diretora do Congresso
Nacional.
Os cargos da Mesa são definidos no Regimento interno de cada
casa. Tradicionalmente, os Regimentos da Câmara, do Senado e do Congresso Nacional
dispõem dos seguintes cargos: um Presidente; dois Vice-Presidentes (1º Vice-Presidente
e 2° Vice-Presidente); quatro Secretários e quatro suplentes de Secretários. Todavia,
segundo a Constituição, na constituição das Mesas é assegurada, tanto quanto possível, a
representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da
respectiva Casa (art. 57, §5º).
Os membros das Mesas da Câmara e do Senado são eleitos para
um mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição
imediatamente subseqüente (art. 57, § 4°).
A Mesa do Congresso Nacional, que se compõe conjuntamente
de deputados e senadores, não é formada por eleição, pois a Constituição já indicou
quais serão os seus membros, entre aqueles que compõem as Mesas da Câmara e do
Senado.
Assim, de acordo com o art. 57, § 5°, a Mesa do Congresso
Nacional será presidida pelo Presidente do Senado Federal, e os demais cargos serão
exercidos, alternadamente, pelos ocupantes de cargos equivalentes na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal.
1.5.2. As Comissões Parlamentares
As Comissões parlamentares são órgãos de natureza técnica
competentes para examinar as propostas legislativas em curso nas casas legislativas e
sobre elas emitir pareceres ou para controlar e investigar fatos relevantes e
determinados.
1.5.2.1. Comissões Permanentes
As comissões permanentes são aquelas criadas para durarem
por tempo indeterminado.
1.5.2.2. Comissões Temporárias
As comissões temporárias são aquelas criadas para fins
específicos e durarem o tempo necessário para conclusão de seus trabalhos ou no prazo
previamente fixado. São comissões especiais.
1.5.2.3. Comissões Mistas
As comissões mistas são aquelas criadas no âmbito do
Congresso Nacional e se compõem conjuntamente de deputados e senadores. Podem ser
permanentes ou temporárias. São exemplos de comissão mista permanente: a comissão
para examinar as medidas provisórias antes de serem apreciadas pelas casas
separadamente (art. 62, §9º) e a comissão do orçamento (art. 166, §1º).
1.5.2.4. Comissões de Inquérito
São comissões necessariamente temporárias, que podem ser
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração
de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou
criminal dos infratores.
Nos moldes do art. 58, § 3° da Constituição, as comissões
parlamentares de inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades
judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas.
São órgãos que instauram um procedimento administrativo de feição política, de cunho
meramente investigatório, semelhante ao inquérito policial e ao inquérito civil público,
apesar de não assumirem natureza preparatória de ações judiciais.
1.5.2.4.1. Poderes das CPI´s
O §3º, do artigo 58 da CF/88 estabelece como regra geral que as
CPI´s terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, devendo,
inclusive motivar suas decisões (art. 93, inciso IX).
Contudo, alguns poderes judiciais não podem ser
desempenhados em face da chamada reserva de jurisdição. Ou seja, a Constituição
preferiu reservar ao Poder Judiciário certos atos, tendo em vista a imparcialidade e a
especialização jurídica ínsitas à esse Poder.
Desse modo, não podem as CPI´s:
- determinar prisões (art. 5º, inciso LXI), salvo as em flagrante
delito;
- buscas domiciliares (art. 5º, inciso XI);
- interceptações telefônicas (art. 5º, inciso XII).
Podem, por exemplo:
- requisitar documentos e informações dos órgãos da
Administração Pública;
- determinar intimação de testemunhas;
- acessar diretamente dados fiscais, financeiros e bancários.
1.6. Prerrogativas
Tem por escopo assegurar a autonomia e independência
funcional dos parlamentares.
1.6.1. Imunidades
1.6.1.1. Conceito
São prerrogativas constitucionais atribuídas ao cargo de
parlamentar de uma das casas do Congresso Nacional, para que o ocupante desse cargo
possa exercer suas funções de parlamentar com independência e liberdade de
manifestação, por meio de opiniões, palavras ou votos.
É importante lembrar que as imunidades são irrenunciáveis
pelos parlamentares, uma vez que são atribuições do cargo eletivo.
1.6.1.2. Espécies
a) Imunidade material
É a imunidade prevista no caput do art. 53 da Constituição, que
determina que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos no exercício da função parlamentar.
A imunidade material protege o congressista da incriminação
civil, penal, política ou disciplinar em relação aos chamados “crimes de opinião” ou
“crimes da palavra”, tais como a calúnia, a difamação e a injúria.
Assim, não há crime quando o membro do poder legislativo
federal se pronunciar (opinião, palavras ou votos) sobre alguém ou assunto no exercício
de sua função parlamentar dentro ou fora Congresso Nacional, mesmo que tal
manifestação venha causar danos a terceiros que não parlamentares.
Se o legislador estiver na tribuna, suas opiniões, palavras e votos terão presunção
absoluta de inviolabilidade.
Porém, para os demais delitos ou situações jurídicas o
parlamentar ainda continua responsável, como, por exemplo, responsabilidade civil por
danos materiais causados em virtude de colisão de veículo automotor ou
responsabilidade fiscal de recolher devidamente o IRPF (Imposto de Renda de Pessoa
Física).
b) Imunidade Processual
São prerrogativas que, apesar de não afastarem a ocorrência do
crime, são aplicadas no âmbito processual.
Assim, a imunidade formal, se satisfeitas as condições
constitucionais, protege o parlamentar contra a prisão e torna possível a sustação do
andamento do processo penal instaurado junto ao Supremo Tribunal Federal.
b.1.) Quanto à prisão
Essa prerrogativa protege o parlamentar, afastando a
possibilidade de prisão, civil, cautelar (preventiva, provisória), prisão de sentença penal
condenatória recorrível ou prisão em flagrante, exceto quando for flagrante de crime
inafiançável efetuado depois da diplomação. Mesmo sobre essa situação, os autos do
inquérito devem ser remetidos à respectiva casa do parlamentar, em vinte e quatro horas,
para resolver se ele permanecerá preso ou não.
A imunidade protege o parlamentar desde a expedição do
diploma pela justiça eleitoral. A diplomação está entre a eleição e a posse, visto que é
um ato administrativo da justiça eleitoral em conferir ao candidato, certificando a
regular eleição, bem como o número dos votos e sua condição como candidato.
b.2.) Quanto à sustação do processo
A imunidade formal ou processual quanto à sustação do
processo trata-se da possibilidade de que a respectiva casa legislativa, pelo voto da
maioria de seus membros, suste o andamento do processo, perante o Supremo Tribunal
Federal, por crime ocorrido após a diplomação e desde que haja a iniciativa de partido
político nela representado e ocorra antes da decisão final.
Note que não há prazo para manifestação de intenção de sustar
o andamento do processo junto ao Supremo Tribunal Federal, de maneira que o processo
poderá ser suspenso até antes da decisão ou antes do término do mandato.
O prazo, reside, por sua vez, apenas sobre a deliberação sobre o
pedido de sustação solicitado por partido político, que será apreciado, no prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias do recebimento pela mesa Diretora.
Por fim, se a casa legislativa se pronunciar pela suspensão do
processo perante o Supremo Tribunal Federal, ocorrerá suspensão da prescrição,
enquanto perdurar aquele mandato.
c.2.) Algumas observações
O indivíduo, com a assunção do cargo no executivo, despe-se
temporariamente da condição de parlamentar e, em conseqüência, das prerrogativas e
incompatibilidades pertinentes. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal, no seu
pleno, julgando o Inquérito nº 104-0-RS (Diário da Justiça, 8 de Set. de 1981, p. 8605),
assim decidiu: “O deputado que exerce função de ministro de estado não perde o
mandato, porém não pode invocar a prerrogativa da imunidade material e
processual pelo cometimento de crime no exercício da nova função”. Tal decisão
cancelou expressamente a Súmula nº 04 do STF, que dispunha de modo diverso.
Vejamos também a um problema que já foi enfrentado, como
por exemplo, o caso do ex-deputado federal e ex-Ministro de Estado da Casa Civil, José
Dirceu. Eleito deputado federal em 2002 e empossado em 01/02/2003 para um mandato
de quatro anos, afastou-se do exercício parlamentar para exercer o cargo de Ministro de
Estado da Casa Civil, a convite do Presidente da República (Lula). Em 2005, foi
acusado publicamente pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson de, na condição de
Ministro de Estado da Casa Civil, ter comandado um esquema de pagamento a
deputados para que votassem, na Câmara Federal, a favor de projetos de interesse do
Governo. Acusação que ficou conhecida como “esquema do mensalão”.
O STF manifestou nos seguintes termos: “O Tribunal, por
maioria, indeferiu pedido de liminar formulado em mandado de segurança impetrado
por Deputado Federal pelo qual se pretendia a suspensão de processo disciplinar contra
ele instaurado na Câmara dos Deputados, decorrente de representação formulada pelo
Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, na qual o impetrante é acusado de quebra do
decoro parlamentar por fatos praticados em período em que ocupava cargo de Ministro
de Estado. Prosseguindo no julgamento, o Plenário, em votação majoritária, aderiu à
divergência iniciada pelo Min. Joaquim Barbosa, que considerou estar a
representação formulada contra o impetrante juridicamente vinculada à sua
condição de parlamentar, isto é, à sua influência política, e não a fatos qualificados
como inerentes ao exercício da função de Ministro de Estado, tais como os elencados
no art. 87 da CF. Por sua vez, o Min. Carlos Brito, também indeferindo a liminar,
entendeu que o parlamentar investido temporária e precariamente no cargo de
Ministro de Estado, por não ter perdido a condição de parlamentar, sujeita-se a
processo disciplinar perante sua respectiva Casa legislativa”. (MS 25.579-MC, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 19-10-2005, informativo 406)
Como é de conhecimento público, após essa decisão, a Câmara
dos Deputados deu normal prosseguimento ao processo de cassação, que teve como
resultado final a aprovação da perda do mandato do ex-deputado José Dirceu e
conseqüente inelegibilidade para as eleições que se realizaram até 31/01/2007 e nos oito
anos subseqüentes.
1.6.1.1.2. Foro Privilegiado
O foro privilegiado é mais amplo do que a imunidade formal ou
processual, uma vez que também é aplicado aos processos iniciados antes da
diplomação, ou seja, os deputados e senadores depois de diplomados serão submetidos a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, pela prática de crimes comuns
ocorridos antes ou depois da diplomação.
Entretanto, a prerrogativa de foro não alcança as ações que não
sejam de natureza criminal. As ações de natureza civil ou trabalhista não possuem foro
especial.
Com o término do mandato tem-se o fim do foro privilegiado.
Consiste na inviolabilidade civil e penal dos deputados e
senadores por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53).
III – DO PROCESSO LEGISLATIVO
1. Noções
Existem espécies normativas primárias e secundárias. As
primárias são todas aquelas enumeradas no artigo 59 da CF/88, enquanto que as
secundárias são aquelas que decorrem no artigo 84, IV da CF/88 “expedir decretos e
regulamentos”.
As últimas serão abordadas no momento que o Poder Executivo
for estudado.
Agora cumpri estudarmos as espécies normativas primárias,
enumeradas no artigo 59 da CF/88: emendas constitucionais, leis complementares, leis
ordinárias, medidas provisórias, leis delegadas, decretos e resoluções legislativas.
Todas essas espécies normativas são capazes de inovar no
direito, ou seja, tem características de criar, modificar ou extinguir o direito.
Por sua vez, elas para terem validade e eficácia devem observar
regras procedimentais, constitucionalmente previstas.
A lei complementar n. 95/98 dispôs sobre as técnicas de
elaboração, redação, alteração das leis, bem como sua consolidação.
Assim, a não observância do trâmite constitucional do processo
legislativo pode levar a declaração de inconstitucionalidade da norma.
2.0. Espécies normativas que utilizam o processo legislativo
2.1. Emenda constitucional
As emendas constitucionais (art. 60 CF/88) são conhecidas
como poder constituinte derivado reformador e servem para adequar o texto
constitucional a um novo posicionamento do Estado sobre aspectos políticos, sociais,
econômicos etc., desde que observem os limites estabelecidos pelo legislador
constituinte originário.
O poder de emenda tem os limites:
1) materiais explícitos (cláusulas pétreas) enumeradas no § 4º,
do artigo 60 da CF/88: forma federativa; voto direto, secreto, universal e periódico;
separação dos poderes; direitos e garantias individuais.
Merece uma atenção especial a última proteção (direitos e
garantias individuais) que estão presentes no artigo 5º da CF/88 e por força do § 2º,
desse mesmo dispositivo constitucional, pode ser estendida a outros artigos da
constituição federal, como já mencionado pelo Supremo Tribunal Federal, ao dispor que
o artigo 150, inciso III, alínea “b” e o artigo 16 da constituição federal também são
cláusulas pétreas.
Assim, de acordo com o STF os direitos e garantias individuais
não são apenas aqueles 78 incisos enumerados no artigo 5º da constituição federal.
Alguns autores à exemplo do Kildare Gonçalves, André Ramos
Tavares entendem que além entendimento esposado pelo STF os outros direitos e
garantias fundamentais, como, por exemplo, os direitos sociais, os direitos de
nacionalidade, os direitos políticos e sobre os partidos políticos também são protegidos
por serem cláusulas pétreas.
2) materiais implícitos são decorrentes da própria interpretação
feita pelo estudioso do direito constitucional, como, por exemplo, a forma republicana
de governo, que apesar de não estar protegida explicitamente no texto constitucional
passou a ser admitida como cláusula pétrea depois de escolhida em plebiscito votado,
em 07 de setembro de 1993, nos moldes do artigo 2º da ADCT.
3) procedimentais ao se exigir quórum qualificado para a
propositura de Projeto de Emenda a Constituição (art. 60, incisos I – 1/3, no mínimo dos
membros da CD e SF –, II – Pres da República – e III – mais da 1/2 das assembléias
legislativas do Estados-membros, manifestando cada uma delas pela maioria relativa de
seus membros), bem como quórum de aprovação da PEC (3/5 em dois turnos de cada
casa do Congresso Nacional).
4) e circunstanciais ao se impedir a emenda da constituição em
tempo de estado de defesa, estado de sítio e de intervenção federal.
b) decorrente: é poder transferido aos Estados-membros, com o
intuito de permitir que eles possuam sua capacidade de auto-organização, autogoverno e
auto-administração (artigo 25 da CF/88).
c) revisor: é poder concedido pelo Poder Constituinte ao
Derivado com o intuito de permitir uma reforma menos rigorosa, que a fixada acima, da
constituição. Limitou-se a condicionar a reforma da constituição ao quórum de maioria
absoluta, em sessão unicameral, para aprovação das emendas de revisão (artigo 3º da
ADCT). Esse meio de revisão do texto constitucional se exauriu, ou seja, não aplica
mais atualmente.
2.2. Leis ordinárias e complementares
Possuem mais semelhanças (iniciativa, deliberação parlamentar
e aprovação ou não do executivo) que diferenças, de modo que fixaremos mais as
diferenças.
Logo, não existe hierarquia entre as duas espécies legislativas.
Existem duas grandes diferenças entre lei complementar e lei
ordinária. A primeira é quando a constituição federal exige taxativamente a
regulamentação de seu conteúdo por lei complementar. Assim, sempre que o poder
constituinte originário quiser que determinada matéria seja regulamentada por lei
complementar, expressamente, o determinará. Ex.: parágrafo único, artigo 22 da CF/88.
A segunda é quando se exige quórum diferenciado para
aprovação da lei complementar, ou seja, maioria absoluta (artigo 69 da CF/88) em
relação a lei ordinária, maioria simples ou relativa (artigo 47 da CF/88).
2.3. Lei delegada
É elaborada pelo Poder Executivo por delegação do Poder
Legislativo, conhecida por delegação “externa corporis”. Seu procedimento: o
Presidente da República a fim de editar a lei delegada precisa previamente solicitar ao
Congresso Nacional a delegação sobre matéria específica que será autorizada ou não por
resolução (art. 68, §2º CF/88).
Assim, o Congresso Nacional, por meio de resolução,
delimitará o conteúdo a ser tratado na lei delegada em votação única vedada qualquer
emenda (art. 68, §3º CF/88).
A lei delegada não poderá tratar de assunto alheio a autorização
legislativa.
Conseqüentemente, não se faz necessário a sanção ou veto do
Presidente da República.
Algumas matérias não poderão ser delegadas (art. 68, § 1º
CF/88): atos da competência exclusiva do CN (art. 49 CF/88); os de competência
privativa da CD e do SF (art. 51 e 52 CF/88); matérias reservadas à lei completar; a
legislação sobre organização do poder judiciário e do MP, nacionalidade e cidadania,
direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e
orçamentos.
2.3. Media provisória
Substituiu o antigo decreto-lei da constituição de 1967. É
editada pelo Presidente da República, com força de lei, em casos de relevância e
urgência, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
A MP tem validade de 60 dias, prorrogável uma única vez por
igual período. Esses prazos não serão contados em período de recesso parlamentar. A
não conversão da MP em lei resultará no fim de sua eficácia.
Após 45 dias de sua publicação, a MP entrará em regime de
urgência, sobrestando todas as demais deliberações legislativas da casa em que estiver
tramitando.
Os efeitos da MP serão regulados pelo Congresso Nacional
através de decreto legislativo. Caso contrário, valerão aqueles promovidos pela MP em
seu período de vigência.
É vedada a edição de MP:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos
e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a
carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e
créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança
popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso
Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
Por fim, é vedado a reedição de MP (art. 62, §10 CF/88) na
mesma sessão legislativa, expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional, ou que
tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo.
2.4. Decreto legislativo
É o instrumento normativo através do qual serão executadas as
competências exclusivas do CN (artigo 49, incisos I a XVII da CF/88), aprovado por
maioria simples (artigo 47 CF/88).
A promulgação do decreto legislativo é realizada pelo
presidente do SF, que determinará sua publicação.
2.5. Resolução
É o instrumento normativo através do qual serão
regulamentadas as matérias de competência privativa do CD e do SF, aprovado por
maioria simples (artigo 47 CF/88).
A promulgação da resolução é realizada pelo presidente da cada
casa do legislativo federal (CD, SF e CN), que determinarão a sua publicação.
3.0 Fases do processo legislativo
É constituído por diversas fases que as espécies normativas
devem observar. Estudaremos o processo legislativo da lei ordinária por ser o mais
completo das espécies normativas. Ele se divide em:
3.1. Fase de iniciativa
Essa fase é quando e quem começa o processo legislativo.
Como regra geral o processo se inicia com a apresentação do projeto da espécie
normativa (emenda a constituição, lei ordinária, complementar etc.) pelas pessoas
designadas na constituição federal, de acordo com suas competências legislativas.
3.1.1 Geral ou comum – o artigo 61 da CF/88 enumera as entidades ou pessoas que
podem apresentar (elaborar) projetos de leis complementares e ordinárias para serem
discutidos (fase constitutiva ou de deliberação) no parlamento. São elas:
a) qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados,
do Senado Federal ou do Congresso Nacional;
b) o Presidente da República;
c) o Supremo Tribunal Federal;
d) os Tribunais Superiores;
e) o Procurador-Geral da República;
f) e aos cidadãos.
Atentemos que os projetos de emenda à constituição, as leis
delegadas, os decretos legislativos e resoluções, bem como as medidas provisórias não
se enquadram nessa iniciativa, por terem configurações, como já vistas, diferenciadas.
É importante salientar também que o artigo 61 da CF trata sobre
as pessoas que podem iniciar o processo legislativo. Não se menciona nesse momento as
matérias que podem ser apresentadas, que podem ser aquelas indicadas na competência
privativa, comum, concorrente de competência da União.
Assim, qualquer membro ou Comissão da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, o Presidente da República e
os cidadãos poderão elaborar projetos de leis ordinárias e complementares que tenham
como matéria o direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho (artigo 22, I CF/88) ou aquelas dos artigos 23 ou 24
da CF/88.
3.1.2 concorrente – Nesse tópico é importante ressaltar que o Presidente da República e
o procurador-geral da república possuem competência concorrente para apresentar
projeto que venha tratar sobre a organização do Ministério Público da União (artigo 128,
§5º e artigo 61,§ 1º, II, d da CF/88). José Afonso aduz que seria uma iniciativa
compartilhada.
3.1.3 privativa (melhor exclusiva ou reservada) – em determinadas matérias apenas
certas entidades definidas na constituição podem apresentar seus projetos de leis.
Temos que apenas o item “b” abaixo possui iniciativa privativa.
Senão vejamos:
a) o Presidente da República tem competência legislativa para
apresentar projetos de lei que fixem ou modifiquem os efetivos das forças armadas etc.
(artigo 61,§1º CF/88) e (LO ou LDO, art. 165, I, II e III da CF/88).
b) o STF, Tribunais Superiores e TJ´s (no âmbito estadual) têm
competência legislativa para apresentar projetos de lei de seu interesse exclusivo. (art.
93 e 96,II da CF/88).
c) a CD e SF têm competência legislativa para apresentar
projetos de lei de seu interesse exclusivo (art. 51, IV e 52, XIII da CF/88).
3.1.4. Popular – pode ser apresentado projeto de lei ordinária ou complementar em
qualquer matéria, exceto aquelas reservadas, privativas ou exclusivas, bem como
determinadas espécies normativas que são de uso privativo de outras entidades
constitucionais (resoluções, leis delegadas, MP´s etc.). Deve seguir as regras do artigo
61, §2º CF/88 que exige a assinatura de 1% do eleitorado nacional, distribuído em, pelo
menos, 5 Estados-membros e cada um não pode ter menos do que 3/10% de seus
eleitores.
3.2. Fase constitutiva (deliberação)
É o momento da discussão feita pelos parlamentares. Tem
inicio em regra na CD (casa iniciadora) que depois é enviado, se aprovado, ao SF (casa
revisora).
3.2.1. Casa iniciadora – o projeto será recebido na CCJ – comissão de constituição e
justiça, se aprovado será enviado à comissão temática respectiva à matéria contida no
bojo do projeto. Logo em seguida será enviado ao plenário. Aprovado o projeto ele será
enviado à casa revisora.
3.2.2. Casa revisora – do mesmo modo o projeto será recebido na CCJ, se aprovado,
encaminhado será à comissão temática respectiva à matéria contida no projeto. Logo
sem seguida será enviado ao plenário. Aprovado o projeto ele é enviado ao Presidente
da República.
3.2.3. Projeto rejeitado – poderá ser reapresentado na mesma sessão legislativa, desde
que feita a proposta apresentada por maioria absoluta dos membros de qualquer das
Casas do CN (art. 67 CF/88).
3.2.4. emendas – é a alteração do projeto de lei. Não se admite a subemenda, ou seja, a
emenda da emenda. Alertamos que somente as emendas apresentadas pela casa revisora
serão apreciadas pela casa iniciadora.
3.2.5. deliberação executiva – o Presidente da República pode vetar ou sancionar o
projeto de lei já aprovado pelo parlamento.
O veto é a discordância do projeto. Pode ser político ou
jurídico. Precisa ser motivado e pode ser total ou parcialmente (abrange texto total de
artigo, parágrafo, inciso ou de alínea), com prazo máximo de 15 dias para se manifestar.
Pode ser cassado em sessão conjunta do SF e CD por maioria absoluta no prazo de 30
dias a contar de seu recebimento. Sendo derrubado o veto, a lei deverá ser enviada ao
Presidente da República para promulgação.
Sanção é a concordância do projeto. Com a sanção o projeto é
convertido em lei. Após 15 dias não houver pronunciamento do Presidente da República
tem-se a sanção tácita.
3.3. Fase complementar
É o momento em que promulga (atesta sua existência) e publica
a lei (leva o conhecimento a todos da inovação legislativa). Após o conhecimento da lei
(vacacio legis) inicia-se o seu cumprimento (eficácia social).