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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

TIRINHAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: uma intervenção didático-pedagógica no sexto ano do Colégio

Estadual Guilherme de Almeida

Gislene Capelin Escavacini1 Jonathas de Paula Chaguri2

RESUMO o objetivo desse trabalho é proporcionar ao aluno o aprimoramento de sua prática discursiva a fim de que ele possa considerar os enunciados (orais e escritos) como produtos discursivos, ou seja, unidades temáticas, onde sempre há a presença do diálogo entre sujeito. Desse modo, com relação aos aspectos teóricos, apoiamo-nos estudos do Círculo de Bakhtin (2003, 2006) acerca do trabalho com gêneros discursivos como interação e no quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo desenvolvido pelos pesquisadores de Genebra (DOLZ; NOVERRAZ & SCHNEUWLY, 2004) para fundamentar as reflexões sobre a sequência didática (SD) a partir da proposta de adaptação, orientada por Costa-Hübes (2009; 2011), que consiste na inserção de um módulo de reconhecimento do gênero antes da etapa de produção inicial em atividades e exercícios da SD. A metodologia aplicada a este trabalho se caracteriza como uma pesquisa social aplicada de natureza qualitativa que se enquadra como pesquisa-ação com o propósito de aprimorar as práticas discursivas de forma que o aluno possa viabilizar a formação de seu próprio espírito humano. A pesquisa foi desenvolvida no Colégio Estadual Guilherme de Almeida, na cidade de Loanda, Paraná, Brasil, no primeiro semestre de 2015. Os sujeitos de pesquisa foram os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Para a coleta de dados inicialmente foi aplicado um questionário para verificar as causas da falta de interesse dos alunos pela leitura e produção, como também, verificar o conhecimento dos alunos em relação ao gênero Tirinhas. O trabalho culminou com a produção de uma História em Quadrinhos realizada pelo aluno. Palavras-chave: Língua Portuguesa. Gênero Discursivo. Tiras.

1. INTRODUÇÃO

Pela experiência em sala de aula com o gênero ‘tiras’, observamos que

grande parte dos alunos apresentam dificuldade em interpretar o que está explícito

e/ou implícito em um texto. Ligando essa dificuldade à análise e estudo dos

resultados das avaliações externas, realizadas em larga escala, a Prova Brasil e o

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEP (PEREIRA; MORI,

2011; BECKER, 2010) trazem em sua composição os gêneros discursivos de

diversas esferas sociais para avaliar a capacidade de leitura em língua portuguesa.

O nível de proficiência dos alunos, quanto aos descritores estabelecidos nessas

1 Professora PDE. Graduada em Letras (Português/Inglês) pela Faculdade Integradas de Naviraí (FINAV). Especialista em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA). Professora de Língua Portuguesa no Colégio Estadual Guilherme de Almeida, cidade de Loanda, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Orientador. Mestre e Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Professor do Colegiado do Curso de Letras (Português/Inglês) da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí. E-mail: [email protected]

avaliações, em sua grande maioria, encontra-se em um desempenho abaixo do

esperado para as séries avaliadas. Visando à superação dessas dificuldades, o

trabalho com a disciplina de língua portuguesa deve considerar os gêneros

discursivos que circulam socialmente na sociedade como enunciados reais, tendo

em vista que os gêneros apresentam uma referência e uma finalidade, contexto,

suporte (meio em que é propagado, como livro, mural, folder etc.) e público

(interlocutor) definido e real.

Sabendo dessa importância em se trabalhar com textos autênticos e reais em

sala de aula e fazendo a junção da dificuldade que está em evidência nos resultados

das avaliações externas em larga escala (SAEP, PROVA BRASIL), quanto à

capacidade de leitura dos alunos, levantamos o seguinte questionamento: como a

‘tira’ no contexto escolar possibilita o desenvolvimento da leitura como prática social,

com o intuito de aprimorar as práticas discursivas dos alunos do sexto ano, do

Colégio Estadual Guilherme de Almeida?

Diante disso, o objetivo desse trabalho é proporcionar ao aluno o

aprimoramento de sua prática discursiva a fim de que ele possa considerar os

enunciados (orais e escritos) como produtos discursivos, ou seja, unidades

temáticas, onde sempre há a presença do diálogo entre sujeito e, remetendo a um

trabalho com produção e extração de significados, e, portanto, ultrapassando a

adoção de práticas empobrecedoras na abordagem do texto em sala de aula.

Para a elaboração desse trabalho, com relação aos aspectos teóricos,

apoiamo-nos estudos do Círculo de Bakhtin (2003, 2006) acerca do trabalho com

gêneros discursivos como interação e no quadro teórico-metodológico do

Interacionismo Sociodiscursivo desenvolvido pelos pesquisadores de Genebra

(DOLZ; NOVERRAZ & SCHNEUWLY, 2004) para fundamentar as reflexões sobre a

sequência didática (SD) a partir da proposta de adaptação, orientada por Costa-

Hübes (2009; 2011), que consiste na inserção de um módulo de reconhecimento do

gênero antes da etapa de produção inicial em atividades e exercícios da SD.

Com relação aos aspectos metodológicos, a metodologia aplicada a este

trabalho, se caracteriza como uma pesquisa social aplicada de natureza qualitativa

que se enquadra como pesquisa-ação com o propósito de aprimorar as práticas

discursivas de forma que o aluno possa viabilizar a formação de seu próprio espírito

humano. A pesquisa foi desenvolvida no Colégio Estadual Guilherme de Almeida, na

cidade de Loanda, Paraná, no primeiro semestre de 2015. Os sujeitos de pesquisa

foram os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. O número mínimo de aulas

necessárias para aplicação da produção didática pedagógica foi de 32 aulas.

Para apresentação deste trabalho final, esse artigo está estruturado em três

partes. Na primeira parte discutimos os dispositivos teóricos que fundamentam o

trabalho. Na segunda, apresentamos os resultados da elaboração e aplicação da

SD, pautado na proposta de adaptação de Costa-Hübes (2009; 2011), aos alunos do

6º ano do Colégio Estadual Guilherme de Almeida, como também, as discussões

realizadas no Grupo de Trabalho em Rede – GTR. Na terceira parte, para finalizar,

apresentamos as conclusões finais do texto e suas referências.

2. DISPOSITIVOS TEÓRICOS

2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO GÊNERO DISCURSIVO

O uso da língua se consolida na forma de enunciados orais e escritos. O

enunciado é o evento único da comunicação discursiva. Desse modo, a enunciação

é um produto da relação social e completa que qualquer enunciado fará parte de um

gênero.

[...] a enunciação é o produto de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social a qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social ou não, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.) Não pode haver interlocutor abstrato (BAKHTIN, 2006, p. 112).

O enunciado é uma construção entre dois ou mais interlocutores que estão

inseridos em uma mesma esfera linguística. De acordo com Bakhtin (2003), o

enunciado é cheio de tonalidades dialógicas, e sem levá-las em conta é impossível

entender até o fim um enunciado. É na manifestação no discurso do outro que se

produz um enunciado no qual é esperada a réplica do diálogo com outros sujeitos,

para que haja o retorno a essa manifestação.

Vivendo num mundo pesadamente monológico, Bakhtin foi, portanto muito além da filosofia das relações dialógicas criadas por ele e por seu Circulo e se pôs a sonhar também com a possibilidade de um mundo polifônico, de um mundo radicalmente democrático, pluralista, de vozes equipolentes, em que, dizendo de modo simples, nenhum ser humano é reificado, nenhuma consciência é convertida em objeto de outra, nenhuma voz social se impõe com a última e definitiva palavra (FARACO, 2009, p. 77).

Pela análise da obra de Dostoiéviski, Bakhtin (2003) usa o termo vozes a qual

ele se refere à consciência do falante, vozes essas que fazem parte dos enunciados

das diversas esferas sociais3 que se materializam os gêneros discursivos. Essa

manifestação de diversas vozes que introduzem o conceito de polifonia nos estudos

do Círculo de Bakhtin nos permite estudar os sentidos que as várias vozes

presentes em um enunciado produzem no texto.

Diante disso, na produção de um texto, por exemplo, o tema4, o plano

composicional5 e o estilo verbal6 que caracterizam determinado gênero discursivo

são acionados e acaba por compor aquele determinado tipo de texto.

Conforme Bakhtin (2006), enquanto falo, sempre levo em conta o fundo

aperceptivo sobre o qual minha fala será recebida pelo destinatário: o grau de

informação que ele tem da situação, seus conhecimentos especializados na área de

determinada comunicação cultural, suas opiniões e suas convicções, seus

preconceitos7, suas simpatias e antipatias, pois é isso que condicionará sua

compreensão responsiva de meu enunciado8. Esses fatores determinarão a escolha

do gênero do enunciado, a escolha dos procedimentos composicionais e, por fim, a

escolha dos recursos linguísticos, ou seja, do meu enunciado.

É a partir da compreensão das características citadas acima que se compõem

os gêneros discursivos que reconhecemos o princípio social e dialógico da

linguagem. Portanto, ao se trabalhar a característica composicional do gênero

“tirinhas”, sendo este gênero uma unidade temática de uso formal ou informal

dependendo de onde exista a linguagem e atividade humana, faz-se, então,

presente o conceito de gênero discursivo. Daí a necessidade de um conhecimento

3 “Esferas sociais de circulação: cotidiana, literária/artística, escolar, imprensa, publicitária, política, jurídica, produção e consumo, midiática.” (PARANÁ, 2008, p. 100-101). 4 Assunto. 5 Estrutura. 6 A escolha do vocabulário a ser empregado. 7 Do de meu ponto de vista. 8 Unidade concreta e real da comunicação discursiva.

mais profundo deste gênero, pois “quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais

livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a

nossa individualidade (onde isso é possível e necessário)” (BAKHTIN, 2006, p. 287).

Pela aquisição dos conhecimentos acerca da ‘tirinha’ e do domínio das

práticas discursivas, no qual o aluno passa a perceber a relação dialógica e

polifônica que esse gênero exerce na atividade humana, ele passa também a

perceber que seu próprio enunciando está direto ou indiretamente ligado ao

enunciado do texto, tanto na posição de locutor como na de interlocutor.

Nessa perspectiva, a leitura e a produção de textos tornam-se muito mais

significativas, pois o aluno é apresentado a um gênero e passa a percebê-lo como

relativamente estável, dentro de um contexto. Passa a perceber também, nos textos

deste gênero, o propósito e a intenção de seus autores, tornando-se apto à

produção de mesmo gênero, já que tem uma referência e seu texto terá finalidade,

contexto, suporte9 e público10 definidos e reais.

2.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

A sequência didática (SD) tem auxiliado na mediação do trabalho do

professor de línguas na sala de aula. Ela é orientada pelo interacionismo

sociodiscursivo (ISD), criado por Jean Paul Bronckart e o grupo de pesquisadores de

Genebra (DOLZ; NOVERRAZ; SCHENEUWLY, 2004). O ISD se apoia em uma

perspectiva interacionista social de linguagem e em teorias de linguagem que dão

primazia ao social, sobretudo na de Bakhtin. Dessa forma, entendemos a SD como

uma orientação do trabalho com gêneros como instrumento para a organização de

um material de ordem sistematizada com instrumentos e encaminhamentos que

permitam intervenções necessárias para as práticas de linguagem.

[...] criar contextos de produção precisa, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de comunicação diversas (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 82).

9 Meio em que é propagado, como livro, jornal, revista, internet, cartaz etc. 10 Interlocutor.

A SD tem a finalidade de ajudar o aluno na execução das atividades acerca

do gênero, levando-o a compreender as práticas de linguagem em sua aplicabilidade

em determinadas situações de comunicação.

[...] o estudo de gêneros de texto na escola como instrumentos para o processo de ensino aprendizagem pode, como defendido por Bakhtin e Bronckart, criar condições para a construção de conhecimentos linguístico-discursivos necessários para as práticas de linguagem em sala de aula e fora dela (CRISTOVÃO, 2009, p. 51).

A SD permite ao aluno práticas de linguagem variadas para que ele adquira o

conhecimento para sanar as dificuldades diagnosticadas pelo professor, com os

conhecimentos prévios, levando-os a se tornarem sujeitos críticos, capazes de

participar de atividades de comunicação nas quais ele possa expressar sua opinião

com clareza e posicionamento. A imagem abaixo demonstra as etapas da SD.

Figura 1 - Etapas de uma da sequência didática

Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 83).

De acordo com Dolz, Noverraz e Scheneuwly (2004), a SD apresentação uma

situação inicial, passando pelos módulos e chegando a uma produção final. Na

apresentação da situação, o professor construirá um momento de interação com o

aluno, no qual apresentará aos alunos a sua proposta de trabalho, o gênero a ser

trabalhado, a quem esse gênero se destina, de que forma será essa produção, e

como será a participação do aluno nesse processo.

Na produção inicial ocorrerá a primeira produção do aluno. Com essa

primeira produção, o professor terá um diagnóstico para detectar os pontos que

deverão ser trabalhados com maior e menor prioridade ao longo dos módulos

(atividades). Já na etapa dos módulos, serão enfocados os ‘problemas e/ou

dificuldades’ identificados na produção inicial, e, então, serão elaboradas atividades

que possam elucidar as possíveis incongruências da primeira produção e pelos

elementos do gênero a ser trabalhado, propõem-se atividades variadas que

incentivem o aluno a assimilar esse conhecimento necessário para o domínio do

gênero em questão. As SD apresentam uma grande variedade de atividades que

devem ser selecionadas, adaptadas e transformadas em função das necessidades

dos alunos (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).

Na produção final, o trabalho é finalizado. Ele poderá ser utilizado como um

instrumento avaliativo dos conhecimentos adquiridos pelo aluno durante o trabalho

com a SD, a fim de que ele se torne apto à realização de sua produção oral ou

escrita.

O interacionismo sociodiscursivo prioriza o desenvolvimento das capacidades

de ação, discursiva e linguístico-discursivas. Essas capacidades devem ser

elaboradas contando com situações de comunicação que trabalhem com o gênero

nas mais diversas formas. O quadro abaixo sintetiza as três capacidades de

linguagem que organizam as atividades em uma SD.

Quadro 1 – Tipos de capacidades de linguagem e suas definições

Capacidades de

linguagem

Definições

Capacidade de ação

Capacidade de construir conhecimento e de mobilizar representações sobre contexto e situação imediata de produção de um texto (incluindo parâmetros físicos e sociossubjetivos como adjetivo, conteúdo, entre outros)

Capacidade discursiva

Capacidade de reconhecer e/ou produzir a infraestrutura textual (incluindo plano geral do texto, organização do conteúdo, entre outros)

Capacidade linguístico-

discursiva

Capacidade de mobilizar unidades linguístico-discursivas adequadas às operações de linguagem relativas à coesão, à conexão, à modalização e à distribuição das vozes, entre outras.

Fonte: Cristovão (2009, p. 54).

As atividades que podem ser propostas a partir do modelo da SD em torno

dos gêneros discursivos possibilitam que a transposição apresentada no quadro

acima seja uma organização articulada com as práticas de linguagem abrangendo

todas as capacidades necessárias para que o aluno desenvolva seu senso crítico,

que possa intervir com mais eficácia nas situações de comunicação que envolvam

no seu cotidiano.

A partir dessa proposta teórico-metodológica, produzida para o contexto

sociocultural dos pesquisadores de Genebra, Costa-Hübes (2009; 2011) adaptou - lá

ao contexto escolar brasileiro com um projeto que ela desenvolveu e no qual

resultou nas publicações dos Cadernos Pedagógicos 01 e 02 (AMOP 2007b; 2007c),

Caderno Pedagógico 03 (AMOP, 2009) e no documento educacional sobre o

currículo das escolas municipais de educação básica (AMOP, 2007a).

A sua proposta de adaptação da SD do grupo de pesquisadores de Genebra

está condicionado as necessidades da educação brasileira. A proposta consiste na

inserção de um módulo de reconhecimento do gênero antes da etapa de

produção inicial, ou seja, as atividades e exercícios que contemplem a leitura, bem

como a pesquisa e a análise linguística com textos do gênero, passam a ganhar um

módulo de reconhecimento antes da primeira produção inicial que é realizado pelo

aluno. Na figura 2 pode-se observar melhor a proposta de adaptação da SD:

Figura 2: Esquema da SD adaptada por Costa-Hübes

Fonte: Swiderski e Costa-Hübes (2009, p. 120)

Segundo Costa Hübes (2009; 2011), quando se propõe uma adaptação à

proposta metodológica de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a autora está

revelando um percurso mais prático que enfoca atividades antes de se chegar à

produção inicial. Deste modo, o professor tem a oportunidade de possibilitar ao seu

aluno, situações envolvendo a prática de leitura de textos, em especial, do gênero

tirinhas que já circula na sociedade.

O trabalho com o gênero tirinhas por meio da proposta de readaptação de SD

proposta por Costa-Hübes (2009; 2011), permite otimizar didaticamente o processo

de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa. Isso permite que os professores

avaliem o conhecimento que os alunos já possuem sobre um respectivo gênero. Em

decorrência a esse princípio, o professor optará qual conjunto de atividades melhor

se adapta as necessidades dos alunos a fim de que eles possam mobilizar as

capacidades de linguagem para leitura e produção de um determinado gênero.

2.3 TIRINHAS: UM POUCO SOBRE SEU USO E SUA HISTÓRIA

O gênero discursivo tirinhas é uma narrativa em quadrinhos com desenhos

em formas seqüenciais, geralmente com textos curtos que descrevem as situações

ou diálogos em balões, podendo ser com linguagem verbal ou não verbal, e narram

uma história curta, geralmente com fundo de humor ou crítica; elas têm por

finalidade abordar temas que se aproximam das situações do cotidiano; as tirinhas

quase sempre são veiculadas em jornais, revistas, e em livros didáticos. Essas

características das tirinhas são assim definidas por Nicolau (2007) como sendo

[...] uma piada curta de um, dois, três ou até quatro quadrinhos, e geralmente envolve personagens fixos: um personagem principal em torno do qual gravitam outros. Mesmo que se trate de personagens de época remotas, países diferentes, ou ainda animais, representam o que há de universal na condição humana. (NICOLAU, 2007, p.25)

Desde os primórdios da civilização humana, o homem se utilizava de

ilustrações nas paredes das cavernas como forma de comunicação, depois

aperfeiçoaram através da escrita, sendo assim

[...] pode-se dizer que as HQ vão de encontro às necessidades do ser humano, na medida em que utilizam fartamente um elemento de comunicação que esteve presente na história da humanidade desde os primórdios: a imagem gráfica (BARBOSA et al, 2005, p.8).

O gênero discursivo tirinhas surgiu no final do século XIX, quando passou a

ser veiculada diariamente nos jornais com os mais diversos temas, apesar de ser

vista nesta época como uma leitura de gosto duvidoso, conforme o psiquiatra

alemão Fredic Wertham, radicado nos Estados Unidos, atribuiu à HQ aspectos

negativos em relação a sua leitura, afirmando que poderiam influenciar adolescentes

e jovens com seus malefícios, levando-os a anomalias de comportamento e a

desajustes sociais. (BARBOSA et al, 2005) Isso fez com que os diversos meios

sociais dessem descréditos a esse tipo de leitura, passando de publicações

dominicais para tiras diárias nos jornais e periódicos, fazendo assim parte da leitura

diária das pessoas.

O gênero tira é um tipo de HQ: mais curta (até quatro quadrinhos) e, portanto

de caráter sintético. Pode ser sequencial (capítulos de narrativas maiores) ou

fechada (um episódio por dia). (MENDONÇA, 2002). Ela tem o intuito de

proporcionar ao leitor uma leitura atrativa e relaxante em meio a tantas mais

desgastantes.

Partindo da concepção de um trabalho com gêneros que estejam presentes

não só no ambiente escolar, mas em toda a esfera comunicativa do aluno,

buscamos no ensino do gênero tirinhas um trabalho de linguagem verbal e não

verbal, onde é apresentado o perfil psicológico do personagem, suas características

físicas, culturais e sociais, fazendo com que o aluno perceba a importância desses

conhecimentos prévios dos personagens para uma leitura dinâmica da história. O

uso do emprego deste gênero possibilita ainda desenvolver o senso crítico e o

potencial criativo dos alunos, fazendo com que eles consigam ler o texto de maneira

implícita e explícita.

De acordo com as Diretrizes Curriculares, é importante propor atividades que

possibilitem ao aluno a prática de leitura, a produção oral e a escrita, e sabemos que

através de atividades bem direcionadas do gênero tirinhas, podemos abordar essas

práticas discursivas. (PARANÁ, 2008)

As atividades com tirinhas no ambiente escolar são um tanto diversificadas,

de acordo com o nível de aprendizagem do aluno, geralmente elas são dispostas

nos livros didáticos, atendendo às necessidades de cada turma, evoluindo assim até

os anos finais do Ensino Médio. Por isso, a necessidade de se trabalhar com esse

gênero que segue o aluno em toda sua vida escolar, perpassando por diversas

situações. Dessa forma

[...] ler quadrinhos é ler sua linguagem, tanto em seu aspecto verbal quanto visual (ou não verbal). A expectativa é que a leitura – da obra e dos quadrinhos – ajude a observar essa rica linguagem de um ponto de vista, mais crítico e fundamentado (RAMOS, 2009, p.14) .

Entre os diversos aspectos importantes, ao trabalhar o gênero tirinhas, estão

as questões geográficas, culturais, sociais, políticas, que se desenvolvem tanto no

plano verbal quanto imagético, possibilitando observar desde as vestimentas até o

ambiente, para que se possa explicitar ao aluno a gama de conhecimentos

explorados pelo gênero, e também, as variações linguísticas, por meio da

observação das falas regionais presentes na leitura, permitindo assim formar o lado

crítico e criativo do aluno através da abordagem dos mais diversos temas e que

sejam delineados pelos mais variados estilos linguísticos, de forma lúdica,

contribuindo assim para suas práticas de linguagem.

3. METODOLOGIA

Esse trabalho centra-se no quadro teórico-metodológico do Interacionismo

Sociodiscursivo (ISD), proposto pelo grupo de pesquisadores de Genebra (DOLZ,

NOVERRAZ & SCHENEUWLY, 2004) para fundamentar as reflexões sobre a

sequência didática (SD) a partir da proposta de adaptação, orientada por Costa-

Hübes (2009; 2011), que consiste na inserção de um módulo de reconhecimento do

gênero antes da etapa de produção inicial em atividades e exercícios da SD. A metodologia aplicada a este trabalho se caracteriza como uma pesquisa

social aplicada de natureza qualitativa que se enquadra como pesquisa-ação com o

propósito de aprimorar as práticas discursivas (oralidade, leitura e escrita). A

pesquisa foi desenvolvida no Colégio Estadual Guilherme de Almeida, na cidade de

Loanda, região noroeste do estado do Paraná, no primeiro semestre de 2015. Os

sujeitos de pesquisa foram os alunos do 6º ano dos anos finais do ensino

fundamental. Para a coleta de dados inicialmente foi aplicado um questionário para

verificar as causas da falta de interesse dos alunos pela leitura e produção, como

também, verificar o conhecimento dos alunos em relação ao gênero tirinhas. Ao iniciar esse trabalho utilizamos alguns questionamentos relativos ao

gênero para verificação e diagnóstico desse conhecimento e a sua importância para

a aquisição da língua portuguesa. A introdução do gênero deu-se por meio de uma

roda de conversa no qual os alunos conheceram o porquê da criação da tira de

jornal. Para ocasião, foi exposto a eles que a tira foi criado devido à falta de espaço

nos jornais da época. Na sequência, após essa breve exposição, apresentamos o

criador brasileiro das histórias em quadrinhos e tirinhas, conhecido como: Mauricio

de Souza. A partir disso, direcionamos nossa atenção para outros dois quadrinistas

brasileiros: Ziraldo e Henfil.

Após a exposição do panorama histórico do gênero tirinhas, iniciamos o

estudo do conhecimento das características de cada personagem; sua evolução; a

primeira tirinha criada por Mauricio de Souza da Turma da Mônica; vídeos de como

tudo começou; estrutura das tirinhas; suas características como: balões, diálogos,

figuras cinéticas, onomatopeias, metáforas visuais etc. Tudo isso para ressaltar a

importância de conhecer as características psicológicas, emocionais e físicas que

envolvem os personagens no enredo das tirinhas, para então, compreender o

contexto socialmente retratado na leitura do gênero.

Vale destacar ainda que os alunos também exploraram a estrutura da

narrativa (tempo, espaço, enredo e personagens) nas tirinhas a fim de que eles

pudessem apresentar uma organização sequencial na leitura e produção das tirinhas

e, com isso, fossem capazes de projetar seu conhecimento na produção de sua

própria tirinha.

Ao longo do andamento do trabalho procuramos dar maior atenção ao estudo

da capacidade linguístico-discursiva utilizando as linguagens verbais e não verbais

principalmente na leitura dessas tirinhas que retratam assuntos de cunho

humorístico, acompanhado de um significado cultural, político e econômico. Assim,

foi possível introduzir os alunos nos estudo das variações linguísticas, abordando o

uso dos adjetivos que caracterizam as qualidades de cada personagem na tirinha.

Para que haja o reconhecimento dos enunciados (orais e escritos) como

produtos discursivos, ou seja, unidades temáticas, onde sempre há a presença do

diálogo entre sujeito, é importante que o aluno seja apresentado a essa troca

dialógica de enunciados. Assim, ele será capaz de mobilizar as capacidades de

linguagem (ação, discursiva e linguístico-discursivo) necessárias para ler e produzir

um texto com mais propriedade discursiva.

Como atividade de produção final, foi proposto a criação de uma tirinha.

Nessa produção, o aluno produziu uma narrativa curta, lançando mão de todos os

recursos que foram ensinados ao longo do processo de implementação do material

didático-pedagógico que ocorreu com as 32 aulas de língua portuguesa.

3.1 GRUPO DE TRABALHO EM REDE – GTR

O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) é um programa do Governo do Estado

do Paraná que integra o PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional que

acontece no ambiente virtual. Nesse ambiente, o professor PDE é o tutor dos

demais professores inscritos no curso. Durante o andamento do curso, os

professores conhecem o Projeto de Intervenção Pedagógica apresentado pelo

professor PDE e o Material Didático-Pedagógico aplicado na implementação por

esse professor PDE.

A intenção desse trabalho é de socializar os resultados com os demais

professores da rede para que os eles possam de alguma forma trocar experiências,

adaptar e ou melhorar uma ação proposta durante a elaboração do projeto ou na

metodologia aplicada na implementação do material dentro da sala de aula.

O GTR foi dividido em três módulos. No primeiro módulo foram discutidas as

questões sobre as práticas discursivas e o aprimoramento dos conhecimentos

linguísticos (tema do projeto desenvolvido pela professora PDE). No segundo

módulo foi apresentado o Projeto de Intervenção e o Material Didático-Pedagógico

produzido pela professora PDE. No terceiro módulo foi analisado a implementação

do projeto pela professora PDE.

No decorrer do curso foram utilizadas as ferramentas do GTR, tais como:

glossário, fóruns e diários que tem por objetivo a efetiva participação do cursista

nessa socialização. No glossário, os cursistas contribuíram com palavras que são

utilizadas frequentemente nesse tipo de gênero. Já nos fóruns, esse espaço se

constitui como uma ferramenta que permite troca de experiências, manifestação de

opiniões, debates, sugestões e contribuições entre os cursistas. Com relação aos

diários, eles são considerados ferramentas que abrangem uma interação entre o

tutor e o cursista. Nessa ferramenta, o cursista contribui com uma produção e o

professor tutor, então, retorna-o com um feedback.

Com a finalização do GTR, pode-se perceber que esse ambiente virtual

utilizado como ferramenta didático-pedagógico na formação continuada docente, é

um espaço que permite aos professores um aprimoramento de suas práticas

pedagógicas, procurando superar possíveis problemáticas detectadas pelo professor

ao longo de sua formação professoral, e, assim, tornando-se acessíveis aos demais

professores da rede, uma troca de experiência de forma a auxiliá-los no trabalho em

sala de aula.

4. CONCLUSÃO

O trabalho com o gênero tirinhas teve como objetivo proporcionar ao aluno o

aprimoramento de sua prática discursiva a fim de que ele possa considerar os

enunciados (orais e escritos) como produtos discursivos, ou seja, unidades

temáticas, onde sempre há a presença do diálogo entre sujeito.

O trabalho realizado por meio do quadro teórico-metodológico do ISD com

atividades organizadas de forma gradual, no qual se denominam como SD, procurou

observar as dificuldades11 que os alunos apresentam no desenvolvimento de suas

práticas discursivas. A partir dessas dificuldades, é que procuramos propor um

conjunto de atividades didaticamente organizadas para aprimorar o uso das práticas

discursivas de forma que os alunos possam reconhecer os enunciados (orais e

escritos) que se materializam na sociedade.

Ao final da implementação, a criatividade e a criticidade dos alunos na

produção da tirinha como trabalho final foi satisfatória, pois os alunos perceberam

como utilizar de forma adequada o tema, o plano composicional e o estilo verbal na

tirinha.

Com relação ao GTR, as contribuições apresentadas pelos cursistas foram

importantes para o aprimoramento do trabalho, e também, para o aperfeiçoamento

de nossa prática docente. Portanto, o trabalho com o gênero tirinha é importante

porque possibilita a formação de um cidadão mais crítico, não deixando manipular-

se pela falta de entendimento do que realmente se pretende ao impor certas regras

e orientações em uma sociedade.

11 No caso dessa intervenção didático-pedagógica, as dificuldades encontradas pelos alunos estavam no reconhecimento do tema (assunto), no plano composicional (estrutura) e no estilo verbal (como a escolha do vocabulário a ser empregado) que caracterizam o gênero tirinhas e são acionados e acaba por compor um todo na unidade temática que se caracteriza na escrita como texto e na oralidade como discurso.

REFERÊNCIAS

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