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Organizado por: OUTRO OLHAR PARA A CENA: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO DO ESPECTADOR NO IFRN/CNAT Simões, Elane Fátima; Oliveira, Lia Raquel; Gusmão de Carvalho Neto, Eulália Raquel, [email protected] Resumen: Este artigo é um recorte da pesquisa de doutoramento intitulada “Além do instituído: uma análise da disciplina de Artes Cênicas do IFRN/CNAT”, centrado no programa “Encontro com o Artista” que oportuniza o contato de alunos do ensino médio profissionalizante com a linguagem teatral. Tem como questão norteadora a possibilidade da contribuição deste programa para a formação do espectador em teatro. Quanto à metodologia de coleta e análise dos dados enfatizam-se aspectos da abordagem qualitativa, uma vez que seu foco está no âmbito das práticas pedagógicas, significando, no caso deste trabalho, ouvir os sujeitos, compreender o modo como eles se apropriam e (re)significam as suas experiências e como estas podem extrapolar os muros da escola e os da vida pessoal. Palabras clave: práticas pedagógicas, ensino de teatro, formação de espectador 1. Objetivos o propósitos: É objetivo deste trabalho analisar a contribuição do programa “Encontro com o Artista”, em interação com outras práticas pedagógicas desenvolvidas na disciplina de Artes Cênicas, para a formação e ampliação de espectadores em teatro. Figura I – Comentários de alunos após a realização de um “Encontro com o Artista”.

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OUTRO OLHAR PARA A CENA: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO DO

ESPECTADOR NO IFRN/CNAT Simões, Elane Fátima; Oliveira, Lia Raquel; Gusmão de Carvalho Neto, Eulália Raquel, [email protected]

Resumen: Este artigo é um recorte da pesquisa de doutoramento intitulada “Além do instituído: uma análise da disciplina de Artes Cênicas do IFRN/CNAT”, centrado no programa “Encontro com o Artista” que oportuniza o contato de alunos do ensino médio profissionalizante com a linguagem teatral. Tem como questão norteadora a possibilidade da contribuição deste programa para a formação do espectador em teatro. Quanto à metodologia de coleta e análise dos dados enfatizam-se aspectos da abordagem qualitativa, uma vez que seu foco está no âmbito das práticas pedagógicas, significando, no caso deste trabalho, ouvir os sujeitos, compreender o modo como eles se apropriam e (re)significam as suas experiências e como estas podem extrapolar os muros da escola e os da vida pessoal. Palabras clave: práticas pedagógicas, ensino de teatro, formação de espectador

1. Objetivosopropósitos:É objetivo deste trabalho analisar a contribuição do programa “Encontro com oArtista”,eminteraçãocomoutraspráticaspedagógicasdesenvolvidasnadisciplinadeArtesCênicas,paraaformaçãoeampliaçãodeespectadoresemteatro.FiguraI–Comentáriosdealunosapósarealizaçãodeum“EncontrocomoArtista”.

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2. Marcoteórico:AnecessidadedeseformarespectadoresUm dos debates que perpassa a agenda política para a cultura é a questão dademocratizaçãodaarte.Oteatroaindaé,nosdiasatuais,umalinguagemartísticapouco acessível para boa parte da população brasileira, quer seja por falta deespaços, pela questão econômica ou pela falta de um trabalho de renovaçãoconsistentedoseupúblico.OsescritosdeViolaSpolindemonstramsuapreocupaçãocomaeducaçãoteatral:“o sentido da descoberta visa não apenas à criação da realidade no palco, masimplica a transposição do processo de aprendizagem para a estrutura total doindivíduo” (Koudela, 2001, p.65). Assim, trabalhar na perspectiva da formaçãoestética do sujeito é uma questão que se impõe em nossa sociedadeespetacularizada, potencializada pela proliferação dosmeios de comunicação demassa, que condicionam a sensibilidade dos indivíduos, e aponta para aimportânciadasuaformaçãocrítica,visandoasuaaptidãotantoparaperceberosrecursosespetacularizadosutilizados,quantoparaanalisaraproduçãodesentidosveiculadaporessescanaisdecomunicação(Desgranges,2010).Bakhtin, citado por Desgranges (2010), aponta em suas reflexões outrasperspectivas inerentes à relação do sujeito (contemplador) com as produçõesartísticas, esclarecendo, especialmente, em que medida a experiência artístico-teatralpossibilitaqueosujeitolanceumolharrenovadoparaaprópriavida.Paraesteautoroatoestéticosedánafronteiraentresujeitosqueseencontrameénosencontrosqueacompreensãodooutro,seuacabamentoprovisório,épossível.Aousaro termo“ato”Bakhtinevidenciaasua ideiarelativaàatitudedoespectadordiante da obra artística, afirmando que a mesma deve ser compreendida como“atos de contemplação – atos, pois a contemplação é algo ativo e produtivo”(Bakhtin,2006,p.44).Guinsburg (2007) vaimais além. Para ele, o teatro decorre de uma necessidadeantropológica, assim comooutras formas demanifestação artística, “mas poucasterão,comoele,aintimidadeorgânica,corporal,eavisceralidadecomosujeitodasuaexpressão”(p.34).“Nadacomooteatroparadaraohomemosinaldohomem–amboslhesãoco-presentes”(id.ib.).Apeculiaridadedalinguagemcênica,artesanalepresencial,pormaiscontraditórioquepareça,éoqueimpulsionaasuapermanêncianestasociedademidiatizada.Apresença viva do homem no palco, com pessoas encarnando personagens e o

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públicoconcreto,convivendonomesmoespaço/tempo, fazdecorrerumaatitudediversa da plateia, outra concentração, outra disposição: “sua presença ativa [ ]distingue-sedapassividadeconformistadopúblicomanipuladopelosuaveterrortotalitáriodasindústriasculturais”(Rosenfeld,1996,p.37).Assim,por compreendemoso teatro comoumespaçoprovocadorda capacidadeinterpretativa do indivíduo, possibilitando a aproximação com temas sociaisdiversos, tomamos a pedagogia de espectador, apontada por Desgranges (2010,2011), como aporte teórico relativo à formação do espectador na linguagemteatral.EstapedagogiatemcomoreferênciaoteatroépicodeBrecht1.Articulandoopapel centralda crítica, o jogoda sensibilidadeeo entendimento, centradonaatividade de decifração de signos que interceptam o individual e o social,articulando a cena como discurso, cujo resultado é o redimensionamento dasubjetividade, tirando o espectador do seu mutismo, de sua inapetência aodiscurso,doseusonoqueevitaopensamento,paradespertá-loparaodiálogocomadiversidade(Desgranges,2010).Ao referenciar o teatro épico de Brecht, no que diz respeito ao efeito dedistanciamento–provocandooespectadoraestranharoestranhável,Desgranges(2010)apontaumaspectofundamentalnaconstruçãocríticadoespectadorteatralem sua relação com a sociedade contemporânea: “não tomar como normal osabsurdos cotidianos, não aceitar valores como provenientes de uma validadeconsensual,nemconformar-secomarepetiçãoirrefletidadopassado”(p.174).Outroaspectodestacadoéaexplicitaçãodequequalquerprocessodeformaçãodeespectadores necessita de acesso físico e linguístico, possibilitando tanto afrequentaçãoaespetáculosquantoodesenvolvimentodeaptidõespara lerobrasteatraisdequalidadeestética.A especialização do espectador constitui-se não tanto como ensinar a pensar,dialogar,ler,gostar,massimemproporexperiênciasqueestimulemoespectadoraconstruirospercursospróprios,oprópriosaber,opróprioprazer,deixandoque

1Oépicoéumgêneroliterárioemqueahistóriaécontadatantopelonarrador,emsuadescriçãodosacontecimentos,quantopelospersonagens,emdiálogosqueinterrompemanarrativa.OteatroépicodeBrecht,formuladoteoricamentedurantemaisdetrintaanos,apresentadoisaspectosimportantes:odesnudamentodoaparatocênico,querevelaosmecanismosutilizados,evitandooilusionismodoteatrodramático,eacríticaaosmecanismospolítico-sociaisqueengendravamasociedadecapitalista.Adotavatambém,pormeiodessanarrativa,certodistanciamentonarecepçãodoespectador,demodoqueestepudessevivenciardemaneiracríticae“historicizada”osconteúdosencenados.Preconizavaumcaráterpedagógicocentradonarespostacriativadesseespectadoràsnarrativasapresentadas,nasuainterpretaçãodoevento.Essesprocedimentosartísticosepedagógicosfavoreciamaconquistadalinguagemteatralpeloespectador,queaospoucostornava-semaisexigenteaoperceber-secomoparticipantefundamentaldoevento(Desgranges,2010).

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cada qual vá descobrindo laços e afinidades, tornando-se íntimo a seu modo,relacionando-seegostandodeteatrodoseujeito(id.p.173).Aspesquisasacercada importânciade formarespectadoresvêm tomandocorponesteséculoeosprincipaisfatoresqueestãoemdiscussãonestaspráticassão:arelevânciadaeducaçãodosindivíduostendoemvistaestaremcircunscritosemuma sociedade cada vez mais espetacularizada, que solicita um olhar atento eespecializado para enfrentar a enxurrada de signos aos quais são expostoscotidianamente; e a necessária participação do público no própriodesenvolvimentodaarteteatral,jáquenãosepodeconceberqueaarteavanceetraveumdiálogoprodutivocomasociedadesemaparticipaçãodosespectadores,integrantesfundamentaisdoeventoteatral(Desgranges,2011,p.154).Estáemdiscussãoaprópriasobrevivênciadoteatro,poisoesvaziamentodassalasdeespetáculospoderelegarestaarteatamanhodescasoedesinteressedopoderpúblicoeprivado,responsáveispeloseufinanciamento,colocandoaexistênciadoteatro em situação de risco. Este aspecto já seria o suficiente para justificar aemergênciaemsetrabalharcomaformaçãodeespectadores,masaoassociá-loàespetacularização da sociedade, torna-se vital a importância desse trabalho nodesenvolvimentodoolharaguçadoecríticodoobservador“visandoasuaaptidãotantoparaperceberosrecursosespetacularizadosutilizados,quantoparaanalisaraproduçãodesentidosveiculadaporessescanaisdecomunicação”(Desgranges,2011,p.155).Desgranges (2011) ressaltaqueumprojetode formaçãodeespectadoresnão setrata de um receituário,mas sim de ações artístico- pedagógicas que devem serdesenvolvidasdentrodeumprojetomaiordeformaçãoconstruídocoletivamentecomosindivíduoseasrespectivasinstituiçõesenvolvidasnoprojeto.Asinvestigaçõesrelativasàformaçãodeespectadoressituam-setanto“nocampoda recepção e criação teatral, nas provocações estéticas e participativas [ ] feitapelosartistasaosespectadores,quanto,eprioritariamente,nocampodamediaçãoteatral”(id.,p.159).Paraoautor,qualquerprojetode formaçãodeespectadoresdeve compreender atividades que “despertem nos participantes o gosto peloteatro,odesejodogozoestético,avontadedeconquistaroprazerdaautonomiainterpretativaemsuarelaçãocomoespetáculo”(id.ib.).Porfim“Umprocessoemqueafomedeteatrosejadespertadapeloprazerdaexperiência”(id.ib.).

3. Metodología:O programa “Encontro com o Artista” constitui uma atividade desenvolvida nadisciplina curricular de Artes Cênicas, ofertada aos alunos que fazem cursostécnicos de nível médio, na modalidade integrada, do Campus Natal Central(CNAT)do InstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiadoRioGrandedo

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Norte(IFRN).Proporcionaaidadegruposdeteatroatéainstituiçãopararealizarespetáculos e, ao seu término, abrir uma roda de conversa, proporcionando aosalunosumadiscussãoacercadosseusprocessosdecriação.Quando da realização do programa os alunos já possuem conhecimentos nalinguagemteatral.Assim, tendoporbaseumroteirodeanálisedeespetáculo,osalunosinteragemcomosartistasobjetivandocompreenderoprocessodecriaçãocênicadoespetáculoapresentado.Participamdesteprocessoformativoemteatroumamédiaanualdequatrocentosjovens,entre15e17anos.Opúblicodesteestudoforamosalunosconcluintesdoanode2014quecursaramadisciplinadeArtesCênicasnoano letivode2012.Deacordo como registronosdiáriosdeclasse,osconcluintestotalizavam314.Destetotal,214responderamaum questionário objetivando obter uma visão geral dos alunos com relação àdisciplina.Dos respondentesaoquestionário,21participaramdeumaentrevistaoralsemiestruturadaparaaprofundamentodasquestões levantadas.Tambémfoiusada a rede social Facebook para análise documental de algumas atividadesrealizadas na disciplina, além da observação participante. No que concerne àanálise e interpretação dos dados coletados, procedemos à análise de conteúdo(Bardin,1977).

4. Discusióndelosdatos,evidencias,objetosomaterialesNostextosconstruídospelosalunos,medianteroteirodeanálisedoespetáculo,evidenciamosafamiliaridadecomalinguagemteatral,elementofundantedapedagogiadoespectador:“Ailuminaçãoemtodoespetáculofoimeioescuraoquecausavanoespectadorumasensaçãodemistérioecuriosidade,umacenaquemostraissomuitobeméaqueelesfizeramumatransposiçãodesombras,emqueelesconseguirambrincarcomumagrandesombraecomosmovimentosdoator”.“Nacenaqueotigresetransformaemumserhumano,enafrentedetodos,criandoumarealidadenoespetáculo,amúsicadeixaaquilo,quepoderiaservistocomoumabsurdo,comoacoisamaisinteligenteefantásticadomundo”.Noquestionárioaplicadohaviatrêsquestõesvoltadasàcontribuiçãodadisciplinaparaaaquisiçãodalinguagemteatral,paraaformaçãodoespectadoreoutrarelativaàfrequentaçãoemteatro,anteseapóscursaradisciplina.Oresultadopodeservistonatabelaabaixo:

AexperiênciacomadisciplinadeArtesCênicascontribuiuefetivamente

paraasuaformaçãoenquantoespectadordeteatro?

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Sim 173 80,84

Não 12 5,61Emparte 29 13,55Total 214 100,00

MédiadepeçasdeteatroquehaviaassistidoantesdecursaradisciplinadeArtesCênicas

Nenhuma 32 14,951-2 89 41,593-6 63 29,44Maisde6 30 14,02Total 214 100,00

Númerodevezesqueassistiuapeçasdeteatronosúltimosdoisanos

Nenhuma 28 13,081-2 63 29,443-6 86 40,19Maisde6 37 17,29Total 214 100,00

5. Resultadosy/oconclusionesAo termos uma média de 80% dos alunos concluintes de um curso técnicoafirmando que a disciplina oportunizou conhecimento na linguagem teatral econtribuiuparaasua formaçãoenquantoespectadordeteatro,podemosafirmarque os dados iniciais apontam que o processo de formação do espectador emteatro empreendido pela disciplina de Artes cênicas vem contribuindo de formasignificativanarelaçãodosalunoscomocampodaarte.Alémdisso,onúmerodeespetáculos teatrais assistidos pelos alunos no decurso de dois anos ampliou-seemtornode15%,fatoestedemonstradomuitasvezesnasredessociais.FiguraII–postagemdealunosapósassistiremumespetáculoteatral.

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6. Contribucionesysignificacióncientíficadeestetrabajo:Diante da ausência de uma cultura voltada para a vivência em teatro e daproliferação da espetacularização da sociedade pelos conglomerados midiáticosdominantes, que pouco ou nada convida o indivíduo a exercer o papel autoralcríticoqueaartesolicita,evidenciamosaformaçãodeespectadorescomoumaviaque não só amplia o conhecimento da linguagem teatral mas, essencialmente,possibilitaaossujeitosaconquistadaautonomiaparareelaborarosfatosdacenaeosdasuavida.

7. BibliografíaBakhtin,M.(2006).EstéticadaCriaçãoVerbal.4.ed.SãoPaulo:EdMartinsFontes.Desgranges,F.(2010).APedagogiadoespectador.2.ed.SãoPaulo:Editora

Hucitec.Desgranges,F.(2011).Pedagogiadoteatro:provocaçãoedialogismos.3.ed.São

Paulo:EditoraHucitec:EdiçõesMandacaru.Guinsburg,J.(2007).Dacenaemcena:ensaiosdeteatro.SãoPaulo:

Perspectiva.Koudela,I.D.(2001).JogosTeatrais.4ed.SãoPaulo:Perspectiva.Rosenfeld,A.

(1996).Texto/ContextoI.5.ed..SãoPaulo:Perspectiva.