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Tertúlia Literária Dialógica Com Homens Em Situação De Moradores De Rua
Zacharias, Maria Alice, Pedrolongo, Larissa, Universidade Estadual Paulista, Universidade Federal de São Carlos,
Resumen: O objetivo desse trabalho é destacar contribuições do diálogo igualitário,
vivenciado na Tertúlia Literária Dialógica (TLD), para transformações pessoais e
sociais na vida de um grupo constituído por homens em situação de moradores de
rua, no Brasil. O diálogo igualitário é um dos princípios que orientam a realização
das TLD, evidenciadas como Atuações Educativas de Êxito a partir das pesquisas
que compõem o Projeto INCLUD-ED (Flecha & Molina, 2013). Para coleta e análise
dos dados apresentados, usou-se a metodologia comunicativa com caráter
investigativo qualitativo, seguindo o rigor científico para buscar a verdade por meio
do entendimento intersubjetivo e das vivências das TLDs, as quais são
consideradas como potencialmente favoráveis à transposição de barreiras e à
transformação de sonhos em realidades.
Palabras clave: tertúlia literária dialógica; morador de rua; transformação social
1. Objetivos o propósitos:
O objetivo desse trabalho é destacar contribuições do diálogo igualitário, vivenciado na
Tertúlia Literária Dialógica (TLD), para transformações pessoais e sociais na vida de
um grupo constituído por homens em situação de moradores de rua, no Brasil.
2. Marco teórico:
O diálogo igualitário permite a participação de pessoas sem hierarquização de
poder, ou seja, o poder de cada participante está na argumentação que faz durante o
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diálogo. Nessa perspectiva, o diálogo igualitário faz parte de uns dos princípios da
Aprendizagem Dialógica1 de acordo com os estudos de Flecha (1997).
Além do princípio de diálogo igualitário a aprendizagem dialógica é composta
por mais seis princípios, a saber: inteligência cultural: cada pessoa traz consigo um
conhecimento de vida, que contribui no processo de aprendizagem; transformação:
mudanças nas relações pessoais; dimensão instrumental:aprendizagem de
conhecimentos acadêmicos e instrumentais; criação de sentido: recriação do sentido da
vida tanto individual como coletivo; solidariedade: permite ser mais humano; igualdade
de diferenças: respeitar o outro na sua diferença (Flecha, 1997,p.13).
A Tertúlia Literária Dialógica é considerada como Atuação Educativa de Êxito
(AEE), com base no Projeto INCLUD-ED2 (investigação realizada pelo CREA 2006-
2011).
Com base em Flecha (1997), a TLD pode ser organizada semanalmente com
duração aproximada de duas horas. Decide-se conjuntamente o livro e a parte a ser lida
em cada encontro. Todas as pessoas leem, refletem e conversam com os familiares e
amigos durante a semana. Cada participante traz um fragmento escolhido para ler em
voz alta e explicar o seu destaque (existe uma inscrição dos destaques de acordo com a
página do texto que se encontram, e os participantes podem comentar o destaque de
algum colega, por ordem de inscrição). Segundo Flecha (1997), “o diálogo vai se
construindo a partir dessas contribuições. Os debates entre diferentes opiniões são
resolvidos apenas por meio de argumentos [...] não há ninguém que, por sua posição de
poder, explique a concepção certa ou errada”.( pp.17-18)
1 Vale mencionar que a Aprendizagem Dialógica é um conceito elaborado pelo Centro de Pesquisa Especial
em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades da Universidade de Barcelona (CREA/UB), na
Espanha. 2 INCLUD-ED. Estratégias de inclusão e coesão social da educação na Europa (Comissão Europeia,
2006-2011) é um projeto integrado do 6º Programa Marco de investigação Europeia, desenvolvido por
uma equipe de pesquisadores de 15 instituições e 14 países da Europa, e coordenado pelo CREA, Centro
de Pesquisa Especial em Teorias e Práticas Superadoras de desigualdades da Universidade de Barcelona.
(Flecha & Molina, 2013, p. 26)
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Recorrendo-se à Paulo Freire (2005) cuja obra está entre os fundamentos da
Aprendizagem Dialógica,pode-se entender que a dialogicidade se estabelece por meio
de alguns pontos fundamentais: amar a humanidade, a vida e o meio ambiente em que
vivemos; ter fé e acreditar mais nas pessoas e ser humilde o suficiente para se pôr no
lugar do outro sempre, não é um amor romantizado e sim um amor capaz de juntar
forças para lutar pelo direito e pela dignidade da vida humana, estar junto é
fundamental. Nas palavras de Freire: “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não
amo os seres humanos, não me é possível o diálogo” (Freire, 2005, p. 92).
O princípio da inteligência cultural é o que possibilita o diálogo igualitário (...) ,
pois ele mostra que ao longo da vida nós aprendemos muitas coisas e de várias maneiras
diferentes. Por este princípio, salienta-se que a inteligência (...) se desenvolve a partir da
inserção das pessoas em ambientes diferentes, possibiilitando gerar e reformular
permanentemente ideias em novas inserções e interações. Essas ações podem
proporcionar transformações pessoais quanto à auto-imagem e às atitudes perante a
sociedade, produzindo transformações nas relações estabelecidas em seu entorno
imediato e possibilitando movimentos mais amplos de transformação cultural e inserção
social (Mello, 2008 p.3).
Nesse sentido, estar aberto ao diálogo com pessoas que estão em situação de
moradores de rua requer que se dispa de todos os preconceitos. De acordo com Peres et
al (2014):
A problemática da população em situação de rua mostra-se complexa e solicita
intervenções inovadoras que possibilitem a mobilização social no intuito de fomentar
um movimento na sociedade para que sejam construídas novas possibilidades de
inserção das populações que em decorrência das condições sociais, econômicas e
culturais encontram-se excluídas. (p.142)
Marigo, Logarezzi & Mello, (2015) explicam que “enquanto as fontes de
informação se amplificam e se diversificam, torna-se perceptível que conhecimentos e
habilidades diversas também são adquiridos em outros contextos educativos, ao passo
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que transcendem os saberes acadêmicos, pois se relacionam a aspectos comunicativos e
práticos”. (p.144)
Diante das desigualdades que caracterizam os contextos educativos
contemporâneos, propor atividades educativas que minimizem formas de exclusão
social se torna fundamental para garantir igualdades de direitos a qualquer pessoa.
3. Metodología:
Este trabalho apresenta resultados de uma tertúlia literária dialógica realizada
com homens em situação de morador de rua, em uma cidade do interior do Estado de
São Paulo, Brasil. Para tanto, nos pautamos na metodologia comunicativa em uma
pesquisa qualitativa, que busca o rigor científico por meio do entendimento
intersubjetivo, tendo em vista a participação igualitária de todos os sujeitos envolvidos
na investigação. Essa metodologia foi elaborada pelo Centro de Pesquisa Especial em
Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades da Universidade de Barcelona
(CREA/UB), a partir das bases teóricas do filósofo e sociólogo Jürgen Habermas e do
educador Paulo Freire, pautando-se na consideração do diálogo como fundamento de
transformação social (Gómez et al, 2006).
Conforme Gómez et al (2006), a metodologia comunicativa abrange elementos
relevantes da aprendizagem dialógica e da investigação científica, pois permite o
diálogo coletivo entre os participantes e o acompanhamento de todas as etapas da
pesquisa pelas pessoas do grupo e pela pessoa investigadora. Nessa perspectiva, a
metodologia comunicativa se apóia nos seguintes postulados: universalidade de
linguagem; pessoas como agentes sociais transformadores; racionalidade comunicativa;
sentido comum; desconsideração de hierarquia interpretativa; igualdade de nível
epistemológico e conhecimento dialógico.
Os encontros da TLD, focalizados por essa pesquisa, ocorrem semanalmente,
com um grupo de homens em situação de moradores de rua, tendo duração de duas
horas. No primeiro encontro, foi apresentada a TLD para que os participantes pudessem
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conhecer e se manifestarem acerca de seu interesse em participar da atividade,
respeitando os princípios da Aprendizagem Dialógica. Essas TLDs foram realizadas
durante todo o ano de 2015 totalizando 40 encontros. Inicialmente, o grupo foi
constituído por 15 homens que provisoriamente vivem em uma Comunidade de cunho
religioso, e que participam do projeto de alfabetização de adultos denominado
Movimento de Alfabetização de Adultos (MOVA)3¹. Trata-se de um movimento
popular pela alfabetização de adultos, surgido no Brasil, no ano de 1989, por iniciativa
dos educadores Paulo Freire e Pedro Pontual, com vistas a uma educação libertadora e
dialógica entre educador e educando.
Durante as TLDs, foram feitos registros das falas dos participantes com base nos
trechos que eles destacaram após a leitura, respeitando-se a ordem em que aparecem no
texto (inscrições) e sempre priorizando o participante que falou menos. Convém
esclarecer que, no Brasil, algumas das TLD guardam os registros das falas de seus
participantes, para manter a memória escrita de cada encontro, possibilitando a
retomada, em encontros seguintes, de algumas reflexões que eventualmente surjam.
Além de recorrermos a esses registros, utilizou-se o procedimento da observação
comunicativa, possibilitando a análise intersubjetiva de mudanças nos comportamentos
dos participantes durante os encontros. Por meio deste procedimento compartilha-se
com os sujeitos da pesquisa quais os aspectos que deverão ser observados. Ao final de
cada encontro, torna-se possível resgatar, com as pessoas envolvidas na pesquisa, os
aspectos que lhes foram mais significativos.
Para a apresentação dos relatos nesse trabalho, contamos com três participantes
que, após consultados, consentiram que poderíamos ter suas contribuições. A
identificação dos mesmo na apresentação de suas falas foi preservada, recorrendo, por
isso, a pseudônimos4.
3 MOVA- Movimento de Alfabetização de Adultos http://www.paulofreire.org/programas-e-
projetos/projeto-mova-brasil 4 Pseudônimo or iginou a partir do grego pseudṓnumos, que significa “aquele que usa ou dá nomes falsos”. http://www.significados.com.br/pseudonimo/
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No início dos encontros, foram lidos 3 contos clássicos escolhidos pelos
próprios participantes, recém- familiarizados com esse tipo de literatura. Foi
apresentada aos participantes uma lista com os titulos dos contos clássicos para que eles
escolhessem quais seriam lidos nas atividades. Foram escolhidos: A terceira margem
do rio e Soroco, sua mãe e sua filha do brasileiro Guimarães Rosa; e Um homem
extraordinário do russo Anton Tchekhov.
Em seguida, eles próprios sugeriram o livro “Capitães da areia” do autor Jorge
Amado, cujas informações foram apresentadas por um dos alunos que já havia lido essa
obra e a achara interessante. O livro foi disponibilizado para os alunos pelo Núcleo de
Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE)5 da Universidade Federal de São
Carlos.
Os participantes da TLD que se apresentam nesse estudo são:Jesus com
aproximadamente 40 anos de idade, Anselmo 39 anos de idade e Mauro com mais de 50
anos de idade. Vale destacar que a TLD permite a participação de todas as pessoas,
independentemente de estarem ou não alfabetizadas, considerando-se que todas podem
usar sua linguagem para expressarem seus conhecimentos gerados em seus contextos de
experiências diversas, como os de trabalho e os cotidianas, além dos acadêmicos.
4. Discusión de los datos, evidencias, objetos o materiales
A partir dos registros deste grupo e das observações comunicativas relativas aos
40 encontros, verificaram-se muitas tranformações positivas nas interações coletivas do
grupo, entre elas a solidariedade e a confiança nos pares. Os participantes assinalam
que começaram a se tratar com mais respeito, paciência e interesse pelas falas uns dos
outros.
Diante do texto: “Um homem extraordinário”, de Thecóv, reflexões profundas
foram articuladas com a historia da vida dos participantes, como menciona Jesus:
5 Maiores informações no site: HTTP:www.niase.ufscar.br
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“Na sociedade de hoje, se você não fizer mais barato, outro vem e faz, desvaloriza o
trabalho. Não podemos trabalhar só por comida. Pela lei, não podemos receber menos
de um salário.”
Com base nessa menção, percebe-se que, nos argumentos apresentados durante as
vivências de TLD, estes são momentos muito significativos para cada um deles, pois
percebem que as desigualdades sociais perpassam toda a história da humanidade.
Outro ponto importante refere-se à aproximação dos participantes do livro
“Capitães da Areia”, escrito em 1937 e considerado um clássico da literatura brasileira.
Esse livro aborda a história de meninos abandonados que vivem nas ruas da cidade de
Salvador na Bahia. A partir de seu contato com o livro, Mario observa:
“O reformatório citado no livro é semelhante as FEBENS6 de hoje em dia, não
funcionam pra nada, só servem para deixar as pessoas piores.”
As falas dos participantes estão relacionadas ao conhecimento cultural de cada
um, sendo um elemento importante e muito rico. Observa-se que a vivência de rua desse
participante faz com que ele perceba que, ao sairem da FEBEM, os jovens voltam
piores para as ruas. No entanto, ao sairem da tertúlia, os participantes apresentam uma
nova percepção, comentada por Jesus, a seguir:
6Fundo Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM): http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/7mostra/4/29.pdf
A FEBEM é uma instituição que abriga adolescentes com faixa etária de 12 a 18 anos incompletos.
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“Eu já tive várias oportunidades de mudar, mas eu sempre acabava voltando para a
rua, a gente acaba se acostumando, mas hoje eu estudo e luto para não voltar para a
rua.”
Nesse mesmo sentido, José menciona como é importante a superação de um
passado marcado por situações limitantes e sofredoras:
“Eu morava na rua não tinha valor nenhum, não tinha dentes, as pessoas me olhavam
com desprezo, hoje sou outra pessoa, e o estudo da tertúlia literária dialógica abre a
mente da gente, vou estudar quero ser seminarista.”
Como podemos observar, ao analisarem suas próprias falas, os participantes
identificaram elementos importantes na vivência da TLD que vieram proporcionar
benefícios transformadores nas suas vidas (tanto na comunidade como na família) e
maior autonomia para argumentar.O diálogo igualitário proporcionou o respeito pelas
diferenças, gerou formas para lidar com a diversidade, melhorando assim as relações
entre eles, e abriu uma nova janela para verem a vida sob uma nova perspectiva.
Durante a realização das TLD, os participantes relataram várias lembranças e
opiniões sobre diversos assuntos. Através dessa troca de experiências muitas opiniões e
atitudes foram se transformando, para que se pudesse chegar a um consenso do que
realmente seja importante na vida de cada um.
5. Resultados y/o conclusiones
A partir da prática da TLD e com base nos relatos dos participantes, percebemos
que eles possuem várias demandas, que, vivenciadas em uma aula tradicional, não
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seriam supridas por não terem a oportunidade de fala. Por isso, acreditamos que o
diálogo igualitário desenvolvido durante as vivências da TLD auxilia na alfabetização,
proporciona o respeito pelos saberes de experiência feitos, diminui a prática da
violência verbal e física na comunidade onde vivem e possibilita conhecer e conviver
com o outro de forma mais harmoniosa. O diálogo igualitário também proporcionou
aos participantes transformações que facilitaram a reestruturação familiar e social.
6. Contribuciones y significación científica de este trabajo:
Consideramos que a TLD possibilita não só o desenvolvimento da leitura, mas
também um aprofundamento maior de significados e reflexões. Além disso, o diálogo
igualitario é um elemento fundamental para modificar contextos sociais, pois permite
que as pessoas tenham maior liberdade, autonômia e empoderamento para buscarem
seus direitos.
Acreditamos que a prática da TLD com pessoas em situação de morador de rua é
capaz de transpor barreiras e transformar sonhos em realidades. Pode garantir
aprendizagens que dão suporte instrumental para transformação da vida cotidiana e
futura, além de fornecer elementos para elaboração de politicas públicas que visem
ajudar essa parcela da sociedade.
7. Bibliografía
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Organizado por:
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http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.038 acesso em 17jan. 2015.
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